citricultura paulista

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA CULTURA, POLÍTICA E AGRICULTURA FAMILIAR: a identidade sócio-profissional de empresário rural como referencial das estratégias de desenvolvimento da citricultura paulista MARIE ANNE NAJM CHALITA ORIENTADORA: PROFª DRª. ANITA BRUMER TESE DE DOUTORAMENTO Porto Alegre, julho 2004

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  • 1UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULINSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    CULTURA, POLTICA E AGRICULTURA

    FAMILIAR:a identidade scio-profissional de empresrio rural como

    referencial das estratgias de desenvolvimento da

    citricultura paulista

    MARIE ANNE NAJM CHALITA

    ORIENTADORA: PROF DR. ANITA BRUMER

    TESE DE DOUTORAMENTO

    Porto Alegre, julho 2004

  • 2Et jai suivi le vol dun angeIl ma emmen jusqua toi

    un battement de cilset tu es l

    La nuit, plus rien ne nous drangeLa raison est un fil de soie

    on la sent plus fragileCest bien comme a

    Mais dis-moi...

    Toi, est-ce que tu rves encore?Toi, est-ce que tu vas toujours caresser le ciel?

    Toi, est-ce que tu cherches encore?Toi, est-ce que tu veux toujours effleurer le soleil?

    Et jai suivi le vol dun angecomme un voyage au fond de moi

    Juste en fermant les yeuxet tu es l

    La nuit a ce pouvoir trangeDe nous faire aller jusque-l

    o mme les oiseauxnarrivent pas

    Toi, est-ce que tu rves encore?Toi, est-ce que tu vas toujours caresser le ciel?

    Toi, est-ce que tu cherches encore?Toi, est-ce que tu veux toujours effleurer le soleil?

    On frlait locanEst-ce que tu te rappelles?

    On partait droit devantOn rvait

    de voler l-bas lautre bout du ciel, lautre bout du ciel

    Pour Sophie, in memorium, ma souer qui, lautre bout du ciel, est mon toile

  • 3Para Gabriel, ontem, hoje e sempre, meu belo filho.Por voc, L, que me faz desfrutar do prazer de conhecer e viver um to imenso amor.

    E me faz assim perseverar.

  • 4AGRADECIMENTOS

    Um trabalho que se estende no tempo nem sempre contnuo. Tal foi o caso deste. Porproblemas de ordem profissional e pessoal, a redao da verso final do presente estudointerrompeu-se quando retornei da Frana. Ao retom-la em 1999, diante do distinto desenhoinstitucional da ps-graduao no Brasil, tive que passar pelo mestrado. Esta longa trajetriapercorreu ainda perdas e instabilidades pessoais, com muitas interrupes. Fico satisfeita de terconcludo, pouco sendo alterada a verso que tinha j em 1991, com a necessria atualizao dealguns dados e reflexes.

    Ao introduzir, desta forma, os agradecimentos, pretendo enfatizar que as histrias de vidaso nicas e atravessam muitas vezes, de forma inesperada, planos e projetos profissionais. Porisso mesmo, as pessoas que fizeram parte desta trajetria assumem uma importncia ainda maiorpara mim, neste momento em que redijo estas consideraes, aps a defesa da tese. Agradeoimensamente a todos que me apoiaram, em primeiro lugar, ao compreenderem a veemncia dassituaes inusitadas que se apresentaram diante de mim e ao compreenderem as diferenas derespostas emocionais que as pessoas podem dar diante de determinados acontecimentos.

    As circunstncias externas e nosso self tecem de forma variada o contexto no qualdesenvolvemos uma atividade profissional qualquer. Ao revisitar meus passos no processo deproduo desta tese, reconheo, por isso mesmo, mais ainda, a importncia do abrigo solidrioque recebi do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da UFRGS na pessoa da Prof DrClarissa Eckert Baeta Neves e da Prof Dr Anita Brumer, minha orientadora. No cansarei deinsistir na importncia que foi concluir esta tarefa acompanhada pelo Prof. Dr. Jos Carlos dosAnjos (UFRGS/PPGS Sociologia) que, sempre to amigavelmente, forneceu-me sugestesvaliosas. Nos seus princpios, fui guiada pelo Prof. Dr. Odaci Luiz Coradini (UFRGS/PPGSPoltica), pelo Prof. Dr. Jos Graziano da Silva (UNICAMP/Economia) e pela Prof Dr NicoleEizner (Groupe de Recherches Sociologiques/Universit Nanterre/Paris X) que acompanhoumeus passos nos dois primeiros anos da produo do trabalho (1989/90-1990/91).

    Agradeo ao CNPq pela bolsa de doutorado concedida e pela possibilidade que me foidada de manter os vnculos institucionais, renovando a espera pela concluso deste trabalho.Desejo estar disponibilizando algumas reflexes teis e pertinentes sobre aspectos de nossarealidade rural.

    Lembro-me de todos os entrevistados, produtores e tantos outros agentes com quemmantive contatos regulares e que compem o campo citrcola, alguns abriram suas casas evarandas onde por horas conversamos. FASE, ao Sindicato dos Empregados RuraisAssalariados de Bebedouro, ACIESP, CONTAG e FAESP, que, de distintas formas,permitiram-se adentrar na reflexo que eu queria fazer.

  • 5Alguns pesquisadores que encontrei pelo caminho como o Prof. Dr. Orlando Martinelli ea Prof Dr. Vera Rodrigues trouxeram inestimveis contribuies, assim como os professoresque fizeram parte da banca de minha dissertao de mestrado e qualificao da tese, Prof DrSnia Laranjeira, Prof. Dr. Carlos Guilherme Adalberto Mielitz Netto, Prof. Dr. Jos Vicente dosAnjos e Dr Marins Grando.

    Tive a honra de dialogar no momento da defesa da tese com uma banca composta porpesquisadores que muito admiro: Prof Dr Delma Pessanha Neves (PPG Antropologia/Univ.Federal Fluminense), Prof. Dr. Carlos Guilherme Adalberto Mielitz Netto (PPGDesenvolvimento Rural/UFRGS, Prof. Dr. Jos Carlos Gomes dos Anjos (PPGSociologia/UFRGS), Prof. Dr. Jalcione Almeida (PPG Desenvolvimento Rural e PPGSociologia/UFRGS) e, minha orientadora, Prof Dr Anita Brumer.

    Denise Jesien Farias, Regiane Accorsi e Patrcia, da secretaria do Programa de Ps-Graduao em Sociologia da UFRGS, por estarem sempre dispostas a providenciarem apoioestratgico e palavras de incentivo quando foi necessrio.

    Com muita fora e emoo, agradeo aos meus amigos de alm-academia: TniaThercov, Franoise Reverdy, Snia Reyes, Sheila Nunes, ngela, Romrio Marx, MarcosBicalho, Rosa Maria Mancini, Valria Dressano, Rita, Cida e Jorge Luiz (Joca). minha primaGermaine e meu primo Gilbran, agradeo o carinho to especialmente familiar e fundamental.Vocs todos foram demais! Foram meus muitos anjos! Habitam para sempre meu corao!

    Agradeo aos meus pais, Jos Gabriel e Marie Lise, pelo apoio permanente e inestimvel.Agradeo meu filho Gabriel, por toda a fora, cotidianamente renovada, que me deu,

    quando eu no via mais onde pisar. E que compreendeu e soube perdoar (e esperar passar) meusmomentos de fraqueza e desesperana e que, na sua ainda tenra idade, me acalentou.

    Agradeo a Sophie, por ser minha eterna, nica e amada irm. Saudades, dor semdescanso. Queria ter estado contigo.

  • 6INDICE

    RESUMO 09LISTA DE SIGLAS 10LISTA DE TABELAS, MAPAS, QUADROS, DIAGRAMAS, FIGURAS E ANEXOS 11INTRODUO 13PROBLEMA DE PESQUISA 21HIPTESES 26COLETA DE DADOS 28

    CAPTULO I:A IDENTIDADE SCIO-PROFISSIONAL DE EMPRESRIO RURALCOMO MEDIAO ENTRE SUJEITO E ESTRUTURA 321.1. Revisitando conceitos sobre a agricultura familiar 351.1.1. O conceito de agricultura familiar 351.1.2. A diferenciao interna da agricultura familiar 391.1.3. Reelaborando uma categoria a partir de relaes sociais 461.2 Anlise cultural na sociologia: representaes sociais e ideologia 521.3 Habitus e ethos de posio 571.4 Identidade: socializao e poder 641.5 Identidade scio-profissional como relao ao poltica: a constituiodas estratgias de desenvolvimento da citricultura 711.6. A propsito de uma sntese conceitual 771.7. Procedimentos metodolgicos e planos analticos da investigao 82

    CAPTULO II: AS TRANSFORMAES DOS GRUPOS SOCIAIS E ASORIGENS DO HABITUS EMPRESARIAL NA AGRICULTURA REGIONAL 902.1. Os processos de apropriao da terra e da organizao do trabalho 912.1.1. O "coronel" e o patrimonialismo das fazendas de gado 912.1.2. A oligarquia e o produtivismo das fazendas de caf 952.1.3. O agrarismo x o industrialismo 992.1.4. A articulao entre a agricultura e a agroindstria de transformao 1012.1.4.1. A laranja como alternativa: o "ouro amarelo" da exportao e o comeo datransformao industrial 1042.2.4.2.A transitoriedade da produo familiar: o surgimento do trabalhador temporrioe a emergncia dos produtores familiares modernos 1202.2. As origens do habitus empresarial no centro das transformaes dos grupos sociais 127

    CAPTULO III: A INTEGRAO ENTRE A PRODUO AGRCOLAE A AGROINDSTRIA: POSIES SOCIAIS E A ESTRUTURAODO CAMPO ECONMICO 1303.1. As novas dinmicas em torno da terra, trabalho e mercado 1313.1.1 As requisies tcnicas e as formas de apropriao da terra 1313.1.2 As alteraes na organizao e na diviso do trabalho 1393.1.3 A segmentao comercial: os vrios planos do mercado 1463.2 As diferentes posies sociais no campo econmico da citricultura 154

    CAPTULO IV: TRAJETRIA SOCIAL E ETHOS DE POSIODOS PRODUTORES FAMILIARES MODERNOS 1614.1. Ser produtor moderno: um peso, vrias medidas 1614.1.1 Um peso, a terra: a origem e trajetria sociais classificam os pequenos, mdiose grandes proprietrios 1644.1.1.1. Ser herdeiro: da fazenda ao stio ou chcara 1654.1.1.2. Ser ex-colono, ex-meeiro: terra de trabalho 1674.1.1.3. Ser profissional liberal ou comerciante: terra de investimento 170

  • 74.1.2 A insero na dinmica competitiva e as possibilidades iniciais de acumulaoeconmica:reclassificam os pequenos, mdios e grandes produtores 1714.1.3 Vrias medidas: a gestao do ideal empresarial enquanto produo socioculturaldos produtores familiares modernos 1784.1.3.1. A tradio rural e a vocao agrcola 1794.1.3.2. O saber-prtico e a experincia 1814.1.3.3. O trabalho e a gesto familiares 1834.2. Representaes sociais enquanto mediaes culturais na configuraodo campo conflitual na citricultura 1904.2.1 Terra de especulao e terra de produo 1914.2.2 As tcnicas e a tcnica 1944.2.3 A consagrao do referencial tecnolgico e o ethos empresarial 195

