cidade e deficiência visual: condições de acessibilidade no pólo … · 2018. 9. 10. · cidade...

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Raquel Pessoa Morano Universidade Federal do Ceará (UFC) [email protected] Cidade e Deficiência Visual: condições de acessibilidade no pólo turístico- comercial da Avenida Monsenhor Tabosa - Fortaleza - Ceará - Brasil Zilsa Maria Pinto Santiago Universidade Federal do Ceará (UFC) [email protected] 959

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  • Raquel Pessoa Morano

    Universidade Federal do Ceará (UFC)

    [email protected]

    Cidade e Deficiência Visual: condições de acessibilidade no pólo turístico-comercial da Avenida Monsenhor Tabosa - Fortaleza - Ceará - Brasil

    Zilsa Maria Pinto Santiago

    Universidade Federal do Ceará (UFC)

    [email protected]

    959

  • 8º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL (PLURIS 2018) Cidades e Territórios - Desenvolvimento, atratividade e novos desafios

    Coimbra – Portugal, 24, 25 e 26 de outubro de 2018

    CIDADE E DEFICIÊNCIA VISUAL: CONDIÇÕES DE ACESSIBILIDADE NO

    PÓLO TURÍSTICO-COMERCIAL DA AVENIDA MONSENHOR TABOSA -

    FORTALEZA - CEARÁ - BRASIL

    R.P. Morano, Z.M.P. Santiago

    RESUMO

    A acessibilidade é discutida como um dos temas que viabilizam a mobilidade urbana, ao

    considerar o respeito à cidadania e o direito de ir e vir para todos. O presente artigo tem

    como objetivo analisar a acessibilidade da Avenida Monsenhor Tabosa que, recentemente,

    foi contemplada com obras de acessibilidade. A análise será feita sob a perspectiva dos

    usuários com Deficiência Visual, pois, segundo o Censo (2010), a deficiência visual é a

    que mais atinge as pessoas no Estado do Ceará. Para isso, foi necessária uma revisão

    bibliográfica acerca do tema estudado assim como uma análise empírica com aplicação de

    metodologias qualitativas que permitem uma aproximação com o usuário e atentam para a

    subjetividade e experiência. Como resultado e com o conhecimento mais aprofundado foi

    possível verificar incompatibilidades com as diretrizes das normas e, também, sugerir

    acréscimos que podem contemplar e dar melhores condições de orientação, mobilidade e

    segurança.

    1 INTRODUÇÃO

    O acelerado crescimento demográfico das cidades brasileiras trouxe como consequência

    muitas dificuldades que prejudicaram a sociedade e o poder público constituído, entre elas,

    a carência de acessibilidade urbana presente nos debates atuais e vinculada a uma questão

    maior: o direito à cidade. A não acessibilidade e a privação do direito à cidade atinge mais

    intensamente as Pessoas com Deficiência (auditiva, visual, mental e motora) e as Pessoas

    com Dificuldade de Locomoção. No Brasil, boa parte dos espaços púbicos apresenta

    inadequação do atendimento das necessidades básicas de acesso a todas as pessoas.

    A garantia do direito de ir e vir e a inclusão social são dois dos principais critérios para a

    plenitude do direito à cidade. Considerando que os deslocamentos humanos são

    formadores da estruturação intraurbana (Villaça, 1999) e que a circulação na cidade é uma

    função urbana já reconhecida (Carta de Atenas, 1933), a criação de espaços com ausência

    de barreiras torna-se uma necessidade para garantir universalização da cidadania (Santiago

    et al, 2014).

