cinco cafés e algumas gotas de afeto - texto de rogério viana

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  • 8/7/2019 Cinco Cafs E algumas Gotas De Afeto - Texto de Rogrio Viana

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    TEATRO

    Cinco Cafs

    e algumas gotas

    de afeto

    Rogrio Viana

    Curitiba Paran /Maio de 2009

    (Todos os direitos reservados)

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    Cinco Cafs e algumas gotas de afeto

    Personagens

    Dbora mulher elegante - 40 anos

    Rubens homem sofisticado - 55 anos

    Fran jovem descolada - 20 anos

    Edgard jovem antenado - 25 anos

    Cafeteria. Uma mulher vai ao encontro de um homem que seguiu um roteiro definidopor ela para encontr-la. um tipo de jogo, um desafio, uma fuga da rotina ou oencontro de duas pessoas que se descobriram to diferentes e incompatveis. Quemdeve submeter-se aos caprichos do outro. Cafeteria. Uma jovem espera pelonamorado. Eles se encontram. O caf o ponto de encontro e de discrdia.Cafeteria. Um homem fala do seu prazer pelo caf e da impossibilidade que tem deexperiment-lo. E atravs do caf que ele identifica os potenciais e os talentos das

    pessoas. Cafeteria. Uma mulher e um homem se encontram, se reencontram,descobrem o que tem em comum e o muito que um nada tem a ver com o outro.Cafeteria. So vrias, so cinco. E tantas histrias e personagens que aparentam sero que no so e so o que aparentam no ser.

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    Rogrio Viana

    Rua Padre Anchieta, 2690 apto. 1301

    Bigorrilho Curitiba Paran

    CEP 80730-000

    41 3078 8647 e 41 8803 7626 Todos os direitos reservados

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    Cinco Cafs e algumas gotas de afeto

    ATO 1

    Um Caf com trs pequenas mesas e duascadeiras em cada mesa. Mesas, cadeiras etoalhas so diferentes. Numa prateleira, vriasrevistas, livros, catlogos de exposies. Norestante do espao, dois displays em tamanhonatural com desenhos de casais diferentes emmesas diferentes de Cafs diferentes. Duasoutras mesas diferentes so ocupadas pormanequins sentados uma mesa com ummanequim feminino e na outra mesa, ummanequim masculino, usam roupas comuns de

    mulher e de homem. Sobre as mesas dosmanequins, xcaras, guardanapos, aucareiros.

    CENA 1

    Rubens Fran - Dbora

    (Rubens est sentado numa cadeira na mesa

    central. Veste um elegante blazer depadronagem Prncipe de Galles. Entra a Fran,com avental de uma cafeteria. Depois Dbora,alta, elegante, veste saia e blusa bem elegante,

    sofisticada. Usa jias finas e delicadas)

    (Rubens l um catlogo de uma exposio.Fran lhe entrega um cardpio bem bonito ediferente)

    Fran Temos cafs bem diferentes esaborosos aqui...

    (Rubens pega o cardpio e deixa o catlogosobre a mesa)

    Rubens Obrigado! Vou escolherassim que minha amiga chegar.

    Fran Temos mais revistas, livros ecatlogos de arte. Fique vontade.

    (Rubens olha para o crach que Fran usa)

    Rubens Fran! Seu nome Fran?Obrigado. J estou lendo este catlogoque eu trouxe!

    Fran Ah! Sim... e nossos cafs, alm dediferentes e saborosos so como obras dearte, belssimos, surpreendentes! Eu diriaat que so instigantes... Com licena...

    (Fran abaixa a cabea em sinal de humildadee se afasta de costas)

    Rubens Obrigado, Fran. Vou exigirsabor e apresentao impecveis, logo,logo...

    (Segura e aponta para o cardpio)

    Ah..! Esse seu cardpio j uma obra dearte! E esse lugar timo!

    (Fran toma o cardpio e afasta-se. Rubenssegue a leitura do catlogo)

    (Entra Dbora. Olha para todas as mesas e osdesenhos e vai at a mesa de Rubens)

    Dbora Boa tarde! Estou atrasada?No... no estou...

    (Rubens levanta os olhos, sorri. Deixa ocatlogo sobre a mesa. Levanta-se e d umdiscreto beijo no rosto de Dbora quando acumprimenta. Ele segura a cadeira para ela

    sentar-se)

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    Rubens Que bom que voc veiomesmo! Eu, como sempre, chego antes dohorrio... Como est?

    Dbora Bem, espero estar no

    horrio. Tambm no gosto de atrasos!

    Rubens Ah, sim... como voc est?Espero que tenha passado bem nasltimas horas...

    Dbora Passei bem, sim... foram longashoras. Queria mesmo vir at aqui paraconhec-lo pessoalmente.

    Rubens As minhas horas foram maislongas ainda. Parecia que o tempo haviadobrado de tamanho. Cada hora, duashoras, cada segundo, outro segundo. Masestou aqui, ainda bem que diante de voc.

    Dbora Sabe... uma curiosidade nissotudo que nem eu mesma me recordavacomo havia marcado esse encontro comvoc.

    Rubens Ser que voc se esqueceu?Ser? Mas como veio, ento?

    Dbora No recordava um modo dedizer...

    Rubens Rresolvi enfrentar o desafio...Confesso que foi um salto no escuro, masagora respiro aliviado com o que poderiaser uma simples brincadeira, talvez deuma adolescente sonhadora. Mas voc real. Est aqui!

    Dbora Que bom que foi com voc!Fiquei preocupada se voc fosse ummenino ou uma menina. Ou um outro tipo

    de pessoa... Mas era o risco que corria por

    ter sido assim to... to... to maluquinha,inconsequente...

    Rubens Ento acho que tivemossorte! Bem, eu tive sorte... quanto a voc,

    no posso dizer nada. Afinal, o jogo foiproposto por voc. Sabia dos riscos e daspossveis saias justas ou confuses emque poderia se meter... Mas...

    Dbora Voc seguiu bem o script! Atagora, voc est muito bem!

    Rubens Ah, obrigado. Tambm, com

    uma descrio como a que voc fez noseu roteiro, eu no poderia deixar deobservar cada detalhe. Gostou do corte domeu blazer? Era esse padro Prncipe deGales, mesmo?

    (Rubens aponta para o palet, faz uma pausa eolha para os lados, preocupado)

    Ser que no estou participando dealguma pegadinha?

    Dbora No... claro que no! Emboraseja um roteiro, um script, ele real, no brincadeira. E voc est muito bem, muitobonito mesmo, nesse lindo blazer...!

    Rubens Que bom, nem tanto, nemtanto! Foi difcil encontrar um blazer comovoc descreveu. Mas aqui temos muitaslojas de roupas finas para homens. Deuum certo trabalho, mas quando olhei paraele na vitrine, sabia que era aquele quevoc queria. Acertei!

    Dbora No sei em qual loja voc ocomprou, mas esse mesmo o blazer queimaginei! Est perfeito. Perfeito expressabem tudo!

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    Rubens - Eu me joguei no escuro. Noimaginava como voc poderia ser.Desconfiei mesmo que fosse umabrincadeira inconsequente. Talvez, umamenina, querendo brincar com algum. Euvim, no me arrependo da loucura que fiz

    antes de ter certeza de v-la agora emminha frente.

    Dbora - Eu tambm no tinha certeza deque o roteiro seria seguido em todos osdetalhes. Voc um homem atento.Cuidadoso.

    Rubens Vou pedir o cardpio...

    (Rubens faz um discreto gesto com a mo emdireo a Fran que atende prontamente e levadois cardpios at a mesa. Espera e ficaobservando o casal)

    Dbora (perguntando para Fran) Vocpode me indicar qual desses cafs omais extico?