    CAPTULO V: INSTITUIES DE REPRESENTAO E A AO POLTICADOS PRODUTORES FAMILIARES MODERNOS: A PUBLICIZAODA IDENTIDADE SCIO-PROFISSIONAL DE EMPRESRIO RURAL 2025.1 A institucionalizao dos interesses: pulverizao e centralizaoda representao poltica 2045.1.1 Contestao e fragilizao dos sindicatos e a emergncia das associaes civisna ao poltica setorial 2045.1.2 O local e o regional como referncia sociocultural do poder poltico e ideolgicoda ACIESP no campo econmico da citricultura 2265.2 As associaes representativas e os alinhamentos do oligoplio industrial 2315.3 Os conflitos sociais no campo econmico da citricultura 2345.3.1 As relaes comerciais entre produtores e indstrias e sua expresso na formaodos preos das frutas 2365.3.1.1. O mercado internacional de suco de laranja e sua influncia na formaodos preos das frutas 2375.3.1.2. A formao dos preos das frutas pela mediao das relaes contratuais entreprodutores e agroindstrias 2381 fase A entrada do pas no mercado internacional de suco de laranja e a adoode contratos preo fixo 2412 fase Os antecedentes dos contratos de participao: o bloqueio das agroindstriase o distanciamento do Estado como rbitro dos conflitos 2443 fase A afirmao do pas no mercado internacional de suco e a adoo ampliadados contratos de participao 2484 fase a busca de estabilidade no mercado internacional de suco e os contratosplurianuais seleo e integrao dos produtores 2535.3.2 As lutas sociais e a nova categorizao dos trabalhadores assalariados:entre a agroindstria e os produtores familiares modernos 2665.3.2.1. A significao do processo de afirmao poltica dos trabalhadores assalariados 2675.3.2.2. As imagens sociais dos produtores familiares sobre a ao polticados trabalhadores assalariados 2795.4 Os conflitos sociais, a ao poltica e a associao de interesses no centro dasestratgias de desenvolvimento da citricultura 287

    CAPTULO VI. IDENTIDADE SCIO-PROFISSIONAL DE EMPRESRIORURAL, AGRICULTURA FAMILIAR E ESTRATGIAS DEDESENVOLVIMENTO NA CITRICULTURA 2996.1 Cultura, poltica e produtores familiares modernos de laranja: as refernciasculturais para e na ao poltica 2996.1.1 O referencial cultural setorial para a ao poltica: os sentidos e prticasvivenciadas como fundadores do paradigma cultural de identificao 3006.1.2. As contribuies do referencial cultural global: qualidade, produtividadee competitividade do agrobusiness 309

  • 86.1.3 A articulao entre o referencial setorial e global pela ao poltica:a produo da ideologia poltica 3156.2 A identidade scio-profissional dos produtores modernos:a produo do empresrio rural como referencial das estratgias dedesenvolvimento da citricultura 324

    CONCLUSO 337ANEXOS 344REFERNCIAS 391

  • 9RESUMO

    Este trabalho procura analisar a produo e a apropriao de significaes socioculturaisao longo da trajetria social dos produtores familiares modernos de laranja no Estado de SoPaulo, municpio de Bebedouro. A pesquisa emprica realizada centrou-se no universo dospequenos proprietrios de terra (com at 50 ha) devido s grandes transformaes pelas quaiseles passaram no que diz respeito s formas sociais de produo, num perodo de duas ou trsgeraes. Suas experincias vivenciadas no tempo e no espao social, ao fazerem,dinamicamente, parte do campo conflitual na citricultura em torno da terra, trabalho, tcnicas deproduo e mercado, estruturam referncias significativas e particulares da identidade scio-profissional de empresrio rural, face aos outros grupos sociais presentes na esfera da produoagrcola. Estas referncias os articulam com o contexto atual de competitividade na citricultura,influenciando a direo das estratgias de desenvolvimento do setor. Os produtores familiaresmodernos apresentam uma grande adaptao lgica agroindustrial de produo ecomercializao e revelam modos de insero estrutural, funcional ou cultural, a partir dosconflitos sociais. Trata-se, portanto, de compreender sua constituio social atravs da gnese eafirmao de seus princpios identitrios, levando em conta os fatores de ordem objetiva(complexidade estrutural), mas dando uma importncia particular anlise de suasrepresentaes sociais e ao dos mediadores polticos a partir destas representaes.

    ABSTRACT

    This research analyses the production and the appropriation of social and culturalsignifications as long as the social trajectory of modern familial producers of oranges in SoPaulo, district of Bebedouro. The empirical work turns on little owners of land (until 50 ha) dueto the large transformations that affected them concerning social forms of production during twoor three generations. Their experiences in social time and space compose the dynamics of theconflict camp of the orange production towards land, labor, production techniques and market.They indicate the most important and particular references of the socio-professional identity ofthe rural empresario, in face of the others present social groups. These references put them inrelation with the actual context of economic competition and point forward the sectordevelopment strategies. The modern familial producers are adapted to the agro-industrial logicof production and commercialization and confirm modes of structural, functional and culturalinsertion in the social conflicts. The objective is to understand their social constitution by theorigin and the affirmation of their identity principals, considering objectives factors but speciallytheir social representations and the political action of their sector leadership.

  • 10

    SIGLAS

    ABECITRUS Associao Brasileira dos Exportadores de CtricosABRA Associao Brasileira pela Reforma AgrriaABRACITRUS Associao Brasileira dos CitricultoresABRASSUCOS Associao Brasileira das Indstrias de Sucos CtricosACIESP Associao dos Citricultores do Estado de So PauloANIC Associao Nacional das Indstrias CtricasASSOCITRUS Associao Paulista dos CitricultoresBADESP Banco do Desenvolvimento do Estado de So PauloBID Banco Inter-Americano de DesenvolvimentoBNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e SocialBNY Bolsa de Nova IorqueCACEX Carteira de Comrcio Exterior do Banco do BrasilCANECC Campanha Nacional de Erradicao do Cancro CtricoCAPDO Cooperativa Agrria dos Produtores de Caf do Oeste de So PauloCATI Coordenadoria de Assistncia Tcnica e Integral da Secretaria da AgriculturaCNBB Conferncia Nacional dos Bispos do BrasilCOBAL Companhia de Abastecimento de AlimentosCONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores AgrcolasCOOPERCITRUS Cooperativa dos Citricultores do Estado de So PauloCPT Comisso Pastoral da TerraCREAI Carteira de Crdito Agrcola e Industrial do Banco do BrasilCTC Comisso Tcnica da CitriculturaFAESP Federao da Agricultura do Estado de So PauloFAO Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e a AlimentaoFASE Federao das Associaes para Assistncia Social e EducativaFERAESP Federao dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de So PauloFETAESP Federao dos Trabalhadores Agrcolas do Estado de So PauloFIESP Federao de Indstrias do Estado de So PauloIBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaIEA Instituto de Economia AgrcolaINCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma AgrriaITAL Instituto de Tecnologia de Alimentos do Instituto Agronmico de CampinasMST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-TerraNAFTA Acordo de Livre Comrcio da Amrica do NortePNRA Plano Nacional de Reforma AgrriaSERSA Sindicato dos Empregados Rurais AssalariadosSNCR Sistema Nacional de Crdito RuralSR Sindicato Rural (ou Patronal)STR Sindicato dos Trabalhadores RuraisUDR Unio Democrtica Ruralista

  • 11

    LISTA DE TABELAS, MAPAS, QUADROS, DIAGRAMAS e FIGURAS

    Mapa Localizao de Bebedouro no Estado de So Paulo.Quadro 1. Quadro metodolgico da investigao: identidade scio-profissional e estratgias dedesenvolvimento da citricultura.Diagrama 1.1. Sntese conceitual: referncias socioculturais na estruturao do campo econmico dacitricultura.Diagrama 1.2. Planos metodolgicos de anlise da identidade scio-profissional e das estratgias dedesenvolvimento setoriais.Quadro 1.1. Quadro analtico da investigao: identidade scio-profissional de empresrio rural eestratgias setoriais de desenvolvimento.Diagrama 1.3. Esquema estrutural da tese por captulos.Mapa 2.1:.Bebedouro como centro polarizador e irradiador da cultura de laranja.Figura 2.1.O futuro dos laranjais. Matria do Jornal de Bebedouro, 28/01/1939.Mapa 2.2. Localizao dos postos de fiscalizao sanitria e a territorializao da citricultura nonordeste do Estado de So PauloTabela 2.1. Indstrias de transformao (produo de SLCC):localizao, ano instalao, capacidade detransformao inicial, 1974/75.Quadro 2.1. Principais aes dos agentes produtivos durante a formao inicial do campo econmico dacitricultura.Tabela 2.2. Indstrias de transformao (produo de SLCC): localizao e ano de instalao.Quadro 2.2. Principais acontecimentos do perodo inicial de formao do campo econmico dacitricultura.Tabela 2.3. Alteraes nas reas plantadas com culturas temporrias, Bebedouro, 1950-1972.Tabela 2.4. Nmero e tamanho das propriedades por grupo de rea, Bebedouro,1975, 1980, 1985 e 1991.Tabela 2.5. So Paulo, Produo de laranjas por grupos de rea (1.000 frutos colhidos), 1970-1980.Tabela 3.1. Nmero de imveis rurais com ps em produo no Estado de So Paulo, 1980/81, 1985/86 e1995/96 (e variao).Tabela 3.2. Participao percentual das categorias de imveis rurais na produo total do Estado de SoPaulo, 1980/81, 1990/91 e 1995/96 (e variao)Tabela 3.3. Nmero de ps novos e participao das categorias de imveis (%) no total de ps novos delaranja no Estado de So Paulo, 1980/81, 1990/91 e 1995/96 (e variao).Tabela 3.4. Milhes de ps novos plantados segundo as categorias de imveis, 1990/91 e 1995/96.Figura 3.1. Calendrio de colheita de laranja do Estado de So Paulo.Tabela 3.5. Produo paulista de laranja: produo e destino (1.000 caixas de 40,8kg) (1979-1988).Quadro 5.1. Regras, acordos e normas relevantes na citricultura.Quadro 5.2. Rede institucional do campo econmico da citricultura.Quadro 5.3. Principais instituies por natureza do segmento representado, 1964/1999.Quadro 5.4. Poltica pblica voltada citricultura.Quadro 5.5. Principais medidas de poltica comercial para a fruta e para o suco de laranjaQuadro 5.6. Venda de subprodutos: produo e valor.Grfico 5.1. Custos de industrializao e comercializao do suco (base 1986/1987)Grfico 5.2. Comparao entre o preo da caixa de laranja de 40,8 kg nas trs propostas de contratos daindstria (um ano, dois anos e trs anos) e a proposta dos produtores, base 1991/1992Quadro 5.7. Aes coletivas no campo econmico da citricultura no perodo de regulao estatal, 1974-1979.Quadro 5.8. Principais aes individuais e coletivas para a constituio do campo econmico dacitricultura, anos 1980-90.Grfico 5.3. Evoluo do preo mdio de exportao do suco concentrado e do preo equivalente pagoaos produtores de laranja, 1964-1985.Grfico 5.4. Evoluo do preo da laranja e do custo de produo agrcola, 1964-1984.Diagrama 6.1. Referncias culturais para e na ao poltica.Diagrama 6.1. Planos de anlise da identidade e das estratgias de desenvolvimento setoriais.