    Com intuito de diminuir as barreiras arquitetônicas existentes no meio urbano e nas

    edificações, o país adotou um conjunto de normas e legislação específicas, que deveriam

    ser cumpridas em todos os níveis. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU),

    existem 191 países que reconhecem direitos das pessoas com deficiência e somente 50

    desses países possuem uma legislação ampla e avançada que contempla essas pessoas, o

  • Brasil é um deles. A principal tarefa das normas de acessibilidade elaboradas pela

    Associação Brasileira de Normas Técnicas é a de romper obstáculos e ir além de dar

    diretrizes projetuais, formando uma cultura de inclusão e posturas perante esta parcela da

    população, normalmente excluída, consequentemente, do fortalecimento da cidadania.

    Ainda que os avanços normativos sejam importantes conquistas, percebe-se uma lacuna

    entre as exigências legais e a realidade das cidades brasileiras. Segundo o Censo (2010),

    23,9% da população brasileira possui pelo menos uma das deficiências investigadas:

    visual; auditiva; motora e mental ou intelectual. A Região Nordeste apresentou a maior

    taxa de prevalência de pessoas com pelo menos uma dessas deficiências –26,63% e no

    Ceará a taxa foi de 27, 69%. Em Fortaleza, existem 2.106.309 pessoas com alguma

    deficiência (Censo, 2010), e está em 5º lugar nacional em relação ao número de Pessoas

    com Deficiência, ficando atrás somente de: São Paulo (SP) com 9.783.868 PcD; Rio de

    Janeiro (RJ) com 5.559.923 PcD; Salvador (BA) com 2.331.049 PcD e Brasília (DF) com

    2.180.903 PcD. A Deficiência Visual é a de maior incidência na população, atingindo

    18,6% da população brasileira. No Ceará atinge 4,5 % da População e em Fortaleza 4,8%

    da população possui Deficiência Visual.

    Frente a esta realidade, faz-se necessário averiguar que medidas estão sendo tomadas para

    a alteração deste quadro e avaliar a funcionalidade do espaço urbano produzido por tais

    ações ou ausência delas. O presente artigo tem como objetivo avaliar as condições de

    acessibilidade da Avenida Monsenhor Tabosa que, recentemente, foi contemplada com

    obras de acessibilidade e, também, por ser um dos principais pontos turísticos de Fortaleza

    e conhecida como um dos maiores centros de compras e artesanato da cidade, recebendo

    visitantes de todas as partes do Brasil e do exterior.

    A Avenida Monsenhor Tabosa está situada na porção central da cidade de Fortaleza.

    Localiza-se na divisa das Regionais Centro e IV, e é considerada uma das avenidas mais

    importantes da cidade, pois abriga um dos maiores corredores turísticos da cidade com

    lojas, bares, cafés e artesanato. A via possui cerca de 700 metros de extensão, e tem sua

    continuidade na Avenida Leste Oeste, à Oeste, e na Avenida Abolição, à Leste (Ver Figura

    01). Em 2014, a Avenida passou por obras de requalificação e recebeu serviços de

    drenagem, padronização das calçadas, faixas elevadas de pedestre e construção de

    caramanchões para aumentar as áreas sombreadas do local. A obra contou com parceria da

    Prefeitura de Fortaleza, Ministério do Turismo e com verba do Governo Federal. Essa obra

    compôs um pacote de obras destinadas à ajustes e melhorias para a Copa do Mundo de 2014,

    sediada pelo Brasil.

    Fig. 1a Localização Avenida Monsenhor Tabosa

    AV. MONSENHOR TABOSA

    REGIONAL CENTRO

  • Tendo em vista que Avenida Monsenhor Tabosa é um local turístico, é imprescindível a

    presença de acessibilidade para atender todos os tipos de deficiência, visto que o lazer

    turístico possui potencial motivador da inclusão social, pois amplia a demanda na

    participação de todos (Mendes et al, 2008) oportunizando a inclusão das pessoas com

    deficiência no convívio social (Sassaki, 2013).

