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CÍCERO FÉLIX DE SOUSA A invenção da verdade As estratégias discursivas do Correio da Paraíba nas eleições de 2006 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, como exigência para obtenção do grau de mestre. Orientadora: Profª Drª Maria Angélica de Oliveira João Pessoa, Paraíba (PB) Março de 2008

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CÍCERO FÉLIX DE SOUSA

A invenção da verdade

As estratégias discursivas do Correio da Paraíba nas eleições de 2006

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, como exigência para obtenção do grau de mestre.

Orientadora: Profª Drª Maria Angélica de Oliveira

João Pessoa, Paraíba (PB) Março de 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

A invenção da verdade As estratégias discursivas do

Correio da Paraíba nas eleições de 2006

Mestrando: Cícero Félix Orientadora: Profª Drª Maria Angélica de Oliveira

João Pessoa, Paraíba (PB) Março, 2008

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CÍCERO FÉLIX DE SOUSA

A invenção da verdade As estratégias discursivas do

Correio da Paraíba nas eleições de 2006 Banca examinadora: __________________________________________________ Profª Drª Maria Angélica de Oliveira (orientadora)

__________________________________________________ Profª Drª Ivone Tavares Lucena (examinadora interna)

__________________________________________________ Profº Drº Luiz Custódio (examinador externo)

__________________________________________________ Profª Drª Mônica Nóbrega (suplente)

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Dedicatória Aos meus filhos. Eu continuarei neles...

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Agradecimentos Gostaria de citar aqui todos os nomes, lembrar de todos os rostos. Fazer uma exposição da paciência e compreensão que tiveram comigo durante esse percurso que se interromperá, adiante, com um ponto a ser continuado, espalhado, esquecido e talvez recuperado. Ainda assim, esqueceria do faminto que desmanchou o lixo, guardou alguns restos no bolso, sorriu e acenou-me com um olhar de esperança num alvorecer melancólico. Obrigado a todos...

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Resumo “A invenção da verdade” analisa articulações discursivas do jornal Correio da Paraíba

publicadas entre dezembro de 2005 e outubro de 2006. O objetivo é investigar como o

jornal se predispõe, no período eleitoral, sobretudo a partir de discursos autorizados, a

construir sentidos que beneficiem um candidato em detrimento de outro. A análise parte

de dois pressupostos teóricos: jornalismo e Análise do Discurso (AD) de linha francesa.

Os fundamentos jornalísticos que “garantem” objetividade e neutralidade na produção e

divulgação da notícia; e as premissas da AD de que não existe neutralidade na

linguagem e que as verdades são transitórias, compõem os principais dispositivos

teóricos desta análise. Sob a luz dessas epistemologias, verificou-se que o Correio da

Paraíba articulou estrategicamente o discurso para mostrar, pelas pesquisas, que o

candidato da oposição (Maranhão) era imbatível e que o candidato à reeleição (Cássio)

era um administrador apático e negligente e, ainda, atrelou reivindicações parlamentares

feitas pelo dono do jornal no lugar de senador da República à campanha do candidato

Maranhão. Com isso, a análise constatou que o Correio da Paraíba produziu sentidos

estrategicamente articulados para predispor o leitor-eleitor a acreditar em suas

“verdades”.

Palavras-chave: mídia, discurso, verdade, sentidos e eleição

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Abstract “The invention of the truth” analyses discursive articulation of Correio da Paraíba news,

published between december of 2005 and october of 2006. The objective is to

investigate how the news predisposes, in the electoral period, especially from authorized

speeches, to build senses which benefits one candidate in expense of the other. The

analysis starts form two theoric presuppositions: Journalism and Speech Analysis (SA)

of French line. The journalistic fundaments which guarantee objectivity and neutrality

in the production and divulgation of the news; and the premises of the SA that there

isn’t neutrality in the language and that the truths are transitional, composes the

principals theoric devices of this analysis. Under the light of this epistemology, was

found that the Correio da Paraíba strategically articulate the speech to show, by

research, that the opposition candidate (Maranhão) was unbeatable and the reelection

candidate (Cássio) was one apathetic administrator and negligent and, still, tied up

parliamentary claims made by the news’ owner in place of Republic Senator to the

Maranhão candidate campaign. With it, the analysis found that Correio da Paraíba

produced senses strategically articulated to predispose the reader-elector to believe in its

“truths”.

Keywords: media, speech, truth, senses and election.

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Sumário

No princípio... continua o discurso ................................................................................... 9

1 ...................................................................................................................................... 12

Ser imparcial é ser parcial .............................................................................................. 12 1.1 Nos fios da história ............................................................................................... 15 1.2 Modelos e técnicas com sotaque estrangeiro ........................................................ 19 1.3 Objetividade e neutralidade: os fins justificam os meios ..................................... 27 1.4 Jornalismo acima de qualquer suspeita ................................................................ 31

2 ...................................................................................................................................... 41

Além das palavras ........................................................................................................... 41 2.1 A ordem é controlar o discurso ............................................................................ 43 2.2 E assim se fez o sujeito, consentido ..................................................................... 54 2.3 E assim se fez o sujeito, com sentido ................................................................... 59 2.4 O poder da verdade e a verdade do poder ............................................................ 66

3 ...................................................................................................................................... 73

A invenção da verdade ................................................................................................... 73 3.1 A vontade de um perfil ......................................................................................... 74 3.2 Estratégias de sedução .......................................................................................... 78 3.3 Pesquisa versus tempo .......................................................................................... 84 3.4 Além das pesquisas ............................................................................................... 95

Considerações ............................................................................................................... 111

Bibliografia ................................................................................................................... 114

Anexos .......................................................................................................................... 117

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No princípio... continua o discurso

Costuma-se dizer que existe pelo menos um bom motivo para se estudar Economia: não ser enganado por economistas. Esse conselho vale para os leitores: é bom conhecer jornalismo para, pelo menos, não ser iludido pela imprensa. Aliás, ninguém desconfia mais do que lê nos jornais do que os próprios jornalistas, imaginando o que pode estar por trás de cada notícia. (“As armadilhas do poder, Bastidores da imprensa”, de Gilberto Dimenstein)

Em “Como se faz análise de conjuntura”, o sociólogo e cientista político Herbert

de Souza alerta: não basta estar com a leitura dos jornais para entender o que está

ocorrendo em sua volta. É fundamental identificar os ingredientes, os atores e os

interesses em jogo para se tomar decisões baseadas em avaliações da situação, vistas

sob a ótica do interesse ou necessidade. Precipitar-se sobre uma notícia/informação

jornalística é um risco. A linguagem é opaca. É preciso, sobretudo, identificar em uma

rede de enunciados e dispersão de discursos, uma regularidade temática, um

emaranhado de correlações que, a partir de determinadas condições e contexto, tenham

possibilitado a emergência de determinados discursos. Os sentidos vão além da

materialidade lingüística e da pretensa imparcialidade dos jornais.

Numa época em que a informação virou moeda corrente na comunicação, o

sujeito fervilha movido pela velocidade metaforizada por um tempo reinventado para o

âmbito competitivo, onde só os vencedores permanecem de pé e os sonhos e as

esperanças convivem com a miséria, a violência, a instauração de novas doenças,

controles, regulamentações e desequilíbrios. Estar bem informado, atento aos

acontecimentos e às transformações sociais, aos avanços tecnológicos e

desenvolvimentos científicos é, sem dúvida, um diferencial nesta competição social.

Recorrer à mídia virou obrigação. Por ela circula um turbilhão de informação sobre a

vida, o homem, o mundo. A questão é: “Com que grau de confiabilidade devemos nos

debruçar sobre ela sabendo que a linguagem não é transparente e a lógica do mercado se

sobrepõe à lógica da informação?”.

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A partir desse questionamento, decidimos analisar o Correio da Paraíba (sujeito-

CP). Jornal paraibano com maior tiragem diária, sobretudo aos domingos com o

acréscimo dos assinantes de fim de semana, o Correio da Paraíba circula todos os dias e

em todas as regiões do Estado. Com o objetivo de investigar como o jornal articula o

discurso nos enunciados das capas para construir sentidos no decorrer dos onze meses

que antecederam as eleições de 2006, levantamos as seguintes hipóteses: a) através de

discursos autorizados de institutos de pesquisa o Correio da Paraíba ratifica sua vontade

de verdade; b) as estratégias discursivas adotadas pelo jornal constituem sentidos para

afetar as pesquisas de intenção de voto; e, c) o Correio da Paraíba beneficia com sua

discursivização o sujeito-candidato-oposição (Maranhão) em detrimento do sujeito-

candidato-à-reeleição (Cássio).

Para realizar esta investigação dividimos nosso trabalho em três capítulos. Nos

dois primeiros apresentamos os principais conceitos teóricos e, no último, a análise de

39 jornais e uma revista.

No capítulo um (“Ser imparcial é ser parcial”), recuperamos os fundamentos

técnicos e teóricos, importados e adotados pelo jornalismo impresso brasileiro em

meados do século XX, que tinham por fim garantir a objetividade e neutralidade na

produção e divulgação de notícias. O lide e a pirâmide invertida, oriundos dos padrões

americanos e em voga até hoje, estabeleceram a base para consolidar a pretensa

imparcialidade do jornalismo que, pressupondo apenas refletir a realidade, credenciou

sua legitimidade social. No entanto, a transformação da notícia em mercadoria e o

desenvolvimento da imprensa em meio às relações de poder acabaram afetando seus

princípios de autonomia e ética profissional. Autores como Traquina, Sodré, Pena e

Hernandes dão suporte às abordagens teóricas e fornecem uma visão crítica da imprensa

na sociedade.

Os pressupostos teóricos da Análise do Discurso (AD) de linha francesa são

abordados no capítulo dois (“Além das palavras”). A AD surgiu na França nos anos

1960 e teve como marco inaugural a publicação do livro “Analyse Authomatique du

Discours”, de Michel Pêcheux, em 1969. Para a AD, não existe neutralidade na

linguagem, no discurso. Ponte entre o homem e a realidade, o discurso é o efeito de

sentidos em ação entre locutores, sujeitos sociais afetados pela língua, história,

condições de existência e de enunciação, movidos pela transitoriedade das verdades e

pela vigilância social estabelecida pelo discurso. O sujeito, para a AD, não é o empírico,

o individual, mas o ser social, que ocupa lugares vazios determinados pela sociedade.

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Foucault, Bakhtin, Pêcheux, Charaudeau e Maingueneau compõem os principais

fundamentos das teorias sobre o discurso e a constituição do sujeito.

A análise, no último capítulo (“A invenção da verdade”), desenvolve-se sobre

três recortes que obedeceram ao critério de apresentar: a) enunciados oficiais; b)

pesquisas para Governo do Estado; e, c) enunciados que estabelecessem relações

(explícitas ou implícitas) entre o sujeito-candidato-oposição e o sujeito-candidato-à-

reeleição. Isto posto, dividimos a análise em cinco etapas. Na primeira, definimos o

ethos do sujeito-CP através de sua enunciação institucional, a exemplo do slogan

“Correio. A verdade em suas mãos” e do texto publicitário “Governantes passam.

Fica o nosso compromisso com a verdade”.

Na etapa seguinte analisamos as estratégias jornalísticas de arrebatação,

sustentação e fidelidade discursiva para seduzir o sujeito-leitor-eleitor e ratificar seu

ethos de ética e sinceridade. Na terceira etapa, no detemos em marcas significativas dos

enunciados da capa que, através da fala autorizada de institutos de pesquisa,

predispunham o sujeito-leitor-eleitor a acreditar na condição imbatível do sujeito-

candidato-oposição. Além das pesquisas contratadas pelo sujeito-CP ao Instituto

Consult (de 11, apenas seis foram publicadas), outras, realizadas inclusive por outros

meios de comunicação, veicularam em várias edições do jornal.

Na quarta etapa recortamos uma série de enunciados de capa e um texto no

interior do jornal e avaliamos como a imagem administrativa do governo atual,

personificada no candidato à reeleição Cássio, é construída a partir de discussões em

torno de reivindicações salariais dos servidores da educação e da segurança. Na última

etapa, acompanhamos o discurso de Roberto Cavalcanti ocupando lugares sociais

diferentes. Além de ocupar o lugar de empresário, como proprietário do jornal Correio

da Paraíba, ele ocupa também o lugar de político, como senador – vaga assumida após

Maranhão se afastar da senadoria para concorrer ao cargo do Governo do Estado.

Roberto Cavalcanti era seu 1º suplente.

Após chegar a determinados resultados, fizemos algumas considerações sobre o

poder de influência da mídia na sociedade e seu papel na formação sociopolítica do

sujeito no mundo atual. “Estar” efetivamente neste mundo, significa estar informado, no

mínimo, sobre a realidade construída e recortada pela mídia.

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1 Ser imparcial é ser parcial

E muita ação! é o que mais se requer! Vem ver a gente, e ver muito é o que se quer. Se apresentardes quantidade à vista, Para que se encha a multidão de pasmo, Fareis também de muitos a conquista: Amar-vos-ão com entusiasmo. A massa só se empolga pela massa, Cada um escolhe uma parcela assim; Dai muito, a cada um dando algo que o satisfaça, E gratos todos saem no fim. Dai uma peça? é dá-la logo em peças! Não falhareis numa iguaria dessas; Tão fácil é inventar quão exibir o engodo. De que vos serve apresentar o todo? O público o esfrangalha mesmo, às pressas. (O Diretor, personagem de Goethe, em “Fausto”, na tradução de Jenny Klabin Segall)

Vivemos numa época em que a informação, possivelmente, nunca foi tão

valorizada. Do âmbito da curiosidade natural ela passou para o da efetiva necessidade.

A partir do século XX, considerado por alguns teóricos o da era da informação,

nascedouro da computação e da telecomunicação1, o número de canais e meios de

disponibilização de informação cresceu assustadoramente.

Desde a criação do processo tipográfico de Johann Gutenberg, em meados do

século XV, passando pelo código morse e telégrafo (aparelho que permitiu a primeira

comunicação à distância) de Samuel Finley Breese Morse, até chegar a Internet, o

acesso à informação se expandiu consideravelmente e, hoje, se constitui numa das

principais ferramentas para o exercício da cidadania. A questão é como decodificar,

absorver e selecionar a informação no meio de tanta informação.

1 Conforme artigo do professor Antonio Mendes da Silva Filho, publicado na revista Espaço Acadêmico, publicado em julho de 2001 e acessado pelo endereço www.espacoacademico.com.br/002/02col_mendes.htm, em 20 de abril de 2007.

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Primeiro, é preciso compreender o que significa informação; depois, porque se

informar se tornou uma necessidade tão premente em nossos dias. Informação significa

dados, instrução, conteúdo a se informar, orientação, conhecimento sobre algo, etc. Nas

palavras de Patrick Charaudeau (2006a, p.33), informação é

(...) numa definição empírica mínima, a transmissão de um saber, com a ajuda de uma determinada linguagem, por alguém que o possui a alguém que se presume não possuí-lo. Assim se produziria um ato de transmissão que faria com que o indivíduo passasse de um estado de ignorância a um estado de saber, que o tiraria do desconhecido para mergulhá-lo no conhecido, e isso graças à ação, a priori benévola, de alguém que, por essa razão, poderia ser considerado um benfeitor.

A informação em si, como um signo isolado, fora da estrutura do sistema, não

tem valor. Ela só passa a ser significativa a partir de alguém, quando valorada por

alguém que a considere importante e a disponibilize através do sistema lingüístico de

comunicação, do processo de transmissão de saber, do ato de informar. E informar

implica em um “processo de produção de discurso em situação de comunicação”

(CHARAUDEAU, 2006a, p.34), independente do tipo de informação.

Grosso modo, podemos dizer que, dentro deste processo, temos: a informação

em si, o sujeito responsável por sua transmissão e o receptor. A informação em si, ou a

fonte de informação, “pode ser a própria realidade, ou qualquer indivíduo ou organismo

dispondo de informações” (CHARAUDEAU, 2006a, p.34). O receptor é o sujeito capaz

de registrar e decodificar a informação. Entre a informação em si e o receptor, temos a

mídia2, que toma para si a responsabilidade de mediador. O acesso à informação é um

direito inerente à condição de vida em sociedade, pois a informação é pertencente ou

destinada ao povo3. E se este direito é legítimo, o exercício de comunicar, de transmitir

aquilo que é de interesse social e coletivo pautado pela real ocorrência dos fatos também

é legítimo. A mídia, então, amparada por esse contrato social estabelecido pelo

empirismo, passa a ser o “espelho” da realidade; o condutor das “verdades”, o insone

cão de guarda que ladra aos cantos do mundo toda vez que fareja abusos

governamentais e demais abusos contra a sociedade.

2 O dicionário Aurélio registra mídia como o conjunto dos meios de comunicação, e que inclui, indistintamente, diferentes veículos, recursos e técnicas, como, p. ex., jornal, rádio, televisão, cinema, outdoor, página impressa, propaganda, mala-direta, balão inflável, anúncio em site da Internet, etc. No nosso caso, mídia significa apenas as atividades voltadas para o jornalismo. 3 Baseado no Código de Ética dos jornalistas brasileiros. Votado em Congresso Nacional dos Jornalistas, o código entrou em vigor desde 1987 e fixa normas de atuação profissional, suas relações com a comunidade, com as fontes de informação e entre jornalistas.

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A informação, o saber, o conhecimento, principalmente em nossos dias, é

fundamental para que o homem possa dar conta do mundo, compreender as coisas em

sua volta, encontrar explicações para aquilo que não entende. O homem precisa

constantemente se “alimentar” de informações, ele quer saber quem é o presidente,

quem é o governador que vai lhe representar, como anda a pesquisa sobre o tratamento

do câncer, como evitar a proliferação da dengue, como se chama o jogador que ganhou

o título de melhor do mundo, quem venceu a F1, quem morreu recentemente e quem foi

responsável pela criação da penicilina, como se defender da esperteza de um

comerciante, porque o rapaz saiu atirando em todo mundo, como os dias estão tão

quentes e as ondas tão altas, porque tantos furacões, tanta fome com tanta comida se

estragando, tanta água e tanta sede, quais são os horários das sessões do cinema, quem

vai se apresentar no teatro, quais os horários dos ônibus coletivos nos sábados e

domingos, como escolher um peixe sadio, como economizar no mercado...

O homem precisa tornar o mundo inteligível, precisa dessa garantia de

“estabilidade” das coisas. Saber significa comentar o mundo e hoje, sobretudo, significa

competitividade, diferença em uma prova de concurso, em uma entrevista admissional.

O saber permite ao homem ir e vir, lhe concede direitos, lhe permite transitar nas

cidades e compreender as estações do ano, lhe ajuda a decodificar os signos. Saber,

além de status, garante ao exercício da cidadania maior racionalidade. Tudo isto eleva a

responsabilidade da mídia, mas precisamente do fazer jornalismo e dos seus efeitos, um

dos temas centrais de nossa discussão.

Ao fazer um resgate histórico do jornalismo visto sob a ótica de alguns teóricos,

tem-se a impressão de que a técnica, ao longo dos anos, se sobrepôs às reflexões do

exercício jornalístico. A forma da notícia, durante largo tempo, foi uma preocupação

muito mais perene do que a ética e o conteúdo jornalístico. Só quando tais discussões

são levadas às academias, germina o debate sociológico, antropológico e filosófico

sobre esse mediar que conhecemos como veículos de comunicação. A estrutura do

jornalismo moderno que conhecemos no Brasil só começou a se consolidar em meados

do século XX, quando em alguns países da Europa e nos Estados Unidos esse processo

tem marco no século XIX.

No percurso deste capítulo vamos recuperar a história, expor reflexões e análises

de alguns teóricos e, sobretudo, apresentar modelos e técnicas que norteiam o

jornalismo e o pressupõe objetivo e neutro em “benefício” dos interesses sociais

coletivos.

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1.1 Nos fios da história

Na Grécia antiga, relata Pena (2005), os debates destinados a questões ligadas à

cidadania eram realizados em praça ateniense até o fim da Cidade-Estado, quando a

esfera de discussão de coletividade é transferida a outros níveis. As características da

burguesia ascendente ocupam o espaço público e viabilizam a consolidação da imprensa

moderna. A partir daí, as causas públicas e os valores éticos vão ser, aos poucos,

substituídos pelas estratégias de mercado.

O jornalismo que conhecemos atualmente tem suas raízes e seu desenvolvimento

na democracia do século XIX, justifica o professor português Nelson Traquina (2005a).

Se na Revolução Francesa, século XVIII, os jornais eram identificados como armas de

luta política e defensores de suas causas, durante o século XIX,

sobretudo com a criação de um novo jornalismo – a chamada penny press – os jornais são encarados como um negócio que pode render lucros, apontando com um objetivo fundamental o aumento das tiragens. Com o objetivo de fornecer informação e não propaganda, os jornais oferecem um novo produto – as notícias, baseadas nos “fatos” e não nas “opiniões” (TRAQUINA, 2005a, p.34).

Na história universal do jornalismo, Traquina apresenta quatro fatores que

fizeram do século XIX a “época de ouro”4 da imprensa:

1) a evolução do sistema econômico; 2) os avanços tecnológicos; 3) fatores sociais; e 4) a evolução do sistema político no reconhecimento da liberdade no rumo à democracia (TRAQUINA, 2005a, p.35).

Com a evolução do sistema econômico, os jornais conquistaram a independência

dos subsídios políticos e se tornaram um importante veículo para a publicidade. Depois,

com os avanços tecnológicos (telégrafo, tipografia), o processo de urbanização nas

futuras metrópoles do século XX (Londres, Paris e Nova Iorque) e a escolarização das

massas através das escolas públicas, a imprensa cresceu e se consolidou,

principalmente, como bandeira de luta pela liberdade e contra o poder político absoluto.

Diz Traquina (2005a, p.42-43),

4 Conceito de Traquina.

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A afirmação da nova legitimidade jornalística ocorre perante o antagonismo do poder político, inserido num processo secular em luta pela liberdade, e, subseqüentemente, pela conquista de uma nova forma de governo: a democracia. O poder absoluto é posto em causa e existe a procura de caminhos alternativos, perante dúvidas sobre os benefícios e os custos de um sistema de poder que tem como base a “opinião pública”, termo utilizado pela primeira vez em 1744, embora sem um sentido político.

Nesse instante, o material jornalístico passa a ser o porta-voz dos interesses

públicos, a maior manifestação dos anseios da coletividade, o reflexo da “opinião

pública”, expressão resultante das filosofias liberais dos fins do século XVII e XVIII e

das teorias democráticas do século XIX. Segundo Jeremy Bentham, conforme citação

de Traquina (2005a), a opinião pública era parte integrante da teoria democrática do

Estado e importante instrumento de controle social. Numa opinião pública esclarecida

poder-se-ia encontrar um tribunal com “toda a sabedoria e toda a justiça da nação”. A

questão era como tornar essa opinião pública esclarecida, como alimentá-la, com que

dieta. A imprensa seria responsável por esse processo, respondeu Bentham, ao que o

historiador George Boyce emendou: “a imprensa atuaria como um elo indispensável

entre a opinião pública e as instituições governantes”.

Encontramos em Charaudeau (2006a, p.114) uma explicação mais detalhada de

opinião pública. Ele chama atenção para a relação entre a mídia e a sociedade, sobre o

que o primeiro pode dizer dos acontecimentos e o que o segundo quer saber:

(...) o “mundo a descrever” é o lugar onde se encontra o “acontecimento bruto” e o processo de transformação consiste, para a instância midiática, em fazer passar o acontecimento de um estado bruto (mas já interpretado), ao estado de mundo midiático construído, isto é, de “notícia”; isso ocorre sob a dependência do processo de transação, que consiste, para a instância midiática, em construir a notícia em função de como ela imagina a instância receptora, a qual, por sua vez, reinterpreta a notícia à sua maneira.

Ou seja, a comunicação é realizada através do duplo processo de transformação

e transação. Este contrato de comunicação gera o “espaço público” e constrói a “opinião

pública”. Desta forma os jornais vão conquistar a legitimidade dentro da sociedade. Sem

que ninguém pessoalmente determine, estabelecem-se as cláusulas contratuais entre o

jornal e o público, baseado no compromisso de “dizer a verdade”, de ser um guardião da

ética e da moral, combater, explicitar e apontar os abusos do poder, regular os excessos

e denunciar as opressões desse poder governamental constituído. Essa desconfiança em

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relação ao “poder”5 é, portanto, o principal ingrediente de legitimação para que os

jornais exprimam as queixas e injustiças sociais e assegurem a proteção contra a tirania.

Essa posição da imprensa6 moderna em favor das liberdades civis, de um sistema

político democrático, sem restrições e censura, pela visibilização dos processos e táticas

de encobrimento e dissimulação dos governos em nome da razão do Estado prenunciado

por Kant (apud SODRÉ, 1996), garantia à imprensa o fortalecimento de sua

legitimidade.