  • 12

    ANEXOS

    ANEXO I: Roteiros de entrevistasRoteiro de entrevistas com produtores (trajetria e posio sociais: representaes)Roteiro de entrevistas com informantes qualificados

    ANEXO II: Tabelas, mapas e figurasTabela 1. rea colhida de laranja, por Estado, Brasil, 1975, 1980 e 1985-94.Tabela 2. Produo de laranja por Estado, 1975, 1980 e 1985-94.Tabela 3. Nmero de ps novos em produo, cultura da laranja, Estado de So Paulo, 1980 e 1985-94.Tabela 4: Participao das DIRAs de Campinas, Ribeiro Preto e So Jos do Rio Preto no nmero totalde ps e produo de cultura da laranja no Estado de So Paulo, 1967/68 1990/91.Tabela 5. Produo colhida nmero de ps, rendimento e valor da produo dos principais municpioscitrcolas, 1970.Tabela 6.Produo, nmero de ps, rendimento e valor da produo principal municpios citrcolas,1975.Tabela 7. Produo, nmero de ps, rendimento e valor da produo dos principais municpioscitrcolas, 1980.Tabela 8. Produo, rea, nmero de ps, rendimento e ps plantados em Bebedouro, 1970, 1975 e 1980.Mapas 1. Produo e expanso territorial da citricultura no Estado de So Paulo, 1950-1980.Mapa 2. Localizao geogrfica dos principais municpios citrcolas paulistas.Tabela 9. Efeito substituio atribudo laranja para as DIRAS de Campinas, Ribeiro Preto e So Josdo Rio Preto, 1968/69-1973/74 e 1974/75 1982/83.Tabela 10. Evoluo da Exportao de Suco Concentrado Congelado de Laranja, Brasil.Mapa 3. Localizao das indstrias de suco no Estado de So Paulo, 1997.Tabela 11: Empresas processadoras, localidade e ano de instalao.Tabela 12. Indicadores de concentrao de mercado pelas agroindstrias processadoras.Tabela 13. Participao Percentual da Exportao Brasileira de Suco Concentrado de Laranja, 1993.Figura 1. A utilizao da terra no municpio de Bebedouro nos anos de 1940, 1950, 1960 e 1972.Figura 3. Evoluo da renda real lquida da citricultura (1964-1984)Figura 4. Citricultura paulista (preo mdio em US$/safra - cx. de 40,8 kg)Tabela 14. Preo pago ao produtor e preo mdio FOB-Santos de exportao (US$/caixa de 40,8 kg)Tabela 15. Principais geadas na Flrida (EUA) a partir de 1960.Tabela 16. Remunerao da produo e comercializao de suco de laranja So Paulo, 1986/871991/92Tabela 17. Tributao no setor citrcola (%) 1993.Figura 4. Cotaes dirias do suco de laranja Bolsa de Nova Iorque, 1988-1990.Figura 5. Evoluo das exportaes brasileiras de suco, em US$ 1.000 FOB e toneladas (valor equantidade).Figura 6. Remunerao do citricultor americano e brasileiro (US$/caixa de laranja)Figura 7. Preo pago ao produtor, em US$/caixaFigura 8. Valores mdios reais para o pagamento da colheita de laranja (mo de obra) e preos mdiosreais pagos ao produtor por caixa (US$ 40,8kg).Figura 9. Comparao produo de laranjas em So Paulo e na Flrida/USAFigura 10. Preos reais de laranja recebidos pelos produtores So Paulo US$ (flutuante) por caixa de40,8 kg

    ANEXO III: Modalidades de contratos de comercializao ou venda das frutas.

  • 13

    INTRODUOConstruir uma definio realista da razo econmica compreender o encontro entre as

    disposies socialmente constitudas e as estruturas, elas mesmas socialmente constitudas(BOURDIEU, 2000).

    O presente estudo insere-se na problemtica da relao sujeito-estrutura, relao estamediada por significaes originrias de experincias vivenciadas no tempo e no espao sociaisconstitutivas da identidade scio-profissional e a partir das quais se estabelece a ao polticasetorial. O foco da investigao so os produtores familiares modernos na citricultura domunicpio de Bebedouro, situado na zona nobre da produo citrcola no Estado de So Paulo,em um contexto de profundas mudanas histricas nas relaes sociais de produo daagricultura regional entre os anos 1960 e 1990.

    Esta identidade caracteriza a posio daqueles agricultores no campo econmico emquesto, relativamente aos distintos interesses que se movem no processo de definio destemesmo campo e apropriada fundamentalmente pelo conjunto de instituies de representaoque tm papel ativo nas negociaes internas e externas produo agrcola. Pretende-se, pois,analisar a posio reivindicada por estes agricultores diante da nfase do discurso doempresrio rural na regio e sua gnese histrica e progressiva atualizao (e renovao) atravsda ao dos mediadores polticos. A partir dos princpios de definio de empresrio rural, quelhes so prprios, instituem-se novas relaes de poder entre os agentes envolvidos na produoagrcola e novas problemticas de legitimao das transformaes sociais.

    Nosso ponto central de investigao a maneira como estes produtores familiaresmodernos categoria na qual se incluem pequenas e mdias propriedades altamente tecnificadase inseridas na racionalidade industrial de produo se definem como empresrios rurais,demonstrando ambivalncias neste processo de construo identitria, definidas por suasrepresentaes do passado, presente e futuro. Atravs de fundamentos do ser e do agirprofissionalmente especfico a esta categoria social, pretende-se compreender a forma pela qualestes agricultores, ao inserirem-se nas dinmicas de poder presentes no campo econmicoespecfico citricultura, contribuem para a definio das estratgias de desenvolvimento desteprprio campo. Alm da preocupao em explicar sua permanncia, reproduo e transformaonum contexto de integrao com a agroindstria, a inteno acompanh-la, de dentro para fora,como legitimadora, e at mesmo definidora, de estratgias e alteraes sociais mais amplas,sejam elas de transformao ou de reproduo. Com isto, procura-se analis-los comodetentores de papis efetivos na constituio de modelos diferenciados de agricultura atravs deprocessos culturais de reconhecimento e validao das estratgias de desenvolvimento do setor.

    Para fins de anlise, define-se que a constituio da categoria sociocultural de empresriorural ocorre no entrecruzamento de duas experincias da produo familiar moderna: aquelavivenciada no tempo histrico (resultante do processo de sua trajetria social) e aquela

  • 14

    vivenciada no espao social (contexto especfico no qual se insere, vive e se relacionaprofissionalmente). Se a primeira refere-se gnese das caractersticas fundadoras etransformaes da agricultura familiar na regio (antes e aps a integrao vertical com aagroindstria de transformao), a segunda refere-se a suas especificidades atuais,autoreferenciadas diante de outros grupos sociais em torno de uma atividade especfica. Busca-secompreender sua posio social, isto , os alinhamentos, sejam de legitimao, de antagonismoou de oposio, que estes produtores tm face s transformaes em curso, alinhamentos estesque se estabelecem no processo histrico de diferenciaes, portanto, de conflitos, frente aosgrandes produtores modernos, aos grandes e pequenos proprietrios de terra de baixaprodutividade; de outro lado, frente aos trabalhadores rurais assalariados, que so defundamental importncia na organizao da produo agrcola voltada para a agroindstria.

    A abordagem proposta pretende revelar outra forma de compreender as especificidadesda posio social do produtor familiar moderno, qual seja, a de sua constituio a partir de suasreferncias socioculturais (isto , para alm das caractersticas do modo de funcionamentointerno e externo com base na organizao da produo). Como a prpria sntese da articulaoentre contexto interno e externo, entre o especfico e o global, a relao entre refernciasculturais produzidas diante de determinadas condies objetivas aporta uma tenso na anlise,que possibilita a revelao de contradies que definem a prpria compreenso de quem esteprodutor e a prpria realidade social, interpretando diferentemente as anlises sobre as grandesassimetrias de poder que existiriam entre agroindstrias e produtores na citricultura, como algunsautores afirmam existir1. neste sentido que tambm se salienta a viso de Lamarche (1992,1994) sobre as condies de permanncia dos produtores familiares na sociedade moderna: estasdependero no apenas das possibilidades oferecidas pela sociedade global mas tambm dodilogo que estes produtores procuram estabelecer com esta sociedade, o que pressupe, noentendimento da reflexo presente, um certo grau de comunicabilidade e sociabilidade entredesiguais.

    A importncia deste resgate no mbito das representaes do produtor familiar est maisno dimensionamento do presente do que na compreenso do passado, uma vez que, ao revelarsua trajetria, ele a repousa sobre as demandas sociais que lhe parecem pertinentes. Portanto, aanlise se orienta pela constituio de um campo de conflitos materiais e simblicos, segundo asrepresentaes sociais destes produtores, de onde se sobressai um tipo sociocultural que referenciador de um novo padro de ser e de agir: o empresrio rural. Em outras palavras, apreocupao principal a de compreender em que contexto de transformaes sociais esteprodutor adere e atribui sentido particular a esta categoria sociocultural e, em segundo lugar,quais as significaes particulares dadas por ele aos conflitos sociais nos quais se insere e define,tornando o empresrio rural uma referncia identitria particular. A reconstituio do campo de

    1 o caso de Paulillo (2000), que afirma que a assimetria de poder entre os citricultores e a agroindstria responsvel pela marginalizao dos pequenos produtores, principalmente aps os anos 1990.

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    conflitos contextualiza a anlise da produo do empresrio rural, uma vez que leva a entender aluta poltica travada neste campo e a forma de engajamento particular desses produtores.

    Procura-se, pois, sair do objetivismo e economicismo das classificaes dos grupossociais e incorporar a dimenso "cultural" na anlise da emergncia e transformaes daagricultura familiar que se referencia pelo ttulo de empresrio rural, aportando-lhe, entretanto,significados prprios que se tornam fundamentais na estruturao das relaes de poder. Trata-sede ver este processo como uma luta pelo reconhecimento e legitimao deste ttulo comoprocesso de formao de um agente sociocultural, como luta pela definio de fronteiras, peladefinio de sistemas de classificao que tem como centro de elaborao principal, atualmente,a agricultura familiar segundo sua trajetria social. No uma luta apenas nominal mas objetivae social, uma vez que tem conseqncias na forma de distribuio de recursos, na definio deproblemas sociais prioritrios, na implementao de projetos. Em outras palavras, as lutas porclassificao so lutas objetivas pela definio desta realidade social e nas quais se canalizamrecursos. Trata-se de processos de classificao como dimenso no unicamente subjetiva (nosentido da dimenso cultural como superestrutura, considerada pelo marxismo): estas lutas soparte das lutas sociais, parte do processo de definio mesma desta realidade onde se encontram.