    É importante salientar que a grande maioria dos estudos elaborados no universo da

    temática acessibilidade, que são desenvolvidos por pesquisadores do campo da Arquitetura

    e Urbanismo, é comumente voltada a questões sobre acessibilidade de Pessoas com

    Deficiência Física ou com Dificuldade de Locomoção. Esse fato demonstra a necessidade

    de elaboração de critérios de análise e vistorias que abranjam também as outras

    Deficiências como: Auditiva, Mental e Visual, a fim de aumentar a compreensão da

    utilização do espaço público e os desafios encontrados por essas pessoas além de auxiliar o

    planejador para que seu desenho alcance o caráter universal. O enfoque desse artigo foram

    as Pessoas com Deficiência Visual (PcDV) e, com a análise busca-se apresentar

    diagnósticos relacionados as questões físicas, perceptivas e qualitativas do lugar sob a

    perspectiva dos usuários com Deficiência Visual.

    Apesar da escolha de apenas uma das deficiências para ser estudada mais a fundo,

    defendemos os direitos e a luta pela inclusão de todas as deficiências, sejam estas com

    pouca incidência, as mais recorrentes, as brandas e as mais severas. Algumas vezes se faz

    necessária uma delimitação para a produção do trabalho, como no caso desta pesquisa em

    que o foco de investigação é a PcDV e sua relação com o espaço construído.

    2 METODOLOGIA

    O presente artigo faz parte de uma pesquisa de mestrado intitulada “Caminhos Invisíveis:

    Análise dos Percursos Cotidianos de Pessoas com Deficiência Visual” e obedecerá aos

    preceitos éticos de pesquisa, devendo assim, todos os participantes estarem cientes dos

    procedimentos metodológicos, bem como, assinar o Termo de Consentimento Livre e

    Esclarecido que garante o respeito devido à dignidade humana, indivíduos ou grupos que,

    por si e/ou por seus representantes legais, manifestem a sua anuência à participação na

    pesquisa.

    A pesquisa é considera de caráter qualitativo e, para um melhor entendimento, a pesquisa

    qualitativa não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados, nem emprega análise de

    dados estatísticos. Parte de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo à

    medida que o estudo se desenvolve. Esse tipo de pesquisa envolve a obtenção de dados

    descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do

    pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a

    perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo (GODOY, 1995).

    E, por todo esse caráter qualitativo, foram escolhidas metodologias já consagradas para o

    desenvolvimento do trabalho: Avaliação Pós Ocupação (APO) que, para Souza (apud

    Fujita, 2000, p. 3), “é uma metodologia que possibilita a identificação do grau de satisfação

    do cliente final e dos fatores que determinam esse grau de satisfação” e Percursos

    Comentados (Thibaud, 2002) que tem como objetivo principal qualificar os ambientes de

    um lugar a partir das percepções que os usuários têm dele e de suas práticas (Jolé, 2005). A

    metodologia foi aplicada junto a três participantes, sendo eles, uma mulher com cegueira

    congênita, um homem com cegueira congênita e um homem com cegueira adquirida.

  • A rota traçada foi percorrida ao longo da via, pelas calçadas e suas travessias (Ver Figura

    02). Os percursos foram realizados separadamente com os três participantes, assim, o

    discurso de um não seria influenciado pelo do outro. Antes de começar o Percurso na via

    analisada, foi pedido que os participantes comentassem simultaneamente ao caminhar

    sobre o percurso, as dificuldades encontradas, recursos que utilizariam, como eles

    entendiam a acessibilidade aplicada na via, possíveis dúvidas e críticas em relação ao que

    estava sendo vivenciado. O percurso foi registrado em vídeo para que as reações dos

    participantes fossem capturadas em seu estado genuíno.

    Fig. 2 Percurso - Avenida Monsenhor Tabosa

    Além desses métodos, foram feitas vistorias in loco para a aplicação de checklists com

    critérios de acessibilidade pré-estabelecidos utilizando parâmetros das normas e leis sobre

    o assunto (Decreto 5.296/2004; NBR 9050/2015; Ceará, 2009; NBR 16537/2016).

