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170 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS PROCESSO N.º 5145/06 (…) FUNDAMENTOS Para a decisão da causa resulta provada a seguinte matéria de facto, nos termos do dis- posto no n.º 4 do artigo 416.º do CVM: 1. Em 26 de Janeiro de 2005, a arguida A., tinha acções admitidas à negociação no Merca- do de Cotações Oficiais, tendo por data da últi- ma cotação efectuada o dia 25 de Janeiro de 2005. (…) 3. A arguida A. figura como detentora de 100% (cem por cento) do capital social da sociedade comercial com a firma E., no Relatório e Con- tas Consolidadas – Primeiro Semestre de 2004 – e no Relatório e Contas Consolidadas de 2004. 4. A E. figura como detentora de 74,97% (setenta e quatro vírgula noventa e sete por cen- to) do capital social da sociedade comercial com a firma B., no Relatório e Contas Consoli- dadas do primeiro semestre de 2004. (…) 17. (…) [em] 26 de Janeiro de 2005, a arguida A. divulgou ao público, através do sistema de difusão de informação da CMVM, o texto com o seguinte teor: Facto Relevante Lisboa, 26 de Janeiro de 2005 – A A. informa que, dado o interesse que os activos da B. têm suscitado por parte de diversas entidades, deci- diu disponibilizar, por solicitação destas, algu- ma informação adicional sobre os mesmos acti- vos. Eventuais manifestações de interesse na referi- da aquisição serão analisadas em breve no âmbito da reflexão estratégica da A. sobre os seus activos de b., não tendo contudo sido ain- da tomada qualquer decisão pelos órgãos sociais do Grupo da A., nem estando agendada qualquer reunião para o efeito, nomeadamente sobre a possibilidade da alienação de todos ou parte dos activos em causa. DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÃO ANOTAÇÃO À SENTENÇA DO TRIBUNAL DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL DE LISBOA 1 , 2º JUÍZO, 2ª SECÇÃO, PROCESSO N.º 5145/06 CÉLIA REIS * E FILIPE MATIAS SANTOS * * Juristas do Departamento de Assuntos Jurídicos e Contencioso da CMVM. 1- Esta sentença foi divulgada na íntegra pela CMVM em http://www.cmvm.pt/NR/exeres/F0FFD779-C3AB-42EC-AAB8-9966E1B44A4E.htm , nos termos do artigo 422.º/2 do Código dos Valores Mobiliários. Como foi também divulgado, a arguida interpôs recurso da decisão. Entretanto, por acórdão de 20/12/2007, o Tribunal da Relação de Lisboa, manteve a decisão condenatória da CMVM.

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170 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

“PROCESSO N.º 5145/06(…)FUNDAMENTOS

Para a decisão da causa resulta provada a

seguinte matéria de facto, nos termos do dis-posto no n.º 4 do artigo 416.º do CVM:1. Em 26 de Janeiro de 2005, a arguida A.,tinha acções admitidas à negociação no Merca-do de Cotações Oficiais, tendo por data da últi-ma cotação efectuada o dia 25 de Janeiro de 2005. (…)

3. A arguida A. figura como detentora de 100% (cem por cento) do capital social da sociedade comercial com a firma E., no Relatório e Con-tas Consolidadas – Primeiro Semestre de 2004 – e no Relatório e Contas Consolidadas de 2004.

4. A E. figura como detentora de 74,97% (setenta e quatro vírgula noventa e sete por cen-to) do capital social da sociedade comercial com a firma B., no Relatório e Contas Consoli-dadas do primeiro semestre de 2004. (…)

17. (…) [em] 26 de Janeiro de 2005, a arguida

A. divulgou ao público, através do sistema de difusão de informação da CMVM, o texto com o seguinte teor: “Facto Relevante

Lisboa, 26 de Janeiro de 2005 – A A. informa

que, dado o interesse que os activos da B. têm

suscitado por parte de diversas entidades, deci-

diu disponibilizar, por solicitação destas, algu-

ma informação adicional sobre os mesmos acti-

vos.

Eventuais manifestações de interesse na referi-

da aquisição serão analisadas em breve no

âmbito da reflexão estratégica da A. sobre os

seus activos de b., não tendo contudo sido ain-

da tomada qualquer decisão pelos órgãos

sociais do Grupo da A., nem estando agendada

qualquer reunião para o efeito, nomeadamente

sobre a possibilidade da alienação de todos ou

parte dos activos em causa.

DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÃO

ANOTAÇÃO À SENTENÇA DO TRIBUNAL DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINALDE LISBOA1, 2º JUÍZO, 2ª SECÇÃO, PROCESSO N.º 5145/06

CÉLIA REIS* E FILIPE MATIAS SANTOS*

* Juristas do Departamento de Assuntos Jurídicos e Contencioso da CMVM.

1- Esta sentença foi divulgada na íntegra pela CMVM em http://www.cmvm.pt/NR/exeres/F0FFD779-C3AB-42EC-AAB8-9966E1B44A4E.htm, nos termos do artigo 422.º/2 do Código dos Valores Mobiliários. Como foi também divulgado, a arguida interpôs recurso da decisão. Entretanto, por acórdão de 20/12/2007, o Tribunal da Relação de Lisboa, manteve a decisão condenatória da CMVM.

171 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

No estrito cumprimento da legislação em vigor,

a A. informará imediatamente o público sobre

quaisquer desenvolvimentos relevantes relacio-

nados com este assunto.”

(…)

54. A arguida A., em 26 de Janeiro de 2005, já havia dado início ao processo de alienação da E..

55. A arguida A., em 26 de Janeiro de 2005, já havia decidido só levar em consideração pro-postas de aquisição da E. que indicassem o pre-ço de 100% das respectivas acções.

56. A arguida A. ciente do referido em 54. e 55. quis divulgar o teor do Facto Relevante nostermos e com o teor referido em 17., agindo de forma consciente, livre e voluntária.

57. A arguida A. fê-lo com o propósito finan-ceiro de não projectar no mercado a ansiedade de alienação de parte dos seus activos, fragili-zando-os, e, simultaneamente, não excluir pos-sibilidades de negócio com interessados que não pudessem ou não quisessem adquirir a tota-lidade dos activos, mantendo o objecto da tran-sacção atractivo ao maior número de investido-res.(…)

ENQUADRAMENTO JURÍDICO

À arguida A. é imputada a prática da contra-ordenação prevista e punida nos termos do n.º 1 do artigo 389 e alínea a) do n.º 1 do artigo 388

do CVM.

Tomemos pois em consideração o que dizem, respectivamente, estes preceitos: “Constitui contra-ordenação muito grave a

comunicação ou divulgação, por qualquer

pessoa ou entidade e através de qualquer meio,

de informação que não seja completa, verda-

deira, actual, clara, objectiva e lícita.”

“Às contra-ordenações previstas nesta secção

são aplicáveis as seguintes coimas:

a) Entre €25 000 e €2 500 000, quando sejam

qualificadas como muito graves;”

Importa, desde logo, reter uma série de concei-tos intrínsecos às disposições transcritas, cir-cunscrevendo-os no âmbito de realidades mais abrangentes.

O Direito dos Valores Mobiliários está inti-mamente relacionado com uma necessidade de protecção de investidores e dos respectivos interesses. É desta percepção que surge este conjunto de normas, atento às novas realidades económico-financeiras e ao atractivo mercado de valores mobiliários.

A estes princípios subjaz um interesse público de garantir a formação da poupança e a sua cap-tação para o mercado de valores mobiliários, o que justifica a protecção conferida, ab initio,pela Constituição da República Portuguesa,designadamente no artigo 101, o qual prescre-ve:“O sistema financeiro é estruturado por lei, de

modo a garantir a formação, a captação e a

segurança das poupanças, bem como a aplica-

ção dos meios financeiros necessários ao

desenvolvimento económico e social.”

O mercado de valores mobiliários vive da apli-cação das poupanças dos aforradores e pressu-põe a existência de condições de segurança como motivadoras da tomada de uma decisão de investimento, sendo que a “(...) segurança

do investimento e a confiança no mercado são,

portanto, condições essenciais ao regular

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 171

172 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

funcionamento deste pois dela depende a deci-

são do investidor no sentido de aplicar, neste

mercado, as suas poupanças.” – cfr. Sofia

Nascimento Rodrigues, A Protecção dos

Investidores em Valores Mobiliários, Coimbra: Almedina, 2001, p. 26.

É certo que todo o investimento em valores

mobiliários comporta um certo risco económi-

co, impõe-se, por isso, que o mercado tome visível e transparente este risco. Numa frase: “A decisão do investidor pode ser errada mas

tem de ser uma decisão esclarecida.” – Sofia

Nascimento Rodrigues, op. cit., p. 33.

Como refere Célia Reis, Violação de Deveres

de Informação, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 4, Lisboa, 1999, p. 269 “(...) a decisão de investimento esclarecida

apenas pode ser garantida através da dissemi-

nação, no próprio mercado, de toda a informa-

ção relevante. (...)

Por isso se caracterizam recorrentemente os

mercados de valores mobiliários como alta-

mente sensíveis e reactivos à informação. Com

efeito, a divulgação de factos que influenciem,

positiva ou negativamente, a apreciação que os

investidores fazem das entidades emitentes e

dos valores mobiliários por ela emitidos é deci-

siva para o sentido que as decisões de (des)

investimento tomam.”, tendente a criar um mer-cado eficiente.

Uma das denominadas medidas gerais de

protecção é exactamente a informação enquan-to substrato à tomada de decisão de investimen-to, o que implica um efectivo conhecimento das condições e reais perspectivas de cada possibili-dade de investimento, o qual é conformado pelo

conteúdo da informação que lhe é efectivamen-te disponibilizado.

Informação, por si mesma, “(...) significa ori-

ginariamente dar forma a alguma coisa que,

por esse modo, se toma cognoscível e, como tal,

transmissível. Assim, informação designa

simultaneamente o processo de formulação e

transmissão de objectos de conhecimento e

estes últimos como conteúdos.” – Eduardo Paz

Ferreira, A informação no mercado de valores

mobiliários, in Direito dos Valores Mobiliários, vol. III, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 142.

As regras respeitantes aos deveres de informa-ção são numerosas mas o seu grau de desenvol-vimento varia consoante o sujeito passivo desse dever. Assim, os deveres de informação variam consoante a entidade que aos mesmos está obri-gada.

No caso concreto, o cumprimento dos deveres de informação impendem directamente sobre a arguida A., enquanto emitente. Mais concreta-mente, enquanto sociedade aberta ao investi-

mento do público e cotada, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 13 do CVM.

Para além do dever de informação periódica exigível nos termos do CVM a este tipo de sociedades, exige-se ainda o dever de informa-

ção permanente, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 248 do CVM, os quais prescrevem: “1. Os emitentes que tenham valores

mobiliários admitidos à negociação em

mercado regulamentado ou requerido a respec-

tiva admissão a um mercado dessa natureza

divulgam imediatamente:

173 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

a) Toda a informação que lhes diga directa-

mente respeito ou aos valores mobiliários

por si emitidos, que tenha carácter preciso,

que não tenha sido tomada pública e que, se

lhe fosse dada publicidade, seria idónea

para influenciar de maneira sensível o preço

desses valores mobiliários, ou dos instru-

mentos subjacentes ou derivados com estes

relacionados;

b) Qualquer alteração à informação tomada

pública nos termos da alínea anterior, utili-

zando para o efeito o mesmo meio de divul-

gação.

2. Para efeitos da presente lei a informação

privilegiada abrange os factos ocorridos, exis-

tentes ou razoavelmente previsíveis, indepen-

dentemente do seu grau de formalização, que,

por serem susceptíveis de influir na formação

dos preços dos valores mobiliários ou dos ins-

trumentos financeiros, qualquer investidor

razoável poderia normalmente utilizar, se os

conhecesse, para basear, no todo ou em parte,

as suas decisões de investimento.”

O dever de informação permanente funciona como um meio de realização de um fim último de protecção dos investidores, promovendo o funcionamento eficiente, equitativo e transpa-rente do mercado de valores mobiliários. É um mecanismo legal que visa “(…) obrigar as

sociedades cotadas a criarem um mercado efi-

ciente e transparente para os valores que emi-

tem, por exemplo, informando o mercado, sem

demora, e de forma correcta, sobre todo e qual-

quer facto que seja relevante para a apreciação

pelos investidores dos valores mobiliários que

estão no mercado.” – cfr. José Nunes Pereira,O Novo Código dos Valores Mobiliários e a

Protecção dos Investidores, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 7, Lisboa,

2000, p. 78 e vide ainda Célia Reis, op. cit. pp.271 e 272.

Ora, é este mesmo o dever que aqui está em causa e o seu cumprimento por parte da arguida A., pois, é de informação relativa a valores mobiliários que se trata o comunicado de Facto Relevante. E isto porque, está em causa a decisão de alienação ou não de partici-pações sociais – leiam-se: acções – que a arguida A. detinha, à data, sobre a E. – cfr. n.º

1 do artigo 1º do CVM que prescreve:

“São valores mobiliários, além de outros que a

lei como tal qualifique:

a) As acções;

b) As obrigações;

c) Os títulos de participação;

d) As unidades de participação em institui-

ções de investimento colectivo;

(…).”