    Fran (prontamente) Todos so exticose especiais... A senhora quer umaindicao ou uma sugesto?

    Dbora Sua sugesto pode ser umaindicao...

    Fran Ser!

    Dbora Por favor, sugira, indicando...

    Fran Posso sugerir para o senhor,tambm?

    Rubens Ser que vou me arriscar denovo? Bem, Fran... voc no deve seruma menina m... Confio no seu bom

    gosto.

    Fran No sou, tenha certeza! Podeconfiar...

    Dbora Ento, o que me sugere? E oque indicar mesmo, de verdade?

    Fran Para a senhora, creio que um IrishCoffee com assinatura.

    Dbora No forte demais? Hoje noest to frio assim...

    Rubens Aceite a sugesto... Bem, oque ela est indicando...

    Fran Sim, para a senhora trarei um IrishCoffee com a assinatura de um baristacampeo. A obra que a senhora vai provar o Haikai Espresso Saqu. Tem a levezade um haikai, os sabores de um espressogenuno e um toque de Saqu com licorDrambuie, chantili e pequenas cascas delaranja Kinkan, torcidas.

    Dbora (simula indeciso) Tudo isso nums caf? Quanta sofisticao! Mas estbem! Traga-me este Haikai EspressoSaqu...

    Rubens E para mim, j tem umasugesto?

    Fran Indico tambm, no sugiro...

    Rubens Indique algo que tenha a minhacara. Voc boa nisso, me parece.

    Fran Sim, sou mesmo... Pode confiar.

    Dbora Ento voc j sabe o que vai

    indicar s olhando para a pessoa?

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    Fran Sou tima observadora, no erroquase nunca...

    Rubens Que bom, Fran! Que confianavoc tem, hein?

    Fran Para o senhor vai ser um Espressocurto Goldoni. So 30 mililitros de gua naexata temperatura de 92 graus, 9 gramasdo nosso melhor caf e extrado com umapresso de 9 bar, entre 22 e 28 segundos.E o caf que escolhi um dos melhores, ldas montanhas de Minas Gerais, umdelicioso caf orgnico, tipo exportao daFazenda Cruz Caiada... Uma

    preciosidade.

    Dbora Nossa! Voc domina bem osprodutos que seu cardpio oferece, no menina?

    Fran Obrigada pelo menina. Confesso...sei muito bem sobre todos os produtos denosso cardpio. Sobre cada detalhe.

    Rubens Ento... demora?

    Fran Vem dentro do tempo exato decada preparo.

    Dbora Eu ia querer esperar umpouquinho... Assim...

    Fran Quando vocs quiserem que eutraga o pedido, digo, a sugesto... bem, asindicaes que fiz...

    (Fran anota num bloco de papel o pedido,abaixa a cabea, humildemente, e se afasta decostas)

    (A luz cai e retorna lentamente com um outro

    tom e intensidade, talvez mbar, cor de caf)

    Dbora No tenho por hbito levar avida na base da brincadeira, doimproviso...

    Rubens Eu tambm, no. Mas voc estdizendo isso...

    Dbora Eu tive uma idia e a coloqueiem prtica... dentro de um roteiro.

    Rubens Voc se arrependeu?

    Dbora Arrependimento? No, nomesmo!

    Rubens Frustrao?

    Dbora Muito menos...

    Rubens A brincadeira que voc props

    est a seu contento?

    Dbora Sim, est, claro que est!

    Rubens Ento...

    Dbora Sou muito responsvel nascoisas que fao.

    Rubens Sempre tentei ser nas minhascoisas tambm...

    Dbora E voc continua tentando oudesistiu de ser responsvel?

    Rubens No desisti, sou responsvel.Talvez...

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    Dbora Talvez?

    Rubens Talvez,... sim, talvez no tenhatido muita sorte...

    Dbora Responsabilidade tem algo a vercom sorte? Pelo que eu saiba...

    Rubens No... me expressei mal...Sempre fui responsvel, continuo sendo.No vivemos s de responsabilidade,algumas vezes temos que ser ousados ea ousadia, voc sabe, pode exigir queresvalemos em aspectos de insegurana,

    imprudncia... Passamos a correr certosriscos.

    Dbora Mas se no seguro no responsvel? Ou ?

    Rubens Quando agimos com ousadiadeixamos um pouco de lado aresponsabilidade, aquela noo de queno podemos fazer algo que implique emriscos para outras pessoas alm de ns...

    Dbora Voc tem agido ousadamente,sempre?

    Rubens Dentro de certas limitaes,tenho tentado ser ousadamenteresponsvel.

    Dbora um paradoxo, isso...

    Como ser ousado e responsvel aomesmo tempo?

    Rubens difcil de explicar, mas seformos s responsveis, no podemos serousados. E vice versa. Mas tenho tentadoser ousadamente responsvel. Isso

    significa analisar os riscos em cada lance.

    Mas ousar... arriscar...

    Dbora Voc est usando uma metforasobre nosso encontro?

    Rubens No, no creio que sejametafrico isso aqui.

    real, no tem comparao. nico!

    Dbora Mas eu dizia que no gosto delevar a vida na base da brincadeira...

    Rubens Mas voc montou e confesso

    bem montado, esse script, esse roteiroque, at agora, estamos seguindo...

    Est neste catlogo de uma exposio sua, por sinal que eu devia agir comodeterminado... seguir as regras do seujogo... Obedecer, apenas.

    Dbora Mas a brincadeira no tobrincadeira assim.

    Rubens Como?

    Dbora No brincadeira o jogo queproduzi, que inventei...

    Rubens No?

    Dbora No!

    Rubens Ento... Ento, o que ?

    Dbora Eu queria mesmo que o homemdo jogo, o homem do blazer bem cortado,Prncipe de Gales, fosse real, queexistisse mesmo.

    Rubens Sim, e por algum motivo eu no

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    sou real, nem existo?

    Dbora No isso!

    (ambos levam as mos e, imediatamente, Frantraz o Irish Coffee e o Expresso para a mesa,

    segurando na bandeja um aucareiro, um potecom sachs de adoante, guardanapos)

    (Ao colocar o Irish Coffee sobre a mesa, Franobserva Dbora que parece no saber o que

    fazer com aquela enorme caneca de vidro commuito chantili Rubens comea a sorver seucaf, delicadamente)

    Dbora No isso! Bem, no isso quequeria dizer... Como que eu bebo oucomo isso? Comeo como?

    Fran (atenciosa para dar explicao) Asenhora pode pegar a colher, mergulharat o fundo e retir-la com caf e ochantili.. O sabor inigualvel,surpreendente mesmo!

    Dbora Sim, sim... isso eu sei... No isso!

    Fran (virando-se para Rubens) Seuexpresso est bom, senhor?

    (Fran ouve a resposta, abaixa a cabea e

    afasta-se humildemente de costas. Sai de cena)

    Rubens Sim, est sim, Fran!Obrigado! Est timo...

    Dbora No isso! No est bom!

    Rubens O caf? No est bom seu Irish

    Coffee?

    Dbora No isso!

    Rubens O que , ento?

    Dbora No isso, repito!

    Rubens O que , ento?

    Dbora Queria que fosse real, noapenas um jogo, onde eu defino as regras,os comportamentos, cada passo, cadaao que seja comandada e dirigida pormim...

    Rubens Ou voc aprende a jogar ouaprende a viver.

    Voc quer dirigir e atuar ao mesmotempo? Quer ter todo o controle de tudo?Como? Quer que o jogo seja real ou que arealidade seja um mero jogo? Como?