Isso, naturalmente, foi sendo construído lentamente dentro do adiantamento das

horas, dentro de uma maturação social que passou pela Grécia antiga, pelas revoluções

Americana e Francesa, pela Declaração dos Direitos do Homem; pelo Barão de

Montesquieu, que defendia a República como a melhor forma de governo e a liberdade

de expressão fundamental; por Jean-Jacques Rousseau que, no livro O Contrato Social

(apud TRAQUINA, 2005a) avança no conceito que representa o “interesse público”:

Por si mesmo o povo será sempre bom, mas de modo algum o vê sempre por si mesmo. A Vontade Geral tem sempre razão, mas o julgamento que a guia nem sempre está informado... A informação pública leva à união da compreensão e da obtage no corpo social (p.45).

Enfim, todo esse conjunto de acontecimentos e discursos veio contribuir para

tornar a liberdade um princípio sagrado e o jornalismo, um eminente poder dentro da

sociedade. Mas só em meados do século XX que o jornalismo brasileiro viria sentir os

efeitos dessa trajetória, diferentemente do que aconteceu em países europeus e nos

Estados Unidos. Por lá, o avanço da ordem capitalista, tecnológica e as lutas pela

liberdade rumo à democracia favoreceram sua estruturação já no século XIX.

Em estudos sobre a crônica no jornalismo brasileiro do século XIX, o professor

Welligton Pereira (1994) registra que a imprensa é inaugurada oficialmente em 1808,

com a publicação da Gazeta do Rio de Janeiro em 10 de setembro. Três meses depois

surgiria o Correio Brasiliense, editado em Londres por Hipólito da Costa. De modo

geral, o que se publicava nesse período era a palavra da corte, “as vozes do rei ou do

imperador”. Descreve Pereira (1994, p.48) que

5 Poder, aqui, tem o sentido restrito daquele exercido pelos governos. No capítulo seguinte aprofundaremos o debate sobre o seu significado. 6 Entendida como conjunto de jornais e publicações congêneres.

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Os jornais que atravessam todo o período histórico, que vai desde a época colonial até o império, passando pela Primeira República, podem ser considerados uma imprensa sem jornalismo, porque os fatos são veiculados numa ordem quase inversa aos acontecimentos sociais. O que interessa é a palavra dos poderosos, sejam da corte, sejam apadrinhados.

Em meados dos anos 90 do século XIX, inicia-se a etapa de modernização

daquilo que se inscrevia na história como jornalismo brasileiro. Nesse período,

abandona-se o modo artesanal de impressão e os jornais se preparam tecnicamente para

comercializar informações e divulgar a opinião dos grupos políticos que passam a

controlar a imprensa. Neste período, um grande contingente rural transfere-se para a

cidade e os jornais passam a atingir um público maior.

Chega o século XX e a expansão do capitalismo. As duas principais cidades do

país - São Paulo e Rio de Janeiro - estão a pleno vapor no desenvolvimento industrial.

Mas o jornalismo brasileiro não chega à maturidade. De acordo com Nélson Werneck

Sodré (apud PEREIRA, 1994, p.105),

A grande imprensa fez do tema político a tônica de sua matéria – tal como a política era entendida e praticada na Velha República Oligárquica. O tema político neutraliza a influência literária, mas não permite ainda a linguagem jornalística, aquela que é específica, diferente da linguagem literária.

Paulatinamente, a crônica, que registrava os fatos com narrativas ainda

modeladas a estilo literário, começa a influenciar as formas do conteúdo jornalístico. O

papel do cronista na ampliação dos significados da informação jornalística no Brasil é

extremamente relevante. Diz Pereira (1994, p.107) que:

A grande contribuição se deu na tentativa de adequar os escritos jornalísticos à realidade dos grandes centros urbanos, destruindo, completamente, o falso lirismo que ainda atravessa boa parte das informações construídas através dos jornais.

Com o cronista inicia-se a evolução da linguagem jornalística no Brasil. Logo,

algumas modificações começam a figurar no material publicado, a exemplo da

observação da realidade e coleta de informações, do aprofundamento, da humanização e

da reconstituição histórica, da descrição de ambientes e de fatos, do repórter como

narrador, etc. Surge, daí, a necessidade de sistematizar as informações e distribuí-las

organizadamente nas páginas, de uma linguagem que privilegiasse a informação. O

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jornalismo brasileiro começava a se render a modelos e técnicas do jornalismo

ocidental. Mas esse é um tema para o próximo tópico.

1.2 Modelos e técnicas com sotaque estrangeiro

No final dos anos 50 do século passado, desenvolvem-se no Brasil estudos e

classificação dos gêneros jornalísticos. Duas categorias importadas dos Estados Unidos

estabeleciam a estrutura técnico-editorial: Jornalismo Opinativo e Jornalismo

Interpretativo. Na primeira, encontra-se a política da empresa jornalística, sua opinião

sobre os fatos e a opinião de colaboradores e articulistas; na segunda, um material

aprofundado e detalhado; nele o jornalista identifica, seleciona e submete os dados a

uma seleção crítica para a divulgação. Para Pereira (1994, p.115)

No exercício dessas categorias, se desenvolve todo um conjunto de mensagens, através de modalidades narrativas, nos quais prevalece a voz de um narrador. Este sintetiza as diferenças conceituais que perpassam pelo processo da informação.

Essas categorias “podem ser definidas como um conjunto de procedimentos

técnicos que servem para orientar o fluxo da informação no jornalismo impresso”

(PEREIRA, 1994, p.116). Cada uma delas, acrescentando a categoria Jornalismo

Informativo, reúne uma série de gêneros7. Em sua obra, Pereira adota a classificação de

Luiz Beltrão como a referência bibliográfica que prevalece para os estudos do

jornalismo (PEREIRA, 1994, p.118). Para o Informativo, temos os gêneros: notícia,

reportagem, história de interesse humano, informação pela imagem; para o

Interpretativo: reportagem com profundidade; para o Opinativo: editorial, artigo,

crônica, opinião ilustrada, opinião do leitor.

Para o professor José Marques de Melo, com relação às especificidades dos

gêneros, vale lembrar que

Beltrão não se ateve à natureza de cada um (estilo/estrutura/narrativa/técnica de codificação), mas obedeceu ao senso comum que rege a própria atividade profissional estabelecendo limites e distinções entre “matérias” (in PEREIRA, 1994, p.118).

7 Para Bakhtin (2000), denominam-se gêneros discursivos os tipos relativamente estáveis de enunciados, vinculados a unidades temáticas que exigem uma determinada forma, estilo, padrão.

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Até o começo do século XX os jornais brasileiros eram essencialmente

opinativos. Esclarece Pena (2005, p.41):

Não que a informação/notícia estivesse ausente das páginas. Mas a forma como era apresentada é que era diferente. As reportagens não escondiam a carga panfletária, defendendo explicitamente as posições dos jornais (e de seus donos) sobre os mais variados temas. As narrativas eram mais retóricas que informativas.

Para ilustrar essa explicação, Pena (2005) cita como exemplo clássico a briga em

1950, dos jornais “Tribuna da Imprensa”, de Carlos Lacerda, e “Última Hora”, de

Samuel Wainer. Ambos travaram uma briga política através dos jornais. O primeiro

criticava ferozmente o governo de Getúlio Vargas e o segundo, financiado pelo

presidente brasileiro, defendia-o com toda paixão.

Nessa época chega ao Brasil, através do jornalista Pompeu de Souza, um

conceito de produção de notícia bastante difundido na imprensa americana: o lead,

“relato sintético do acontecimento logo no começo do texto, respondendo às perguntas

básicas do leitor: o quê, quem, como, onde, quando e por quê” (PENA, 2005, p.42). Tal

definição, embora objetiva e prática, merece algumas observações. A função do lide

(adaptação portuguesa), além de estabelecer um modelo padrão de texto jornalístico, é

também fisgar o leitor, mantê-lo “preso” à notícia. E as respostas às perguntas do lide

são articuladas e distribuídas dentro de uma ordem que atraia a atenção do leitor. Pena

(2005, p.43) vai além e destaca outras características do lide:

(...) • apontar singularidade da história; • informar o que se sabe de mais novo sobre um acontecimento; • apresentar lugares e pessoas de importância para entendimento dos

fatos; • oferecer o contexto em que ocorreu o evento; • provocar no leitor o desejo de ler o restante da matéria; • articular de forma racional os diversos elementos constitutivos do

acontecimento; • resumir a história, da forma mais compacta possível, sem perder a

articulação.

Essas considerações, contudo, não podem perder a essência fundadora da

notícia, “que consiste no exercício de realizar a recomposição do acontecimento, a partir

dos elementos também constitutivos deste” (PENA, 2005, p.44).

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Acontecimento é algo construído pelo olhar de quem percebe, captura e

transforma, significa o percebido em uma fala, um discurso através do seu filtro, de sua

interpretação. Para o jornalismo, a construção do acontecimento vai depender do seu

potencial de atualidade, de socialidade e de imprevisibilidade, conforme classificação

de Charaudeau (2006a, p.101).

A atualidade é avaliada segundo a distância que separa o momento de aparição

do acontecimento do momento da informação. A técnica jornalística de construção

desses acontecimentos dá ao leitor a ilusão de que o jornal foi testemunha ocular e de

que aquela é a única versão possível. Deve ser considerada ainda neste tópico a questão

da “proximidade” espacial. O acontecimento, quando situado em um ambiente próximo

do leitor, será mais “interessante” para ele, lhe causará mais curiosidade, ele se

identificará com o acontecido, se sentirá, inclusive, também testemunha daquilo que

aconteceu.

A sociabilidade deve ser considerada segundo a aptidão

(...) em representar o que acontece num mundo em que nada do que está organizado coletivamente (a vida da comunidade) e nada do que toca o destino dos homens pode ser estranho aos indivíduos que aí se inserem e que, por conseguinte, estão implicados como cidadãos ou seres humanos. Trata-se, para as mídias, de responder à condição de pregnância, o que as leva a construir os universos de discurso do espaço público, configurando-os sob a forma de rubricas: política, economia, esportes, cultura, ciências, religião etc. (CHARAUDEAU, 2005, p. 102).

Quanto à imprevisibilidade, considera-se que o acontecimento veio perturbar a

tranqüilidade dos sistemas de expectativas do sujeito consumidor da informação. Deve-

se considerar ainda a aptidão do receptor em recategorizar seu sistema de

inteligibilidade e em redramatizar seu sistema emocional. Essas avaliações sobre o

acontecimento vão, pouco a pouco, desenhando o significado daquilo que se chama

notícia e os critérios para que assim possa ser chamada.

Vale, aqui, distinguir o significado de acontecimento no jornalismo e na Análise

do Discurso. Se para o jornalismo o acontecimento em si tem que apresentar

determinadas características (atualidade, sociabilidade e imprevisibilidade) para se

constituir em um discurso jornalístico, para a AD o acontecimento é o próprio discurso

em irrupção, fundando uma interpretação e construindo verdades através de recortes da

realidade.

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Diariamente os jornais impressos publicam certa quantidade de notícias,

oferecidas em “amostras” na primeira página, lugar “exclusivo” para chamar a atenção

do leitor para as notícias “mais importantes” daquela edição. Diariamente vários

acontecimentos fazem parte da vida orgânica da sociedade, mas os jornais não dão conta

de todos eles e nem tudo é notícia. Para que um acontecimento seja notícia, se

transforme em discurso, ele tem que ter em si características próprias de uma notícia. E

ainda assim deve ser comparado com outros acontecimentos.

Os espaços dos jornais são limitados e a impressão obedece a uma ordem

industrial assujeitada ao tempo. Tudo isso deve ser considerado para se estabelecer o

que é notícia e se ela merece ou pode ser publicada. Ou seja, não basta ser

acontecimento, tem que ser notícia.

Em “Teoria de Jornalismo”, Pena (2005, p.70-71) faz referência a um livro de

Luiz Amaral no qual a revista americana “Collier’s Weekley” define a notícia como

“tudo que o público necessita saber, tudo que o público deseja falar (...) a inteligência

exata e oportuna dos acontecimentos, descobertas, opiniões e assuntos de todas as

categorias que interessam aos leitores”.

É comum se ouvir nos meios acadêmicos uma famosa definição de notícia criada

por Amus Cummings: “Se um cachorro morde o homem, não é notícia, mas se o

homem morde um cachorro, aí, então, é notícia, é sensacional” (PENA, 2005, p.90). À

primeira vista, parece uma definição lógica. Mas, considerada ao pé da letra, a frase é

imprecisa e equivocada. Se o cachorro que morder alguém for de uma personalidade

pública e o animal estiver com a vacinação atrasada ou se o cachorro for de “alguém

comum” mais a pessoa mordida for uma personalidade pública, o acontecimento é

notícia, sim. Definir a notícia não é uma tarefa fácil: “os teóricos dizem como a notícia

deve ser, mas não diz como ela realmente é” (ERBOLATO, 1991, p.53).

Para Muniz Sodré (1996, p.132), a notícia se constitui na tônica da informação

jornalística,

(...) relato jornalístico de acontecimentos tidos como relevantes para a compreensão do cotidiano – é propriamente uma forma narrativa, ou seja, um modo específico de se contar uma história. Os norte-americanos costumam designá-la como news story, sem fazer distinção entre notícia breve e reportagem.

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Há uma teoria no jornalismo, segundo Pena (2005, p.71), chamada newsmaking,

“que considera o trabalho jornalístico a construção social da realidade”, e Sodré (1996,

p.133) explica:

Aventa-se mesmo a hipótese de que os fatos sociais – objeto da sociologia desde seu começo no século passado – já não têm uma ontologia própria, externa aos meios de comunicação de massa. Tal hipótese parte do reconhecimento de que a realidade social dos indivíduos no mundo contemporâneo é construída por fatos noticiosos, ou seja, de acontecimentos jornalisticamente interpretados e, portanto, “transvalorizados” (para empregar uma terminologia de fundo pragmatista) por um, sistema logotécnico. A notícia converte-se, assim, numa tecnologia, não simplesmente cognitiva, mas produtora do real – é história que cria história.

A partir dessa perspectiva, podemos dizer que o jornal é o espelho da realidade.

E através da notícia regula e administra os acontecimentos, exerce o controle discursivo

das reações sociais, dá visibilidade plena ao real e sugere a identificação entre ver e

crer. Presume-se, com isso, conforme Sodré (1996, p.133), que a notícia

(...) tranqüiliza a consciência do indivíduo inseguro em face da dispersão humana na grande cidade, da vicissitude dos acontecimentos, da condição precária da identidade no espaço urbano, do desconhecimento das causas, da incidência trágica do acaso.

De certo modo, a produção jornalística organiza a sucessão das experiências

humanas no cotidiano. Encena a causalidade e registra a fatalidade. O jornalismo

espreita a vida cotidiana e a devolve em forma de notícia como seu registro mais puro.

“A notícia, enquanto narrativa e produto mais típico do jornalismo, implica uma

conexão de fatos e, portanto, certo tipo de organização racional da realidade” (SODRÉ,

1996, p.135).

Isto não quer dizer, ressalva Sodré (1996, p.135), que a notícia corresponda à

realidade dos fatos, mas que atende “à retórica organizadora da singularidade factual do

cotidiano, consagrada pela lógica comercial de um grupo logotécnico denominado

empresa jornalística” (p.135).

Alfredo Vizeu (apud PENA, 2005, p.74) considera sete os principais critérios de

noticiabilidade:

(...) ser factual; despertar o interesse do público

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atingir o maior número de pessoas; coisas inusitadas; novidades; personagens; boas imagens.

Tal concepção só confirma o que Erbolato (1991) já havia dito: a notícia deve

ser recente, inédita, “verdadeira”, objetiva e de interesse público. O público deseja fatos

novos, o jornal redige sobre o que aconteceu ontem ou recentemente. O professor ainda

elenca critérios que, embora não se trate de uma unanimidade, motivam o público:

• proximidade;

• conseqüências;

• humor;

• raridade;

• interesse pessoal;

• interesse humano;

• originalidade;

• importância;

• rivalidade;

• política editorial do jornal;

• oportunidade;

• descobertas e invenções;

• repercussão;

• dinheiro;

• sexo e idade;

• utilidade;

• confidências.

A visão que os jornalistas apresentam sobre a definição de notícia parte da

simples idéia de que o jornalista relata, capta e reproduz o acontecimento tal como um

espelho do real, embora ele seja “tão-somente” um mero mediador (TRAQUINA,

2005b).

Do século XVI até os dias atuais, os valores-notícia (critérios de noticiabilidade)

variaram pouco, levando-se em consideração as observações de Mitchell Stephens

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(apud TRAQUINA, 2005b) sobre as “qualidades duradouras” da notícia: o

extraordinário, o insólito (“o homem que morde o cão”), o atual, a figura proeminente, o

ilegal, as guerras, a calamidade e a morte.

A primeira tentativa de identificar de forma sistemática os valores-notícia

(fatores que influenciam, caracterizam e notabilizam a notícia) é encontrada nos estudos

de Galtung e Ruge (apud TRAQUINA, 2005b), que enumeram doze valores-notícia:

1) freqüência, duração do acontecimento; 2) amplitude do evento; 3) clareza, falta de ambigüidade; 4) significância; 5) consonância, capacidade de inserir o “novo” numa “velha” idéia; 6) o inesperado; 7) a continuidade, continuação de uma notícia já noticiabilizada; 8) composição; 9) referência a nações de elite; 10) referências a pessoas de elite, proeminência do ator, fala autorizada

(esta última inserção nossa); 11) personalização, personagens; 12) negatividade, segundo a máxima “bad news is good news” (p.69-70).

Dos doze, alguns merecem atenção: negatividade, por exemplo. Por que uma

notícia ruim é uma notícia boa? Entenda-se notícia ruim como notícias que tratam de

tragédias, mortes, guerras, acidentes, escândalos. São mais comuns nas editorias de

polícia. Notícia boa, neste caso, não é aquela que causa conforto e perspectiva de um

futuro tranqüilo ao leitor (exemplos: “O petróleo é uma fonte inesgotável de energia”,

“Os preços das mercadorias não vão subir mais”, etc.). Notícia que trata de positividade

não vende. Por isso muitos jornais insistirem nas manchetes assuntos policiais,

escândalos políticos, acidentes de trânsito, etc. Por isso muitos jornais serem chamados

de sensacionalistas por explorarem a emoção do leitor através de recursos gráficos

(fotos, ilustrações, infográficos) e textos chocantes.

Os autores explicam que a questão não é que as notícias negativas são preferidas

em relação às positivas, os motivos realçados por esse valor são outros. Vejamos alguns

fatores:

a) as notícias negativas satisfazem melhor o critério de freqüência; b) as notícias negativas são mais facilmente consensuais e inequívocas no sentido de que haverá acordo acerca da interpretação do acontecimento como negativo; c) as notícias negativas são mais consonantes com, pelo menos, algumas pré-imagens dominantes do nosso tempo; e d) as notícias negativas são mais inesperadas do que as positivas, tanto no sentido de que os

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acontecimentos referidos são mais raros, como no sentido de que são menos previsíveis (TRAQUINA, 2005b, p.72/73).

Já o valor-notícia personalização, ligado freqüentemente à dramatização, parece

ser um dos mais considerados e presentes nas notícias. O que seriam as notícias sem os

atores? Quando personalidades-chave, pessoas públicas (presidente da câmara,

vereador, governador, padre, presidente de uma instituição respeitável, etc.) estão

envolvidas no acontecimento, esse valor é realçado. Há casos em que as organizações

(governo, instituição, ONGs, clubes de futebol) são personificadas pelos atores

envolvidos. O envolvimento de uma personalidade pública pode ser determinante para

se julgar se aquilo é ou não noticiável. Em fins da década de 60 e início da de 70,

estudos realizados por Herbert Gans (apud TRAQUINA, 2005b) sobre os telejornais de

três principais cadeias norte-americanas (CBS, ABC e NBC) e sobre as revistas de

informação Newsweek e Time, revelaram que o primeiro-lugar do valor-notícia foi a

notoriedade (ou personalidades). A taxa de freqüência das pessoas conhecidas nos

noticiários variou entre 70% e 85%. As pessoas não conhecidas só são notícia quando

participam de manifestações, greves; quando são vítimas de tragédias, transgressores

das leis e da moral.

Outra consideração sobre notícias: elas são perecíveis. Quase sempre a obsessão

pelo presente é privilegiada em detrimento do aprofundamento, da elaboração e

planejamento. Diz Traquina (2005b, p.37) que

O imediatismo age como medida de combate à deterioração do valor da informação. Os membros da comunidade jornalística querem as notícias tão “quentes” quanto possível, de preferência “em primeira mão”. Notícias “frias” são notícias “velhas”, que deixaram de ser notícias.

O fator tempo, portanto, é o eixo central da produção jornalística. Atualidade, é

uma palavra que define ou torna reconhecível uma notícia que, por natureza, é efêmera.

Charaudeau (2006a, p.134) explica que

O tempo só se impõe ao homem através do filtro de seu imaginário e, para as mídias, através do imaginário da urgência. Urgência na transmissão da informação que faz com que, uma vez concluído o ato, produz-se um vazio que deve ser preenchido o mais rapidamente possível por uma outra urgência; assim, de vazios em urgências constrói-se atualidade com uma sucessão de notícias novas, num avançar sem fim, e mesmo por antecipação.

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Esse vazio do qual fala Charaudeau se refere à necessidade de saber do homem

moderno. “Na sociedade capitalista, o conhecimento (o saber) é sempre vendido como

instrumento de vantagem competitiva” (HERNANDES, 2006, p.41). Charaudeau

(2006a, p.43) explica que o saber é resultado da construção humana através do exercício

da linguagem. O homem necessita do saber para dar conta do mundo, para poder

decidir, descrevê-lo, contá-lo ou explicá-lo, e nisso tanto pode aderir ao saber como

tomar distância dele. “Esse conjunto de atividades discursivas configura os sistemas de

interpretação do mundo sem os quais não há significação possível”.

É oportuno salientar que todas as técnicas e teorias constituintes na produção do

material jornalístico funcionam em conformidade com a política editorial da empresa,

“que pode influenciar diretamente o processo de seleção dos acontecimentos por

diversas formas” (TRAQUINA, 2005b, p.93) e determinar o tratamento e formatação da

apresentação da notícia. A neutralidade, portanto, manifesta-se relativa diante desse

quadro em que os interesses da política editorial do veículo de comunicação pode se

chocar com os interesses coletivos de informação, como veremos a seguir.

1.3 Objetividade e neutralidade: os fins justificam os meios

Um marco na história do jornalismo brasileiro em meados do século XX foi a

modernização estilística da estrutura narrativa da notícia. Até então as notícias eram

redigidas com extensas aberturas e pouca objetividade. Essa forma de redação,

conhecida como “nariz-de-cera”, retardava o acesso do leitor às principais informações

da notícia preparando seu espírito para o porvir. Eis que o Brasil importa uma técnica de

apresentação das matérias que ficou conhecida como pirâmide invertida, que

possivelmente teve origem em 1861, em um jornal nova-iorquino.

A pirâmide invertida vinha justificar o modelo de jornalismo no qual a base

estava no topo, e não no sopé. Esse padrão hierarquizava a informação em ordem

decrescente, de acordo com seus valores. Assim como o lide, a pirâmide invertida tinha

por fim fundar a objetividade no jornalismo brasileiro. No entanto, mesmo com a

sistematização de procedimentos e determinação de conceitos, a subjetividade era

inevitável em todos os parâmetros.

Pena (2005) lembra que alguns críticos citam Tucídides (469 a 396 a.C.) como o

primeiro a levantar polêmica sobre o assunto, ao considerar que um mesmo fato pode

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ser descrito de vários modos. Para a AD isso acontece porque cada sujeito fala de um

lugar social, numa determinada ordem discursiva, a partir da mobilização e operação de

sentidos. No capítulo seguinte daremos profundidade à discussão.

A discussão em torno da objetividade permanece até os dias atuais e revela um

problema de interpretação. Pena (2005, p.50) explica:

A objetividade é definida em oposição à subjetividade, o que é um grande erro, pois ela surge não para negá-la, mas sim por reconhecer a sua inevitabilidade. Seu verdadeiro significado está ligado à idéia de que os fatos são construídos de forma tão complexa que não se pode cultuá-los como a expressão absoluta da realidade. Pelo contrário, é preciso desconfiar desses fatos e criar um método que assegure algum rigor científico ao reportá-los8.

Para o professor Michael Schudson (apud PENA, 2005, p.50), o conceito de

objetividade se desenvolve a partir de três motivos:

(...) 1) a partir do ceticismo da sociedade americana no começo do século XX, influenciada pelo crescimento da psicanálise, que faz duras críticas à razão; 2) pelo nascimento do profissional de relações públicas, capaz de produzir fatos para beneficiar determinadas empresas; e, principalmente, 3) a influência da propaganda, cuja eficácia foi provada ao levar a opinião pública americana a ficar a favor da entrada daquele país na Primeira Guerra Mundial.

