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Data de Criação: 15/05/2020
Criado por: Biblioteca
Clipping SCA
Os artigos reproduzidos neste clipping de notícias são, tanto no conteúdo quanto
na forma, de inteira responsabilidade de seus autores. Não traduzem, por isso
mesmo, a opinião legal ou manifestação de integrante da SiqueiraCastro.
Sumário das
Matérias:
Senado deve alterar projeto que limita os juros em 20%
Valor ––15 de maio.............................................01
Bolsonaro pede a industriais ‘jogo pesado’ contra Estados
Valor ––15 de maio.............................................05
TCU critica MP que blinda agentes públicos
Valor ––15 de maio.............................................08
Câmara aprova regime jurídico especial durante a pandemia e adia Lei de Dados
Valor ––15 de maio.............................................10
Câmara aprova regime jurídico especial durante a pandemia e adia Lei de Dados
Valor ––15 de maio.............................................12
A reforma das leis sobre juros no Brasil
Valor ––15 de maio.............................................14
Covid-19 e imposto sobre grandes fortunas
Valor ––15 de maio.............................................17
Para presidente da Mercedes-Benz, o Brasil perdeu credibilidade
Valor ––15 de maio.............................................20
Contrapartida de apoio às elétricas desagrada setor
Valor ––15 de maio.............................................22
Câmbio leva Suzano a perda de R$ 13,4 bi
Valor ––15 de maio.............................................24
Movimento falimentar
Valor ––15 de maio.............................................26
Debêntures incentivadas podem ser usadas no 5G
Valor ––15 de maio.............................................28
Tabelamento de juros pode fragilizar o sistema financeiro
Valor ––15 de maio.............................................30
STF nega liberação de depósito judicial em razão de pandemia
Valor ––15 de maio.............................................32
Turma do STJ equipara seguro garantia a dinheiro
Valor ––15 de maio.............................................35
Reflexões sobre a Convenção de Quioto
Valor ––15 de maio.............................................37
Nova MP de Bolsonaro traz insegurança jurídica e inconstitucionalidade, avaliam especialistas
Folha ––15 de maio.............................................40
Isolamento social represa pedidos de falência e recuperação judicial
Folha ––15 de maio.............................................44
Guedes estuda desonerar encargos trabalhistas com perda de arrecadação
Folha ––15 de maio.............................................47
Câmara aprova novo texto de PL sobre medidas emergenciais para epidemia
Conjur ––15 de maio.............................................50
Juiz manda fechar estabelecimentos não essenciais em Macaé
Conjur ––15 de maio.............................................54
Direitos de titular de marca registrada no INPI não podem ser afastados pela Justiça Estadual
Migalhas ––15 de maio.............................................56
Como a Covid-19 pode pavimentar o caminho da colaboração entre fisco e contribuinte?
Jota ––15 de maio.....................................................58
Valor Econômico
Caderno: Primeira Página, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Senado deve alterar projeto que limita os juros em 20%
Proposta de criação de um limite
para os juros é criticada por
especialistas, que veem risco de a
medida provocar escassez de
crédito
Por Talita Moreira, Sergio
Tauhata, Renan Truffi e Estevão
Taiar — De São Paulo e Brasília
O Senado negocia alterações no projeto
de lei que estabelece um teto para as
taxas de juros cobradas em operações
com cartões de crédito e cheque
especial. De autoria do líder do
Podemos, senador Álvaro Dias (PR), a
proposta seria votada ontem, mas foi
retirada da pauta pelo presidente da
Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
O relator da projeto, Lasier Martins
(Podemos-RS), prometeu apresentar
hoje seu relatório. Como o texto original
foi muito criticado, ele decidiu fazer
mudanças. Uma delas é elevar, de 20%
para 30% ao ano, o teto dos juros para
as dívidas contraídas tanto no cheque
especial quanto no cartão de crédito.
O teto, já na proposta original, seria
temporário. Álvaro Dias fixou o período
de vigência para dívidas originadas
entre março de 2020, momento em que
a pandemia do novo coronavírus
começou a avançar no país, e julho de
01
2021. Lasier proporá em seu novo
relatório que a medida se restrinja à
duração do período de calamidade
pública, decretada pelo presidente Jair
Bolsonaro com vigência até 31 de
dezembro deste ano.
De acordo com o texto, o Banco Central
será o responsável pela regulamentação
e fiscalização. Durante esse período, os
bancos e instituições financeiras
também não poderão reduzir o limite
de crédito de seus clientes.
Os juros do cheque especial já têm um
teto fixado pelo Banco Central, mas em
um percentual muito superior ao
proposto pelos senadores - 8% ao mês,
ou 151,82% ao ano, segundo cálculo
do Valor Data. No caso do cartão de
crédito não há teto e os juros anuais
estão em quase 300%.
A proposta de criação de um limite para
os juros foi muito criticada ontem por
especialistas, que veem risco de a
medida provocar escassez de crédito.
“Essas coisas voluntariosas sempre
saem pela culatra. A última coisa que se
quer agora é fazer o crédito secar e
fragilizar o sistema”, disse ao Valor o
ex-presidente do BC Arminio Fraga.
“Acaba com a oferta [de crédito]”,
concordou Jairo Saddi, professor da
FGV.
Senadores negociam mudança em teto de taxa
Proposta estava pronta para ser
votada ontem, mas foi retirada de
pauta
Por Renan Truffi — De Brasília
O Senado negocia alterar alguns dos
artigos do projeto que estabelece um
teto para os juros dos cartões de crédito
e do cheque especial. De autoria do
líder do Podemos na Casa, senador
Alvaro Dias (PR), a proposta estava
pronta para ser votada ontem, mas foi
retirada de pauta pelo presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP),
após articulações do setor.
Relator da proposta, o senador Lasier
Martins (Pode-RS) deve apresentar seu
relatório até o fim do dia de hoje. Como
forma de ganhar apoio dos demais
senadores, ele vai diminuir o prazo de
vigência da proposta e aumentar o teto
para os juros: em vez dos 20% ao ano,
sugerido inicialmente, Lasier pretende
propor 30% de juros ao ano. De acordo
com o texto, o Banco Central será o
responsável pela regulamentação e
fiscalização. Durante esse período, os
bancos e instituições financeiras não
poderão reduzir o limite de crédito de
seus clientes.
O projeto original dizia que esse teto
extraordinário valeria para todas as
dívidas contraídas entre março de 2020
e julho de 2021. Em vez disso, Lasier
ajustou o texto para que esses juros
tenham validade durante todo o estado
de calamidade pública. “Os juros para o
crédito rotativo, cartão de crédito e
todas as demais modalidades de
02
crédito, ofertadas por meio de cartões
de créditos e linhas de crédito de
cheque especial, não poderão exceder
30% ao ano durante o estado de
calamidade pública”, diz o artigo escrito
pelo relator.
“Estamos na expectativa de que o
presidente confirme o projeto para a
primeira sessão da semana”, disse
Lasier.
A Federação Brasileira de Bancos
(Febraban), que representa o setor, fez
um trabalho de convencimento junto a
diversas bancadas durante todo o dia de
ontem, quando realizou uma série de
videoconferências com diversos
senadores. Como resultado, a votação
acabou sendo adiada.
Segundo o Valor apurou, a expectativa
de representantes do setor financeiro é
que, mesmo que seja aprovado no
Senado, o projeto ganhe outro formato
na Câmara ou até mesmo fique
engavetado. “Tornaram os bancos a
Geni da vez. Imagina regular juros por
projeto de lei?”, questionou um dos
representantes do setor financeiro
envolvidos nas negociações.
A proposta não é a única que preocupa
o setor financeiro. Há o receio também
de que o Senado paute, na semana que
vem, um aumento de 20% para 50% na
alíquota da Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL) para as
instituições financeiras. A ideia de
aumentar a taxação dos bancos foi uma
sugestão conjunta das bancadas do PDT
e do Progressistas.
Um outro projeto na pauta do Senado
está atraindo críticas. De autoria do
senador Eduardo Braga (MDB-AM), a
proposta suspende por 120 dias o
reajuste de preços de medicamentos e
de planos e seguros privados de saúde.
As empresas do setor têm tentado
negociar uma mudança para que o
congelamento não atinja todos os tipos
de contratos, segundo apurou o Valor.
Tabelamento de juros pode fragilizar o sistema financeiro
Projeto prevê teto a cheque
especial e cartão; para
especialistas, medida pode gerar
escassez de crédito
Por Talita Moreira e Sérgio
Tauhata — De São Paulo
15/05/2020 05h01 Atualizado há uma
hora
Arminio Fraga: mais relevante seria discutir o
crédito a pequena e média empresa — Foto:
Luciana Whitaker/Valor
O tabelamento de taxas de juros e o
congelamento dos limites de crédito dos
clientes - previstos em projeto de lei de
autoria do senador Álvaro Dias
(Podemos-PR) - irão fragilizar o sistema
03
financeiro e reduzirão a oferta de
crédito num momento de crise,
afirmam economistas e especialistas no
setor bancário.
“Essas coisas voluntariosas sempre
saem pela culatra”, afirmou ao Valor o
ex-presidente do Banco Central (BC)
Arminio Fraga. “A última coisa que se
quer agora é fazer o crédito secar e
fragilizar o sistema.”
Uma escassez de crédito também é o
efeito esperado pelo advogado e
professor da FGV Jairo Saddi, um
especialista do setor financeiro, caso a
proposta vá adiante. “Acaba com a
oferta”, resumiu.
“O projeto traz uma combinação muito
perversa, muito perigosa, que pode
gerar um problema sistêmico, uma
interferência no mercado de crédito e
agravar a situação que estamos vivendo
hoje, de desfuncionalidade e recessão”,
disse a sócia e chefe do escritório
brasileiro da Oliver Wyman, Ana Carla
Abrão Costa.
O projeto de lei 1166 estava na pauta de
votação do Senado ontem, mas a sessão
foi suspensa, com os parlamentares
alegando que precisavam de “mais
tempo” para estudar esse e outros itens.
“Além de uma crise de saúde,
econômica e política, vamos ter uma
crise bancária se o projeto for
aprovado”, alertou uma fonte graduada
próxima aos bancos.
Reportagem publicada pelo Valor na
terça-feira mostrou que bancos e
fintechs vinham se mobilizando no
Congresso, no Ministério da Economia
e no Banco Central (BC) para apontar
os riscos da aprovação da medida. Na
ocasião, o presidente da Federação
Brasileira de Bancos, Isaac Sidney
Ferreira, disse que a proposta pode
reduzir a oferta de crédito e
desorganizar os mercados objeto da
medida.
O texto em discussão no Senado define
um teto de 20% ao ano para as taxas do
cheque especial e do rotativo dos
cartões - hoje em 130% ao ano e 296,1%
ao ano, respectivamente. O projeto
também impede os bancos de reduzir o
limite de crédito dos clientes entre
março deste ano e julho de 2021.
Para Michel Viriato, professor de
finanças do Insper, a limitação das
taxas em 20% ao ano pode “matar” os
produtos. “Ninguém vai dar cartão de
crédito ou cheque especial para quem
não tem condições de pagar a fatura. Os
bancos ainda tenderiam a cortar os
limites de todo mundo, mesmo aqueles
com capacidade de pagamento, então,
provavelmente vai acabar o cartão de
crédito das pessoas com menor poder
aquisitivo”, afirmou.
Os especialistas disseram que um
tabelamento de taxas de juros pode
dificultar a recuperação da economia
após o choque imposto pelo
coronavírus.
Fraga afirmou não questionar a
intenção do projeto. No entanto, disse
não ver motivo para uma proposta que
limite a cobrança de juros neste
momento. “Até porque o crédito está
retomando, os números mostram isso.”
Na visão do ex-presidente do BC, mais
relevante agora seria discutir o crédito a
pequenas e médias empresas, “inclusive
por uma questão de solidariedade, de
salvar empregos”.
04
Saddi observou que o Brasil tem uma
relação entre crédito e PIB baixa na
comparação com outros países, e
projetos com essa motivação
prejudicam quem tem acesso a
recursos. “Quem tem crédito no varejo
não terá mais.” De acordo com Saddi,
há outros mecanismos mais efetivos
para reduzir os spreads bancários,
como a redução de empréstimos
compulsórios pelo BC.
Viriato, do Insper, alertou que haveria
ainda o efeito de reduzir compras no
varejo, porque muitos usuários usam o
cartão para parcelamentos. “No pós-
pandemia isso pode ser um fator de
limitação da retomada para o setor”,
afirmou. “O Congresso tem de entender
que o dinheiro é como água: não
adianta você colocar uma barreira,
porque a água vai passar pelo outro
lado.”
Na visão de Ana Carla, muito melhor do
que tabelar juros e limites de crédito é
haver coordenação do governo sobre as
diversas ideias que estão em discussão
para fazer os recursos chegarem às
mãos de quem precisa deles.
Os especialistas também afirmaram ver
pouca efetividade no projeto de lei que
eleva de 20% para 50% a alíquota da
CSLL para instituições financeiras.
“Distinções [de tributação] por setor em
geral não atingem seus objetivos social
e econômico”, diz Arminio.
https://valor.globo.com/impresso/20200515/
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Valor Econômico
Caderno: Politica, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Bolsonaro pede a industriais ‘jogo pesado’ contra Estados
Em videoconferência, presidente
exorta empresários a pressionar
governadores contra medidas de
isolamento social
Por Fabio Murakawa — De Brasília
Bolsonaro a empresários: “Tem que
chamar o governador e jogar pesado,
porque a questão é séria, é guerra” —
Foto: Marcos Corrêa/PR
O presidente Jair Bolsonaro defendeu
ontem, em teleconferência com
industriais, que é preciso “jogar pesado”
com governadores como o de São Paulo,
João Doria (PSDB), a fim de forçar a
retomada da atividade econômica em
meio à pandemia de covid-19.
Bolsonaro disse que “a questão é séria,
é guerra”.
05
Na mesma reunião, o ministro da
Economia, Paulo Guedes, pediu aos
empresários, “que sempre financiaram
campanhas eleitorais”, a usar o acesso
que têm aos parlamentares para apoiar
o governo em matérias analisadas pela
Câmara e o Senado.
A videoconferência, que ocorreu no
aplicativo Zoom, reuniu um grupo de
empresários liderados por Paulo Skaf,
presidente da Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (Fiesp). O link
do evento vazou para jornalistas, que
acompanharam livremente as
conversas.
A fala de Bolsonaro reflete o conflito
entre o presidente, preocupado com a
paralisia econômica causada pelas
medidas restritivas, e governadores,
que tentam evitar uma rápida
propagação do vírus para que seus
sistemas de saúde não entrem em
colapso. Ontem, 844 pessoas morreram
em decorrência da covid-19, elevando o
total de vítimas da doença a 13.993.
Em sua participação, Bolsonaro acusou
governadores de tentarem
deliberadamente prejudicar a sua
gestão pela via econômica.
“O que parece que está acontecendo é
uma questão política, tentando quebrar
a economia, para atingir o governo”,
afirmou.
Bolsonaro classificou como
“inimaginável” a ideia de um
“lockdown”, estudada por Doria.
“Um homem está decidindo o futuro de
São Paulo, está decidindo o futuro da
economia do Brasil”, disse o presidente.
“Os senhores, com todo o respeito, têm
que chamar o governador e jogar
pesado, jogar pesado, porque a questão
é séria, é guerra. É o Brasil que está em
jogo.”
O presidente voltou a se queixar da
decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF) que deu a governadores e
prefeitos a prerrogativa de deliberar
sobre restrições.
“Tem a questão da vida e o desemprego,
que deviam ser tratados da mesma
forma, com a mesma responsabilidade”,
afirmou. “O que aconteceu ao longo do
tempo? O Supremo decidiu que cada
governador é dono do seu estado. Um
só decide.”
Bolsonaro disse que fará um novo
pronunciamento em cadeia nacional de
rádio e televisão no sábado para
“transmitir confiança” à população.
Ao se queixar de alguns veículos de
comunicação, que para ele, levam “o
terror o tempo todo para os lares aqui
no Brasil”, Bolsonaro pediu que os
empresários não anunciem mais nesses
veículos, que ele não citou
nominalmente.
“Converso com governador, converso
com presidente de outros Poderes, com
os senhores e vamos buscar a solução,
mas é pra ontem. Não dá para esperar
mais”, afirmou o presidente.
Bolsonaro também disse que está
“exigindo” do ministro da Saúde,
Nelson Teich, que altere o protocolo da
pasta para recomendar o uso da
cloroquina no estágio inicial da covid-
19.
“Estou exigindo a questão da
cloroquina agora também. [...] Eu sou
comandante, presidente da República,
para decidir, para chegar para qualquer
ministro e falar o que está
06
acontecendo”, afirmou. Essa decisão da
cloroquina passa por mim. É mais do
que pedir”, disse, assegurando que
acredita no trabalho de Teich, “mas essa
questão vamos resolver”.
