climatéricos e não-climatéricos: um conceito em extinção ......devemos lembrar que a fisiologia...

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Climatéricos e não-climatéricos: um conceito em extinção? Ilana Urbano Bron AngeloPedroJacomino Os estudos em fisiologia pós-colheita iniciaram-se com a publicação de Franklin Kidd e Charles Westna década de 20 (Laties,1995), quando estudando as condições ' ideaisparao arrnazenamento de maçãs, os autores descreveram um aumento bruscona respiração dos frutos durante o amadurecimento, denominando-ode climatério. Entretanto, constatou-se que nem todos os frutos apresentavam essa elevação na respiração durante o amadurecimento, como por exemplo, a laranjae o limão (Biale et al., 1954),. A partir daí, os frutos começaram a ser classificados, de acordo com a atividade respiratória após a colheita, em climatéricos e não climatéricos. Na classificação tradicional, frutos climatéricos são aqueles cujo amadurecimento é acompanhado por um distinto aumento na atividaderespiratória. O menor valor observado na atividade respiratória é chamado de "mínimo pré- climatérico". O pico respiratório designado "máximo climatérico" é seguidopor um declínio na atividade respiratória, chamado oopós-climatérico". Sãoexemplos de frutos climatéricoso abacate, banana, manga,mamão,pêra e maracujâ. Quando o etileno passou a serconsiderado o hormônio do amadurecimento, nãomais se discutia sobre o amadurecimento e climatério semse referira ele,ou seja, o comportamento do etileno durante a pós-colheita foi incorporado ao conceito inicial de frutosclimatéricos" Dessa forma, os frutos climatéricos passaram a seraqueles em que ocorre também um pico de produção de etileno, podendo esse pico coincidir ou oconerantes da máxima atividade respiratória (Biale et al, 1.954). Geralmente os frutos climatéricos são colhidos ainda verdespara facilitar o manuseio e ampliar o tempo de conservação, uma vez que normalmente apresentarn taxa respiratória mais elevada. Neste caso, o processo de amadurecimento ocoffe com o fruto separado da planta mãe. Mais uma complementação foi então acrescentada ao conceito inicial de frutosclimatéricos: são frutosque amadurecem depois de colhidos. Os frutos não-climatéricos sãoaqueles que não apresentam aumentos na taxa respiratória e na produção de etileno. A respiração desses frutos geralmente apresenta decréscimo gradual durante o amadurecimento. Estes

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  • Climatéricos e não-climatéricos: um conceito em extinção?

    Ilana Urbano Bron

    Angelo Pedro Jacomino

    Os estudos em fisiologia pós-colheita iniciaram-se com a publicação de Franklin

    Kidd e Charles West na década de 20 (Laties, 1995), quando estudando as condições '

    ideais para o arrnazenamento de maçãs, os autores descreveram um aumento brusco na

    respiração dos frutos durante o amadurecimento, denominando-o de climatério.

    Entretanto, constatou-se que nem todos os frutos apresentavam essa elevação na

    respiração durante o amadurecimento, como por exemplo, a laranja e o limão (Biale et

    al., 1954),. A partir daí, os frutos começaram a ser classificados, de acordo com a

    atividade respiratória após a colheita, em climatéricos e não climatéricos.

    Na classificação tradicional, frutos climatéricos são aqueles cujo

    amadurecimento é acompanhado por um distinto aumento na atividade respiratória. O

    menor valor observado na atividade respiratória é chamado de "mínimo pré-

    climatérico". O pico respiratório designado "máximo climatérico" é seguido por um

    declínio na atividade respiratória, chamado oopós-climatérico". São exemplos de frutos

    climatéricos o abacate, banana, manga, mamão, pêra e maracujâ. Quando o etileno

    passou a ser considerado o hormônio do amadurecimento, não mais se discutia sobre o

    amadurecimento e climatério sem se referir a ele, ou seja, o comportamento do etileno

    durante a pós-colheita foi incorporado ao conceito inicial de frutos climatéricos" Dessa

    forma, os frutos climatéricos passaram a ser aqueles em que ocorre também um pico de

    produção de etileno, podendo esse pico coincidir ou oconer antes da máxima atividade