    Elaborou-se então um conjunto de critérios de avaliação e a sua evolução ao longo das

    vistorias feitas, com modificações que objetivaram a melhoria do processo de análise,

    considerando peculiaridades que foram fazendo-se necessárias conforme as visitas

    subsequentes. Os checklists e vistorias foram realizadas pelas autoras com base nos

    critérios encontrados nas Normas e pelo discurso dos participantes que fizeram o percurso

    comentado na avenida, validando todos os itens que estavam em concordância com as

    normas.

    Para analisar os critérios foram elaboradas fichas para transcrever a situação das ruas (Ver

    Tabela 01), assim, tinham as opções: ( ) sim, ( ) não, ( ) espaços para observações e

    possíveis soluções. Isto possibilitou um diagnóstico com dados importantes para a

    comparação.

    Tabela 1 Checklist – Parâmetros de Acessibilidade

    PARÂMETROS AVALIADOS S N OBSERVAÇÕES E

    POSSÍVEIS SOLUÇÕES

    CALÇADAS

    PISO ANTIDERRAPANTE; NBR 9050/2015 x

    FAIXA PARA TRAVESSIA DE PEDESTRE; NBR 9050/2015 x

    FAIXA ELEVADA; NBR 9050/2015 x

    TRAVESSIAS LIVRES DE OBSTÁCULOS; NBR 9050/2015 x

    TRAVESSIA SINALIZADA COM PISO TÁTIL; NBR 16537/2016 x

    FAIXAS DE SERVIÇO, LIVRE E DE ACESSO; NBR 9050/2015 e GUIA DE ACESSIBILIDADE 2009

    x Em alguns pontos da

    avenida não existe.

    ÂNGULO DA FOTOGRAFIA

  • OBSTÁCULOS NO PERCURSO

    DEGRAUS NAS CALÇADAS; NBR 9050/2015 x Entrada das lojas

    MUDANÇA BRUSCA NO TIPO DE PISO; NBR 9050/2015 x

    ELEMENTOS MAL POSICIONADOS, OBSTRUINDO O

    PASSEIO; NBR 9050/2015, NBR 16537/2016

    x

    INCLINAÇÃO ACENTUADA DE CALÇADAS E

    DESNÍVEIS; NBR 9050/2015

    x

    OBSTÁCULOS TEMPORÁRIOS; GUIA DE ACESSI, 2009 x

    VEÍCULOS ESTACIONADOS NO LEITO DA CALÇADA; x

    MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, LIXOS E ENTULHOS

    LANÇADOS NA CALÇADA; DECRETO 5.296/2004

    x

    CANTEIROS DISPOSTOS INADEQUADAMENTE NAS

    CALÇADAS; GUIA DE ACESSI, 2009

    x Sem grelha sobre o canteiro

    e nem guia de balizamento

    SINALIZAÇÃO

    SINAL SONORO EM CRUZAMENTO; NBR 9050/2015 x

    SINALIZAÇÃO TÁTIL NAS PARADAS DE ÔNIBUS /

    ÔNIBUS; NBR 9050/2015, NBR 16537/2016

    x

    PISO TÁTIL

    DIRECIONAL NBR 9050/2015, NBR 16537/2016

    LIVRE DE OBSTÁCULOS NBR 16537/2016 x Em alguns pontos há

    obstáculos

    NA DIVISA DA CALÇADA COM O LOTE – QUANDO NÃO

    HOUVER MURO; NBR 16537/2016

    x

    ALERTA

    EM TORNO DOS OBSTÁCULOS SUSPENSOS COM

    ALTURA ENTRE 0,60M E 2,10M; NBR 16537/2016

    x

    TÉRMINO E INÍCIO DE RAMPAS E DEGRAUS; NBR 16537/2016

    x

    JUNTO À DESNÍVEIS E PARADAS DE ÔNIBUS; NBR 16537/2016

    x

    SINALIZAÇÃO TÁTIL OBEDECE à TABELA DE

    CONSTRASTE DE CORES (NBR); NBR 16537/2016

    x

    VEGETAÇÃO

    VEGETAÇÃO NA PASSAGEM RAÍZES E ESPINHOS; GUIA DE ACESSI, 2009 e NBR 9050/2015

    x Vegetação Espinhosa

    RESINA OU FRUTOS SOBRE O PISO; GUIA DE ACESSI, 2009 x

    Os critérios foram elencados para analisar a acessibilidade implantada da avenida e, além