São essencialmente dois os elementos essen-ciais definidos pela doutrina relativamente à noção de valores mobiliários: a representação de uma operação de investimento e a existên-cia de um risco (já anteriormente referido) – cfr. Richini, I Valori Mobiliari, citado por Carlos Costa Pina, Instituições e Mercados

Financeiros, Coimbra: Almedina, 2005, p. 468.

É por isso que, do ponto de vista económico, o mercado de valores mobiliários tem a particula-ridade de ser através deste que se reúne a procura de fontes de financiamento e a

poupança de investidores, permitindo que o capital se transforme em investimento e este em fonte de financiamento de entidades económi-cas – vide Frederico de Lacerda da Costa

Pinto, A tutela dos mercados de valores

mobiliários e o regime do ilícito de mera

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 173

174 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

ordenação social, in Direito dos Valores Mobi-liários, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, pp. 289 e 290.

É também através deste dever que se imprime no mercado a equidade relativamente ao acesso à informação dos investidores e transparênciano próprio mercado.

O mercado de valores, contrariamente à tradi-cional negociação bilateral, é composto por um conjunto massificado de fluxos de interesses, comportamentos e informações. Não é apenas o círculo dos accionistas que se pretende tute-lar, contrariamente do que sucede no Direito Societário, mas sim o investidor, enquanto um titular efectivo ou meramente potencial de valo-res mobiliários – vide a este propósito Célia

Reis, op. cit., p. 271 e António Soares, Direi-

tos Inerentes a valores mobiliários, in Direito dos Valores Mobiliários, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, pp. 133 e ss.

É ainda importante conhecer a forma como o legislador reconhece a susceptibilidade da informação influenciar a tomada de decisões de investimento e como acautela essa mesma influência.

Nos termos do artigo 7º do CVM, sempre que a informação respeite a “(...) valores mobiliá-

rios, ofertas públicas, mercados, actividades de

intermediação e emitentes é-lhe exigida com-

pletude, veracidade, actualidade, clareza,

objectividade e licitude” – Sofia Nascimento

Rodrigues, op. cit., p. 33, enquanto regra fun-damental que tem em vista assegurar a forma-ção de uma esclarecida decisão de investimen-to, por parte do investidor.

Todos estes conceitos indeterminados deverão ser “preenchidos” na óptica dos interesses à luz dos quais são exigidos, ou seja, à luz dos inte-resses de um investidor médio, sendo certo que é o próprio CVM que distingue duas categorias – os investidores qualificados – e os investi-

dores não qualificados – cfr. artigos 30 e 31

do CVM – e vide, neste sentido, José de Oli-

veira Ascensão, A Protecção do Investidor, in

Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra: Coimbra Editora, vol. IV, 2003, pp. 15 e ss.

A informação de que falamos tem por objecto um facto que, de acordo com um juízo de

prognose, é apto a fundamentar uma decisão de (des)investimento, por parte de um investidor

médio, ou seja, um juízo que “(...) deverá ter

por base aquele que seria o comportamento de

um investidor médio, normalmente diligente,

guiado por critérios de racionalidade na sua

actuação no mercado de valores mobiliários.

Juízo, aliás, para cuja realização a entidade

emitente se encontra na melhor posição, dada a

sua plena integração no segmento específico de

vida em que o mercado de valores mobiliários

se traduz.” – Célia Reis, op. cit., p. 275.

A veracidade, objectividade e clareza que se exigem ao destinatário do dever de prestar a informação prende-se com a correspondência com exactidão aos factos ocorridos, não poden-do induzir o público em erro sobre a realidade.

A este respeito, importa ter presente o disposto no artigo 7º do CVM:“1. Deve ser completa, verdadeira, actual, cla-

ra, objectiva e lícita a informação respeitante a

valores mobiliários, a ofertas públicas, a

mercados de valores mobiliários, a actividade

175 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

de intermediação e a emitentes que seja

susceptível de influenciar as decisões dos

investidores ou que seja prestada às entidades

de supervisão e às entidades gestoras de mer-

cados, de sistemas de liquidação e de sistemas

centralizados de valores mobiliários.

2. O disposto no número anterior aplica-se seja

qual for o meio de divulgação e ainda que a

informação seja inserida em conselho, reco-

mendação, mensagem publicitária ou relatório

de notação de risco.

3. O requisito de completude da informação é

aferido em função do meio utilizado, podendo,

nas mensagens publicitárias, ser substituído

por remissão para documento acessível aos

destinatários.

4. A publicidade relativa a valores mobiliários

e a actividades reguladas neste Código é apli-

cável o regime geral da publicidade.”

Decompondo o quanto este preceito encerra, trazemos à presença os conceitos anteriormente explorados, ou seja, o de informação prestada a propósito de valores mobiliários, que seja sus-ceptível de influenciar a decisão do investidor

e, ao que ao caso importa, seja verdadeira.

Tomemos, então, em consideração o facto

provado 17., nos termos do qual a arguida A.divulga o seguinte: “Facto Relevante

Lisboa, 26 de Janeiro de 2005 – A A. informa

que, dado o interesse que os activos da B. têm

suscitado por parte de diversas entidades,

decidiu disponibilizar, por solicitação destas,

alguma informação adicional sobre os mesmos

activos.

Eventuais manifestações de interesse na referi-

da aquisição serão analisadas em breve no

âmbito da reflexão estratégica da A. sobre os

seus activos de b., não tendo contudo sido ain-

da tomada qualquer decisão pelos órgãos

sociais do Grupo da A., nem estando agendada

qualquer reunião para o efeito, nomeadamente

sobre a possibilidade da alienação de todos ou

parte dos activos em causa.

No estrito cumprimento da legislação em vigor,

a A. informará imediatamente o público sobre

quaisquer desenvolvimentos relevantes relacio-

nados com este assunto.”

Sem necessidade de grandes processos silogísti-cos, depressa nos apercebemos que a arguida

A. divulga uma informação, ou seja, dá públi-co conhecimento de um facto. Facto este que respeita ao interesse na aquisição de activosque são detidos por ela (directa ou indirecta-mente) e respeitantes à B., acrescentando que os órgãos sociais do seu Grupo ainda não tomaram decisão sobre a possibilidade de alienação de todos ou parte dos mencionados activos.

Significa isto que estamos perante uma informação, respeitante à alienação/aquisição de activos – leia-se: participações sociais de sociedade anónima, leia-se: acções (unidades do capital social – cfr. artigo 271 do Código

das Sociedades Comerciais), leia-se: valores

mobiliários, sobre os quais foi revelado inte-resse na aquisição e sobre este facto ainda não foi tomada decisão de alienação, do todo ou parte – facto susceptível de influenciar a

decisão do investidor.

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 175

176 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Em suma, estamos perante uma informação

que deve ser prestada com qualidade, querendo com isto significar que deverá ser prestada com todos os atributos a que alude o n.º 1 do artigo

7º do CVM.

Vejamos, pois, com precisão, se a veracidadeestava presente neste comunicado emitido pela arguida A., ou se a mesma estava ausente como afirma a CMVM.

Ora, da matéria de facto provada – factos 3., 4.

e 54. a 57. –, resulta que a arguida A. quando, em 26 de Janeiro de 2005, comunica o Facto

Relevante, “(…) já havia dado início ao pro-

cesso de alienação da E.”, a qual era detida a 100% por si e detinha, por sua vez, 74,97% da B.; “(...) já havia decidido só levar em conside-

ração propostas de aquisição da E. que indi-

cassem o preço de 100% das respectivas

acções.”; estava ciente disso e, ainda assim,“(...) quis divulgar o teor do Facto Relevante

nos termos e com o teor referido em 17., agindo

de forma consciente, livre e voluntária.”, com o“(...) propósito financeiro de não projectar no

mercado a ansiedade de alienação de parte dos

seus activos, fragilizando-os, e, simultaneamen-

te, não excluir possibilidades de negócio com

interessados que não pudessem ou não quises-

sem adquirir a totalidade dos activos, manten-

do o objecto da transacção atractivo ao maior

número de investidores.”

Claro está que a arguida A. ao prestar aquela informação, o que quis, sabia que de alguma forma iria influenciar o processo de formação

e de tomada de decisão por parte dos investi-

dores, de outro modo nem sequer seria um Facto Relevante. Tanto o sabia que o quis divulgar através da CMVM, porém dando

conta de uma factualidade que não correspondia com a verdade e que assim mesmo foi sua intenção difundir, ciente das vantagens nego-ciais que daí advinham ou, pelo menos, conven-cida das mesmas, pois sabia perfeitamente que aquela não era a informação verdadeira e que fazia uso de uma abordagem formalista para ocultar a verdade dos factos.

A arguida A. fê-lo porque sabia que os activos – valores mobiliários – que procurava vender manter-se-iam mais “apetecíveis”, ou seja, havia quem tivesse interesse em adquiri-los, mas a própria revelava-se relutante em aliená-los, como se fossem activos estratégicos, o que não era manifestamente o caso.

Informando os investidores que haviam mani-festado interesse na aquisição, sem dar sinal que a manutenção dos activos não lhe interessa-vam, a arguida A. procurou, desde logo, mani-pular o valor de mercado dos seus activos.

Ao ocultar aquilo que era a sua estratégia e sua “primeira escolha” relativamente aos activos, nomeadamente, a sua venda a 100%, a arguida

A. sabia abrir portas ou, pelo menos, não fechá-las a investidores.

De qualquer modo, a arguida A., por um lado, ao fazer difundir através de comunicado de Facto Relevante que nada estava decidido, nem a alienação, nem a alienação a 100% dos seus activos b., e, por outro, através de cartas solicitando propostas de alienação exclusiva-mente a 100%, dava sinais antagónicos dos seus intentos quanto aos activos, sabia, pois, que não podia manter simultaneamente as duas posições, numa coerência de mercado e quis fazê-lo.

177 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Do ponto de vista da denominada Ética

Financeira, podemos ainda chegar à conclusão que a arguida A. foi responsável por uma assimetria de informação, uma vez que “(...)

diferentes indivíduos envolvidos possuem infor-

mação distinta, em que uns estão melhor infor-

mados que outros.” – a cfr. Manuel Alves

Monteiro, A Ética na Análise Financeira, in

Direito dos Valores Mobiliários, vol. IV, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 149.

Citando o exemplo de académico da venda do carro usado, este autor acrescenta, a fls. 150, “O mercado, englobando todos os seus partici-

pantes, deve ser capaz de informar, exercendo

funções de monitorização, e fornecer um con-

junto de instrumentos capazes de reduzir tais

assimetrias e potenciar a equidade entre as

partes, proporcionando a um vasto leque de

agentes tipologias contratuais e formas regula-

mentares de protecção destes enviesamentos

[sic]. Desta forma, conseguirá apoiar a canali-

zação de investimento para os projectos mais

eficientes.”

E não se pode argumentar que o fizesse com falta de sintonia relativamente ao D., pois, resultou provado que este cumpriu com profis-sionalismo o mandato de assessoria financeira e toda a estratégia e actos de execução eram pra-ticados com o conhecimento e concordância da arguida A..

Note-se ainda que do ponto de vista jurídico, não sendo a arguida A. directamente a titular dos activos b., jamais poderia, validamente,desejar aliená-los individualmente. Assim suce-de porque os activos b. eram detidos pela B., ou seja, por uma sociedade anónima com patrimó-nio autónomo face à arguida A.. Por sua vez, a

própria B. era detida directamente pela E., tam-bém e, por sua vez, uma sociedade anónima com património autónomo face à arguida A..

Donde, apenas indirectamente, ou seja, através da alienação global dos 100% da participação social que a arguida A. tinha sobre a E., pode-ria alienar os activos b. existentes no Grupo daA.. A sociedade anónima com património autó-nomo B. era a única sociedade que poderia deli-berar a alienação de per si dos activos que deti-nha, cabendo apenas à arguida A. a possibili-dade de alienar 100% da E., se quisesse alienar os activos b..

A tomada de decisão definitiva de vender não pode jamais ser considerada um Facto

Relevante para o mercado de investidores em função do negócio em causa, pois se a alienação já é um facto consumado, porque se realizou, este facto não permite, não é susceptível de

influenciar a decisão do investidor.

O facto susceptível de influenciar o investi-

dor será sempre aquele que lhe permite decidir se investe ou não as suas poupanças em deter-minados valores mobiliários, ou seja, pressu-põe a possibilidade de ser potencial titular dos mesmos. Dito isto, pressupõe que os valores

mobiliários ainda sejam negociáveis.

Por conseguinte, o Facto Relevante e que deveria ter sido comunicado pela arguida A.,em cumprimento do dever de prestar informa-ção com qualidade, seria o de existir predisposi-ção de negociar ou alienar os valores mobiliá-

rios que detinha, antes de tomada a decisão

final e definitiva de alienar, quando a mesma surgiu no seio da arguida A., ou seja, quando admitiu que a alienação dos valores

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 177

178 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

mobiliários a 100% era uma solução estratégi-ca desejada.

Acrescente-se que o advérbio de modo “nomeadamente” que a arguida A. faz constar no Facto Relevante, após afirmar que os órgãos sociais ainda não tomaram qualquer decisão e antes de referirem a possibilidade de alienação de todos ou parte dos activos em cau-sa, significa que ainda não foi tomada qualquer decisão de alienação pelos órgãos sociais do Grupo da A. e especifica, a título exemplificati-vo e não exaustivo, que não se decidiu sobre a alienação de todos ou parte dos activos.