    O processo a ser analisado o da transformao da agricultura familiar como umareconverso de categorias de definio e de redefinio de relaes e conflitos, na direo daidentidade scio-profissional de empresrio rural, sem que haja uma essncia de classe ademonstrar nesta identidade. A categorizao assim entendida como um processo derepresentao referenciado pelos prprios produtores familiares e pelos outros, isto , auto-referenciado na trajetria social e referenciado pelos outros na ao poltica. Neste caso, o queinteressa o problema da relao poltica entre as classes e a prpria estrutura derepresentao institucional ante a multiplicidade das categorias sociais pr-existentes e/ou emformao dentre os produtores, ou seja, a discusso daquilo que para efeitos de representaopassou a ser chamado de empresrio rural. Para a perspectiva adotada de anlise da identidadede um grupo, emprestando palavras de Boltanski (1982), deve-se compreender os processos dedesconstruo e reconstruo das definies do grupo; e para compreender a maneira como estaidentidade contribui na formatao do campo econmico deve-se analisar o processo deinstitucionalizao do grupo na ao poltica setorial, uma vez que se trata de verificar qual ocontrole que os produtores familiares tm da publicizao de sua identidade scio-profissional deempresrio rural naquela ao.

    Nas estatsticas e nos estudos tipolgicos do rural brasileiro, o empresrio sempre ocupouuma posio baseada principalmente no nmero de trabalhadores empregados e nos seusresultados produtivos, sua gnese tendo sido preconizada como pressuposto da modernizao dabase tcnica da agricultura brasileira, capaz de libertar as foras sociais na agricultura doobscurantismo dos grandes proprietrios de terra ineficientes economicamente (latifundirios).Um livro recente de Boutillier e Uzunidis, La lgende de lentrepreneur, ao recompor a histria

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    da idia de empresrio, notadamente na teoria econmica, deixa revelar a faceta cultural destepersonagem, considerado central no capitalismo. Sem dvida, o empresrio necessita que oEstado lhe garanta segurana, mercado e capitais para sobreviver. Para estes autores, entretanto,o fato de possuir moedas, crditos e bens no suficiente para defini-lo, mas necessrioconsiderar o fato dele ser o agente econmico que introduz no mercado novos bens e servios enovos mtodos de produo e de organizao do trabalho, seguindo prontamente os preceitoscontemporneos da produo - produtividade, competitividade e qualidade (BOUTILLIER eUZUNIDIS, 1999, p.30-40). A iniciativa individual seria o trao marcante do empresrio,portanto o que o move uma vontade de fora (potncia); ele aceita riscos e define-se pelodesejo de inveno, de criao (da a relao com a ideologia individualista e a crena nasoberania da personalidade em relao coletividade dos sculos XVI e XVII). Estascaractersticas estariam plasmadas na imagem de Robinson Cruso, o qual, fora de trabalho ede esforos solitrios na sua ilha, tornou-se heri, controlando seu destino em self-made-man.Este personagem da fico foi o prottipo do empresrio no comeo do capitalismo e a este ttulo(de heri) teria servido de modelo aos colonos europeus vindos para a Amrica do Norte.

    Alguns estudos recentes sobre empresas brasileiras (MARCOVITCH, 2003;SZMRECSNYI e MARANHO, 1996), destacam tambm a exposio aos riscos e oenfrentamento de adversidades como forjadores do empreendedorismo, comportamentospossveis devido competncia visionria, sensibilidade estratgica, atitude positiva diantedos desafios, clareza de pensamento, boa capacidade de comunicao, valorizao dasexperincias vividas, multiplicidade de engajamentos e laos familiares fortes. Os agenteseconmicos que ganham este rtulo so, porm, antes de mais nada, pioneiros em uma pocamarcada pela dificuldade no acesso aos recursos financeiros e tcnicos (1945 1964).Marcovitch (2003, p.15) vai, alm disto, apoiar-se na noo de racionalidade limitada paradefinir a singularidade deste agente econmico, isto , em funo de valores cultivados e dabusca principal de satisfao dos prprios objetivos, da dificuldade em ter acesso s informaescompletas ou em process-las, a racionalidade formal que orienta os meios aos fins seriairrealista. A bibliografia leva ao entendimento de que o empresrio rural melhor definido apartir de qualificativos e atributos subjetivos do agente econmico do que a partir de umaposio de classe. Seria, desta forma, um agente que se realiza no apenas atravs de condiescomo tambm de atitudes imprescindveis sobrevivncia e acumulao em uma sociedadealtamente competitiva.

    Entendemos desta mesma forma o empresrio rural, isto , para alm de sua expressocomo agente econmico, isto , para alm de suas qualidades de administrador da propriedade,operador de capitais, trabalho e tcnicas e integrado a mercados. O empresrio rural aquientendido como uma categoria sociocultural porque, alm das caractersticas afetas ao fato de serproprietrio e administrador de seu prprio negcio, tambm assume um comportamento e umaposio na sociedade, uma vez que realiza, faz, empreende alguma coisa, desempenha um papel

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    socioeconmico (BOUTILLIER e UZUNIDIS, 1999)2. Porm, os empresrios ruraisconstituem um grupo social, dotado de aes comuns maneira de um corpo unificado ou, dadasua heterogeneidade interna, toda sua existncia objetiva deve ser negada? Esta problemtica tambm emprestada de Boltanski (1982, p.48): o que fazer diante de indivduos diferenciadossocialmente que reclamam seu pertencimento comum a esta categoria, no caso presente,empresrios em carne e osso, e como se dar conta do que, nas atitudes e comportamentos, escapada lgica agregadora do mercado, interao mecnica das estratgias individuais e buscaracional do interesse pessoal para se orientar tendo como referncia crena na existncia deuma pessoa coletiva?

    Considera-se que as orientaes do tipo empresarial tm uma aderncia especfica eparticular a cada categoria social dentre o conjunto dos produtores modernos de laranja,dependendo no apenas das condies objetivas e da organizao da produo das quais cadauma das diversas categorias sociais dispe para interagir com o mercado - o que dependeria maisdo seu capital econmico - mas tambm do seu capital social e cultural. Este capital social ecultural implica no apenas no seu acompanhamento de pesquisas recentes ou inovaes,qualificao e estabilidade empregatcia dos trabalhadores, acesso a nveis diferenciados demercado, mas tambm da rede de conhecimentos interpessoais, do grau de associativismo e donvel de informao conjuntural e estrutural sobre as relaes econmicas presentes e saberestecnolgicos, o que aponta para determinadas relaes com a propriedade e a famlia, e quetranscende, enquanto processo de identificao, fronteiras estruturais.

    desta forma que os problemas de delimitao e definio tornam-se principalmente daordem das representaes sociais. O fato de o produtor familiar ser e agir como empresrio emum determinado campo econmico assim como o produtor capitalista, chama a ateno para suasexpresses no-econmicas. O empresrio rural se afirma no plano das referncias culturais,antes de mais nada, como o baluarte do moderno e antpodo do tradicional. Ele representa aqueleque detm a caracterstica mais valorizada da globalizao, a competitividade (produtividade,qualidade, eficincia produtiva, tecnologias de ponta, inclusive informacionais, controle dosprocessos produtivos certamente, mas tambm as caractersticas do self-made-man). Ele quer seapresentar no apenas como o sobrevivente, mas tambm como o promotor e guardio do bemestar social, referncia moral de obedincia s relaes contratuais e legais e modelo universal (eapoltico) do empreendedor econmico. Schumpeter (1961) atribui ao empresrio uma condioprovisria e pessoal que pode fazer o empreendedor ascender determinadas posies de classemas no uma classe em si mesma. Seria, segundo ele, uma funo que pode pr seu selo emuma poca da histria social, pode formar um estilo de vida, ou sistemas de valores morais e 2 Segundo Wallerstein (apud Boutillier e Uzunidis, 1999, p.65), a empresa o principal espao da produoeconmica e da cristalizao das relaes sociais de produo do sistema capitalista, relaes estas que evidenciamo desenvolvimento tcnico e econmico sem precedentes (triunfo do maquinismo), a transformao da relaosocial de produo (extenso do assalariamento e propriedade privada dos meios de produo, o aparecimento denovos papis scio-econmicos. O empresrio acrescenta-se ao comerciante: a busca do lucro e da rentabilidade(apropriao privada do produto social originrio da atividade econmica e o desenvolvimento do mercado enquantoinstrumento de coordenao econmica e social.

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    estticos, mas que em si mesmo no forma uma classe social no sentido tcnico. A posio declasse que pode ser alcanada no enquanto tal uma posio empresarial, mas se caracterizacomo de proprietrio de terras capitalista ou no, por exemplo, de acordo como usa o produto doempreendimento. A herana do fruto pecunirio e das qualidades pessoais tanto pode manteressa posio por mais de uma gerao, como tornar mais fcil para os descendentes esseempreendimento adicional, mas a funo do empresrio em si mesma no pode ser herdada.

    Nesta pesquisa, pretende-se avanar na compreenso do empresrio rural enquantoidentidade scio-profissional, a partir do debate sobre o conceito de diferenciao e subordinaoda agricultura familiar, procurando mostrar algumas dificuldades existentes em situar o produtorfamiliar moderno de laranja nos sistemas classificatrios de tipos e classes sociais usuais. Nareviso bibliogrfica atenta-se para o fato de que h uma nfase em atribuir agricultura familiarcaractersticas e engajamentos oriundos de um exerccio de decomposio e recomposio deformas sociais polares, o que muitas vezes significa referendar ou antagonizar algunspressupostos tericos.

    A adeso na sua trajetria social e a reificao na ao poltica da identidade deempresrio rural para os produtores familiares modernos tm importncia justamente pelo fatode que eles encontram-se desprovidos do conceito de seu estado objetivo e encontram-sesocialmente desorientados. O ajuste entre o ttulo de empresrio e seu estado social objetivo diferenciado segundo os distintos grupos sociais em presena. Eles sofrem desta forma a atraode diferentes posies do tipo autnticas, isto , reconhecidas e nomeadas. Para os agentessituados nas linhas divisrias de diferentes espaos, campos ou classes sociais, que apenasrecentemente encontram-se disputando estas posies autnticas, estas mesmas posies voagir como atrativos, porque elas possuem certas caractersticas da boa forma no sentido emque elas apresentam constelaes organizadas e reconhecidas de propriedades socialmente tidaspor articular-se umas s outras, tanto estatisticamente (espera-se v-las reunidas em um conjuntocoerente) quanto sociologicamente (sente-se que vo bem quando justas ou ao menos no socontraditrias). Entretanto vo tambm revigorar outros tipos de relaes entre as caractersticasestruturais e a definio mesma de empresrio rural.

    Desta forma, impe-se um trabalho analtico de desconstruo, na presente investigao,da conformao de um conjunto de condies e definies em torno de uma retrica, compostade componentes tanto objetivos quanto subjetivos, em relao ttulo de empresrio rural e dereconstruo deste ttulo como processo identitrio dos produtores familiares. Resulta da oinstrumental terico da identidade scio-profissional voltado para a anlise do processo de duplamo: constituio e publicizao do ideal empresarial na construo do social.