    disso, se essa acessibilidade atende a pessoas com deficiência visual e proporciona um

    caminhar seguro e livre de obstáculos físicos e comunicacionais. Foi verificado, ainda, se

    havia uma rota acessível com guias, pisos direcionais que abrangesse o uso universal,

    passagens confortáveis para o trajeto dos usuários de cadeira de rodas, pessoas com

    obesidade ou ainda pessoas que usam muletas.

    As travessias foram analisadas com rigor, já que para os participantes, são pontos de alto

    risco, pois além de não enxergarem, é comum os carros não respeitarem o pedestre (Ver

    Figura 03). Foi relatado também que existem buracos e obstáculos em travessias em vários

    pontos da cidade, e por isso, a análise atenta desse quesito foi necessário.

    A vegetação foi outro ponto citado como de alto risco, pois a escolha da arborização

    urbana é quase sempre inadequada. Os estabelecimentos privados utilizam plantas

    espinhosas e posicionadas erroneamente ou até mesmo sem poda. Essas características

    podem prejudicar o caminhar e provocar acidentes. Além disso, o posicionamento e a

  • sinalização dos canteiros foram levados em consideração nas análises por serem fatores

    que condicionam acidentes.

    Legenda

    Avenida

    Travessias

    Alto Risco

    Centro

    Cultural

    Dragão

    Do Mar

    Fig. 3 Mapa de Situação - Avenida Monsenhor Tabosa

    3 ANÁLISE E DISCUSSÃO

    3.1 Calçadas

    As calçadas foram escolhidas para análise por serem o principal lugar de utilização do

    pedestre. A calçada é um conector de lugares e vias e é onde o pedestre deve sentir-se

    seguro.

    Em relação ao tipo e característica do piso, em todo o percurso o piso é cerâmico e

    antiderrapante, porém, no início da via – sentido oeste-leste – o piso é feito de ladrilho

    hidráulico antiderrapante e nas travessias o piso é intertravado. Na transição de um tipo de

    piso para outro não houve desconforto para os participantes, segundo eles, não há nenhum

    desnível e textura acentuada tornando-se quase imperceptível (Ver Fotos 4a, 4b e 4c).

    Fig. 4a, 4b e 4c Tipos de Piso - Avenida Monsenhor Tabosa

    Ao longo da Avenida todas as travessias são elevadas priorizando o pedestre e forçando a

    os motoristas a diminuírem a velocidade dos carros. Para alertar o desnível na via, as

    travessias são pintadas com uma cor diferente da calçada e de outros pontos da rua, porém,

    para a PcDV com cegueira total esse recurso não é eficaz.

    Não há presença de piso tátil direcional nas travessias como sugere a NBR 16537/2016

    (Ver Figura 5), podendo causar desorientação e acidentes. Existem no entorno das

  • travessias esferas de concreto, que segundo o idealizador do projeto, serve para proteger

    os pedestres impedindo que os carros adentrem nas calçadas, porém, foi um ponto muito

    criticado pelos participantes, pois, além de estarem posicionadas em desalinho com o piso

    tátil – muitas vezes em cima do piso tátil e muito próximas umas das outras, dificultando a

    passagem de pessoas em cadeiras de roda ou com muletas e se transformando em obstáculo

    – o formato em esfera, muitas vezes, faz com que a bengala não perceba de maneira eficaz

    o objeto e, em muitos casos, há colisão (Ver Figuras 6a, 6b e 6c). Todos os participantes

    acham importante haver separação dos carros para com os pedestres em favor da segurança

    e, a partir das conversas, conseguimos pensar em um formato de proteção ideal em que a

    bengala perceba o objeto antes de se machucarem (Ver Figura 7). Junto ao formato, foi

    comentado que as barreiras poderiam ser melhores alocadas, assegurando os pedestres não

    só dos carros, mas também, de um passeio livre de obstáculos.