Guedes, por sua vez, citou o fato de os
empresários serem tradicionais
financiadores de campanhas eleitorais -
o que hoje está proibido por lei - para
pedir que eles usem o acesso que têm
aos parlamentares a fim de apoiar o
governo. E afirmou que Bolsonaro está
considerando vetar o reajuste a algumas
categorias de funcionários públicos,
concedida pelo Congresso como
exceção ao congelamento de dois anos
de salários.
“Nós precisamos do apoio dos senhores,
que sempre financiaram campanhas
eleitorais, que têm acesso a todos os
parlamentares, que têm intimidade com
presidente da Câmara e presidente do
Senado [Davi Alcolumbre, DEM-AP], os
senhores têm acesso. Trabalhem esse
acesso para nos apoiar”, disse. “É
importante que o dinheiro da saúde
chegue à saúde, por isso que o
presidente está considerando o veto.”
O ministro afirmou acreditar que, “em
um ou dois meses”, será possível
encaminhar ao Congresso uma série de
medidas para estimular a produção e o
emprego. Uma dessas medidas, que ele
não quis detalhar por estar em
discussão com Bolsonaro, trata da
redução de encargos trabalhistas.
“Nós vamos voltar para o trilho.
Caminho da prosperidade turbinado”,
afirmou. “Exatamente como houve essa
crise, nós vamos ter que ir mais rápido,
e com mais intensidade, na mesma
direção que nós estávamos indo. O
Brasil achou o caminho. Nós estamos
fazendo o certo. ”
Ao final do evento, quando já havia na
imprensa notas sobre o encontro,
Guedes pediu novamente a palavra para
negar a intenção de pressionar os
demais Poderes.
“Paulo [Skaf], me permita uma
observação final. Nunca deixar que o
tom empolgado com que nós nos
dedicamos ao nosso trabalho e as
nossas obrigações, ou seja, os nossos
modos, sejam confundidos como os
nossos princípios e a forma como a
gente trabalha”, disse. “Às vezes há uma
má leitura disso. ‘Ah, eles tão querendo
pressionar isso, pressionar aquilo...’.
Não é nada disso. Acreditamos no
Congresso, acreditamos justamente de
que a coisa vai dar certo final.”
https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/05/15/
bolsonaro-pede-a-industriais-jogo-pesado-contra-
estados.ghtml
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07
Valor Econômico
Caderno: Politico, sexta-feira 15 de maio de 2020.
TCU critica MP que blinda agentes públicos
Medida Provisória flexibiliza a
responsabilização por erros
cometidos no combate ao covid-19
Por Edna Simão, Rafael
Bitencourt e Juliano Basile — De
Brasília
José Múcio: presidente do TCU pediu
uma “ampla discussão” no Congresso
para que a MP seja “legitimada pela
sociedade” — Foto: Denio Simoes/Valor
O governo federal publicou ontem no
Diário Oficial a Medida Provisória 966,
que flexibiliza a responsabilização de
agentes públicos por erros cometidos
no combate à pandemia de covid-19. O
governo alegou que a MP dá mais
segurança jurídica para a atuação dos
08
servidores, mas integrantes do Tribunal
de Contas da União criticaram a
medida.
Pelo texto da MP, os agentes públicos
somente poderão ser responsabilizados
nas esferas civil e administrativa se
agirem ou se omitirem com dolo ou erro
grosseiro pela prática de atos
relacionados, direta ou indiretamente,
com as medidas de enfrentamento da
emergência de saúde pública decorrente
da pandemia.
Segundo técnico da área econômica, a
MP quer evitar o famoso “apagão das
canetas”, protegendo quem “erra de
boa-fé, que tem que agir em
circunstâncias de pressão e de poucos
recursos de tempo, tecnologia e
análise”.
Já o presidente do Tribunal de Contas
da União (TCU), José Mucio Monteiro,
ressaltou a necessidade de ser
promovida uma “ampla discussão” pelo
Congresso Nacional para que os
objetivos da MP sejam “legitimados
pela sociedade”. Em nota divulga à
imprensa, José Mucio informou que o
órgão já conta um “plano de ação” para
avaliar atos do governo, que envolvem
gastos emergenciais, durante a
pandemia de covid-19.
Para o presidente do TCU, o plano de
ação já contempla a necessidade de se
avaliar o “momento excepcional” e a
“agilidade” em que as decisões precisam
ser tomadas. “Todos os processos
relacionados à covid-19 serão avaliados
a partir dessa premissa”, destaca.
Para Monteiro, o tribunal já toma suas
decisões a partir de “dados concretos e
com responsabilidade na aplicação de
penalidades” na apuração da conduta
dos agentes público, “inclusive quanto a
existência de erro grosseiro”.
Um técnico da área econômica
ressaltou que a MP vai dar segurança
jurídica em um momento em que o
governo precisa ser rápido na adoção e
implementação de medidas para
minimizar os efeitos da crise na
economia. O governo tem sido criticado
por ter demorado demais na adoção de
medidas, principalmente, de proteção
dos mais vulneráveis.
Ainda de acordo com a MP, o mero
nexo de causalidade entre a conduta e
um eventual resultado danoso não deve
implicar na responsabilização do agente
público. Além disso, deve ser
considerado o contexto incerteza
"acerca das medidas mais adequadas
para enfrentamento da pandemia da
covid-19 e das suas consequências,
inclusive as econômicas".
09
O Professor da FGV Direito SP, Carlos
Ari Sundfeld, afirma que a MP 966 foi
imediatamente criticada, mas que
apesar disso,é correta. Ela apenas
repete, para a pandemia, regras que já
estão em outras leis. Ele afirma que a
MP responsabiliza gestores que
cometem erros grosseiros ou são mal
intencionados. Também reconhece que
gestores não podem ser punidos por
decisões que pareceram acertadas nas
circunstâncias do momento, mas depois
vêm a ser declaradas como irregulares.
“No mundo civilizado é exatamente esse
o regime da responsabilidade
pública." (colaborou Zínia Baeta,
de São Paulo)
https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/05/15/
tcu-critica-mp-que-blinda-agentes-publicos.ghtml
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Valor Econômico
Caderno: Politica, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Câmara aprova regime jurídico especial durante a pandemia e adia Lei de Dados
Projeto proíbe liminares de
despejo de imóvel durante a
pandemia
Por Raphael Di Cunto — De Brasília
A Câmara dos Deputados aprovou
ontem projeto de lei que cria normas
jurídicas especiais para o período da
pandemia da covid-19, com a proibição
de despejo de imóvel por liminar,
permissão para que síndicos proíbam
reuniões em condomínios e adiamento,
para agosto de 2021, das punições da
Lei Geral de Proteção de Dados
(LGPD).
As medidas valerão do dia 20 de março,
quando foi decretada a calamidade
pública, até 30 de outubro. O texto foi
sugerido pelo presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), ministro Dias
Toffoli, e aprovado pelo Senado em
abril. Ontem, o deputado Enrico Misasi
(PV-SP) apresentou parecer
concordando com a versão aprovada
pelos senadores, com duas supressões.
A maioria dos partidos concordou para
evitar que a matéria voltasse ao Senado
e seguisse direto à sanção, mas a
oposição tentou aprovar emendas, que
ainda não tinham terminado de serem
analisadas até o fechamento desta
edição.
10
O líder do PP na Câmara, deputado
Arthur Lira (AL), disse que seu partido
votaria contra outras alterações para
acelerar a sanção. “Se apoiarmos essas
emendas de mérito, esse projeto voltará
ao Senado e perderemos tempo e prazo
para irmos dirimindo algumas situações
que precisam ser sanadas nessa
pandemia”, afirmou.
Misasi fez apenas duas supressões.
Retirou artigo que limitava a 15% das
corridas o repasse de motoristas para
aplicativos, como o Uber, durante a
pandemia, com o argumento de que
trata-se de uma relação privada, e
suprimiu o adiamento da entrada em
vigor da LGPD, mas manteve que as
punições só começarão em agosto de
2021. “Ninguém vai poder ser punido
até lá, mas retiramos o adiamento da lei
e deixamos a discussão para a MP 959”,
disse. Essa MP empurrou a vigência da
Lei Geral de Proteção de Dados para
maio de 2021.
O projeto ainda autoriza a realização de
assembleias virtuais pelas empresas,
proíbe a devolução de produtos
perecíveis, de consumo imediato ou
medicamentos comprados para entrega
em casa (o Código de Defesa do
Consumidor autoriza a devolução em
até sete dias, mesmo que sem motivo
justificado) e impede despejos por
liminar em caso de inadimplência no
aluguel.
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA)
protestou que a suspensão de despejos
elevará a inadimplência e poderá
comprometer o orçamento de pessoas
que dependem de alugueis de imóveis
como fonte de renda. “Que seja
colocado que pode até não haver
despejo quando a pessoa ficar
desempregada, mas tem muita gente
picareta por aí”, acusou. Misasi
argumentou que poderão ocorrer
despejos, mas após o juiz ouvir todas as
partes.
A proposta define também que o
aumento da inflação, a variação
cambial, a desvalorização ou a
substituição do padrão monetário
durante a pandemia não serão
considerados fatos imprevisíveis e,
portanto, não devem levar a revisão de
contratos, exceto nos casos de locação
ou consumo. Com isso, uma empresa
não poderá recorrer à Justiça para não
pagar outra alegando que está
excessivamente onerada. Isso, disse o
relator, já faz parte do risco desses
contratos.
Outra iniciativa do projeto é autorizar
que o síndico de condomínios possa
restringir a utilização das áreas comuns
para evitar a contaminação pelo
coronavírus e até proibir a realização de
reuniões e festividades dentro da
propriedade exclusiva dos condôminos.
As assembleias de condomínios
também poderão ocorrer de forma
virtual.
O projeto também suspende, da data de
publicação da lei até 30 de outubro, o
prazo de 12 meses para que seja
finalizado o processo de inventário e de
partilha, permite que o Conselho
Nacional de Trânsito (Contran)
flexibilize a pesagem dos eixos dos
caminhões nas estradas nesse período e
define que a prisão por atraso no
pagamento de pensão alimentícia
deverá ocorrer, durante a pandemia,
apenas na modalidade domiciliar.
https://valor.globo.com/impresso/20200515/
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11
Valor Econômico
Caderno: Politica, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Câmara aprova regime jurídico especial durante a pandemia e adia Lei de Dados
Projeto proíbe liminares de
despejo de imóvel durante a
pandemia
Por Raphael Di Cunto — De Brasília
A Câmara dos Deputados aprovou
ontem projeto de lei que cria normas
jurídicas especiais para o período da
pandemia da covid-19, com a proibição
de despejo de imóvel por liminar,
permissão para que síndicos proíbam
reuniões em condomínios e adiamento,
para agosto de 2021, das punições da
Lei Geral de Proteção de Dados
(LGPD).
As medidas valerão do dia 20 de março,
quando foi decretada a calamidade
pública, até 30 de outubro. O texto foi
sugerido pelo presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), ministro Dias
Toffoli, e aprovado pelo Senado em
abril. Ontem, o deputado Enrico Misasi
(PV-SP) apresentou parecer
concordando com a versão aprovada
pelos senadores, com duas supressões.
A maioria dos partidos concordou para
evitar que a matéria voltasse ao Senado
e seguisse direto à sanção, mas a
oposição tentou aprovar emendas, que
ainda não tinham terminado de serem
analisadas até o fechamento desta
edição.
12
O líder do PP na Câmara, deputado
Arthur Lira (AL), disse que seu partido
votaria contra outras alterações para
acelerar a sanção. “Se apoiarmos essas
emendas de mérito, esse projeto voltará
ao Senado e perderemos tempo e prazo
para irmos dirimindo algumas situações
que precisam ser sanadas nessa
pandemia”, afirmou.
Misasi fez apenas duas supressões.
Retirou artigo que limitava a 15% das
corridas o repasse de motoristas para
aplicativos, como o Uber, durante a
pandemia, com o argumento de que
trata-se de uma relação privada, e
suprimiu o adiamento da entrada em
vigor da LGPD, mas manteve que as
punições só começarão em agosto de
2021. “Ninguém vai poder ser punido
até lá, mas retiramos o adiamento da lei
e deixamos a discussão para a MP 959”,
disse. Essa MP empurrou a vigência da
Lei Geral de Proteção de Dados para
maio de 2021.
O projeto ainda autoriza a realização de
assembleias virtuais pelas empresas,
proíbe a devolução de produtos
perecíveis, de consumo imediato ou
medicamentos comprados para entrega
em casa (o Código de Defesa do
Consumidor autoriza a devolução em
até sete dias, mesmo que sem motivo
justificado) e impede despejos por
liminar em caso de inadimplência no
aluguel.
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA)
protestou que a suspensão de despejos
elevará a inadimplência e poderá
comprometer o orçamento de pessoas
que dependem de alugueis de imóveis
como fonte de renda. “Que seja
colocado que pode até não haver
despejo quando a pessoa ficar
desempregada, mas tem muita gente
picareta por aí”, acusou. Misasi
argumentou que poderão ocorrer
despejos, mas após o juiz ouvir todas as
partes.
A proposta define também que o
aumento da inflação, a variação
cambial, a desvalorização ou a
substituição do padrão monetário
durante a pandemia não serão
considerados fatos imprevisíveis e,
portanto, não devem levar a revisão de
contratos, exceto nos casos de locação
ou consumo. Com isso, uma empresa
não poderá recorrer à Justiça para não
pagar outra alegando que está
excessivamente onerada. Isso, disse o
relator, já faz parte do risco desses
contratos.
Outra iniciativa do projeto é autorizar
que o síndico de condomínios possa
restringir a utilização das áreas comuns
para evitar a contaminação pelo
coronavírus e até proibir a realização de
reuniões e festividades dentro da
propriedade exclusiva dos condôminos.
As assembleias de condomínios
também poderão ocorrer de forma
virtual.
O projeto também suspende, da data de
publicação da lei até 30 de outubro, o
prazo de 12 meses para que seja
finalizado o processo de inventário e de
partilha, permite que o Conselho
Nacional de Trânsito (Contran)
flexibilize a pesagem dos eixos dos
caminhões nas estradas nesse período e
define que a prisão por atraso no
pagamento de pensão alimentícia
deverá ocorrer, durante a pandemia,
apenas na modalidade domiciliar.
https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/05/15/
camara-aprova-regime-juridico-especial-durante-a-
pandemia-e-adia-lei-de-dados.ghtml
13
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Valor Econômico
Caderno: Opinião, sexta-feira 15 de maio de 2020.
A reforma das leis sobre juros no Brasil
Principal urgência, contudo, é a
unificação do regime legal dos
juros, com a liberdade como regra
geral
Por Marcelo Trindade
— Foto: Pixabay
A iniciativa de realizar sessões remotas
de julgamento pelos tribunais
brasileiros é importante, e não apenas
para reduzir o atraso no exame do
grande estoque de processos pendentes
e assegurar o funcionamento das
instituições democráticas e
14
republicanas. A visibilidade dos debates
judiciais pode também facilitar o seu
acompanhamento pelo público,
aumentando a percepção geral quanto à
gravidade de muitos problemas
relevantes da legislação brasileira, que
se manifestam em processos judiciais
ineficientes e custosos.
Veja-se o caso do Superior Tribunal de
Justiça, que realizou no dia 28 de abril
a primeira sessão de julgamento por
videoconferência de sua história. Como
noticiou o Valor (29/4/2020, p. E1),
naquela sessão inaugural a Terceira
Turma do STJ decidiu reduzir os juros
contratados na aquisição de uma
máquina fotográfica. Os juros foram
reduzidos de 3,46% para 1% ao mês.
Principal urgência, contudo, é a
unificação do regime legal dos
juros, com a liberdade como regra
geral
O conteúdo da decisão do STJ ainda
não foi publicado, mas já é possível
deduzir, pela notícia, que a disputa tem
origem na grande confusão legislativa
brasileira sobre o tema dos juros. Os
tribunais, submetidos a diferentes e
contraditórios comandos legais,
decidem de maneira variada no tempo,
contribuindo com a insegurança
jurídica que envolve a matéria no país.
No Brasil vigoram, atualmente, dois
regimes de juros convencionais. O
primeiro é estabelecido pela Lei
4.595/64 e por leis especiais, e aplicável
aos contratos em que ao menos uma
das partes é instituição financeira ou
outra entidade que atue sob a
supervisão do Banco Central. O
segundo regime se aplica aos contratos
entre os demais agentes econômicos e é
previsto no Código Civil, incidindo,
ainda, proteções previstas pelo Código
de Defesa do Consumidor, quando se
trata de relações de consumo.
Esse sistema dualista é a principal fonte
de controvérsia quanto ao tema dos
juros no Brasil. Em resumo, para as
instituições financeiras a taxa de juros é
livre, sendo também permitido
estabelecer juros compostos, isto é, que
incidirão sobre os juros anteriores
ainda não pagos, e dessa forma
incorporados ao principal. Há exceções,
mas não interessam ao debate maior.