    respiratória (Biale et al, 1.954). Geralmente os frutos climatéricos são colhidos ainda

    verdes para facilitar o manuseio e ampliar o tempo de conservação, uma vez que

    normalmente apresentarn taxa respiratória mais elevada. Neste caso, o processo de

    amadurecimento ocoffe com o fruto separado da planta mãe. Mais uma

    complementação foi então acrescentada ao conceito inicial de frutos climatéricos: são

    frutos que amadurecem depois de colhidos. Os frutos não-climatéricos são aqueles que

    não apresentam aumentos na taxa respiratória e na produção de etileno. A respiração

    desses frutos geralmente apresenta decréscimo gradual durante o amadurecimento. Estes

  • frutos só podem ser colhidos quando reúnem as características adequadas para o

    consumo. São exemplos de frutos não-climatéricos o limão, laranja, morango e figo.

    Nos anos que se seguiram após o trabalho de Kidd e West, ficou evidente que

    durante o aumento da respiração e da produção de etileno, aconteciam também outras

    transformações fisiológicas e bioquímicas nos frutos, o que levou Rhodes (1970) a

    redefinir o climatério como sendo um período no desenvolvimento de certos frutos no

    qual uma série de mudanças bioquímicas é iniciada pela produção autocatalítica de

    etileno, marcando o limite entre o crescimento e a senescência, envolvendo o aumento

    da respiração e conduzindo ao amadurecimento. Vários outros aspectos além da

    respiração passaram a integrar o conceito inicial de frutos climatéricos e não

    climatéricos.

    Apesar dos frutos ainda serem classifìcados nessas duas tradicionais classes"

    devemos lembrar que a fisiologia do amadurecimento é composta por uma série de

    processos interligados de maneira complexa e por este motivo, muitas vezes o

    comportamento de um determinado fruto durante a pós-colheita pode não corresponder

    aos padrões previamente estabelecidos. Azzolini et al. (2005), estudando o

    amadurecimento de goiabas 'Pedro Sato', concluíram que esta variedade não poderia ser

    classificada como climatérica, nem tão pouco como não-climatérica. Apesar de

    apresentarem alterações típicas de frutos climatéricos como mudanças na cor da casca e

    ftmeza da polpa após a colheita, exibiam aumento gradual na atividade respiratória e na

    produção de etileno. Abdi et al. (1998) verificaram que ameixas também produziam

    etileno até o final do amadurecimento e propuseram o termo "suppressed-climacteric"

    para este tipo de comportamento.

    O fato é que, além do comportamento específico de cada fruto, começou-se a

    verificar que o climatério depende de alguns fatores como as condições de cultivo, o

    ponto de colheita e mesmo a variedade considerada. De acordo Lalel et al. (2003),

    somente mangas colhidas nos estádios mais precoces de maturação apresentaram pico

    na produção de etileno e aumento significativo na atividade respiratória. O tempo de

    permanência do fruto na planta também influencia a respiração durante a pós-colheita.

    Knee (1995) confirmou que o tomate não apresenta elevação na respiração enquanto

    preso à planta.

  • Além de se verificar que o aparecimento do climatério pode depender de

    inúmeros fatores, com ajuda da biologia molecular também se começou a reavaliar a

    significância do etileno no amadurecimento dos frutos ditos não climatéricos. Para os

    conceitos tradicionais, nos frutos em que ocoÍre o climatério, o etileno tem papel

    fundamental nas mudanças bioquímicas e fisiológicas durante o amadurecimento

    (Giovannoni, 2001). No entanto, alguns autores já admitem que nos frutos não-

    climatéricos, há um aumento na síntese de receptores do etileno, similarmente ao que

    ocoÍre com os climatéricos (Trainotti et al., 2005).