Ora, como é óbvio, se não foi “(...) ainda toma-

da qualquer decisão (...)“, não podia ter havido decisão sobre a “(...) alienação de todos ou

parte dos activos (...)”, pois o vocábulo “qualquer” exclui a possibilidade de “alguma”decisão.

Na verdade, não só já havia sido tomada a decisão de vender os activos b., como supra se fundamentou, como já haviam sido tomadas outras decisões interlocutórias no processo de alienação, algumas com idoneidade para influenciar a tomada de decisão de investidores, tais como a decisão de mandatar o D. para assessorar financeiramente a tomada de uma decisão sobre a importância estratégica dos activos b., e a decisão de auscultar o mercado para obter propostas para aquisição da totalida-de dos activos, com o esclarecimento adicional que a arguida A. “(...) não irá considerar

quaisquer ofertas parciais (...)”.

Note-se ainda que contrariamente ao alegado pela arguida A. a solicitação de propostas não vinculativas de 100% dos activos b. não tinha o

efeito exclusivo ou a virtude de análise compa-rativa das várias propostas. Por um lado, ante-riormente já haviam sido avaliados todos os activos do Grupo da A., por outro, o processo já estava delineado desde o início, tanto assim é que jamais a própria arguida A. tomou uma decisão e, muito menos, a comunicou, de haver decidido vender no período que mediou a recepção das propostas não vinculativas e o envio de cartas pelo D. em que se solicita o envio de propostas vinculativas.

Ora, se entre um e outro momento a arguida A. nada decidiu, então a decisão de alienar terá forçosamente de ter ocorrido antes inclusive de 20 de Janeiro de 2005, pois é evidente que quando se solicitam propostas vinculativas euma Oferta Final não se está apenas a auscul-tar o mercado, a pretender valores de avaliação ou proceder-se a uma mera análise comparativa de propostas, sem impacto negocial.

No que concerne ao aspecto formal ou semânti-co do comunicado, consubstanciado no facto de “(...) pelos órgãos sociais do Grupo da A. (...)”ainda não ter sido tomada qualquer decisão, tal não se afigura senão uma forma hábil de procu-rar sustentar que enquanto não existir uma deci-são formal tomada em reunião do Conselho de Administração e constante em acta, nenhuma decisão de venda poderia considerar-se tomada.

Tanto assim não sucede que, por um lado, a arguida A. mandatou o D., em 30 de Setembro de 2004, desde esta data que foi iniciada a execução do mandato e a Comissão Executiva da arguida somente em 07 de Dezembro de 2004 deu forma à decisão de adjudicar a aludida assessoria financeira e, por outro, nos termos do disposto no artigo 401 do CVM a

179 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

responsabilidade contra-ordenacional da argui-

da A. pode advir de actos que não hajam sido praticados formalmente pelos seus órgãos sociais.

Contudo relembre-se o que atrás foi dito: foi criada uma equipa ou grupo de trabalho no seio da arguida A.; os membros – vogal não execu-tivo – do Conselho de Administração apresen-tou proposta de aquisição dos activos b., no âmbito do processo de alienação em curso e como tal reconhecido pelo Fiscal Único; o pró-prio Presidente do Conselho de Administração manifestou, em órgãos de comunicação social, a preferência de alienação global e esta infor-mação foi noticiada pela Reuters, o que resultou provado inclusive por um documento junto em audiência de julgamento pela própria arguida

A., contrariando o teor do requerimento de impugnação da decisão da autoridade adminis-trativa – cfr. artigo 72º, a fls. 532 dos presentes autos – não podendo deixar de ter-se presente que “(...) a divulgação de notícias nos meios de

comunicação social e em especial nos especia-

lizados na área económica pode ter efeitos

extremamente importantes no comportamento

desses mercados e mesmo de ultrapassar ou

neutralizar os efeitos da informação institucio-

nal.

Um interessante estudo levado a cabo pela

Bolsa de Valores de Lisboa parece, aliás, con-

firmar essa especial sensibilidade dos merca-

dos às notícias económicas publicadas nos

meios de comunicação social.” – cfr. Eduardo

Paz Ferreira, A informação no mercado de

valores mobiliários, in Direito dos Valores Mobiliários, vol. III, Coimbra: Coimbra Edito-ra, 2001, p. 143 e Mafalda Gouveia Marques

e Mário Freire, A informação no Mercado de

Capitais, in Caderno do Mercado de Valores Mobiliários, vol. III, 1998.

Saliente-se ainda que a arguida A. nunca comunicou aos investidores que estava recepti-va a propostas de aquisição dos activos b..Apenas surge em 15 de Fevereiro de 2005 comunicando a recepção de propostas (que aliás resultaram de convites que havia endereçado) e em 28 de Fevereiro de 2005 comunicando um facto consumado – o fecho de negócio.

Posto isto e afastado qualquer argumento apre-sentado pela arguida A. tendente a demonstrar qualquer diversa interpretação dos factos prova-dos e do Direito aplicável, impõe-se concluir que a conduta da arguida A. se subsume, quer objectiva, quer subjectivamente ao tipo de con-tra-ordenação de violação dolosa do dever de

informação com veracidade, previsto e puni-do, nos termos conjugados dos artigos 7º, 388,

n.º 1, alínea a), 389, 401 e 402, n.º 1, todos do

CVM, com coima de € 25 000 a € 2 500 000. (…)

Resulta da decisão da autoridade administrativa ora objecto de impugnação que, a decisão con-denatória viria a ser divulgada, nos termos do previsto no artigo 422 do CVM. Pela arguida

A. é suscitada a questão: A divulgação da decisão condenatória constitui-rá uma sanção administrativa acessória e, por conseguinte, não será aplicável nos presentes autos por ser prevista em norma posterior à data dos factos imputados à arguida.

Ora bem, desde logo, importa apreciar qual a natureza jurídica da divulgação da decisão prevista no artigo 422 do CVM, uma vez que, a tese da arguida A. apenas poderá ter

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 179

180 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

acolhimento se efectivamente estivermos na presença de uma sanção que, à data dos factos não se encontrava prevista e, por conseguinte, não poderia ser aplicada pela autoridade admi-nistrativa.

Como é evidente a decisão que ora se profere não realiza qualquer ponderação quanto à bon-dade ou não da opção legislativa, apenas incidi-rá sobre a possibilidade legal de divulgar a decisão condenatória por parte da CMVMantes de a mesma se tomar definitiva ou haver uma decisão jurisdicional transitada em julga-do.

De acordo com a unidade do sistema jurídico – cfr. artigo 9º do Código Civil – a divulgação da decisão condenatória não pode interpretar-se como sanção acessória, à semelhança da previs-ta na alínea d) do n.º 1 do artigo 404 do

CVM. Não pode entender-se que o legislador quis, em preceitos diversos, alcançar o mesmo objectivo.

Assim sucede não porque haja uma dependên-cia directa face a uma sanção principal, porque num e noutro caso existe uma decisão condena-tória que aplica uma sanção (leia-se principal) – cfr. n.º 1 do artigo 422 do CVM –, mas porque a ratio das divulgações são distintas.

A ratio do artigo 422 do CVM prende-se com a salvaguarda dos interesses informativos do mercado de valores mobiliários (independente do carácter definitivo da decisão), enquanto a ratio do artigo 404, n.º 1, alínea d) do CVM funciona como verdadeira sanção, verdadeiro mal que se impõe ao(à) arguido(a) em função de uma decisão definitiva ou transitada em julgado.

Acrescente-se inclusive que uma decisão dos Juízos de Pequena Instância de Lisboa favorá-vel ao(à) arguido(a), nomeadamente que revo-gue uma decisão condenatória da CMVM, é também objecto de divulgação pela mesma via, nos termos do n.º 2 do artigo 422 do CVM,reflexo da natureza informativa da norma.

A divulgação da decisão prevista no artigo 422

do CVM surge como efeito legal e não em fun-ção de um juízo de censurabilidade acrescida como sucede aquando da aplicação de sanções acessórias, ou seja, sanções que consubstanciam um “mais” face à sanção principal.

Não sendo reconhecida natureza sancionatória à previsão do n.º 1 do artigo 422 do CVM,impõe-se afastar o Princípio da Não Aplicação

Retroactividade de sanções e julgar improce-dente, nesta parte, o requerimento de impugna-ção judicial da decisão da autoridade adminis-trativa.

DISPOSITIVO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo improcedente a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e, em con-sequência:

I. Condeno a A. pela prática de uma contra-ordenação de violação dolosa do dever de

informação com veracidade, prevista e puni-da, nos termos conjugados dos artigos 7º, 388,

n.º 1, alínea a), 389, 401 e 402, n.º 1, todos

do CVM, ao pagamento de uma coima de € 200 000 (duzentos mil euros).II. Condeno a A. nas custas processuais, que fixo em 8 (oito) U.C.. III. Notifique, com cópia, o Digníssimo

Magistrado do Ministério Público, a arguida

A. e a CMVM.IV. Deposite.

Lisboa, 24 de Julho de 2007”

181 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

COMENTÁRIO I.

QUALIDADE DE INFORMAÇÃO

A sentença do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa que ora se comenta condena a arguida, emitente de valores mobiliários, pela violação do artigo 7.º do Código dos Valores Mobiliários2 (doravante CdVM), por, numa di-vulgação de informação ao público (através do Sistema de Difusão de Informação da CMVM – cf. o artigo 367.º do CdVM), não ter respeitado os requisitos de qualidade da informação fixada na norma – a saber, o Tribunal qualificou a in-formação como falsa.

I.A informação é um dos bens jurídicos que mais intensa tutela mereceu ao legislador mobiliário.3

Esta opção de política legislativa resulta clara da vasta malha de deveres informativos impos-tos aos agentes do mercado.

(Atento o objecto do processo em que foi profe-rida a sentença que ora se comenta, destacamos os deveres de informação que oneram os emitentes de valores mobiliários admitidos à

negociação (artigos 244.º e ss. do CdVM), entre os quais o dever de divulgação de informação

privilegiada (artigos 248.º e 248.º-A do CdVM).

Todavia, não fica por aqui a longa lista de deve-res informativos na lei mobiliária. Cf., v.g., os deveres de informação relativos a participações

qualificadas em sociedades abertas (artigos16.º e 17.º do CdVM) e a regulação do

prospecto exigível em ofertas públicas (artigos 134.º e ss. do CdVM) e para efeitos de admissão à negociação (artigos 236.º e ss. do CdVM).

Cf. também os deveres de informação das enti-dades gestoras de mercados e dos internalizado-res sistemáticos, relativos às formas organiza-das de negociação em causa (artigos 212.º, 221.º e 253.º do CdVM).

Também os intermediários financeiros, no exer-cício da sua actividade, estão sujeitos a múlti-plos deveres de informação, nomeadamente aos investidores (artigos 312.º e ss. do CdVM).

Aos deveres legais acrescem ainda os que resul-tam da regulamentação da CMVM.)

A violação dos deveres de informação constitui contra-ordenação da competência do Conselho Directivo da CMVM (artigo 408.º/1 do CdVM) – cf. especialmente o artigo 389.º, e também os artigos 390.º/1 e 400.º do CdVM.

II. Este abrangente comando de informar é nevrál-gico à prosecução dos objectivos de tutela do regular e eficiente funcionamento do mercado

e, simultânea e reflexamente, de protecção dos

investidores.4

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 181

2- Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, que o republicou.

3- Logo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril, que aprovou o Código do Mercado de Valores Mobiliários, assumia a informação como grande linha de força do Código, e destacava o seguinte: “Da suficiência, oportunidade, qualidade e acessibilidade da informação dependem, com efeito, não apenas a defesa obrigatória dos legítimos interesses dos investidores, mas também, e de modo geral, a própria regularidade e transparência do funcionamen-to do mercado, a consistência e a estabilidade dos preços que nele se formam e a viabilidade de um efectivo controlo das transacções que nele se realizam e das actividades de intermediação em valores mobiliários que nele se desenvolvem. Trata-se, afinal, do princípio da full disclosure (…)[;] a lei (…) pode e deve assegurar-lhe [ao investidor] a informação necessária para habilitar um investi-dor de conhecimentos e diligência médios a tomar por si próprio uma decisão correcta.” (ponto 10 do preâmbulo).

4- Nas palavras de Frederico Costa PINTO, “O Direito de Informar e os Crimes de Mercado”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 2, 1.º semestre de 1998, CMVM, Lisboa, p. 98, ainda a propósito do Código do Mercado de Valores Mobiliários de 1991: “Um dos pressupostos fundamentais do funciona-mento dos mercados de valores mobiliários consiste na ideia da incorporação da informação disponível na negociação dos activos (…) Este pressuposto económico foi interiorizado pelo legislador, através de uma regulamentação pormenorizada dos diversos aspectos da informação que deve ser disponibilizada para o mercado. O Código do Mercado de Valores Mobiliários faz eco destes aspectos ao acolher o princípio da full disclosure como regra de orientação em matéria informativa (cf. Preâmbulo, ponto 10), desenvolvendo-o depois em inúmeros aspectos jurídicos ao longo do seu texto.” O CdVM manteve a mesma orientação.