Já nos demais contratos, que não
envolvem instituição financeira - um
empréstimo entre duas pessoas físicas
ou jurídicas ou a compra e venda de um
bem para pagamento a prazo, por
exemplo -, o artigo 591 do Código Civil,
combinado com o artigo 406 do mesmo
Código, limita a taxa de juros àquela
“que estiver em vigor para a mora do
pagamento de impostos devidos à
Fazenda Nacional”. Atualmente essa
taxa é a Selic, fixada pelo Comitê de
Política Monetária do Banco Central
aproximadamente a cada 45 dias.
Além disso, nesse regime só é permitida
a capitalização anual de juros, de modo
que incidirão juros simples, apenas
sobre o principal, e os juros vencidos
somente poderão ser incorporados ao
capital ao final de cada período de 12
meses.
A preocupação original que determinou
a criação de um regime que restringe a
liberdade quanto à contratação de juros
foi a do combate à usura, como dizia o
preâmbulo do Decreto 22.626, de 1933.
Aquela norma introduziu as limitações
gerais sobre juros em nosso país,
derrogando o regime de ampla
15
liberdade do Código Civil de 1916, e por
isso ficou conhecido como Lei da Usura.
Hoje, entretanto, há mecanismos muito
mais eficientes de combate à agiotagem,
e o Estado tem ampla capacidade de
impedir que tal crime, e o de exercício
irregular de atividade privativa de
instituição financeira, sejam praticados.
Com o sistema bancário inteiramente
informatizado e a difusão de
mecanismos de combate à lavagem de
dinheiro, a limitação estatal da
liberdade dos agentes econômicos de
estabelecer livremente a taxa de juros
em seus contratos é inteiramente
desproporcional ao benefício visado.
Por outro lado, as proteções do Código
de Defesa do Consumidor, e mesmo as
normas sobre lesão do próprio Código
Civil, que permitem a revisão de
contratos para reduzir prestações
desproporcionais ou abusivas,
viabilizam o controle de excessos que
sejam cometidos contra pessoas com
menor poder de barganha ou com
informação limitada ou insuficiente.
Além da desproporcional restrição da
liberdade, o principal ônus do sistema
dualista de juros é a insegurança
jurídica. Ela atinge até mesmo
tomadores de títulos no mercado de
capitais, como debêntures, quando a
remuneração é impugnada por
emissores em dificuldade financeira, o
que não é raro. Para não falar no
estímulo indireto à intermediação
financeira, isto é, à presença de um
banco na cadeia de captação de
recursos, e aos custos daí decorrentes,
já que as instituições financeiras estão
livres para pactuar as taxas sem risco de
contestação.
Há temas pontuais que também devem
ser resolvidos, como a taxa de juros
moratórios e o seu eventual limite. É
necessária a revogação expressa de
normas do Código Tributário Nacional
e da Lei da Usura, já superadas
tacitamente, mas que previam taxas
altíssimas para os padrões atuais, de 6%
a 12% ao ano, e continuam na memória
de nossos magistrados, sendo
frequentemente usadas em decisões
judiciais. O modelo do Código Civil de
2002, de juros moratórios flutuantes na
omissão das partes, é o mais justo e
constitui o padrão internacional.
A principal urgência, contudo, é a
unificação do regime legal dos juros,
com a liberdade como regra geral, e
proteções específicas contra abusos.
Isso foi possível no sistema bancário,
como provou a recente intervenção do
Banco Central nas taxas do cheque
especial. Aproveitar a quarentena para
eliminar esse e outros custos do
complexo sistema legal brasileiro,
realizando micro reformas com grande
potencial de impacto, pode ajudar na
retomada da atividade econômica,
quando finalmente chegar a hora.
Marcelo Trindade é advogado e
professor no Departamento de
Direito da PUC-RIO. Foi diretor e
presidente da Comissão de
Valores Mobiliários
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-reforma-
das-leis-sobre-juros-no-brasil.ghtml
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16
Valor Econômico
Caderno: Opinião, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Covid-19 e imposto sobre grandes fortunas
O problema do Brasil nunca foi
arrecadar. Foi, e continua sendo,
gastar mal
Por Dalton Dallazem
O imposto sobre grandes fortunas (IGF)
está previsto na Constituição e tem sido
apontado como alternativa para a
obtenção de recursos que aliviariam a
crise fiscal no enfrentamento à covid-
19. O Senado analisa quatro propostas
sobre o tema.
A primeira dificuldade com a qual o
intérprete do Direito se depara ao
decodificar o artigo 153, inciso VII da
Constituição Federal é a definição do
que seja “grande fortuna”. O texto
supremo tomou o cuidado de qualificar
a “fortuna”. Não é “qualquer fortuna”
que pode ser alcançada pelo imposto. É
uma “grande fortuna”.
17
São muito fracos os argumentos a
favor de um imposto sobre
grandes fortunas quando existe
no país um IR sobre os ganhos de
capital, com ampla base de
abrangência, combinado com um
bem desenhado imposto sobre
heranças e doações
A Carta não nos oferta nenhuma pista
nesse sentido, apesar de os
fundamentos do trabalho e da livre
iniciativa expressos já no artigo 1º e
reforçados no artigo 170 apontarem
para a perspectiva de que o montante
de ativos empregados pelas pessoas e
empresas na atividade produtiva não
devem compor o somatório utilizado
para a apuração da “grande fortuna”.
A interpretação dos conceitos legais não
encontra dificuldades quando estamos
nos extremos destes conceitos. Por
exemplo: certamente teremos muitos
adeptos à assertiva de que um
patrimônio líquido de R$ 50 milhões se
encaixa no epíteto de “grande fortuna”.
Porém, qual seria o número desses
adeptos se reduzíssemos esse montante
para R$ 10 milhões? Que tal R$ 5
milhões? Quando nos afastamos dos
extremos, as subjetividades afloram e
fica mais difícil fechar acordos
semânticos em torno dos conceitos
legais. Penso que um acordo em torno
do que seja “grande fortuna” carrega
uma alta carga de subjetividade, e a
litigância judicial será inevitável.
Mas não se trata somente de um
problema de conceito. O IGF deve ser
analisado também sob a perspectiva de
eficácia e equidade. Nesse sentido, são
muito fracos os argumentos a favor de
um imposto sobre grandes fortunas
quando existe no país um imposto de
renda sobre os ganhos de capital
(IRGP) com uma ampla base de
abrangência, combinado com um bem
desenhado imposto sobre heranças e
doações (no Brasil conhecido como
ITCMD, imposto sobre transmissões
causa mortis e doações), conforme
demonstra um recente estudo
publicado pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, OCDE (The Role and
Design of Net Wealth Taxes in the
OECD, disponível
em www.oecd.org/publications/th
e-role-and-design-of-net-wealth-
taxes-in-the-oecd-
9789264290303-en.htm).
Por outro lado, o estudo também
evidencia que um imposto sobre
grandes fortunas pode desempenhar
um importante papel em subbstituição
daquela estrutura - IRGP + ITCMD,
ambos bem delineados - em países onde
não exista ou seja deficiente, embora
esta substituição seja “imperfeita”, o
que nos leva a concluir que IRGP +
ITCMD (bem estruturados) é melhor do
que IRGP + ITCMD (ausentes ou mal
estruturados) + IGF.
A OCDE sugere ainda que os méritos de
um imposto sobre a riqueza (net wealth
tax) não podem ser avaliados
isoladamente, mas dependem do
sistema tributário geral de um país e de
suas políticas econômicas e sociais. Por
exemplo, um net wealth tax pode ter
menos efeitos distorcidos e encontrar
melhor suporte como forma de
melhorar a progressividade em países
onde a tributação da renda sobre o
ganho de capital é comparativamente
baixa.
Na prática, isso significa que em países
com duplos sistemas de imposto de
renda que tributam a renda do capital
18
em alíquotas fixas (e geralmente baixas)
ou em países onde os ganhos de capital
não são tributados, pode haver uma
justificativa mais forte para a cobrança
de um imposto sobre a fortuna (ou
sobre a “grande fortuna”). Um
argumento semelhante pode ser feito
para países que não cobram impostos
sobre heranças.
Atualmente, somente 6 (seis) países
membros da OCDE possuem um net
wealth tax em vigor: Bélgica, Itália,
Holanda, Noruega, Espanha e Suíça.
A partir de 2017, o arcabouço do IRGP
no Brasil contempla alíquotas
progressivas aplicáveis às pessoas
físicas que variam entre 15% e 30%.
Essa mesma estrutura de alíquotas
aplica-se ao regime do Simples
nacional.
Para as empresas sujeitas ao lucro
presumido e real, as alíquotas do
imposto sobre a renda pessoa jurídica
são de 15% mais o adicional de 10%, e a
contribuição social sobre o lucro incide
no percentual de 9%. O ITCMD, por sua
vez, de competência estadual, incide a
uma alíquota máxima de 8%, com
limites de isenção muito baixos na
maioria dos Estados.
O ITCMD, por sua vez, de competência
estadual, pode ter uma alíquota
máxima de 8%, com limites de isenção
muito baixos na maioria dos Estados.
Alguns entes federativos já instituíram
a alíquota máxima permitida pela
Constituição Federal - rigorosamente
falando pela Resolução nº 9/1992 do
Senado Federal - enquanto outros ainda
não o fizeram.
Pois bem, seguindo a orientação da
OCDE e considerando a alta carga
tributária incidente sobre o consumo,
bem como as políticas sociais e
econômicas existentes no Brasil,
entendo que estão razoavelmente bem
estruturadas tanto a progressividade do
IRGP existente para as pessoas físicas e
jurídicas, quanto o ITCMD.
As alíquotas vigentes para o IRGP não
são baixas, aliás para valores
semelhantes são maiores, por exemplo,
do que as aplicáveis nos Estados
Unidos, guardadas as devidas
proporções em razão do câmbio,
evidentemente. Ainda, comparando o
ITCMD brasileiro com o imposto
federal similar norte-americano
(federal estate tax), verificamos uma
diferença grande de alíquotas. Nos
Estados Unidos, as alíquotas começam
em 18% e vão até 40%. No entanto, a
isenção lá é de US$ 11 milhões de
dólares por pessoa, logo, a isenção de
um casal é de US$ 22 milhões de
dólares. Não obstante baixa,
comparativamente com países
desenvolvidos, uma alíquota de 8% de
ITCMD afigura-se alta para a realidade
econômica da maioria das famílias no
Brasil.
Concluindo, dada a dificuldade de se
conceituar o que seja uma “grande
fortuna” e tomando como verdadeiras
as premissas publicadas no relatório da
OCDE, atualmente não é adequado
pensar em se instituir um imposto
sobre grandes fortunas no Brasil, por
mais nobre que seja a causa que sua
receita pretenda financiar, lembrando,
ainda, que a Constituição proíbe a
vinculação da receita de impostos à
órgão, fundo ou despesa (artigo 167,
IV).
19
O problema do Brasil nunca foi
arrecadar. Foi, e continua sendo, gastar
mal.
Dalton Luiz Dallazem é professor
de Direito Tributário
Internacional, mestre (PUC-SP) e
doutor (UFPR), mestre (UF-EUA)
e doutorando (UF-EUA) e sócio
fundador de Perin & Dallazem
Advogados.
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/covid-19-e-
imposto-sobre-grandes-fortunas.ghtml
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Valor Econômico
Caderno: Empresas, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Para presidente da Mercedes-Benz, o Brasil perdeu credibilidade
Segundo o executivo da
montadora alemã de caminhões,
país sofre com a falta de
coordenação no combate à covid-
19
Por Marli Olmos — De São Paulo
Philipp Schiemer, presidente da
Mercedes-Benz: “não tem cabimento
funcionário público pleitear reajuste
enquanto o pagador de impostos está
morrendo” — Foto: Carol
Carquejeiro/Valor
Faz algum tempo que Philipp Schiemer,
presidente da Mercedes-Benz no Brasil
e América Latina, aguarda aprovação da
Anvisa para a empresa produzir um
respirador de baixo custo, desenvolvido
em conjunto com o Instituto Mauá de
Tecnologia. Mas a burocracia não ajuda
nem mesmo numa situação de
solidariedade emergencial. “Como é
20
difícil fazer negócios no Brasil. Quem
consegue nesse ambiente burocrático?”,
diz. Mas o pior, hoje, diz o executivo, é a
falta de confiança que o país desperta
pela ausência de coordenação para
enfrentar a pandemia.
“Em poucos meses, o Brasil perdeu a
credibilidade que havia conquistado
com as reformas trabalhista e
previdenciária”, diz Schiemer. Para o
executivo, a falta de ações coordenadas
entre governos federal, estaduais e
municipais retardará a retomada
econômica. “A confiança do consumidor
só vai voltar se a crise da saúde for
controlada”. O executivo lembra que na
Alemanha, há brigas e opiniões
diferentes em relação à pandemia. “Mas
no fim são tomadas ações conjuntas e
coordenadas”.
Já em fase de concluir a gestão no
comando da maior produtora de
caminhões e ônibus do país, Schiemer
diz que se não fosse a pandemia ele
estaria, a essa altura, desfrutando de
férias na Bahia, antes de assumir nova
função na Alemanha. Em fevereiro, a
Mercedes anunciou o nome do também
alemão Karl Deppen para assumir o
comando da operação no Brasil.
Schiemer conhece bem o Brasil. Essa é
sua terceira passagem pelo país.
Trabalhou na área de vendas no fim dos
anos 1990 e em 2004. É o presidente
desde 2013 e habituou-se a ficar à
vontade para analisar a situação do país
em diferentes momentos, sem nunca
deixar escapar críticas a políticas
macroeconômicas que considerava
nocivas ao país e à produção industrial.
Assumiu, no entanto, tom mais
moderado no início do governo de Jair
Bolsonaro e mostrava-se satisfeito com
a aprovação das reformas no país.
Ontem, porém, numa conversa por
videoconferência, com um grupo de
jornalistas, Schiemer voltou ao velho
estilo e fez duras críticas à forma como
a crise tem sido conduzida no país.
“É uma tristeza o que estamos vendo”.
Para ele, as brigas políticas vão retardar
soluções. “Os políticos estão focados em
2022”, destacou, em referência ao ano
eleitoral. Schiemer criticou, ainda, a
constante troca de ministros num
momento “de guerra” e disse que “não
tem cabimento funcionário público
pleitear reajuste enquanto o pagador de
impostos está morrendo”. Para ele,
“medidas populistas, aprovadas de
forma irresponsável, deixarão uma
herança diabólica”.
Ele também apontou a alta do dólar,
que pressiona custos e levará a empresa
a reajustar preços mesmo com vendas
em queda, como problema que “não
tem explicação técnica”, já que a
inflação está sob controle. Trata-se,
disse, de mais uma consequência das
“brigas políticas”.
A fábrica de caminhões e ônibus da
Mercedes-Benz, em São Bernardo do
Campo (SP), retomou a produção na
segunda-feira, com metade dos
operários. Os demais estão com os
contratos suspensos, no sistema de
“layoff”. A empresa concedeu
estabilidade no emprego até o fim do
ano. Mas Schiemer já prevê que essa
situação poderá ser “insustentável”.
O mercado de caminhões não está
totalmente parado. Schiemer aponta o
agronegócio e os setores de celulose,
químico e de alimentos e bebidas como
21
atividades com demanda. Mesmo
assim, as vendas totais em abril
registraram retração de 56% em relação
ao inicialmente planejado pela
indústria. “A queda nas entregas do
varejo tem jogado o mercado para
baixo”.
Já o mercado de ônibus sofreu impacto
maior, com a diminuição de viagens
rodoviárias e de demanda por
transporte público. As vendas no mês
passado caíram 83% em relação aos
volumes planejados no início do ano.
A Mercedes planeja concluir o plano de
investimentos de R$ 2,4 bilhões para o
período entre 2018 e 2022. A empresa
decidiu, porém, congelar novas
programações para a América Latina. O
importante agora, diz Schiemer, é
cuidar do capital de giro.
A empresa integra grupo de
montadoras, lideradas pela Associação
Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (Anfavea), que pediu ao
governo a possibilidade de usar créditos
tributários como garantia para obter
empréstimos bancários.
Mas, enquanto Schiemer e pacientes da
covid-19 aguardam o aval da Anvisa
para a produção dos respiradores
desenvolvidos com o Instituto Mauá, a
Mercedes tem ajudado a consertar
respiradores danificados. “Olhamos
onde podemos ajudar”, diz.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/05/1
5/para-presidente-da-mercedes-benz-o-brasil-perdeu-
credibilidade.ghtml
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Valor Econômico
Caderno: Empresas, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Contrapartida de apoio às elétricas desagrada setor
Companhias demonstram
preocupação com o risco de
desequilíbrio econômico-
financeiro das concessionárias
Por Rodrigo Polito — Do Rio
Pepitone, da Aneel: expectativa é que o decreto
seja definido hoje. “É o que o governo e o
ministro do MME tem sinalizado” — Foto: Leo
Pinheiro/Valor
Os principais grupos de distribuição de
energia do país reagiram a algumas
contrapartidas em estudo pelo governo
para o plano de apoio ao setor elétrico,
previsto para ser anunciado até o fim
desta semana. As companhias
demonstram preocupação com o risco
de desequilíbrio econômico-financeiro
das concessionárias.