Para melhor esclarecer as origens da objetividade, Pena (2005, p.50) diz que ela

(...) surge porque há uma percepção de que os fatos são subjetivos, ou seja, construídos a partir da mediação de um indivíduo, que tem preconceitos, ideologias, carências, interesses pessoais ou organizacionais e outras idiossincrasias.

Na opinião de Hernandes (2006, p.30), a objetividade

é um dos recursos jornalísticos para se tentar “apagar” o modo pelo qual a realidade foi filtrada a partir do sistema de valores do jornal que, como empresa ou parte de um conglomerado de informação, não quer se revelar como um ator social atuante interessado nos aspectos sociopolíticos e nas conseqüências do que noticia.

Diante de tal dificuldade na produção da notícia, recorre-se ao lide e à pirâmide

invertida, para fortalecer a objetividade na transmissão da informação. Estabelece-se

8 Negrito do autor.

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ainda, a necessidade de ouvir os dois lados da história e valorizar mais as declarações do

que os fatos. Tais métodos estadunidenses, incorporados e naturalizados no jornalismo

brasileiro, são intensificados nos anos 50 e “responsáveis” pela “criação de manuais de

redação, dos mitos de objetividade e imparcialidade”9.

O primeiro jornal a adotar um manual foi o Diário Carioca. Hoje, vários jornais

dispõem de manuais para orientar seus profissionais, a exemplo do O Estado de S.

Paulo, Correio Brasiliense e Folha de S. Paulo. Logo no início do capítulo

“Procedimentos”, o manual da Folha, considerado o jornal de maior circulação e

influência no Brasil10, trata o material noticioso como “mercadoria-informação”,

definição que realça como a notícia está relacionada ao capitalismo. Sobre o que possa

interessar ao leitor, diz o manual que

São assuntos de incontestável interesse geral os acontecimentos que podem modificar as estruturas políticas, econômicas e culturais de uma cidade, de um país ou do mundo, afetando a história de uma comunidade, de um povo ou de toda a humanidade – como a queda do Muro de Berlim, o impeachment de um presidente, a eleição de um prefeito (PAULO, 2001, p.22).

Ainda em “Procedimentos”, o manual sublinha que “a busca da objetividade

jornalística e o distanciamento crítico são fundamentais para garantir a lucidez quanto

ao fato e seus desdobramentos concretos” (PAULO, 2001, p.22). Mais na frente,

assevera que “não existe objetividade em jornalismo”, e que

Ao escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções. Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais objetivo possível. Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e as repercussões, o jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza, o que não significa apatia nem desinteresse. (PAULO, 2001, p.45).

O que existe é um esforço, uma busca possível para, se não for, pelo menos

parecer objetivo.

O jornalista pertence a uma comunidade interpretativa, como diz Traquina

(2005b), portanto a interpretação pode ser múltipla. Sobre essa possibilidade, o manual

9 Do site Fazendo mídia, visitado em http://www.fazendomedia.com/fmoutros/materia0009.htm no dia 18 de abril de 2007. 10 Conforme material publicado na edição de 4 de janeiro de 2005, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0401200511.htm.

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da Folha recomenda que uma “boa” reportagem exige cruzamento de informações, uma

prática baseada no conceito “de que todo fato comporta mais de uma versão e de que o

julgamento desse fato não compete ao jornalista, mas ao leitor”. A ausência de um dos

enfoques sugere desleixo do jornalista, negligência do jornal:

Cruzar informações e ouvir o outro lado permite, ainda, que o jornalista não endosse versões interessadas, que visem a manipulação da opinião pública, nem o erro que possa ser cometido por pessoas, instituições, empresas ou grupos. É sempre importante perguntar-se a quem uma notícia vai interessar, a quem ela traz prejuízos e quem dela se beneficia. São perguntas que ajudam a esclarecer o jogo de interesses por detrás dos fatos (PAULO, 2001, p.27).

O manual alerta ainda para os perigos de se publicar uma acusação, pois pode

transmitir aparência de veracidade e implicar em julgamento com a chancela do jornal.

Em 1994, a negligência da imprensa policial que não ouviu todas as partes envolvidas e

se restringiu a confiar nas declarações do delegado que cuidava do caso, gerou danos

morais e econômicos irreparáveis aos proprietários da Escola Fundamental de Base,

acusados pela polícia de produzir filmes pornográficos com os alunos11. A versão do

delegado foi aceita e amplamente divulgada pelos veículos de comunicação. Mais tarde,

a Justiça provou que as acusações eram inverídicas, mas não podia voltar o tempo. A

vida social dos proprietários da escola já não era a mesma. A escola foi fechada.

A objetividade pode ser considerada uma “estratégia” adotada pelos jornalistas

para evitar eventuais processos; ou um “recurso técnico”, exigido pelos jornais para

melhor lidar com a pressão do tempo e para sugerir um posicionamento neutro. Por isso

a notícia escrita em terceira pessoa, como se o próprio assunto se apresentasse ao

público pessoalmente; o uso de aspas, para indicar que a frase não é do jornal nem do

jornalista; a utilização da pirâmide invertida e do lide. Mas será que tudo isso garante a

neutralidade do jornalismo? A imparcialidade é um fato ou uma invenção? É o que

discutiremos no tópico seguinte.

11 Da monografia interdisciplinar apresentado à Faculdade de Comunicação da Mackenzie, São Paulo, para obtenção do bacharelado em jornalismo de Gustavo Guedes Brigatto, Paulo Rodrigo Ranieri Dias Martinho Pinto e Thiago Rafael Domenici. Acessado em 19 de abril de 2007, no endereço http://escola.base.sites.uol.com.br/monografia.pdf.

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1.4 Jornalismo acima de qualquer suspeita

Tratamos até aqui da constituição e consolidação da legitimidade do jornalismo

na sociedade e dos cuidados (técnicas) que ele se cerca para parecer o mais objetivo

possível e, sobretudo, neutro. Um espelho que só reflete o “real”, sem maquiagens nem

privilégios. Uma balança equilibrada, sem vícios. Relata os acontecimentos como “eles

são” acima de qualquer interesse, qualquer motivação empresarial ou ideológica, acima

de qualquer intenção oculta. Sempre em favor da coletividade, da sociedade que lhe dá

crédito e autonomia. Será? Bem, independente de qualquer conclusão que se possa

chegar, uma coisa é certa: as empresas de comunicação estão inseridas em uma ordem

econômica, dependem da circulação do capital, do lucro, do faturamento, das vendas.

Para expandir essa discussão, observemos os quatro sujeitos do discurso

jornalístico apontados pelo professor Nilton Hernandes (2006): 1) o jornal, 2) os

profissionais que fazem o jornal (os jornalistas, por exemplo), 3) os personagens que

aparecem nas notícias e 4) o leitor, público consumidor do produto jornalístico.

No primeiro sujeito inclui-se o proprietário ou proprietários, personificados

através da marca do jornal, que é representada, conforme Hernandes (2006, p.46), por

uma logomarca, que

(...) é uma espécie de “casca”, ou corpo oco, que vai se “enchendo”, tornando-se “carne” pelo que enuncia, pelo modo de enunciar, e pelo que a própria empresa que a detém enuncia sobre ela, notadamente por meio de publicidades. Jornais, como qualquer outro produto da sociedade moderna, são pensados como marcas para que possam assumir e ter identidades administrativas.

Com os avanços tecnológicos na área de comunicação e a crescente oferta de

informação os “consumidores” têm se tornado cada vez mais “infiéis”. Isto constitui

uma problemática corrente entre o sujeito-leitor (consumidor), o sujeito-jornal (marca) e

a notícia (mercadoria).

A marca tem por função estabelecer uma identificação e relacionamento com seu

consumidor. Ela é individual em seus aspectos gráficos e contribui para o processo de

decisão do consumidor. A marca, marca, traz benefícios (prestígio) e projeta a

personalidade (status social). O sujeito-jornal, portanto, como marca, busca dar

satisfações ao sujeito-leitor, busca a fidelidade do consumidor. A satisfação e fidelidade

são determinadas pela vontade de saber, pela necessidade de estar bem informado e

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estar com “a melhor informação”, com aquela que apresenta “equilíbrio e

imparcialidade” depositados nas notícias.

Seguindo a teoria da objetividade e neutralidade, a marca, que identifica o

sujeito-jornal, dificilmente assume um “eu” que enuncia, discursa e se refere a si como

“ele”. Os enunciados se manifestam como “vozes sociais”, é a própria realidade que

fala, mesmo tendo passado pela instância de perceptividade e interpretatividade do

sujeito-jornalista e pela orientação editorial do veículo; independente das técnicas

jornalistas de seleção, apuração e elaboração da notícia. Afinal, todo veículo de

comunicação tem uma política editorial, uma linha que deve ser seguida pelo

profissional, que determina o enfoque da notícia e a forma como ela deve ser

apresentada (se manchete da página ou do jornal, se notícia secundária, se deve ser

acompanhada de foto, etc.). Sua manifestação mais explícita é encontrada na pauta

entregue diariamente ao sujeito-jornalista, que funciona como roteiro prévio para o

desenvolvimento do material noticioso e reflete exatamente a linha editorial do veículo

de comunicação.

Assim como qualquer marca desenvolve estratégias publicitárias para vender seu

produto, o sujeito-jornal também desenvolve estratégias para garantir audiência e

credibilidade junto ao sujeito-leitor. No caso do sujeito-jornal a estratégia é discursiva.

Independente da linguagem noticiosa, quer seja verbal ou não, o fim é mesmo:

convencer o consumidor de “suas verdades”. Este processo de convencimento, atração e

sedução, acontece de várias maneiras e se dá da pauta até a organização visual do

conteúdo na página. Mas ele inicia, efetivamente, com a marca.

Geralmente os jornais utilizam slogans agregados à marca. Eles constituem

valores para personalizar o veículo e tentam predispor o sujeito-leitor a avaliar

positivamente as unidades noticiosas (HERNANDES, 2006). Tudo isso parte,

naturalmente, do dever que o consumidor tem de estar bem informado – lembremos: o

conhecimento é sempre vendido como vantagem competitiva. Para a AD, o saber

produz efeitos de poder e subjetividade que criam a individualidade do sujeito, induz a

verdades.

O consumidor tem consciência das possibilidades crescentes de escolha.

Escolher pode significar também perder. Em uma escolha, pode haver maior ou menor

satisfação. Consumir significa absorver bens em benefício próprio! O jornal é concebido

para ser uma máquina eficiente de atração do público-alvo (sujeito-leitor visado). “Sem

obter e manter a atenção, não há consumo” (HERNANDES, 2006, p. 47).

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“Atrair”, “fisgar” o leitor logo a partir da marca é uma estratégia comum aos

jornais para despertar o consumo:

Em sociedade com crescentes ofertas de produtos e serviços, saturadas de estímulos, a busca e a manutenção da atenção do consumidor se tornaram vitais para a sobrevivência de qualquer negócio. Nenhum grande jornal é exceção (HERNANDES, 2006, p.47).

Em entrevista cedida ao professor Antonio Queiroga, publicada no site do

Observatório da Imprensa12, o mestre português Nelson Traquina apresenta preocupação

sobre o tema acima e diz que os leitores, antes de consumidores, são cidadãos. Precisam

de “informações úteis” para cumprir o papel de cidadão. Diz ele que é preciso criticar

esse tipo de jornalismo que, por razões diversas, considera mais importante as vendas e

audiências.

Devemos aqui entender por “informação útil” aquela que tem por função prestar

um serviço ao cidadão. Exemplos: a) alertá-lo sobre a ameaça de epidemia da dengue,

b) informar o nome do novo ministro, c) apresentar as opções de diversão da cidade, d)

complementar o saber do leitor sobre a gestão pública de um governante e etc. Isto não

invalida a possibilidade de um veículo publicar algo com características de uma

informação útil quando ele quer apenas fazer o cidadão crer na importância de uma

notícia.

Por mais que persistam críticas sobre essa postura mercadológica dos veículos

de comunicação, o fator financeiro ainda é determinante. Em entrevista publicada no

Jornal ANJ13, da Associação Nacional dos Jornais, o executivo de consultoria de gestão

empresarial Fernando Portella disse que é preciso a obsessão com custos, lucros e

competitividade para que os “jornais” se fortaleçam no mercado: “A decisão sempre é

financeira”.

12 Acesso realizado no dia 25 de abril de 2007, no endereço http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/da200520032.htm 13 Edição 199, de fevereiro de 2006. O Jornal ANJ é da Associação Nacional de Jornais, fundada em 1979 com fins não econômicos e constituída por 129 sociedades jornalísticas de todo o país, entre elas o jornal Correio da Paraíba. A associação, que tem sede em Brasília e disponibiliza seu conteúdo através do site www.anj.org.br. tem por missão “defender a liberdade de expressão, do pensamento e da propaganda, o funcionamento sem restrições da imprensa, observados os princípios de responsabilidade, e lutar pela defesa dos direitos humanos, os valores da democracia representativa e a livre iniciativa”. Contudo, os afiliados devem obedecer a um código de ética cujos preceitos destacamos: “Apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses”.

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Dentro da perspectiva acima, o leitor é visto apenas como um número

quantitativo e o jornal, um sujeito delegado pelo mercado. A notícia é pensada,

hierarquizada e apresentada a partir de seu impacto (HERNANDES, 2006).

Existe uma expressão contábil chamada “capital de giro”, que significa os

valores necessários para que a empresa faça seu negócio acontecer. Mas esses valores,

em si, não são suficientes para que o negócio aconteça e permaneça no mercado. Para

que o capital gire e a empresa continue em atividade, é preciso que as vendas sejam

constantes (em princípio) e crescentes (metas constantes), do contrário a empresa não

progride e vai à falência. Isto constitui um círculo vicioso no qual empresas e indústrias

estão inseridos. E se o mercado é extremamente competitivo e a conquista de novos

consumidores é cada vez mais difícil, a política de fidelidade é uma preocupação

corrente. Esta é uma ordem consolidada no mercado, e o jornal não escapa a ela. Por

isso ser comum em jornais campanhas de prêmios para atuais e novos assinantes. É uma

prática sorteio de carros e eletrodomésticos, descontos em shows, em supermercados,

em farmácias, brindes na compra de exemplares avulsos.

Esse círculo vicioso funciona conforme nossa ilustração abaixo, no sentido

horário:

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Embora o gráfico apresente uma lógica mercadológica natural (estratégias,

vendas e lucros), ela se revela obsessiva e perversa. A busca pelo lucro obedece a uma

ambição “incontrolável”, insaciavelmente crescente. Esta é a ordem do capitalismo,

conforme as teorias de Marx que explicam o processo de formação de capital.

Partindo, portanto, dessas proposições, podemos afirmar que é um engodo um

jornal se dizer imparcial. A sobrevivência do jornal é condicionada, seu discurso é

condicionado. Como ser imparcial sem ceder à ordem mercadológica? Nenhum discurso

é imparcial, a linguagem não é neutra, muito menos pura. E isto independente da ordem

mercadológica, como veremos no próximo capítulo.

Quando dizemos que não há neutralidade na linguagem (o discurso é

responsável pela mediação entre a permanência e continuidade, deslocamento e

transformação do homem na realidade em que ele vive), dizemos que o homem é

afetado pela língua, pela história. Logo, a parcialidade do sujeito-jornal é patente. É,

pois, inútil,

(...) colocar o problema da informação em termos de fidelidade aos fatos ou a uma fonte de informação. Nenhuma informação pode pretender, por definição, à transparência, à neutralidade ou à factualidade. Sendo um ato de transação, depende do tipo de alvo que o informador escolhe e da coincidência ou não coincidência deste com o tipo de receptor que interpretará a informação dada (CHARAUDEAU, 2006a, p.42).

Há um entendimento, conforme apresenta Traquina (2005a), que defende que a

comercialização da imprensa tornou o jornalismo independente dos laços políticos e o

transformou numa indústria na qual a notícia é vendida com o objetivo de lucros. Este

fato, além do posicionamento da imprensa em defesa da democracia, também veio

contribuir para consolidar a sua legitimidade.

O verbo crer vem do latim credere e é registrado no Aurélio (FERREIRA,

1999) como aquilo em que se tem confiança, se dá como verdadeiro. Quando cremos,

portanto, temos convicção íntima da verdade, da exatidão, da conformidade com o real.

Os sujeitos dão conta do mundo através dos saberes e crenças. Estas regulam as

práticas sociais que “apontam não apenas para os imaginários de referência dos

comportamentos (o que se deveria fazer ou não fazer), mas também para os imaginários

de justificativa desses comportamentos (se é do bem ou do mal)” (CHARAUDEAU,

2006a, p.46). As crenças, pois, dependem da interpretação:

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(...) há sistemas que avaliam o possível e o provável dos comportamentos em dadas situações, procedendo por hipóteses e verificações que permitem, em seguida, fazer predições (...); outros há que apreciam os comportamentos segundo um julgamento positivo ou negativo, em confronto com normas que foram estabelecidas socialmente, procedendo afirmações que ganham valor sob diferentes pontos de vista: ético (o que é bom ou mau), estético (o que é belo ou feio), hedônico (o que é agradável ou desagradável), pragmático (o que é útil ou inútil, eficaz ou ineficaz), sob a forma de julgamento mais ou menos estereotipados que circulam na sociedade (intertextualidade) e que representam os grupos que os instauram e servem de modelo de conformidade social (o guia de saber se comportar e julgar) (CHARAUDEAU, 2006a, p.46).

Inscritas numa notícia, portanto, as crenças fazem com que o sujeito-leitor

compartilhe os julgamentos sobre o mundo, instaurando-se aí a cumplicidade de um

saber. Desse modo, o sujeito-leitor é interpelado e obrigado a tomar uma posição de

acordo com a avaliação proposta no material noticioso e com base nas suas crenças e

em seus valores (formação ideológica).

A relação que o sujeito social tem com o real passa pelo processo de percepção-

construção. Desta mesma forma é produzido o material noticioso. As representações

sociais e a organização do real, dentro de normas e sistemas de valores, são a base para

essa produção noticiosa que conduz normas e valores. Com isso a imprensa pretende ser

o espelho da realidade e o documento diário do cotidiano social. Dentro das relações de

poder e de comunicação pretende ser “a verdade”, essa é a ordem do discurso

estabelecida.

Dada a propriedade de registro “instantâneo” dos fatos, o jornalismo incorporou

ao seu ofício a pretensão de escrever e reescrever a história a partir de sua formação

discursiva, implicada pela formação ideológica que forma a visão de mundo, constrói

conceitos de valores e de verdade. Aquilo que o jornal impresso diz, fica no papel,

documentado. E embora boa parte da população não leia jornal – para Erbolato (1991) o

jornal é um meio de comunicação das elites nos países de baixo nível econômico–, há

uma tendência em se acreditar no publicado como verdadeiro, que gera o efeito

multiplicador e expande o número de consumidores da informação jornalística.

O discurso do jornal não afeta apenas os sujeitos que têm acesso à palavra

escrita. Portanto, podemos classificá-los em leitores diretos e indiretos. Os diretos são

os assinantes diários ou assinantes só dos finais de semana, os que compram o jornal

nas bancas esporadicamente, os que lêem nas repartições onde trabalham, os que lêem

editorias específicas (esporte, política, cultura, variedade), os que lêem apenas as

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manchetes da janela do coletivo nos jornais pendurados nas bancas, os que lêem as

manchetes e também as chamadas e legendas quando caminham pelas calçadas; e os

que lêem um jornal ou mais por dia. Os leitores indiretos são os que ficam sabendo das

notícias jornalísticas através de outros sujeitos. O jornal impresso, por ser impresso,

palpável e de fácil acesso, se constitui em um documento incontestável. É uma prova!

Tanto assim é entendido que os argumentos passam a ser justificados porque “deu no

jornal”. E se “deu no jornal” é verdade e esta verdade se multiplica. Inclusive através de

outras mídias (rádio, TV, internet) que invariavelmente fundamentam seus discursos

com o “documento-jornal”. Os teóricos de comunicação William L. Rivers e Wilbur

Schramm, autores de “Responsabilidade na Comunicação de Massa” explicam que

É particularmente evidente que o que sabemos sobre numerosos assuntos de interesse público depende enormemente do que nos dizem os veículos de comunicação. Somos sempre influenciados pelo jornalismo e incapazes de evitar (apud ERBOLATO, 1991, p.51).

Na relação com o mundo o sujeito tem a necessidade de crer em verdades.

Crença e verdade estão intrinsecamente ligadas uma à outra. Para Charaudeau (2006a,

p.48-49),

Nas sociedades ocidentais, por exemplo, a verdade depende da crença de que ela preexiste à sua manifestação, de que ela se encontra em estado de pureza e inocência, e de que sua descoberta se faz ao término de uma pesquisa na qual o homem seria, ao mesmo tempo, o agente (movido pelo desejo de saber) e o beneficiário (ele descobre a resposta à pergunta: “quem sou eu?”). Nota-se que essa questão da verdade está marcada pela contradição: a verdade seria exterior ao homem, mas este só poderia atingi-la (finalmente construí-la) através do seu sistema de crença. Ora o homem procura meios para fundar um sistema de valores de verdade, ora ele se conforma com seus efeitos.

O valor de verdade é um recurso constantemente utilizado pela imprensa para

ratificar os argumentos expostos na notícia. Não é de ordem empírica, se realiza através

de construção e instrumentação científica, através de convenções, leis físicas, químicas,

matemáticas, biológicas. Trata-se de um “fenômeno” baseado em um conjunto de

técnicas de saber dizer, de saber comentar o mundo. É um saber erudito.

Comprovadamente a Terra é redonda, uma molécula de água é representada por H2O,

um quilômetro corresponde a mil metros, dois corpos não ocupam o mesmo espaço no

mesmo tempo; todo esse saber foi produzido por textos fundadores.

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No jornalismo dissemos que valor de verdade é a manifestação de um discurso

autorizado. É um expediente usado pelo jornalismo para dizer ao leitor que quem está

falando não é o jornal, mas um especialista, um sujeito que está protegido por um saber

científico. Só o médico legista pode falar sobre a causa mortis, só o engenheiro detém

conhecimentos técnicos para explicar porque a barragem não suportou o volume de

água e estourou, só o Tribunal Regional Eleitoral pode impugnar uma candidatura, só o

juiz condena. A construção explicativa do discurso autorizado se quer exterior ao

homem.

Além do valor de verdade, temos também o efeito de verdade, que está mais

inclinado para o “acreditar” do que para o “ser verdadeiro”. Enquanto o primeiro se

baseia numa evidência, o segundo se baseia numa convicção. O efeito de verdade

(...) não existe pois, fora de um dispositivo enunciativo de influência psicossocial, no qual cada um dos parceiros da troca verbal tenta fazer com que o outro dê sua adesão a seu universo de pensamento e de verdade. O que está em causa aqui não é tanto a busca de uma verdade em si, mas a busca e “credibilidade”, isto é, aquilo que determina o “direito à palavra” dos seres que comunicam, e as condições de validade da palavra emitida (CHARAUDEAU, 2006a, p.49)

Cada jornal constrói uma verdade própria. A realidade não é fixa, imutável. Ela

é interpretável. Hernandes (2006, p.21) explica que verdade, realidade e ideologia estão

profundamente relacionados, e diz que

O rótulo de verdade ou de mentira colocado nos produtos dos jornais por determinados grupos sociais tem quase sempre motivação política. Indicam, na forma de sanção pública, que determinado recorte da realidade feito pelos jornais reforça ou nega suas visões de mundo e estratégias de manutenção ou busca de poder. Não raras vezes, o debate sobre a “veracidade” de um texto é muito mais a exposição de uma crítica de motivação ideológica do que o resultado de um exercício analítico.

Quem informa tem uma competência para informar. À imprensa é atribuída

credibilidade por admitir-se que ela dispõe de critérios de avaliação eficientes e justos

para julgar e separar o verdadeiro, confiável e autêntico, do falso, do engodo. Mas a

verdade é transitória, cultural e excludente, como veremos no capítulo seguinte.

Foucault (2006a, p.18) lembra um princípio grego que diz que “a aritmética pode bem

ser o assunto das cidades democráticas, pois ela ensina as relações de igualdade, mas

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somente a geometria deve ser ensinada nas oligarquias, pois demonstra as proporções

nas desigualdades”.