182 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

No mercado de valores mobiliários convergem os mais diversificados agentes, desde o maior emitente ao menos sofisticado investidor. Esta diversidade de agentes, aliada à massificação e ao anonimato, dita a natural existência de assi-metrias informativas: não há mecanismo «natural», inerente ao funcionamento do merca-

do, que garanta o acesso de todos a toda a infor-mação relevante ao mesmo tempo.5

Ao impor deveres de prestação de informação, o legislador pretende eliminar (ou, ao menos, reduzir significativamente) essas assimetrias, consagrando o princípio da igualdade no acesso

à informação – obrigando quem tem a informa-ção a partilhá-la com quem a não tem, especial-mente o público investidor.6

O investimento nos mercados de valores mobiliários encerra, por definição, um elevado nível de risco. Com a imposição de deveres de informação, pretende-se garantir que o risco adveniente da má informação é eliminado7 (ou

reduzido, pelo menos).

Com efeito, as assimetrias informativas prejudi-cam os menos informados a favor dos mais in-formados. Em última análise, o cenário de uma assimetria informativa constante conduziria à retracção do investimento no mercado de valo-res mobiliários, que se tornaria um mercado com um grau de risco insuportável.

Assim, a tutela da informação é, primordial-mente, um mecanismo de defesa do próprio mercado: protege-se a confiança do público investidor naquele, confiança essa indispensá-vel a que o público queira continuar a investir no mercado, i.e., indispensável, em última ins-tância, à própria sobrevivência do mercado. Se os agentes, designadamente o público investi-dor, não puderem confiar no mercado, e se ins-talar um ambiente de desconfiança, tal potenci-ará o risco sistémico, pondo consequentemente em causa o próprio funcionamento do mercado8.

5- Cf. Frederico Costa PINTO, “O Direito de Informar e os Crimes de Mercado”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 2, 1.º semestre de 1998, CMVM, Lisboa, p. 98: “(…) o mercado vive de informação, mas nem sempre a produz espontaneamente, em tempo oportuno e com a qualidade necessária. Por isso mesmo, justifica-se a intervenção do legislador nesta matéria, no sentido de estabelecer um conjunto de deveres de prestação de informação ao mercado, aos investidores e às autoridades de supervisão (…).”

6- Sobre os objectivos, que acabamos de referir, dos deveres informativos impostos pelo legislador mobiliário, cf. v.g.: Carlos Osório de CASTRO, “A informa-ção no Direito do Mercado de Valores Mobiliários”, Direito dos Valores Mobiliários, Lex, Lisboa, 1997, p. 333-337; Paulo CÂMARA, “Os deveres de informa-ção e a formação de preços no mercado de valores mobiliários”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, 1.º semestre de 1998, CMVM, Lisboa, p. 82 (afirmando que o sistema de deveres informativos, o full disclosure, visa eliminar assimetrias de informação, como modo de tutelar a confiança do investidor); Carlos Costa PINA, Dever de Informação e Responsabilidade pelo Prospecto no Mercado Primário de Valores Mobiliários, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 17-30; Eduardo Paz FERREIRA, “A informação no mercado de valores mobiliários”, Direito dos Valores Mobiliários, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001 (p. 137 e ss.), p. 143-147; André FIGUEIREDO, “A informação difundida no mercado de valores mobiliários e os poderes da CMVM: uma «nova dimensão do Direito Administrativo»?”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 24, Novembro de 2006, CMVM, Lisboa, p. 71, afirmando que “A boa infor-mação constitui assim um pilar fundamental da eficiência do mercado e, com isso, da confiança que nele depositam os investidores.”, e qualificando os deve-res informativos no âmbito do Direito dos Valores Mobiliários como instrumento do interesse público na tutela da confiança do investidor (p. 70-72). No mesmo sentido, Sofia Nascimento RODRIGUES, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2001, qualificando a informa-ção aos investidores como uma das medidas gerais de protecção daqueles (p. 37-51). Cf. também Gonçalo Castilho dos SANTOS, “O dever dos emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação em Bolsa de informar sobre Factos Relevan-tes”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 15, Dezembro de 2002, CMVM, Lisboa, p. 29: “A informação, enquanto exposição de uma dada situação de facto, é habitualmente assumida como cerne da formação dos preços no mercado de valores mobiliários e, dessa forma, reconduzida à prossecu-ção da eficiência desse mesmo mercado enquanto factor de credibilidade e, por isso, de regularidade da negociação dos valores mobiliários. Assim, a infor-mação disponível, que se espera esteja incorporada no preço segundo o qual o valor mobiliário é negociado, desempenha um papel crucial no processo de incremento da circulação da riqueza por via da canalização da poupança para o investimento e deste para os factores de produção propriamente ditos.” Cf. ainda João DUQUE e Inês PINTO, “O impacto da divulgação dos Factos Relevantes no Mercado de Capitais Português”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 22, Dezembro de 2005, CMVM, Lisboa, p. 48, referindo que as várias imposições relativamente à difusão de informação têm por missão garantir a integridade e transparência do mercado, a sua eficiência e bom funcionamento, e Victor MENDES e Margarida ABREU, “Cultura financeira dos investidores e diversificação das carteiras”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 23, Abril de 2006, CMVM, Lisboa, p. 24: “A teoria financeira sempre considerou a informação como um factor fundamental para o bom funcionamento dos mercados. O conceito de mercado eficiente gira em torno da informação. (…) Os mercados financeiros só poderão ser eficientes se não houver falhas de informação significativas e se os seus agentes não carecerem de informação fundamental e tiverem capacidade de a interpretar.”

7- Cf. Carlos Costa PINA, Dever de Informação e Responsabilidade pelo Prospecto no Mercado Primário de Valores Mobiliários, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 21.

8- Cf. Eduardo Paz FERREIRA, “A informação no mercado de valores mobiliários”, Direito dos Valores Mobiliários, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001 (p. 137 e ss.), especialmente p. 144-145. Cf. também, no mesmo sentido Carlos Costa PINA, Dever de Informação e Responsabilidade pelo Prospecto no Mercado Primário de Valores Mobiliários, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 19-20.

183 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

É, assim, o próprio funcionamento do mercado, com as vantangens resultantes para todos os

intervenientes, que é protegido pela imposição de deveres de informação. Não se trata aqui da tutela dos interesses dos destinatários da infor-

mação em detrimento da dos autores/detentores

da informação. É o interesse geral no regular e eficiente funcionamento do mercado que é tute-lado.9

A intervenção legislativa com este objectivo é, aliás, ditada pela Constituição, cujo artigo 101.º impõe que sistema financeiro seja estruturado

por lei de modo a garantir a formação, a capta-

ção e a segurança das poupanças, bem como a

aplicação dos meios financeiros necessários ao

desenvolvimentos económico e social.

Neste contexto, a protecção dos investidores, a eficiência e regularidade de funcionamento dos

mercados de instrumentos financeiros e o controlo de informação são três dos princípios estruturantes do Direito dos Valores Mobiliá-rios e, portanto, expressamente consagrados como conformadores da supervisão desenvolvi-

da pela CMVM (cf. o artigo 358.º/a a c do CdVM).

Para que o mercado seja apto a captar o investi-mento, como vimos, o acesso à informação tem de ser simétrico. Se assim não for, o investidor desconfia e não investe.

Para que o investidor possa avaliar correcta-mente o investimento proposto e tomar uma decisão esclarecida, tem de poder aceder a toda a informação relevante10. E para dar resposta a esta necessidade, o legislador consagrou deve-res informativos.

III.

As imposições legislativas nesta matéria não se quedaram, todavia, pelos deveres de informar.Porque tal não bastaria para dar resposta ao objectivo de tutela do mercado e dos investido-res através da eliminação de assimetrias infor-mativas.

É que não é qualquer informação que é apta a eliminar aquelas assimetrias. Ter acesso a infor-

mação sem qualidade não elimina a assimetria informativa resultante da inexistência de infor-mação – podendo mesmo ocorrer que a falta de

qualidade da informação dite resultados mais perniciosos do que a ausência desta. Pode ser mais nefasto investir «em engano» do que «às cegas». Para que a informação prossiga efecti-vamente os objectivos pretendidos pelo legisla-dor quando impôs a sua divulgação, tem de ser prestada em condições de qualidade.

Por isso, o artigo 7.º/1 do CdVM estatui que ainformação respeitante a instrumentos financei-

ros, a formas organizadas de negociação, às

actividades de intermediação financeira, à

liquidação e à compensação de operações, a

ofertas públicas de valores mobiliários e a emi-

tentes deve ser completa, verdadeira, actual,

clara, objectiva e lícita.

Na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, que foi a aplicada na sentença que ora se comenta, a norma dispunha que Deve ser completa, verdadeira, actual,

clara, objectiva e lícita a informação respeitan-

te a valores mobiliários, a ofertas públicas,

a mercados de valores mobiliários, a activida-

des de intermediação e a emitentes que seja

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 183

9- Cf. Carlos Costa PINA, Dever de Informação e Responsabilidade pelo Prospecto no Mercado Primário de Valores Mobiliários, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 28-29. Já o Código do Mercado de Valores Mobiliários de 1991 assumia expressamente a relação entre a defesa do mercado e assegurar aos investidores e aos inter-mediários financeiros em geral uma informação suficiente, verídica, objectiva, clara, acessível e atempada sobre os valores mobiliários, as entidades que os emitem e as transacções de que são objecto nos mercados respectivos (artigo 5.º/a).

10- “É recorrente afirmar-se que a teleologia dos deveres de informação em mercado se prende com dois objectivos fundamentais: dirige-se ao esclarecimen-to das decisões de investimento, pretendendo que os investidores tenham informação suficiente para que possam tomar decisões de investimento racionais; e procura alcançar uma formação regular de preços.” – Paulo CÂMARA, “Os deveres de informação e a formação de preços no mercado de valores mobiliários”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, 1.º semestre de 1998, CMVM, Lisboa, p. 82.

184 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

susceptível de influenciar as decisões dos inves-

tidores ou que seja prestada às entidades de

supervisão e às entidades gestoras de merca-

dos, de sistemas de liquidação e de sistemas

centralizados de valores mobiliários.

A informação tutelada pela norma deixou de respeitar apenas a valores mobiliários, passando a respeitar a instrumentos financeiros – concei-to que inclui os valores mobiliários e constitui agora o novo paradigma da regulação (cf. o arti-go 2.º/2 do CdVM).11

Eliminou-se ainda a cláusula da susceptibilida-

de de influenciar as decisões dos investidores –toda a informação respeitante a estas matérias está agora sujeita aos requisitos de qualidade consagrados na norma. A norma deixou, por-tanto, de ser de aptidão, de perigo abstracto-

concreto, tendo passado a ser de perigo abs-

tracto.

A comunicação ou divulgação, por qualquer

pessoa ou entidade, e através de qualquer meio,

de informação que não cumpra os requisitos estatuídos pelo artigo 7.º/1 do CdVM constitui contra-ordenação muito grave (artigo 389.º/1 do CdVM); a violação dos requisitos de quali-dade em informação enviada às entidades de

supervisão ou às entidades gestoras de merca-

dos regulamentados, de sistemas de negociação

multilateral, de sistemas de liquidação, de

câmara de compensação, de contraparte cen-

tral ou de sistemas centralizados de valores

mobiliários de informação constitui contra-

ordenação grave (artigo 389.º/3/b do CdVM).

O dispositivo do artigo 7.º do CdVM é central no regime jurídico da informação nos mercados de valores mobiliários, pois “(…) vem consa-

grar o critério geral aplicável a toda a infor-

mação que, independentemente da sua fonte, do

seu objecto, conteúdo ou destino, seja difundida

no mercado de valores mobiliários (…).”12

O critério de qualidade do artigo 7.º do CdVM é aplicável a toda a informação: tanto à infor-mação obrigatória, como à informação que os agentes do mercado divulgam facultativamente,sem que tal lhes seja imposto por norma legal ou regulamentar.13

O artigo 97.º/1 do Código do Mercado de Valo-res Mobiliários de 1991 dispunha expressamen-te que a informação, obrigatória ou facultativa,

fornecida ao público, sob qualquer forma,

pelas entidade emitentes, entidades responsá-

veis por ofertas públicas de subscrição ou de

transacção, intermediários financeiros e enti-

dades gestoras de mercados secundários deve

conformar-se com princípios rigorosos de lici-

tude, veracidade, objectividade, oportunidade e

clareza.

Não obstante o artigo 7.º do CdVM não conter segmento idêntico, não podem restar dúvidas sobre o âmbito objectivo dos requisitos de qua-lidade, pois: (a) a norma é aplicável a toda a

informação, pelo que o elemento literal dita a sua interpretação com a mesma abrangência que resultava do artigo 97.º/1 do CódMVM de 1991, e (b) só a exigência da qualidade em toda a informação, obrigatória e facultativa, permite

11- O legislador alargou ainda, pelo menos enunciativamente, o âmbito objectivo da norma, nele incluindo a informação respeitante à liquidação e à compen-sação de operações.

12- André FIGUEIREDO, “A informação difundida no mercado de valores mobiliários e os poderes da CMVM: uma «nova dimensão do Direito Administrati-vo»?”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 24, Novembro de 2006, CMVM, Lisboa, p. 73.

13- Cf. já expressamente nesse sentido a sentença do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa de 15/06/2006 (1.º Juízo, 2.ª Secção, processo n.º 12220/04.4 TFLSB), comentada por nós nestes Cadernos – “A essencialidade da qualidade da informação prestada ao regulador”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários n.º 26, Abril de 2007, CMVM, Lisboa, p. 83-94.

