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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 7007 Circuito Espacial de Produção Têxtil e uso do território nos municípios de Caicó e Jardim de Piranhas - Região do Seridó Potiguar IGOR RASEC BATISTA DE AZEVEDO 1 Resumo: O artigo analisa o uso do território pelo circuito espacial de produção têxtil nos municípios de Caicó e Jardim de Piranhas, região do Seridó Potiguar, os quais se destacam na fabricação de artefatos têxteis para uso doméstico. Atualmente, a atividade têxtil consolida-se como uma das principais do setor industrial da região. Esta produção é desenvolvida, em sua grande maioria, em pequenos estabelecimentos industriais, cuja disseminação no território seridoense expressa uma verdadeira capilaridade social. Outrossim, esta lógica produtiva, portanto, o uso intensivo de capital vincula-se mais aos contornos da escala local e regional, apesar dos vetores globais que incidem no território. Nesta perspectiva, o trabalho busca problematizar como se configuram resistências territoriais, levando em consideração que esses agentes constituem uma contra-racionalidade ao processo de globalização do capital. Palavras-chave: Circuito espacial de produção têxtil; território; Seridó Potiguar Abstract: The article analyzes the use of the territory by the spatial circuit textile production in the municipalities Jardim de Piranhas and Caicó - Seridó Potiguar region - which stand in the manufacture of textile articles for home use. Currently, the textile activity is consolidated as one of the leading industrial sector in the region. This production is mostly developed in small industrial establishments, whose spread in Seridó territory expresses a true social capillarity. Furthermore, this productive logic, so the intensive use of capital is linked more to the contours of the local and regional level, despite the global vectors that affect the territory. In this perspective, the work seeks to question how to configure territorial resistance, taking into account that these agents constitute a counter-rationality to the capital from the globalization process. Key-words: Spatial circuit textile production; territory; Seridó Potiguar 1 Introdução O presente artigo é fruto das reflexões a respeito do trabalho de dissertação de Mestrado, provisoriamente intitulado, Reflexos da reestruturação produtiva no Seridó Potiguar: o uso do território de Caicó e Jardim de Piranhas pelo circuito espacial da produção têxtil, em curso no Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte 2 . Contudo, vale 1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail de contato: [email protected] 2 Este trabalho está sendo desenvolvido sob a orientação do Prof. Dr. Francisco Fransualdo de Azevedo, docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

7007

Circuito Espacial de Produção Têxtil e uso do território nos municípios de Caicó e Jardim de Piranhas - Região do Seridó Potiguar

IGOR RASEC BATISTA DE AZEVEDO1

Resumo: O artigo analisa o uso do território pelo circuito espacial de produção têxtil nos municípios

de Caicó e Jardim de Piranhas, região do Seridó Potiguar, os quais se destacam na fabricação de artefatos têxteis para uso doméstico. Atualmente, a atividade têxtil consolida-se como uma das principais do setor industrial da região. Esta produção é desenvolvida, em sua grande maioria, em pequenos estabelecimentos industriais, cuja disseminação no território seridoense expressa uma verdadeira capilaridade social. Outrossim, esta lógica produtiva, portanto, o uso intensivo de capital vincula-se mais aos contornos da escala local e regional, apesar dos vetores globais que incidem no território. Nesta perspectiva, o trabalho busca problematizar como se configuram resistências territoriais, levando em consideração que esses agentes constituem uma contra-racionalidade ao processo de globalização do capital.

Palavras-chave: Circuito espacial de produção têxtil; território; Seridó Potiguar

Abstract: The article analyzes the use of the territory by the spatial circuit textile production in the

municipalities Jardim de Piranhas and Caicó - Seridó Potiguar region - which stand in the manufacture of textile articles for home use. Currently, the textile activity is consolidated as one of the leading industrial sector in the region. This production is mostly developed in small industrial establishments, whose spread in Seridó territory expresses a true social capillarity. Furthermore, this productive logic, so the intensive use of capital is linked more to the contours of the local and regional level, despite the global vectors that affect the territory. In this perspective, the work seeks to question how to configure territorial resistance, taking into account that these agents constitute a counter-rationality to the capital from the globalization process.