É impossível falar de imprensa e verdade sem falar de poder, que é quem de fato

promove as interdições, exclusões e proibições sociais. Esta é a ordem do discurso, que

guarda em sua mais recôndita essência seus laços afetivos com o desejo e o poder. Isto,

de certa forma, turva a transparência do que é dito, daquele acontecimento: aquilo foi

dito com uma função e foi dito e controlado daquela forma porque não poderia ser de

outra. A imprensa disciplina e controla o mostrar. É uma instância tão reconhecida que

se criou no inconsciente coletivo a idéia de que para que algo seja, de fato, verdadeiro, é

preciso ser publicado em jornal.

A imprensa, através de técnicas de transmissão da “verdade” conquistou

prestígio e poder. Sodré (1996, p.67) explica que

Nessa luta contra o segredo do poder, a imprensa foi assumindo progressivamente posições de poder, semelhantes, de certo modo, a dispositivos de Estado. Sua capacidade de denunciar ocultamentos e irregularidades colocava-a numa posição análoga à do Ministério Público, com seus procuradores e promotores de justiça investidos do poder estatal de denúncia jurídica. Igualmente, sua capacidade de suscitar ou de defender causas públicas colocava-a em paralelo à ação de lideranças políticas ou de empreendimentos de modernização social.

Com o princípio democrático do poder controlar o poder (o legislativo controla o

executivo e o judiciário, todos), a imprensa acabou por assumir o “Quarto Poder”, termo

usado pela primeira vez na França do final dos anos 20 do século XIX pelo deputado

McCaulay, em referência à Revolução Francesa (TRAQUINA, 2005a).

Assumir o “Quarto Poder” não significa necessariamente dizer que a partir daí

toda a imprensa rompeu com aquele modelo sobre o qual as linhas editoriais variavam

de acordo com os interesses de grupos políticos e econômicos. Com o fortalecimento do

capitalismo

(...) a imprensa, cada vez mais desenvolvida em termos empresariais, vai alterando a sua função tradicional, coincidentemente quando o Estado muda o seu tipo básico de legitimidade, o da racionalidade jurídica consubstanciada em normas legais (SODRÉ, 1996, p.69).

A partir daí, o Estado passa a ser guiado pela lógica econômica e por um regime

de verdade cuja credibilidade é garantida pelas estatísticas. Os meios de comunicação

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(...) adquirem um novo estatuto cultural e uma posição de poder sem precedentes na História do mundo. Já não se trata mais da velha imprensa como tribuna de uma consciência liberal, mas de um complexo integrado de formas de expressão escrita, falada e imagística, suscetível de constituir uma verdadeira estrutura de poder (SODRÉ, 1996, p.69).

A legitimidade do poder não pode prescindir de técnicas de transmissão da

“verdade”. Através desse processo de comunicação que forma e “alimenta” a opinião

pública, é natural que haja aí uma influência progressiva na participação política dos

cidadãos, quer “seja pela criação de uma realidade política despolitizada, pela

estimulação de técnicas plebiscitárias de sondagem da opinião pública ou então pela

simples conversão das campanhas eleitorais em táticas mercadológicas” (SODRÉ, 1996,

p.72). Uma coisa é certa, pelo poder/saber discursivo que a mídia tem, ela produz

sentidos e influencia sujeitos. Mas, para se compreender esse “fenômeno”, é preciso ir

além das palavras, numa arqueologia interminável sobre a constituição do sujeito

através do discurso.

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2 Além das palavras

Você diz a verdade e a verdade é seu dom de iludir. (Trecho da canção “Dom de iludir”, de Caetano Veloso)

Em um tempo não muito distante, os partidos políticos brasileiros eram

classificados em “de direita” e “de esquerda”. Os “de direita” aglutinavam os partidários

governistas e representavam o conservadorismo das oligarquias, das elites, dos

chamados coronéis, dos empresários, etc. Os “de esquerda”, inspirados pela teoria

socialista que priorizava os interesses coletivos sobre os individuais, representavam a

classe operária, os pobres, os excluídos, os marginalizados, e ainda contavam com a

simpatia de artistas, estudantes e intelectuais.

Em um tempo ainda mais remoto, conforme a história da democracia francesa,

“esquerda” e “direita” significavam mais um posicionamento referencial em relação à

presidência de uma assembléia do que uma posição social e convicção política. Havia

ainda “os do meio”, ou “moderados”. No Brasil contemporâneo, esses políticos “do

meio” ficaram conhecidos popularmente como “os de cima do muro”. Como não eram

contra nem a favor das decisões majoritárias, teoricamente eram neutros. Mas era uma

neutralidade que escondia, por trás do manto da oratória democrática, os interesses

deslizantes e sorrateiros que circulam pelos bastidores da política.

Hoje, falar em “esquerda” e “direita” já não é tão comum. O que está em voga é

“situação” (aqueles que apóiam o governo) e “oposição” (aqueles contrários ao

governo). Contudo, independente do momento e das definições, em qualquer dos casos

há um posicionamento. Quer seja contrário ou favorável. A língua, a história, a

ideologia; tudo interpela o homem. E este é instado a tomar decisões, a se manifestar.

Dessa forma se dá a experiência humana e ela começa, efetivamente, através da língua.

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A questão é: quando alguém diz “eu sou neutro” ou “eu sou ateu” ele está realmente

sendo transparente, além do bem e do mal e acima de qualquer religião? A linguagem é

a manifestação metafórica dos nossos anseios, vontades, desejos, decisões; é um rio

para onde convergem a certeza das dúvidas e a dúvida das certezas, onde o equívoco e a

afetação são protegidos por uma lâmina tênue e frágil de uma transparência utópica,

irreal. A própria língua é um convite ao deslize, posto ser histórica, social e

interpretável.

Para a Análise do Discurso (AD), a linguagem materializa a ideologia, a língua e

a história. Não existe neutralidade na linguagem e esta é a mediação necessária entre o

homem e a realidade natural e social. Essa mediação é o discurso, que “torna possível

tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do

homem e da realidade em que ele vive” (ORLANDI, 2005, p.15). Diz Pêcheux (1988,

p.160) que

É a ideologia que fornece as evidências pelas quais ‘todo mundo sabe’ o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc., evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado ‘queiram dizer o que realmente dizem’ e que mascaram, assim, sob a ‘transparência da linguagem’, aquilo que chamaremos o caráter material do sentido das palavras e dos enunciados.

O sujeito, conforme conceito adotado pela AD, não é um indivíduo em si, mas

um sujeito social que ocupa um determinado lugar estabelecido e regrado pela

sociedade de acordo com as situações sócio-históricas. Ele é ao mesmo tempo livre e

submisso, “ele é capaz de uma liberdade sem limites e uma submissão sem falhas: pode

tudo dizer, contanto que se submeta à língua para sabê-la” (ORLANDI, 2005, p.50). Ou

seja, ele é constituído por um discurso que já emerge afetado pelas condições de

produção.

Quando nos propomos a analisar o discurso, não devemos nos limitar à

materialidade textual nem à sua função como mensagem. Estamos inclinados a pensar o

discurso além de sua superficialidade, pois nele temos uma relação de sujeitos e

sentidos e não uma simples transmissão de informação. É um equívoco, portanto, pensar

que o jornalismo, cujo discurso é nosso objeto de análise, tem por função simplesmente

transmitir informação. É isso que pretendemos mostrar após essa discussão sobre os

dispositivos teóricos da AD. Isto posto, cremos que é possível passar a conceitos

primordiais para fundamentar e nortear este trabalho.

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2.1 A ordem é controlar o discurso

O discurso é o efeito de sentido entre locutores. Este sentido não é

simplesmente aquele que, de alguma forma, um locutor enunciou e o receptor decifrou.

O discurso é, sobretudo, uma produção social afetada pela história, pela língua, pelas

condições de emergências. Logo, a realização do efeito de sentido está condicionada a

certas circunstâncias. Diz Foucault (2006a) que, em toda sociedade, essa produção

social é controlada e selecionada, organizada e redistribuída através de procedimentos

que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar e domesticar seu

acontecimento aleatório, sua dimensão.

O sentido (ou os sentidos) contido em um discurso não está exclusivamente na

estrutura lingüística, no explícito, no presente. É preciso verificar a sua função

enunciativa, como e de que forma aquilo foi produzido no tempo e no espaço. O sentido

se faz até mesmo no silenciamento, na ausência, na exterioridade do dito, do não-dito,

no imaginário do sujeito, no implícito. Para apreendermos o sentido da chamada de capa

“Mendigar vira ‘negócio’ com renda maior que a de professor”, publicada em 19 de

março de 2006 pelo jornal Correio da Paraíba, é preciso ir além das palavras. A AD não

busca simplesmente qual o sentido do texto, mas, sobretudo, como o texto/discurso faz

para dizer o que diz e sustentar suas “verdades”. É preciso, pois, ir em busca da data da

publicação, do dia; questionar em que condições de produção aqueles dizeres

emergiram e de que lugar institucional regulamentado; procurar entender porque a

palavra negócio está aspeada, porque a comparação entre mendigo e professor, porque

aqueles dizeres e não outros. Aliás, de qual professor trata a matéria? É de universidade,

de pré-escolar, de um cursinho de informática? Depois, tentar compreender como está

materializada no coletivo social a imagem do que seja um professor e um mendigo em

nossa sociedade; depois, ainda, trabalhar com esse suporte de enunciados e de

comunicação de massa que se chama jornal impresso, que usa tipografia e cores

variadas, que usa fotos e gráficos para reforçar uma informação, que “escolhe” publicar

uma notícia e não outra, que dá um enfoque X e não um Y, que dá um destaque a uma

chamada com letras garrafais e trata outra com discrição. Diria Shakespeare: “There are

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more things in heaven and earth, Horatio,/ Than are dreamt of in your phylosophy14.

No terceiro capítulo, retomaremos a discussão a cerca dos sentidos dessa chamada

jornalística.

Na explicação de Pêcheux (1990) discurso é estrutura e acontecimento.

Estrutura porque depende de procedimentos lingüísticos para sua manifestação e

acontecimento, porque, a partir das filiações históricas e da organização da memória, é

um momento de interpretação realizado pelo sujeito. Acrescenta ainda o filósofo francês

que

(...) todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou não, mas de todo modo atravessado pelas determinações inconscientes) de deslocamento no espaço (...) (PÊCHEUX, 1990, p.56).

Por isso devemos estar atentos às singularidades do discurso, de seu

acontecimento, de sua existência. Quando falamos acontecimento, nos referimos a um

acontecimento de linguagem, à enunciação, não a um fato jornalístico como vimos no

capítulo anterior. Explica Foucault (2006a, p.57-58) que

Certamente o acontecimento não é nem substância nem acidente, nem qualidade nem processo; o acontecimento não é da ordem dos corpos. Entretanto, ele não é imaterial; é sempre no âmbito da materialidade que ele se efetiva, que é efeito; ele possui seu lugar e consiste na relação, coexistência, dispersão, recorte, acumulação, seleção de elementos materiais; não é ato de propriedade de um corpo; produz-se como efeito de e em uma dispersão material (...). Não se trata, bem entendido, nem da sucessão dos instantes do tempo, nem da pluralidade dos diversos sujeitos pensantes; trata-se de cesuras que rompem o instante e dispersam o sujeito em uma pluralidade de posições e de funções possíveis.

Não é o sujeito que temporaliza, mas o acontecimento. A temporalidade é

constituída por um presente que abre uma latência de futuro. O sujeito, através de suas

emoções e razões, de seu lugar social, de suas condições, interpreta o acontecimento e o

transforma em acontecimento discursivo, em enunciação.

Observemos a nossa seguinte ilustração:

14 Na tradução para o livro de “Viagens na Minha Terra”, do português Almeida Garrett, está: “Há mais coisas no céu, há mais na terra/ Do que sonha a tua vã filosofia”.

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Três elementos compõem esta ilustração partindo do centro para fora:

acontecimento (fato), sujeito e acontecimento discursivo. O acontecimento (fato) é

representado por um ícone que ocupa um espaço central e flui para todas as direções em

proporções e de maneiras diferentes. O sujeito é representado por um ícone com olhos

distintos e antenas captadoras trêmulas. Olhos e antenas são limitados a um ângulo de

direção. Outros ícones (coração, marcador de lugar, indicador de tempo e gráfico)

rodeiam o sujeito – melhor: ratificam as condições que constituem o sujeito. O

acontecimento discursivo é representado por um ícone disforme (o sujeito enunciador)

que fala a partir de seu lugar. A partir de uma posição social e condição de produção, o

sujeito observa, interpreta e gera o acontecimento discursivo.

Cada acontecimento discursivo é único. Mesmo que vários sujeitos presenciem

um fato na mesma hora, do mesmo ângulo, isto não constitui um só acontecimento

discursivo. Por isso é preciso estar pronto

para acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado, até nos menores traços, escondido bem longe de todos os olhares, na poeira dos livros. Não é preciso remeter o discurso à longínqua presença da origem; é preciso tratá-lo no jogo de sua instância (FOUCAULT, 2005, p.28).

Dizer que o mundo era redondo no século XV era um acontecimento, hoje, é

outro. De 13 de dezembro de 2005 a 28 de outubro de 2006, o Correio da Paraíba

publicou cerca de 20 pesquisas de opinião sobre as intenções de voto para o governo da

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Paraíba. Cada pesquisa publicada constituiu um acontecimento discursivo. Vejamos

algumas:

Data Manchete

22/01/06 Consult: Maranhão lidera com 48,45% e Cássio tem 31,85% 19/02/06 Consult: Maranhão lidera com 47,25% e Cássio tem 35,10% 27/03/06 Consult: Maranhão lidera com 46,35% e Cássio tem 36,25%

Embora o texto seja repetido como uma fórmula fixa (há variação apenas dos

números), trata-se de acontecimentos discursivos distintos, irrompem em momentos

diferentes. A repetição do texto, o martelar silencioso do discurso, vai ratificando a

condição do candidato Maranhão que, na primeira pesquisa, é líder; na segunda,

continua líder; na terceira, permanece líder. O acontecimento jornalístico, baseado em

critérios que consideram novidade um fundamento para noticiabilidade, é “descartado”

pelo Correio da Paraíba. A variação percentual que mostra que o candidato Maranhão

caiu 2,1 pontos percentuais e o candidato Cássio subiu 4,4, da primeira para a terceira

pesquisa, parece irrelevante. No entanto, em jornalismo, quando se trata de divulgar

pesquisas (instrumentos sistemáticos e valorativos utilizados por grupos sociais para

indagar, averiguar, investigar ou buscar respostas para dadas situações) ou siglas

permanentes (dólar, bolsa de valores, inflação, custo de vida, cesta básica), é

procedimento recorrente destacar a variação referencial para ajudar a tornar a

informação inteligível para o leitor. Dizer que o dólar comercial fechou o dia em R$

2,20 é diferente de informar que ele teve uma queda ou uma alta em relação ao dia

anterior ou a outro período. O valor do dólar pode representar mudanças significativas

na vida do leitor: o preço do pãozinho, por exemplo, pode subir. Dizer que a inflação

está em 2% significa bom ou ruim? Se o jornal não disser que ela subiu ou desceu o

leitor ficará confuso. E no caso particular, sobre a intenção de voto do eleitor, a pesquisa

(ou pesquisas) tem como principal função apresentar a evolução do candidato dentro de

um determinado período/espaço.

Com isso, tem-se a impressão de que o Correio da Paraíba, ao “ignorar” a

variação percentual, trata as três pesquisas como um mesmo acontecimento jornalístico

(que veremos no capítulo seguinte). O movimento da opinião pública, que navega aos

balanços dos acontecimentos discursivos políticos presentes no período dedicado à

reflexão e escolha dos homens que vão administrar o estado, fica à margem das

considerações jornalísticas. Por isso ser fundamental observar as particularidades, as

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singularidades da existência do discurso, que é constituído de uma seqüência de signos

na forma de enunciados.

Nem tudo pode ser dito em qualquer lugar e em qualquer hora. É preciso estar

atento aos procedimentos de regulação do discurso constituídos nas sociedades. O

sujeito, aparentemente, é livre, mas não é dono de seu dizer: ele pensa que conhece, que

sabe o que diz, mas há um espaço exterior e interior que o controla, um pré-construído

pensado e dito antes. O sujeito é, então, assujeitado. Mas não um assujeitamento radical.

Através do cruzamento entre ideologia e inconsciente, Pêcheux (1988, p.304) esclarece

que

(...) - não há dominação sem resistência: primado prático da luta de classes, que significa que é preciso “ousar e revoltar”; - ninguém pode pensar do lugar de quem quer que seja, primado prático do inconsciente, que significa que é preciso suportar o que venha a ser pensado, isto é, “ousar pensar por si mesmo”.

A disciplina, as normas, os métodos, as leis, os regimentos, os códigos, a ética,

os dogmas, as regras, as proibições; a sociedade regula todas as ações do sujeito como

se este estivesse no Panóptico15. Por isso as interdições, as exclusões, as punições. Em

“Hino de Duran”16, música de Chico Buarque, essas regulações são bastantes explícitas.

Vejamos:

Se tu falas muitas palavras sutis/ E gostas de senhas, sussurros, ardis A lei tem ouvidos pra te delatar/ Nas pedras do teu próprio lar Se trazes no bolso a contravenção/ Muambas, baganas e nem um tostão A lei te vigia, bandido infeliz/ Com seus olhos de raio X Se vives nas sombras, freqüentas porões/ Se tramas assaltas ou revoluções A lei te procura amanhã de manhã/ Com seu faro de dobermann E se definitivamente a sociedade só te tem desprezo e horror E mesmo nas galeras és nocivo, és um estorvo, és um tumor A lei fecha o livro, te pregam na cruz/ Depois chamam os urubus Se pensas que burlas as normas penais/ Insuflas, agitas e gritas demais A lei logo vai te abraçar, infrator/ Com seus braços de estivador Se pensas que pensas etc.

15 O Panóptico é um modelo de casa de detenção de Jeremy Bentham, cuja arquitetura permitia visibilidade constante e total do preso. Para Foucault, em “Vigiar e Punir” (2006c), isto assegurava o funcionamento e manutenção do poder. 16 Do disco “Ópera do Malandro”, lançado em 1979 como trilha sonora de uma peça homônima.

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O que é dito, portanto, é dito a partir de determinadas condições de

possibilidades, do contexto imediato, da história. Por isso um enunciado ser relacionado

a outro, por isso o sujeito poder ocupar lugares diferentes, realizar acontecimentos

discursivos diferentes; mas sempre dentro de uma dada prática discursiva, de um lugar

regulado e regulador. Vejamos a ilustração seguinte.

O ícone central, que se revela um tanto agitado, representa o sujeito afetado por

tudo aquilo (as instituições, os lugares sociais demarcados, a história, a língua) que

norteia e regula o discurso. “O contexto histórico-social, então, o contexto da

enunciação, constitui parte do sentido do discurso e não apenas um apêndice que pode

ou não ser considerado” (MUSSALIM, 2003, p.123).

Na ilustração, setas apontam para e retornam do sujeito. Há um diálogo

permanente entre ele e o lugar social ocupado. Este lugar é disciplinador, controla a

produção do discurso, “fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de

uma reatualização permanente das regras” (FOUCAULT, 2006a, p.36). O discurso não

é propriedade do sujeito, mas desse lugar. Quem fala, fala de algum lugar. Quem fala,

tem um status, um poder, uma competência para falar, um domínio de um saber. Isto

compreende um sistema de diferenciação e de relações, divisão de atribuições,

subordinação, complementaridade funcional. O lugar constitui um campo qualificável

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(FOUCAULT, 2005). O médico, o engenheiro civil, o eletricista, o cozinheiro, o

governador, o economista; todos são qualificados e estão autorizados por uma

legitimação e regulação social para desempenhar e falar a partir de suas funções nos

locais pertinentes: quem pode prescrever uma receita é um médico, quem pode

responder pela construção de um prédio é um engenheiro, etc. Em seu lugar

determinado, o sujeito se apropria de uma “presunçosa” verdade (melhor: vontade de

verdade) garantida por sua posição, saber e lugar social.

A função de um instituto de pesquisa, por exemplo, é coletar dados e apresentar

resultados, conforme a ordem social. Já a função do jornal é informar. Assim, este, se

valendo daquele e se eximindo de qualquer responsabilidade, credita a informação

veiculado aos sujeitos autorizados, protegido pelo dito popular de que “portador não

merece pancadas”, pois é apenas o “portador”, o “informador”, “um instrumento à

serviço da democratização da informação”; mas pode ser também o “boateiro”, o

“fofoqueiro”, “o falastrão”, “o correio da má-notícia”.

Quando o jornal Correio da Paraíba estampa “Consult: Maranhão lidera com

48,45% e Cássio tem 31,85%”, estrategicamente se apóia numa estrutura lingüística,

numa técnica jornalística que o distancia da informação para atribuí-la a uma instituição

social e cientificamente legitimada. Não se trata de uma informação de alguém

qualquer. Trata-se de um instituto “já conhecido no Estado e em todo Nordeste”,

esclarece o jornal em matéria da página A3 de 13 de dezembro de 2005.

Não é qualquer sujeito que pode ocupar qualquer lugar a qualquer hora. Esta é a

ordem do discurso, uma organização social que disponibiliza uma infinidade de lugares

para as mais variadas necessidades. Um médico, quando no hospital, é um profissional

com habilidades compatíveis com o lugar; quando em casa, seu lugar é de chefe de

família, na fila de um banco, é de cliente, no volante de um carro, de motorista... e assim

por diante, mas ele continua sendo médico, um sujeito social regulado pela ordem do

discurso.

No jornalismo, os lugares sociais e seus ocupantes são fundamentais para

ratificar e legitimar a função do jornalismo e suas informações. É de acordo com a

sentença de um juiz que o jornal pode dizer que o réu foi condenado ou absolvido; é o

parecer médico que vai atestar a causa mortis; ouvir especialistas sobre o aquecimento

do planeta ou economistas sobre a inflação dá credibilidade à informação.

O discurso é “um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do

sujeito e sua descontinuidade em relação a si mesmo” (FOUCAULT, 2005, p.61), um

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espaço exterior em que se desenvolve uma rede de lugares distintos, uma rede de

práticas discursivas diferentes.

Quando Foucault fala da descontinuidade do sujeito e da dispersão, ele se afasta,

rompe com as noções históricas tradicionais de continuidade, cronologia, linearidade,

soberania do sujeito. Sua sintonia é com a Nova História17. Por isso frisamos, logo no

início deste capítulo, a importância de se observar o discurso em sua irrupção, o local, a

data, circunstâncias, enfim, as singularidades de sua emergência. É preciso, pois,

sacudir a quietude das formas prévias da continuidade: além de uma lógica e ingênua

regularidade do dito, há um não-dito, um já-dito; controles implícitos que fundamentam

dizeres a partir de instâncias e condições.

Quanto à dispersão, trata-se das diversas posições ocupadas pelo sujeito e

reveladas pela discursividade própria de cada lugar, chamada de formação discursiva

(FD). Explica Foucault (2005, p.43) que

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva – evitando, assim, palavras demasiado carregadas de condições e conseqüências, inadequadas, aliás, para designar semelhante dispersão, tais como “ciência”, ou “ideologia”, ou “teoria”, ou “domínio da objetividade”.

Notemos que ao invés de ideologia, ou formação ideológica, Foucault (2006b,

p.7) prefere “regras de formação” como as condições de existência de uma repartição

discursiva, pois “a ideologia está em posição secundária com relação a alguma coisa que

deve funcionar para ela como infra-estrutura ou determinação econômica, material,

etc.”, concepções predominantes nas teorias marxistas.

As formações discursivas manifestam uma inseparável ligação com o desejo e o

poder nas suas micro-lutas e micro poderes, pois onde há poder, há resistência e luta.

Para Foucault (2006a, p.10), “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas

ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos

17 Movimento francês de renovação dos estudos históricos, que muda a concepção do “sujeito da História”. O foco é a história das atividades humanas, e não só políticas. Não apenas os envolvidos em grandes acontecimentos merecem atenção. Todos os homens merecem atenção. É a história vista de baixo, fragmentada em documentos vistos como monumentos a serem investigados através de procedimentos arqueológicos. Diz Sargentini (2004, p.85) que a Nova História “considera as questões sociais e culturais, que levam o historiador a observar as relações de poder, já que a difusão cultural tem como mediadores grupos sociais possuidores de um discurso dominante e de poder”.

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queremos apoderar”. O discurso é lugar de conflito, arena de lutas, de disputa; e esses

enfretamentos revelam a necessidade de demarcação de território, de conquista, de

dominação... de poder. Embora tenhamos adotado para este trabalho o conceito

foucaultiano de formação discursiva, vale aqui mostrar a de Pêcheux (apud

GREGOLIN, 2001, p.17), feita a partir da leitura de Althusser sobre Marx:

(...) o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não existe ‘em si mesma’ (isto é, em sua relação transparente à literalidade do significante), mas é determinada pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo social histórico em que as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). Poderíamos resumir essa tese dizendo: as palavras, expressões, proposições, etc. mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam, o que significa que elas tomam seus sentidos em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, em uma formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina ‘o que pode e deve ser dito’.