    Dbora Eu quero que as coisas tenham

    mais sabor e emoo. Tem que aconteceralgo imprevisvel, para dar graa...

    No para eu ter o controle sempre... Euquero que acontea algo imprevisvel. Quevenha outro tipo de caf... no o mesmoIrish Coffee, essa obra de arte, sempre!Quero ser surpreendida, mesmo seguindoum roteiro bem elaborado... Quero quesaia do cardpio das coisas previsveis...

    Rubens Mas isso no brincadeira,voc mesma sabe disso. Isso tudo real.Seu caf tem estilo e gosto irlandeses,meu caf tem gosto forte de um expressoitaliano bem extrado... Com o sabor dasmontanhas das Minas Gerais... Nossasvidas, agora, ganharam saboresinusitados... O que de imprevisvel vocquer adicionar em sua vida?

    Dbora No isso! No isso!

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    Rubens O que , ento?

    Dbora No sei, ainda estou em dvida.

    Rubens -Como, em dvida?

    Dbora -Ainda em dvida... no sei bem oque dizer...

    Rubens - Diga o que tem a dizer e pronto!

    Dbora - No simples assim, como umexpresso...

    Rubens - Mas nada simples na vida!

    Dbora - Devia ser, no acha?

    Rubens - No... no creio que seja tudosimples, A mais B...

    Dbora - Devia ser como?

    Rubens - Devia...

    Dbora - Devia?

    Rubens - Devia, o qu?

    Dbora - Devia... s, devia...

    Rubens Devia, o qu? Seja direta!

    Dbora - No ser... isso um jogo real... Ea realidade desse jogo, agora, me deixaconfusa... Sem saber o que dizer e comome expressar, agir...

    Rubens -Ento jogue... ou quebre suaprpria regra e passe a viver.

    Dbora -Estou em dvida. No sei sequero o jogo ou a realidade.

    Rubens - Explique... Pode explicar?

    Dbora - Precisa? No sei se quero arealidade ou a fantasia...

    Rubens - Voc precisar fazer escolhas...Precisa...

    Dbora Estou em dvida. No sei bem oque quero...

    Rubens - Voc precisa escolher... Se ficarna eterna dvida nada vai mudar.

    Dbora - Estou em dvida... Eu no queriaque voc fosse meu marido!Eu no queria

    que voc fosse meu amante!

    (Pausa)

    Eu queria que voc no fosse um jogo,objeto das minhas manias, instrumentodos meus caprichos, ferramenta dasminhas brincadeiras, do meu desejo. Dasminhas alucinaes e incertezas...

    (Pausa)

    Eu queria que voc no fosse meu marido,nunca mais.

    Quero, quero sim, que voc seja apenasmeu amante!

    Eu queria que voc no fosse meuamante, nunca mais.

    Quero, quero sim, que voc seja apenasmeu marido!

    (Corte brusco da luz. Os atores retiram o cafirlands e o expresso da mesa)

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    CENA 2

    Fran Edgard - Rubens

    (Entra Fran, cabelos soltos, vestida de tnis ecamiseta, usa uma cala preta. Estilo cool. Elaescolhe outra mesa no caf. H mudana daluz)

    (Entra a Rubens, como garon, vestindoavental de uma outra cafeteria. Aventaldiferente, mais fechado. Fica postado prximoda mesa onde est Fran. Depois entra Edgard,

    garoto, veste jeans e camiseta, usa um bonvirado ao contrrio na cabea. Traz, consigouma sofisticada cmara fotogrfica, umaimensa bolsa de fotgrafo, um pacote de

    ampliaes fotogrficas)

    (Rubens traz um cardpio maior que o usadona cena anterior, mais pesado. Entrega para

    Fran)

    Fran (Nem olha para o garom e deixa ocardpio sobre a mesa) Traga-me umexpresso, puro.

    Rubens Sim! Caf do Paran, de SoPaulo ou de Minas? Temos vrioscolombianos!

    Fran Traga um bem forte! Voc escolhede onde o caf, ok?

    Rubens Sim, senhorita. Saberei

    escolher o melhor!

    Fran (virando-se para Rubens quemovimenta-se) Que lindo lugar esse aqui!

    Rubens Sim, senhorita. um lindo eaconchegante lugar!

    (Fran observa o local. Rubens leva o cardpioe vai at a coxia e j est com o caf na mo)

    Fran Demora?

    Rubens (j com o caf na mo, pronto paraservir) Est aqui!

    Fran Eu adoro um caf forte equentinho, sempre!

    Veio mesmo bem rpido! um expresso...E veio no tempo exato. Tem que vir rpidopor causa da temperatura, para no perderos aromas.

    (Entra Edgard e vai at a mesa onde estFran, que comea a sorver seu expresso. Ela

    para e ele a beija delicadamente)

    Edgard Oi amor! Esperou muito?

    Fran No... acabei de chegar e j estoucom um caf. Delicioso, por sinal! Fortecomo eu gosto!

    Edgard Fui pegar as fotos do ltimo cafque fotografei. Fizemos fotos com umcasal maravilhoso. Quer ver?

    Fran Sim, claro... estou curiosa.

    Edgard As fotos eu fiz em tons spia essas fotos tinham que ser ampliadas emspia ou em branco e preto para ficarem

    perfeitas...

    Fran Deixe-me v-las...

    (Edgard retira do envelope umas cincoampliaes em tamanho 40 x 60 cm. So fotosde Rubens e Dbora num caf)

    Edgard Veja... enquanto voc v, voufazer umas fotos deste belo espao!

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    (pega a cmara fotogrfica profissional ecomea a fazer umas fotos. Fotografa Rubens,

    Fran e vira-se para fotografar as pessoas queesto na platia. Faz umas 15 ou 20 fotos,movimentando por toda a extenso da boca decena. Fotografa de verdade, fotografa mesmo)

    (Fran olha as fotos com ateno. Vira-se comoque buscasse uma luz melhor para ver as fotos.

    Enquanto v, vira-se de costas para a platia,mostrando discretamente as fotos que estvendo)

    (Edgard retorna e guarda sua cmara nagrande bolsa)

    Edgard Ento, no ficaramfantsticas as fotos? Viu s o casal quefotografei? Os personagens no formamum casal maravilhoso?

    Fran As fotos so timas... mesmo umbelo casal!

    Edgard As fotos sero publicadas num

    ensaio sobre cinco cafs de nossa cidade.

    Fran Vai mostrar as melhores fotos.Como sabe definir qual foto melhor?

    Edgard Vou mostrar as melhores fotos.As melhores fotos, as melhores imagensso as melhores. No sei como explicar.

    Vou fotografar o quinto caf. Tambm fareia seleo para o ensaio na revista e,depois, vou ampliar as fotos da exposio.Mas, essas, so algumas que jselecionei...

    Fran E a minha foto, aquela... voc vaiincluir no ensaio?

    Edgard Ser a foto da capa, meu amor!

    Fran Da capa da revista?

    Edgard Sim, da revista e do catlogo,tambm.

    Fran Muito bom... minha me vai ficarorgulhosa. E vai aceit-lo melhor, creio.

    Edgard Mas ela j me aceita melhor.No mais implica com minhas idias. Nemcom minha vontade de lev-la comigo paraa Alemanha, no comeo do ano...

    Fran Mas ela querendo ou no, eu irei.Sempre quis viajar para a Alemanha.Quero matricular-me naquela escola deteatro, voc sabe... Ns poderemos tercarreiras distintas e, ao mesmo tempo,voc poder at fazer mais fotos de teatro.

    Edgard Vou pedir um caf. O quesugere?