Key-words: Spatial circuit textile production; territory; Seridó Potiguar

1 – Introdução

O presente artigo é fruto das reflexões a respeito do trabalho de dissertação

de Mestrado, provisoriamente intitulado, Reflexos da reestruturação produtiva no

Seridó Potiguar: o uso do território de Caicó e Jardim de Piranhas pelo circuito

espacial da produção têxtil, em curso no Programa de Pós-Graduação e Pesquisa

em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte2. Contudo, vale

1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. E-mail de contato: [email protected] 2 Este trabalho está sendo desenvolvido sob a orientação do Prof. Dr. Francisco Fransualdo de

Azevedo, docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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ressaltar o caráter inicial deste processo, que é de consolidação paulatina das bases

teóricas, empíricas e temporais3.

Nosso interesse investigativo ulterior consiste em analisar o uso do território

do Seridó Potiguar pelo circuito espacial da produção têxtil, a se cumprir com a

execução das etapas posteriores de nossa pesquisa. Para tal, traçaremos um

percurso cujo objetivo é construir uma periodização da atividade têxtil no Seridó

Potiguar e analisar o seu papel e nexos com o processo de reestruturação produtiva;

identificar os agentes envolvidos no circuito espacial de produção têxtil, analisando

as articulações empreendidas entre eles nos círculos de cooperação do espaço;

culminando na análise de como o circuito espacial da produção têxtil usa e organiza

o território seridoense4.

Nessa perspectiva, o artigo em tela tem como questão central analisar o uso

do território pelo circuito espacial de produção têxtil nos municípios de Caicó e

Jardim de Piranhas, localizados na região do Seridó Potiguar, os quais se destacam

na fabricação de artefatos têxteis para uso doméstico. Destarte, objetivamos tecer

um panorama sintético do que já foi desenvolvido, do que vislumbramos realizar e,

portanto, de que modo estruturamos, em termos de pesquisa científica, nosso

horizonte investigativo.

Discorreremos, a seguir, em linhas gerais, sobre a forma com a qual a nossa

problemática está atrelada ao paradigma contraditório da produção que, em nossos

dias, torna cada vez mais espesso o fenômeno da divisão territorial do trabalho

através de seu espraiamento, concomitante ao acúmulo de sobreposições advindas

da materialidade pretérita somando-se à pulverização de novas atividades e vetores

de modernização. Este panorama vincula-se, sobremaneira, à estruturação do meio

técnico-científico-informacional.

3 As reflexões geradas nas disciplinas cursadas no período de 2015.1, junto ao Programa, nos foram

de suma importância neste sentido. 4 A região do Seridó Potiguar está localizada na mesorregião central do Estado do Rio Grande do

Norte e subdivide-se nas microrregiões Seridó Ocidental e Seridó Oriental e compreende os municípios, a saber: Caicó, Ipueira, Jardim de Piranhas, São Fernando, São João do Sabugi, Serra Negra do Norte e Timbaúba dos Batistas – Seridó Ocidental; Acari, Carnaúba dos Dantas, Cruzeta, Currais Novos, Equador, Jardim do Seridó, Ouro Branco, Parelhas, Santana do Seridó e São José do Seridó – Seridó Oriental.

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Abordaremos, por conseguinte, as implicações desse processo para o Estado

do Rio Grande do Norte que, em uma de suas manifestações, perpassa os nexos

com a reestruturação produtiva. Desta, salientamos um dos eixos da indústria

potiguar que é o têxtil, especificamente da fabricação de produtos têxteis,

excetuando-se o vestuário, na qual o Seridó Potiguar assume notoriedade.

Esta produção é desenvolvida, em sua grande maioria, em pequenos

estabelecimentos, cuja disseminação no território seridoense expressa uma

verdadeira capilaridade social. Outrossim, esta lógica produtiva, portanto, o uso

intensivo de capital vincula-se mais aos contornos da escala local e regional, apesar

dos vetores globais que incidem no território. Neste momento, emerge a hipótese de

que se configuram resistências territoriais, levando em consideração que esses

agentes constituem uma contra-racionalidade ao processo de globalização do

capital.

Em seguida, faremos uma breve reflexão sobre a teoria dos circuitos

espaciais de produção e dos círculos de cooperação do espaço, cujo objetivo é

propiciar uma interpretação propriamente geográfica da produção e do movimento. À

luz de sua ampla perspectiva de análise, delinearemos as pretensões de nossa

pesquisa através de apontamentos referentes à escolha de categorias analíticas,

conceitos e noções fundadoras específicas.