O marxismo oficial, como descreve Miotello (2005), entendia ideologia como

“falsa consciência”, escurecimento e não-percepção das contradições das classes sociais

promovidas pelas forças dominantes – a ideologia “ocultava” a realidade social. Tal

concepção levou Althusser a formular conceitos sobre mecanismos de controle social,

dentre eles os aparelhos ideológicos do Estado (AIE), que teoricamente garantiam a

dominação da classe dominante através da reprodução das condições materiais. E o

discurso, observou Mussalim (2003), se constituiu em um “aparelho ideológico”, pois

nele se manifestam os embates entre os lugares sociais.

O Círculo de Bakhtin18 também releu o conceito marxista de ideologia e o

colocou ao lado de uma outra concepção, chamada de ideologia do cotidiano. Esta, se

constituía “nos encontros casuais e fortuitos, no lugar do nascedouro dos sistemas de

referência, na proximidade social com as condições de produção e reprodução da vida”

(MIOTELLO, 2005, p.69). Em 1930, Voloshinov, intelectual do Círculo de Bakhtin, fez

a única definição dada por alguém do Círculo sobre ideologia: trata-se de um conjunto

dos reflexos e interpretações da realidade social e se expressa através das palavras ou

formas sígnicas, é uma expressão de uma tomada de posição determinada (MIOTELLO,

2005, p.69). Portanto, todo signo é ideológico, porque é valorativo, parte de um ponto

18 Trata-se de um grupo de intelectuais que se reuniu de 1919 a 1920 para discutir idéias, reflexões sobre a linguagem.

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de vista, de um lugar determinado sócio-historicamente, caracterizado pela organização

e a regulação das relações histórico-materiais dos homens.

Se, por um lado, as formações discursivas revelam uma regularidade temática e

enunciativa, por outro, revelam os sentidos no entremeio do interdiscurso (memória

discursiva) e intradiscurso (aquilo que dizemos em dado momento, em dadas

condições). O interdiscurso, conceito base da construção teórica de Pêcheux, “designa o

espaço discursivo e ideológico no qual se desenvolvem as formações discursivas em

função de relações de dominação, subordinação, contradição” (GREGOLIN, 2001,

p.18). Trata-se da realidade fornecida a cada sujeito, impondo-dissimulando seu

assujeitamento sob a aparência da autonomia; é um conjunto de formulações feitas e já

esquecidas, mas que permanece a circular nos discursos. Sempre a determinar os

dizeres.

Seguindo os vestígios do discurso, encontramos ainda a paráfrase e a

polissemia. É o jogo entre o mesmo e o diferente, como diz Orlandi (2005). Tanto

repetimos, retornamos ao mesmo espaço de dizer, como nos deslocamos no processo de

significação. Isto vem atestar a qualidade de heterogeneidade do discurso. Por isso “a

palavra é a arena onde se confrontam os valores sociais contraditórios e, por isso, os

conflitos da língua refletem os conflitos de classe no interior do sistema”

(GRIGOLETTO, 2005, p.117). Por isso o sujeito ser afetado pela ideologia, pois ele faz

uso do signo, das palavras.

Quando falamos em heterogeneidade, falamos na incompletude da língua, do

discurso, do sujeito; todos tomados pelas relações dialógicas (teoria de Bakhtin que

compreende os espaços de tensão entre vozes sociais). Se há diálogo, há presença do

outro. Um outro não necessariamente presente, face a face. Um outro que se apresenta

de formas variadas. Diz Grigolleto (2005, p.121) que

(...) ao introduzirmos na nossa fala a palavra do outro, inevitavelmente a revestimos com algo de novo, com nossa compreensão com nossa avaliação, a partir da nossa inscrição em uma ordem social. Portanto, o sujeito nunca está na origem do que diz e, a cada novo dizer, a sua palavra é determinada social e ideologicamente.

Authier-Revuz (1990) classifica heterogeneidade em mostrada e constitutiva.

A primeira é dividida em marcada (discurso indireto, aspas, etc.) e não-marcada

(ironia, imitação, etc.). A segunda é apoiada em três discussões teóricas: a) o

dialogismo de Bakhtin, para o qual as palavras são “carregadas”, atravessas por palavras

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de outros, b) o interdiscurso, que postula o funcionamento do discurso regulado pelo

exterior e c) a psicanálise, que entende a fala como fundamentalmente heterogênea e o

sujeito dividido – sob as palavras, “outras palavras” são ditas.

Embora se apresentem sob ordens diferentes, ambas (mostrada e constitutiva)

se conjugam na construção dos sentidos do discurso. O discurso é heterogêneo porque

comporta outros discursos, porque comporta em seu interior contradições, diferentes

posições-sujeito. O efeito de unidade de discurso, de homogeneidade é uma simulação,

“que está baseada nas evidências de que o sujeito é a origem do dizer e que o sentido é

literal, transparente” (GRIGOLETTO, 2005, p.125).

Essas marcas de heterogeneidade são corriqueiras no discurso jornalístico.

Vozes do jornal, do jornalista, do entrevistado, do especialista, do cientista, do popular;

inúmeras vozes estão sempre se entrecruzando e resultando notícias, que voltam a se

entrecruzar sucessivamente com outras vozes. Em 9 de julho de 2006 o Correio da

Paraíba trouxe a manchete “Déficit habitacional cresce 15% e faltam 160 mil casas

na PB”. Neste caso, o título “esconde” a heterogeneidade discursiva. O Correio assume

a informação como se fosse ele que estivesse falando, como se fosse “proprietário”

daquela “verdade” revelada na unidade do discurso no título. No entanto, ao ler a

matéria encontram-se “segundo dados do Ministério das Cidades”, “para o

Governo”, “conforme secretário”. Trata-se de um momento de explicitação da

heterogeneidade mostrada. No entanto, é comum também encontrar essa característica

discursiva logo na manchete do jornal ou nos demais títulos. Se voltarmos aos exemplos

das pesquisas citados atrás, veremos que logo no início o Correio fala mais pela voz do

instituto: “Consult: Maranhão lidera com 48,45% e Cássio tem 31,85%”. O jornal

fala, mas o crédito da informação não é seu, pertence a outra instância discursiva, a

outra voz autorizada, legitimada socialmente. Mas por que o jornal se apropria de um

discurso em um momento e em outro não? No terceiro capítulo aprofundaremos essa

discussão.

Historicamente a legitimização do jornalismo se deu sobre a ilusão de

transparência, do sentido único da materialidade textual, da neutralidade. Uma ilusão...

a possibilidade do controle do discurso não é uma possibilidade, é uma realidade que

está além das palavras.

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2.2 E assim se fez o sujeito, consentido

Esse modo de ilusão do sujeito ganha forma e força a partir do regime

democrático adotado em alguns países em fins do século XIX e início do XX. Antes, a

ilusão consistia na fé religiosa, na bondade dos soberanos, cujo ideal de vida moral

reprimia o erro, a falta, o pecado; ou em nome de uma felicidade futura inatingível neste

mundo, ou, como prêmio, “no outro”; tudo, em função dos interesses protegidos pelos

binômios “bem” e “mal” e “bom” e “mau”, como observa Nietzsche (S/D, p.25):

Foram os próprios “bons”, os homens nobres, os poderosos, aqueles que ocupam uma posição de destaque e têm a alma elevada que julgaram e fixaram a si e a seu agir como “bom”, ou seja, “de primeira ordem”, em oposição a tudo o que é baixo, mesquinho, comum e plebeu. Foi esse pathos da distância que os levou a arrogar-se por primeiros o direito de criar valores, de forjar nomes de valores: que lhes importava a utilidade.

Com a democracia, sistema político em que o governo é escolhido pelo povo

através de eleições regulares e em condições de sufrágio universal e sob garantias

mútuas de respeito aos resultados, criou-se a ficção da igualdade de todos perante o

poder constitucionalizado, como bem observou Wanderley Guilherme dos Santos19.

Desse modo, espalhou-se o princípio de que “o poder emana do povo, pelo povo e para

o povo” e legitimava-se o poder democrático.

E o sujeito? Bem, naturalizado nesse novo modelo de sociedade, vale-se dos

direitos civis, políticos e sociais constitutivos da cidadania. Fruto dos séculos XVIII e

XIX, os direitos civis garantiam a igualdade, propriedade, liberdade, expressão, etc.; os

políticos, os direitos individuais exercidos coletivamente, a liberdade de associação, de

organização política, sindical, o sufrágio universal, etc.; os sociais, consolidados em

meados do século XX, garantiam o acesso ao bem-estar coletivo, a seguridade social, o

trabalho, o salário, as férias, as jornadas fixas, a educação, a segurança, a habitação, o

lazer, o acesso à cultura, o transporte, etc. Diz Foucault (2006b, p.289) que o objetivo

do governo não é certamente governar, “mas melhorar a sorte da população, aumentar

sua riqueza, sua duração de vida, sua saúde, etc.”.

O sujeito, portanto, “senhor” da liberdade de informação e expressão; do seu

poder de voto; de sua instrução acadêmica; das legislações o protege de governantes que 19 Em artigo publicado na revista Continente Multicultural, ano IV, nº 47, novembro de 2004, página 16. Trata-se de um excerto de palestra de Wanderley Guilherme dos Santos publicada originalmente na Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 36, 1998.

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“desconhecem” o objetivo final do governo; enfim, “senhor” de todos esses saberes que

o reveste com a sólida armadura dos direitos humanos e sociais e das certezas

epistemológicas; possivelmente o sujeito se sente menos instável e vulnerável ao

assujeitamento social. Contudo, não devemos esquecer que: a) não há dominação sem

resistência e b) o sujeito não é autônomo. Ele não age sem a intervenção das forças

sociais, não transita sem os famigerados olhos do big brother a “invadir seus

pensamentos” e a policiar seus atos como uma sombra constante e opressora. A

condição de libertação do sujeito é a sua submissão à sociedade. “A coerção social é (...)

a força emancipadora, e a única esperança de liberdade a que um humano pode

razoavelmente aspirar” (BAUMAN, 2001, p.27). Assim se forma o sujeito, consentido.

A constituição do sujeito, efetivamente, dá-se por uma série de concessões

travestidas de liberdade, de uma autonomia utópica, de uma felicidade subjetivamente

ficcional. Dá-se, inclusive, pelo duelo do ser e não ser. O sujeito é livre, mas não é. Sua

liberdade é a dependência, concessão e punição. As charges abaixo, publicadas na

revista “Caros Amigos”, em 15 de novembro de 2002, ilustram bem esse assunto:

Ora, mas de que sujeito estamos falando aqui? Do individualizado? Do sujeito

marxista, constituinte e soberano da história? Não. Do sujeito do discurso, um sujeito

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perpetuamente preso ao cordão umbilical social que assegura o alimento constitutivo de

sua formação. Alimento este que, depois de ruminado, retorna ao turbilhão da sociedade

em cumprimento ao contrato de convivência coletiva, que prevê responsabilidades para

méritos e deméritos, direitos e obrigações, posturas “politicamente corretas”. É

importante enfatizar ainda que não estamos falando de um indivíduo, mas de lugares

sociais que determinam os sujeitos.

A condição de vida desse sujeito é a incompletude. Assim como a linguagem,

ele está em um constante processo de formação, disperso em um mundo cuja

durabilidade é descartável, cuja velocidade é atordoante e cuja distância não se mede em

metros, mas em competência de dispositivos tecnológicos. Se a pouco tempo se dizia

que alguém era deficiente por apresentar uma deficiência física ou psíquica, hoje “o

correto” é dizer portador de necessidades especiais; ao invés de negros,

afrodescendentes; de prostitutas, profissionais do sexo; de empregado, colaborador; de

dona-de-casa, administradora do lar; de velhos, idosos, turma da terceira idade e, mais

recentemente, turma da melhor idade e etc. Mudanças possibilitadas porque as verdades

são transitórias e a opacidade é nata, guarda sentidos que escapam às evidências e

carregam em si histórias e conflitos sociais.

A todo instante, com o passar do tempo e com a disseminação na mídia das

evoluções e revoluções dos movimentos cotidianos, o sujeito busca um pertencimento e

circula pelos lugares sociais estabilizados e institucionais. Seu discurso é polissêmico,

posto ser atravessado pelo interdiscurso, pela ordem social, pelo já-dito inscrito na

história e esquecido, adormecido e “iguanizado”; pelos discursos de outros que circulam

e se enlaçam nesse emaranhado de enunciados que surge através da linguagem. Seu

pertencimento a uma nacionalidade, a uma língua, a um modelo de sociedade, a uma

religião, a uma identidade volátil, numa construção permanente de desconstrução, a uma

educação, a uma família, a grupos sociais, a sindicatos; fragmentos constitutivos da

natureza heterogênica do sujeito.

O sujeito racionalizado pelo cartesianismo, individual, senhor do seu nariz e de

sua razão pela propriedade inequívoca de pensar e capacidade de significar sua

existência, teoricamente constituinte; este sujeito, logo, não existe. O que existe é um

sujeito social, constituído, forjado “por longos, árduos e conflituosos acontecimentos

discursivos, epistêmicos e práticos” (ARAÚJO, 2001, p.89), no decorrer do espaço e do

tempo, através da história dos saberes.

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Esta compreensão ganhou corpo com Foucault que, durante 20 anos de estudos,

buscou construir uma história do presente que tinha o sujeito como tema. A esse

apanhado teórico deu-se nome de arqueogenealogia do sujeito, método que encontrou

na arqueologia e genealogia meios para observar as práticas objetivadoras,

discursivas e subjetivadoras que acabariam por tornar o ser humano (o indivíduo) em

sujeito constituído, em sujeito do discurso, assujeitado às movências das práticas e

formações discursivas.

De posse desse método arqueogenealógico, o mestre francês iça para o campo

filosófico as práticas discursivas, as disciplinas entranhadas na história que deram lugar

a saberes e conquistaram status de ciência; e começa a analisar o modo como as

sociedades ocidentais realizavam suas experiências, como os homens se relacionavam

dentro de padrões sociais e como o conhecimento se constituía em poder e estabelecia

suas regras.

Em meados do século XVIII o homem objetivado é inscrito para o saber. “A

grande novidade epistêmica é que a vida, o trabalho e a linguagem têm cada qual sua

própria historicidade”, diz Araújo (2001, p.101), que acrescenta: o homem

(...) aparece quando surgem a biologia que o mostra como organismo vivo, a vida tendo suas próprias condições de evolução; a economia que o mostra como produtor, cujo trabalho depende do seu modo de produção e a filologia que o mostra como falante, tendo cada língua suas regras próprias (ARAÚJO, 2001, p.103).

Essas formas finitas (vida, fala e trabalho) são as condições empíricas do

conhecimento e se reproduzem como tendo uma história própria, condicionando o

homem nesse percurso interminável do tempo. Tais formas se apresentam como em um

lago turvo, confuso, a despejar em cascata um mar de interrogação: o homem trabalha,

mas o fruto deste trabalho não lhe pertence, pois lhe é “naturalmente” imposto; ele fala,

dá sentido às coisas através das palavras, mas estas são enunciadas conforme regras,

quer gramaticais, quer estabelecidas por lugares sociais; o homem é vivo quando

pulsante e consciente, revestido por um tecido biológico, mas está fadado à morte, pois

a força da vida ultrapassa a experiência imediata. O que nos permite conhecer, o que faz

do homem, homem (seu trabalho, sua vida e sua fala), escorrega por entre os dedos,

foge pelas frestas do exercício do saber, esconde-se nas lacunas que ficam para trás

quando pensamos avançar.

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Toda essa prática objetivadora, todo saber científico não explica a dispersão do

homem na sociedade ocidental, as ligações entre verdade e poder, o desenvolvimento

das forças sociais, das populações, das ciências humanas, da governabilidade, das

escolas, do direito, da medicina, das práticas disciplinares, dos aparelhos e instituições

que produziam efeitos sobre os corpos e geravam sentidos.

Para Araújo (2001, p.89), essas ciências dissolveram o homem:

(...) mostrando o que e pelo que ele é objetivado, então, na verdade o homem enquanto tal, não existe. (...) Significa que o ser humano tem acesso a si através de saberes, não importando seu conteúdo ou sua relação com a cientificidade no contexto da arqueogenealogia.

Contudo, para se compreender os saberes e conseqüentemente a dispersão do

homem, ou melhor, do sujeito (o homem agora deixa de ser visto como indivíduo e dá

lugar ao sujeito social) é preciso, antes, compreender a linguagem. É através da

linguagem que respondemos, que falamos quem somos, que indicamos os sentidos, que

explicamos os signos, que damos significados aos objetos, que entendemos o mundo. A

linguagem é a manifestação das condições de produção discursiva. E se assim o é, o

dizer é determinado, e a constituição do sujeito passa pela linguagem. A linguagem

conduz e reproduz valores sociais, empresta identidade, regula, normaliza o sujeito. Em

tempo: estamos falando aqui da linguagem manifestada no discurso e materializada pelo

texto.

Com a genealogia, diz Araújo (2001), Foucault evidencia que o sujeito, além de

objetivado por práticas epistêmicas, é também por práticas disciplinares, requisitadas

pelo novo modelo de produção de riqueza do capitalismo nascente que, através de

técnicas de poder, tornava o sujeito em força produtiva. Tratava-se de um modelo

econômico não-estático que, assim como o sujeito, seria algo amplamente adaptável. Ou

seja, o sujeito é algo em permanente construção através das práticas discursivas de cada

época, de cada momento.

O discurso, portanto, não é apenas um conjunto de regras lingüísticas, “faz parte

de um jogo, de jogos estratégicos de ação e reação, alvo de luta, objeto de polêmicas”

(ARAÚJO, 2001, p.110), e só é proferido porque está em uma ordem consentida. O

lugar do sujeito é vazio, até ser ocupado por alguém com condições normatizadas por

instituições sociais e legais. Condições essas que, reguladas pelas práticas discursivas

que emergem no tempo, legitimam a posição do sujeito. Na história da democracia nos

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séculos XVII e XVIII na sociedade ocidental, por exemplo, o lugar do sujeito-eleitor era

ocupado pelo sujeito casado, masculino, adulto, com um elevado nível de renda,

religioso e branco. Hoje, precisamente no Brasil, o lugar desse sujeito-eleitor é ocupado

por sujeitos maiores de 16 anos, independente da renda, sexo ou cor.

A determinação do discurso acontece porque a sociedade disciplina, produz

verdades e normaliza práticas, comportamentos. Com isso nasceram as clínicas, as

prisões, as escolas, os manicômios. Tudo dentro de uma ordem e classificação. Com

isso, a doença deixa de ser uma condição humana natural ou mística para ser uma

conseqüência social; pode ser tratada, evitada e as epidemias, controladas; o marginal

passa a ser isolado da sociedade, e sua punição um exemplo, um alerta; os loucos, os

anormais, afastados dos normais; as escolas, minúsculos observatórios sociais, a ensinar

condutas de caráter, técnicas de si, subjetivações “que levam o sujeito a relacionar-se

com seu corpo e sua alma e a modelar-se de acordo com instruções que lhe são

oferecidas” (GREGOLIN, 2004, p.143) para se viver bem e vencer na sociedade

competitiva. “As disciplinas funcionam cada vez mais como técnicas que fabricam

indivíduos úteis” (FOUCAULT, 2006, p.174), que o domesticam e evidenciam na

sociedade certas relações de saber e poder. Por isso o sujeito não pode dizer nem fazer

qualquer coisa em qualquer lugar. O discurso, além de disciplinado, também disciplina,

procedimento sem o qual seria difícil o controle social e produtivo.

A formação do sujeito na extensão infinda da história é concebida pelos saberes

que produzem verdades; que vêm de determinadas condições políticas e de relações de

poder controladas pelos discursos a partir de saberes. Ou seja, a disciplina é garantida

pelo poder, e suas verdades estabilizadas pelos saberes. Assim se faz o sujeito,

consentido, embora também se faça com sentido. É o que veremos.

2.3 E assim se fez o sujeito, com sentido

A discursivização é um processo de travessia de sentidos entre sujeitos,

fundamenta a realidade e dá sentido à existência. Seria inconcebível o sujeito reduzido a

si, sem o outro. É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando

com outro homem, para outro (BENVENISTE, 1988, p.286). Quando o sujeito-jornal

fala, por exemplo, fala para outro sujeito, o sujeito-leitor. Sua “intenção” é comunicar

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algo, informar sobre o que aconteceu ontem, o que vai acontecer hoje ou amanhã ou o

que pode acontecer depois.

Um sujeito só existe em relação ao outro, ninguém é herói de si mesmo. Relata

Bakhtin (2000, p.43), sobre a contemplação do homem fora de si, que

Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre verei e saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e à minha frente, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar – a cabeça, o rosto, a expressão do rosto –, o mundo ao qual ele dá as costas, toda uma série de objetos e de relações que, em função da respectiva relação em que podemos situar-nos, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele.

Diz ainda o filósofo que o excedente da visão com relação ao outro instaura uma

esfera particular, “conjunto de atos internos ou externos que só eu posso pré-formar a

respeito desse outro e que o completam justamente onde ele não pode completar-se”

(BAKHTIN, 2000, p.44). O sujeito, em vida, não pode vivenciar os acontecimentos de

seu nascimento nem de sua morte. E só fazem sentido quando situados no tempo

crônico (contínuo, socializado), enunciados pelos opostos “antes” e “depois”,

ratificados pelo tempo lingüístico (presente, passado) e experimentado pelo outro. O

sujeito é incapaz de vivenciar a imagem do mundo onde viveu quando não está mais

nele. Ou seja, o homem não pode estar antes de seu nascimento nem depois de sua

morte. O outro, este sim, que está de fora, é que pode dar uma imagem acabada deste

homem (AMORIM, 2006). Apenas o outro, arremata Bakhtin (2000, p.120),

(...) torna possível a alegria que sentirei ao encontrá-lo, ao estar com ele, o pesar que sentirei ao deixá-lo, a dor que sentirei ao perdê-lo; e é somente com ele que posso encontrar-me e somente dele que posso separar-me no espaço temporal.

A existência do eu só faz sentido a partir do outro, que me faz de objeto para

manifestar seu ponto de vista, sua visão de mundo sob a ótica de seu lugar. Conforme

tradução que Brait (2003, p.19) fez de Holquist: “o que vemos é governado pelo modo

como vemos e este é determinado pelo lugar de onde vemos”. Certamente, a visão que

um sociólogo terá sobre um homem que nasceu e morreu na favela não é a mesma de

seu amigo de dois meses, nem do de dois anos, que também não é a mesma de seu filho

nem de sua mãe e nem de seu pai. O que sou ou que serei para eles resultará de

compreensões variadas, de experiências, de dadas formações discursivas, de efeitos de

sentidos que formaram neles discursos sobre mim. O outro, por princípio, é opaco,

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“opacidade que contradiz inteiramente o valor de ‘transparência’ que se afirma nas

formas atuais de comunicação” (AMORIM, 2006, p.107).

Além desse outro exterior, também constitui o sujeito os sentidos do Outro,

localizado no inconsciente. Este Outro foi teorizado por Lacan a partir de releitura da

psicanálise de Freud, para quem o sujeito era dividido entre o consciente e o

inconsciente. Recorrendo ao estruturalismo lingüístico, Lacan, então, assume que o

inconsciente se estrutura como uma linguagem, como cadeia de significantes,

(...) que se repete e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre, sob as palavras, outras palavra, como se o discurso fosse sempre atravessado pelo discurso do Outro, do inconsciente. (...) O inconsciente é o lugar desconhecido, estranho, de onde emana o discurso do pai, da família, da lei, enfim, do Outro e em relação ao qual o sujeito se define, ganha identidade. Assim, o sujeito é visto como uma representação – como ele se representa a partir do discurso do pai, da família etc. –, sendo, portanto, da ordem da linguagem (MUSSALIM, 2003, p.107).

A canção “Para Nóia”, composta e gravada por Raul Seixas no disco “Novo

Aeon”, em 1975, ilustra bem essa presença constante desse Outro latente:

Quando esqueço a hora de dormir E de repente chega o amanhecer Sinto uma culpa que eu não sei de que Pergunto o que eu fiz? Meu coração não diz Eu sinto medo Se eu vejo um papel qualquer no chão Tremo, corro e apanho para esconder Medo de ter sido uma anotação que eu fiz Que não se possa ler E eu gosto de escrever Mas, mas eu sinto medo Tinha tanto medo de sair da cama à noite pro banheiro Medo de saber que não estava ali sozinho porque sempre Sempre, sempre Eu estava com Deus Eu tava sempre com Deus... Minha mãe me disse há um tempo atrás Onde você for Deus vai atrás Deus vê sempre tudo que cê faz Mas eu não via Deus Achava assombração Mas, mas eu tinha medo

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Vacilava sempre a ficar nu lá no chuveiro, com vergonha Com vergonha de saber que tinha alguém ali comigo Vendo fazer tudo que se faz dentro dum banheiro Dedico esta canção Para Nóia Com amor e com medo

A presença do Outro na vida desse eu que o compositor revela na música é

onipresente, assustador, temível. Até a dedicação, embora indique coragem e amor para

revelar seus temores na composição, é feita com medo. Talvez receando um castigo dos

pais ou de Deus por dar vazão aos seus desejos, sentimentos, pensamentos. Esse eu

manifesta a força da educação judaico-cristã, um Deus/vigia incansável, guardião da

razão e dos “verdadeiros” valores morais, o juiz sem falha, o imaculado detentor da

correção e senhor da vida eterna.