    Fran Um Irish Coffee!

    (Edgard faz sinal para o garom)

    Edgard Quero um Irish Coffee. Temalgum com licor Drambuie?

    Rubens Sim, tenho dois tipos com esse

    licor. Qual pode ser?

    Edgard (antes de pedir, consulta Fran) Qual voc sugere?

    Fran Pea o Haikai Espresso Saqu... delicioso e minha me adorou...

    Edgard Por favor, anote o pedido... Um

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    Haikai Espresso Saqu... Outro expressopara ela!

    (A luz cai e retorna lentamente com um outrotom e intensidade, talvez mbar, cor de caf)

    (Rubens traz o Irish Coffee e o Expresso paraa mesa, segurando na bandeja um aucareiro,um pote com sachs de adoante,

    guardanapos)

    Fran (mudando de comportamento, dehumor, enjoada) Eu no gosto que vocpea caf para mim!

    Edgard Mas eu sei que voc gostamuito e s bebe expresso, sem nada...

    Fran Mas hoje eu queria mudar! Noquero que se intrometa nas minhasescolhas...

    Edgard No me intrometi, reforceiapenas o que voc sempre faz e pede.

    Alm do que, voc diz que vai mudar econtinua igual.

    Fran Mas hoje eu queria mudar! Hoje euquero mudar!

    No quero que se intrometa nas minhasescolhas... Nunca mais!

    Edgard Mas voc diz que vai mudar... enada de mudanas. Fala uma coisa e fazoutra!

    Fran Chega de expresso... Vou mudar.Hoje eu quero um Irish Coffee igual aoseu!

    (Faz sinal para o garom que retorna humilde

    e respeitosamente com o cardpio na mo)

    Rubens Sim, o que a senhorita deseja?

    Fran Traga um igual ao dele!Igualzinho...

    Rubens E o expresso, a senhorita vaitom-lo?

    Fran No, pode lev-lo... Quero um cafdiferente, hoje!

    Edgard Por favor, pode levar a xcaracom o expresso, sim?

    (O garom afasta-se, baixando o cabea elevando a bandeja com a xcara e o cardpio)

    Fran Hoje eu no quero apenas o caf,diferente! Hoje eu quero voc diferente!

    Edgard Como?

    Fran Vai saber logo!

    Edgard L vem voc com suasnovidades... seus jogos...

    Fran E voc no gosta quando euinovo? No gosto de como jogo?

    Edgard Claro que gosto... Mas... daltima vez voc extrapolou!

    Fran (irritada) Como? Eu extrapolei?Como isso de eu ter extrapolado?

    Edgard (tentando amenizar) Voc sabe

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    que foi um pouco alm do que euesperava.

    Fran (mais irritada, levantando-se da mesa) Ir alm, o que ir alm para algum

    como voc que nunca saiu daqui?

    Edgard (ainda amenizando) S porquenunca sa daqui no posso ter noo decertas coisas, de certos comportamentosque no me agradam? No posso?

    Fran Voc quer dizer que meucomportamento no lhe agrada?

    Edgard Certos comportamentos no meagradam mesmo! J disse isso!

    Fran (muito irritada, explodindo) - Masque porra! Por essa eu no esperava!

    Edgard (ainda contemporizando asituao) Querida, por favor. Aqui, no!

    Fran (furiosa) - Como que ? O que vocpensa que ? Querendo dar lio de moralem mim?

    V se foder, babaca!

    Edgard (constrangido) Querida, aqui,no! Seu Irish Coffee est chegando...

    (Rubens traz o Irish Coffee. E quando vaicoloc-lo sobre a mesa, Fran fica muito

    furiosa)

    Fran Escuta aqui seu babaca, nopercebe que no quero mais essa porra decaf?

    (Rubens abaixa a cabea e humildemente

    comea a sair, andando de costas)

    Edgard Por favor, desculpe-me... Ela...

    Fran Ela, o qu? O que voc ia dizer,seu babaca?

    Edgard Eu ia dizer que voc andaestressada...

    Fran O qu? Estressada deve estar aputa da sua me! Aquela sua irm comcara de sapatona quem deve estarestressada! Eu no!

    Edgard (contemporizando e constrangido) Querida, por favor, aqui, no!

    Fran Estressada deve estar a vaca dame desse garom com cara de babaca eidiota!

    (Apontando para Rubens)

    Sim, estou falando de voc, seu idiota...Estressada deve estar a vaca da sua me,seu babaca!

    (Rubens retorna lentamente com gestos bemdelicados, trazendo na mo apenas o IrishCoffee)

    (aproxima-se calmamente de Fran. Quando elatenta se levantar)

    Rubens A senhorita pediu para servir-lhe

    agora...(Rubens despeja lentamente o Irish Coffee naroupa de Fran)

    Est bom, assim?

    (corte de luz)

    (Fim do primeiro ato)

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    ATO 2

    Permanece o mesmo cenrio. A luz estdiferente.

    CENA 1Rubens Edgard - Dbora

    (Rubens entra em cena e observa todo o espaodo palco. Ele veste cala jeans e uma camisa

    polo colorida)

    (Rubens est entre as mesas e os desenhos. Entra Edgard que veste jeans, camisetacolorida e uma jaqueta. Fica observando

    Rubens falar)

    Rubens Parece estranho um homem serdono de cinco cafs e no poder tomar umcafezinho sequer! Sim, h anos tenhoinvestido na montagem de novascafeterias, todas com designs e temticasexclusivos, cardpios bem estruturados,centenas de ofertas, cafs selecionados eespeciais aqui do Brasil e de outros

    pases. Meu pessoal bem treinado, osequipamentos so os mais novos que aatividade poderia exigir. E eu mesmo, noposso tomar um s cafezinho!

    Edgard E como foi que nasceu seuinteresse por cafs, pelo negcio dascafeterias?

    Rubens Eu sempre convivi com oscafs. Ainda criana, meu pai tinha um barcom caf, sorveteria e restaurante, numapequena cidade do interior paulista.Depois, ele vendeu tudo e fomos para ointerior do Paran. Plantar caf.Desbravar as terras da regio noroesteparanaense. Derrubar as matas, plantarcaf, enfrentar as geadas.

    Edgard E voc no aprendeu a tomar

    caf? Como isso de viver do caf e no

    tomar caf?

    Rubens Pois ... o banqueiro vive dos juros, mas no bebe e no come juros,no ? Mas ele adora os juros! O jogadorde baralho, vive do jogo, mas no come ascartas! Mas no consegue viver longedelas.Edgard Que comparaes, hein? Mascaf, para voc tambm um vcio ou umnegcio?

    Rubens Todo negcio um vcio. Seno fosse assim, como explicar o prazerque tenho por uma cafeteria, por um cafbonito, por uma bebida bem apresentada,

    pelos melhores gros, pelos saboresmarcantes das melhores bebidas? No seiexplicar, est em mim o gosto pelos cafse no o gosto pelo caf, em si.

    Edgard Ento voc explora o vcio dosoutros? Como um traficante de drogas?

    Rubens Sim, eu exploro no o vcio,

    pois caf no vicia. Caf remdio, caf companhia, caf alento, filosofia. Caf afeto, afetividade... Caf aquece, relaxa,nos deixa ativos. Eu exploro uma atividadecomercial, mas no posso ser comparadoa um traficante de drogas. Caf no droga! Caf alimento, sendo tambm,prazer e alegria.

    Edgard E tudo isso que o caf d a

    tanta gente, voc no pode ter?