2 – Desenvolvimento

O entendimento do paradigma atual da produção passa por uma ampla

discussão, que escapa aos contornos da produção propriamente dita. Ora, as

heranças pretéritas se esmaecem, apesar de não se anularem, para serem

incorporadas uma série de vetores, de ordens distintas e naturezas diversificadas,

cujas marcas denotam a urgência de algo novo. Na realidade, interessa vislumbrar,

minimamente, a forma como o mundo se estrutura na história atual.

Neste sentido, Silveira (2012) discute como a técnica transforma,

incessantemente, o uso do território no período atual da globalização. Cujo

entendimento deve passar por três tendências, que lhe são constitutivas - também

chamadas de unicidades. A autora fundamenta o desenvolvimento de suas ideias

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em Santos (2012), para quem a compressão do mundo passa pelo papel do

fenômeno técnico e por suas manifestações atuais, engendradas no processo de

constituição de uma inteligência planetária.

A primeira dessas tendências é a unidade técnica, isto é, a planetarização de

um sistema técnico que abrange todos os lugares. A segunda trata-se da

convergência dos momentos, ou seja, o conhecimento instantâneo dos eventos que

nos possibilita a percepção da simultaneidade, cuja base material é a técnica da

informação, culminando no que Milton Santos chamou de cognoscibilidade do

planeta. A terceira delas é a unicidade do motor ou a mais-valia tornada mundial,

legitimada por um denso aparato normativo. “Essas três unicidades são a base do

fenômeno de globalização e das transformações contemporâneas do espaço

geográfico.” (SANTOS, 2012, p. 189).

Ademais, outro dado extremamente relevante para a compreensão do meio

geográfico atual, apontado pela autora, cuja emergência aflora exatamente da

explicação dos elementos acima elencados, é a assertiva de que a história se tornou

universal. Universal no sentido de ser concreta; fundamentada por uma base

material, organizacional e financeira planetária, diferente de outrora.

Este fenômeno está imbricado à consolidação, iniciada no momento pós-

segunda guerra mundial, do meio técnico-científico-informacional. Trata-se da “cara

geográfica da globalização” (SANTOS, 1999, p. 11).

Para este autor, o período em que vivemos se diferencia dos demais pela

vicissitude de um casamento perfeito entre técnica e ciência, ungidos pela égide do

mercado, tornado global, graças a condições propiciadas por essa união. Nesta

lógica, a informação triunfa como o “nexo fundamental”, uma vez que, ela não só

está presente no espaço, nos objetos e nas coisas que o constituem, como as

realizações das ações que nele se desenvolvem lhes são tributárias; todo o território

tende a ser equipado em favor da livre circulação desses nexos.

A implicação direta desse processo é a tendência à requalificação abrupta

dos espaços (SILVEIRA 2010), reformulando os seus atributos, intentando amparar

as demandas dos atores hegemônicos da economia, da política e da cultura, em

detrimento dos demais (SANTOS, 2012; SANTOS, 1999).

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Desse modo, “Ao mesmo tempo em que aumenta a importância dos capitais

fixos [...] e dos capitais constantes [...], aumenta também a necessidade de

movimento, crescendo o número e a importância dos fluxos [...]” (SANTOS, 1999,

p.11). Nesta perspectiva, o capitalismo está sempre movido pelo ímpeto de acelerar

o tempo de giro do capital, apressar o ritmo de circulação e, em consequência, de

revolucionar os horizontes temporais do desenvolvimento, conforme explicita Harvey

(2009). Ou seja, “[...] não basta produzir, mas pôr a produção em movimento,

sobretudo porque não é mais a produção que preside à circulação, mas esta é que

conforma a produção” (SANTOS, 2012, p. 275).

Observa-se, neste sentido, uma verdadeira irrupção no paradigma da

produção, pois, “[...] diminui a arena da produção, enquanto a respectiva área se

amplia. Restringe-se o espaço das outras instâncias da produção, circulação,

distribuição e consumo” (Idem). Em outros termos, temos no período atual uma

divisão territorial do trabalho mais esparsa, estendida; não obstante aos avanços

técnicos que possibilitaram à concretização da previsão de Marx – assinalada pelo

autor – relativa à redução da área e do tempo necessários à produção das mesmas

quantidades.

Outra contradição aparente é observada por Silveira (2010), para quem este

“centrifuguismo” é paralelo ao “centripetismo” de nexos extrovertidos emanados das

metrópoles; onde, em geral, são realizadas “as principais tarefas de concepção

técnica, informacional, mercadológica e a transformação dos instrumentos

financeiros em outros” (SILVEIRA, 2010, p. 78).