    Fig. 5 Recomendação NBR 16537/2016 - Fig. 6a, 6b e 6c Esferas de Concreto – Fig. 7

    Proposta melhoria da Esfera de Proteção

    Em relação às faixas livre, de serviço e de acesso, é um dos pontos de muita importância a

    ser discutido, pois, as PcDV tendem a se desorientar com muitas pessoas, muito barulho e

    com passagens estreitas ou difíceis de serem entendidas. A separação das faixas faz com

    que as pessoas caminhem em segurança pela faixa livre, pois, o nome já diz livre de

    obstáculos. Em muitos pontos da via existe essa configuração de calçada com a separação

    das faixas com as medidas sugeridas pela NBR 9050/2015 e pelo Guia de Acessibilidade

    (CEARÁ, 2009) (Ver Figura 8), de tal forma que, os participantes consideraram o

    dimensionamento da calçada confortável e compreensível (Ver Figuras 9a, 9b e 9c).

    Fig. 8 Dimensão Sugerida – Figs. 9a, 9b e 9c Faixas livre, de acesso e de serviço

    3.2 Obstáculos no Percurso

    Apesar de haver a divisão das faixas – livre, de acesso e de serviço - em muitos pontos da

    avenida, foi visto um alto número de obstáculos – fixos ou não - na faixa livre, deixando os

    participantes em constante alerta para evitar acidentes e lesões corporais (Ver Figuras 10a,

    10b, 10c, 10d e 10e). Esse estado de alerta foi citado pelos três participantes. Segundo eles,

    em toda a cidade existem elementos mal posicionados, seja uma placa de trânsito –

    Existente Proposta

  • colocado pelos órgãos públicos – seja uma barraca de comércio informal ou um carro

    estacionado na calçada. Percebe-se, então, que o desrespeito para com a pessoa com

    deficiência é um ato exercido tanto pelos órgãos públicos quanto pela sociedade. O mau

    exemplo, o descumprimento das diretrizes presentes nas normas de acessibilidade e a falta

    de empatia provoca nessas pessoas a sensação de abandono e descaso, além disso, ocasiona

    exclusão social em que essas pessoas são impedidas de estarem ou chegarem a algum lugar

    com autonomia.

    Figs. 10a, 10b, 10c, 10d e 10e Obstáculos nas calçadas

    Nas fotos acima podemos perceber obstáculos móveis e fixos que prejudicam o caminhar.

    Em relação aos degraus, são encontrados na entrada de quase todas as lojas, impedindo as

    pessoas com cadeiras de rodas de entrarem e, além disso, dificultando o entendimento da

    PcDV, já que não há nenhuma sinalização de alerta em suas entradas. Além disso, não há,

    em alguns pontos da via, padronização no avanço das lojas sobre a calçada ocasionando

    em obstáculos físicos (Ver Figuras 11a, 11b e 11c).

    Figs. 11a, 11b e 11c Avanço da loja sobre a calçada

    Em relação aos canteiros, estão posicionados corretamente, porém, não há grelhas ou guia

    de balizamento que possa ser percebido pela bengala e evitar possíveis colisões (Ver

    Figuras 12a e 12b) como sugere o Guia de Acessibilidade (2009) (Ver Figura 13).