22
Sete grandes grupos de distribuição do
país (Enel, Neoenergia, Energisa, Light,
Equatorial, EDP e CPFL Energia)
encaminharam carta esta semana ao
Ministério de Minas e Energia (MME)
manifestando preocupações sobre o
tema, conforme informado inicialmente
pela “MegaWhat”, plataforma de
conteúdo especializada no setor de
energia, e confirmado pelo Valor.
Uma das contrapartidas feitas pela
pasta e que preocupa as distribuidoras é
que o decreto de apoio ao setor exigirá,
como condição para o acesso aos
recursos, que as distribuidoras não
façam pedidos de redução dos volumes
contratados, limitem as distribuições de
dividendos em caso de inadimplemento
intrassetorial e renunciem ao direito de
discutir essas questões em juízo ou em
arbitragem.
Na carta, os grupos de distribuição
afirmam que é essencial que qualquer
previsão de renúncia ou limitação de
direitos das distribuidoras seja
expressamente condicionada à
suficiência dos recursos que elas
receberão do empréstimo coordenado
pelo BNDES com o sindicato de bancos.
O Valor apurou que o governo prevê
que o valor total do apoio ao setor
deverá ser menor que os R$ 17 bilhões
previstos inicialmente. E que o custo
financeiro será inferior ao adotado no
empréstimo feito para socorrer as
distribuidoras em 2014.
Na carta, as distribuidoras afirmam que
o dispositivo que tratar da renúncia de
discussão judicial precisaria
expressamente prever que tal renúncia
não é aplicável aos pleitos de
recomposição do equilíbrio econômico-
financeiro dessas empresas, pois o
decreto deixaria a questão para ser
tratada em momento futuro pela
Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel).
As distribuidoras desejam inclusive que
o ministério caracterize como evento
extraordinário os efeitos da pandemia
de covid-19 sobre o segmento de
distribuição e fixe prazo para que a
Aneel defina critérios para a
mensuração dos desequilíbrios daí
resultante antes do fim do segundo
trimestre de 2020.
“O decreto parece preocupar-se em
assegurar um ambiente de certeza para
os segmentos de geração e transmissão,
enquanto parece negligenciar e
subestimar as sérias e profundas
incertezas que incidem sobre o
segmento de distribuição”, dizem as
empresas na carta, a qual o Valor teve
acesso.
No documento, as distribuidoras
indicam que um cenário “realista” para
os impactos da crise são a redução do
PIB de até 8% este ano, extensão da
crise para 2021 e aumento da
inadimplência dos consumidores.
“Em um momento tão notoriamente
único como o atual, o setor elétrico não
pode ficar refém de discussões que
buscam negar os efeitos extraordinários
da pandemia sobre as concessões de
distribuição”, afirmam as empresas.
A Rege Consultoria, presidida por Tiago
Correia, ex-diretor da Aneel, destacou
em relatório a necessidade de atuação
da agência na mediação de acordos
entre os agentes regulados, para
assegurar o equilíbrio econômico e
financeiro das concessões. Com o
agravamento da crise, a consultoria
23
prevê uma queda do PIB este ano de
6,1%, com uma redução do consumo de
energia de 7,9%.
Segundo o diretor-geral da Aneel,
André Pepitone, a expectativa é que o
decreto seja definido até hoje. “É o que
o governo e o próprio ministro Bento
[Albuquerque, de Minas e Energia] tem
sinalizado publicamente. Esse decreto
terá que estar pronto até sexta-feira”,
disse ele, durante transmissão online
promovida pelo BTG Pactual esta
semana.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/05/1
5/contrapartida-de-apoio-as-eletricas-desagrada-
setor.ghtml
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Valor Econômico
Caderno: Empresas, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Câmbio leva Suzano a perda de R$ 13,4 bi
Por outro lado, companhia
registrou recorde de vendas de
celulose no primeiro trimestre e
teve geração de caixa superior a
R$ 2,3 bilhões
Por Stella Fontes — De São Paulo
Walter Schalka, presidente: a venda recorde
de celulose reduziu estoques — Foto:
Claudio Belli/Valor
24
Em um trimestre de venda em volume
recorde de celulose e geração de caixa
de mais de R$ 2 bilhões, a
desvalorização cambial acentuada
acabou provocando estragos no
resultado financeiro da Suzano e levou
a companhia a encerrar o período de
janeiro a março com prejuízo líquido de
R$ 13,4 bilhões. A perda, que é 11 vezes
maior do que a registrada um ano
antes, é explicada pelo impacto negativo
da queda de 29% do real ante o dólar na
marcação a mercado em cerca de US$
11 bilhões de dívida da companhia e de
operações de hedge cambial - e em nada
reflete a forte melhora do desempenho
operacional.
Embora os números sejam expressivos,
o impacto caixa desses efeitos foi menos
significativo e ficou em R$ 200 milhões.
De acordo com o diretor de finanças e
relações com investidores da
companhia, Marcelo Bacci, o resultado
final no trimestre, em que o dólar saiu
de R$ 4,03 para fechar em R$ 5,20,
reflete as políticas da companhia de ter
quase 100% de sua dívida em dólar e de
proteger parte do fluxo de caixa, que
também é dolarizado, ante custos em
reais que são maiores. Assim, apesar da
evolução positiva do resultado
operacional, despesas financeiras
líquidas de R$ 22,4 bilhões, derivadas
de R$ 13,2 bilhões da marcação a
mercado da dívida e R$ 9 bilhões de
operações com derivativos, levaram ao
prejuízo trimestral.
“O real desvalorizado é sempre melhor,
uma vez que a companhia mais ganha
do que perde”, afirma Bacci. Para cada
R$ 0,10 de desvalorização cambial, o
efeito positivo no resultado antes de
juros, impostos, depreciação e
amortização (Ebitda) da Suzano, que é
grande exportadora, é de R$ 500
milhões por ano. Ao optar pelo hedge
com a venda futura de dólares, diz
Bacci, a companhia se protege de uma
eventual queda da moeda americana,
mas acaba entregando parte do ganho
com a alta. “A companhia não está aqui
para operar câmbio e faz isso para
minimizar a volatilidade”, afirma.
O efeito caixa de cerca de R$ 200
milhões decorreu do vencimento de
hedge contratado há 18 meses, que não
refletia a desvalorização cambial que de
fato ocorreu. Hoje, o intervalo de
câmbio dos novos contratos, que
vencerão em 18 meses, deve estar entre
R$ 5,50 e R$ 7.
De janeiro a março, a receita líquida da
companhia subiu 22% na comparação
anual, para R$ 6,98 bilhões, e Ebitda
ajustado avançou 10%, a R$ 3,03
bilhões, beneficiados pelo câmbio e pela
venda recorde de celulose. No
trimestre, foram comercializadas 2,9
milhões de toneladas de fibra, com
expansão de 65% na comparação anual.
No trimestre, a Suzano conseguiu
normalizar seus níveis de estoque de
celulose, disse ao Valor o presidente da
companhia, Walter Schalka. E essa
correção veio mais rápido do que o
mercado esperava. Desde o início do
segundo semestre do ano passado, a
Suzano vendeu um total de 1,6 milhão
de toneladas de celulose que
compunham o estoque excedente.
“Mantivemos as operações
absolutamente normais, apesar da
covid-19, e o recorde de vendas de cerca
de 2,9 milhões de toneladas levou à
redução de 500 mil toneladas do
estoque”, afirmou Schalka. Ao mesmo
tempo, a Suzano reduziu o custo caixa
de produção de celulose no intervalo,
25
para R$ 596 por tonelada, baixa de 11%
frente o mesmo período de 2019. Ao
câmbio atual, o custo está em torno de
US$ 100 por tonelada, confirmando
que a companhia detém a melhor marca
da indústria.
A Suzano anunciou aumentos de preço
de US$ 30 por tonelada na China em
abril e de US$ 30 a tonelada na Europa
e na América do Norte em maio, e todos
os contratos firmados no país asiático
desde então refletem o reajuste. Os
aumentos nos demais mercados devem
ser aplicados efetivamente no fim do
mês, como tradicionalmente ocorre
nesse tipo de negociação.
Conforme Schalka, a demanda de
celulose segue aquecida. Por outro lado,
a queda no consumo de papéis de
imprimir e escrever, na esteira da
pandemia de covid-19, levou a Suzano a
interromper a produção de papel nas
fábricas de Mucuri (BA) e Rio Verde
(SP).
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/05/1
5/cambio-leva-suzano-a-perda-de-r-134-bi.ghtml
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Caderno: Empresas, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Movimento falimentar
Falências Requeridas
Requerido: Compadres Casa de Carnes,
Frutas e Verduras Ltda. - CNPJ:
28.803.680/0001-09 - Endereço: Q 01
Norte, Lote 28, Loja 01, Bairro
Brazlândia - Requerente: W. B.
Vasconcelos Comercial de Alimentos
Eireli Epp - Vara/Comarca: Vara de
Falências e Recuperações Judiciais do
Distrito Federal, Brasília/DF
Falências Decretadas
Empresa: Centroprojekt do Brasil S/A -
CNPJ: 03.581.470/0001-84 - Endereço:
Rua Alexandre Dumas, 2200, 2º Andar
Ou 1901, 3º Andar, Chácara Santo
Antonio - Administrador Judicial: A
Própria Administradora Judicial da
Recuperação Judicial Rescindida, Brasil
Trustee Assessoria e Consultoria Ltda. -
Vara/Comarca: 2a Vara de Falências e
Recuperações Judiciais de São
Paulo/SP - Observação: Recuperação
Judicial convolada em Falência.
Processos de Falência Extintos
Requerido: Showtec Indústria e
Comércio de Eletrônicos Ltda. - CNPJ:
01.841.553/0001-30 - Endereço: Av.
São Miguel, 1848, Bairro da Penha –
26
Requerente: Bbr Fomento Mercantil
S/A - Vara/Comarca: 1a Vara de
Falências e Recuperações Judiciais de
São Paulo/SP - Observação: Face à
concessão da recuperação judicial
impetrada pela requerida.
Recuperação Judicial Requerida
Empresa: Jair Gonçalves Gil
Transportadora - CNPJ:
07.380.933/0001-09 - Endereço: Rua
Vereador Clóvis de Camargo Bueno,
1194, Centro - Vara/Comarca: 2a Vara
de Palmital/SP
Empresa: Mbn Suprimentos em Saúde
Ltda. ME - CNPJ: 21.689.389/0001-02
- Endereço: Setor Strc Trecho 04, Bloco
F, Lotes 18 e 20, Centro de Vivência
Guará, Bairro Guará - Vara/Comarca:
Vara de Falências e Recuperações
Judiciais do Distrito Federal,
Brasília/DF
Empresa: Thiago Lucie Gil - CNPJ:
19.725.186/0001-74 - Endereço: Rua
José Casagrande, 410, Centro -
Vara/Comarca: 2a Vara de Palmital/SP
Empresa: Transportadora Lopes e
Lopes Ltda. - CNPJ: 58.604.521/0001-
38 - Endereço: Rua José Casagrande,
410, Centro - Vara/Comarca: 2a Vara de
Palmital/SP
Recuperações Judiciais
Concedidas
Empresa: Ipj Serviços Cadastrais e
Administração Ltda. - CNPJ:
01.512.863/0001-00 - Endereço: Av.
Campos Sales, 810, Sala 01, Bairro Vila
Jones, Americana/sp - Vara/Comarca:
4a Vara de Americana/SP - Observação:
Face à homologação do plano aprovado
pela assembleia geral de credores.
Empresa: Montblanc Auto Posto Ltda. -
CNPJ: 06.921.505/0001-75 - Endereço:
Av. Carmine Feola, 1193, Bairro
Catharina, Americana/sp -
Vara/Comarca: 4a Vara de
Americana/SP - Observação: Face à
homologação do plano aprovado pela
assembleia geral de credores.
Empresa: Sucesso Araras Auto Posto
Ltda. - CNPJ: 01.563.032/0001-68 -
Endereço: Rua José Morangoni, 28,
Bairro Vila Pastorelo, Araras/sp -
Vara/Comarca: 4a Vara de
Americana/SP - Observação: Face à
homologação do plano aprovado pela
assembleia geral de credores.
Empresa: Sucesso Bandeirantes Auto
Posto Ltda. - CNPJ: 01.943.354/0001-
32 - Endereço: Av. Bandeirantes, 2755,
Americana/sp - Vara/Comarca: 4a Vara
de Americana/SP - Observação: Face à
homologação do plano aprovado pela
assembleia geral de credores.
Empresa: Sucesso Campos Sales Auto
Posto Ltda. - CNPJ: 21.636.421/0001-
83 - Endereço: Av. Campos Sales, 810,
Bairro Vila Jones, Americana/sp -
Vara/Comarca: 4a Vara de
Americana/SP - Observação: Face à
homologação do plano aprovado pela
assembleia geral de credores.
Empresa: Sucesso Central Autoposto
Ltda. - CNPJ: 71.876.171/0001-27 -
Endereço: Rua Souza Pereira, 385,
Sorocaba/sp - Vara/Comarca: 4a Vara
de Americana/SP - Observação: Face à
homologação do plano aprovado pela
assembleia geral de credores.
Empresa: Sucesso Iacanga Auto Posto
Ltda. - CNPJ: 21.304.115/0001-40 -
Endereço: Rua Igarata, 725, Bairro
Jardim Ipiranga, Americana/sp -
Vara/Comarca: 4a Vara de
27
Americana/SP - Observação: Face à
homologação do plano aprovado pela
assembleia geral de credores.
Empresa: Sucesso Ipanema Autoposto
Ltda. - CNPJ: 06.537.929/0001-30 -
Endereço: Av. Ipanema, 842, Bairro de
Vila Guilherme, Sorocaba/sp -
Vara/Comarca: 4a Vara de
Americana/SP - Observação: Face à
homologação do plano aprovado pela
assembleia geral de credores.
Empresa: Sucesso Nova Pirassununga
Autoposto Ltda. - CNPJ:
07.421.256/0001-11 - Endereço: Av.
Antonio Joaquim Mendes, 471/4,
Centro, Pirassununga/sp -
Vara/Comarca: 4a Vara de
Americana/SP - Observação: Face à
homologação do plano aprovado pela
assembleia geral de credores.
Empresa: Sucesso Pinheiros Autoposto
Ltda. - CNPJ: 02.997.100/0001-60 -
Endereço: Rua Dr. Campos Salles, 1101,
Bairro de Pinheiros, Sorocaba/sp -
Vara/Comarca: 4a Vara de
Americana/SP - Observação: Face à
homologação do plano aprovado pela
assembleia geral de credores.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/05/1
5/a5188443-movimento-falimentar.ghtml
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Valor Econômico
Caderno: Empresas, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Debêntures incentivadas podem ser usadas no 5G
Deputados propõem ampliar
programa de financiamento
Por Rafael Bitencourt — De Brasília
João Maia (PL-RN), autor do PL de
debêntures: incentivo ao investimento em
meio a incertezas trazidas pela covid-19 —
Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados
O programa de debêntures
incentivadas, usado para financiar
projetos de infraestrutura, também
poderá dar suporte à chegada da quinta
geração de telefonia celular (5G) ao
Brasil. A nova abordagem do
mecanismo de captação de recurso no
mercado de capitais começará a ser
discutida pela Câmara dos Deputados
com o Projeto de Lei 2.646/20,
protocolado ontem.
28
Os autores do PL querem levar o
incentivo para além de projetos como
linhas de transmissão e concessão de
rodovias. O texto apresentado passa a
contemplar empreendimentos em
telecomunicações, iluminação pública,
eficiência energética, entre outros.
A possibilidade de usar a emissão de
debêntures para impulsionar o 5G no
país foi destacada no sumário executivo
do PL. A chegada da pandemia da
covid-19 ao Brasil pôs em dúvida a
viabilidade do leilão da Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel),
programado para o fim deste ano. O
cronograma de venda das licenças está
ameaçado justamente pela incerteza
relacionada ao impacto da crise sobre a
capacidade de investimento das
operadoras.
No modelo proposto, a emissão
incentivada ajudaria as operadoras a
levantarem dinheiro para investir na
expansão e reforço das redes de celular.
Para adotar a estratégia, as empresas
terão que avaliar o custo de captação
comparado a alternativas já estão
disponíveis no mercado. Prestadoras
como Telefônica (dona da Vivo), Claro e
TIM - com matrizes na Espanha,
México e Itália, respectivamente -
teriam ainda que submeter a decisão
aos altos executivos dos grupos no
exterior.