    Rubens Provando, experimentando,testando com meu paladar, no! O caf eusinto pelo meu olfato, pela minha memriaolfativa, apenas. Assim, eu sinto prazer ealegria. Nada mais me agradvel quesentir o cheiro de um caf, desses maissimples, tirados do modo tradicional,coado, envolto naquela fumaa que a

    gente sente mesmo estando distante.

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    Sentir o cheiro do caf da casa do vizinho algo que eu nunca vou esquecer. Eusentia o cheiro do caf que vinha da casados meus amigos de infncia, mas nogostava de beber caf pela manh,como eles, antes de ir para a escola.

    Edgard Mas voc tem prazer pelo caf,mesmo no provando-o...

    Rubens Tenho prazer e uma enormealegria s por sentir seu aromaespalhando pelo ar...

    Voc gosta de caf? Como gosta? Quetipo de caf mais lhe agrada?

    (Dbora se aproxima, vestida com um aventalbem colorido, traz um cardpio maior ediferente nas mos)

    Edgard Eu gosto de um expresso, semacar e bem curto.

    Gosto de sentir o sabor forte do caf, seminterferncias. Puro e forte!

    (Dbora se afasta e, em seguida volta com umabandeja com um expresso. Oferece para

    Edgard que senta-se a uma das mesas)

    Rubens Prove esse caf! Antes, sinta oaroma dele nessa fumacinha...

    Edgard Eu no sei viver sem tomar caf!

    Rubens Eu no sei viver sem o cheirodo caf!

    Edgard Eu tomo uns 10 cafs por dia!

    Rubens Mas voc no toma um caf

    como esse!

    Edgard No, claro que no. Esse caf especial... por tudo...

    Rubens Eu no sei viver longe dos

    cafs...

    Edgard Estou aqui, conhecendo umpouco dessa sua paixo...

    Rubens Uma paixo sempre presenteem minha vida que no consigo prov-la...

    Edgard Eu adoro o gosto que o cafdeixa na minha boca...

    Rubens Eu adoro o aroma do caf nasminhas narinas...

    Edgard No consigo entender comovoc nunca gostou de tomar caf...

    Rubens Eu me acostumei a enfrentaresse dilema, diariamente...

    Edgard Mas no um paradoxo, gostartanto de caf e nunca experiment-lo?

    Rubens Sim, mesmo um paradoxo...

    Edgard Esse paradoxo sua sina, seudestino...

    Rubens Talvez eu tenha que ter meuscinco cafs exatamente para ser obrigadoa gostar ainda mais de caf e nuncaprov-los...

    Edgard Posso provar outro caf?

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    (Rubens faz sinal com a mo e Dbora vemcom outro caf expresso, numa xcaradiferente)

    (Edgard comea a sorver seu caf...)

    Rubens Prove este outro, um cafcolombiano, raro! O primeiro era mineiro.

    (Edgard pra de tomar seu caf)

    Edgard Como voc sabe? Estava noscript? uma encenao?

    Rubens No... s pelo aroma dele eusei qual esse caf que voc degustaagora. Como sabia qual era a origem doprimeiro...

    Edgard Mas voc, ento, tem um domraro? De saber sobre cafs, pelos aromase no pela degustao?

    Rubens Sim... talvez um dom raro!

    Edgard E seus filhos, gostam de caf?

    Rubens Gostam, sim. Mas nenhumgosta a ponto de reconhecer as origensdos caf apenas pelo seus aromas...

    Edgard E sua mulher, gosta de caf,tambm?

    Rubens Tambm gosta, mas no toapaixonadamente quanto pelasboutiques e shoppings! Pelas futilidadesdo que chama de stylle!

    Edgard E o caf fez de voc umhomem rico? Voc que tem cinco cafs, um homem com uma situao econmica

    estvel?

    Rubens Minha nica riqueza poderobservar as pessoas e, tentar pelos cafsque escolhem, saber quem essas pessoas

    so.

    Edgard Voc, ento, sabe quem eusou? S pelos cafs que tomei?

    Rubens Posso dizer que sim... Masno seria elegante de minha parte revelarquem voc ... mas se me autorizar, voudizer...

    Edgard Como assim? Se sabe o quedizer, diga, sim. Est autorizado!

    Rubens Voc gosta mesmo de cafsfortes, no ? Puros, sem acar, semcremes... Cafs fortes, sabores amargospara um rapaz que ainda tem algumasdvidas profissionais.

    A certeza do que gosta a incerteza doque ainda no descobriu ser sua realpaixo...

    Edgard Mas isso to genrico... Porfavor, se sabe mesmo quem eu possa ser,pode revelar, no tenho nada a esconder...

    Rubens E se eu disser que voc no

    queria ser jornalista?

    Edgard Ah, ainda assim voc poderia terchutado. Tinha cinquenta por cento dechance de acertar...

    Mas eu no queria ser jornalista... foi umaopo de ltima hora ao fazer ovestibular...

    Rubens Pelo chute, ento, acertei?

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    Edgard Sim, mas foi um chute... E o quemais?

    Rubens Voc sempre quis ser florista...

    Edgard Como?

    Rubens Sim, voc, desde pequeninoqueria ser florista... queria ter um lindo jardim para cuidar... Crisntemos,margaridas, papoulas...

    Edgard Mas...

    Rubens Estou acertando agora?

    Edgard Nossa! Voc me surpreendeu,agora.

    Rubens E queria ter um lindo jardim,mas sempre achou que cuidar de floresseria uma atividade feminina demais para

    um rapaz que comeava a gostar dasmeninas...a descobrir a vida a partir daapreciao do sexo feminino, dos toques,dos cheiros, da maciez da pele, asuavidade das vozes, as insatisfaes, asalteraes dos humores, a delicadeza...Os prazeres que poderiam ser compartilhados...

    Edgard Mas eu nunca revelei isso para

    ningum...

    Rubens Um dia isso seria revelado...tudo era uma questo de tempo...

    Edgard Mas isso algo que mesurpreende...

    Rubens Voc, ento, fugiu dosjardins, no quis plantar flores, nem cuidardelas... E qual foi o caminho que

    escolheu? Fez uma opo por umaatividade similar a ser florista, mas umtrabalho mais rude, mais bruto e nomenos desafiador.

    Edgard Voc quer dizer que fui serjornalista para no ser florista?

    Rubens No... voc foi ser jornalistaantes para se revelar florista depois. Eraum estgio que voc tinha queexperimentar, ter contato, antes...

    Edgard Ento estou no jornalismo para

    cumprir uma etapa em minha vida emdireo jardinagem, para cuidar dosmeus canteiros de flores?

    Rubens Sim... de certo modo, sim...Voc cumpre um estgio... umapassagem... que o levar, em breve, paraseu contato mais direto com a atividade deflorista...

    Edgard No estou entendendo aanalogia de como posso passar dostextos, reportagens, das pautas, dasmanchetes, comentrios, editoriais... paraa floricultura, a jardinagem?

    Rubens O que voc no percebeu que as flores sempre estiveram ao seulado. Ao optar pelo jornalismo voc tinha

    que aprender a cultivar flores, mesmotratando de temas, muitas vezes, toridos, to difceis, to desalentadores...Crimes, corrupo, futebol, velocidade,colunas sociais com gente metida a bestae mulheres transformadas por botox emmilhares de ssias da namorada do PatoDonald... Voc cobria de tudo um pouco,cultura, artes, cinema, arquitetura,fofocas,ndices econmicos, agronegcio...

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    Edgard A passagem pelo jornalismosempre faz com que tenhamos vivnciasem vrias reas... E quem comeou atrabalhar num pequeno jornal ainda temmais chance de trafegar por reas todistintas... por temas to variados...

    Mas...