    Figs. 12a e 12b Canteiros sem guia e grelha - Fig. 13 Sugestão Guia de Acessibilidade

  • 3.3 Sinalização

    A sinalização é um dos recursos primordiais para a PcDV se orientar e entender a cidade. É

    através da sinalização que esse grupo cria suas referências e conseguem caminhar em

    segurança e com autonomia pela cidade, porém, há uma carência de sinalização no espaço

    público urbano das cidades brasileiras. A falta de sinalização é um dos fatores que fazem

    as PcDV se sentirem inseguros ao caminhar na cidade pois, interfere na sua orientação e

    também na sua segurança física.

    Observamos que na Avenida Monsenhor Tabosa não há presença de sinalização sonora

    nas travessias. A sinalização sonora foi citada como uma das mais importantes referências

    pelos participantes pois, segundo eles, traz segurança na hora das travessias e evita

    acidentes graves.

    Em relação a sinalização tátil nas paradas e pontos de ônibus, não existe. Além disso,

    também não há sinalização tátil comunicacional e informativa nas lojas existentes na

    avenida ou o recurso de um mapa tátil. Esses recursos informativos dão a PcDV

    autonomia na locomoção, além disso, passam a entender e se orientar melhor no ambiente.

    Ao fornecer essas informações, automaticamente, eles recohecem-nas no meio físico e

    podem se apropriar da melhor maneira do espaço e criar suas referências.

    Ao longo de toda a avenida o piso tátil está presente somente nas travessias, porém, em

    muitos pontos foram questionados pelos participantes em relação a sua colocação ou a sua

    legibilidade. Os participantes acreditam que seja importante ter o piso tátil direcional ao

    longo de todo o percurso pois, traz a sensação de segurança e de que nada estará em cima

    do piso tátil. Mesmo que o uso do piso tátil seja para auxiliar na orientação de um

    percurso, os três participantes quando percebiam o piso tátil, optavam por andar em cima

    do piso justificando sentir que estavam livre de obstáculos, porém, ao longo da avenida

    existiam obstáculos também em cima do piso direcional e tátil (Ver figuras 14a e 14b).

    Fig. 14a e 14b Obstáculos em cima do piso direcional

    Na avenida, há uma situação em que o piso direcional leva de encontro a parede. Essa

    alternativa é um recurso utilizado para levar a PcDV a uma referência edificada e é

    recomendada pela NBR 16537/2016 (Ver figura 15), porém, foi criticada pelos três

    participantes pois, como a avenida não possui padronização dos lotes e existe comércio

    informal encostado nas paredes os participantes tiveram que desviar por muitos momentos

    deixando de utilizar a referência edificada que, apesar de ser importantíssima, os deixaram

    em alerta e com medo de colidir (Ver figuras 16a e 16b).

  • Fig. 15 Recomend. NBR 16537 – Fig. 16a e 16b Piso tátil direcionado para edificação

    A sinalização de alerta está em desconformidade com a NBR 16573/2016 em muitos

    lugares da avenida (Ver Figura 17). Essa sinalização é, também, um dos recursos que traz

    segurança para a PcDV pois, alerta objetos altos e que não são capazes de serem previstos

    pela bengala (Ver Figura 18a e 18b) ou alerta alguma situação de risco como, por exemplo,

    antes de travessias, desníveis e desvios de rota.

    Fig. 17 Recomendação NBR 16537/2016 – Figs. 18a e 18b Obstáculo alto sem

    sinalização de alerta presente na avenida

    O piso de alerta que antecede as travessias está posto em desconformidade com a Norma

    em muitos pontos da via (Ver Figura 19a, 19b e 19c), além de não ter a medida correta,

    está aplicado quase embaixo de alguns obstáculos, não obedecendo a medida de segurança.