Os parlamentares alegam que a
mudança nas regras das debêntures
incentivadas é necessária para
“expandir seu alcance e contornar o
esgotamento da capacidade de levantar
recursos pelo modelo vigente”. O
projeto também altera as leis de fundos
de investimento em participações em
infraestrutura e em pesquisa,
desenvolvimento e inovação para
ampliar a abrangência das debêntures.
O alcance dos setores de pesquisa e
inovação seria uma segunda maneira de
levantar recursos para o padrão 5G no
Brasil. Isso porque a mudança na
legislação dos fundos poderá garantir
verba para o surgimento de diferentes
frentes de inovação relacionadas à nova
tecnologia, seja por meio de projetos
idealizados por startups ou pelas
próprias operadoras.
Conforme informou o Valor na semana
passada, o novo desenho do programa
integrava o novo marco legal de
concessões e parcerias público-privadas
(PPPs). O mote da proposta é criar
benefícios tributários com mais foco no
emissor das debêntures que no
investidor pessoa física, além de
ampliar o alcance em infraestrutura.
Com a aprovação do PL,
concessionárias e outras empresas com
contratos públicos de infraestrutura
poderão deduzir o valor correspondente
a 30% dos juros atrelados à emissão de
debêntures na apuração de lucro real,
no Imposto de Renda, e da base de
cálculo da Contribuição Social sobre o
Lucro (CSLL). O benefício pode atingir
o percentual de 50% dos juros se a
captação for para projetos de
desenvolvimento sustentável,
conhecidos como “greenbonds”.
A formulação do PL 2.646/20 partiu
dos deputados federais Arnaldo Jardim
(Cidadania-SP) e João Maia (PL-RN)
que atuaram, respectivamente, como
relator e presidente da comissão
especial do novo marco legal de
concessões e PPPs. Apenas Maia,
porém, aparece como autor do PL de
debêntures, com 11 deputados como
coautores. A expectativa é de que
29
Jardim assuma novamente a condução
do debate como relator.
Para os deputados, o projeto, quando
aprovado, ajudará a elevar os
investimentos do setor a um novo
patamar. Eles destacam que hoje
apenas 1,87% do PIB vai para
infraestrutura, cerca de R$ 133 bilhões.
A expectativa é de alcançar 4,15% do
PIB - ou seja, R$ 295 bilhões anuais.
Na análise preliminar do projeto,
integrantes do governo apoiaram a
reformulação do programa de
debêntures, mas manifestaram
preocupação com o risco de criar um
duplo benefício fiscal, tanto para quem
emite como para quem compra. Essa
tese é combatida pelo autor da
proposta. Maia afirma que a isenção
contempla exclusivamente o emissor,
pois os investidores continuarão
assumindo o pagamento das alíquotas
vigentes, prevista na Lei 11.033/11.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/05/1
5/debentures-incentivadas-podem-ser-usadas-no-
5g.ghtml
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Valor Econômico
Caderno: Finanças, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Tabelamento de juros pode fragilizar o sistema financeiro
Projeto prevê teto a cheque
especial e cartão; para
especialistas, medida pode gerar
escassez de crédito
Por Talita Moreira e Sérgio
Tauhata — De São Paulo
Arminio Fraga: mais relevante seria discutir
o crédito a pequena e média empresa —
Foto: Luciana Whitaker/Valor
O tabelamento de taxas de juros e o
congelamento dos limites de crédito dos
clientes - previstos em projeto de lei de
autoria do senador Álvaro Dias
(Podemos-PR) - irão fragilizar o sistema
30
financeiro e reduzirão a oferta de
crédito num momento de crise,
afirmam economistas e especialistas no
setor bancário.
“Essas coisas voluntariosas sempre
saem pela culatra”, afirmou ao Valor o
ex-presidente do Banco Central (BC)
Arminio Fraga. “A última coisa que se
quer agora é fazer o crédito secar e
fragilizar o sistema.”
Uma escassez de crédito também é o
efeito esperado pelo advogado e
professor da FGV Jairo Saddi, um
especialista do setor financeiro, caso a
proposta vá adiante. “Acaba com a
oferta”, resumiu.
“O projeto traz uma combinação muito
perversa, muito perigosa, que pode
gerar um problema sistêmico, uma
interferência no mercado de crédito e
agravar a situação que estamos vivendo
hoje, de desfuncionalidade e recessão”,
disse a sócia e chefe do escritório
brasileiro da Oliver Wyman, Ana Carla
Abrão Costa.
O projeto de lei 1166 estava na pauta de
votação do Senado ontem, mas a sessão
foi suspensa, com os parlamentares
alegando que precisavam de “mais
tempo” para estudar esse e outros itens.
“Além de uma crise de saúde,
econômica e política, vamos ter uma
crise bancária se o projeto for
aprovado”, alertou uma fonte graduada
próxima aos bancos.
Reportagem publicada pelo Valor na
terça-feira mostrou que bancos e
fintechs vinham se mobilizando no
Congresso, no Ministério da Economia
e no Banco Central (BC) para apontar
os riscos da aprovação da medida. Na
ocasião, o presidente da Federação
Brasileira de Bancos, Isaac Sidney
Ferreira, disse que a proposta pode
reduzir a oferta de crédito e
desorganizar os mercados objeto da
medida.
O texto em discussão no Senado define
um teto de 20% ao ano para as taxas do
cheque especial e do rotativo dos
cartões - hoje em 130% ao ano e 296,1%
ao ano, respectivamente. O projeto
também impede os bancos de reduzir o
limite de crédito dos clientes entre
março deste ano e julho de 2021.
Para Michel Viriato, professor de
finanças do Insper, a limitação das
taxas em 20% ao ano pode “matar” os
produtos. “Ninguém vai dar cartão de
crédito ou cheque especial para quem
não tem condições de pagar a fatura. Os
bancos ainda tenderiam a cortar os
limites de todo mundo, mesmo aqueles
com capacidade de pagamento, então,
provavelmente vai acabar o cartão de
crédito das pessoas com menor poder
aquisitivo”, afirmou.
Os especialistas disseram que um
tabelamento de taxas de juros pode
dificultar a recuperação da economia
após o choque imposto pelo
coronavírus.
Fraga afirmou não questionar a
intenção do projeto. No entanto, disse
não ver motivo para uma proposta que
limite a cobrança de juros neste
momento. “Até porque o crédito está
retomando, os números mostram isso.”
Na visão do ex-presidente do BC, mais
relevante agora seria discutir o crédito a
pequenas e médias empresas, “inclusive
por uma questão de solidariedade, de
salvar empregos”.
31
Saddi observou que o Brasil tem uma
relação entre crédito e PIB baixa na
comparação com outros países, e
projetos com essa motivação
prejudicam quem tem acesso a
recursos. “Quem tem crédito no varejo
não terá mais.” De acordo com Saddi,
há outros mecanismos mais efetivos
para reduzir os spreads bancários,
como a redução de empréstimos
compulsórios pelo BC.
Viriato, do Insper, alertou que haveria
ainda o efeito de reduzir compras no
varejo, porque muitos usuários usam o
cartão para parcelamentos. “No pós-
pandemia isso pode ser um fator de
limitação da retomada para o setor”,
afirmou. “O Congresso tem de entender
que o dinheiro é como água: não
adianta você colocar uma barreira,
porque a água vai passar pelo outro
lado.”
Na visão de Ana Carla, muito melhor do
que tabelar juros e limites de crédito é
haver coordenação do governo sobre as
diversas ideias que estão em discussão
para fazer os recursos chegarem às
mãos de quem precisa deles.
Os especialistas também afirmaram ver
pouca efetividade no projeto de lei que
eleva de 20% para 50% a alíquota da
CSLL para instituições financeiras.
“Distinções [de tributação] por setor em
geral não atingem seus objetivos social
e econômico”, diz Arminio.
https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/05/15
/tabelamento-de-juros-pode-fragilizar-o-sistema-
financeiro.ghtml
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Valor Econômico
Caderno: Legislação e Tributos, sexta-feira 15 de maio de 2020.
STF nega liberação de depósito judicial em razão de pandemia
Para ministro Luiz Fux,
interferência poderia prejudicar
orçamento da União
Por Joice Bacelo e Beatriz
Olivon — De Brasília
Ministro Luiz Fux: perigo de dano mais
associado aos interesses da sociedade do
que do particular — Foto: Divulgação
O ministro Luiz Fux, do Supremo
Tribunal Federal (STF), negou pedido
de um contribuinte para substituir por
seguro garantia os depósitos em
dinheiro de um processo ajuizado para
discutir a cobrança de tributos. Ele
afirma, na decisão, que esses valores
ficam disponíveis na Conta Única do
Tesouro Nacional desde o primeiro
depósito, como prevê a Lei nº
9.703/98, e que são considerados parte
do orçamento da União.
32
Interferir nesses recursos, portanto,
poderia causar prejuízos ao orçamento
federal que está sendo utilizado para o
enfrentamento da pandemia da covid-
19. “O cotejo entre o interesse público e
o privado sinaliza para que o perigo de
dano esteja mais associado aos
interesses da sociedade do que do
particular”, diz Fux.
Estão em jogo R$ 167,5 bilhões,
segundo dados da Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional (PGFN). Esse
dinheiro está distribuído em cerca de
oito mil processos com depósitos no
país.
A decisão do ministro Luiz Fux é a
primeira que se tem notícias no STF
durante a crise gerada pelo coronavírus.
Antes da pandemia, pedidos de clientes
para levantar os depósitos eram vistos
pelos advogados como uma “missão
impossível”. Há jurisprudência que
beneficia a Fazenda Nacional.
Com a crise, porém, as empresas
passaram a enxergar esses depósitos
como uma possibilidade de reforçar o
caixa e os pedidos ao Judiciário
passaram a ser frequentes.
Há contribuintes que conseguiram
decisões de primeira e segunda
instâncias. Mas eles não são maioria.
Segundo levantamento da PGFN, a cada
cinco decisões, em média, só uma
favorece as empresas nos Tribunais
Regionais Federais (TRF).
Além disso, os posicionamentos no
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
também têm sido contrários. Pelo
menos três decisões foram proferidas
nesse sentido durante o período de
pandemia, duas delas pelo ministro
Campbell Marques (Resp nº 1674821 e
TP 2649) e uma pela ministra Assusete
Magalhães (Resp 1717330).
No caso julgado por Fux, no STF, o
pedido para trocar o depósito por
seguro garantia foi feito pelo Banco
Volkswagen, que atua com operações de
crédito e financiamento de veículos
(ARE 1.239.911). O banco argumentou
que “vem sofrendo enorme desafio em
termos de caixa e liquidez” em razão do
aumento de inadimplência dos seus
clientes e altíssima demanda por
renegociações com vistas a postergar o
vencimento das parcelas.
Justificou ainda que “enfrenta também
uma demanda para prover liquidez
adicional à rede produtiva que cerca a
cadeia automotiva, por exemplo, a
disponibilização de capital de giro aos
concessionários de veículos que vem
enfrentando dificuldade por estarem
obrigados a permanecer com as portas
fechadas”.
“A falta de liquidez neste momento
pode ocasionar verdadeiro processo de
encerramento de atividades em cadeia e
fechamento de milhares de postos de
trabalho”, informou no pedido que foi
feito ao ministro.
O Banco Volkswagen tentava a
liberação de valores depositados
judicialmente em processo que discute
um aumento nos pagamento de
Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL). A Lei nº 11.727, de
2008, elevou de 9% para 15% a alíquota
paga pelas empresas de seguros
privados, de capitalização e das
instituições financeiras associadas às
federações afiliadas da Confederação
Nacional do Sistema Financeiro
(Consif).
33
O ministro Luiz Fux, ao julgar o pedido
de liberação dos depósitos, também
levou em conta a matéria de fundo. “Em
nenhum momento, em todo o curso da
demanda, o Banco Volkswagen obteve
provimento favorável do pedido de
mérito”, afirma na decisão.
Segundo o ministro, os pedidos
formulados pelo banco na ação foram
julgados improcedentes pela Justiça
Federal e essa decisão foi confirmada
pelo TRF da 3ª Região, que tem sede
em São Paulo. “Ou seja, a probabilidade
do direito reclamado, ao menos nesse
momento, ombreia as pretensões do
Fisco, e não do contribuinte”, frisa Fux.
O processo movido pelo Banco
Volkswagen, acrescenta, “está
diretamente relacionado ao destino a
ser dado à ADI 4.101”, de sua relatoria,
“que brevemente estará liberada para
pauta”. A ação direta de
inconstitucionalidade mencionada pelo
ministro foi apresentada pela Consif
contra os artigos 17 e 41 da Lei nº
11.727.
Especialista na área, Luiz Gustavo
Bichara, sócio do Bichara Advogados,
entende que a decisão do ministro Fux,
apesar de ruim para os contribuintes,
não encerra a discussão sobre a troca
dos depósitos por seguro garantia.
O advogado acredita que os
contribuintes têm chances nos casos em
que fica demonstrada a situação de
dificuldade financeira. “Não dá para
dizer apenas que está sendo afetado
pela pandemia. Tem que mostrar com
documentos contábeis o efeito da
pandemia nas suas contas. Tem que
demonstrar a necessidade efetiva do
desbloqueio daquele depósito.”
Para Eduardo Kiralyhegy, sócio do
escritório NMK Advogados, ainda é
cedo para se falar em consolidação de
jurisprudência, já que os demais
ministros ainda não se manifestaram.
“Na visão dos contribuintes, tempos
difíceis exigem medidas extremas”, ele
pondera. “Não se pode lidar com a crise
humanitária e econômica sem
precedentes que assola o país usando a
jurisprudência firmada dentro da
normalidade.”
Kiralyhegy considera a situação das
empresas como “muito grave” e diz
entender que “isso deveria ser
suficiente para sensibilizar os juízes da
necessidade de se autorizar a
substituição que, vale dizer, é dotada de
praticamente a mesma liquidez”.
Os representantes do Banco
Volkswagen foram procurados pelo
Valor para comentar a decisão do
ministro Luiz Fux, mas responderam
que a empresa não se manifestaria.
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/05/1
5/stf-nega-liberacao-de-deposito-judicial-em-razao-
de-pandemia.ghtml
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34
Valor Econômico
Caderno: Legislação e Tributos, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Turma do STJ equipara seguro garantia a dinheiro
Julgamento reformou decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJ-SP) contrária ao banco Itaú
Por Beatriz Olivon — De Brasília
Ricardo Villas Bôas Cueva: seguro tem
os mesmos efeitos jurídicos que o
dinheiro para garantir o juízo — Foto:
Divulgação
O uso do seguro garantia também gera
discussões em processos entre
particulares. Apesar de já existirem
precedentes a favor dessa modalidade,
ainda há divergências no Judiciário.
Nesta semana, a 3ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) decidiu
equiparar seguro garantia ao dinheiro.
35
O julgamento reformou decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-
SP) contrária ao banco Itaú. Para a
Corte estadual, a execução deve ocorrer
no interesse do credor e haveria, no
caso, iminente risco de ela ser
frustrada. Quatro dos cinco ministros
da Turma não viram impedimento no
uso do seguro, considerando que ele
segue as regras da Superintendência de
Seguros Privados (Susep).
O caso trata de indenização devida pelo
Itaú a agricultores que não conseguiram
alongar suas dívidas com o banco e
precisaram pedir isso na Justiça. A
petição inicial é de 1999 e a ação
transitou em julgado em 2007 a favor
dos agricultores. No cumprimento de
sentença, o Itaú responde pela multa
por não ter feito o alongamento das
dívidas. O banco foi citado para
cumprir a obrigação em 2008. O pedido
de execução foi feito em 2016, quando o
banco ofereceu seguro garantia (Resp
1838837).
“Ainda estamos discutindo só o
recebimento desse seguro. A vigência
termina em dezembro de 2021. Imagine
se com essa trajetória essa apólice vai
cumprir até final da execução”, afirmou
a relatora da ação no STJ, ministra
Nancy Andrighi.
No voto, Nancy questionou a existência
de prazo para fim do seguro e afirmou
que, apesar de as cláusulas do contrato
serem padronizadas por orientação de
circular da Susep, a norma não estaria
de acordo com princípios do Código de
Processo Civil, como a satisfação do
credor e efetividade da execução,
evidenciada no caso que tramita há
mais de 20 anos. “Não posso dizer que a
regulamentação da Susep é ilegal, mas
ela ofende os princípios do código de
processo civil. Essa regulamentação não
tem status de lei e não vincula o juiz.”
Já para o ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, o órgão responsável pelo
mercado de seguros tomou as medidas
necessárias para o seguro garantia até o
fim da execução. Ainda segundo Cueva,
o seguro-garantia judicial produz os
mesmos efeitos jurídicos que o
dinheiro, seja para garantir o juízo ou
possibilitar a substituição de outro bem
objeto de anterior penhora. O ministro
citou outro julgado da turma - no qual a
ministra Nancy estava impedida de
participar - em que a turma aceitou o
uso do seguro (Resp 1691748).