    Rubens Voc sempre teve as flores aoseu redor. Ao escrever sobre tudo,sobretudo sobre tantas coisas, vocpreparava sua alma de florista, dejardineiro dedicado... As sementes so asletras, as palavras, as vrias flores...

    Edgard Voc acredita que estouprximo de plantar um lindo jardim?Saberei cultiv-lo com a mesma vontadeque tenho, hoje, de escrever matrias,reportagens?

    Rubens Sim... voc est muitoprximo de ser um florista...

    Edgard E foi atravs do meu gosto peloscafs fortes que voc chegou a essaconcluso? Ou, mais uma vez voc estchutando para tentar acertar?

    Rubens No estou chutando... E vocest mesmo muito prximo de ser umflorista...

    Edgard No me deixe confuso! Eu vimaqui para fazer uma reportagem, no paradescobrir nada sobre meu futuro!

    (Rubens faz um sinal para Dbora que trazoutro caf... Dessa vez um expresso comchantili)

    Rubens Experimente com chantili...!

    Edgard Eu nunca gostei de chantili...!

    Rubens Experimente com chantili...!

    Edgard Voc sabe que eu s gosto decafs fortes!

    Rubens O caf expresso e forte, umcaf do interior de So Paulo. Tem queexperimentar. Para voc ser um florista,precisa experimentar outros sabores,misturar sabores, inventar, fugir dasfrmulas prontas, das receitas, dospadres e das regras do jornalismo

    que h anos est perdendo a poesia...

    Edgard Se eu tomar o caf expressocom chantili vai-se revelar meu verdadeirodom?

    Rubens Sim... prove o expresso comchantili!

    (Edgard prova, a luz muda de cor. Dbora saide cena)

    Edgard E agora?

    Rubens Agora voc j no mais um jornalista, voc um florista e comea aaprender a cultivar flores que estonascendo dentro de voc como poesias,

    contos, haikais e peas de teatro... Aspessoas esto aqui para comprovar essatransformao, real e imediata.

    (A luz ganha um tom mbar. Tom de caf)

    CENA 2

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    Fran Rubens Edgard - Dbora

    (Entra Fran com o mesmo avental do primeiroato, pela esquerda e comea a arrumar adisposio das mesas. Entra Rubens que vai

    sentar na cadeira da mesa central que Franacabou de dispor. Veste um elegante blazer de padronagem Prncipe de Galles. Usa umacala jeans e uma camisa preta de malha sem

    gola)

    (Entra Edgard com o mesmo tipo de aventalusado por Fran, s que de cor diferente, peladireita e ajeita a mesa ao lado direito de

    Rubens. Depois entra Dbora, alta, elegante,veste saia e blusa bem elegante, sofisticada.

    Usa jias finas e delicadas. Ela senta na mesaque foi arrumada por Edgard, ao lado deRubens)

    (Fran vem pela esquerda e entrega umcardpio, no formato de um enorme e pesadolivro de arte para Rubens. Em seguida, entra

    Edgard, pela direita que entrega um cardpio,no formato de enorme livro de arte para

    Dbora. Os dois cardpios so iguais, s comcores de capas diferentes, seguindo as coresdos aventais dos garons)

    (Rubens e Dbora se postam de costas um para o outro. Eles abrem seus cardpios ecomeam a folhear. Fran e Edgard tambmesto de costas um para o outro)

    Fran O senhor j fez sua escolha?

    Edgard A senhora j fez sua escolha?

    Rubens S mais um minutinho...

    Dbora S mais um minutinho...

    (Fran e Edgard esperam. Rubens e Dboracontinuam a folhear seus grossos e pesadoscardpios. Olham simultaneamente para os

    garons e voltam a folhear seus cardpios)

    Rubens Vou pedir logo... Daqui a

    pouco eu a chamo, sim?

    Dbora Vou pedir logo... Daqui a poucoeu o chamo, sim?

    (Fran e Edgard saem, cada um para o lado de

    onde entraram. Rubens e Dbora continuam afolhear seus grossos cardpios. Fran e Edgard,agora, entram pelo lado oposto. Fran atende

    Dbora e Edgard atende Rubens)

    Rubens S mais um minutinho... Pedireiem seguida.

    Dbora S mais um minutinho... Pedirei

    em seguida.(Fran e Edgard saem, cada um para o lado deonde entraram. Rubens e Dbora continuam a

    folhear seus grossos cardpios)

    (Rubens e Dbora levantam seus braos. Frane Edgard, agora, entram pelo lado oposto.

    Fran atende Rubens e Edgard atende Dbora)

    Rubens (entrega o cardpio para Fran)

    Eu quero um expresso sem creme, puro!

    Dbora (entrega o cardpio para Edgard)Eu quero um expresso sem creme, puro!

    (Fran e Edgar saem e levam os cardpios. Aovoltarem, trazem bandejas pequenas com osexpressos e um pequeno copo com gua. Fran

    serve Dbora e Edgard, serve Rubens. Saem

    pelo lado oposto de onde entraram. Rubens eDbora sorvem seus expressos em trs goles.Os dois fazem simultaneamente o mesmo gesto,de costas um para o outro)

    (Rubens e Dbora levantam seus braos. Frane Edgard, agora, entram pelo lado oposto.

    Fran atende Dbora e Edgard atende Rubens,fazendo com que eles virem de frente um parao outro)

    Rubens Daqui a pouco voc traz seu

    cardpio, sim?

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    Dbora Daqui a pouco voc traz seucardpio, sim?

    (Fran e Edgard saem pelos lados opostos.

    Rubens e Dbora se descobrem, frente a frente,cada um em sua mesa)

    Dbora Fazia tempo que no nosencontrvamos!

    Rubens Sim, a ltima vez foi naquelecaf...

    Dbora Desde ento, como tem sidosua vida?

    Rubens Desde ento, tem sido diferentee a sua?

    Dbora A sua diferente e a minha, quasea mesma...

    Rubens A mesma? Mas voc queria quefosse diferente...

    Dbora Diferente era o que eu queria,mas...

    Rubens Mas...

    Dbora Mas as coisas no so comoqueremos e mudam...

    Rubens Mudam para continuarem igual, o que voc quer dizer?

    Dbora Dizer assim parece simples,mas no ...

    Rubens No , o que , ento?

    Dbora Ento, no simples mudar...

    Rubens Mudar o que voc queria,voc me disse que estava cansada de

    jogar...

    Dbora Jogar por jogar no tem graanenhuma...

    Rubens Nenhuma graa no tentar, ficar na mesma...

    Dbora Na mesma conversa sempre,repetio, nada de novo, nada original...

    Rubens Original... bem, eu no sabiaser original... voc no me permitia seroriginal, queria-me seguindo os seusscripts, seus roteiros, suasbrincadeiras,seus jogos... Queria-me comopersonagem nos seus jogos...

    Dbora Jogos, aqueles jogos no meagradam mais. Foram agradveis umpouco s, depois, deixaram de ser... Vocsabe...

    Rubens Sabe? Sei?

    Dbora Sei...Sabe...

    Rubens Sabe... no consigo mais jogarapenas para ser agradvel a algum...l

    Dbora Algum apareceu em sua vida,ento?

    Rubens Ento,apareceu... eraprevisvel que aparecesse, no ?

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    Dbora ... no ?

    Rubens , mas no to fcil assim...Ns nos iludimos com as aparncias...

    Dbora Aparncias sempre enganam, o que iria dizer? Confirma?

    Rubens Confirma agora a velha estria,aquele mesmo jogo, um jogo de um sadversrio, eu mesmo... o adversrio real,nunca aparece no cenrio. Ele apenasum provocador, parece desejar mudanas,

    mas exige tudo ao seu jeito... Aquelemesmo jogo, um jogo de um sadversrio... Seria voc?