    Fig. 19a, 19b e 19c Obstáculos em cima da Piso Tátil de Alerta

    3.4 Vegetação

    A vegetação encontrada nas ruas é de tipo adequado e possui seus galhos podados numa

    altura de 2,10 evitando barreiras aéreas (Ver Figuras 20a e 20b). Além disso, traz um

    conforto ambiental para as pessoas que passam por ali trazendo sombra e sensação de bem-

    estar. Em alguns pontos da via existem canteiros altos que possuem vegetação espinhosa

    que pode ocasionar acidentes, principalmente, porque não há como perceber essa

    vegetação com a bengala (Ver figura 20c).

  • Figs. 20a e 20b Veg. util. corretamente – Fig. 20c Canteiro alto com planta espinhosa

    4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Verificou-se um grande potencial turístico e econômico na avenida, pois depois da

    reforma, a Prefeitura de Fortaleza incentivou outros usos além do comércio. Foram

    encontrados bares, cafeterias, restaurantes e artesanato.

    A metodologia do Passeio Acompanhado foi de grande importância para ter a opinião do

    usuário e, também, a validação da acessibilidade que estava em conformidade com a

    norma. Entendemos que o checklist é apenas uma ferramenta importante para checar se

    vias e edifícios estão em conformidade com o que é pedido em normas e leis e, que a

    acessibilidade vai muito além do que é cobrado. É necessário escutar e entender como

    essas pessoas utilizam o espaço e o que de fato necessitam para caminhar com segurança.

    A acessibilidade, objeto de análise, vem sendo considerada e acrescida nas obras de

    reforma, contudo, ainda se encontra posta em alguns pontos da avenida em

    desconformidade com as Normas de Acessibilidade dificultando o acesso e prejudicando o

    caminhar confortável. Além disso, não incentiva as Pessoas com Deficiência a caminharem

    e usarem a avenida.

    Sobre a análise dos dados coletados, pode-se dizer que a situação da avenida atende a

    muitos critérios de nossa avaliação, porém, na constatação dos participantes ainda são

    encontrados pontos considerados críticos, em que a acessibilidade se encontra precária ou

    com mal posicionamento de elementos. Considera-se, portanto, que é necessário mais

    atenção em todas as etapas de realização de um projeto ou reforma, desde o momento de

    projetar, de compatibilizar, de executar a obra e de reparar falhas de projeto e/ou

    compatibilização de projeto/obra. A falta de fiscalização perante as normas da ABNT que

    trazem recomendações sobre o assunto, como é o caso da NBR 9050/2015 e NBR

    16537/2016, acarreta uma série de problemas físicos que levam a exclusão social. No caso

    da Monsenhor Tabosa, a execução partiu da adequação pela Norma 9050/2004, mesmo

    assim, algumas exigências da NBR 16537/2016 já estavam inseridas na norma anterior.

    Não é só uma questão de atendimento às leis e normas, mas existe ausência de uma política

    de inclusão, em que a cidade, em seus espaços públicos, seja pensada em seus mínimos

    detalhes para todas as pessoas de modo a incluir suas necessidades de locomoção. Para

    isso, a continuação de estudos e pesquisas se faz necessária, bem como o intercâmbio da

    academia com os órgãos gestores, para que os projetos, obras e fiscalizações estejam

    alinhados com as necessidades das pessoas com deficiência por meio da utilização mais

    adequada das normas e legislações. Assim, a esperança é que os espaços urbanos sejam

    cada vez mais fatores de inclusão de todos.

  • 5 REFERÊNCIAS

    Associação Brasileira De Normas Técnicas. NBR9050 (2015): Acessibilidade a

    edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro.

    Associação Brasileira De Normas Técnicas. NBR16537 (2016): Acessibilidade –

    Sinalização tátil no piso –Diretrizes para elaboração de projetos e instalação. Rio de

    Janeiro. Ceará. Guia de Acessibilidade (2009): Espaços públicos e edificações. Elaboração: Nadja

    G. S. Dutra Montenegro; Zilsa Maria Pinto Santiago; Valdemice Costa de Sousa.

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    Godoy, Arllda Schmidt. (1995) Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades:

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    2, p. 57-63.

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