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CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E MUSEUS DE ARTE NA WEB:MEMÓRIA E REPRESENTAÇÃO DAS INFORMAÇÕES DE OBRAS DE ARTE NAS NUVENS Thais Catoira Carlos Xavier de Azevedo Netto RESUMO O presente trabalho resulta de algumas reflexões e questionamentos a respeito dos sistemas de representação da informação adotados pelos Museus de Arte, ao disponibilizarem seus acervos no ambiente virtual. Essas questões foram levantadas no período de sistematização do acervo de arte do Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba, que conta com documentos administrativos, livro de artistas, arte postal, arte xérox, fotografias, vídeo-arte, catálogos, revistas, etc. Através da perspectiva de como a informação pode ser representada e organizada pelos variados canais e suportes de comunicação, formando sistemas de memórias, e estabelecendo relações sociais entre os indivíduos, bem como, a interação entre diversos campos do conhecimento e do saber, este artigo objetivou em levantar alguns questionamentos a respeito das formas de representação e recuperação de informações referentes a acervos disponibilizados nos sites, de museus de arte brasileira, e se esses espaços virtuais atendem as peculiaridades informacionais das obras de arte contemporâneas, respondendo aos interesses e necessidades dos usuários, na promoção do conhecimento. PALAVRAS-CHAVE: Ciência da Informação. Sistemas de Memória. Acervos de Arte Contemporânea. Disponibilização Virtual. ABSTRACT This paper is result of some reflections and questioning about information representation systems adopted by Art Museums, to provide theirs collections in virtual environment. This questions were raised in the systematization period of the art collection from Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba, which counts with management documents, artists books, postal art, xerox art, photographs, art-videos, catalogs, magazines, etc. Through this perspective of how information can be organized by different channels and communication supports, forming memory systems, and establishing social relations between individuals, as how, the interactions between different knowledge and knowing field, this paper aims to raise some questions about representation and recovery forms referent to collection available on sites, of Brazilian art museums, and if this virtual spaces attempt the informational particularities of contemporary, responding to users interest and necessity, in knowledge promotion. KEYWORDS: Information Science. Memory Systems. Collections of Contemporary Art. Providing virtual.

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CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E MUSEUS DE ARTE NA WEB:MEMÓRIA E REPRESENTAÇÃO DAS INFORMAÇÕES DE OBRAS DE ARTE NAS NUVENS

Thais Catoira

Carlos Xavier de Azevedo Netto

RESUMO O presente trabalho resulta de algumas reflexões e questionamentos a respeito dos sistemas de representação da informação adotados pelos Museus de Arte, ao disponibilizarem seus acervos no ambiente virtual. Essas questões foram levantadas no período de sistematização do acervo de arte do Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba, que conta com documentos administrativos, livro de artistas, arte postal, arte xérox, fotografias, vídeo-arte, catálogos, revistas, etc. Através da perspectiva de como a informação pode ser representada e organizada pelos variados canais e suportes de comunicação, formando sistemas de memórias, e estabelecendo relações sociais entre os indivíduos, bem como, a interação entre diversos campos do conhecimento e do saber, este artigo objetivou em levantar alguns questionamentos a respeito das formas de representação e recuperação de informações referentes a acervos disponibilizados nos sites, de museus de arte brasileira, e se esses espaços virtuais atendem as peculiaridades informacionais das obras de arte contemporâneas, respondendo aos interesses e necessidades dos usuários, na promoção do conhecimento. PALAVRAS-CHAVE: Ciência da Informação. Sistemas de Memória. Acervos de Arte Contemporânea. Disponibilização Virtual. ABSTRACT This paper is result of some reflections and questioning about information representation systems adopted by Art Museums, to provide theirs collections in virtual environment. This questions were raised in the systematization period of the art collection from Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba, which counts with management documents, artists books, postal art, xerox art, photographs, art-videos, catalogs, magazines, etc. Through this perspective of how information can be organized by different channels and communication supports, forming memory systems, and establishing social relations between individuals, as how, the interactions between different knowledge and knowing field, this paper aims to raise some questions about representation and recovery forms referent to collection available on sites, of Brazilian art museums, and if this virtual spaces attempt the informational particularities of contemporary, responding to users interest and necessity, in knowledge promotion. KEYWORDS: Information Science. Memory Systems. Collections of Contemporary Art. Providing virtual.