    A anlise do campo econmico e das representaes relaciona a identidade ao mercado eprofisso, isto , aos processos socioculturais indicativos de como se d o controle e o monopliodos saberes relativos atividade profissional de produtor rural, chegando perspectiva de comoesses mercados so socialmente construdos a partir das afiliaes culturais aos movimentos de

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    classificao e reclassificao do ttulo de empresrio rural. Tambm se inscreve no estudo aabordagem da relao profisso-sociedade civil, pois a profisso criadora da sociedade civilpor fundamentar-se na existncia de uma estratificao produzida pelos ritos de entrada comunidade (corpo) profissional. Dois movimentos analticos esto conseqentemente presentes:a configurao histrica de um campo profissional (relao mercado-profisso) e a formao deum corpo ideolgico profissional (relao comunidade-profisso).

    Desta forma, ao abandonar a concepo substancialista dos grupos sociais, a sociologiados grupos profissionais alterna dois procedimentos que no so exclusivos um do outro: definirum grupo atravs de uma tipologia formatada para os fins especficos da pesquisa ou tomar oobjeto tal qual ele se apresenta com seu nome comum e suas representaes comuns eracionaliz-lo procurando no grupo um fundamento em outro lugar que no nele mesmo, nascoisas, quer dizer, mais freqentemente, na evoluo tcnica e na diviso tcnica do trabalho, deforma a dar-lhe uma unidade substancial e contornos objetivos e precisos. Ora, as concepesnaturalistas entre o mundo tcnico e o mundo social esquecem que a diviso do trabalhopotencialmente inscrita no universo objetivo da tcnica se realiza na ordem propriamente socialapenas atravs da mediao de sistemas simblicos onde se expressam de forma explcita asdivises entre grupos e entre classes.

    A partir desta reflexo, Boltanski (1982, p.50) conclui que entre as questes de ordemtcnica e os conjuntos sociais h jogo para as estratgias de classificao e desclassificao quese ocultam quando se procede definio naturalista dos grupos, isto :

    a relao entre a determinao tcnica (ou econmica) e os fenmenos simblicos que aretraduzem ao nvel da linguagem, sob a forma de nomes coletivos, de representaes, deemblemas ou de taxonomias, ela prpria mediatizada por conflitos que opem os agentesdotados de propriedades objetivas parcialmente diferentes (o que quer dizer, tambm, depropriedade parcialmente comuns), pela estratgias que, nestes conflitos, os agentesutilizam e pela conscincia que eles adquirem destas lutas e dos interesses que esto emjogo.

    A perspectiva construtivista do grupo social adotada afasta-se, desta forma, da discussoda posio de classe do empresrio rural, renunciando a uma definio prvia do grupo paratomar como objeto a conjuntura histria na qual os empresrios rurais se formaram como grupoexplcito, dotado de um nome, de organizaes, de porta-vozes, de sistemas de representao evalores; ao invs de definir fronteiras entre os grupos atravs da pura determinao tcnica e dadiviso tcnica do trabalho, procura-se compreender a forma tomada pelo grupo interrogando-sesobre o trabalho de reagrupamento, de incluso e de excluso do qual ele o produto, analisandoo trabalho social de definio e delimitao que acompanhou a formao do grupo e quecontribuiu, objetivando-o, a faz-lo ser de forma a ter existncia prpria.

    Alm dos processos de classificao e desclassificao que produz a identidade scio-profissional de empresrio rural na agricultura familiar moderna numa perspectiva geracional(histrica) e numa perspectiva dos conflitos vividos na atualidade, pretende-se analisar como se

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    constroem os referenciais das estratgias de desenvolvimento do setor a partir daquela identidade(como sntese dos sentidos e prticas vivenciadas) e atravs da ao poltica setorial.

    Para isto, quatro planos da realidade distintos, porm articulados, faro objeto de nossaanlise: 1) a constituio histrica da formao social regional e do surgimento da denominaode empresrio rural entre as elites; 2) as condies sociais e econmicas na quais surgem osagricultores familiares (processo de integrao da citricultura com a indstria processadora)enquanto grupo social; 3) a reconstruo da trajetria social dos produtores (propriedadesaltamente tecnificadas e inseridas na racionalidade industrial de produo com rea de at 50 ha)a partir de suas representaes sociais sobre terra (estratgias de reproduo, de ampliao dopatrimnio e famlia futuro dos filhos), trabalho e tcnicas de produo (diviso do trabalho,grau de tecnificao, novos papis e responsabilidades, famlia futuro dos filhos) e mercado nadireo de uma crescente e intensa insero no mercado (relaes com a agroindstria, contratose segmentao do mercado); 4) a formao de um interesse coletivo e as articulaesinstitucionais subjacentes atravs da ao poltica setorial.

    Em outras palavras, o campo de conflitos (tido como campo econmico em funo dorecorte scio-profissional adotado) o cenrio que se constri em torno da identidade scio-profissional de um grupo social em particular e dentro do qual procura-se, desta forma, analisar agnese deste mesmo grupo social em trs momentos: no processo de formao social e de suaincluso no processo produtivo e comercial; nas suas representaes sociais e na ao polticasetorial, sempre tendo em vista que este grupo social se insere e produz efeitos na configuraodos conflitos que determinam o campo econmico.

    Estes eixos analticos vo definir a escolha dos conceitos adotados sempre tendo comoperspectiva que se pretende analisar como a identidade scio-profissional de um grupo socialcontribui com a definio das estratgias centrais de desenvolvimento na citricultura. A anlisedo processo de constituio da identidade de empresrio rural entre os produtores familiaresmodernos, deve considerar o grupo social foco da investigao como o produto objetivado deuma prtica. Para isto cabe analisar as operaes de reagrupamento estrutural nas quais se inseremas tambm, e indissociavelmente, o trabalho simblico de definio especfico queacompanhou sua formao (o habitus empresarial, o ethos de posio dado pelo idealempresarial e as reivindicaes scio-profissionais coletivas e de classe). Assim, revelar aestrutura da categoria dos produtores familiares modernos e o sistema de relaes que elamantm com os outros grupos (seu pertencimento social), por um lado, e a trajetria social dosagentes que reclamam o ttulo e as representaes que eles tem deles mesmos (seus interesses eafinidades eletivas), de outro lado, revelam o processo de produo identitria e sua posio nocampo econmico. Assim, de um lado, a construo de uma definio geral de empresrio rural(unificao simblica dada pelo habitus), a definio no interior do grupo (como conjunto dosprincpios de unidade dada pelo ethos) e o grau de definio e correspondncia de interesses naao poltica so os planos de anlise que sero investigados para o entendimento dos processos

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    de produo das estratgias de desenvolvimento setoriais. Uma coordenao necessria entre otrabalho de construo histrica ou macropoltica do campo econmico (perspectiva das relaessociais) e as relaes estabelecidas entre este campo e os produtores familiares modernos(perspectiva nativa).

    PROBLEMA DE PESQUISA

    No nordeste do Estado de So Paulo, as transformaes sociais que comearam aacontecer a partir dos anos 1950, com a modernizao da base tcnica da agricultura e quetrouxeram mudanas significativas na estrutura fundiria, no processo de produo e nas relaesde trabalho3, foram reforadas pela consolidao, durante os anos 1970, dos complexos agro-industriais (CAIs), principalmente o da cana-de-acar (para a produo de acar e lcool) e ode ctricos (para produo de suco de laranja concentrado e congelado e outros subprodutos dafruta).

    A alta rentabilidade do setor citrcola contribuiu decisivamente, nesta regio, para astransformaes que mudaram intensamente o espao e a vida rural e urbana: a estrutura deempregos e do comrcio nos municpios, a diversificao das atividades econmicas associadas agricultura, o crescimento demogrfico das cidades, a expanso das periferias pobres, adiversificao dos investimentos dos capitais de origem agrcola, a expanso do mercadoimobilirio, o engajamento de prefeitos e cmaras municipais no futuro da agricultura local eregional.

    Emergindo do antigo bero da economia cafeeira, a constituio atual do setor citrcola,na regio de Ribeiro Preto, fez-se, durante o perodo 195070, por polticas pblicas quefavoreceram largamente a implantao da citricultura em bases tcnicas modernas, assim como ainstalao das agroindstrias. Atualmente, a citricultura no Estado de So Paulo formada porquase 20 mil estabelecimentos agrcolas distribudos em 204 municpios e 12 empresas deprocessamento agroindustrial (sucos, leos essenciais, pellets). Em termos de rea plantada, oconjunto de citros (laranja, limo, tangerina, mexerica, ponkan e murcote) ocupava 954,3 mil hano ano agrcola de 96/97 sendo que apenas a laranja, 879, 3 mil ha, representando 13,5% do totalda rea plantada com 46 culturas (NEVES, 1997). Para se ter uma idia do valor econmico nacultura, na safra 94/95, os citros (laranja, limo e tangerina) representaram 13,7% (R$ 951,5milhes) e, a laranja, 8,55% (R$ 590 milhes) do valor bruto da produo vegetal, considerandoos 23 principais produtos vegetais da agricultura paulista. Os citros ficaram, percentualmente,atrs da cana-de-acar (esta com 30,67% do VBP) cuja rea cultivada , entretanto, o triplo daplantada com laranja.

    A magnitude econmica da cadeia dos ctricos se traduz pelo lugar do Brasil comoprimeiro produtor mundial de laranjas no final dos anos 1970 e primeiro exportador de suco de

    3 Cf Sorj (1980); Lopes (1978); Graziano da Silva (1982, 1986).

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    laranja concentrado e congelado durante os anos 1980 (cerca de 75% da produo mundial napoca) em que a produo paulista ultrapassa largamente a produo dos outros estadosfederados. Em 1989, a exportao de suco foi a primeira em valor em relao a todos os demaisprodutos exportados. Segundo Graziano da Silva (1999b, p. 223), poucas atividades mostraramcrescimento to rpido nos ltimos anos, como a laranja no Estado de So Paulo: entre 1985 e1996, por exemplo, a produo passou de 218 milhes de caixas de 40,8kg para 335 milhes (umcrescimento de 65%). A rea ocupada com a cultura s inferior da cana e das pastagens. Osetor gera em torno de 400 mil empregos diretos e indiretos, mais de US$ 1 bilho deexportaes e uma arrecadao de US$ 350 milhes por ano de ICMS para o estado.