No entanto, tudo (o pai, a mãe, o padre, o mais velho, a moral, a religião, o

medo, a própria imagem de Deus) foi e vem sendo construído aos galopes compassados

dos relógios, ao ritmo quase imperceptível do movimento da Terra, ao repetido acender

do sol e apagar da lua, ao inquietante e perturbado movimento das ondas dos

desenvolvimentos humanos. Ninguém está a salvo das formações e práticas discursivas

que deixa no tempo o sulco de sua passagem e continua a singrar pelo enviesado corpo

social. Isto quer dizer que, se o sujeito é afetado pela língua, pela história; se sua

constituição é consentida pelas condições e possibilidades sociais disponíveis ou

impostas; isso só ocorre através dos efeitos de sentidos inoculados no discurso. Diz

Orlandi (2005, p.53) que

o sujeito significa em condições determinadas, impelido, de um lado, pela língua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que reclamam sentidos, e também por sua memória discursiva, por um saber/poder/dever dizer, em que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formações discursivas que representam no discurso as injunções ideológicas.

Os possíveis sentidos de um discurso são demarcados, preestabelecidos pelas

identidades de cada formação discursiva. Os sentidos de um discurso religioso são

diferentes dos de um científico, dos de um gestor da saúde pública. O que não quer dizer

que eles não se entrelacem para construir uma “verdade” pretendida. Lembremos da

heterogeneidade discursiva, dos dizeres autorizados e suas ratificações.

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O sentido não existe em si e nem antes da constituição do discurso, tampouco é

único. Mas é possível que um sujeito, intencionalmente, se antecipe a outro para

experimentar os efeitos de seu discurso. A isso a AD chama de mecanismo de

antecipação, que “regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo

ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte” (ORLANDI, 2005,

p.39). A interpretação, portanto, como resultado de efeito de sentido e não simplesmente

como um processo de decodificação, não é linear, embora o sujeito interprete a partir da

materialidade discursiva do texto.

O discurso religioso católico, cujos sentidos constituem obediência a Deus e às

leis impressas na Bíblia para uma vida eterna no paraíso, vai de encontro ao uso do

preservativo, independente das fraquezas dos homens e da gravidade da contração das

DSTs (doenças sexualmente transmissíveis). A ordem do discurso religioso é a

fidelidade, a exclusividade da relação sexual no matrimônio. “O que Deus uniu o

homem não separa”. Contudo, não se pode afirmar que todos os católicos, mesmo sendo

católicos e tementes a Deus, comunguem dessa orientação religiosa. Outros discursos

sobre o mesmo assunto, condutores de outras “verdades”, provenientes de outros

lugares sociais estabilizados e com sentidos demarcados, acabam por interferir nos

sentidos produzidos no sujeito. “Longe de ser um autômato passivo, o sujeito vive numa

constante tensão entre a aceitação e a recusa do poder, numa espécie de batalha entre

relutância do querer e a intransitividade da liberdade” (GREGOLIN, 2003a, p.103). Ou

seja, quando falamos de produção e efeitos de sentidos, estamos falando também de

relações de poder, de saberes e verdades que circulam pelas sociedades. O que ratifica a

heterogeneidade na formação do sujeito, no seu discurso. Logo, o discurso científico

atravessa o religioso, pois está provado que a Aids não tem cura, mata. Prevenir é o

melhor remédio. E este discurso científico, também atravessa o político, o econômico.

Por isso se desenvolver campanhas publicitárias, educativas e didáticas sobre o modo

mais seguro para se evitar o contágio do HIV. A saúde pública tem um custo alto para

os governos.

A movência dos sentidos, as interpretações; todas as relações estabelecidas pelo

sujeito ocorrem a partir de sua vivência social, de sua experiência na

contemporaneidade. A leitura é um espaço de controle, lugar de possibilidades de

criação de novos sentidos, é movimento que pode constituir um lugar para a

subjetividade do leitor. Um texto só se completa quando é lido, meditado, tocado com

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os olhos, sentido pelos dedos, postos à prova do tempo para constituírem a armadura da

conduta cotidiana (MILANEZ, 2004).

A frase de “Some words may hide others”20, de William Shakespeare, trata das

várias possibilidades de leituras escondidas nas próprias palavras, nos dizeres, no que

não é dito mas o é, de alguma forma. Para Gregolin (2003b), a interpretação não se

limita à decodificação dos signos, nem se restringe aos desvendamentos de sentidos

exteriores, são as duas coisas: leitura dos vestígios que envolvem os sentidos e que leva

a outros textos. Os sentidos nunca são definitivos, sempre deixam aberturas para o

movimento da contradição, do deslocamento e da polêmica.

Até dezembro de 2007 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disponibilizava em

seu site um spot (breve mensagem publicitária) para ser veiculado em rádio. O texto,

que era introduzido após gritos de torcida de futebol (“É! Campeão!”) e de palavras de

ordem, dizia o seguinte:

Você sempre pôde dizer o que pensa, mas sem o título de eleitor você não será ouvido. Se você tem 16 ou 17 anos você já pode votar. Procure um cartório eleitoral na sua cidade, com documento de identidade com foto e comprovante de endereço. Faça seu título de eleitor. Seja ouvido. Decida o futuro de seu país. Justiça Eleitoral. (negrito nosso)

Em uma rápida leitura, podemos dizer que a Justiça Eleitoral está convocando

jovens entre 16 e 17 para tirar o título de eleitor e, sobretudo, votar. As evidências dos

sentidos encontrados nesse discurso giram em torno do processo democrático das

eleições, da necessidade de se participar da escolha dos representantes públicos, da

importância de se opinar sobre o futuro da cidade, do estado, do país através do voto.

Mas outros sentidos são reclamados e escapam à superfície do texto, fogem pelo

sumidouro da materialidade lingüística.

Podemos iniciar essa discussão em torno de duas frases: “Você sempre pôde

dizer o que pensa” e “você já pode votar”. A primeira frase é sustentada, reafirmada

pela liberdade de expressão e de reivindicação que o sujeito tem, como em um campo

de futebol ou em uma passeata. Contudo, silencia a condição histórica do sujeito que,

cerceado por regimes autoritários, nem sempre pôde dizer aquilo que pensava. Em

1968, por exemplo, o presidente-general Costa e Silva assinou o Ato Institucional nº 5

(AI-5) que

20 Tradução: “Algumas palavras podem esconder outras”, do filme “Arthur et les Minimoys”.

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(...) conferia ao Executivo um poder praticamente ilimitado para cassar mandatos políticos, decretar o recesso do Congresso, determinar medidas repressivas, impor estado de sítio ou de emergência, e até suspender as mínimas garantias individuais (o direito de locomoção, por exemplo) (ARBEX JR., 1997, p.39).

A palavra sempre, portanto, que o Aurélio (FERREIRA, 1999) grafa como em

todo o tempo, em qualquer ocasião, todo o tempo passado ou futuro, continuamente,

constantemente, sem cessar, apaga parte da história e se inscreve contraditoriamente no

discurso para motivar a aquisição de um documento e garantir a voz do cidadão, do

eleitor. Ora, se ele sempre pôde dizer o que pensa, por que precisa do título de eleitor

para ser ouvido? Porque é obrigado por lei, sentido que está além da materialidade do

texto, subscrito naquilo que não aparece, naquilo que efetivamente não é dito.

Na segunda frase encontram-se também vestígios do tempo, da história da

democracia brasileira. Os sentidos do já pode remontam um tempo em que não se podia

(oposição, inclusive, ao sempre pôde), e que agora se pode, basta ter entre 16 e 17

anos. Este já pode, também, presume uma espontaneidade, uma vez que o jovem nessa

faixa etária não é obrigado a votar, mas é uma espontaneidade motivada pelo fato de

que só votando ele pode ser ouvido. O que nos leva a crer que o jovem, por mais que

grite sua rebeldia e dê vazão a seus hormônios irrequietos, ele não é ouvido. Até

completar 18 anos, seus pais é que respondem pelos seus atos. O gesto de votar,

portanto, se confunde com a maioridade, com o respeito, responsabilidades, direito e

deveres inerentes à idade adulta.

A campanha do TSE ainda chama atenção para o poder que constitui o voto

(“Decida o futuro de seu país”), mas silencia o direito do eleitor votar nulo, em branco

ou cancelar seu voto. Em outras palavras: se você não votar em alguém, você também

não será ouvido. Enfim, vários outros efeitos de sentidos podem ser encontrados nesse

discurso da Justiça Eleitoral, como se a representatividade fosse plena e o eleitor fizesse

as opções essenciais dentro de um governo, como se o eleitor detivesse o controle de

todos os mecanismos e os recortes estatísticos de uma administração pública. Mas aí já

seria uma outra análise. Continuemos.

Somos leitores da realidade e fazemos essa leitura através das formas simbólicas

de representação. Tudo, no fundo, é interpretação. Um símbolo, em si, é uma

interpretação de outros símbolos. Dessa forma, ao sentir/ler/interpretar a realidade, o

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homem constrói seu saber. Mas é um saber dependente da realidade que se lhe oferece,

que se lhe impõe. Ou seja, o homem

(...) não pode pensar a si próprio senão mediante as representações que ele se dá. O homem é, portanto, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, conhecedor do mundo e por este conhecido, “soberano súdito, espectador observado” (CHARAUDEAU, 2006b, p.191).

A produção e cristalização dessas representações têm se tornado cada vez mais

intensas e eficientes com a mídia, pois ela é uma das mais fundamentais instâncias de

constituição de representações imaginárias, que objetiva e naturaliza o mundo, constrói

e propaga “verdades” (FILHO, 2004). Assim, a mídia acabou por se consolidar como

um importante mediador entre o leitor e a realidade, servindo de “espelho” da realidade.

No entanto, “o que os textos da mídia oferecem não é a realidade, mas uma construção

que permite ao leitor produzir formas simbólicas de representação da sua relação com a

realidade concreta” (GREGOLIN, 2003a, p.97). Edifica-se, dessa maneira, o imaginário

social, onde indivíduos reproduzem imagens e se percebem em relação a si e em relação

a outros; onde manifestam suas aspirações, medos, esperanças; onde organizam seu

passado, presente e futuro. Dessa forma, ocorre a materialização dos sentidos nos

sujeitos.

Por hora, cremos que o exposto já serve para sinalizar como os sentidos vão

constituindo o sujeito (consentido e com sentido), que vive nessa constante tensão entre

a aceitação do poder e a insubmissão da liberdade, embalado pelas “verdades”

empíricas e epistemológicas que forjam sua frágil armadura para a batalha do convívio

coletivo. “Verdades” essas, que trataremos a seguir.

2.4 O poder da verdade e a verdade do poder

Podemos iniciar este tópico com algumas frases que nos parecem corriqueiras na

sociedade: “É verdade, eu vi no jornal”, “Quem manda aqui em casa, sou eu”, “Só Deus

tem o poder de julgar” e “Procure um advogado pra defender seus direitos”. O

encadeamento entre as verdades na constituição de saberes e nas relações de poder é

patente nessas frases. O jornal, o chefe de família (independente se homem, mulher, pai,

mãe, filho, filha, parente qualquer ou simplesmente um responsável), Deus (às vezes

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também tratado como Jesus Cristo) e o advogado; todos representam lugares

legitimados pela sociedade para manifestar determinada ordem de poder com disciplina,

regulação e distribuição de informação. Mas, afinal, o que é “poder”? Diz Ruiz (2004)

que se trata de uma palavra que todo mundo entende, mas ninguém consegue explicar e

tentar defini-la já é uma pretensão de poder. O poder, em si, não existe. O que existe são

relações e efeitos de poder e não devem ser vistos como mecanismos repressores.

Explica Foucault (2006b, p7-8) que

Quando se define os efeitos do poder pela repressão, tem-se uma concepção puramente jurídica deste mesmo poder; identifica-se o poder a uma lei que diz não. (...) Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir.

Isso quer dizer que o poder são micro-lutas desenvolvidas e espalhadas na

topografia social que transcendem a noção marxista de “luta de classe” (GREGOLIN,

2004). O poder circula, nunca está localizado aqui ou ali nem está nas mãos de alguns

(FOUCAULT, 2006b). O sujeito não é detentor do poder, mas está sempre em posição

de exercê-lo ou de sofrer sua ação. Para funcionar, o poder precisa formar, organizar e

colocar em circulação saberes que, com seus “discursos verdadeiros”, afetam os modos

de subjetivação e determinam o sujeito. Tal subjetivação – condição necessária para que

se viva socialmente com uma identidade definida –, conforme Ruiz (2004), pode ser

definida como um dispositivo que estimula a constituição autônoma e a capacidade do

sujeito de definir seu desejo, seu estilo de vida e pretensa individualidade. Pode,

também, pelo contrário, ser definida como um dispositivo de poder que o controla no

seio da sociedade disciplinar, com o objetivo de tornar mais eficiente o funcionamento

das instituições e garantir a estabilidade e a produtividade do sistema. Desse modo,

(...) somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros (...) (FOUCAULT, 2006b, p.180).

“Discursos verdadeiros” são aqueles proferidos por sujeitos autorizados, que

desfrutam de uma condição privilegiada de poder para “falar”. Tais discursos são

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gerados pela “verdade”, que é transitória, histórica, social e produz efeitos

regulamentados de poder. A verdade é própria de cada sociedade, que decide os tipos de

discursos e como eles devem funcionar como verdadeiros; que cria mecanismos para

distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos e técnicas para obter as verdades e

estatuto do sujeito do dizer verdadeiro (FOUCAULT, 2006b).

Ano passado, em comemoração aos seus 10 anos, a TV Futura divulgou três

filmes publicitários que enfatizavam os efeitos de poder e as verdades que circularam e

ainda circulam na nossa sociedade. O primeiro filme, “Verdades”, trazia o seguinte

texto:

Já foi dito que a Terra era o centro do universo e que era o Sol que girava ao seu redor. Já disseram que virgens deveriam ser sacrificadas, que livros não poderiam ser lidos e bruxas mereciam ser caçadas. Já foi dito que o homem era incapaz de voar ou de chegar ao fundo do oceano. Já foi dito que negros não poderiam entrar, que judeus não poderiam sair e que só os brancos teriam o direito de ir e vir. Já disseram que gênios eram loucos e que loucos eram brilhantes. Já foi dito que mulheres não deveriam votar e que microorganismos eram lendas e curas eram impossíveis. Já disseram que a televisão seria apenas mais um eletrodoméstico na sua vida. Futura, o canal que liga você.

Sustentado por imagens que materializa o assunto abordado em cada frase, o

filme, pouco a pouco, desperta sentidos que tentam convencer o sujeito que a TV Futura

deixa, de fato, o telespectador “ligado”, “antenado” com o mundo, porque ela tem a

consciência de que os discursos podem ser verdadeiros para determinadas épocas e para

outras, não; para determinados sujeitos e para outros, não. A verdade absoluta não

existe. Vejamos o que diz o segundo filme, “Pensamentos”:

Você pode pensar muitas coisas. Pode achar que nada supera o capitalismo ou ter certeza de que o comunismo é a única saída. Você pode pensar que existem vários deuses, um, nenhum ou que eles eram astronautas. Você pode ter várias teorias da conspiração. Pode saber quem matou Keneddy, acreditar que a viagem à Lua foi uma grande farsa ou que Elvis está vivo. Você pode pensar que a televisão é mais um eletrodoméstico na sua vida ou que é uma das maiores invenções da humanidade. Você pode pensar muitas coisas, a única coisa que você não pode fazer é não pensar. Futura, o canal que liga você.

Do início ao fim o enunciado insiste na idéia de que “você pode pensar...”, que

cada sujeito “é livre” para pensar uma coisa ou outra, desde que baseado em saberes

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estabilizados na sociedade (sistemas políticos, economia, religião, ciência, tecnologia),

condição esta que percorre o fio discursivo de modo discreto. A liberdade é uma

condição de submissão à constituição histórica do sujeito, controlada pelo status do

lugar social e pelo lugar desconhecido do inconsciente.

No terceiro filme, “Condenados”, assim como nos anteriores, o enunciado faz

referência a fatos controversos que ficaram registrados na história, só que destacando

personagens e ações:

Galileu pensou que a Terra girava em torno do Sol, acabou condenado. Joana D’Arc queria unificar a França, terminou na fogueira. Robespierre pensou que podia ser igual e livre, foi parar na guilhotina. Tiradentes queria o Brasil independente, foi condenado à forca. Sorte sua viver numa época em que você é livre pra pensar. Futura, o canal que liga você.

A verdade não existe fora do poder nem sem poder (FOUCAULT, 2006b). Ela é

construída historicamente e é atravessada por interesses. A verdade do astrônomo e

físico italiano Galileu Galilei (1564-1642) era uma afronta ao poder soberano exercido

pela Igreja Católica, que defendia uma verdade baseada na obediência e no controle dos

fiéis: Deus era o centro do universo (teocentrismo), portanto tudo girava em torno Dele.

Os ideais de Joana D’Arc viraram fumaça e os de Robespierre e de Tiradentes

silenciados em praça pública, pois contradiziam os discursos verdadeiros e interesses de

outras forças de poder.

Hoje, o saber pensado por Galileu foi naturalizado; a França, mesmo com suas

diferenças territoriais, é um país unificado e realizou a revolução que originou os

direitos fundamentais do homem (igualdade, liberdade e fraternidade); o Brasil é um

país independente. A verdade não é imóvel, transita, sofre alteração, desaparece ou é

resgatada no rumo da história e está intrinsecamente ligada ao poder.

Vale enfatizar o resgate que a mídia faz da história para atualizar o presente e

estabelecer com o sujeito uma relação social estreita, quase familiar, embora vários

sentidos escapem à idéia de que viver numa época em que pensar não é motivo para

condenação é “ter sorte”. A atual situação histórica e o próprio sujeito é fruto da sorte,

para o enunciador, e não o resultado de um processo de lutas e polêmicas, de digladio

discursivo e de sepultamento de sonhos.

Um outro exemplo sobre os efeitos de poder do discurso verdadeiro pode ser

encontrado no slogan do jornal Correio da Paraíba: “Correio: A verdade em suas

mãos”. Segundo Maingueneau (2002, p.171), o slogan “se destina, acima de tudo, a

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fixar na memória dos consumidores potenciais a associação entre uma marca [Correio

da Paraíba] e um argumento persuasivo para a compra”. Geralmente é uma frase curta e

está sempre ancorada na própria situação de enunciação. Note-se como o slogan do

Correio exclui a possibilidade do falso, do erro em seu produto. “A verdade, sob esse

ponto de vista, avalia-se através de um dizer, logo, é uma questão que pode ser tratada

segundo determinadas oposições” (CHARAUDEAU, 2006a, p.88). Ao invés de dizer o

que não aconteceu diz o que aconteceu; ao invés de mascarar a intenção (mentira ou

segredo) diz a intenção oculta; ao invés de fornecer explicações sem prova oferece com

prova (CHARAUDEAU, 2006a, p.88). Cabe ao sujeito-jornal, autenticar os fatos e

descrevê-los de maneira verossímil, sugerir as causas e justificar as explicações, “fazer

crer na coincidência, sem filtragens nem falsas aparências, entre o que é dito e os fatos

descritos” (CHARAUDEAU, 2006a, p.88). Com “Correio: A verdade em suas

mãos”, o jornal assume o compromisso de perseguir as condições de veracidade para

oferecer “a” notícia cordialmente e comodamente às mãos do sujeito-leitor; supõe uma

relação de transparência e reforça sua credibilidade baseada no saber jornalístico de

imparcialidade e objetividade. Ou seja, com tal slogan o Correio diz: “Olha a verdade

aí. Essa é a realidade”.

Do ponto de vista do domínio lingüístico, verdadeiro e falso constituem

significados opostos. Mas, se a verdade em si não existe como existiria o falso? Sobre

esse caso, Foucault (2006a, p.14) explica o seguinte:

(...) se nos situarmos no nível de uma proposição, no interior de um discurso, a separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária, nem modificável, nem institucional, nem violenta. Mas se nos situamos em outra escala, se levantamos a questão de saber qual foi, qual é constantemente, através de nossos discursos, essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de nossa história, ou qual é, em sua forma muito geral, o tipo de separação que rege nossa vontade de saber, então é talvez algo como um sistema de exclusão (sistema histórico, institucionalmente constrangedor) que vemos desenhar-se.

Isso quer dizer que o que existe não é a verdade, e sim uma “vontade de

verdade”, prodigiosa maquinaria que exclui todos aqueles (os “falsos”) contrários a ela

(ver enunciado do 3º filme da TV Futura), apoiada sobre um suporte institucional que

controla, valoriza, distribui, reparte e atribui o saber (FOUCAULT, 2006a). Através de

um conjunto de práticas pedagógicas dos saberes, das experiências e contratos sociais,

das titulações, dos prêmios, dos livros, das bibliotecas, dos cursos e treinamentos e,

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sobretudo, através dos meios de comunicação essa vontade de verdade vai sendo

consolidada, reforçada e reconduzida no seio da sociedade. Com a circulação daquilo

que é definido como verdadeiro, o sujeito, “convencido” do seu livre arbítrio, faz suas

adesões e procura se inserir nos modos produtivos do poder para satisfazer seus próprios

interesses e buscar vantagens (Ruiz, 2004). Isto, é claro, a partir de uma ética - conjunto

de regras e valores prescritos pelas instituições sociais.

Para Ruiz (2004, p.105), “a lógica da verdade não cede espaço para

interpretações”, assim se apresenta em forma de poder, estrutura saberes e confecciona

discursos. Por isso

Os discursos verdadeiros se impõem como elementos de poder que delimitam a conduta dos indivíduos, definem os horizontes das sociedades e classificam as práticas culturais. A verdade (única ou universal) perde sua máscara de inocência para mostrar seu “verdadeiro” rosto autoritário quando se constitui no símbolo que uniformiza as condutas e padroniza o modo de ser das subjetividades e das culturas. (RUIZ, 2004, p.105).

Todos aqueles que contornam ou se dispõem contrários ao discurso verdadeiro

são qualificados de irracionais, interditados; suas práticas são reprovadas. O discurso

verdadeiro classifica, “o poder da verdade ajusta o sujeito (o sujeita) a um modo

determinado (limitado) de ver e entender o mundo. Sua cosmovisão passa a ser o modo

verdadeiro de ser” (RUIZ, 2004, p.106).

Em outras palavras, podemos dizer que o poder (efeitos ou relações de poder

exercidos pela força ou persuasão) controla, disciplina o sujeito. Exercido como

persuasão, diz Ruiz (2004, p.52), “procura o consentimento, busca o adestramento dos

indivíduos e tem como objetivo sua colaboração ativa com os mecanismos do sistema”.

No mundo atual, dito globalizado, essa forma de controle e vigilância “não tem”

fronteiras nem fixidez. Trata-se de controles móveis que, de algum modo, vai de

encontro à arquimetáfora do poder moderno utilizado por Foucault em seus estudos: o

Panóptico. Este modelo se sustentava na limitação do espaço, na manutenção do fluxo

do tempo e da rotina para garantir a dominação. No entanto, os dominadores acabavam

reféns do próprio modelo, presos no exercício da vigília. Para Bauman (2001), hoje, o

poder se move com a velocidade de um sinal eletrônico. Não importa mais onde está

quem dá a ordem. O espaço que separa o “próximo” do “distante”, o selvagem do

civilizado e ordenado está próximo de desaparecer. O estágio presente, como queira a

história classificar, é pós-Panóptico. Assevera ele que

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As principais técnicas do poder são agora a fuga, a astúcia, o desvio e a evitação, a efetiva rejeição de qualquer confinamento territorial, com os complicados corolários de construção e manutenção da ordem, e com a responsabilidade pelas conseqüências de tudo, bem como com a necessidade de arcar com os custos (BAUMAN, 2001, p.18).