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Introdução

Tanto a produção de informações quanto a criação de tecnologias, fazem parte

da vida do homem desde os tempos mais remotos. Na atualidade, o grande fluxo

informacional e o aparecimento de suportes tecnológicos, cada vez mais sofisticados,

exigem dos usuários uma atualização quase que diária, para acompanhar todo esse

desenvolvimento.

Essa ação e reação entre indivíduo e tecnologias, em uma influência mútua,

proporcionam, entre outros fatores, uma desterritorizaliação, que seria, através do

diálogo entre dois espaços, o real e o virtual, a desconfiguração ou descontinuidade dos

limites espaciais que constroem o território1. Com o desenvolvimento da internet, o

indivíduo através da presença à distância, quando conectado à rede, encontra-se

fisicamente em uma localidade real e ao mesmo instante, pode estar presente

virtualmente em outro extremo do planeta. Cria-se uma duplicidade presencial, que

potencialmente acentuaria o vínculo entre o usuário e o local que está inserido

fisicamente, carregando e transpondo assim, esse espaço – ou seja, sua identidade - aos

locais virtuais e reais que percorre. (VIRILIO, 1993; WEISSBERG, 2004).

Assim como o usuário leva para a rede virtual sua identidade local, sua relação

com as novas tecnologias e o meio digital, também passa a potencializar uma

redefinição cultural, contribuindo nas mudanças do cotidiano, nas relações sociais e até

mesmo na estética do indivíduo, uma vez que a estrutura social é constituída pelos mais

variados mecanismos; sejam na materialidade, subjetividade, contextos sociais, que são

estruturados e estruturam toda uma sociedade. (PINHO NETO, 2008).

Por essas perspectivas, ressaltamos a necessidade de observar essas novas

tecnologias, de uma maneira crítica e reflexiva, não se prendendo a um ponto de vista

que coloque a tecnologia como autônoma e ameaçadora, nem como um mero

instrumento técnico, inocente e sem influências. Ao estabelecer uma visão crítica em

relação a essas duas vertentes, percebemos que é a partir das trocas e da intermediação

entre homem, informação e tecnologia, que se estabelece um diálogo e uma interação,

que fazem parte do processo dinâmico das construções simbólicas do ser humano.

Nesse sentido, Latour (1994) nos coloca como seres hibridizados, pertencentes a

um universo de trocas, mediações e interfaces, ressaltando que a tecnologia não fica                                                             1 A noção de território está fundada na concepção simbólica do espaço (AZEVEDO NETTO, 2011) a partir do processo de pertencimento, onde o indivíduo reconhece como seu determinada porção delimitada do espaço e, ao mesmo tempo, está pertencendo a determinado ambiente (espaço). 

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apenas externa ao homem, mas se torna parte de seu corpo e de todo seu entorno, e

afirma “O homem, a natureza e a tecnologia possuem um caráter transversal, são

híbridos, repletos de injunções heterogêneas, bifurcações e inter-relações entre si.”.

(PINHO NETO, 2008, p. 12).

Observando a informação e as novas tecnologias como parte integrante e ativa

no processo construtivo das estruturas sociais, também devemos atentar alguns aspectos

negativos que envolvem esses mecanismos; o excesso de informação e a dinamicidade

das novas tecnologias podem trazer mudanças perceptíveis aos seus usuários, através da

redundância da informação, superficialidade e o imediatismo. (BAUDRILLARD, 1990;

VIRILIO, 1993).

Compreender, a sociedade e sua produção tecnológica e informacional, como

parte integrante do sistema sociocultural é fundamental para uma pesquisa na área da

Ciência da Informação, e sob essas perspectivas que refletimos sobre uma problemática

que envolve a representação e recuperação das informações, a disseminação da

informação, acervos de arte e repositórios digitais, contextualizando sociedade –

informação – tecnologia – arte.

Sistematização do Acervo do Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba

O NAC é um dos núcleos de extensão da Universidade da Paraíba, criado em

setembro de 1978, no qual desenvolveu num período de sete anos, entre 1978 a 1985,

uma significativa produção e movimentação nos setores artístico-cultural na região

Nordeste. Neste intervalo temporal, o Núcleo promoveu cursos, palestras, atividades de

extensão, intercâmbios de artistas e exposições de arte, que até então nunca haviam

ocorrido na cidade de João Pessoa - PB, uma vez que, as produções de arte que o NAC

propunha eram consideradas no período, como arte marginal, a arte conceitual2 ou ainda

a arte contemporânea foram excluídas e discriminadas nas instituições oficiais, e

buscavam novos espaços e formatos para exporem suas ideias.