No voto, a relatora não divergiu do
precedente, mas afirmou que o banco
deveria comprovar, no caso concreto,
que a apólice é instrumento idôneo,
incapaz de causar prejuízo ao credor.
Para Cueva, a idoneidade da apólice de
seguro garantia judicial deve ser
verificada segundo sua conformidade às
normas da Susep.
Para Cueva, o fato de o mercado de
seguros se sujeitar a fiscalização por
parte da Susep é suficiente para atestar
a idoneidade do seguro garantia
judicial, desde que apresentada a
certidão de regularidade da seguradora
perante a superintendência.
O voto foi seguido pelos ministros
Marco Aurélio Bellize, Paulo de Tarso
Sanseverino e Moura Ribeiro. Com a
decisão, o processo volta à origem para
o juiz reavaliar o recebimento da
garantia oferecida.
De acordo com Luis Guilherme Aidar
Bondioli, do Stocche Forbes Advogados,
a jurisprudência do STJ oscila sobre a
possibilidade de substituição de
36
dinheiro já penhorado por seguro
garantia. Nos casos de substituição há
decisões que consideram existir uma
espécie de “marcha a ré” na execução, o
que não acontece em casos quando a
oferta inicial é do seguro-garantia,
como no julgado. O caso traz, contudo,
uma particularidade que é a idoneidade
do seguro contratado. Para o advogado,
havendo a idoneidade da garantia, deve
ser aceita a equiparação ao dinheiro.
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/05/1
5/turma-do-stj-equipara-seguro-garantia-a-
dinheiro.ghtml
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Valor Econômico
Caderno: Legislação e Tributos, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Reflexões sobre a Convenção de Quioto
Muitos dispositivos da CQR
podem acelerar o
aperfeiçoamento e a
modernização dos processos e
procedimentos aduaneiros
Por Luís Eduardo Barbieri e
Henrique S. Barbieri
Em meio à comoção causada pela
pandemia do coronavírus passou quase
que despercebida a publicação do
Decreto nº 10.276, de 13 de março de
2020, que promulgou o texto do
Protocolo da Convenção de Quioto
Revisada (CQR). Esse decreto
regulamentou o Decreto Legislativo nº
56, de 2019, que anteriormente já havia
referendado o Protocolo da citada
Convenção.
A CQR é um importantíssimo
instrumento normativo originalmente
aprovado pela Organização Mundial das
Aduanas (OMA) em 1973, revisada em
1999, cujo objetivo é simplificar e
padronizar os procedimentos
aduaneiros e, consequentemente, a
facilitação do comércio internacional.
Muitos dispositivos da CQR
podem acelerar o
aperfeiçoamento e a
modernização dos processos e
procedimentos aduaneiros
37
Trata-se, portanto, de norma válida e
vigente, apta a produzir efeitos
imediatos em nosso ordenamento
jurídico.
Mas qual a relevância da CQR para o
direito aduaneiro brasileiro?
Muitos dispositivos previstos na CQR
podem acelerar o aperfeiçoamento e a
modernização dos processos e
procedimentos aduaneiros brasileiros,
harmonizando-os àqueles empregados
pelos demais países do mundo,
mediante a adoção dos melhores
padrões e práticas internacionais.
No âmbito processual, são profundas as
mudanças que devem ocorrer na atual
sistemática aduaneira, especialmente
no que diz respeito à aplicação da pena
de perdimento da mercadoria, tema que
será pontualmente abordado nesse
artigo.
Há diversas previsões normativas na
CQR que poderão trazer celeuma em
sua aplicação aos casos concretos no
âmbito do processo administrativo
aduaneiro, merecendo especial
destaque aquelas constantes do
Capítulo 10 do Anexo Geral, que dispõe
sobre os Recursos Aduaneiros.
Com efeito, os itens 10.1, 10.2 e 10.4
desse capítulo concedem à pessoa
afetada por decisão ou omissão das
Administrações Aduaneiras, a
possibilidade de interpor recurso
perante a primeira instância
administrativa. Adequando-se para a
linguagem do nosso sistema processual
administrativo, tal previsão aparenta se
referir às impugnações oportunizadas
ao contribuinte após autuações
aduaneiras.
Sobre o tema, importa registar que o
item 10.3 estabelece que a
administração aduaneira deva indicar
os fundamentos que amparam sua
decisão, dentro do prazo fixado pela
legislação aduaneira nacional, para
possibilitar à pessoa afetada interpor
eventual recurso. Em síntese, a CQR
exige que a Administração exponha os
motivos de seu posicionamento - em
observância ao princípio da motivação -
de forma a possibilitar o exercício do
contraditório e a ampla defesa pelo
contribuinte.
Ainda com relação à interposição de
recursos, a maior inovação trazida pela
CQR reside no item 10.5, o qual
estabelece a possibilidade de a pessoa
diretamente afetada por uma decisão ou
omissão das administrações aduaneiras
interpor recurso para uma autoridade
independente, ou seja, cria a
possibilidade do duplo grau
administrativo para todas autuações em
matérias aduaneiras
Aplicando-se tais previsões aos
procedimentos nacionais, parece-nos
que a CQR estabelece tanto o direito de
impugnação perante as unidades locais
ou Delegacias de Julgamento da RFB
(DRJ), denominada recurso em 1ª
instância perante a administração
aduaneira, quanto o direito de interpor
recurso voluntário ao Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf), denominado recurso para
autoridade independente.
Prosseguindo na análise do texto
normativo, destacamos a existência de
comando no sentido de que o
requerente terá direito de recurso para
a autoridade judicial (item 10.6). Ou
seja, esgotados os recursos na esfera
administrativa, o contribuinte ainda
poderá socorrer-se do Poder Judiciário,
38
como já garantido pelo princípio da
inafastabilidade da jurisdição (CF, art.
5º, XXXV).
Em face das conclusões anteriores,
levanta-se a seguinte reflexão: como
fica o procedimento especial aduaneiro,
relativo à aplicação da pena de
perdimento às mercadorias importadas
de forma irregular ou fraudulenta,
previsto nos art. 23 a 27 do Decreto-Lei
nº 1.455, de 07/04/1976 (DL nº.
1.455/1976), especialmente no que diz
respeito à previsão de decisão em
instância única, pela Administração
Aduaneira (art. 27, §4º)?
Há nesse ponto um aparente conflito
normativo entre os arts. 23 a 27 do DL
nº 1.455/1976 e o Capítulo 10 da CQR,
passível de ser solucionado pela
hermenêutica jurídica, seja pela
utilização do critério hierárquico - “lex
superior derogat legi inferior” - para
quem entende haver sobreposição dos
acordos e tratados internacionais sobre
a legislação ordinária; ou pelo critério
cronológico - “lex posterior derogat legi
priori”.
Por fim, uma última reflexão se faz
pontual: como conciliar o supracitado
procedimento especial aduaneiro (pena
de perdimento) com o art. 4º, item 1,
alínea “a” do Decreto n º 9.326, de
03/04/2018, que promulgou o Acordo
sobre a Facilitação do Comércio (AFC),
o qual também prevê que os países-
membros assegurarão a todas as
pessoas para quem a aduana emita uma
decisão administrativa o direito de
recurso administrativo a uma
autoridade administrativa superior ou
independente da autoridade prolatora
da decisão?
A nosso ver, a solução para tal
questionamento também passaria pelos
supracitados critérios hermenêuticos,
redundando em solução similar.
Enfim, passados os efeitos da
pandemia, resta aos operadores do
direito aduaneiro voltar suas atenções
para muitas outras reflexões
decorrentes da promulgação da CQR e
as modificações inseridas no conjunto
normativo nacional.
Luís Eduardo Garrossino Barbieri
e Henrique Shirassu Barbieri são,
respectivamente, doutorando em
Direito Público, pela Universidade
de Coimbra/Portugal, mestre em
Direito Tributário pela PUC-SP e
especialista em Derecho
Aduanero pela Universidade de
Valência/Espanha; pós-graduado
em Direito dos Contratos pela
Fundação Getúlio Vargas de São
Paulo (FGV/SP) e advogado da
Melcheds - Mello e Rached
Advogados
Este artigo reflete as opiniões do
autor, e não do jornal Valor
Econômico. O jornal não se
responsabiliza e nem pode ser
responsabilizado pelas
informações acima ou por
prejuízos de qualquer natureza
em decorrência do uso dessas
informações
https://valor.globo.com/impresso/20200515/
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39
Caderno: Poder, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Nova MP de Bolsonaro traz insegurança jurídica e inconstitucionalidade, avaliam especialistas
Para constitucionalistas, medida
provisória repete lei de 2018 e pode
causar confusão na aplicação do texto
legal promulgado há dois anos
Flávio Ferreira
SÃO PAULO
A medida provisória 966 publicada
nesta quinta-feira (14) que protege
agentes públicos de responsabilização
pela adoção de medidas no período da
pandemia do coronavírus
é inconstitucional, de acordo com parte
dos especialistas ouvidos pela Folha.
Todavia, há constitucionalistas que
entendem que a MP não traz novidades,
uma vez que repete previsão de isenção
de responsabilidade de servidores em
situações excepcionais que já está
presente na legislação brasileira. E isso
pode resultar em insegurança jurídica.
A MP determina que durante a crise da
Covid-19 os ocupantes de funções
públicas só podem responsabilizados,
no campo civil e administrativo, se
“agirem ou se omitirem com dolo ou
erro grosseiro”.
Segundo o texto da MP, erro grosseiro é
o “erro manifesto, evidente e
inescusável praticado com culpa grave,
caracterizado por ação ou omissão com
40
elevado grau de negligência,
imprudência ou imperícia”.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro
tem minimizado o impacto do
coronavírus e se colocado contra
medidas de distanciamento social,
atitude que culminou na demissão de
seu ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, e, na semana passada, por
exemplo, em uma marcha com
empresários ao STF.
Apesar de dizer lamentar as mortes, o
presidente tem dado declarações às
vezes em caráter irônico quando
questionado sobre as perdas humanas
com a Covid-19. Como na ocasião em
que afirmou não ser coveiro ou quando
disse: "E daí? Lamento. Quer que eu
faça o quê? Eu sou Messias, mas não
faço milagre."
Para a professora aposentada de direito
administrativo da USP Odete Medauar,
há inconstitucionalidade na nova MP
pois ela viola o artigo 37 da
Constituição Federal que estabelece a
responsabilidade dos órgãos públicos
pelos danos causados pelos seus
servidores, ou seja, o dever da
administração de ressarcir diretamente
os cidadãos prejudicados.
Nesse tipo de situação, ao mesmo
tempo, os órgãos públicos podem se
voltar ao ocupante do cargo que causou
o dano e cobrar dele indenização
correspondente àquela que a
administração pública teve que
desembolsar. Esse tipo de mecanismo
legal, no jargão técnico, recebe o nome
de direito de regresso.
Para a especialista, a edição da MP tem
como meta impedir que a
administração exerça esse direito de
regresso em relação aos agentes
públicos que estão desobedecendo
as determinações das autoridades de
saúde para o combate da pandemia.
“Existe um óbvio desvio de finalidade.
No caso, o objetivo é isentar pessoas
que estão contra o que a ciência
determina. O texto fala em erro
grosseiro. Erro grosseiro é você
contrariar o que a ciência e a
Organização Mundial da Saúde dizem.
Isso é um absurdo, é coerente com o
festival de horrores que estamos
vivendo”, afirma Odete.
O professor de direito constitucional da
PUC-SP Pedro Estevam Serrano diz que
o direito de regresso do Estado contra o
servidor pode ser exercido sempre que
ficar provado que um funcionário
público agiu com dolo (vontade de
prejudicar) ou culpa (ato decorrente de
negligência, imprudência ou imperícia).
Para Serrano, o problema é que a
medida provisória estabelece que a
cobrança ao agente público só possa ser
feita em caso de erro grosseiro. “A
previsão da Constituição é a de que
basta culpa para responsabilizar os
agentes públicos, ela não fala em erro
grosseiro. A lei não pode restringir a
responsabilidade do agente criada pela
Constituição”, diz.
Para a professora de direito
administrativo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie Lúcia Helena
Polleti Bettini, o texto da MP “atropela
a Constituição” e ela pode ser
derrubada no STF (Supremo Tribunal
Federal) por meio de medida judicial
denominada ação direta de
inconstitucionalidade (Adin).
41
Podem apresentar essa ação os partidos
políticos com representação no
Congresso, a Procuradoria-Geral da
República e a OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil), entre outros,
segundo a professora.
Já o professor de direito público da
FGV-SP Carlos Ari Sundfeld diz que o
texto da MP não traz novidade em
relação ao que já está previsto em uma
lei aprovada em 2018, a lei 13.655, que
alterou a Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro, promulgada em
1942.
A lei de 2018 foi sancionada com o
objetivo de estabelecer proteção aos
gestores públicos nos casos em que eles
cometem erros administrativos com
culpa leve e sem má fé.
Há controvérsia jurídica sobre a
constitucionalidade do texto, tendo em
vista as disposições do artigo 37 da
Constituição, que não faz diferenciação
entre culpa leve e culpa grave.
A Anamatra (Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho)
apresentou ao STF ação para declarar a
lei 13.655 inconstitucional, mas como o
caso ainda não foi decidido pelo
tribunal o texto legal está em pleno
vigor.
“O conteúdo da medida provisória é
inútil porque o que está escrito nela já
está na Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro, e está corretamente.
A personalidade do presidente é que
contamina a medida provisória, e não o
conteúdo dela”, diz Sundfeld.
Para ele, a edição de MP de modo
desnecessário pode trazer prejuízos
à aplicação da lei de 2018. “O
presidente da República não tinha
razão nenhuma para editar isso agora.
Isso só traz desconfiança para um
assunto que está sendo bem trabalhado
pela Justiça”, afirma.
Segundo o professor da FGV, “o
presidente da República tem tido um
comportamento de desprezo completo
ao direito". "Quando um presidente que
tem esse comportamento edita uma
medida provisória, as pessoas que leem
isso supõem, e é uma desconfiança
razoável, que ele está fazendo alguma
coisa naquela linha do desprezo à
ordem jurídica e agora quer proteger de
qualquer responsabilização aqueles que
desprezam o direito."
A advogada e doutora em direito do
Estado pela USP Mariana Chiesa
também entende que a MP trouxe uma
redundância legislativa e isso pode
resultar em insegurança jurídica.
“Acho preocupante não aplicar a norma
que já prevê essa proteção, fazendo
parecer necessário uma nova norma
com enfoque na pandemia. Apesar de
poder trazer um uma sensação de maior
segurança, o risco dessa estratégia é
esvaziar a norma existente e o potencial
de proteção aos agentes públicos que já
se coloca, mas está ainda em processo
de consolidação, por ser muito recente”,
diz Mariana.
O QUE BOLSONARO JÁ FEZ
PARA CONTRARIAR AÇÕES
CONTRA DOENÇA
Protestos
O presidente participou de atos contra o
STF, o Congresso e medidas de
isolamento social. No dia 15 de março,
interagiu com manifestantes que se
42
aglomeravam em frente ao Palácio do
Planalto.
Bolsonaro tocou apoiadores e
manuseou celulares para fazer selfies.
Entre eles, havia idosos, grupo de risco
do coronavírus.
No dia 19, um protesto em frente ao
quartel-general do Exército também
gerou aglomerações. O presidente
discursou em cima da caçamba de uma
caminhonete
Passeios
Em 29 de março, o presidente saiu
pelas ruas de Brasília defendendo a
volta da população ao trabalho.
O giro ocorreu um dia depois de o então
ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, afirmar que o isolamento
vertical (restrito a grupos de risco)
defendido por Bolsonaro estava
descartado como forma de enfrentar a
pandemia.
Em 9 de abril, o chefe do Executivo
voltou a circular, dessa vez para ir a
uma padaria. Acompanhado do
ministro da Infraestrutura, Tarcísio
Gomes de Freitas, e de um de seus
filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP), o presidente comeu um
sonho e cumprimentou clientes
Moto aquática
Em 9 de maio, um sábado, horas após
afirmar em redes sociais que era falso o
convite para um churrasco no Palácio
da Alvorada que ele mesmo havia
anunciado, Bolsonaro passou parte da
tarde em um passeio de moto aquática
no lago Paranoá, em Brasília. No
mesmo dia, o país ultrapassou a marca
de 10 mil mortos pela Covid-19
RELEMBRE FALAS DO
PRESIDENTE SOBRE A
PANDEMIA
Histórico de atleta e gripezinha
(24.mar)
Em pronunciamento em rede nacional
“Pelo meu histórico de atleta, caso fosse
contaminado pelo vírus, não precisaria
me preocupar, nada sentiria ou seria
acometido, quando muito, de uma
gripezinha ou resfriadinho”
Brasileiro não pega nada (26.mar)
Durante entrevista em frente ao
Alvorada
“O brasileiro tem que ser estudado. Ele
não pega nada. Você vê o cara pulando
em esgoto ali. Ele sai, mergulha e não
acontece nada com ele”
Coveiro (20.abr)
Após ser questionado pela Folha sobre
número aceitável de mortes
“Eu não sou coveiro”
E daí? (28.abr)
Ao ser questionado sobre novo recorde
de mortes em 24 horas
“E daí? Lamento. Quer que eu faça o
quê?”