185 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

cumprir os objectivos, supra expostos, de tutela do mercado e dos investidores – também o ele-mento teleológico dita a mesma conclusão.

Só perante a prestação de informação com os

requisitos de qualidade enunciados é que se logrará a defesa do mercado e o esclarecimento

das decisões de investimento.14

IV.

As condutas cuja adequação tem de ser averi-guada à luz do artigo 7.º/1 do CdVM são divul-gações de informação. Está, portanto, em causa, a utilização da linguagem para relatar factos.15

Qualquer forma de comunicação, linguística ou não, pressupõe a existência de um interlocutor,

um destinatário.

Nos mercados de valores mobiliários, são desti-natários da informação divulgada todos os

investidores, actuais e potenciais. Com efeito, sendo o mercado, como se viu, massificado e anónimo, não é possível estabelecer um padrão

de investidor que seja o típico destinatário da informação.16

Embora os investidores individuais, não qualificados, sejam identificados como o elo

mais fraco, e por isso quem mais necessita e

beneficia da informação17, não entendemos como destinatário-tipo, padrão, da informação os investidores não qualificados, porque a informação tem como destinatários todos os

investidores, actuais e potenciais, no mercado de valores mobiliários, abrangendo assim tam-bém, claramente, os investidores qualificados.

Isto implica que o agente que divulga informa-ção tem de ser especialmente cuidadoso na for-mulação do seu enunciado. É que não obedece-rá aos requisitos de qualidade uma informação «redigida para investidores qualificados», que só estes consigam entender; mas também não lhes obedecerá uma mensagem que, por se pre-tender simples, se torne inexacta ou pouco rigo-rosa. Quem divulga há de encontrar a formula-ção que, por igual relativamente a todos os destinatários (todo o mercado), cumpra os requisitos fixados na lei.

V.

Na sentença que se comenta, o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa pronun-cia-se sobre a (falta de) qualidade de dada informação divulgada ao público investidor por um emitente, afirmando a sua falsidade, ou seja, procede a uma concretização de um dos conceitos de que o legislador, no artigo 7.º do CdVM, lançou mão – por isso sendo um

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 185

14- Cf. Carlos Osório de CASTRO, “A informação no Direito do Mercado de Valores Mobiliários”, Direito dos Valores Mobiliários, Lex, Lisboa, 1997, p. 335-336, afirmando que só a informação completa e verdadeira permite que os investidores possam, autónoma e auto-responsavelmente, adoptar as suas decisões.Mafalda Gouveia MARQUES e Mário FREIRE, “A Informação no Mercado de Capitais”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 3, 2.º semestre de 1998, CMVM, Lisboa, p. 122, salientam que: “A ausência, insuficiência, inexactidão, inveracidade, subjectividade, falta de actualidade, inoportunidade ou deficiência na difusão de informação penaliza, em última instância, as entidades emitentes ao enfraquecer a relação de confiança que deverá existir entre estas e o mercado, elevando de forma substancial o seu prémio de risco e, consequentemente, encarecendo os respectivos custos de financiamento.” Cf. tam-bém Eduardo Paz FERREIRA, “A informação no mercado de valores mobiliários”, Direito dos Valores Mobiliários, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001 (p. 137 e ss.): “É a existência de uma informação tão completa, verosímil e clara quanto possível que constitui a garantia essencial de funcionamento regular dos mercados.” (p. 145).

15- Nas palavras de Sinde MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, Coimbra, 1989, p. 14 e ss., a informação é a exposição de uma dada situação de facto. Segundo Eduardo Paz FERREIRA, “A informação no mercado de valores mobiliários”, Direito dos Valores Mobi-liários, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001 (p. 137 e ss.), “(…) poderia dizer-se que a informação significa originariamente dar forma a alguma coisa que, por esse modo, se torna cognoscível e, como tal, transmissível.” (p. 142). Carlos Costa PINA, Dever de Informação e Responsabilidade pelo Prospecto no Mercado Primário de Valores Mobiliários, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 31, nota que “(…) a lei não nos fornece uma definição desse conceito [de informação] que seja manuseável em termos gerais.” Acrescenta que “De qualquer forma, e numa primeira formulação, sempre poderemos assentar numa noção de informação consistente na significação de uma determinada situação fáctica, seja qual for, em concreto, o seu objecto.”

16- Cf., v.g., Isabel ALEXANDRE, “Investidor institucional, não institucional equiparado e investidor comum”, Direito dos Valores Mobiliários, vol. V, Coim-bra Editora, Coimbra, 2004, p. 26: “(…) sem ser possível precisar se o investidor-padrão é o institucional ou o não institucional, atendendo a que ambas as categorias dispõem de regimes privativos de complexidade equivalente.”

17- Cf. Eduardo Paz FERREIRA, “A informação no mercado de valores mobiliários”, Direito dos Valores Mobiliários, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001 (p. 137 e ss.), p. 146 e Victor MENDES e Margarida ABREU, “Cultura financeira dos investidores e diversificação das carteiras”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 23, Abril de 2006, CMVM, Lisboa, p. 24.

186 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

contributo essencial para a aplicação do Direito dos Valores Mobiliários nesta matéria.

O Tribunal veio afirmar que os requisitos de

qualidade da informação têm de ser apreciados à luz dos interesses ao abrigo dos quais são

exigidos, i.e., à luz dos interesses dos destinatá-

rios da informação, os investidores. A teleolo-gia da norma, que supra brevemente se identifi-cou, revela-se, assim, decisiva na sua aplicação, ou seja, no controlo da adequação das condutas ao dispositivo em causa. E isto foi central na qualificação que o Tribunal fez dos factos – em nosso entender, correcta.

Com efeito:

O Tribunal julgou provado que, à data da divul-gação da informação, a arguida já dera início

ao processo de alienação dos activos em causa,

e já decidira que apenas consideraria propos-

tas de compra de 100% desses activos. Ou seja, julgou provado que a arguida já decidira que a

alienação daqueles activos, a existir, seria a

100%.

Todavia, as «decisões» imputadas à arguida não estavam corporizadas em qualquer deliberação

formal, resultando, sim, como pressuposto necessário de vários actos praticados pela argui-da (a prova das decisões que a arguida já toma-ra é, pois, por ilação).

O Tribunal não julgou provado que já tivesse

sido tomada alguma deliberação pelos órgãos

sociais do Grupo da arguida.

Ora, o comunicado divulgado pela arguida dizia, exactamente, que nenhuma deliberação

fora tomada pelos órgãos sociais sobre a possi-bilidade da alienação (nomeadamente se de todos ou de parte) dos activos em causa.

Perante estes factos, como pode o Tribunal ter julgado falsa a informação divulgada pela arguida?

Fê-lo, no nosso entender, bem. A saber:

A informação diz-se falsa ou não verídica

quando não coincide com a realidade dos fac-

tos, situações, circunstâncias, valores ou pers-

pectivas que se destina a reflectir, induzindo em

erro o investidor18. A veracidade significa, por-tanto, uma rigorosa coincidência com a reali-

dade dos factos a que se refere a informação,significa que a informação é reflexo fiel da rea-

lidade dos factos.19 / 20

Só que o Tribunal, seguindo os ditames da teleologia normativa, terá entendido que para saber se um enunciado informativo se conforma com as imposições do artigo 7.º do CdVM, não basta atender ao seu teor literal, mas sim à mensagem que os investidores retiram desse mesmo conteúdo. O autor da informação nunca pode perder de vista o sentido que o destinatá-

rio comum dará ao texto.

O que interessou ao Tribunal não foi, pois, o

teor literal da informação, mas sim a mensa-

gem que o público investidor daquele retirava.

E, quanto a este, não cremos haver dúvidas de

18- Mafalda Gouveia MARQUES e Mário FREIRE, “A Informação no Mercado de Capitais”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 3, 2.º semestre de 1998, CMVM, Lisboa, p. 116.

19- Carlos Costa PINA, Dever de Informação e Responsabilidade pelo Prospecto no Mercado Primário de Valores Mobiliários, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 41.

20- O artigo 161.º/2/a do Código do Mercado de Valores Mobiliários dispunha que a informação incluída no prospecto não é verídica quando não coincide com a realidade dos factos, situações, circunstâncias, valores ou perspectivas que se destina a reflectir e, bem assim quando, pelos termos em que se encontra for-mulada ou pelo contexto em que se integra, induz em erro o investidor sobre o conteúdo ou significado desses factos, situações, circunstâncias, valores ou perspectivas.

187 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

que do comunicado da arguida resultava, para o investidor comum, destinatário da informação, que a arguida nada decidira quanto à aliena-

ção. Embora textualmente a informação se reporte apenas à inexistência de deliberações

sociais, o público lê a informação como signifi-cando inexistência de qualquer decisão. É este o conteúdo da informação para o destinatário

comum, para quem não relevam (apenas) as decisões formais adoptadas pelos órgãos sociais dos emitentes, mas sim as suas actuações materiais – que revelam decisões, ainda que não formalizadas em deliberações.

Foi este o conteúdo da informação – aquele que para o destinatário da informação/investidor

resulta do enunciado divulgado – que o Tribu-nal, atentas as finalidades tuteladas pelo legisla-dor, julgou relevante e sujeitou ao crivo dos requisitos do artigo 7.º do CdVM (in casu, ao da verdade).

E foi este conteúdo (mensagem que o investidor

comum retira da informação – no caso, diferen-

te do teor literal da mesma) que o Tribunal con-siderou para qualificar a informação como falsa

face aos factos ocorridos à data da sua divulga-ção.

Aliás, o Tribunal afirma mesmo que a arguida escolheu o enunciado que escolheu para ocultar

essa falsidade, dizendo que, com a divulgação que promoveu, a arguida fazia uso de uma

abordagem formalista para ocultar a verdade

dos factos, afirmando ainda que no que concer-

ne ao aspecto formal ou semântico do comuni-

cado, consubstanciado no facto de “(...) pelosórgãos sociais do Grupo da A. (...)” ainda não

ter sido tomada qualquer decisão, tal não se

afigura senão uma forma hábil de procurar

sustentar que enquanto não existir uma decisão

formal tomada em reunião do Conselho de

Administração e constante em acta, nenhuma

decisão de venda poderia considerar-se toma-

da.

VI.

Cremos que a sentença que se comenta merece destaque por ser um contributo significativo na leitura dos requisitos de qualidade da informa-ção impostos pela lei, em planos distintos:

Em concreto, a leitura que o Tribunal conside-rou como sendo feita pelos destinatários da

informação parece-nos ser a adequada. Com efeito, é sabido que as sociedades não tomam decisões apenas através das deliberações dos seus órgãos de administração. O que importa ao investidor, o que influencia a formação da sua decisão de investimento, é saber qual é, materialmente, a actuação, o comportamento da empresa. E é por isso que, num comunicado que diz que não houve deliberação, o investidor lerá que não houve qualquer decisão, mesmo que não formalizada.

Ainda em concreto, quanto ao que seja uma decisão, o Tribunal deixa bem claro que uma coisa é uma decisão definitiva e outra uma deci-são irrevogável. Para ser definitiva, a decisão não tem de ser irrevogável.

Também ainda em concreto, o Tribunal revelou conhecimento de como se geram as expectati-vas dos investidores e as suas reacções. Estes não se determinam por formalismos tabelióni-cos, mas pela substância dos factos. Para eles o que interessa é o facto, e muito menos a sua formalização.

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 187

188 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Em abstracto, cremos de louvar que o Tribunal, para apreciar a qualidade da informação, tenha apreciado não a informação literalmente divul-

gada, mas sim a informação como lida pelo

destinatário. O Tribunal não se deixou esparti-lhar pela formulação semântica da informação, tendo antes atendido à análise do seu significa-do para os respectivos destinatários. Ao proce-der assim, o Tribunal fez boa aplicação do Direito, fazendo relevar (como as normas de interpretação ditam) o elemento teleológico e a esfera de protecção da norma.

Termos em que entendemos ser de sufragar a orientação adoptada na sentença.

Salienta-se ainda que esta é a primeira decisão judicial que contém uma pronúncia material sobre o artigo 422.º do CdVM – in casu, deci-dindo que a divulgação de decisões condenató-rias por contra-ordenações muito graves previs-ta nesta norma não tem natureza sancionatória,pelo que a aplicação imediata da norma não é afastada pelo princípio da não aplicação

retroactiva das sanções.

Termos em que o artigo 422.º do CdVM dita, desde o início de vigência da norma (em 30/03/2006, nos termos do artigo 13.º/1 do Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, que introduziu o artigo 422.º no CdVM), a divulga-ção das decisões condenatórias por contra-

ordenações muito graves, ainda que os factos

objecto do processo de contra-ordenação cuja decisão é divulgada sejam anteriores àquela data.

COMENTÁRIO II.

O DEVER DE DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÃO

PRIVILEGIADA

I. OBJECTO

O objecto do processo em que foi proferida a sentença que ora se anota é (apenas) a violação do artigo 7.º do Código dos Valores Mobiliários (doravante, CdVM), uma vez que a infracção cometida, no dia 26/01/2005, foi a divulgação ao mercado de informação falsa.

Não obstante o exposto, o Tribunal, descreven-do o contexto em que a arguida prestou infor-mação falsa ao público21, tece em obiter dictum

algumas considerações a propósito do dever consagrado no artigo 248.º do CdVM.