Por todos os lugares, somos vigiados por câmeras que espreitam nossos passos,

atentas ao nosso vacilo, à nossa fraqueza. Enquanto isso, os discursos verdadeiros vão

nos orientando a não sair da linha. Em janeiro deste ano, a revista Veja (edição 2042,

ano 41, número 1) trouxe na capa a manchete “REGRAS”, questionando o porquê de a

vida ter passado a ser regulada por elas (como se só fosse a partir de agora) e orientando

sobre as que funcionam para: liderar, educar filhos, se dar bem no trabalho, superar uma

separação, melhorar a vida sexual e não abandonar a dieta. As dicas, cercada de

verdades sustentadas e autenticadas por saberes inscritos em livros de auto-ajuda,

sujeitam os seres sociais a determinados comportamentos, posturas, falas; subjetivações

que garantem uma “felicidade”, um bem-estar social.

As atuais relações de força que prevalecem em nossa sociedade tendem mais à

“abertura” do controle contínuo que ao fechamento descontínuo das instituições

disciplinares. Na educação, por exemplo,

(...) é possível facilmente observar que sua promoção é cada vez menos um conjunto de ações realizadas em meio fechado, distinto do ambiente profissional; instaura-se a exigência da formação continuada tanto para o operário-aluno quanto para o executivo-universitário, visto que numa sociedade de controle nunca se termina nada. (...) “toda hora é hora/todo lugar é lugar de/para aprender” (FILHO, 2004, p.145).

Podemos dizer, portanto, para concluir este capítulo, que o discurso é a principal

ferramenta de poder, como jogo estratégico e polêmico (dominação, luta, esquiva, etc.),

um espaço em que saber e poder se articulam (quem fala, fala de algum lugar, a partir

de um direito reconhecido institucionalmente) (GREGOLIN, 2001, p.14). Eis o poder

da verdade – melhor: da vontade de verdade. E saber como se dá essa vontade na

discursivização da imprensa paraibana, é nosso próximo desafio.

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3 A invenção da verdade

Quarta, 10 de agosto de 1921 – Mas como é que se pode chegar à verdade? Troquei o Daily News pelo Morning Post. As proporções do mundo tornam-se logo totalmente diferentes. (...) Posso eu perguntar: o que é a verdade? (“Diário”, de Virgínia Woolf)

Nos dois capítulos anteriores foram apresentadas breves análises a partir de

saberes centrados no jornalismo impresso e na Análise de Discurso de linha francesa.

Agora, iniciamos, efetivamente, o capítulo da análise das estratégias discursivas do

Correio da Paraíba nas eleições de 2006.

Há, no jornalismo, um método chamado teoria do espelho, baseado na idéia de

que as notícias são como são porque refletem a realidade. No entanto, se fôssemos partir

dos fundamentos óticos da física para compreender esse processo, chegaríamos à

conclusão de que o reflexo é relativo e que a realidade não corresponde a uma única

explicação, a uma única apreensão. Só para lembrar, existem espelhos planos e

esféricos. Em qualquer um deles há distorção do que é refletido (PENA, 2005). Nos

planos, por exemplo, a imagem já aparece invertida. Portanto, o simples argumento de

que a linguagem não é transparente, bastaria para refutar a teoria do espelho, bem

como a teoria da neutralidade (imparcialidade). O jornalismo é, antes de tudo, a

construção de uma suposta realidade. “Os próprios jornalistas estruturam representações

do que supõem ser a realidade no interior de suas rotinas produtivas e dos limites dos

próprios veículos de informação” (PENA, 2005, p.128).

De qualquer modo, os jornais não abrem mão da idéia de que as notícias

refletem a realidade. Isso lhes dá legitimidade, credibilidade e pressupõe

imparcialidade. Afinal, os jornais são “limitados por procedimentos profissionais e

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dotados de um saber de narração baseado em método científico que garante o relato

objetivo dos fatos” (PENA, 2005, p.126).

Com uma legitimidade já construída, sobretudo pelo ethos assumido nos

embates da consolidação dos sistemas democráticos, o jornal tornou-se o mediador dos

acontecimentos discursivos e, por conseguinte, porta-voz da sociedade, privilégio

próprio de sua posição de enunciador.

Ethos representa a personalidade do enunciador e legitima sua maneira de dizer,

explica Maingueneau (2002, p.99), para quem o universo de sentido do discurso tanto é

propiciado pelo ethos como pela maneira de dizer, que remete a uma maneira de ser, “à

participação imaginária em uma experiência vivida” e “o poder de persuasão de um

discurso consiste em parte em levar o leitor a se identificar com a movimentação de um

corpo investido de valores socialmente especificados”. Ou seja,

A qualidade do ethos remete, com efeito, à imagem desse “fiador” que, por meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade compatível com o mundo que ele deverá construir em seu enunciado (MAINGUENEAU, 2002, p.99).

Diante de tais explicações, como poderemos definir o ethos do Correio da

Paraíba? É o que veremos a seguir.

3.1 A vontade de um perfil

Inicialmente, consideremos alguns elementos para falar da construção do ethos

do Correio da Paraíba – melhor: do sujeito-CP. Fundado em 1953 por Teotônio Neto, o

CP é hoje o único jornal paraibano que circula todos os dias da semana. Tem a maior

tiragem, sobretudo aos domingos, e é comercializado em todas as regiões. Embora a

prática discursiva do seu material noticioso diário constitua sua formação discursiva,

decidimos inicialmente defini-la pelo ethos de seus enunciados institucionais. Para isso,

escolhemos três:

1) “Jornalismo com ética e paixão”, inscrito na capa no canto esquerdo

superior, logo abaixo do nome do jornal;

2) “Correio: A verdade em suas mãos”, slogan oficial que já discutimos no

capítulo anterior e que mais marca o ethos do jornal por sua expansiva

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presença no âmbito social (pinturas de muro, bancas de revistas, fiteiros,

camisetas, adesivos de táxis e etc.) e nos desfechos de publicidades

institucionais veiculados no próprio jornal ou em rádio e TV e,

3) “Governantes passam. Fica o nosso compromisso com a verdade” e

“Para ser um jornal de verdade, é preciso ter coragem e

imparcialidade”, veiculados na propaganda abaixo, publicada no dia 1 de

abril de 2006, na página A2.

Maingueneau (2002, p.98) explica que “o texto escrito possui, mesmo quando o

denega, um tom que dá autoridade ao que é dito”. Isso permite ao leitor construir uma

representação do corpo do enunciador. Não um corpo físico, tampouco de um autor

efetivo, mas “uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é dito”

(MAINGUENEAU, 2002, p.98). A partir dos sentidos e das marcas textuais

significativas como ética, paixão, verdade, coragem, imparcialidade e compromisso,

presentes nos enunciados, ocorre uma comunhão, adesão do sujeito-leitor que acaba por

construir um caráter e uma corporalidade do sujeito fiador (sujeito-CP), provenientes

“de um conjunto difuso de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, sobre

as quais se apóia a enunciação que, por sua vez, pode confirmá-las ou modificá-las”

(MAINGUENEAU, 2002, p.99).

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Desse modo, o sujeito-CP circula (corporalidade) no espaço social a desfrutar de

um ethos forjado pela ética (caráter) e outros códigos de valores estabelecidos pela

sociedade; valores estes que são, pretensamente, estendidos aos enunciados noticiosos

(veja reproduções de notícias na publicidade) em processo de construção de uma

realidade “escolhida” e publicada diariamente como a única possível.

Como sugere Foucault (2005), é preciso, pois, ir em busca do que se diz no que

está dito, estabelecer suas correlações com outros enunciados que podem estar ligados a

este, compreender sua estreiteza, singularidade e condições que o fizeram emergir. Por

isso, cabem algumas considerações sobre os enunciados constituintes da publicidade do

sujeito-CP.

Quando o sujeito-CP diz “Governantes passam”, ele não quer apenas chamar

atenção para o sistema político democrático que permite a escolha dos governantes de

quatro em quatro anos, basta verificar a frase seguinte: “Fica o nosso compromisso

com a verdade”. Pela materialidade lingüística podemos afirmar que o enunciador tenta

mostrar que governantes e compromisso com a verdade são oponentes, divergentes,

incompatíveis. Enquanto um transita (passam) o outro estaciona (fica). O

compromisso do sujeito-CP não é com o passageiro, o efêmero, mas com o estável, o

seguro. No entanto, escapa ao enunciado a memória discursiva e os sentidos do

provérbio que diz “Vão-se os anéis, ficam os dedos”. Uma coisa não exclui a outra. O

não ir dos anéis não quer dizer que os dedos não fiquem, nem o ir dos anéis signifique

que outros não possam vir a adornar os dedos. Ou seja, a temporalidade do governante

não é, em si, uma condição para haver compromisso com a verdade. Contudo,

diferente do enunciado “Jornalismo com ética e paixão” que tem espaço e local cativo

na capa do sujeito-CP (embora ele represente para a AD um novo acontecimento

discursivo a cada edição, a cada leitura, para cada sujeito), os enunciados apresentados

na publicidade estão inscritos em um momento específico, com um propósito definido e

objetivo ordenado para “esclarecer” e “modificar” algo que não está explícito, mas que

se encontra no contexto social e atende à lei da pertinência do discurso21. Eis porque

comparar a capa de 7 de setembro de 1999 com a de 29 de março de 2006. Recuperando

o passado, o sujeito-CP constrói o presente. Em 1999, quem governava o Estado era

José Maranhão e naquele momento, 2006, é Cássio Cunha Lima. Adversários políticos,

21 Conforme Maingueneau (2002, p.34), a lei de pertinência “estipula que uma enunciação deve ser maximamente adequada ao contexto em que acontece: deve interessar ao destinatário, fornecendo-lhe informações que modifiquem a situação”.

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eles são os mais fortes prováveis candidatos ao Governo do Estado. Conforme quatro

pesquisas da Consult publicadas até aquela data pelo sujeito-CP, Maranhão, senador e

ex-governador por dois mandatos seguidos, aparecia na frente de Cássio. Podemos

dizer, então, que o momento político e o debate em torno da preferência do eleitor

permitiram que essa publicidade pudesse ser mostrada com aqueles enunciados,

manifestando a vontade de verdade do sujeito-CP de ser imparcial, nem dependia de

governo em 1999 e nem depende de governo agora. No entanto, dias antes, ele havia

publicado as seguintes notícias:

Data de publicação Manchete (M)/Chamada (C)

Quinta, 23/03

Professores param e PMs saem às ruas em JP por reajuste salarial (M)

Segunda, 27/03

PMs terão assembléia e farão vigília no Palácio da Redenção (C)

Terça, 28/03

PMS REJEITAM AUMENTO DE 5%, SAEM ÀS RUAS E INICIAM VIGÍLIA NA PRAÇA (C)

Quarta, 29/03

Policiais civis aderem à luta dos PMs por reajuste e ameaçam greve (M)

Quinta, 30/03

PMs impedem abastecimento de viaturas e mantêm vigília (C)

Sábado, 01/04

Sem acordo, PMs mantêm vigília e professores iniciam greve na 2ª (M)

Note-se que a tensão entre policiais/professores e Governo do Estado

(representado por Cássio) presentes nos enunciados acima também ofereceram

condições para a emergência da publicidade. Embora faça parte dos procedimentos

jornalísticos oferecer tratamento igual às partes envolvidas, principalmente se tratando

de notícias sobre greve, paralisação ou negociação trabalhista, esse equilíbrio passou

longe dos enunciados/manchetes. Apenas um lado dessa tensão foi apresentado, o lado

em que ficam os policiais e os professores e o outro, o do governo, foi omitido. O

sujeito reconstrói seu sentido a partir de indicações presentes no enunciado.

Compreendê-lo demanda mobilização de saberes diversos, “fazer hipóteses, raciocinar,

construindo um contexto que não é um dado preestabelecido e estável”

(MAINGUENEAU, 2002, p.20).

Se formos examinar a publicidade com mais atenção, perceberemos que os

enunciados das capas comparadas também constituem sentidos e escapam à proposta de

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neutralidade dos enunciados institucionais, mas configuram a formação discursiva do

sujeito-CP. Enquanto a manchete da capa de 7 de setembro de 1999 diz “PMs decidem

fazer greve e Governo diz que punirá”, a de 29 de março de 2006, publicada dois dias

antes da publicidade, diz “Policiais civis aderem à luta dos PMs por reajuste e

ameaçam greve”. Em 1999 o enunciado mostra um governo austero, decisivo, forte,

que “punirá” quem fizer greve. Já no enunciado de 2006, assim como nos demais da

tabela acima, o governo inexiste, a mobilização dos servidores é crescente, além dos

PMs, agora são os policiais civis que “aderem à luta”. Curiosamente, no dia da

veiculação da publicidade (01/04), abaixo da manchete o sujeito-CP exibiu uma foto

mostrando os professores mobilizados com uma faixa na qual se lia “FRACÁSSIO”,

expressão que remetia o sujeito-leitor-eleitor às palavras fracasso e Cássio,

denunciando apatia do governo atual representado pelo governante Cássio. Ou seja, a

segurança e a educação do estado “estavam” em um caos. O dialogismo estabelecido

entre todos esses enunciados e a mobilização da vontade de verdade do sujeito-CP,

através de sua formação discursiva, vão gerando sentidos e construindo no sujeito-

leitor-eleitor uma imagem negativa do período atual (2006), um período de eleição, e

uma imagem positiva do período anterior (1999).

Enfim, a enunciação institucional (“Governantes passam. Fica o nosso

compromisso com a verdade”, “Para ser um jornal de verdade, é preciso ter

coragem e imparcialidade. Correio: A verdade em suas mãos.”) constrói um ethos

baseado em princípios de objetividade, neutralidade e virtude, a prática discursiva dos

enunciados noticiosos presentes na publicidade e nos dias precedentes a elas o destrói,

consolidando um posicionamento parcial do sujeito-CP. Toda esta prática vem

consolidar os pontos de incompatibilidade e de equivalência do sistema de formação

discursiva do sujeito-CP. E embora pareça incoerente a convivência entre esses dois

pontos, ambos “são formados da mesma maneira e a partir das mesmas regras; suas

condições de aparecimento são idênticas; situam-se em um mesmo nível” (Foucault,

2005, p.73). Um complementa o outro.

3.2 Estratégias de sedução

Não é exagero afirmar que o jornalismo exerce um poder estratégico pois regula,

disciplina e controla pela maneira de mostrar (Gomes, 2003). O material noticioso

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publicado diariamente pelos jornais é resultado de um processo de escolha, de uma

realidade filtrada. Essa competência para “definir” o que deve ou não ser publicado e

como, e este espaço de escritura para o qual se pode sempre retornar, rememorar e

recompor, elevou o discurso jornalístico ao patamar de monumento22, muitas vezes

utilizado por cientistas sociais como “documento” ou por quem procura recuperar a

memória do passado. Mas é possível confiar na “verdade” de tais registros?

Acompanhemos as publicações de dois dias do Jornal da Paraíba (JP) e Correio da

Paraíba (CP):

Domingo, 19 de fevereiro de 2006

Manchete JP*: ELEIÇÕES 2006 Disputa para governador: Vox Populi aponta diferença de apenas 9 pontos*

Manchete CP: 3ª PESQUISA PARA GOVERNO Consult: Maranhão lidera com 47,25% e Cássio tem 35,10%

*José Maranhão tem 46% e Cássio Cunha Lima, 37%.

Domingo, 3 de setembro de 2006

Manchete JP*: IBOPE Cássio lidera disputa com 5 pontos percentuais à frente de Maranhão*

Manchete CP: GUERRA DE PESQUISAS: IBOPE ESTAVA PROIBIDO PELO TRE IstoÉ diz que Maranhão tem 46,2% e Cássio está com 41,3%

*Cássio tem 47% e Maranhão, 42%.

Pela proximidade dos números de fevereiro (em média, Maranhão tem

preferência para cerca de 46,5% dos entrevistados e Cássio, para 36%), supõe-se que os

dois institutos (Vox Populi e Consult) demonstraram uma excelente sintonia com a real

opinião pública do momento, documentada para a história pelos dois jornais. Mas, com

a discrepância e inversão dos números de setembro, o que supor? Que os dois institutos

não são confiáveis? Que os dois jornais não são confiáveis? Chegar a real opinião do 22 De acordo com definição de Foucault (2005), “a história, em sua forma tradicional, se dispunha a ‘memorizar’ os monumentos do passado, transformá-los em documentos e fazer falarem estes rastros que, por si mesmos, raramente são verbais, ou que dizem em silêncio coisa diversa do que dizem; em nossos dias, a história é o que transforma os documentos em monumentos e que desdobra, onde se decifravam rastros deixados pelos homens, onde se tentava reconhecer em profundidade o que tinham sido, uma massa de elementos que devem ser isolados, agrupados, tornados pertinentes, inter-relacionados, organizados em conjuntos” (p.8)

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momento através dos dados documentados pelos dois jornais será impossível. Mas uma

coisa é certa, o jornalismo registra “acontecimentos” que vão construindo a história,

mas sempre a partir de determinadas vontades de verdade.

Mas não se trata aqui de fazer análise comparativa. Os exemplos acima servem

apenas para ilustrar os questionamentos feitos por Foucault (2005, p.31) sobre as

unidades do discurso: “(...) como apareceu um determinado enunciado, e não outro em

seu lugar?”, “(...) que singular existência é esta que vem à tona no que se diz e em

nenhuma outra parte?”. É o que vamos tentar descobrir com as próximas análises no

discurso do sujeito-CP a partir de 13 de dezembro de 2005, data em que ele se antecipou

aos outros veículos de comunicação do estado e publicou a 1ª pesquisa da opinião

pública sobre o pleito que se avizinhava com o seguinte texto, na página A3:

CORREIO fará 11 pesquisas

O levantamento de intenções de votos publicados hoje é o primeiro de uma série de 11 pesquisas contratadas pelo Sistema CORREIO de Comunicação à Consult Pesquisa, instituto de Natal (RN), já conhecido no Estado e em todo Nordeste pelas pesquisas realizadas em eleições anteriores.

A Consult fez pesquisas para o CORREIO na eleição para governador, em 2002, e no pleito para prefeito em diversos municípios, sempre apresentando extraordinária margem de acerto.

As pesquisas serão realizadas e publicadas todos os meses, até as eleições de 1º de outubro do próximo ano, sendo que em setembro, mês que antecede o pleito, serão divulgados dois levantamentos eleitorais no Estado.

O CORREIO contratou pesquisas de intenções de voto para governador e para senador. A consulta para o Senado será publicada na edição de amanhã.

As pesquisas têm o objetivo de identificar junto à população do Estado, em toda sua área geográfica, a evolução das intenções de voto para o Governo do Estado e para o Senado, a avaliação das administrações estadual e federal, o levantamento dos maiores problemas enfrentados pela população e o comportamento político em relação às eleições gerais de 2006.

Com as pesquisas, o CORREIO pretende, além de garantir informação de qualidade aos seus leitores, contribuir para o debate político-eleitoral e a consolidação da democracia no Estado.

Histórico O Instituto Consult Pesquisa foi criado em 1987 e tem atuado nas áreas

de pesquisas quantitativas, pesquisas de mercados, de opinião pública e de análises sócio-econômicas.

Além disso, exerce atividades nas áreas de consultoria estatística, consultoria política, programa de ações municipais e análise de dados.

A empresa é filiada à Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas (Abep) e o Conselho Regional de Estatística. O responsável pela Consult é o estatístico Paulo de Tarso Teixeira Ferreira.

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De acordo com o discurso jornalístico da notícia acima, fizemos o seguinte

esquema de análise que pretende ratificar o ethos de virtude (sinceridade e fidelidade

com o sujeito-leitor) do sujeito-CP:

Tópico Argumentação

Objetivo geral (justificativa)

“O CORREIO pretende garantir informação de qualidade aos seus leitores, contribuir para o debate político-eleitoral e a consolidação da democracia no Estado” face às eleições gerais de 2006.

Objetivos específicos* (problematização)

• Publicar 11 pesquisas; • Identificar “a evolução das intenções de voto para o Governo

do Estado e para o Senado”; • Avaliar as administrações estadual e federal; • Levantar os “maiores problemas enfrentados pela população e

o comportamento político em relação às eleições”.

Divulgação

“As pesquisas serão realizadas e publicadas todos os meses, até as eleições de 1º de outubro do próximo ano, sendo que em setembro, mês que antecede o pleito, serão divulgados dois levantamentos”.

Competência (fundamentação)

• As 11 pesquisas foram “contratadas pelo Sistema CORREIO de Comunicação à Consult Pesquisa, instituto de Natal (RN), já conhecido no Estado e em todo Nordeste pelas pesquisas realizadas em eleições anteriores. (...) sempre apresentando extraordinária margem de acerto”;

• A Consult é filiada à Abep e ao CRE.

*Embora figure entre os objetivos específicos, as pesquisas de intenção de voto para o Senado e avaliação da administração federal não fazem parte do corpus desse trabalho.

Note-se que o texto obedece a dois princípios (objetividade e neutralidade) que

confirmam seu compromisso social de informador, estratégia que visa cooptar o sujeito-

leitor-eleitor. A ação política “determina a vida social ao organizá-la tendo em vista a

obtenção do bem comum” (CHARAUDEAU, 2006b, p.17), portanto, em um período

pré-eleitoreiro, se dispor a levantar os “problemas enfrentados pela população” e

sinalizar a preferência de intenção de voto com pesquisas autorizadas, agregam ao

sujeito-CP valores sedutores que atraem o sujeito-leitor-eleitor. Contudo, os sentidos

são escorregadios e, até mesmo, traiçoeiros.

Quando o sujeito-CP diz que pretende (verbo no presente) garantir (verbo no

futuro) é porque há um querer, um desejo, uma ambição de se conquistar algo

(qualidade) no futuro. Logo, se se pretende conquistar, é porque não se tem. Contudo,

mesmo pressupondo-se que atualmente essa “qualidade” não é garantida, o sujeito-

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leitor-eleitor é estimulado pelo sujeito-CP pela pretensão de contribuir, de oferecer

qualidade, de se preocupar com os leitores/eleitores, pela pretensão e coragem de

efetivar o debate político em suas páginas antes dos outros sujeitos-jornais. Pretensões

que, inclusive, serão reforçadas e garantidas por um instituto que sempre apresentou

“extraordinária margem de acerto”.

A partir dessas observações, passa-se a notar que a formação discursiva do

sujeito-CP manifestada pelo ethos da sua enunciação institucional é estratégica para

gerenciar a atenção do sujeito-leitor-eleitor e instaurar nele um estímulo de engajamento

e fidelização. Ou seja, o discurso de fiador da ética, de compromissado com a “verdade”

é um simulacro para interesses que se escondem na opacidade do material noticioso

diário.

A mídia é responsável pelas escolhas que opera, mas elas não dependem apenas

de procedimentos de noticiabilidade, “a instância de informação é submissa à lei

implacável da captação: é preciso seduzir o público” (CHARAUDEAU, 2006b, p.283)

através de estratégias discursivas que atraiam atenção, cative interesse e solicite

emoção.

As principais coerções dos veículos jornalísticos são as estratégias de

arrebatamento, sustentação e fidelização (HERNANDES, 2006). Produzir no sujeito

uma curiosidade instantânea e não racionalizada é a primeira tarefa do sujeito-jornal.

Esse arrebatamento se dá pela instauração de uma novidade de ordem sensível das

notícias, que impõem ao sujeito um querer-saber na forma de um querer-entender. As

manchetes, chamadas e fotos são as principais armas de captação de atenção do sujeito.

Elas tanto provocam o arrebatamento como geram interesse em conhecer mais detalhes

da notícia (sustentação). Explica Hernandes (2006, p.53) que

Uma boa manchete é um pedaço de uma narrativa que clama por completude. Como isso foi acontecer? O que acontecerá depois? Toda manchete implicitamente faz um convite: “Saiba agora!” Podemos dizer que a satisfação de conhecer a “história toda”, ou, pelo menos os detalhes da narrativa no momento específico da edição, é uma das expectativas associadas à manchete.

As três estratégias de coerções acima podem ser verificadas na edição de 13 de

dezembro de 2005 do sujeito-CP, com a manchete “1ª PESQUISA PARA O GOVERNO DA PB:

Consult aponta Cássio com 32,3% e Maranhão com 46,3%”. Tal manchete,

acompanhada de um gráfico tipo pizza mostrando a divisão, em fatias, da opinião do

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paraibano sobre, até então, os possíveis candidatos ao Governo do Estado, era

sustentada pelo seguinte texto:

O CORREIO divulga a primeira pesquisa para o Governo da Paraíba. O Instituto Consult, que está entre os mais conceituados do Nordeste, aponta José Maranhão (PMDB) com 46,3%, Cássio Cunha Lima (PSDB) com 32,3% e o petista Frei Anastácio, com 3%. Não sabe e Nenhum deles somam 18,4% dos entrevistados.