A partir de 1982 o NAC passou a decair tanto na produção de eventos e

exposições, quanto na perda de patrocinadores e parcerias, como exemplo, o fim do

convênio com a FUNARTE – Fundação Nacional das Artes. Essas perdas significaram

                                                            2A arte conceitual desenvolveu‐se nas décadas de 1960 e 1970 ‐ era vista como uma ‘arte marginal’, que ia contra o discurso oficial das produções artísticas da época (tradicionais), e por esse motivo, esta nova produção de arte, buscava novas formas e lugares para expor, divulgar e apresentar suas ideias (FREIRE, 2009).  

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não apenas, uma crise em sua missão institucional, mas também alcançaram grandes

problemas em torno da estrutura física do prédio, prejudicando não só as atividades

artístico-culturais, mas principalmente a preservação, conservação e acesso ao seu

acervo.

O objetivo de nossa pesquisa de mestrado foi de, organizar e sistematizar parte

deste acervo – referente ao período de maior produtividade do NAC, construindo um

mecanismo de organização das obras de arte conceitual, documentos institucionais,

entre outros. Essa sistematização tomou como base, as particularidades informacionais

de cada documento, utilizando a representação da informação a partir de uma análise

semiótica, de maneira a respeitar as perspectivas estruturais cognitivas e sociais,

essenciais para a informação, ou seja, o processo de representação assumiu um status de

mediadora.

Sentimos então a necessidade de adoção de modelos de representação e

classificação para a organização de informações. Segundo DODEBEI (2002);

Os modelos derivam da necessidade humana de entender a realidade, aparentemente complexa e são, portanto, representações simplificadas e inteligíveis do mundo, permitindo vislumbrar as características essenciais de um domínio ou campo de estudo (DODEBEI, 2002, p.19).

Assim, ao realizarmos representações do conhecimento, produzimos estoques

informacionais, estes são compreendidos dentro das noções da área tratada. Dessa

forma, a utilização de modelos configura-se como “construções da mente humana”, e

se tornam um fator colaborativo na organização e compreensão das informações

(DODEBEI, 2002, p.20).

O uso de procedimentos metodológicos para auxiliar a sistematização dos

objetos informacionais, específicos da arte contemporânea, colaborou em um diálogo

multidisciplinar entre a Ciência da Informação, as abordagens da Memória Social, por

meio do entrelaçamento das noções desses campos de conhecimento, estabelecendo

dessa forma, os atributos necessários na formação dos modelos de organização desta

pesquisa.

Essa relação dialógica entre CI e a Memória Social, além de agregar diferentes

configurações de modelos de organização, também podem levar a reestruturação desses

modelos, uma vez que, a representação e classificação - tanto do cotidiano, dos produtos

culturais, do universo circundante ao homem, - variam conforme o contexto e a

interpretação de seu observador. A elaboração de modelos é transformada

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potencialmente em estoques de informação, formando assim, “as memórias

documentárias, consideradas construções simbólicas do conhecimento.” (DODEBEI,

2002, p.19).

Ao refletirmos sobre os estoques de informação, como potenciadores das

memórias documentárias, encontramos nas teorias da representação e classificação, bem

como nas teorias da organização do conhecimento, as diretrizes de formação desse

campo do saber. Em relação à representação e classificação, Azevedo Netto evidencia;

As noções de representação e de classificação institucionalizam-se, no discurso das ciências, no âmbito da modernidade, como formas de explanação das ordens constitutivas do mundo real. Os princípios de classificação e de representação assumem tal importância na esfera desses discursos que, em seu momento inicial, chega-se a restringir os processos científicos às atividades de representação e classificação do segmento do mundo real em que seus objetos eram constituídos (AZEVEDO NETTO, 2001, p. 86-87).

Dessa maneira, compusemos um modelo de organização, a partir da

representação e uma classificação hierarquizada, por meio de um processo de seleção

através das características e conteúdos dos documentos, sistematizando e organizando

as informações através de seus atributos, estes atributos, no campo da memória, podem

ser tratados como “células da memória” (DODEBEI, 2002, p.29).