    Nas dcadas de 1980 e 1990, com a queda das subvenes agricultura, delineiam-senovos processos de produo e relaes de trabalho na citricultura, fragmentando as formashabituais de interveno do Estado e acentuando sobremaneira a crise no padro de acumulaona agricultura baseado na modernizao agrcola dos anos 60-80. Estes novos processos sopermeados internamente de maneira mais formal e multifacetada por associaes civis derepresentao poltica, por organizaes de classe e pelos poucos servios colocados disposiopelo Estado, tais como a assistncia tcnica e os sistemas de informao, j que a agroindstriaassumiu um papel de envergadura neste sentido. Esta realidade traduz grandes mudanas nasposies dos diversos agentes envolvidos internamente no setor os quais permearamhistoricamente as negociaes entre produtores e o oligoplio industrial -, naquilo que podemoschamar de uma crescente privatizao das relaes entre produtores e indstria, uma vez queestes dois segmentos da cadeia do complexo agroindustrial atuam atualmente quase emautonomia com relao ao Estado (RODRIGUES, 1995), inclusive no que diz respeito snegociaes sobre preos agrcolas (frutas). A rentabilidade entre as partes mediada, na suaforma institucional, pelas flutuaes do suco na Bolsa de Nova Iorque e, formalmente, porcontratos de fornecimento (de comercializao ou de compra/venda) das frutas.

    Desta forma, os parmetros do processo de seleo social na citricultura modificam-se etornam-se mais pungentes, processo este que se coloca em ltima instncia no balizamento equalificao da gesto do sistema produtivo e da insero comercial das unidades produtivas nomercado agroindustrial. Estes parmetros foram potencializados, durante a dcada de 1990, pelosinvestimentos na qualificao do trabalho e pelo processo de verticalizao da produo porparte da agroindstria e expressos, no mesmo perodo, pelo trmino tanto do contrato defornecimento padro quanto da responsabilidade da colheita das frutas por parte da indstria.

    A categoria emprica que constituiu a unidade de anlise da pesquisa representa umaforma social de produo cujos integrantes tm sua trajetria social na agricultura regionalmarcada por trs momentos: o primeiro, no passado, definido por sua vivncia enquanto colonosdo caf e meeiros de culturas temporrias, isto , trabalhadores rurais sem-terra nos anos 1950; osegundo, por volta dos anos 1960-70, quando incorporam, junto com profissionais liberais ecomerciantes que ingressam na cultura de laranja, formas da produo familiar; e o terceiro,

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    atual, definido por sinais de sua forte integrao com o mercado de produo e comercializaode suco de laranja concentrado e congelado e que se denomina, para os fins desta investigao,de produtores familiares modernos.

    Se as desigualdades sociais (tanto entre produtores e assalariados quanto entreprodutores) e os interesses divergentes j se tornaram questes acaloradas sobre o lugar dapequena produo de laranja nas estruturas poltico-sindicais regionais e estaduais e nosalinhamentos polticos no final dos anos 1980 (FERAESP, 1990; ALVES,1991; BOTELHO,s/d),adentram tambm nas questes do debate terico sobre a produo familiar, suas definies ediferenciaes internas conforme procurar-se- mostrar quando do exame da literatura, uma vezque pesquisas recentes esto renovando o prprio debate sobre a produo familiar em torno doque seriam suas formas contemporneas. O produtor familiar moderno surge recentemente nadiscusso acadmica como uma categoria cujas especificidades salientadas em diversasrealidades empricas encontram dificuldade de localizao nas tipologias tradicionais devido aograu de generalizao (ou a indeterminao) do conceito de produo familiar, muitas vezesdefinido em contraposio produo capitalista.

    A reflexo que ora se inicia encontra, desta forma, espao em razo de dificuldadesencontradas nas tentativas de enquadramento de produtores familiares modernos em definiestipolgicas usuais, no confronto entre as realidades empricas examinadas e alguns critriosutilizados nas definies conceituais da produo familiar (e nas molduras tericas que assustentam). Estas dificuldades se manifestam, por exemplo, na separao entre a famlia e oprocesso produtivo, graas s modificaes no tipo e grau de envolvimento da mo-de-obrafamiliar no sistema produtivo (tempo parcial), gerando questionamentos sobre a centralidade dotrabalho na produo familiar, sobre o papel de gesto e administrao assumido pelo chefe dapropriedade (inclusive com a participao de terceiros), sobre as trajetrias profissionais noagrcolas dos filhos, sobre a relativizao da importncia outrora central da propriedade comopatrimnio familiar e sobre a relativizao do tamanho da propriedade como condio dainsero competitiva de uma propriedade no mercado. As relaes que os produtoresestabelecem entre propriedade, trabalho e famlia mudaram substancialmente no espao de nomximo duas geraes (dissociando-se trabalho/famlia, gesto/famlia e patrimnio/famlia,fragmentando, em sntese, a intimidade que estes elementos mantinham entre si no sentido darelao propriedade-famlia).

    Estas caractersticas objetivas dominantes configuram-se diante da relativizao dasescalas fundirias da produo e da propriedade como centro estratgico da reproduo social dafamlia (ausncia de projetos de ampliao das escalas de produo pela aquisio de mais terrasdevido a seus altos preos e s escolhas profissionais dos filhos fora da atividade agrcola), deincrementos significativos na produtividade e qualidade como sinais de sua adeso aos preceitosda competitividade e adaptao a um ambiente de forte concorrncia no mercado defornecimento de frutas agroindstria, da modificao interna na sua atribuio enquanto

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    proprietrios no que se refere ao trabalho e de importantes alteraes no estilo de vida (mudanasde moradia, acesso a bens da classe mdia alta urbana, entre outros) e nos valores (padres deconsumo, formao educacional, lazer).

    A retrica do sucesso dos produtores familiares modernos marcante na citricultura,sendo produzida e reproduzida principalmente pelos mediadores polticos e tambm presente naagroindstria e nos centros de vulgarizao tcnica e agronmica. Caracteriza-se como umprocesso de apropriao e de utilizao de referncias culturais originrias de uma trajetriasocial especfica da agricultura familiar. Indica tambm uma maneira de validar um modelo dedesenvolvimento agrcola frente a uma intensa diferenciao social dentre os produtores, modeloeste que se caracteriza como frgil frente aos desafios atuais de competitividade do suco delaranja concentrado e congelado no mercado internacional e que converge para interessesestranhos posio social em que se encontram os produtores familiares na citricultura.Interessa, pois, a produo, a apropriao e a utilizao das referncias identitrias de empresriorural para a definio de um padro de desenvolvimento agrcola setorial.

    Em conseqncia, a investigao realizada pretende responder s seguintes indagaes:1. Quais as transformaes sociais pelas quais passaram os produtores familiares na

    agricultura regional antes e aps a implantao das bases modernas de produo e a integraoda citricultura com a agroindstria? Quais os conflitos sociais que estas transformaesevidenciam e qual a relao estabelecida entre estes conflitos e a produo da identidade scio-profissional de empresrio rural, que assume significao e valor dominantes na regio?

    2. Como as representaes sociais dos produtores familiares modernos de laranja revelamsua adeso, nas suas particularidades, a esta identidade? O que, por sua vez, suas representaesrevelam diante dos pressupostos da competitividade sobre a (re)articulao entre os aspectosinternos e externos (definidores de sua insero social na citricultura) e seus alinhamentos numcampo de diferenciaes e conflitos? Porque e como o produtor familiar moderno se articula aesta identidade: ele a incorpora na sua totalidade, a modifica (lhe d novos contornos) ou a(re)constri?

    3. Quais as problemticas legtimas que os produtores anunciam e sobre quaisproblemticas legtimas os mediadores agem? Quais destas problemticas convergem para aatualizao da identidade scio-profissional de empresrio rural junto aos produtores familiares?Quais so as formas de participao dos produtores na ao poltica setorial, relacionandoorigem, trajetria e posio reveladoras de diferentes concepes de empresrio rural e que setornam mveis de ao visando mudar ou conservar a concepo dominante de empresrio ruralno setor?

    4. Quais as foras sociais e polticas que difundem e implantam instrumentos dedesenvolvimento regional e como os agricultores familiares participam deste processo? Como aao poltica refora os elementos constitutivos da identidade scio-profissional de empresrio

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    rural para os produtores familiares? A partir de referncias compartilhadas, referncias deexperincias particulares e referncias anunciadas como legtimas, luz da reflexo sugerida,como se d a definio das estratgias de desenvolvimento, definio esta que mediada porrepresentaes sociais, posies objetivas e ao poltica dos agentes?

    5. Como esta identidade contribui para que o produtor assuma um papel de importncianas estratgias de desenvolvimento da citricultura, incorporando assim uma importnciaestratgica na produo do social? De que forma a identidade scio-profissional do produtorfamiliar moderno traduz as relaes de fora e de consenso relativo entre os agentes diversospresentes na citricultura? Em que medida estes produtores, ao expressarem sua identidade scio-profissional de empresrio rural, contribuem para a definio das transformaes sociaisdefinidoras de um determinado modelo de agricultura?

    Para desenvolver estas questes, o estudo segue em seis captulos, que correspondem aosplanos de anlise adotados na investigao para tratar do tema da relao sujeito-estruturaenquanto relao entre produo de significaes e desenvolvimento econmico setorial.

    O primeiro corresponde ao captulo terico, onde se discorre sobre os conceitossignificativos adotados na investigao assim como os planos de anlise e os procedimentosmetodolgicos conseqentes. Procura-se apresentar a forma como os conceitos de habitus eethos de posio, enquanto dimenses subjetiva dos agentes, constituem processos de re-traduo da realidade das relaes sociais vividas e definidas como posio destes agentes emum campo econmico. A identidade scio-profissional resulta tambm de mediaes queocorrem atravs da apropriao e da formalizao daqueles processos na esfera pblica pela aopoltica.

    O segundo captulo trata das transformaes das relaes sociais na agricultura regionalat os anos 1970, com algumas especificidades no que se refere a Bebedouro, no sentido deenquadrar o contexto social, econmico e poltico no qual ocorrem a origem e as metamorfosesdos conflitos entre as elites agrrias e a retrica do empresrio como modelo sociocultural dodevir da agricultura regional. O resgate histrico das relaes sociais como contexto dosurgimento do habitus empresarial permite analisar sob que conflitos prioritrios ele adquiresignificados progressivamente orientadores do devir da agricultura regional e estruturador dasrelaes sociais. Destaca-se a dinmica que determina, nas formas de apropriao da terra e daorganizao do trabalho, a emergncia dos produtores familiares modernos de laranja.

    O terceiro captulo trata da integrao entre a agroindstria e a produo agrcola, e dasrelaes sociais conseqentes, definindo o contexto da atualizao do habitus empresarial frenteaos pressupostos atuais de competitividade, notavelmente nos anos 1980 e 1990. Os elementosde estruturao objetiva do campo econmico so analisados tendo como referncia a mudanacrescente ocorrida na interveno do Estado no setor. Procura-se indicar como o afastamento do

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    Estado tambm fundamental para que a compreenso de como as mediaes (referncias)socioculturais assumem uma grande importncia nos processos que legitimam determinadasestratgias de desenvolvimento setoriais.

    O quarto captulo analisa a produo destas mediaes socioculturais (referncias) comoprocesso de re-traduo das relaes sociais nas quais os produtores familiares modernos seposicionam. A partir de suas representaes sociais (terra, trabalho, tcnicas de produo emercado) em um campo de diferenciaes e conflitos, analisa-se a produo do ideal empresarialcomo conjunto de significaes relativas ao ethos de posio e expressivas de uma trajetriasocial especfica dos produtores familiares modernos. O ideal empresarial traduz a incorporaode alguns contedos do habitus e a produo de novos contedos significativos identitrios.