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/nova-
mp-de-bolsonaro-traz-inseguranca-juridica-e-
inconstitucionalidade-avaliam-especialistas.shtml
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43
Caderno: Mercado, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Isolamento social represa pedidos de falência e recuperação judicial
Números caem em abril; para
especialista, fenômeno pode ser
calmaria da maré que precede tsunami
Ivan Martínez-Vargas
SÃO PAULO
Os relatos de empresas e setores em
dificuldades financeiras em meio à
pandemia de coronavírus são
numerosos e permeiam quase todos os
setores da economia. O número de
pedidos de falências e recuperações
judiciais, contudo, ainda não reflete
essa situação. O volume de processos
caiu em abril.
Para especialistas, é cedo para
mensurar os efeitos da pandemia na
quebradeira de empresas, mas há
consenso de que o número de casos de
insolvência aumentará.
Empresas maiores, segundo advogados,
esperam a tramitação na Câmara de um
projeto de lei que daria fôlego a
devedores por meio de uma espécie de
moratória.
Já os credores têm buscado a
negociação para reaver parte das
dívidas de maneira menos burocrática.
44
Processos de recuperação judicial
geralmente são feitos por empresas maiores
- João Wainer - 29.nov.10/Folhapress
No mês passado, foram registrados 75
pedidos de falência, 43% a menos que
no mesmo período de 2018, segundo
levantamento mensal feito pelo Serasa
Experian.
Nos pedidos de recuperação judicial, a
retração foi de 3%. Na homologação dos
pedidos de proteção judicial contra
falência, 47%.
Para o economista-chefe do birô de
crédito, Luiz Rabi, há um represamento
temporário nas estatísticas de
insolvência.
“Essa crise provocada pela pandemia
tem diferenças grandes em relação às
anteriores. Há uma quarentena, com os
cartórios e o Poder Judiciário sem
funcionar normalmente. Isso atrasa
protesto de dívidas ou o processamento
de um pedido de recuperação judicial”,
afirma.
Além disso, segundo ele, os próprios
credores têm buscado acordos com os
devedores para evitar a judicialização
neste momento.
“As empresas têm conseguido
refinanciar as dívidas, os credores
sabem que está ruim para todo o
mundo. Não sabemos por quanto
tempo essa situação vai se manter, mas
certamente o número de pedidos seria
maior se não houvesse quarentena”, diz
Rabin.
Existe uma correlação entre a retração
do PIB e o número de processos de
insolvência, segundo o advogado
Marcelo Guedes Nunes, professor da
PUC-SP, que estuda pesquisa sobre o
tema.
“Quanto maior a recessão, mais casos,
mas costuma haver um lapso temporal
de 90 a 120 dias para que as causas
sejam observadas. No caso da
pandemia, espera-se ver um aumento
de processos entre meados de junho e o
mês de julho”, afirma ele.
A relação é mais pronunciada e direta
nos processos de falência, segundo
Nunes.
Para a advogada Victoria Villela, do
escritório Cascione, o número de casos
reduzido em abril pode ser interpretado
como a calmaria da maré que precede
um tsunami.
“Quem move processos de recuperação
judicial em geral são empresas com
porte e estrutura maiores, e que têm
mais caixa para aguentar uma crise por
certo tempo. Os primeiros impactos
econômicos da recessão são sentidos
em empresas menores que não têm
fôlego para mover um processo do
tipo”, diz ela.
“Por enquanto, vejo os bancos mais
compreensivos, e de fato está mais
difícil cobrar as dívidas. Já os devedores
estão mais em uma posição de apagar
mais incêndios, de negociar dívidas
mais prementes, e há expectativa
quanto a mudanças na lei de falências”,
afirma Villela.
45
“Juridicamente, o coronavírus é
claramente um evento de força maior.
Em geral, os contratos dizem que em
casos como esses pode-se adiar ou
extinguir a obrigação [dívida]. Ocorre
que, se todos buscarem resolver isso em
juízo, haverá apagão judiciário”, diz
Thomas Felsberg, advogado
especializado em insolvência.
“Uma série de empresas que vinham
bem tiveram dificuldades. No geral, têm
conseguido boa vontade dos credores,
mas nosso sistema é furado porque, se
um banco credor entra na Justiça, os
demais entram também e dificultam a
situação do devedor”, afirma Felsberg.
Ele defende a aprovação de um projeto
de lei de autoria do deputado Hugo Leal
(PSD-RJ) que tramita em regime de
urgência na Câmara. O texto prevê a
concessão de 60 dias de mora
automática nas dívidas das empresas
vencidas a partir de 20 de março.
“Essa suspensão legal é polêmica, mas
não é correto chamá-la de moratória. A
ideia do projeto é estimular a
negociação entre as partes para evitar
judicialização, já que muitas empresas
poderão morrer antes de terem seu
casos apreciados pelo Judiciário”,
afirma o deputado.
Para Ronaldo Vasconcellos, professor
de insolvência do Mackenzie, contudo,
o sistema poderia criar problemas para
credores com menor fôlego financeiro.
“A recuperação judicial não foi criada
para resolver crises sistêmicas. É
provável que o número de pedidos de
insolvência aumente, mas o mecanismo
não resolve o problema”, afirma ele.
Para Vasconcellos, a solução deveria vir
com financiamentos, linhas de crédito.
“O texto do projeto pode matar
devedores que tenham eventualmente
função social maior que a do devedor”,
diz.
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/05/iso
lamento-social-represa-pedidos-de-falencia-e-
recuperacao-judicial.shtml
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46
Caderno: Mercado, sexta-feira 15 de maio de 2020.
Guedes estuda desonerar encargos trabalhistas com perda de arrecadação
Redução de receita do governo seria o
custo a ser pago para garantir retomada
mais rápida da economia, dizem
auxiliares
BRASÍLIA
O ministro Paulo Guedes (Economia)
estuda um modelo emergencial de
desoneração de encargos trabalhistas. O
governo assumiria perdas de
arrecadação para acelerar a retomada
pós-Covid.
A estratégia seria uma forma de
retardar a criação de um imposto sobre
transações financeiras nos moldes da
extinta CPMF. Essa iniciativa já foi
vetada por Jair Bolsonaro, mas segue
em debate.
O ministro afirmou que deve anunciar a
“redução de encargos trabalhistas” nas
próximas semanas. A declaração foi
dada ao término de uma
videoconferência nesta quinta-feira (14)
com empresários.
Participaram do encontro Bolsonaro, o
ministro-chefe da Casa Civil, Walter
Braga Netto, e integrantes da Fiesp.
47
Paulo Guedes (Economia) fala com
jornalistas ao sair do STF após reunião com
o presidente do tribunal, ministro Dias
Toffoli - Pedro Ladeira -
7.mai.2020/Folhapress
“Vamos soltar duas ondas de
crescimento. Uma de produção e
emprego. Vem redução de encargo
trabalhista. Produzir emprego no país
vai ser algo bom”, disse Guedes.
O ministro não apresentou detalhes. Ele
afirmou que os pontos ainda estão em
discussão com Bolsonaro.
Nas últimas semanas, Guedes delegou a
assessores a elaboração de um plano
de redução de encargos
trabalhistas com a previsão de perda de
arrecadação aos cofres públicos.
Auxiliares afirmam que ele se inspirou
em modelo adotado pelo presidente
Ronald Reagan, nos EUA, nos anos
1980.
Na época, houve redução de impostos
para estimular produção e contratações.
Guedes considera que, ao abrir mão de
tributos neste momento, garante
sobrevida às empresas. Elas
continuariam recolhendo outros
tributos e voltariam a crescer,
garantindo arrecadação a médio prazo.
Dados internos da pasta mostram que
as empresas já estão deixando de
recolher impostos por causa da crise.
A perda de arrecadação do governo com
o novo programa seria o custo a ser
pago para garantir uma retomada mais
rápida da economia, dizem auxiliares de
Guedes.
Neste ano, as regras fiscais estão
suspensas. Em 2021, o governo pediu
autorização ao Congresso para
estabelecer uma meta de resultado
primário flexível, podendo comportar
frustração de receitas. Esse fatores
podem facilitar a implementação da
política.
A vontade do ministro é que a
desoneração passe valer a partir do
segundo semestre. Nesse período, terá
fim a suspensão ou redução de jornada
e salário de trabalhadores.
Embora os técnicos da Economia não
trabalhem neste momento com novo
imposto sobre transações financeiras,
ele entrou nas discussões de Guedes
com Bolsonaro como saída para uma
política mais ampla de desoneração.
Os técnicos da pasta estudam cenários e
avaliam mais de um tipo de modelo.
Inicialmente, a proposta era estender a
desoneração para todos os setores.
Porém, também foi colocado em estudo
o que acontecerá com os ramos mais
afetados pela crise. Guedes rejeita
benefícios setoriais.
Na reunião com o empresariado, o
governo recebeu o recado de que,
mesmo com a retomada, haverá riscos
de demissões. Para evitá-las e estimular
as contratações, Guedes acena com a
desoneração. No entanto, a equipe
48
econômica ainda não encontrou uma
saída.
Não há, segundo os técnicos, forma de
implementar a desoneração sem que o
governo abra mão de receitas, no caso a
contribuição previdenciária.
A ideia de Guedes é liberar as empresas
do recolhimento de 20% sobre a folha.
A Secretaria de Previdência e Trabalho
avalia medidas nesse sentido.
O órgão foi responsável pela elaboração
da MP (medida provisória) do Emprego
Verde e Amarelo. O texto acabou
revogado por Bolsonaro antes de perder
a validade por não ser votada no
Congresso.
A proposta previa a desoneração da
folha de pagamentos para contratações
de jovens de 18 a 29 anos. Antes da
revogação, foi ampliado para pessoas
acima de 55 anos.
Para estimular as contratações, esse
empregador ficaria isento
temporariamente de contribuições ao
INSS e teria redução na cobrança de
FGTS.
Como a medida provocaria uma perda
de arrecadação, o governo chegou a
propor uma taxação do seguro-
desemprego, estratégia que foi rejeitada
pelo Congresso.
A aliados o ministro disse que não vai
desistir de seu plano inicial, de um
modelo mais liberal de contratação e
que implica menos condições e
pagamentos de encargos.
O plano da equipe econômica é se valer
de um cenário mais desfavorável, com
alta suscetibilidade do trabalhador e do
empresariado neste momento de crise,
para tornar mais fácil o processo de
convencimento do Congresso em
aprovar a medida, barrada no Senado
em abril pelo vencimento antes do
prazo máximo para votação.
A proposta de Guedes é ampliar a
abrangência da carteira. Nessa nova
etapa, seriam contemplados
trabalhadores na ativa ou que estejam
na informalidade. Também valeria para
quem está há bastante tempo
desempregado, mais de cinco anos, por
exemplo.
Bernardo Caram , Julio
Wiziack , Talita Fernandes e Fábio
Pupo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/05/gu
edes-estuda-desonerar-encargos-trabalhistas-com-
perda-de-arrecadacao.shtml
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49
Sexta-feira, 15 de maio de 2020
TEORIA DA IMPREVISÃO
Câmara aprova novo texto de PL sobre medidas emergenciais para epidemia
14 de maio de 2020, 19h02
O plenário da Câmara dos Deputados
aprovou, nesta quinta-feira (14/5), o
Projeto de Lei 1.179/2020, que
suspende temporariamente leis do
Direito Privado enquanto durar a
epidemia de Covid-19 no Brasil.
Plenário da Câmara dos Deputados Reprodução
Devido às mudanças, o projeto agora
volta para o Senado. O anteprojeto foi
elaborado por um grupo de juízes,
ministros de tribunais e advogados
especialistas em direito privado, sob a
liderança do ministro Dias Toffoli,
presidente do Supremo Tribunal
Federal.
Segundo Otavio Rodrigues, advogado e
professor de Direito Civil da USP, "a
aprovação do PL 1179 foi uma vitória
para a sociedade e um exemplo de
cooperação bem-sucedida entre
magistrados, parlamentares,
universidade e advocacia". Para
Rodrigues, que coordenou com o
50
ministro Antonio Carlos Ferreira (STJ)
o grupo de juristas responsável pelo
anteprojeto, "o texto reflete ainda a
contribuição dos juristas Arruda Alvim,
Paula Forgioni, Fernando Campos
Scaff, Rodrigo Xavier Leonardo, Rafael
Peteffi da Silva, Francisco Satiro,
Marcelo von Adamek, Roberta Rangel e
Gabriel Nogueira Dias, além de várias
contribuições recebidas de institutos e
associações".
Outro fator que se mostrou decisivo
para rápida tramitação, segundo
Rodrigues, está na qualidade dos
parlamentares envolvidos no projeto,
como Antonio Anastasia, Simone Tebet
e Enrico Misasi, com sólida formação
jurídica.
A proposta foi aprovada na forma do
substitutivo do deputado Enrico Misasi
(PV-SP), que retirou alguns dispositivos
do texto, como o que previa a redução
de 15% das comissões cobradas por
aplicativos de transporte de seus
motoristas, transferindo a quantia para
eles. A medida afetaria empresas como
Uber e 99.
Quanto aos imóveis alugados, por
exemplo, o projeto suspende, até 30 de
outubro deste ano, a concessão de
liminares para despejo de inquilinos
por atraso de aluguel, fim do prazo de
desocupação pactuado, demissão do
locatário em contrato vinculado ao
emprego ou permanência de
sublocatário no imóvel.
A suspensão abrange os imóveis
urbanos (comerciais e residenciais) e
atinge todas as ações ajuizadas a partir
de 20 de março, data em que foi
publicado o decreto legislativo que
reconheceu o estado de calamidade no
País.
Também até 30 de outubro ficam
suspensos os prazos de aquisição de
propriedade mobiliária ou imobiliária
por meio de usucapião.
Assembleias de empresas
Misasi retirou ainda do texto regras de
restrição para a realização de reuniões e
assembleias presenciais por parte de
sociedades empresariais, associações e
fundações até 30 de outubro.
O texto entretanto, permite que ocorra
a deliberação virtual, inclusive para os
casos de destituição de administradores
ou mudança do estatuto.
Revisão de contratos
Em relação à revisão de contratos
amparados pelo Código Civil, o projeto
especifica que o aumento da inflação, a
variação cambial, a desvalorização ou a
substituição do padrão monetário não
poderão ser considerados fatos
imprevisíveis que justifiquem pedidos
de revisão contratual ou quebra do
contrato. O texto segue jurisprudência
recente do Superior Tribunal de Justiça.
A exceção é para as revisões contratuais
previstas no Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/90) e na Lei do
Inquilinato (Lei 8.245/91). De qualquer
forma, as consequências jurídicas
decorrentes da pandemia não poderão
ser retroativas, inclusive para aquelas
classificadas no Código Civil como de
caso fortuito ou força maior.
Pensão alimentícia
Até 30 de outubro, a prisão por atraso
de pensão alimentícia deverá ser
domiciliar. Hoje, as dívidas alimentícias
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levam à prisão temporária em regime
fechado até sua quitação ou
relaxamento da prisão pelo juiz.
Condomínios
O síndico terá poderes para restringir o
uso de áreas comuns e limitar ou
proibir a realização de reuniões, festas e
o uso do estacionamento por terceiros.
Não se aplicam as restrições para
atendimento médico, obras de natureza
estrutural e de benfeitorias necessárias.
Até 30 de outubro, a assembleia
condominial poderá ocorrer por meio
virtual, inclusive para a votação das
contas, possível destituição do síndico e
mesmo sua eleição.
Caso a nova eleição não seja possível, o
mandato vencido de síndico a partir de
20 de março será prorrogado até 30 de
outubro.
Direito de arrependimento
Até 30 de outubro, está suspensa, nas
entregas em domicílio (delivery), a
aplicação do direito de arrependimento
– prazo de sete dias para desistência da
compra, previsto no Código de Defesa
do Consumidor. A regra vale para
compras de produtos perecíveis ou de
consumo imediato, e medicamentos.
Inventários
Será adiado, para 30 de outubro, o
início da contagem do prazo de dois
meses para a abertura de inventários
relativos a falecimentos ocorridos a
partir de 1º de fevereiro. O texto
também prevê a suspensão, até 30 de
outubro, do prazo de 12 meses para
conclusão de inventários e partilhas
iniciados antes de 1º de fevereiro.
Prescrição
Os prazos prescricionais estarão
impedidos ou suspensos, conforme o
caso, a partir da vigência da lei até 30
de outubro.
Concorrência
Não será considerado ato de
concentração a celebração, por duas ou
mais empresas, de contrato associativo,
consórcio ou joint venture, ressalvada
análise após 30 de outubro pelo
Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade).