Para tanto, os atributos devem ser analisados conjuntamente, e dentro do

contexto no qual estão inseridos, pois, caso sejam retirados do todo, podem perder seus

significados e suas referências, dificultando a recuperação das informações e afetando

as memórias que lhe são inerentes. Assim, a partir dessas “células de memória”, o

cruzamento dos atributos torna-se essencial para uma representação e classificação

significativa das informações, vale salientar que, como em todo processo de

classificação e representação, devemos considerar as perdas e a redução de informação,

uma vez que;

Tal cruzamento é, no entanto, limitado à escolha de atributos feita pelo analista da informação e, ainda, à dificuldade imposta pela própria natureza da língua natural, na qual se apresentam tanto os documentos como os pedidos de busca de um documento na coleção (DODEBEI, 2002, p.29).

Pode-se dizer que, a representação e classificação da informação possuem um

caráter dinâmico na construção de signos, uma vez que este se pretende funcional e

compõem-se intencionalmente por meio das interpretações, por isso tendem a

relativizações. Esse processo vai depender de quem representa e de quem a utiliza, a

representação atua assim, como mediadora na sintetização dos conteúdos informativos,

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fazendo com que, suas ações promovam a preservação e evocação das memórias sociais

(CINTRA; KOBASHI; LARA, 1994; DODEBEI, 2002; PINHO, 2009).

Dentro dessas perspectivas, realizamos a organização e sistematização de parte

do acervo do Núcleo de Arte Contemporânea, atentando para as particularidades

informacionais intrínsecas e extrínsecas dos documentos, o que resultou na produção de

novos suportes informacionais como catálogos e inventários. Segundo Ferreira (1995) a

funcionalidade em relação aos catálogos e inventários, está em seu uso como

instrumentos de pesquisa que visam o rápido acesso, disponibilização e recuperação da

informação.

Assim, a pesquisa resultou na elaboração de catálogos e inventários, a partir dos

documentos informacionais do acervo do NAC, por meio da representação e

classificação realizando assim, a interpretação e transmutação dos documentos para os

modelos organizacionais com seus signos específicos, estabelecendo uma linguagem

controlada3 dentro do contexto do acervo.

Uma das propostas iniciais da pesquisa era estruturar representações adequadas

das informações das obras e documentos do acervo para disponibilização em um

repositório digital, no caso, a escolha havia sido o repositório digital DSpace,

direcionando esse ambiente virtual como um espaço informacional e um alternativo

lugar de memória do NAC, pensando na ampliação e visualização de seu acervo, bem

como, na busca de agregar novas possibilidades de pesquisa no campo da Ciência da

Informação e no campo da Arte.

A escolha inicial de adoção do sistema virtual DSpace foi devido à sua criação,

cuja finalidade estaria voltada para a preservação e distribuição de documentos,

objetivando dar maior visibilidade às informações. Segundo o site do IBICT: O sistema Dspace foi desenvolvido para possibilitar a criação de repositórios digitais com funções de captura, distribuição e preservação da produção intelectual, permitindo sua adoção por outras instituições em forma consorciada federada. Os repositórios DSpace permitem o gerenciamento da produção científica em qualquer tipo de material digital, dando-lhe maior visibilidade e garantindo a sua acessabilidade ao longo do tempo. [...] O DSpace é um software livre que, ao ser adotado pelas organizações, transfere a estas a responsabilidade e os custos com as atividades de arquivamento e publicação da sua produção institucional. O DSpace possui uma natureza operacional específica de preservar os objetos digitais que é de interesse da comunidade científica (IBICT, 2010).

Entretanto, como a massa documental a ser tratada somava mais de quinhentos                                                             3 Consideramos como linguagens controladas, os termos retirados dos próprios documentos do acervo do  NAC,  bem  como  palavras  utilizadas  no  contexto  histórico‐social  do  Núcleo,  referente  a  outros documentos que citam e mencionam o NAC, suas atividades, exposições e seu acervo. 

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itens, e esse tratamento configurava-se em higienização, organização e sistematização,

representação das informações (catalogação e classificação), e ainda digitalização de

grande parte dos documentos, a migração para o ambiente digital não foi possível de

realizar. Ao passo que essa proposta foi descartada, outras reflexões surgiram em torno

dos sistemas de representação e recuperação de informações adotadas pelos sites de

museus de arte virtuais, e como a relação entre o usuário e os acervos digitais, poderia

contribuir para a formação das memórias sociais.