    O quinto captulo trata da ao poltica setorial, onde se resgata o histrico dasinstituies que agem como mediadores e da evoluo das negociaes sobre contratos decomercializao e preos da produo agrcola. Trata-se da formalizao da identidade scio-profissional de empresrio rural como mediao poltica a partir do ideal empresarial. A naturezada ao poltica, a relao estabelecida com as referncias socioculturais dos produtoresfamiliares modernos e os planos de reproduo dos diversos agentes constituem os elementosmais importantes.

    No sexto captulo retomam-se os planos de anlise compreendidos nos captulosanteriores para abordar, segundo os planos metodolgicos da anlise escolhidos, a forma pelaqual os produtores familiares modernos produzem e/ou se apropriam de referncias culturaisdefinidores de sua identidade scio-profissional de empresrio rural e como esta identidadedefine a natureza das estratgias de desenvolvimento adotadas na citricultura enquanto campoeconmico4.

    HIPTESES

    A hiptese geral que, no campo de diferenciaes e conflitos sociais da citriculturaproduz-se a identidade scio-profissional de empresrio rural, cuja gnese encontra-seintimamente relacionada s especificidades da formao social regional e organizao daproduo e integrao da citricultura com a agroindstria. O empresrio rural torna-se umareferncia sociocultural para os produtores familiares modernos atravs de um processo declassificao e reclassificao dos grupos sociais presentes, referncia esta que o insere e orientasuas condutas de forma particular num campo de conflitos.

    As dinmicas de poder presentes que habilitam a orientao dos diversos interesses dosagentes produtivos na citricultura, so desenhadas em todo o entorno social sob a influncia daidentidade scio-profissional como processo sociocultural de identificao particular destes

    4 O esquema estrutural da tese por captulos encontra-se no final do captulo seguinte, aps a demarcao do quadroterico e dos planos metodolgicos da investigao.

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    produtores. Portanto, o campo econmico no pode ser explicado apenas pela estrutura poltica-organizacional presente e pelas negociaes formais acerca dos nveis de remunerao daatividade econmica que ocorrem, mas tambm pela formulao e adeso daqueles produtores sregras e normas presentes como indicativo de pertencimento quela identidade nos seuscontedos especficos (representaes sociais sobre terra, trabalho, tcnicas de produo emercado).

    Esta identidade dos produtores familiares formula-se no encontro entre a ocupao decitricultor e a lgica profissional de empresrio rural, manifestaes respectivamente do ser eagir diante das relaes de poder local, regional e global e da forma como os produtores pouco searticulam ao poltica. Esta ao adquire, ento, uma autonomia na representao de algunsinteresses, paradoxalmente legitimada pelas mesmas mediaes culturais constitutivas daidentidade scio-profissional de empresrios rural, formuladas pelos produtores familiares.

    Ela um paradigma cultural de identificao e uma ideologia poltica, orientando asestratgias de desenvolvimento na citricultura e os processos de diferenciao e integraosociais. Apesar de se construir, na atualidade, sobre a diviso tcnica do trabalho no sistemaprodutivo, as diferenas histricas e culturais e a intervenincia dos diversos agentes naproduo e comercializao so determinantes do surgimento de lgicas de engajamentodiferenciadas quela identidade. Isto nos leva a outras hipteses complementares:

    1. Na formao social regional e nas relaes sociais de produo, o empresrio rural um ttulo (apelo) que se manifesta nos conflitos entre as elites agrrias. Existe uma relaoprxima entre os significados que lhe so atribudos tanto no plano regional quanto no mbitodas polticas voltadas agricultura. Ao mesmo tempo, uma srie de ajustamentos, em seu nome,so realizados para manter interesses contraditrios, isto , ao mesmo tempo favorveis modernizao tcnica e favorveis manuteno de uma agricultura de baixa produtividade. Osurgimento dos produtores familiares e o processo de seleo social, neste contexto, adquiremsignificados regionais especficos, que corroboram com as referenciais culturais produzidas emtorno do ttulo de empresrio rural, o qual ser apropriado e reformulado. Estes movimentos deapropriao e reformulao caracterizam-se como processo identitrio para estes produtores;

    2. A identidade scio-profissional de empresrio rural produzida pelos produtoresfamiliares modernos dominantemente na esfera simblica, revelando modos particulares deinsero e posio, seja estrutural-funcional ou cultural-ideolgico no campo econmico setorialda citricultura. Ela indicativa de um processo de produo de novos contornos na sua definio(reclassificaes), contornos estes advindos da modificao dos parmetros de seleo socialexperimentados por eles ao longo de sua trajetria. Desta forma, o empresrio rural se torna umaidentidade determinante de sua conduta na atividade (identificao do produtor sespecificidades de seu status social no sistema produtivo: variveis terra, trabalho e tcnicas deproduo) e na profisso (funo de seu status social nos conflitos autorizado pelo referencialtecnolgico: mercado);

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    3. Os produtores familiares modernos corporificam um processo de transio dentro daagricultura familiar que muito se distancia das concepes tericas clssicas definidoras destaforma de agricultura. O estudo da identidade num contexto relacional permite revelar asambigidades nas quais vivem e se reproduzem estes produtores, os quais assumem umaimportncia central explicativa das diferentes posies dos grupos sociais dentre os produtoresna citricultura. A identidade scio-profissional de empresrio rural, ao mesmo tempo em querepresenta a referncia cultural coletiva de um produtor moderno, legitima a desigualdade nareproduo social e acumulao econmica dos produtores pela forma como ela se define longedas contradies estruturais presentes na citricultura;

    4. A ao poltica setorial se caracteriza pela imposio de uma definio classista deempresrio rural frente a uma concorrncia entre os produtores modernos em geral por umadefinio legtima de empresrio rural, isto , uma definio que leva em conta origens econdies sociais distintas de reproduo e acumulao. Nesta ao poltica, ocorre umdeslocamento da conflitualidade que ope os grupos sociais na agricultura entre si para aquelaque se estabelece em relao indstria, ao Estado e aos trabalhadores assalariados comodireo central da ao poltica na constituio do campo econmico da citricultura. A aopoltica visa assim a defesa de normas de funcionamento econmico do setor, a explicitao dasdiferenciaes com outros corporativismos setoriais e o cerceamento da ao poltica dostrabalhadores assalariados. Estas orientaes protagonizam interesses coletivos, mas possibilitama reproduo de interesses de classe e relaes clientelsticas definidoras do modelo atual dedesenvolvimento setorial.

    5. Esta trplice natureza da ao poltica (coorporativista, classista e clientelstica)estrutura-se pela imposio de uma definio de empresrio rural formulada pelos produtoresfamiliares modernos que resulta na sua prpria distino em relao (antagnica) aosassalariados e em relao (oposta) aos produtores especulativos graas sua trajetria socialascendente e seus efeitos em termos tanto de validao quanto de reestruturao de algunselementos presentes no habitus empresarial atravs de representaes que, no entanto, soespecficas de um ethos de posio constitudo pelo ideal empresarial (tradio rural e a vocaoagrcola, o saber prtico e a experincia o trabalho e a gesto familiares).

    COLETA DOS DADOS

    A escolha do municpio de Bebedouro (regio nordeste do Estado de So Paulo) comoreferncia emprica se justifica por representar um "caso exemplar" para nosso estudo. Situado aaproximadamente 380 km da capital do estado, Bebedouro conhecida como a capital dacitricultura, graas a seu pioneirismo na cultura e a sua participao na produo

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    (aproximadamente 10% do total do Estado5). Alm disto, no municpio so sediadas instituiesdo Estado e de representao poltica dos produtores e trabalhadores assalariados6.

    Mapa Localizao de Bebedouro no Estado de So Paulo.

    A pesquisa definida como um estudo de caso que "considera uma unidade social comoum todo, apreendendo a multiplicidade de suas dimenses numa perspectiva histrica gentica"(TAVARES, 1995, p. 18). As representaes sociais, com suas expresses particulares aosindivduos e suas interaes com outras representaes formando nexos coletivos, tornam-sefundamentais na investigao. neste sentido que a opo metodolgica a anlise do discurso,o que supe uma metodologia centrada principalmente na anlise qualitativa dos dadosempricos que funciona como uma sociohermenutica ligada situao e contextualizaohistrica do enunciado, isto , como interpretao ligada fora social e aos espaos decomunicao concretos, armados e delimitados pelos discursos (ALONSO, 1998, p.188).

    As tcnicas que correspondem a este mtodo so: entrevista semidiretiva com produtorese informantes qualificados (instncias de representao dos agricultores e outros agentesenvolvidos na produo e comercializao dos produtos agrcolas, tcnicos de extenso rural,presidentes de associaes, cooperativas, sindicatos e federaes de produtores) e anlise dedocumentos produzidos por agentes pblicos e privados de desenvolvimento (informantesqualificados como lideranas agroindustriais e de instituies pblicas). Tratamento diferenciadoser acordado aos trabalhadores assalariados, atravs de entrevistas com suas lideranas.

    No universo de nossa pesquisa, o "produtor familiar moderno" define as pequenas emdias propriedades tecnificadas, com tamanho das propriedades de at 50 ha. Este foi oprimeiro critrio de definio de nossa amostra, uma vez que a pesquisa exploratria demonstrou 5 Censo Agrcola do IBGE de 1980.6 Bebedouro onde o sindicato dos trabalhadores rurais assalariados o mais atuante desde 1987 dentre todos os

    outros municpios de forte expresso no plantio de laranja, liderando as lutas dos colhedores da mesma formacomo Guariba foi a referncia das lutas salariais dos cortadores de cana-de-acar.

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    que este recorte de faixa de tamanho de propriedade possibilitaria a recomposio de trajetriassociais comuns e diversas da complexidade da categoria social que estamos considerando,segundo uma determinada lgica interna de produo/reproduo, uma determinada insero nascondies sociais de produo e uma orientao particular dentro do contexto dos conflitossociais que compem o campo da produo agrcola (outros grupos sociais dentre os produtorese trabalhadores assalariados). Portanto, este primeiro critrio7 facilitou a escolha dosentrevistados atendendo o objetivo de investigar trajetrias familiares e pessoais marcadas porexperincias enquanto colonos do caf, parceiros e proprietrios com insero na cultura dalaranja desde os anos 1960. Este recorte tambm foi definido em funo das estatsticas adotadaspelas instituies pblicas de pesquisa (como Instituto de Economia Agrcola/SP) epesquisadores para definir o pequeno citricultor e a tendncia existente de sua marginalizao.

    Supe-se que estas longas trajetrias indicativas de grandes modificaes nas condiesde reproduo social revelam a formulao de representaes sociais para e na ao que mantmuma relao mais ou menos prxima com a identidade scio-profissional de empresrio rural,delimitando suas inseres particulares e comuns aos demais produtores no campo econmicoem estudo. Uma vez observados estes critrios, foram realizadas 16 entrevistas com produtoresfamiliares, cada uma com durao mdia de 2h30m. A definio dos entrevistados contou comas indicaes feitas pelos tcnicos de vulgarizao agrcola da Casa da Agricultura de Bebedouroe pelos prprios produtores entrevistados. Procurou-se confirmar a adequao das caractersticasdo perfil dos produtores indicados para fins do estudo, antes de proceder entrevista.