É necessário frisar, ainda, conforme aponta a autora, que não se trata apenas

de uma simples ampliação dos contextos, onde todos os lugares são convidados a

produzir ativamente. Há, na realidade, uma pluralidade e coexistência de divisões do

trabalho, sobrepondo-se no uso do território; tendo como condição e resultado as

infraestruturas, os movimentos de população, as dinâmicas agrícolas, industriais e

de serviços, a estrutura normativa e a extensão da cidadania.

Neste sentido, podemos afirmar com Santos (2009) que o espaço é uma

acumulação desigual de tempos; cada lugar abrigando, ao mesmo tempo,

temporalidades distintas. Seguindo este raciocínio, temos de concordar com Silveira

(2010, p.74) que o espaço geográfico é “um rendilhado de divisões territoriais, um

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sinônimo de território usado”. Ou mesmo, para finalizar, que o espaço é “a soma dos

resultados da intervenção humana sobre a terra” (SANTOS, 2009, p. 29).

Sempre segundo Santos (2012), os novos subespaços, inseridos nessa

lógica, não detêm capacidade uniforme de rentabilizar determinada produção, pois,

cada combinação possui sua respectiva lógica, autorizando formas de ação e

agentes econômicos específicos para cada situação. Dessa maneira, os lugares

seriam diferenciados pela sua capacidade particular, maior ou menor, de rentabilizar

investimentos, a depender das condições locais de ordem técnica e organizacional.

Esta “rentabilidade” não é, para o autor, um dado absoluto do lugar. A eficácia

mercantil estaria, na realidade, ligada ao produto, mais precisamente à um produto

específico, isto é, à uma atividade predominante específica. Isso abre margem para

que os lugares se especializem, adrede, em determinado(s) ramo(s), em que pese

as virtualidades naturais, a capacidade técnica e organizacional e as vantagens de

cunho social.

Aflora, entrementes, uma extrema competitividade entre os lugares e suas

forças, repercutindo. Esses lugares

[...] repercutem os embates entre os diversos atores e o território como um todo revela os movimentos de fundo da sociedade. A globalização, com a proeminência dos sistemas técnicos e da informação, subverte o antigo jogo da evolução territorial e impõe novas lógicas (SANTOS, 2004, p. 79).

Depreende-se disso um agravamento galopante da necessidade de

acumulação, engendrada pelo parâmetro atual da produção, que dá especial relevo

ao movimento, implicando à circulação um ritmo frenético. Isto requer dos

subespaços um denso aparato técnico, organizacional e normativo viabilizando essa

mobilidade.

É evidente que não há uma uniformidade de resposta aos reclamos acima

citados, implicando numa segmentação do mercado. Segundo Arroyo (2008), isso

acontece pelo fato de existirem diferentes formas de produzir que, por usa vez,

correspondem a diferentes formas de consumir, autorizando a convivência de uma

ampla variedade de formas de realização econômica, que trabalham segundo

diversas taxas de lucro, produtividade, rendimentos e salários.

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Em suma, o mundo encontra-se organizado em subespaços articulados em

uma lógica global, cada lugar sendo resultado de uma ordem global e de uma ordem

local, convivendo dialeticamente. Como decorrência dos inúmeros fluxos de todos os

tipos, intensidades e direções, rompem-se os equilíbrios precedentes. O desenlace

deste processo consiste numa significativa alteração na estruturação da produção,

cujas etapas estão organizadas, atualmente, na forma de circuitos espaciais

produtivos (SANTOS, 2008).

A emergência destes novos aspectos, logicamente, também trouxeram

implicações para o Estado do Rio Grande do Norte, cuja economia era

tradicionalmente de base rural, onde, com as crises instaladas, sobretudo nos anos

1980, se inicia um processo de solapamento. Isto é, um dos nexos do novo período

manifesta-se através do processo de reestruturação produtiva.

Para Azevedo (2013, p. 114), “O processo de reestruturação produtiva

compreende um conjunto de transformações de caráter estrutural, organizacional e

técnico, fazendo-se refletir no espaço geográfico em sua totalidade”. No Rio Grande

do Norte, “esse processo impôs a reestruturação do território, marcado dentre outros

aspectos, pela falência de determinadas atividades econômicas, redefinição e

reestruturação de outras, mas sobretudo o surgimento de „novas‟” (AZEVEDO, p.

114).