Representação e Recuperação de Informações de Acervos de Arte

Observando que o papel de instituições culturais e de espaços expositivos torna-

se um fator de grande relevância para o sistema da arte, atualmente, em se tratando de

produções em arte contemporânea, nota-se que o desenvolvimento dessa produção

artística, trouxe novas concepções estéticas, espaciais e conceituais. Em conseqüência

novos problemas e adaptações a essas características específicas, o que promoveram

novos desafios, significados e valores aos espaços destinados a essa produção.

O que se percebe, é que, as transformações das instituições de arte a partir das

produções contemporâneas vêm ao encontro das mudanças da própria arte e de seu

sistema, uma vez que suas concepções e significados estão interligados e determinam-

se, um ao outro, ao longo dos tempos. Assim, a arte contemporânea traz para os espaços

expositivos questões ligadas às linguagens em sentido amplo, o reconhecimento do

processo de produção como fator significativo em relação à obra acabada, o uso de

técnicas e equipamentos tecnológicos, (ARCHER, 2001; CAUQUELIN, 2005).

As produções de arte, dentre suas diferentes correntes conceituais e estéticas,

podem ser encaradas como produtos sociais. E em se tratando da arte contemporânea,

essa produção coloca o artista, em sua grande maioria, como mediadores, testemunhos

do cotidiano e com isso passam a compartilhar as experiências e vivências,

estabelecendo uma relação tanto de observação quanto de crítica do mundo que os

cercam e habitam (BAY, 2006; ARANTES, 2007). Ainda, segundo Azevedo (2009); a arte é uma das formas de produção cultural, assim como a Ciência e a Filosofia, que deve ser estudada na contemporâneidade, situada em seu contexto histórico, social, político e cultural, considerando os saberes instituídos e os saberes instituintes (AZEVEDO, 2009, p. 336).

A discussão sobre a arte como produto social, e as questões que envolvem esse

campo, principalmente ao universo das instituições sociais que as adquirem, é muito

vasta, e por sua complexidade não daríamos conta de resumí-la em um ou dois

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parágrafos. Mas podemos dizer que, a produção da arte contemporânea, não se limita

apenas em representar ou mediar o cotidiano e a sociedade, ela envolve também a

subjetividade, a sensibilidade e as particularidades individuais de cada artista. Assim,

sob esses aspectos, Bay (2006) aponta; Que a ligação entre a arte e a sociedade é um caminho de mão dupla, ou de múltiplas entradas, e vê-la somente pelo aspecto social determinista seria negar a individualidade e comprometer a singularidade da criação artística. Por outro lado, verifica-se que mesmo nos períodos em que a arte mais pareceu abstrair-se do mundo circundante, nos momentos em que o artista foi um declarado transgressor, e nos tempor extremos dos experimentalismos aparentemente aleatórios, ela sofreu influencia e dialogou com o meio social; pois afinal, o artista estaria se abstraindo, trasngredindo ou alienando-se de que, senão da sociedade? (BAY, 2006, p.16).

O acesso aos acervos digitais dos Museus de Arte estaria de fato alcançando sua

missão institucional, enquanto espaço físico, no ambiente virtual? A relação entre o

usuário que consulta ou visita os acervos digitais, e aquele que entra em contato

presencial com a obra, estabelece-se em campos opostos de vivência, e experiência,

potencializando diferentes percepções e consequentemente redefinindo-se dentro dos

contextos sociais.

Nesse sentido, podemos utilizar como exemplos alguns museus de artes

tradicionais que disponibilizam em seus sites institucionais seus acervos, a partir de

sistematizações próprias de organização, que atentam as peculiaridades de seus

documentos, e promovem a visibilidade destes, no espaço virtual.

Apresentamos a seguir, alguns exemplos de Museus de Arte que possuem um

sistema de organização e representação da informação de seus acervos de obras de arte,

em formato digital, disponibilizado em suas páginas institucionais. Os catálogos virtuais

trazem parte de seus acervos digitalizado/fotografado, dispostos em ordem alfabética,

como nos exemplos do Museu de Arte Contemporânea da USP, a Pinacoteca do Estado

de São Paulo e o Museu do Estado de São Paulo – MASP, apresentando assim, suas

obras com suas devidas descrições e informações; como nos mostram as figuras abaixo.

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Figura 01 - Site do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, com seu catálogo virtual, apresentando as descrições e metadados das obras de artes de seu acervo institucional. Disponível em: <www.mac.usp.br>. Acesso em: jul. de 2013.