    O trabalho de campo durou trs meses (entre dezembro de 1990 e primeiros meses de1991), perodo de grandes transformaes tanto nas relaes entre os agentes do campoeconmico (comerciais e trabalhistas) devido ao incio da crise de rentabilidade na atividade. Apresena da pesquisadora foi praticamente ininterrupta. Um segundo trabalho de campo foirealizado no perodo 2003-2004, para verificar a ocorrncia de mudanas institucionais nacitricultura, atravs principalmente de contatos com alguns pesquisadores e atualizaobibliogrfica.

    Os encontros com os produtores em torno de sua trajetria social facilitou a aproximaoem confiana do pesquisador, rompendo suas resistncias, uma vez que se mostraram bastanterefratrios a entrevistas, temendo todo tipo de fiscalizao da receita e do INCRA (InstitutoNacional de Colonizao e Reforma Agrria). Assim, o tema proposto sobre a "poca dos avs"facilitou a aproximao e eliminou possveis suspeitas de falsa identidade da pesquisadora, umavez que uma comerciante de terras, uma vendedora de produtos qumicos, uma avaliadora demercado contratada por um grupo agroindustrial ou mesmo pela CEE - todos atributos depossibilidades de explicar minha presena - no poderia se interessar pelo seu passado familiar!(Ver no Anexo I Roteiro de Entrevistas). 7 tambm neste intervalo de tamanho de propriedade que o IEA/Secretaria da Agricultura do Estado deSo Paulo estabelece que se encontram os pequenos proprietrios mais sujeitos aos processos de exclusodo campo econmico, conforme ser analisado mais adiante.

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    A pesquisa procurou pontuar e analisar a presena dos outros produtores (que nofamiliares) no campo econmico em questo, porm apenas enquanto referenciados pelosprodutores familiares no processo de construo identitria e a partir da anlise de informaesfornecidas pelos informantes qualificados e de dados secundrios. A aproximao direta comgrandes produtores e grandes proprietrios de terras de baixa produtividade ocorreu apenas porduas ocasies (normalmente terminavam no interfone com promessas de encontro nuncacumpridas), e no teve por objetivo a realizao de uma entrevista com base num roteiroestruturado e sim obter referncias sobre algumas de suas posies em relao aos conflitossociais presentes.

    O quadro metodolgico da investigao, esboado abaixo, indica que as entrevistas comos produtores so apenas parte da pesquisa de campo uma vez que a produo do campoeconmico demandou outras fontes de informao. Foi realizado ainda um longo trabalho sobrea imprensa escrita e relatrios e jornais de instituies, alm das entrevistas com informantesqualificados.

    Quadro 1. Quadro metodolgico da investigao: identidade scio-profissional e estratgias dedesenvolvimento da citricultura

    Principais questes Estratgias analticas eindicadores

    Fontes de informao

    Formao social regional einteresses(TEMPO)

    Emergncia etransformao dos grupos

    sociais: gnese etransformaes do ttulo

    de empresrio rural

    Bibliografia/documentos/entrevistascom informantes qualificados

    Relaocitricultura/agroindstria:

    (ESPAO)

    Relaes sociais deproduo: campoeconmico e suas

    caractersticas estruturais

    Bibliografia/documentos/entrevistascom informantes qualificados

    Trajetria social(CULTURA)

    Representaes sociais:terra, trabalho, tcnicas de

    produo, mercado

    Entrevistas semi-diretivas (anlisediscurso)

    Ao poltica(CULTURA)

    Instituies derepresentao, mediadores

    e relaes decomercializao: naturezada ao poltica setorial ereproduo de interesses

    Entrevistas, documentos, imprensa,arquivos sindicatos/associaes

    O tempo da trajetria social e o espao so atravessados permanentemente pela cultura.No final do primeiro captulo, luz dos conceitos considerados, retomar-se-o os planosanalticos da investigao que determinam a configurao do tempo da trajetria social e oespao das relaes sociais na produo da identidade scio-profissional dos produtoresfamiliares modernos.

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    CAPTULO I

    A IDENTIDADE SCIO-PROFISSIONAL DEEMPRESRIO RURAL COMO MEDIAO ENTRE SUJEITO E

    ESTRUTURA

    O tema deste trabalho a produo de referncias culturais como definidoras de umaposio e mobilizao de agricultores familiares frente s estratgias de desenvolvimento nacitricultura nos leva a uma reflexo recorrente na sociologia, qual seja a da relao sujeito-estrutura na produo do social. Em outras palavras, trata-se da considerao de comoreferncias culturais exprimem e determinam relaes de fora num microcosmo social einterpem-se na determinao do macrosocial relativo forma pela qual se define a citriculturacomo campo econmico. Estas referncias so mediaes que, na vida cotidiana e na aopoltica organizada, possibilitam a incorporao, projeo e explicitao pelos agricultores desua identidade, nem sempre se observando uma homologia entre os significados produzidos nosdois planos (prtica cotidiana e prtica representativa).

    Colocar o tema desta maneira nos leva a construir a reflexo em torno do conceito deidentidade como referncia cultural para e na ao (poder e dominao), em sntese, daproduo e apropriao, de um lado, e da reproduo ou transformao de referncias culturais,de outro. As mediaes culturais para e na ao poltica so constitutivas da identidade eindicam as posies e tomadas de posies em torno do modelo de desenvolvimento em questo,isto , expressam a sntese da relao sujeito-estrutura dentro de um marco terico que vai sedefinir segundo a complementaridade de algumas contribuies.

    O conceito de identidade delimita este marco pela referncia a autores que consideram osubjetivo, a reproduo e a mudana cultural como dimenses importantes na anlise. Nos obrigatambm a fazer um percurso no original porm marcado por uma ruptura com a herana dasociologia rural no Brasil, que tratou a questo da produo familiar dentro do arcabouo dasclasses sociais, da integrao subordinada ao capital, das tipologias que pretendiam explicardiferenciaes e antagonismos a partir do marxismo economicista, uma vez que o conceito deidentidade requer o exame de sua posio num contexto relacional e possibilita evidenciar comoestratgias de desenvolvimento da citricultura podem expressar consensos e simetrias de poder.

    Os processos de pesquisa e de interpretao da realidade guiam-se pelo enfoque de que,para agir no mundo, o sujeito necessita da produo de sentidos e que as instituies, antes demais nada, necessitam tambm da expresso destes sentidos na forma de um interesse coletivo,identificado ou elencado, para agir. Entretanto, as instituies contam com um relativo grau de

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    autonomia destes interesses. Este pressuposto converge para nosso tema, que o do poder edominao, uma vez que se trata de compreender como emerge um sentido, um interessecoletivo e uma ao poltica vlidos para explicar as estratgias de desenvolvimento dacitricultura. Ables (1990), de outra forma, define esta problemtica do poltico comogovernana, que supe a anlise da produo de um interesse coletivo e sua representao poruma instncia especifica (nas palavras de Weber, correspondendo, respectivamente, aoagrupamento e direo).

    Desenvolve-se, aqui, a idia de que a compreenso da produo de sentidos pelos atoresnecessita da anlise das condies sociais do campo econmico nas quais aqueles recursosculturais formadores da identidade se estruturam, o que significa analisar os processos dediferenciao/integrao/diferenciao das categorias sociais em presena e as formas dearticulao destas categorias na ao poltica com vistas construo de um modelo dedesenvolvimento setorial. Estes processos de diferenciao/integrao/diferenciao marcamdinmicas conflituais nas quais o capital mais importante foi, ao longo da trajetria social dosprodutores familiares, respectivamente, o social (arranjos internos nas propriedades quanto fora de trabalho/tamanho da propriedade), em seguida, o econmico (acesso a crditos eestabilizao no mercado) e, atualmente, o cultural (vocao e competncia) na afirmaoidentitria de empresrio rural. A visualizao das ambivalncias e contradies destes processosque caracterizam as lutas por classificaes e reclassificaes travadas pelos produtoresfamiliares se d quando se considera um determinado recorte temporal (anos 1980-90),significativo das mudanas no desenho institucional do setor, na direo de um modeloagrobusiness8 de desenvolvimento da citricultura e de uma posio em relao ao Estado e scondies de reproduo social e acumulao econmica.

    Para recortar o objeto de pesquisa segundo estas duas vertentes produo/apropriao ereproduo/transformao de referncias culturais observam-se dois eixos analticos:

    1. relao entre sentidos e prticas, traduzindo-se em formas de insero scio-cultural epoltica no campo econmico como componente da identidade. Trata-se aqui da anlise de quaisso as representaes da trajetria que compem a inteligibilidade da interpretao sobre astransformaes sociais, sua posio e relao com a ao poltica e, desta forma, como se d aconstituio do grupo social implicado no processo que mobiliza invariavelmente a produo eapropriao, pelos agentes, do sentido capaz de funcionar como uma referncia cultural para aao;

    2. relao entre a ao poltica e esta nova referncia cultural, traduzindo-se comoinstrumentalizao da identidade na ao pelas instncias formais de representao dosinteresses frente aos diferentes interesses em presena dentre os agricultores. Trata-se aqui daanlise de qual o sentido predominante da ao poltica que refora (total ou parcialmente) as 8 Este modelo procura referir-se crise de regulao estatal no complexo agroindustrial e aos novos arranjos depoder poltico que surgem no campo econmico em questo. Retomar-se- esta questo quando da anlise da aopoltica setorial.

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    condies objetivas e subjetivas da reproduo da identidade scio-profissional do empresriorural e de como esta ao conduz a que as relaes acima orientem a adoo das estratgias dedesenvolvimento do setor.

    A orientao terica do presente estudo est marcada por trs reflexes fundamentais: aprimeira, sobre a questo da ideologia e das representaes que tem por objetivo mostrar acomplexidade da anlise cultural quando se refere identidade e ao poltica; a segunda,sobre a possibilidade de serem contrapostas as noes de habitus e ethos de posio naquilo queso, respectivamente, referncias culturais comuns e especficas a uma determinada trajetria eposio social e, a terceira, sobre a abordagem da identidade scio-profissional como mediaocultural entre sujeito e estrutura a partir da atividade social e da ao poltica dos agricultoresfamiliares em um campo econmico preciso a citricultura.

    O desafio terico propor, diante da realidade estudada, um dilogo sobre estas fronteirasconceituais, tomando-se principalmente a contribuio de Pierre Bourdieu, Claude Dubar, Denis-Constant Martin, Bruno Jobert e Pierre Muller, fronteiras problematizadas e definidas dasseguintes formas:

    1. a primeira, quanto questo do processo de produo e apropriao, refere-se ao fatodos indivduos terem um ethos de posio e um habitus como processos culturais inconscientesde interiorizao das estruturas ou terem uma identidade como um processo consciente deidentificao e posicionamento num campo. Se por um lado, a ocorrncia da reflexividade noexplica os limites nos quais algumas p