O autor explica que um dos eixos da reestruturação produtiva no Rio Grande

do Norte é o industrial, que se desenvolve, principalmente, a partir da agroindústria,

do extrativismo e do setor têxtil. Segundo Azevedo (2007), no tocante à região do

Seridó Potiguar, é importante considerar a relevância do setor industrial,

especialmente o têxtil, o de alimentos e o cerâmico, surgindo com alternativas de

reestruturação econômica do território.

Ele destaca que a cidade de Caicó logra considerável evidência nesse

processo, se constituindo em um importante centro de produção de bonés e, no

setor têxtil, com a confecção de redes, panos de prato, mantas, cobertores etc.,

através das fábricas de tecelagem. Ainda segundo o autor, em que pese a

infraestrutura e a logística de funcionamento das tecelagens inadequadas, a cidade

de Jardim de Piranhas se constitui atualmente como uma importante produtora de

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produtos têxteis, sendo essa a mais importante fonte de geração de emprego e

renda do município.

Neste momento, uma distinção nos parece necessária em relação à indústria

têxtil. Esta se conforma, principalmente, a partir das atividades de fabricação de

produtos têxteis, exceto vestuário (envolvendo preparação e fiação de fibras têxteis;

tecelagem, excetuando-se malha; fabricação de tecidos de malhas; e fabricação de

artefatos têxteis, exceto vestuários) e a confecção de artigos do vestuário e

acessórios (envolvendo confecção de artigo do vestuário e acessórios; e fabricação

de artigos de malharia e tricotagem).

Queremos jogar luz ao fato de que ambas possuem lógicas de localização

distintas, por envolverem lógicas de produção também distintas. Portanto, a indústria

têxtil envolve principalmente os circuitos espaciais do vestuário e da produção têxtil.

Nosso trabalho trata deste último, apesar de ambos estarem imbricados - todavia,

são inconfundíveis, por envolverem produtos específicos e, sobretudo, uma

atividade predominante específica.

A relevância do Seridó Potiguar para a fabricação têxtil, e vice versa, é

bastante nítida, tendo uma sensível expressividade em termos relativos. Se

levarmos em conta o Estado do Rio Grande do Norte, observaremos uma

especialização nítida da região em relação ao setor, equiparada apenas à região

metropolitana do Estado, que concentra a maior parte das empresas da indústria de

transformação no geral.

Do total de 160 empresas do setor industrial de fabricação têxtil no Rio

Grande Norte, 95 estão na região do Seridó (FIERN, 2015). Isto representa mais de

59% das empresas, ou seja, mais da metade das indústrias de todo o Estado se

concentram no Seridó Potiguar. Isto revela, ao mesmo tempo, a expressão do

Seridó no setor e a especialização regional, relativo ao fenômeno de especialização

dos lugares a que nos referíamos anteriormente. Isto conjectura um dos elementos

há serem explorados em nossa análise, referente às Regiões Produtivas (SANTOS,

2008).

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Municípios Nº de Empresas

Jardim de Piranhas 71

Caicó 17

Currais Novos 03

Timbaúba dos Batistas 02

São José do Seridó 01

Serra Negra do Norte 01

TOTAL 95

Figura 01 – Tabela do número de empresas de fabricação têxtil do Seridó Potiguar

por município. Fonte: Cadastro Industrial, 2015.

Na Zona Homogênea de Caicó, 99,6% das indústrias são de micro e pequeno

porte, com 94,0% dos empregados; e 0,4% das indústrias são de médio porte, com

6,0% do total de empregados – inexistem grandes indústrias (FIERN 2014). Sendo

97,6% das indústrias formais do Rio Grande do Norte classificadas como micro ou

pequenas empresas, abrigando 48,8% dos empregos formais do setor (Idem, 2014).

Estes números demonstram a relevância dos pequenos empreendedores na

formação do setor industrial, na dinâmica econômica e na própria estrutura do

trabalho do Estado.

Isso evidencia que a produção é desenvolvida, em sua grande maioria, em

pequenos estabelecimentos, cuja disseminação no território seridoense expressa

uma verdadeira capilaridade social. Outrossim, esta lógica produtiva, portanto, o uso

intensivo de capital vincula-se mais aos contornos da escala local e regional, apesar

dos vetores globais que incidem no território. Neste momento, emerge a hipótese de

que se configuram resistências territoriais, levando em consideração que esses

agentes constituem uma contra-racionalidade ao processo de globalização do

capital.