É, justamente, sobre o enquadramento que foi dado pelo Tribunal ao dever previsto no artigo 248.º do CdVM que incidirá esta anotação.

À data da prática dos factos (26/01/2005), o artigo 248.º/1 do CdVM, sob a epígrafe Factos

Relevantes, dispunha que “As sociedades emi-

tentes de acções admitidas à negociação infor-

mam imediatamente o público sobre quaisquer

factos ocorridos na sua esfera de actividade

que não sejam do conhecimento público e que,

devido à sua incidência sobre a situação patri-

monial ou financeira ou sobre o andamento

normal dos seus negócios, sejam susceptíveis

de influir de maneira relevante no preço das

acções.”22.

21- Note-se que o artigo 7.º/2 do CdVM esclarece que o disposto no número anterior se aplica seja qual for o meio de divulgação da informação. Donde, ainda que a arguida tivesse divulgado a mesma informação falsa por outro meio (que não através de um comunicado de facto relevante) teria, ainda assim, violado o disposto no artigo 7.º/1 do CdVM.

22- Redacção original do CdVM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro. Esta redacção veio a sofrer alterações por força do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março.

189 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

À luz desta norma, entendeu o Tribunal que

deveria ter sido comunicado pela arguida a existência de uma predisposição de negociar ou

alienar os valores mobiliários que a arguida detinha, antes de tomada a decisão final e defi-

nitiva de alienar, quando a mesma surgiu no

seio da arguida, ou seja, quando admitiu que a

alienação dos valores mobiliários a 100% era

uma solução estratégica desejada.

A questão que, aqui, queremos discutir é, pois, a de saber se a arguida se constituiu no dever de divulgar um facto relevante – como entendeu o Tribunal – pelo facto de:

(i) se encontrar predisposta a negociar ou

alienar valores mobiliários (i.e. uma par-ticipação numa sociedade por si detida) e

(ii) de ter admitido (designadamente em car-tas-convite enviadas a potenciais adqui-rentes) que a alienação dos valores mobi-

liários a 100% era uma solução estraté-

gica desejada, apesar de ainda não ter tomado qualquer deci-são final e definitiva de alienação.

Entendemos que esta posição do Tribunal deve ser sufragada com os fundamentos que se pas-sam a expor.

II. ENQUADRAMENTO

O CdVM estabelece um verdadeiro caleidoscó-pio de deveres de prestação de informação que se dirigem aos mais diversos participantes no mercado de valores mobiliários23 (emitentes,

titulares de participações qualificadas, oferen-tes, intermediários financeiros, etc)24.

Sobre os emitentes com valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regula-mentado25 (previstos no artigo 244.º/1 do CdVM) impendem amplos deveres de prestação de informação relativa a valores mobiliários

admitidos à negociação26: cf. artigos 244.º/3, 245.º a 246.º-A e 248.º, 248.º-A, 248.º-C e 249.º do CdVM.

Não é de estranhar que assim seja. Os emitentes com valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado fazem apelo públi-co à captação da poupança27 para investimen-tos que, por definição, acarretam risco para os investidores.

Nessa medida, e até para que exista uma distri-

buição simétrica do risco negocial, os investi-dores, bem como os potenciais investidores (e não só os titulares de valores mobiliários), têm de ser informados. Só assim, de forma esclare-cida, podem tomar racionalmente as suas deci-sões de investimento e desinvestimento. Por isso se pode afirmar que os deveres de presta-ção de informação ao público constituem verda-deiros instrumentos ao serviço da tutela dos investidores e que a informação que respeita a estas entidades é de todos e para todos28.

Ao exposto acresce que estando o valor das

acções (e demais valores mobiliários) depen-

dente da expectativa das rendibilidades futuras,

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 189

23- Em rigor, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, que alterou o CdVM e transpôs a Directiva n.º 2004/39/CE, do Parla-mento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004 (DMIF), fará mais sentido falar-se em mercado de instrumentos financeiros, uma vez que estes, por serem mais latos e incluírem os valores mobiliários (cf. artigo 2.º/2 do CdVM, conjugado com o artigo 2.º/1/a do CdVM) são o novo conceito-paradigma.

24- Para uma análise da informação difundida no mercado de valores mobiliários vide André FIGUEIREDO, “A informação Difundida no Mercado de Valores Mobiliários e os Poderes da CMVM: Uma «Nova Dimensão do Direito Administrativo?»”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 24, Novembro de 2006.

25- O mercado regulamentado é das formas organizadas de negociação previstas no artigo 198.º do CdVM o que tem de obedecer a requisitos mais exigentes (previstos no capítulo II do Título IV do CdVM).

26- Sistematicamente situada na Subsecção VI, da Secção II, do Capítulo II, do Título IV do CdVM.

27- Vide Amadeu José FERREIRA, Direito dos Valores Mobiliários, AAFDL, Lisboa, 1997, p. 21.

28- Mafalda Gouveia MARQUES, Mário FREIRE, “A Informação no Mercado de Capitais”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 3, 2.º semestre de 1998, p. 122.

190 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

toda a informação que leve a uma alteração

desta expectativa vai ter um impacto directo na

valorização destes títulos29 e, consequentemen-te, a informação conhecida pelo público só assume verdadeira importância se estiver per-manentemente actualizada (e reúna os demais requisitos de qualidade previstos no artigo 7.º do CdVM). De outro modo em pouco ou nada pode auxiliar os investidores na tomada de deci-sões.

Com efeito, atenta a celeridade30 dos mercados, a informação que é prestada periodicamente (anual, semestral ou trimestral) é, per se, insufi-ciente para manter o mercado permanentemente informado e actualizado: aquela informação pode, rapidamente, ficar desactualizada e desa-justada da realidade.

Assim, com vista a dar resposta a esta necessi-dade (eminentemente económica) de manter o mercado permanentemente informado, o legis-lador mobiliário consagrou no CdVM deveres de prestação de informação ao público que se podem agrupar do seguinte modo:

a. deveres de carácter periódico (reiterado/sucessivo), cujo cumprimento é realizado em prazos pré-estabelecidos – caso do relatório e contas anuais, da informação anual sobre o governo das sociedades, da informação semestral, da informação tri-mestral, da informação intercalar da administração e do documento de conso-lidação da informação anual31 (artigos

245.º a 246.º-A e 248.º-C do CdVM); mas também

b. deveres contínuos32 cujo cumprimento tem carácter eventual (porque depende da incerta, imprevisível e irregular reunião de um conjunto de pressupostos. Neste caso, por definição, não podia ser pré-estabelecido um prazo certo para a prestação da informação) – caso dos factos relevantes/informação privilegiada(artigos 248.º e 248.º-A do CdVM) e das demais informações previstas no artigo 249.º/2 e 3 do CdVM.

III. DEVER DE DIVULGAÇÃO

DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA

O dever de divulgação de informação privile-giada (previsto nos artigo 248.º e 248.º-A do CdVM) constitui uma clara manifestação do princípio de full disclosure que foi acolhido pelo Código como regra de orientação em

matéria informativa33, na medida em que visa manter o mercado permanentemente actualiza-do face à actualidade informativa do emitente.Vejamos os exactos contornos deste dever:

III. a) Contornos do dever

O artigo 248.º/1 do CdVM, na redacção em vigor34, estabelece que “Os emitentes que

tenham valores mobiliários admitidos à nego-

ciação em mercado regulamentado ou requeri-

do a respectiva admissão a um mercado dessa

29- João DUQUE, Inês PINTO, “O Impacto da Divulgação dos Factos Relevantes no Mercado de Capitais Português”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliá-rios n.º 22, Dezembro de 2005, p. 50.

30- Cf. a sentença do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa (1.º Juízo, 1.ª Secção) de 23/05/1994, no processo n.º 283/92, referindo-se ao mercado em que os intermediários financeiros actuam, i.e., ao mercado de valores mobiliários, como “(…) caracterizado pela celeridade (…).”, e a sentença do 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa (2.ª Secção) de 12/04/2000, em que se afirma que “(…) as operações de bolsa se regem pelos princípios da celeridade (…).”.

31- Neste caso, o prazo pré-estabelecido é apenas a frequência anual (artigo 248.º-C/a do CdVM).

32- Diz-se contínua por contraposição à informação que tem de ser prestada periodicamente, cf. Gonçalo Castilho dos SANTOS qualifica. Vide “O Dever dos Emitentes de Valores Mobiliários Admitidos à Negociação em Bolsa de Informar Sobre Factos Relevantes”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 15, Dezembro de 2002, p. 32.

33- Frederico de Lacerda da Costa PINTO, “O Direito de Informar e os Crimes de Mercado”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 2, 1.º semestre de 1998, p. 98.

34- Redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março.

191 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

natureza divulgam imediatamente:

a) Toda a informação que lhes diga directa-

mente respeito ou aos valores mobiliá-

rios por si emitidos, que tenha carácter

preciso, que não tenha sido tornada

pública e que, se lhe fosse dada publici-

dade, seria idónea para influenciar de

maneira sensível o preço desses valores

mobiliários ou dos instrumentos subja-

centes ou derivados com estes relaciona-

dos;

b) Qualquer alteração à informação tornada

pública nos termos da alínea anterior,

utilizando para o efeito o mesmo meio de

divulgação.”

Da análise da norma supra citada resulta que são pressupostos típicos do dever de divulgação de informação privilegiada:

a. ser emitente de valores mobiliários; b. admitidos à negociação num mercado

regulamentado ou em relação aos quais tenha pedido a admissão num mercado regulamentado;

c. a existência de informação que diga directamente respeito ao emitente ou aos valores mobiliários por si emitidos (o que, nos termos do artigo 248.º/2, inclui factos ocorridos, existentes ou razoavel-mente previsíveis35, independentemente do seu grau de formalização);

d. que a informação tenha carácter preciso; e. não tinha sido (previamente) tornada

pública;f. que, se lhe fosse dada publicidade, seria

idónea para influenciar de maneira

sensível o preço desses valores mobiliá-rios/dos instrumentos subjacentes ou derivados com estes relacionados (o que, nos termos do artigo 248.º/2 do CdVM, abrange informação que qualquer investi-dor razoável poderia normalmente utili-zar, se a conhecesse, para basear, no todo ou em parte, as suas decisões de investi-mento).

Assim, importa sublinhar que, ao invés do que acontece com os demais deveres de difusão de informação supra referidos – que prevêem de forma taxativa que informações devem ser divulgadas (normas de perigo abstracto) – o dever de divulgação de informação privilegiada «nasce» sempre que (preenchidos os demais requisitos) exista informação que se lhe fosse

dada publicidade, seria idónea para influenciar

de maneira sensível o preço desses valores

mobiliários ou dos instrumentos subjacentes ou

derivados com estes relacionados (i.e. informa-ção «price sensitive»).

Desta forma, o artigo 248.º do CdVM consagra um tipo com um elemento de aptidão uma vez que só relevam tipicamente as condutas cujo pressuposto é apropriado ou apto a desenca-

dear o perigo proibido36, ou seja, in casu, a existência de informação «price sensitive» que não é conhecida pelo público investidor.

Foi esta a forma encontrada pelo legislador mobiliário para proibir a ocorrência de assimetrias entre a informação pública e a informação não pública, sempre que esta é «price sensitive».

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 191

35- O momento em que se afere do carácter «price sensitive» de um facto é sempre no presente. Mas, os factos poderão ser passados, presentes ou futuros. Com efeito, há factos passados que só em momento posterior (no presente) assumem carácter «price sensitive». Como também há casos em que o facto presen-te per se não seria «price sensitive» mas porque v.g. desencadea um outro facto futuro (razoavelmente previsível) passa a assumir, de imediato, aquela qualida-de (v.g. abertura de uma brecha numa barragem que indiciará o seu provável rompimento).

36- Jorge de Figueiredo DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 293-294.

192 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Assimetrias informativas que importa prevenir pois constituem falhas de mercado que fazem perigar o princípio da igualdade no acesso à

informação ao permitir que uns (negociando com informação privilegiada) se antecipem

ilegitimamente ao resto do mercado 37.

Tanto mais que se a informação «price sensitive» não for divulgada ao público, então, esta será apenas do conhecimento de alguns (que de algum modo a esta acederam, v.g. atra-vés de relações de proximidade com a fonte informativa), os quais poderão ver-se tentados a abusar da informação de que dispõem (insider

trading38 – artigo 378.º do CdVM).

Assim, de molde a permitir o acesso universal de todos os investidores à informação privile-

giada, em condições de igualdade, a CMVM organiza um sistema informático de difusão de

informação (doravante, SDI da CMVM) – pre-visto no artigo 367.º do CdVM – através do qual a informação privilegiada deve ser divul-gada pelos emitentes (cf. artigo 244.º/4/b do CdVM).

III. b) Informação «price sensitive»

Ao consagrar o elemento de aptidão a quesupra nos referimos, o que o legislador exige às entidades emitentes é que façam um juízo de

prognose sobre a potencialidade de determina-da informação para influenciar de maneira

sensível o preço desses valores mobiliários ou

dos instrumentos subjacentes ou derivados39.