    Dbora Seria voc o outro adversrio,aquele que no vem para entrar em cenae promover o embate, bater e dar a carapara bater, mostrar-se real, vivo?

    Rubens Vivo agora em outra dimensodo sonho original. No me apetece mais omesmo e velho sabor...

    Dbora Sabor por sabor, o novo no meparece o ideal. Idealizei tanto, tantasfantasias, tantas mscaras, os mesmodisfarces acabaram virando trapos...

    Rubens Trapos devem ser jogados fora.Trapos so as trapaas que no fundo dosarmrios so o prato predileto das traas...Elas comem e consomem com nossasfantasias, no as simblicas, mas as reais,aquelas que cobrem nossasinseguranas...

    Dbora Inseguranas? O que inseguroquando no se tem coragem de ousar?

    Rubens Ousar e no usar a ousadia uma completa covardia...

    Dbora Covardia fugir. Covardia dizer uma coisa, fazer outra. Fazer outra e

    no dizer nada, no informar, nocomunicar...

    Rubens Comunicar implica no risco dorudo. Aquilo que interrompe, queatrapalha, que d um sincopado mas nod ritmo.

    Dbora Ritmo coisa de baterista de

    jazz. Aqui, nesta mesa, aqui mesmo,escrevi o epitfio de um antigo e grandeamor. Aqui jaz um amor que se foi semnunca ter sido.

    Rubens Sido, sido... seus verbos so nopassado... Nada teria acontecido se nofosse por mim... Se no fosse pelo amorque sempre devotei a voc...

    Dbora A mim, voc diz, agora, quesempre devotou amor a mim? Ou foi seuamor ao jogo, submisso. Para entrarna dana comigo voc teve que aprendera ser conduzido... Eu conduzia, voc iatropeando, tentando acertar o passo, masseu ritmo no era igual ao meu. Se eu iade rock, voc queria valsa. Ento, dancei...

    Rubens Dancei, sim dancei, conduzidopela sua presuno de perfeita bailarina, adona do salo... Mas teria que sempredanar ao sabor dos seus desejos?

    Dbora Meus desejos eram promoveruma harmonia, numa dana onde algumpudesse quebrar o ritmo, estabelecer novacoreografia, desafiar-me num pas-de-deux onde no d para entrar um terceiro

    parceiro.

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    Rubens Parceiro na dana, na suadana... pois na minha o terceiro quesempre aparecia era um danarino quetinha que chegar e mostrar a experinciaque nunca teve. Voc exigia, de mim, oparceiro eventual dos seus jogos, um

    compromisso com a fantasia, nunca com arealidade.

    Dbora Realidade, voc vem e fala emrealidade, como se ela nos movesse...Realidade o aqui e o agora, nada de sero que poder vir e o que passou, sambadanado, valsa que ficou nos sales deViena, o tango que Piazzolla tocou pelaltima vez...

    Aquele Marlon Brando j no usa mais

    manteiga para penetrar pelo caminho justoe que voc sempre julgou inapropriado...

    Rubens Inapropriado? O que prprio?O que inapropriado? O que vale? O quelhe serve?

    O que voc quer mesmo?

    (Rubens e Dbora levantam seus braos. Fran

    e Edgard, agora, entram pelo lado oposto.Fran atende Dbora e Edgard atende Rubens)

    Rubens Quero um caf simples...

    Dbora Quero um simples caf...

    (Fran encaixa seu brao no brao de Edgar,

    fazem um movimento dana e seguem pelolado contrrio de onde entraram)

    (Ao retornarem, encaixam novamente seusbraos e voltam para a posio inicial. Franatende Dbora e Edgard atende Rubens.

    Dbora e Rubens sorvem seus cafs)

    (cai a luz e retorna com outra cor)

    CENA 3

    Dbora Edgard Rubens Fran

    (Dbora est sentada na outra cadeira da mesaonde estava Rubens. Este, senta-se na outracadeira da mesa onde estava Dbora. Esto,novamente de costas um para o outro)

    (Fran est com o avental igual ao de Edgard.Trazem cardpios ainda mais volumosos epesados para Rubens e Dbora, s que agoratm a capa da mesma cor. Deixam os cardpiose retornam pelo lado oposto de onde entraram)

    (Rubens e Dbora comeam a folhear aspginas do volumoso cardpio. Folheiam umas10 pginas, repetem os mesmos movimentos evo para as pginas finais, como se fossem

    para a letra Z de um grande e volumosodicionrio. Voltam para o comeo e,novamente, vo at o final do grosso cardpio.

    Fecham seus cardpios pesados e volumosos)

    (Rubens e Dbora levantam seus braos. Frane Edgard, agora, entram pelo lado oposto.

    Fran atende Dbora e Edgard atende Rubens)

    Rubens (entrega o cardpio para Edgard) -Eu quero uma xcara sem caf!

    Dbora (entrega o cardpio para Fran) -Eu quero uma xcara sem caf!

    (Fran e Edgard saem pelos lados opostos poronde entraram e retornam, depois, pelo outrolado, carregando em bandejas xcaras bem

    simples, comuns em casas, iguais para Rubense Dbora. Deixam ao lados dos cardpios

    sobre as mesas. Fran e Edgard, retornam com

    outras xcaras, agora Fran deposita a xcarana mesa de Rubens e retira a que estava l.Xcaras diferentes. Edgard faz o mesmo paraDbora)

    (Rubens e Dbora voltam-se um para o outro)

    Rubens Fazia tempo que no nosencontrvamos!

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    Dbora Sim, a ltima vez foi naquelecaf...

    Rubens Desde ento, como tem sidosua vida?

    Dbora Desde ento, tem sido diferentee a sua?

    Rubens Sua, sempre a sua?

    Dbora A minha, sim, sempre a minha...

    Rubens Voc no se preocupa com osoutros?

    Dbora Outros olhares, outrasconfiguraes do meu olhar

    Rubens Olhar para voc e noreconhecer mais aquela mulher

    Dbora Mulher, sinto-me outra mulher,mais forte...

    Rubens Forte como o caf que vocsempre gostou?

    Dbora Gostou? Que nada... continuogostando de novas combinaes,

    sabores...

    Rubens Sabores tudo o que lheinteressa...

    Dbora Interessa sabores, lugares,cheiros, desafios, provocaes...

    Rubens Provocaes que voc inicia eque, depois, desiste... s insinua e nada!

    Dbora Nada do que foi ser comoagora...

    Rubens Agora um tempo onde vocno vive, no permanece.

    Est, depois no est mais,como se fosseapenas uma breve passagem.

    Dbora Passagem, chegadas, partidas,malas, embarques, desembarques,destinos, e o mesmo roteiro de ir e vir, de

    estar, no permanecer

    Rubens Permanecer difcil para quemno se v real, nem se acredita ntegro...

    Dbora Integro uma entidade onde seusmembros so ntegros, todos. ntegros nasua diversidade, nos seus estilos, manias,defeitos, sim, defeitos...

    Rubens Defeitos... caf com defeitosnunca do boas bebidas. Gros comdefeitos, mesmo em cafs de boas regies,nunca do boas bebidas.

    Dbora Fiquei embebida com as novascombinaes de sabores que a vida metem presenteado.

    Rubens Presente, presente mesmonunca estive. Sempre circulava por fora,tangenciando tudo, sem penetrar noessencial, nos sentimentos.

    Dbora Sentimento combina com o qu?Para voc sentimento quer dizer o qu?

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    com voc?