Figura 2: Página da Pinacoteca do Estado de São Paulo, que traz as informações a partir de uma representação descritiva da obra de arte, e um signo imagético da obra. Fonte: Disponível em: < http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca-pt/default.aspx?mn=545&c=acervo&letra=A&cd=3198# >. Acesso em: jul. de 2013.

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Figura 3: Site da Museu de Arte de São Paulo, que traz a catalogação de seu acervo de obras de arte, que pode ser recuperada tanto pelo autor, título, bem como a partir de uma classificação por ordem alfabética, permitindo ainda, uma filtragem a partir dos campos descritores “categoria da obra” e “tipo da obra”. Fonte: Disponível em: < http://masp.art.br/masp2010/acervo_sobre_o_acervo_do_masp.php >. Acesso em: jul. de 2013.

Figura 4: Página da Museu de Arte de São Paulo, traz as informações a partir de uma representação descritiva da obra de arte, e um signo imagético da obra. Fonte: Disponível em: < http://masp.art.br/masp2010/acervo_detalheobra.php?id=526>. Acesso em: jul. de 2013.

A partir da análise dos acervos digitais dos Museus de Arte citados acima,

percebemos uma representação descritiva das informações, que contribuem e informam

o usuário a respeito da obra buscada. Mas algumas das produções que se encontram nos

acervos, sejam nos espaços, real ou virtual dessas instituições, as obras de arte

contemporânea, nasceram de propostas que quebram com a concepção tradicional de

obra de arte, desconstruindo a aura sacralizada e única que detinha a obra de arte

clássica. A arte contemporânea produz obras que são pensadas não apenas para serem

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vistas ou contempladas, mas experienciadas ou vivenciadas no intuito de estabelecer

novos significados e sensações entre seus expectadores.

Embora algumas dessas obras não sejam produzidas para serem guardadas em

um acervo, mas elaboradas para dialogar diretamente com o público, serem efêmeras,

ou atuarem no próprio cotidiano urbano do transeunte, essas mesmas produções são

incorporadas aos acervos institucionais, inclusive nos ambientes virtuais, e é nesse

momento que as problemáticas que envolvem as formas mais adequadas para

armazenar, tratar, representar, conservar e recuperar as informações desses materiais,

tanto para preservar as informações, quanto às obras em sua materialidade

Considerações

Sob este aspecto que a Ciência da Informação e suas pesquisas devem voltar

para o campo da memória e preservação, passando a considerar esses aspectos ligados a

representação das informações, os sistemas de memória e preservação, das obras de

arte, como fontes de informação, passíveis de serem tratadas e organizadas, visando

assim, a facilitação para disponibilização, pesquisa e acesso, ou seja, a interpretação do

cientista da informação pode contribuir para esse objetivo, uma vez que;

[...] esboçar uma interpretação dessas obras, favorecendo sua inteligibilidade. Isto significa, no contexto do museu, atribuir-lhes valor e legitimidade (FREIRE, 1999, p. 16).

Os Museus de Arte, tanto em seu espaço real quanto virtual, realizam constantes

adaptações em suas formas de organização e expografia, para darem conta, das

propostas artísticas, em suas estruturas estéticas e conceituais, mas ao disponibilizarem

seus acervos em seus sites institucionais, apesar das formas de representação da

informação, até certo ponto, atingirem seus objetivos para uma recuperação da

informação eficaz, estaria também dando conta das memórias dos documentos?

É preciso ampliar os estudos em torno das formas de representação das

informações em obras de arte, bem como, as questões voltadas para a preservação das

memórias, de maneira que segundo Pinheiro (1996) faz-se necessário adotar desde

ações como a articulação interna dos setores dos museus, realizar a capacitação dos

profissionais que atuam nessa prática, assim como, a formação de equipes

multidisciplinares; e por fim, a aplicação de sistemas de informação e redes de

comunicação visando dinamizar a recuperação das informações e contribuir com a

preservação.

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Sendo assim, é possível considerar que as representações das informações, nos

acervos digitais, conseguiram se adaptar e respeitar as particularidades das produções

artísticas, tratando-as e salvaguardando-as, como um importante catalisador de eventos

a favor do conhecimento em arte? Ou ainda questionar, será que esses espaços virtuais

promovem uma vivência e exploração dos processos artísticos significativos, auxiliando

na preservação de suas memórias?

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