Assim, se se entender que determinada informa-ção, uma vez divulgada, terá potencialidade

para alterar de forma sensível o preço dos valo-res mobiliários (ou dos instrumentos subjacen-tes ou derivados), então, o emitente está obriga-do a divulgá-la (salvo se se preencherem os pressupostos do seu diferimento, como infra se expõe). Caso contrário, o emitente não está obrigado a divulgar qualquer informação.

Note-se que, tratando-se de um tipo de mero perigo, o mesmo não pressupõe a verificação de qualquer resultado ou dano. Assim, ainda que determinada informação tenha sido divulgada (porque avaliada como «price sensitive» ex

ante) e, por qualquer motivo, o preço do título se mantenha incólume ex-post (i.e. após a divul-gação da informação), não se poderá concluir, sem mais, pela irrelevância da informação40. A informação podia ser apta a influenciar de

maneira sensível o preço dos títulos e, no entanto, esse resultado não se ter verificado (por uma qualquer circunstância).

Casos há em que o carácter «price sensitive» não levantará dúvidas de maior ao intérprete: v.g., tipicamente41, a aquisição de uma grande empresa (que faça alterar, de forma significati-va, o perímetro de consolidação do adquirente); a constatação de que os resultados do emitente divergirão significativamente das expectativas

37- Também neste sentido vide Frederico de Lacerda da Costa PINTO, “O Direito de Informar e os Crimes de Mercado”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 2, 1.º semestre de 1998, p. 103.

38- “(…) el abuso ilícito de información privilegiada tiene lugar cuando el conjunto de participantes en el Mercado se ven desfavorecidos, directa o indirecta-mente, por otros que han intentado usar o han utilizado en su provecho o de terceros información relevante en el mercado de valores, que no está públicamen-te disponible.” cf. Pedro VILLEGAS, “El abuso de Mercado. Concepto y tipos”, Revista iberoamericana de mercados de valores n.º 22/2007, Instituto Iberoa-mericano de Mercados de Valores, Novembro, p. 6.

39- O legislador mobiliário optou por não pré-determinar o quantum da referida «sensibilidade», optando por um critério (qualitativo) de relevância jurídica. Diferentemente, na Alemanha o legislador chegou a prever um critério de variação previsível de plus-minus 5% (o que a jurisprudência sempre entendeu com índice meramente indicativo, e não como bitola absolutamente vinculativa) e no Japão a autoridade de supervisão divulgou uma lista indiciária com menção de critérios quantitativos – como descreve Gonçalo Castilho dos SANTOS, “O Dever dos Emitentes de Valores Mobiliários Admitidos à Negociação em Bolsa de Informar Sobre Factos Relevantes”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 15, Dezembro de 2002, p. 43.

40- No mesmo sentido, Célia REIS, “Violação de Deveres de Informação”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 4, Maio de 1999, p. 274 e Pedro VILLEGAS, “El abuso de Mercado. Concepto y tipos”, Revista iberoamericana de mercados de valores n.º 22/2007, Instituto Iberoamericano de Mercados de Valores, Novembro, p. 8

41- Os exemplos que se elencam são tendenciais, devendo ser entendido cum grano salis, uma vez que o intérprete nunca se pode abstrair da magnitude con-creta da informação para a poder qualificar de privilegiada.

193 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

anteriormente anunciadas (caso em que o emi-tente deverá divulgar v.g. profit warnings); a descoberta de uma jazida de petróleo por parte de uma petrolífera; a decisão da autoridade da concorrência da qual depende a concretização de uma fusão, ou a contratação de um jogador internacional por parte de uma sociedade anóni-ma desportiva42.

Com efeito, em todos os casos a que supra nos referimos, qualquer investidor razoável

utilizaria normalmente aquela informaçãopara basear em parte as suas decisões de

investimento43. Donde, a informação, porque influencia potencialmente as decisões dos investidores não poderá deixar de ter influência potencial sobre o preço dos títulos (que é, justa-mente, determinado pela «jogo da procura e da oferta»).

Todavia, nem sempre será evidente concluir pela natureza privilegiada de determinada informação. É que como bem esclarece a CMVM (nos seus Entendimentos relativos ao

dever legal de divulgação de informação

privilegiada44), a aptidão de cada concreto fac-

to, que justifique a sua qualificação como infor-

mação privilegiada, não é passível de ser

apreendida através de juízos automáticos e

generalistas, mas apenas através de um proces-

so de análise concreta, que deve atender, desig-

nadamente, às condições concretas da sua acti-

vidade e à sua situação económica e financeira.

Razão pela qual, como supra se disse e agora se recupera, para a compreensão deste regime é necessário entender a tensão existente entre a informação pública e a informação não pública.E é em relação ao diferencial existente entre a informação pública e informação não pública

que se define a relevância da informação decor-rente da sua susceptibilidade de influenciar o preço.

Assim, em cada caso (e, por maioria de razão, com maior acuidade nos casos mais complexos) o juízo de prognose sobre a natureza «price sen-sitive» da informação deverá levar em linha de conta o valor económico da informação para os seus possuidores.

Para «testar» se determinada informação é pri-

vilegiada o intérprete deverá perguntar-se se o conhecimento de determinada informação que é desconhecida por parte do público investidor se traduz numa vantagem comparativa para quem a conhece. Deverá, pois, entender-se como pri-

vilegiada toda a informação que seja susceptí-vel de ser utilizada com vantagem (por quem a conhece) face aos demais investidores (que a desconhecem)45.

III. c) Factos de formação sucessiva

No caso da sentença que se anota, conforme foi dado por provado, a arguida, a 26/01/2005, encontrava-se predisposta a negociar ou

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 193

42- Para auxiliar o intérprete, a CMVM publicou exemplos de factos potenciadores de informação privilegiada (www.cmvm.pt).

43- O que constitui informação privilegiada nos termos do artigo 1.º/2 da Directiva n.º 2003/124/CE da Comissão de 22 de Dezembro de 2003 (que estabelece as modalidades de aplicação da Directiva n.º 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, no que diz respeito à definição e divulgação pública de informação privilegiada e à definição de manipulação de mercado).

44- www.cmvm.pt

45- “En resumen, se puede decir que información privilegiada es toda aquella relativa al mercado de valores que por su concreción (constituida por líneas específicas y recebida de fuente fiable) y contenido (relevante p la cotización de los valores afectados), tiene um valor económico susceptible de aprovecha-miento p su poseedor al no ser conocida por la generalidad del mercado.” – cf. Pedro VILLEGAS, “El abuso de Mercado. Concepto y tipos”, Revista Iberoame-ricana de Mercados de Valores n.º 22/2007, Instituto Iberoamericano de Mercados de Valores, Novembro, p. 8. Não podemos olvidar que este dever “(…) was designed to protect “outside” stockholders against short swing speculatution by “insiders” with advance information.” cf. Louis LOSS, Joel SELIGMAN, Securities Regulation, vol. V (revisto, p. 2121-2652) Aspen Law & Business, 3.ª edição, Nova Iorque, p. 2345.

194 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

alienar uma participação numa sociedade por si detida, tendo (inclusivamente) decidido que a solução estratégica desejada era a venda a

100% (cf. cartas-convite enviadas a potenciais adquirentes que solicitavam a apresentação de propostas de compra a 100% (com exclusão das demais).

Todavia, como também é dito na sentença, o emitente não havia tomado qualquer decisão final e definitiva sobre a alienação da participa-ção que detinha numa outra sociedade.

Coloca-se, por isso, a questão de saber o emi-tente se poderá constituir na obrigação de divul-gar informação privilegiada ao longo de um mesmo processo negocial e por mais de uma vez (ou se só o terá de fazer uma vez, no final

do processo negocial, quando tudo estiver deci-dido e definido).

A resposta à questão anterior não pode deixar de ser duplamente positiva. A lei obriga os emi-tentes à divulgação de toda a informação que seja privilegiada, sem distinções de qualquer espécie (v.g. quanto ao momentum em que esta se gera), ou qualquer tecto, plafond ou limite quanto ao número de comunicados que o emi-tente deverá divulgar (nem tal seria compatível com o escopo informativo da norma que supra

foi descrito).

Assim, sempre que se reúnam os pressupostos do artigo 248.º (ressalvadas as hipóteses de diferimento e de dispensa – a que nos referire-mos infra), o emitente deve divulgar informa-

ção privilegiada, devendo fazê-lo sempre e tan-tas vezes quantas as que se reúnam os pressu-postos, independentemente do momento em que isso se verifique.

Com efeito, a norma tem natureza atomística:por cada vez que o diferencial entre a informa-ção pública e a informação não pública se torna «sensível» (v.g. dado o grau significativo de afastamento da situação em relação à situação anteriormente divulgada) surge um novo deverde divulgação.

Significa isto que num processo negocial46, ou em qualquer outro caso de factos de formação

sucessiva, o emitente, tipicamente, ir-se-á cons-tituir por mais de uma vez na obrigação de divulgar informação privilegiada.

Posto isto, não será difícil concluir que, à luz da actual redacção do artigo 248.º do CdVM, os factos supra descritos (apesar de não ter sido tomada qualquer decisão final e definitiva) constituem indubitavelmente informação privi-

legiada e, em consequência, tinham de ser ime-diatamente divulgados ao público47 (sem prejuí-zo da possibilidade de diferimento da divulga-

ção da informação – cf. artigo 248.º-A do CdVM – de que se tratará infra).

Com efeito, em termos sintéticos, pode afirmar-se que:

a. a arguida é uma entidade emitente com valores mobiliários admitidos à negocia-ção em mercado regulamentado;

b. a predisposição activa de venda de uma participação numa sociedade e a defini-ção de que a venda deverá ser feita a 100% são informações que dizem direc-tamente respeito à arguida e que têm impacto nos seus valores mobiliários;

c. a informação tem carácter preciso: a refe-rida predisposição estava patente nas car-tas-convite enviadas aos potenciais adquirentes da participação detida pela arguida;

46- Os processos negociais são, aliás, um dos exemplos elencados pela CMVM nos seus entendimentos como informação privilegiada (www.cmvm.pt).

47- Não olvidamos que a redacção em vigor à data dos factos era a aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro (e não a que foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março – actualmente em vigor), questão que será tratada, de forma autónoma, infra.

195 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

d. até 26/01/2005 não tinha sido tornada pública a predisposição para venda da totalidade da sua participação;

e. a informação é «price sensitive» uma vez que qualquer investidor razoável poderia normalmente utilizá-la, se a conhecesse, para basear, no todo ou em parte, as suas decisões de investimento. Com efeito:

i. a expectativa da venda de uma par-ticipação (com aquela magnitude) afecta a performance económica e

financeira do emitente (os seus fundamentais48) e, por conseguinte, os resultados que a sociedade

obtém – ou seja, estão em causa factores dos que mais influenciam,

na perspectiva do investidor

médio, a avaliação que faz de uma

sociedade49;ii. os investidores que conhecessem

aquela informação detinham uma vantagem comparativa face aos demais uma vez que teriam neutra-

lizado de forma ilegítima (em

relação aos demais investidores)

uma parte do risco inerente às

decisões de investimento50: sabiam que com alguma probabilidade a arguida poderia vir a obter receitas extraordinárias proveniente da ven-da, a 100%, de uma participação detida noutra sociedade.

Donde, apesar de ainda não ter tomado qual-quer decisão final e definitiva, a verdade é que a predisposição para negociar ou alienar uma

participação numa sociedade por si detida e a opção pela venda a 100% constituem informa-

ção privilegiada.

III. d) Possibilidade de diferimento

e de dispensa

O regime supra exposto, porquanto obriga os emitentes a divulgar informações que estes, não raras vezes, almejam que não sejam conhecidas, é bastante exigente para com os emitentes.

De facto, não se pode olvidar que, v.g. num pro-cesso negocial, a divulgação pública de infor-

mação sobre o «estado das negociações» pode-rá contribuir decisivamente para o insucesso do negócio. Afinal, em muitos casos, «o segredo [ainda] é a alma do negócio».

Por outro lado, “saber é poder”51: os emitentes poderão ter a ganhar em manter o maior secre-tismo sobre o andamento da sua actividade e, concomitantemente, em obter informação sobre a dos seus concorrentes (o que os poderá colo-car numa posição de vantagem).

Por isso, alguma doutrina pronunciou-se no sentido de que existe, ao menos em certas situa-

ções uma sobrevalorização do valor da parida-

de de tratamento dos intervenientes no mercado

(que se visa almejar com a divulgação pública

da informação) em detrimento do valor da

reserva ou confidencialidade sobre a condução

da actividade comercial52.

Tendo estas razões em conta, e para que o cumprimento do dever de divulgação de

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 195

48- Sobre a análise dos fundamentais na perspectiva do investidor vide Fernando Braga de MATOS, Ganhar em Bolsa, Dom Quixote, 3.ª Edição, 2007, p. 195 e seguintes.

49- Cf. Célia REIS, “Dever de Prestação de Informação sobre Factos Relevantes (Anotação a Sentença do Tribunal Judicial da Maia)”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 8, Agosto de 2000, p. 226.

50- Cf. Frederico de Lacerda da Costa PINTO, “O Direito de Informar e os Crimes de Mercado”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 2, 1.º semes-tre de 1998, p. 105.

51- Frederico de Lacerda da Costa PINTO, “O Direito de Informar e os Crimes de Mercado”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 2, 1.º semestre de 1998, p. 98.