Em relação a teoria que nos propomos à alicerçar nosso estudo, por

compreender que se trata de uma maneira propiamente geográfica de se analisar a

produção, o movimento e o uso do território, Castillo e Frederico (2010) detalham

que ela enfatiza, à um só tempo, a centralidade da circulação (circuito) no

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encadeamento das diversas etapas da produção; a condição do espaço (espacial)

como variável ativa na reprodução social; e o enfoque centrado no ramo, ou seja, na

atividade produtiva dominante (produtivo).

Castillo e Frederico (2010) detalham essa noção, evidenciando que ela

enfatiza a centralidade da circulação (circuito) no encadeamento das diversas

etapas da produção; a condição do espaço (espacial) como variável ativa na

reprodução social; e o enfoque centrado no ramo, ou seja, na atividade produtiva

dominante (produtivo).

Contemplas itens distintos do processo, tais como:

[...] sobre a matéria prima – local de origem, formas de seu transporte, tipo de veículo transportador etc.; sobre a mão de obra -, qualificação, origem, variação das necessidades nos diferentes momentos da produção etc.; sobre estocagem – quantidade e qualidade dos armazéns, dos silos, proximidade da indústria, relação entre estocagem e produção etc.; sobre transportes – qualidade, quantidade e diversidade das vias de transportes, dos meios de transportes etc.; sobre a comercialização – existência ou não de monopólio de compra, formas de pagamento, taxação de impostos etc.; sobre o consumo – quem consome, onde, tipo de consumo, se produtivo ou consumitivo etc. [...] (SANTOS, 2008, p. 56, grifos nossos)

Os autores sugerem diretrizes para análise desses circuitos. Primeiramente,

eles estabelecem que é necessário o reconhecimento da atividade produtiva

dominante, analisando os seus principais aspectos técnicos e normativos. Da

mesma forma, deve-se compreender a logística – definida por Castillo (2008), como

a expressão geográfica da circulação corporativa. Ela permite analisar as condições

materiais e o ordenamento dos fluxos que perpassam os circuitos espaciais

produtivos. É necessário, igualmente, identificar os principais agentes envolvidos e

as formas como estabelecem os círculos de cooperação. Estes

[...] tratam da comunicação, consubstanciada na transferência de capitais, ordens e informação [...] garantindo os níveis de organização necessários para articular lugares e agentes dispersos geograficamente, isto é, unificando, as diversas etapas, espacialmente segmentadas, da produção (CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 464-465).

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Para Silveira (2010) as tessituras destes círculos de cooperação cingem o

território sob a forma de ordens, informações, propaganda, dinheiro e outros

instrumentos financeiros. Destarte, para manter e reproduzir esse sistema de

produção e circulação no território são necessários abundantes conteúdos

organizacionais, com importante e prévio trabalho intelectual. Ou seja, tratam dos

fluxos imateriais, uma vez que os circuitos espaciais de produção pressupõem, para

os autores, os fluxos de matérias. A interpretação conjunta dessas duas noções

possibilita verificar a interdependência dos espaços produtivos, compreendendo, ao

mesmo tempo, a unidade e a circularidade do movimento.

Outra indicação de Castillo e Frederico (2010) é examinar atentamente a

organização e o uso do território das diversas etapas do circuito espacial produtivo.

O ato de definição de uma teoria central para o desenvolvimento de nosso

trabalho está imbricado a um encadeamento epistemológico particular. Acreditamos

que isso nos conduzirá a um caminho original, de acordo com as variáveis por nós

estabelecidas, no qual contemplará as instâncias de nossa pesquisa.

Nesta perspectiva lançaremos mão das categorias forma - função - processo -

estrutura, enquanto unidades de um todo, na concepção de categorias estruturantes

da abordagem geográfica. Iremos nos alicerçar, ao mesmo tempo, nos pares

dialéticos, horizontalidades x verticalidades, sucessões x coexistências, fixos x

fluxos. Além da categoria de divisão territorial do trabalho, que, acreditamos,

permeará todo o nosso trabalho.

Ademais, nosso conceito-geográfico-chave será Território, apesar de não

abrirmos mãos de tratar, principalmente, dos de Lugar e Espaço. Tomaremos como

noções fundadoras, para tal: território usado, as instâncias da produção, o meio

técnico-científico-informacional, dentre outras.

Referências

ARROYO, M. A economia invisível dos pequenos. Le Monde: diplomatique Brasil. [s. L.], 04 out. 2008. Disponível em: <http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=283>. Acesso em: 10 dez. 2014.

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