    O amadurecimento envolve uma série de mudanças fisiológicas e bioquímicas

    que alteram a composição dos frutos. Com o progresso das pesquisas, verifìcou-se que

    alguns desses processos do amadurecimento não estavam relacionados com o aumento

    da respiração e, que alguns eram independentes do aumento na produção de etileno, ou

    apresentavam dependência parcial, contrariando os antigos conceitos. Em pesquisa

    realizada por Bron e Jacomino, mamões que receberam aplicação de bloqueador da ação

    do etileno, se conservaram firmes durante o amadurecimento, mas apresentaram perda

    da cor verde da casca. Nesse caso, podemos admitir que o desenvolvimento da cor é

    menos dependente do etileno quando comparado ao processo de amolecimento (Bron,

    2006). Em trabalhos com mamão como o de Selvaraj e Pal (1982), embora fosse

    encontrada máxima respiração climatérica, nenhuma mudança expressiva nos

    constituintes do fruto foi observada após esse evento.

    Nos frutos ditos climatéricos, o pico da produção do 'etileno

    antecederia as

    mudanças nos constituintes dos frutos durante o amadurecimento. No entanto, Bron e

    Jacomino observaram que o aumento na produção de etileno em mamões ocorreu

    quando os frutos já haviam atingido ftmeza para consumo e a coloração da casca

    amarela. (Bron, 2006). Resultados semelhantes foram observados por Azzolini e

    Jacomino em goiabas oPedro Sato' (Azzolini et a1.,2005) e por Cavalini e Jacomino em

    goiabas 'Paluma' e 'Kumagai' (cavalini, 2004). Kim et al. (1999) verificaram que o

    aumento na produção do etileno ocoÍïeu somente quando a textura da polpa de kiwis já

    estava macia. Durante o amadurecimento de maçãs, Blankenship e Unrath (1988)

    notaram decréscimos na firmeza antes de qualquer aumento na concentração interna de

    etileno. O processo do amadurecimento, incluindo a perda dafirmezapode ser resultado

    do aumento da sensibilidade dos tecidos ao etileno, e não necessariamente dependente

  • apenas do aumento da produção de etileno, que pode apenas acelerar e/ou coordenar as

    mudanças.

    Então, qual seria a explicação para os casos em que se observa o climatério?

    Estaria o etileno totalmente relacionado ao aumento da respiração? O aumento da

    produção de etileno seria uma resposta ao estresse decorrente do amadurecimento? Há

    mesmo necessidade de um pico de respiração e produção de etileno para o

    amadurecimento?

    Algumas explicações para a ocorrência do climatério foram propostas, tais

    como: um processo resultante do aumento de demanda energética necessária para dar

    continuidade ao amadurecimento; um resultado da mudança na organização celular

    resultante do início da senescência; uma reação ao estresse da colheita. Baseado em

    experimentos que comprovam que a energia gerada pelo metabolismo basal já seria

    suficiente para as transformações bioquímicas durante o amadurecimento (Solomos,

    1977) e que algumas destas transformações ocorrem sem qualquer aumento na

    respiração (Romani et al., 1983), Romani (1984) propôs que o climatério seria a

    máxima resposta homeostática da mitocôndria para compensar os efeitos degradantes da

    senescência celular e que o aumento na produção de etileno também seria uma resposta

    a esse estresse.

    O climatério e o aumento na produção do etileno sempre foram bastante

    relatados em pesquisas de pós-colheita e são a base para a classificação dos frutos em

    climatéricos e não climatéricos. No entanto, na época em que esses conceitos foram

    propostos as pesquisas com pós-colheita limitavam-se à avaliação de alguns frutos que

    atendiam aos requisitos para tal classificação. Com a ampliação dos estudos para uma

    infinidade de espécies e variedades de frutos, a introduÇão de novos métodos de

    pesquisa e o maior conhecimento em fïsiologia vegetal, observa-se que muitos dos

    frutos não atendem aos requisitos necessários para serem classificados num ou noutro

    grupo. A diversidade e a complexidade dos processos que envolvem o amadurecimento

    parecem sugerir que haja uma reavaliação da atual forma de classificação dos frutos.

    Enfim, muito se tem discutido sobre os processos envolvidos na iniciação e no

    controle do amadurecimento, mas pesquisas ainda são necessárias para o esclarecimento

    de sua natureza e funções. Enquanto isso não acontece, classsificar os mais diversos

  • frutos nessas duas tradicionais classes, definidas no fïnal da decada de 20, parece ser

    uma visão muito simplificada de todo o processo do amadurecimento!

    Referências bibliográfi cas

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