52- J.J. Vieira PERES, “O Delito de “Insider Trading” e a Obrigação de Informação”, Problemas Societários e Fiscais do Mercado de Valores Mobiliários,Edifisco, Lisboa, 1992, p. 95-96.

196 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

informação privilegiado não represente uma

conduta excessivamente penalizadora para o

emitente53, o legislador consagrou (i) a possibi-

lidade de diferimento dessa divulgação54 e (ii) a possibilidade de dispensa de divulgação da

informação.

(i) A possibilidade de diferimento, prevista no artigo 248.º-A/1 do CdVM, depende do preen-chimento cumulativo de três condições55:

a. a divulgação imediata seja susceptível de prejudicar os legítimos interesses do emi-tente (nos termos previstos no artigo 248.º-A/2 do CdVM);

b. o diferimento não seja susceptível de induzir o público em erro;

c. o emitente demonstre que assegura a con-fidencialidade da informação (o que deve ser feito nos termos do artigo 248.º-A/4 do CdVM).

Donde, só preenchidos estes requisitos é possí-vel a ocorrência de um time lag entre o momen-to em que se gera informação privilegiada e o momento (ulterior) da sua divulgação ao públi-co.

Assim, v.g. existindo um processo negocial em curso – como no caso da sentença que se anota – à luz do regime que hoje vigora, poderá ser lícito ao emitente diferir o momento da divulga-ção da informação privilegiada, uma vez reuni-dos os pressupostos supra expostos.

Note-se, todavia, que este diferimento não isen-ta ad eternum o emitente do dever de divulgar a

informação. Trata-se, apenas, de um diferimen-

to, e não de uma dispensa ou isenção de divul-gação da informação.

O dever já existe ad origine. E é por já existir que a lei permite, dentro de certos limites, que o seu cumprimento seja diferido.

Assim, v.g. se um emitente presta declarações a um jornal (ou a uma agência noticiosa) nas quais revela a informação privilegiada cuja divulgação havia diferido (caso de quebra lícita de segredo voluntária) – como no caso da sen-tença que se anota – à luz da redacção actual-mente em vigor, fica obrigado a divulgar essa mesma informação ao público em simultâneo,através do SDI da CMVM.

(ii) Outro mecanismo que procura matizar as exigências informativas que impendem sobre os emitentes com valores mobiliários admitidos à negociação é o da dispensa de divulgação da

informação.

Este encontra-se previsto no artigo 250.º do CdVM e depende de:

a. requerimento de dispensa dirigido à CMVM (princípio da instância)56;

b. a divulgação seja contrária ao interesse público;

c. e possa causar prejuízo grave para o emi-tente;

d. desde que a ausência de divulgação não induza o público em erro sobre factos e circunstâncias essenciais para a avaliação dos valores mobiliários.

53- No sentido de que a divulgação de informação privilegiada pode prejudicar gravemente o emitente cf. Stephen J. SPURR, Economic Foundations of Law,Thomson, South Western, Estados Unidos da América, 2006, p. 228 “(…) managers can provide the public information about the value of the firm, in situa-tions where it is not feasible to disclose the information itself because, for example, such disclose would be harmful to the firm. For example, the managers may have learned from a confidential report that there are valuable mineral deposits on land the firm is about to purchase.”

54- Neste sentido Helena Magalhães BOLINA, “Abuso de Mercado”, Inforbanca, Ano XIX, n.º 72, Abr-Jun 2007, p. 9.

55- Excepcionalmente, em caso de risco para a viabilidade financeira do emitente e desde que não se encontre em situação de insolvência, é ainda possível o diferimento nos termos do artigo 248.º-A/3 do CdVM.

56- Para melhor defesa dos interesses dos emitentes, a lei consagra o regime excepcional do diferimento tácito (artigo 250.º/2 do CdVM).

197 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

III. e) Regime anterior (factos relevantes)

É certo que a redacção da norma vigente à data dos factos objecto da sentença que ora se comenta (26/01/2005) era outra (a qual foi cita-da supra no ponto I desta anotação) e que é esta que releva para efeitos infraccionais (artigo 3.º/1 do RGCORD57 / 58).

Assim, na redacção em vigor à data dos factos (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro), eram pressupostos do dever de divulgação de factos relevantes (hoje designada informação privilegiada):

a. uma sociedade; b. emitente de acções; c. admitidas em mercado de bolsa; d. facto ocorrido na sua esfera de activida-

de;e. que não seja do conhecimento público; f. que tenha incidência sobre a situação

patrimonial ou financeira ou sobre o andamento normal dos seus negócios;

g. susceptível de influir de maneira relevan-te no preço das acções;

h. relação de causalidade entre a incidência sobre a situação patrimonial ou financei-ra ou sobre o andamento normal dos seus negócios e a susceptibilidade de influir de maneira relevante no preço das acções.

Também à luz desta redacção se deve entender que um emitente que (i) se encontre predisposto

a negociar ou alienar valores mobiliários e (ii) que tinha admitido (designadamente em cartas-

convite enviadas a potenciais adquirentes) que a

alienação dos valores mobiliários a 100% era

uma solução estratégica desejada estava obri-gado a divulgar essa informação como facto

relevante (apesar de ainda não ter tomado qual-quer decisão final e definitiva).

É que a redacção do artigo 248.º do CdVM ora em análise (também) obrigava os emitentes à divulgação de todos os factos relevantes, ou seja, todos os factos que preenchessem os pres-supostos a que supra se fez referência. O que se verifica no caso sub iudice.

Com efeito, em síntese: a. a arguida é uma sociedade emitente de

acções admitidas em mercado de bolsa; b. a decisão de negociar ou alienar 100%

de uma participação numa sociedade e de enviar cartas-convite dirigidas a poten-ciais compradores com esse fim, é facto ocorrido na sua esfera de actividade (um facto próprio);

c. este facto não era do conhecimento públi-co (não tendo sido divulgado no SDI da CMVM em data pretérita a 26/01/2005);

d. tinha incidência sobre a situação patrimo-nial ou financeira da arguida (e sobre o andamento normal dos seus negócios), uma vez que faria alterar de forma signi-ficativa o seu volume de negócios e implicaria uma alteração do perímetro de consolidação do emitente;

e. sendo, por essas razões, susceptível de influir de maneira relevante no preço das acções: a expectativa da venda de uma participação (com aquela magnitude) afecta a performance económica e finan-

ceira do emitente (os seus fundamentais)e, por conseguinte, os resultados que a

sociedade obtém.

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 197

57- Regime Geral das Contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

58- Sem prejuízo da possibilidade de aplicação da lex posterior quando esta for mais favorável à arguida (artigo 3.º/2 do RGCORD) – questão que será tratada infra.

198 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

É certo que o facto tem de ser definitivo (o que se retira da expressão factos ocorridos do artigo 248.º do CdVM) mas sublinha-se que esta característica (definitividade do facto) tem uma importância muito menor do que aquela que, por vezes, lhe é atribuída por certa doutrina59.

No caso sub iudice o que se exigia mais não era do que a divulgação de um facto definitivo, uma vez que tinha ocorrido em tempo pretérito: o emitente já tinha iniciado um período de análise sobre a negociação ou alienação de valores

mobiliários e que tinha, inclusivamente, envia-do (desde 20/01/2005) cartas-convite a poten-ciais adquirentes solicitando a apresentação de propostas de compra, esclarecendo, ainda, que apenas levaria em consideração propostas para a aquisição de 100% (com exclusão das demais) – o que revela a sua solução estratégi-

ca.

De forma alguma se estaria, portanto, a exigir a prestação de informação sobre um facto futuro ou eventual. Estava, isso sim, a exigir-se a divulgação de factos pretéritos. Não tem, pois, cabimento alegar que com a divulgação destesfactos se estaria a antecipar o momento da divulgação do facto final (que seria a venda da participação total do emitente).

Naturalmente que este dever de divulgação de factos relevantes era tanto mais exigente para os emitentes (que seriam obrigados a divulgar factos ao longo dos processos negociais), por-quanto, à data, não existia a possibilidade legal de diferimento do momento da divulgação dos factos relevantes (nos termos que hoje estão

patentes no artigo 248.º-A do CdVM).

De forma a «temperar» estas exigências, nos entendimentos da CMVM sobre o dever de divulgação de factos relevantes60 podia ler-se que “Na verdade, o emitente não tem de comu-

nicar a existência de etapas preliminares da

sua formação - designadamente as negociações

que decorram tendo em vista a conclusão de

determinado acordo ou as fases de um processo

interno de decisão - enquanto permanecer o

sigilo entre as partes intervenientes no respec-

tivo processo.”.

Ou seja, os entendimentos da CMVM tolera-vam um diferimento do momento da divulgação dos factos relevantes desde que fosse assegura-da a confidencialidade da informação. Pelo que quebrado o sigilo (v.g. em caso de «fuga de informação» nos jornais) o emitente estava obrigado, de imediato, a divulgar os factos rele-

vantes ocorridos (mesmo tratando-se de etapas preliminares).

Ou seja, num fundo, os entendimentos daCMVM sobre o dever de divulgação de factos

relevantes anteciparam, neste aspecto, o regime do dever de divulgação de informação privile-

giada que veio a ser plasmado no CdVM.

III. f) Comparação de regimes

Para completar esta análise, resta confrontar as diferentes redacções dadas ao artigo 248.º do CdVM (a redacção sob a epígrafe factos

relevantes61 com a da epígrafe informação

privilegiada62) de molde a perceber qual é mais favorável (para efeitos do artigo 3.º/2 do RGCORD).

59- Vide Gonçalo Castilho dos SANTOS, “O Dever dos Emitentes de Valores Mobiliários Admitidos à Negociação em Bolsa de Informar Sobre Factos Rele-vantes”, Caderno do Mercado de Valores Mobiliários n.º 15, Dezembro de 2002, p. 34 e seguintes.

60- Vide http://www.cmvm.pt/NR/exeres/4DBF73F5-3FF3-4058-9BFC-6573120BD75D.htm.

61- Na redacção aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro.

62- Na redacção que foi dada ao artigo 248.º do CdVM pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março.

199 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Assim, desse confronto, resulta, em síntese, que na nova lei:

a. Deixa de se exigir pressupostos típicos que constavam da anterior: (i) o agente já não tem de ser sociedade, (ii) o facto já não tem de ocorrer na esfera da sua acti-vidade, (iii) deixa de existir o requisito da incidência sobre a situação patrimonial ou financeira ou sobre o andamento nor-mal dos negócios do emitente,

b. Alarga-se o objecto da acção: (i) pode ser emitente de quaisquer valores mobiliários e não apenas acções, (ii) abrange igual-mente valores em relação aos quais se tenha apenas requerido a admissão, (iii) basta que a influência seja sensível e não relevante, e (iv) incide igualmente em instrumentos financeiros e não apenas valores mobiliários.

c. Mantém-se a natureza não pública da informação.

Pelo que se deverá concluir que a nova redac-ção é mais exigente, logo, insusceptível de ser aplicada aos arguidos que praticaram infracções ao tempo em que vigorava a anterior redacção da norma (cf. artigo 3.º/2 do RGCORD).

IV. CONCLUSÕES

À luz do exposto, em síntese, pode concluir-se que:

a. o dever de divulgação de informação

privilegiada é justificado pela necessida-de (eminentemente económica) de dar resposta à necessidade de manter o mer-cado permanentemente informado, de forma a que os investidores possam

tomar racionalmente as suas decisões de investimento;

b. desta forma o legislador mobiliário procura prevenir a ocorrência de «assimetrias informativas» que potenciam situações de «insider trading» (artigo 378.º do CdVM);

c. sempre que se reúnam os pressupostos do artigo 248.º do CdVM, o emitente deve divulgar informação privilegiada

(ressalvadas as hipóteses de diferimento ou de dispensa) uma vez que a norma tem natureza atomística;

d. o dever existe mesmo que a informação

privilegiada diga respeito a um processo negocial ainda em curso (ou outros factos de formação sucessiva);

e. de molde a que o dever de divulgação deinformação privilegiada não represente uma conduta excessivamente penalizado-ra para o emitente, a lei consagra meca-nismos de diferimento do momento de divulgação, bem como de dispensa

(artigos 248.º-A e 250.º do CdVM, res-pectivamente);

f. ao tempo da vigência do anterior regime (factos relevantes), a possibilidade de diferimento era, na prática, tolerada pelos entendimentos da CMVM, mas sempre e apenas enquanto fosse assegurada a confidencialidade da informação (possibilidade que, reunidos certos requi-sitos, veio a ser consagrada legalmente no regime da divulgação de informação

privilegiada);g. o regime gizado pelo dever de divulgação

de informação privilegiada é globalmen-te mais exigente do que o de factos

relevantes.

ANOTAÇÃO A ACÓRDÃO : 199

200 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Donde, como se decidiu – e bem – na sentença que se anota, a arguida constituiu-se no dever de divulgar um facto relevante a partir do momento em que:

(i) se encontrava predisposta a negociar ou

alienar valores mobiliários (i.e. uma partici-pação numa sociedade por si detida); e (ii) admitiu externamente (designadamente em cartas-convite enviadas a potenciais

adquirentes) que a alienação dos valores

mobiliários a 100% era uma solução estra-

tégica desejada,

apesar de ainda não ter tomado qualquer deci-são final e definitiva.

Era assim à luz do regime dos factos relevantes

e continua a sê-lo à luz do dever de divulgação de informação privilegiada.