O projeto considera que não haverá
infração da ordem econômica se a
empresa vender bens e serviços
injustificadamente abaixo do custo ou
cessar parcial ou totalmente as
atividades sem justa causa (ocorre
quando uma empresa viável encerra a
produção a fim de prejudicar
fornecedores ou o mercado).
A regra valerá para os atos praticados
com vigência de 20 de março de 2020
até 30 de outubro ou até o fim do
estado de calamidade pública.
Código de Trânsito
Quanto ao Código de Trânsito (Lei
9.503/97), o projeto remete
competência ao Conselho Nacional de
Trânsito (Contran) na edição de normas
para flexibilizar os limites de peso dos
caminhões nas vias terrestres e sua
pesagem para aumentar a eficiência na
logística de transporte de bens e
insumos e na prestação de serviços
relacionados ao combate ao
coronavírus.
Essa flexibilização poderá ser aplicada
ainda quanto à lotação de passageiros.
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Proteção de dados
Outra mudança feita pelo relator
retirou o adiamento da vigência da
maior parte da Lei Geral de Proteção de
Dados (Lei 13.709/18), que
regulamenta o tratamento de dados
pessoais de clientes e usuários por
empresas públicas e privadas.
De acordo com o substitutivo, apenas a
aplicação das penalidades pelo
descumprimento da lei ficará suspensa,
podendo ocorrer somente a partir de 1º
de agosto de 2021.
O texto do Senado adiava a vigência dos
demais artigos de agosto de 2020 para
1º de janeiro de 2021, mas o relator
rejeitou esse adiamento.
De qualquer forma, a Medida Provisória
959/20 adia a vigência de todos os
artigos da lei para 3 de maio de 2021.
Como a MP tem força de lei enquanto
vigora, permanece esta data. Se o
projeto virar lei, a aplicação das
penalidades terá nova data de vigência.
O Plenário da Câmara dos
Deputados
O tema foi alvo de uma série de debates
em seminários virtuais promovidos
pela TV ConJur na série "Saída de
Emergência". Neles, especialistas
analisaram, por exemplo, reflexos da
pandemia nos contratos
empresariais, teoria da imprevisão e
a responsabilidade civil durante a crise,
dentre outros.
A proposta emergencial foi discutida
intensamente nas últimas semanas —
em um esforço conjunto entre o
Judiciário e o Legislativo. O texto
aprovado tem a forma do substitutivo
do deputado Enrico Misasi (PV-SP),
com duas supressões em relação ao
projeto que já havia sido aprovado no
Senado.
O projeto original é de autoria do
senador Antonio Anastasia (PSD/MG) e
foi aprovado no Senado, por
unanimidade, com alterações pontuais
pela relatora do projeto, senadora
Simone Tebet (MDB), após longos
debates com líderes de partidos. Com
informações da Agência Câmara.
*Atualizado às 8h de 15/5
Revista Consultor Jurídico, 14 de
maio de 2020, 19h02
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Sexta-feira, 15 de maio de 2020
DISTANCIAMENTO SOCIAL
Juiz manda fechar estabelecimentos não essenciais em Macaé
15 de maio de 2020, 8h29
Os estabelecimentos comerciais que
forem encontrados abertos em Macaé
(RJ) em desconformidade com os
decretos municipais que estabeleceram
medidas de distanciamento social
deverão ser interditados e lacrados. A
decisão, do juiz Josue de Matos Pereira,
da 2ª Vara Cível de Macaé, exclui
apenas supermercados, mercados,
postos de gasolina, farmácias e serviços
de saúde, como hospitais, clínicas e
laboratórios.
Combate ao coronavírus exige medidas
de isolamento social, disse juiz Kateryna Kon
A ação civil pública foi movida pelo
município contra a Associação
Comercial e Industrial de Macaé, a
Câmara dos Dirigentes Lojistas e todos
os estabelecimentos comerciais de
serviços não essenciais.
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O juiz também determinou a interdição
e a lacração de locais onde forem
promovidas festas e eventos de
aglomeração pública. O mandado de
interdição deverá ser realizado com o
auxílio policial. No caso de
descumprimento, a multa para o
estabelecimento varia de R$ 10 mil –
para empresas de pequeno porte, com
faturamento anual de até R$ 500 mil –
até R$ 100 mil – para empresas de
grande porte, com faturamento anual
superior a R$ 2 milhões.
De acordo com o juiz, para combater a
epidemia do coronavírus, é necessário
rigor na imposição das medidas
adotadas pelo poder público municipal.
“É a única chance, conforme diretrizes
da Organização Mundial de Saúde, para
que haja um efetivo controle mínimo da
disseminação do vírus em âmbito
local”.
O município apresentou ao juízo
fotografias e postagens em redes sociais
demonstrando que as medidas de
distanciamento social vêm sendo
sistematicamente desrespeitadas por
estabelecimentos comerciais e por
cidadãos.
Na decisão, o juiz ressalta que, embora
tenha população aproximada de 250
mil habitantes, Macaé já registra pelo
menos 319 casos confirmados da
doença Covid-19 e 15 óbitos. Ele cita
ainda estudos que apontam que, devido
à subnotificação decorrente do déficit
de testagem, é possível estimar que
Macaé já conte com até 20 vezes mais
casos. O julgador ainda compara a
situação com a do município de Campos
dos Goytacazes, que tem o dobro da
população de Macaé e registra menos
casos oficialmente confirmados
(237). Com informações da Assessoria
de Imprensa do TJ-RJ.
0003089-44.2020.8.19.0028
Revista Consultor Jurídico, 15 de
maio de 2020, 8h29
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Sexta-feira, 15 de maio de 2020
Propriedade industrial
Direitos de titular de marca registrada no INPI não podem ser afastados pela Justiça Estadual
O entendimento foi fixado pela 4ª
turma ao dar provimento ao recurso do
Sistema de Ensino Poliedro
Vestibulares Ltda.
A 4ª turma do STJ deu provimento ao
recurso do Sistema de Ensino Poliedro
Vestibulares Ltda. para reconhecer que,
com o registro do seu nome no INPI -
Instituto Nacional da Propriedade
Industrial, a instituição passou a deter
todos os direitos inerentes a ele, que
não podem ser afastados pela Justiça
Estadual. Com esse entendimento, o
colegiado determinou à Escola de
Educação Infantil Poliedro Ltda. que se
abstenha de usar o vocábulo comum.
O recurso teve origem em ação de
obrigação de não utilizar, cumulada
com pedido de cancelamento de nome
comercial, ajuizada pela escola infantil,
a qual alegou que possuía a marca
Poliedro desde antes da outra empresa,
ainda que sem o registro no órgão
competente.
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Além de contestar a ação, a empresa ré
– afirmando que deteria com
exclusividade a proteção do registro no
INPI – apresentou reconvenção, na
qual pediu que a autora deixasse de
usar a palavra "Poliedro" como marca,
nome empresarial e título de
estabelecimento.
Direito de propriedade
A ação da escola infantil foi julgada
parcialmente procedente para
determinar à ré que se abstivesse de
utilizar a expressão em seu nome
comercial, tendo sido afastado pelo
magistrado de 1º grau o pedido
formulado na reconvenção.
O TJ/SP reformou a decisão, julgando a
ação improcedente, assim como a
reconvenção, ao fundamento de que o
vocábulo "Poliedro" é expressão
científica e não pode ser registrado
como marca de entidade de ensino de
forma isolada.
O Sistema de Ensino Poliedro
Vestibulares interpôs recurso especial,
sustentando que possui o direito de
propriedade da marca, reconhecido
pelo INPI e pela Justiça Federal – a
qual, em outra ação movida pela escola
infantil, declarou a improcedência do
pedido de nulidade do registro.
Requereu a reforma do acórdão para
condenar a escola infantil a se abster de
utilizar a expressão "Poliedro".
Competência Federal
A relatora do recurso no STJ, ministra
Isabel Gallotti, afirmou que o TJ/SP, ao
analisar a controvérsia, adentrou a
análise da concessão da marca pelo
INPI quando concluiu que o registro na
autarquia Federal não garantiria o uso
exclusivo.
“Ocorre que aquela corte local, de
jurisdição estadual, sequer tem
competência para adentrar a referida
matéria e desconstituir a marca, ou
mesmo qualquer de seus atributos”.
Segundo S. Exa., a competência para o
julgamento dessa matéria é da Justiça
Federal, com a necessária intervenção
do INPI.
Uso pleno
A ministra lembrou que, com o
reconhecimento da propriedade da
marca, seu uso deve ser pleno, incluída
a proteção aos direitos inerentes ao
registro (exclusividade, territorialidade,
etc.). Estando vigente o registro da
marca em nome da recorrente –
acrescentou –, esta possui todos os
respectivos direitos de propriedade.
Gallotti ressaltou que a discussão no
processo não deve ser sobre a validade
do termo "Poliedro" como marca, ou a
força da marca, ou mesmo a correção
da concessão pelo INPI, pois tais
questões são reservadas unicamente à
competência da Justiça Federal.
Segundo a ministra, a discussão é sobre
o uso da marca registrada. Assim,
afirmou, uma vez reconhecido que a
recorrente é detentora da marca no
INPI, torna-se inviável a sua
desconstituição no processo que
tramitou na Justiça estadual, devendo
ser deferido o pedido para que a escola
infantil se abstenha de utilizar o nome
objeto da controvérsia como marca para
designar serviços de ensino e educação.
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• Processo: REsp 1.393.123
Leia o acórdão.
Informações: STJ.
https://migalhas.com.br/quentes/326898/direitos-de-titular-de-marca-
registrada-no-inpi-nao-podem-ser-afastados-pela-justica-estadual
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Sexta-feira, 15 de maio de 2020
Como a Covid-19 pode pavimentar o caminho da colaboração entre fisco e contribuinte?
Na esfera tributária, a escolha será
entre a litigiosidade ou colaboração
genuína
• VERÔNICA MAGALHÃES
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Quando eu entrei na faculdade de
Direito aos 23 anos, acreditava que as
juízas e juízes eram seres capazes de
resolver todas as injustiças sociais
apenas pelo fato de terem a
incumbência de julgar quaisquer
relações sob litígio.
Um ano depois, consegui meu
primeiro estágio em uma das varas da
Justiça Federal de São Paulo e percebi
que a realidade de uma vara judicial
58
era bem dura. São milhares de
processos empilhados à espera de
uma decisão, e é humanamente
impossível que a juíza ou juiz titular
analise cada processo com alto nível
de detalhe. Então desisti de mudar o
mundo por meio da magistratura.
Seis meses depois, consegui meu
primeiro estágio em um escritório de
advocacia na área de Direito
Tributário. A área tributária foi casual
nesse primeiro momento. Contudo,
essa casualidade me fez retomar a
meta de ajudar o mundo na correção
das injustiças sociais.
Considerando ser uma verdade que as
empresas pagam muitos tributos, às
vezes indevidamente, se eu as ajudar
a pagar somente o que é devido,
estarei criando mais empregos, ainda
que indiretamente. Além disso, se o
Fisco entender que não se deve matar
a galinha dos ovos de ouro (os
contribuintes), um dia as relações
entre ambos serão genuinamente
colaborativas e, assim, todos serão
beneficiados.
Minha convicção de que apenas a
colaboração mútua e genuína pode
mudar o panorama das relações
tributárias no Brasil fica ainda mais
forte quando se analisa os dados o
estudo feito pelo EY em parceria com
o Instituto Brasileiro de Ética
Concorrencial (ETCO)1, no qual se
concluiu o seguinte:
Em 2018, por exemplo, o montante
do crédito tributário contencioso
correspondeu a mais de R$ 3,440
trilhões, enquanto que as receitas que
ingressaram no caixa da União não
chegaram a R$ 2,941 trilhões.
Supondo que todos os créditos
tributários em contencioso fossem
considerados procedentes e que fosse
possível arrecadá-los, seu
recebimento tornaria o patrimônio
líquido da União, que se encontra
negativo desde 2015 e em 2018
atingiu a cifra de menos R$ 2,416
bilhões, positivo.
Ou seja, o litígio tributário não está
trazendo benefícios para a sociedade.
Passaram-se onze anos desde
minha estreia no Direito
Tributário e, felizmente, minha
percepção é de que as relações
entre Fisco e Contribuinte estão
(sim), se tornando mais
colaborativas, de modo genuíno.
Em outubro de 2019, foi publicada a
Medida Provisória nº 899/19,
denominada de “MP do contribuinte
legal”, justamente para estabelecer
“os requisitos e as condições para que
a União e os devedores ou as partes
adversas realizem transação
resolutiva de litígio”2. Recentemente,
o Município de São Paulo publicou
Lei municipal nº 17.324/2020, para
instituir a “Política de Desjudialização
da Administração Pública Municipal
Direta e Indireta”. No âmbito da
Procuradoria Geral da Fazenda
Nacional, foi regulamentado o
negócio jurídico processual.
Um pouco fora da seara tributária,
mas não tão fora assim, temos o
cenário atual com a propagação da
Covid-19. Sobre esse tema, o autor de
“Uma breve História da
Humanidade”, Yuval Noah Harari
publicou um artigo no Financial
Times em 20 de março de 2019 com
algumas possibilidades de como será
o mundo pós coronavírus3.
59
Um dos principais pontos levantados
diz respeito às tecnologias de
vigilância que poderão ser mais
fortemente utilizadas pelos governos.
Inclusive, a justificativa para a
vigilância mais acirrada poderia ser a
falaciosa escolha entre privacidade ou
saúde, inclusive com punições para
quem descumprir eventuais regras de
vigilância. Sobre tal escolha ser uma
falácia, o autor esclarece que “quando
as pessoas são informadas dos fatos
científicos e quando as pessoas
confiam nas autoridades públicas
para lhes contar esses fatos, os
cidadãos podem fazer a coisa certa,
mesmo sem um Big Brother vigiando
seus ombros.” (tradução livre)
Voltando mais para dentro da seara
tributária, a vigilância e cruzamento
de informações já é uma realidade.
No mesmo estudo produzido pela
parceria EY e ETCO citado
anteriormente, constatou-se que o
crescimento da arrecadação, entre
outros motivos, se deve ao
“investimento em tecnologia da
informação que permite análise de
um grande volume de informações”.
Nesse cenário de vigilância, que
tende a ser cada vez mais
aprimorado, o único caminho é a
colaboração genuína entre Fisco
e contribuinte.
Nesse aspecto, não cabe mais, por
parte dos contribuintes, o objetivo
único de pagar menos tributo quanto
for possível, a qualquer custo. Mas,
principalmente, não cabe mais, por
parte do Fisco, cobrar o máximo
possível (e impossível), a qualquer
custo.
A Covid-19 confirmou que a
colaboração entre Fisco e contribuinte
é possível, já que diversas medidas
tributárias já foram tomadas para
auxiliar os contribuintes nesse
período. Como exemplo, cite-se o
diferimento do prazo de pagamento
da contribuição ao FGTS, a redução
das contribuições ao Sistema S, a
redução a zero da alíquota do imposto
de importação incidente sobre bens
necessários ao combate da pandemia,
a prorrogação das parcelas federal,
estadual e municial do Simples
Nacional, entre outras.
Ainda sobre a colaboração, a
conclusão do artigo citado
anteriormente do autor Yuval Noah
Harari se volta à uma escolha que a
humanidade deverá fazer:
percorrermos o caminho da desunião
ou o da solidariedade global? O
primeiro caso conduz ao
prolongamento da crise, enquanto o
segundo mostra um futuro mais bem-
sucedido.
Na esfera tributária, a escolha será
entre a litigiosidade ou colaboração
genuína. Na primeira hipótese, o
cenário de litigiosidade (sem solução
para ninguém) não apenas prolongará
a crise, mas provavelmente resultará
em perdas mútuas ainda piores no
futuro. Se escolhermos a colaboração
genuína, a vitória será mútua, já que
os contribuintes pagarão os tributos
espontaneamente, dentro de suas
realidades/possibilidades
econômicas, e o Fisco receberá a parte
que lhe cabe para sustentar a
máquina estatal sem grandes
esforços. Como otimista que sou,
acredito que estamos no caminho da
colaboração genuína, com ganhos
recíprocos.
60
——————————
1 https://www.etco.org.br/11/wp-
content/uploads/Estudo-
Desafios-do-Contencioso-
Tributario-ETCO-EY.pdf
2 http://www.planalto.gov.br/cci
vil_03/_ato2019-
2022/2019/Mpv/mpv899.htm
3 https://amp-ft-
com.cdn.ampproject.org/c/s/am
p.ft.com/content/19d90308-
6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75
VERÔNICA MAGALHÃES –
Advogada e Contadora. MBA em
Gestão Tributária pela FIPECAFI -
Fundação Instituto de Pesquisas
Contábeis, Atuariais e Financeiras e
Curso de Liderança pela Harvard
Extension School.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/women-in-
tax-brazil/como-a-covid-19-pode-pavimentar-o-caminho-da-
colaboracao-entre-fisco-e-contribuinte-15052020
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