    Rubens Mas jogo limpo. Jogo limpo!

    Dbora Limpo, em que sentido?

    Rubens Limpo no sentido de ser puro...verdadeiro, sem disfarces,mentiras...

    Dbora Um homem com 55 anos podeser limpo no jogo que participa?

    Rubens Pode... E sou...

    Dbora Mas jogar limpo no serlimpo...

    Rubens Voc quer dizer que quem jogalimpo pode usar a estratgia da lisura e daverdade para enganar, trapacear? o queentendi?

    Dbora Ah, pegou o esprito da coisa sagora...

    Rubens Ento, voc que no se deixaseduzir pelas palavras, Dbora, deixa-seseduzir pela ao da verdade que enganae trapaceia trazendo luz o que real einsubstituvel?

    Dbora Pode ser que sim, como podeser que no...

    Rubens De novo, voc e seus jogo depalavras... De enigmas... Tenho sempreque estar muito atento aos seus enigmas...

    O que significa tudo isso, Dbora?

    Dbora Significa o que voc entender...

    No posso dar a tudo que falo ou fao os

    significados que voc deseja que eu d.Nem quero, tambm, que voc me dsignificados de nada. Aja como quer eresponda naturalmente. Sem afetaes...No se afete, mas aceite o afeto como algobom...

    Rubens O afeto como um cafquentinho...

    Dbora Ento, como um caf quentinho,no precisa de mais nada, alm do que por sua prpria natureza...

    Rubens Parece que estamos nosentendendo, finalmente?

    Dbora Parece que, finalmente, estamosvendo que em todo caf, em qualquersituao ou lugar, devemos nos deixarenvolver por algumas gotas de afeto.

    No importa em que tipo de xcara, copo,taa o afeto deva ser colocado. No temnenhum sentido usar o afeto fora de

    contexto. Afinal, o prprio contexto j umafeto importante a ser considerado.

    Rubens Considerando que afeto tem aver, num sentido bem amplo, comafetividade... e que afetividade basicamente um conjunto de emoes,sentimentos, paixes... ento... nos nossoscafs devemos colocar alm de grosmodos, alm da gua na temperaturacorreta, alm da extrao ter que ser feitacom a presso adequada... temos quecolocar uma paixo...

    Dbora Entendo assim, tambm, mas oque falta, alm da emoo, do sentimentoe da paixo?

    Rubens O que falta, o que faltar,sempre algo que vamos descobrir ao

    longo do processo todo de existir...

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  • 8/7/2019 Cinco Cafs E algumas Gotas De Afeto - Texto de Rogrio Viana

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    Dbora Existir para voc tem que outrosentido, Rubens?

    Rubens Existir, para mim, tem o

    significado de resistir, de no esmorecer,de manter uma luta constante com osdesafios... os medos e inseguranas...

    Dbora Parece que voc, finalmente,est se rendendo a uma fora interna emque no acreditava...

    Rubens Eu sempre soube da minha

    fora... H pessoas que reconhecem essafora muito precocemente... H outras quemorrem e nunca descobrem.

    Eu fao parte de um grupo de pessoas quedescobriu uma fora mais tardiamente. omeu caso...

    Dbora Eu no sabia que podia haveresta fora em pessoas diferentes, de

    posturas diferentes. Sempre imaginei quepessoas com fora so pessoas com asmesmas caractersticas que um bom caf...

    Rubens No... o mesmo caf que foicolhido ontem, nas montanhas de MinasGerais sero diferentes, bem diferentesdos cafs que sero colhidos hoje ouamanh. A essncia pode ser parecida,mas ser parecido no ser igual.

    Dbora O que, ento, faz tudo isso serto diferente?

    Rubens O que faz ser diferente eu nosei precisar.

    Precisaria de muito mais observao paradar um simples palpite...

    Voc, como sempre, exige explicaesprecisas, complexas, definitivas.

    Dbora Sei que nada definitivo. Tenhoaprendido tambm isso. Mas somos

    diferentes e definitivamente isso nosaproxima. No aquilo de voc ter o queno tenho ou vice versa. No nada disso.

    Rubens Um bom caf se faz com guaquente e o caf modo. O modo comoextramos um bom caf, expresso, numamistura, num Irish Coffee no importa... Oque importa que para ter caf tem que tergua e calor. Se tem que ter presso ou

    no, um detalhe... o que faz serdiferente, mas no mais ou menosimportante.

    Dbora Pouca ou muita gua, isso detalhe. O que no pode faltar que agua esteja aquecida. E que os gros docaf estejam modos.

    Rubens Ento, Dbora, a analogia essa mesma. A vida um caf quentinho...

    Dbora Estamos, finalmente, nosentendendo?

    Rubens No, minha querida Dbora...Estamos nos descobrindo, finalmente. Nopelas coisas que possamos ver como

    complementares.

    Dbora preciso, ento, que sejamosdiferentes para sermos necessrios?

    Rubens De certo modo, sim... O que euaprendi, nos ltimos tempos, foi que euprecisava aceitar o bom.

    E o bom to imenso, to avassalador no

    seu estrito sentido.

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    Dbora Eu precisava entender que obom que a mim chega, vem como umaddiva e que preciso, de algum modo,receber como uma energia vital para euseguir em frente.

    Rubens O que eu poderia pedir, depoisdisso?

    Dbora Precisaria pedir algo como umcaf com chantili?

    Um expresso com menta?

    Um cappuccino com sabor de amndoas?

    Rubens Ou um coquetel de caf, geladoe refrescante?

    Dbora Um caf forte, com amareto,com licor, com vodka?

    Rubens O que eu poderia pedir, depoisdisso?

    Dbora O que eu poderia pedir, depoisdisso?

    (Dbora e Rubens levantam as mos. Fran eEdgard entram por lados opostos. E se postamao lado das duas mesas, com seus bloquinhosde anotaes s mos)

    Rubens Quero um simples cafezinho...

    Dbora Um simples cafezinho, paramim...

    Rubens Numa xcara simples...

    Dbora Um caf simples... Um simplescafezinho como antigamente...

    (a luz cai e volta com cor diferente)

    (Dbora e Rubens sentam-se lado a lado na

    mesma mesa. Fran e Edgar saem pelo mesmolado. Retornam em seguida, empurrando umcarrinho onde trazem um suporte de um coadorantigo de caf. Uma chaleira com guaquentinha e um pequeno bule. Abrem umabonita lata de caf, colocam um nmero

    suficiente de colheres de p de caf no coador.Fazem isso, sincronizadamente. Colocam agua da chaleira no coador. Pouca gua, o

    suficiente para produzirem quatro cafezinhos.Colocam outro pequeno bule para receber ocaf que escorre e, o que j foi extrado eles

    servem com o primeiro bule para Dbora eRubens. Estes adoam com acar ou adoantee antes de comearem a beber, convidam Frane Edgard para sentarem-se com eles. Fran e

    Edgard preparam seus prprios cafezinhos e

    sentam-se, adoam, a seu gosto, e tomam comdelicadeza)

    Rubens -Vocs querem um cafezinhocomo esse?

    Dbora Bem quentinho...

    Fran Feitinho na hora...

    Edgard Como a gente gosta...

    Dbora Simples!

    Rubens Simples como a vida deveser...? Um simples caf!

    (Dbora, Rubens, Fran e Edgard levantam as

    mos. A luz cai)(A luz volta e, eles, de mos levantadascomeam a aplaudir...Em seguida chamam osassistentes de palco e os baristas que preparamtodos os cafs que foram servidos em cena)

    FIM

    Curitiba, maio/ julho de 2009

    Verso final abril de 2010