Só a manchete, em si, por sua característica jornalística já arrebata a atenção do

sujeito-leitor-eleitor. Isso sem falar da novidade: uma pesquisa de intenção de voto para

governador, quando ainda sequer se tinha candidato legalmente constituído e,

sobretudo, a 11 meses da eleição. Ora, a manchete convida a saber mais, a sustentar o

sujeito-leitor-eleitor. Trata-se da “primeira” pesquisa, outras virão, conforme o texto

“CORREIO fará 11 pesquisas”.

Tais considerações, no entanto, não esgotam os sentidos despertados.

Lembremos dos locais sociais constituídos, da própria constituição do sujeito, das regras

de formação que estabelecem as condições de existência dos discursos, das práticas que

determinam as formações discursivas. Constata Gregolin (2003a, p.96) que

(...) a mídia produz sentido por meio de um insistente retorno de figuras, de síntese-narrativas, de representações que constituem o imaginário social. Fazendo circular essas figuras, ela constrói uma “história do presente”, simulando acontecimentos-em-curso que vêm eivados de signos do passado.

Com a iniciativa de realizar tais pesquisas, o sujeito-CP, assumindo seu lugar na

instância midiática, evidencia os principais atores (Maranhão e Cássio) da instância

política em questão para que a instância cidadã (sujeito-leitor-eleitor) fique alerta para a

escolha de seus atores. Aliás, os atores de um jogo político já conhecido.

Nos anos 1990, o poder político do estado esteve concentrado nas mãos do

PMDB. Na época eram filiados ao partido Ronaldo Cunha Lima, Cássio Cunha Lima,

José Maranhão, Cícero Lucena, Antonio Mariz e Roberto Paulino, entre outros.

Vencedor das eleições de 1989, Ronaldo Cunha Lima assumiu o governo em 1990, mas

saiu antes de completar os quatro anos. Seu vice, Cícero Lucena, assume no primeiro

trimestre de 1994, ano em que Antonio Mariz seria eleito. Em 1995, Mariz morre antes

de completar um ano de mandato e José Maranhão é empossado novo governador.

Desentendimentos entre Ronaldo Cunha Lima e José Maranhão, em 1998, provocam

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um racha no PMDB. O acirramento fica acentuado nas convenções para decidir quem

iria ser o candidato do partido ao governo. Depois de um polêmico e controvertido

processo de disputa entre Cássio e Maranhão, este conquista o direito de ser o candidato

e vence as eleições. Em 2002, Maranhão se afasta para concorrer ao Senado. Seu vice,

Roberto Paulino, que seria o candidato do PMDB ao Governo do Estado assume a

administração estadual. Cássio, agora filiado ao PSDB, disputa com Paulino e é eleito.

Maranhão vai para o Senado e o PMDB perde a hegemonia política de 12 anos.

Quando o sujeito-CP decide, portanto, debater a sucessão governamental do

estado entre Maranhão e Cássio, seu discurso, naturalmente, filia-se à memória política

dos dois candidatos, líderes na preferência popular nas pesquisas realizadas pelo sujeito-

CP. Mas isso é assunto para o outro tópico.

3.3 Pesquisa versus tempo

A totalidade dos sentidos materializados nos textos que a mídia faz circular na

sociedade é inapreensível (GREGOLIN, 2003a). O efeito de coerência e unidade de

discurso é agenciado por estratégias discursivas dos jornais que gerenciam a atenção,

exercem um poder de controle e influência através do fazer saber, fazer pensar, fazer

sentir e geram opinião. Esta, pertence ao domínio do crer, à qual o sujeito adere de

maneira não racional. Explica Charaudeau (2006a, p.122) que

A opinião assemelha-se à crença, pelo movimento de ser a favor ou contra, mas dela se distingue pelo cálculo de probabilidade que não existe na crença e que faz com que a opinião resulte de um julgamento hipotético a respeito de uma posição favorável/desfavorável e não sobre um ato de adesão/rejeição.

A partir dessa reflexão, o mestre francês expõe a dificuldade de falar da opinião

pública do ponto de vista da mídia, que a trata como “uma entidade mais ou menos

homogênea, quando resulta de um entrecruzamento entre conhecimentos e crenças de

um lado, opiniões e apreciações de outro” (CHARAUDEAU, 2006a, p.123).

Em um período eleitoral, principalmente com a proximidade do pleito, a opinião

pública é consultada várias vezes devido a sua vulnerabilidade aos acontecimentos

discursivos, aos embates políticos em ebulição, às notícias veiculadas pelas instâncias

midiáticas. Trata-se de um jogo onde não há inocentes, em que todos mudam sob a

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influência de todos, “a opinião sob a influência das mídias, as mídias sob influência da

política e da opinião, o político sob influência das mídias e da opinião”

(CHARAUDEAU, 2006b, p.25).

Isto posto, passemos aos compromissos do sujeito-CP manifestados na matéria

“CORREIO fará 11 pesquisas”: realizar pesquisas até 1 de outubro para sondar a

opinião pública sobre as intenções de voto para governador, avaliar a administração

estadual e levantar os principais problemas da população. Eis que, sem nenhum

esclarecimento público, a avaliação da administração estadual só foi publicada em

dezembro de 2005 e janeiro de 2006 e a série de 11 pesquisas contratadas a Consult pelo

Sistema Correio de Comunicação foi interrompida na 6ª edição, em 13 de junho de

2006, sem realizar um levantamento estatístico sobre os principais problemas sociais do

estado.

Vejamos abaixo a tabela com as pesquisas:

Data de publicação Manchete (M)/Chamada (C) Diferença

pró-Maranhão Data de realização

Terça, 13/12/05

1ª PESQUISA PARA O GOVERNO DA PBConsult aponta Cássio com 32,3% e Maranhão com 46,3% (M)

14% Entre 7 e 10/12 Quinta, 15/12/05

CONSULT: MARANHÃO VENCE CÁSSIO NAS 4 REGIÕES DA PB, MAS PERDE EM CG (C)

Sábado, 17/12/05

CONSULT: 51,3% APROVAM O GOVERNO DE CÁSSIO E 41,8% O DE LULA, NA PB (C)

Domingo, 22/01/06

2ª PESQUISA PARA O GOVERNOConsult: Maranhão lidera com 48,45% e Cássio tem 31,85% (M)

16,6% Entre 15 e 19/01 Terça, 24/01/06

CONSULT: MARANHÃO LIDERA EM TODAS AS REGIÕES E SÓ PERDE EM CG (C)

Sábado, 28/01/06

CONSULT: 46,95% APROVAM GOVERNO DE CÁSSIO E 47,6%, O DE LULA, NA PB (C)

Domingo, 19/02/06

3ª PESQUISA PARA O GOVERNOConsult: Maranhão lidera com 47,25% e Cássio tem 35,10% (M) 12,15% Entre 12 e 16/02

Terça, 21/02/06

CONSULT: MARANHÃO LIDERA EM 6 REGIÕES E CÁSSIO EM CG (C)

Segunda, 27/03/06

4ª PESQUISA PARA O GOVERNOConsult: Maranhão lidera com 46,35% e Cássio tem 36,25% (M)

10,1% Entre 17 e 20/03

Terça, 02/05/06

5ª PESQUISA CORREIO-CONSULTMaranhão tem 48% e abre 12,25% pontos de Cássio, que tem 35,75% (M)

12,25 Entre 22 e 25/04

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Quinta, 04/05/06

CONSULT: MARANHÃO GANHA EM 6 REGIÕES E CÁSSIO, EM CAMPINA (C)

Terça, 13/06/06

Consult: Maranhão tem 44,95%, Cássio 37,75% e Zé Neto, 1,25% (M) 7,2 Entre 26 e 29/05

Para analisar os acontecimentos discursivos das seis pesquisas acima

consideremos três aspectos: atualidade, presente e repetição e diferença percentual.

Todos eles se entrecruzam para constituir sentidos no sujeito-leitor-eleitor. Explica

Hernandes (2006, p.55) que o funcionamento da estratégia de sustentação depende da

proximidade temporal, “qualquer jornal precisa fazer seu consumidor acreditar que as

notícias divulgadas são atuais”.

Para o professor-doutor em Semiótica,

O efeito de atualidade é essa instauração, pelos jornais, de um presente “elástico”, com diferentes durações. Só que esse alongamento do tempo tem uma missão clara: deve fazer uma unidade noticiosa parecer “presentificada”, vibrante, pelo menos no período estipulado de consumo da edição do jornal (HERNANDES, 2006, p.55).

Observemos agora as datas de publicação e realização das pesquisas divulgadas

pelo sujeito-CP. A coleta de dados da primeira pesquisa aconteceu em 4 dias (7, 8, 9 e

10 de dezembro) e começou a ser publicada três dias depois (dia 13), mantendo-se

estrategicamente “atualizada” até o dia 17. Embora o que nos interesse aqui sejam as

pesquisas voltadas para os dois atores (Cássio e Maranhão) que encabeçam a disputa

pela governança do Estado, vale aqui mostrar como o sujeito-CP dilatou o tempo e

atualizou a consulta popular em 5 dias de publicação:

• 13 de dezembro, terça-feira – Sete dias depois de iniciadas as consultas23,

encerradas dia 10, o sujeito-CP divulga a 1ª pesquisa de intenção de voto

para Governo do Estado. Sobre o gráfico, a pergunta: “Se a eleição para

governador da Paraíba fosse hoje, em qual desses candidatos o(a) Sr.(a)

votaria?”24. Estrategicamente o sujeito-CP elimina a distância entre o

realizar e o divulgar a pesquisa com o hoje da pergunta, que instaura um 23 Consideramos a pesquisa a partir de seu primeiro dia de consulta, uma vez que a opinião pública é instável e pode ser afetada a qualquer momento. 24 Como se trata de uma sondagem de opinião pública é fundamental enfatizar para o consultado na hora da coleta de dados a condição se a eleição fosse hoje, de modo que ele possa responder a partir das circunstâncias daquele momento, o que não significa que sua opinião será mantida até dia da eleição.

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novo tempo e amplia a validade da pesquisa para produzir sentidos de que

naquele momento a opinião pública é aquela;

• 14 de dezembro, quarta-feira – Oito dias depois de iniciadas as consultas,

o sujeito-CP divulga a 1ª pesquisa para o Senado na Paraíba. Sobre o gráfico,

novamente a pergunta estimulada: “Se a eleição para senador da Paraíba

fosse hoje, em qual desses candidatos o(a) Sr.(a) votaria?”. Agora, além

de atualizar a pesquisa com o hoje, o sujeito-CP o faz também com a

mudança do foco de intenção de voto;

• 15 de dezembro, quinta-feira – Nove dias depois de iniciadas as consultas,

o sujeito-CP atualiza os dados da pesquisa divulgados no dia 13,

reinterpreta-os e re-significa-os ao apresentar a sondagem de opinião por

região. Mais uma vez repete a pergunta que reforça a atualidade da notícia:

“Se a eleição para governador da Paraíba fosse hoje, em qual desses

candidatos o(a) Sr.(a) votaria?”;

• 16 de dezembro, sexta-feira – Dez dias depois de iniciadas as consultas, a

pesquisa para o Senado publicada dia 14 também é atualizada e re-

significada para mostrar as intenções de voto por região. Novamente, a

pergunta estimulada: “Se a eleição para senador da Paraíba fosse hoje,

em qual desses candidatos o(a) Sr.(a) votaria?”;

• 17 de dezembro, sábado – Onze dias depois de iniciadas as consultas, outra

informação da pesquisa é revelada para atualizar a notícia. Agora trata-se da

aprovação ou desaprovação dos governos estadual e federal.

A estratégia do sujeito-CP em atualizar uma mesma pesquisa várias vezes e em

novos tempos e oferecê-la ao sujeito-leitor-eleitor em porções diárias é adotada em

todos os levantamentos, embora para efeito de análise escolhemos apenas os que se

referem diretamente aos candidatos ao Governo do Estado. Vejamos:

• 2ª pesquisa – Realizada entre 15 e 19/01 (cinco dias) e publicada em 22, 24

e 28/01, foi atualizada em até 14 dias após o primeiro dia de consulta;

• 3ª pesquisa – Realizada entre 12 e 16/02 (cinco dias) e publicada em 19 e

21/02, foi atualizada em até 10 dias depois do primeiro dia de consulta;

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• 4ª pesquisa – Realizada entre 17 e 20/03 (quatro dias) e publicada em 27/03,

foi atualizada 11 dias após o primeiro dia de consulta;

• 5ª pesquisa – Realizada entre 22 e 25/04 (quatro dias) e publicada em 02 e

04/05, foi atualizada em até 13 dias depois do primeiro dia de consulta;

• 6ª pesquisa – Realizada entre 26 e 29 (quatro dias) e publicada em 13/06, foi

atualizada 19 dias depois do primeiro dia de consulta.

Todo esse processo de manipulação do tempo, através do sujeito-CP, expõe uma

das vias do controle da instância midiática como geradora de acontecimentos

discursivos independente de ocorrências de fatos; expõe o poder sobre o tempo que é

coletivizado e imposto ao sujeito. Pelo controle, então, a mídia acaba por assumir a

posição de vigilante, espalhando-se por entre vários outros mecanismos sociais de

vigilância em nossa sociedade, que vão desde câmeras instaladas em prédios, halls, ruas

e avenidas, elevadores, praças, bancos, rodovias, postos de gasolina, supermercados,

farmácias, bancas de revista, sinais de trânsito... até as “estatísticas e os sistemas que

são usados para aferir e modelar o cotidiano” (GREGOLIN, 2003a, p.104).

A invenção do relógio foi fundamental para consolidação do tempo social e

individual. Ele criou a obediência, a disciplina, constituiu a concepção autônoma e

metaforizou a organização social (GREGOLIN, 2003a): “tempo é ouro”, “não posso

perder tempo”, “preciso ganhar tempo”, “um dia é muito pouco”, “corro contra o

tempo”, etc. Dessa forma, o tempo filtrado pelos ponteiros da máquina ganha nova

divisão, nova cadência orquestrada pela batuta da mídia.

Além de prender a atenção do sujeito-leitor-eleitor atualizando uma informação

que estatisticamente não é mais confiável, o sujeito-CP vai ratificando a posição

“incontestável” do candidato Maranhão por uma repetição discursiva que mais uma vez,

e de uma outra forma, funda um novo tempo referencial para o sujeito-leitor-eleitor.

Atentemos à classificação abaixo com negrito nosso:

• Quinta, 15/12/05 – Chamada: “CONSULT: MARANHÃO VENCE CÁSSIO NAS 4

REGIÕES DA PB, MAS PERDE EM CG”;

• Domingo, 22/01;06 – Manchete: “Consult: Maranhão lidera com 48,45% e

Cássio tem 31,85%”;

• Terça, 24/01/06 – Chamada: “CONSULT: MARANHÃO LIDERA EM TODAS AS

REGIÕES E SÓ PERDE EM CG”;

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• Domingo, 19/02/06 – Manchete: “Consult: Maranhão lidera com 47,25% e

Cássio tem 35,10%;

• Terça, 21/02/06 – Chamada: “CONSULT: MARANHÃO LIDERA EM 6

REGIÕES E CÁSSIO EM CG”;

• Segunda, 27/03/06 – Manchete: “Consult: Maranhão lidera com 46,35% e

Cássio tem 36,25%”;

• Quinta, 04/05/06 – Chamada: “CONSULT: MARANHÃO GANHA EM 6

REGIÕES E CÁSSIO, EM CAMPINA”.

A frase “Maranhão lidera”, que é veiculada pela primeira vez em janeiro, é

repetida 4 vezes até março de 2006, em um processo discursivo de re-significação e

confirmação de que a preferência popular está determinada, como atestam as outras

notícias com as frases “Maranhão vence” (dezembro de 2005) e “Maranhão ganha”

(maio de 2006). O verbo no presente (lidera, vence e ganha), do ponto de vista

lingüístico, sugere ao leitor que o acontecimento está em andamento naquele momento

de referência que é o presente, o agora fundamental para o efeito de atualidade

(HERNANDES, 2006). Essa supremacia de Maranhão, administrada pelo sujeito-CP,

além de marcar o tempo social, também marca o espaço social. Note-se que em quatro

notícias (dezembro de 2005, janeiro, fevereiro e março de 2006) Maranhão “vence”,

“lidera” ou “ganha em 6 regiões”25, “só perde em CG”. Mas por que só perde em CG

(Campina Grande)? Aliás, por que comparar as 6 regiões do estado a Campina Grande?

Por que Cássio só ganha lá? Que correlações interdiscursivas podemos encontrar além

das materialidades dos enunciados em questão? Bem, Cássio nasceu e construiu sua

história política em Campina Grande, onde foi prefeito por três vezes (1989, 1996 e

1999). Dizer que Cássio só ganha, ou só lidera em CG, conforme pressuposto da lei do

discurso e a força do dito no não-dito, é sugerir que sua força política não se expandiu,

não criou raízes fora de sua cidade, mesmo tendo exercido o cargo de deputado federal

duas vezes (1986 e 1994).

Se, por um lado, o sujeito-CP se esforçou em atualizar as pesquisas para

elastecer sua validade estatística, por outro, “não deu atenção” àquilo que, de acordo

25 Inicialmente, na pesquisa de 15 de dezembro de 2005, o sujeito-CP se refere a apenas 4 regiões da Paraíba: Mata Paraibana, Agreste, Borborema e Sertão, excetuando-se João Pessoa, Grande João Pessoa e Campina Grande. Em 24 de janeiro de 2006, refere-se a todas as regiões; e a partir daí fala em 6 regiões: João Pessoa e Grande João Pessoa como uma, Campina Grande como outra, mais Mata Paraibana, Agreste, Borborema e Sertão.

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com procedimentos jornalísticos, de fato, reunia elementos para noticiabilidade: a

evolução das intenções de voto. Com exceção do levantamento publicado no dia 2 de

maio de 2006 (“Maranhão tem 48% e abre 12,25% pontos de Cássio, que tem

35,75%”), nenhum outro teve sua evolução considerada discursivamente pelo sujeito-

CP, nem em manchete nem em chamada de capa. Acompanhemos o gráfico abaixo:

De um levantamento para outro, percebe-se a oscilação da opinião pública

consultada e nos permite a seguinte leitura:

a) a diferença entre os dois candidatos é mais acentuada na 2ª pesquisa. Daí por

diante essa diferença diminui, pois o candidato Cássio sobe na preferência

do eleitor, ao contrário de Maranhão;

b) na 5ª pesquisa, o candidato Maranhão sobe (embora não chegue aos

patamares dos dois levantamentos iniciais), único momento em que o

sujeito-CP discute a diferença na capa;

c) na 6ª pesquisa, os números não são favoráveis a Maranhão: a diferença, que

já havia chegado a 16,6% (2ª pesquisa, janeiro de 2006), cai para 7,2%.

Enfim, “a evolução das intenções de voto para o Governo do Estado”,

registrada no texto “CORREIO fará 11 pesquisas”, foi “engolida” pela ênfase que o

sujeito-CP deu ao tempo presente inaugurado a cada edição (“Se a eleição fosse

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hoje...”, “Maranhão vence Cássio...”, “Maranhão lidera...”, “Maranhão ganha em

seis regiões...”) durante a publicação das seis pesquisas. Mas por que seis se eram 11?

Curiosamente, em 22 de agosto de 2006, 70 dias depois do sujeito-CP publicar a

6ª pesquisa contratada pelo Sistema Correio de Comunicação a Consult, o sujeito-O

Norte26 traz a manchete “PESQUISA CONSULT/FEMIPE-PB: 42,5% (Cássio C. Lima) x 38,0%

(José Maranhão)”, destacando os números e as fotos dos dois candidatos em lados opostos,

posicionados de acordo com os percentuais. Tratava-se da primeira sondagem de

opinião pública, depois de registradas as candidaturas no TRE (Tribunal Regional

Eleitoral), realizada entre os dias 15 e 18 de agosto pelo Instituto Consult

Pesquisa/Federação das Micro Empresas e Empresas de Pequeno Porte (PB). Na página

A3, do sujeito-O Norte, um gráfico mostrava a evolução dos percentuais a partir dos

levantamentos divulgados pelo sujeito-CP, embora em nenhum local se fizesse

referência a esse fato.

Os motivos de um provável rompimento entre o contratante (Sistema Correio de

Comunicação) e o contratado (Instituto Consult) ou entre o contratado (Instituto

Consult) e o contratante (Sistema Correio de Comunicação); a “transparência” do

sujeito-CP em compartilhar com o sujeito-leitor-eleitor a contratação das pesquisas e o

silenciamento marcado pelo rompimento das publicações e, sobretudo, a nova

perspectiva do levantamento veiculado pelo sujeito-O Norte mostrando o candidato

Cássio em primeiro lugar; tudo isso povoou com uma pluralidade de sentidos o

imaginário coletivo, mantendo para sempre a certeza da dúvida e a dúvida da certeza

sobre o que “verdadeiramente” causou o rompimento e o silenciamento das publicações

da Consult no sujeito-CP. “Além de qualquer começo aparente há sempre uma origem

secreta – tão secreta e tão originária que dela jamais poderemos nos reapoderar

inteiramente” (FOUCAULT, 2005, p.27).

Em 24 de agosto de 2006, “ignorando” completamente esse episódio e o

compromisso firmado em “CORREIO fará 11 pesquisas”, o sujeito-CP reinicia a

publicação de novos levantamentos, mas desta vez sem endossar a credibilidade dos

institutos, como fez com a Consult (“já conhecido no Estado e em todo Nordeste

pelas pesquisas realizadas em eleições anteriores. (...) sempre apresentando

extraordinária margem de acerto”).

26 Trata-se de outro jornal paraibano de circulação estadual.

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Dos nove levantamentos publicados, quatro foram contratados/realizadas pela

IstoÉ/Databrain, três pela Federação Brasileira de Administradores/Instituto Índice

(RN), uma pela Central Única dos Trabalhados da Paraíba (CUT-PB)/Instituto Axioma,

de Campina Grande, e outra pela TV Cabo Branco/Ibope. Vamos a elas:

Data de publicação Manchete (M)/Chamada (C) Data de realização

Quinta, 24/08 CUT: Maranhão tem 46,3% e Cássio, 40,3% (C) Entre 19 e 21/08, realizada

pelo instituto Axioma

Domingo, 03/09

GUERRA DE PESQUISAS: IBOPE ESTAVA PROIBIDO PELO TRE IstoÉ diz que Maranhão tem 46,2% e Cássio está com 41,3% (M)

O jornal não revela a data de coleta de dados. Trata-se de uma pesquisa que seria veiculada na edição de 06/09 da revista IstoÉ, portanto o sujeito-CP se antecipou em três dias à publicação da revista

Sexta 22/09

ISTOÉ: MARANHÃO LIDERA DISPUTA COM 46,3% E CÁSSIO TEM 43,3% (C)

Pesquisa divulgada no site da revista no dia anterior, realizada entre 17 e 19/09

Sexta, 29/09

Pesquisa da IstoÉ diz que Maranhão lidera com 45,6% e Cássio tem 43,3% (C)

Pesquisa divulgada no site da revista no dia anterior, realizada entre 24 e 26/09

Domingo, 01/10

PESQUISAS DATABRAIN, ÍNDICE E IBOPE Maranhão surge como favorito, mas Cássio ainda crê em vitória Globonews mostra peemedebista com 51% contra 47% do tucano, mas TV Cabo Branco não divulgou (M)

Dia da eleição. Do lado esquerdo da capa fotos de Alckmim, Cássio e Cícero (ambos com olhar distantes) e à direita: Maranhão, Ney (ambos olhando para frente com ar descontraído) e Lula com os dois polegares em sinal de positivo.

Quarta, 25/10

ÍNDICE: JOSÉ MARANHÃO LIDERA COM 49,9% E CÁSSIO TEM 46,9% (C)

Contratada pela Federação Brasileira de Administradores (Febrad), foi realizada entre os dias 18 e 19/10.

Sábado, 28/10

Pesquisa Índice aponta Maranhão com 48,3% e Cássio, 44,1% dos votos

Véspera da eleição do 2º turno. Pesquisa contratada pela Federação Brasileira de Administradores (FBA) foi realizada entre os dias 25 e 26/10.

Note-se que, apesar das pesquisas não fazerem parte do pacote assumido pelo

sujeito-CP, elas são tratadas estrategicamente como as outras. Ou seja, a insistente

repetição “Maranhão lidera”, presente em três das pesquisas acima e em várias das já

publicadas, “denunciam” a parcialidade do sujeito-CP em favor do candidato Maranhão

que, mais que liderar, “surge como favorito” para Databrain, Índice e Ibope. A Cássio

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resta “ainda” a crença. Mas dois acontecimentos discursivos das pesquisas acima

merecem ser destacadas sob forma de interrogação:

1ª) Por que o sujeito-CP destaca na manchete de 03/09 (“IstoÉ diz que

Maranhão tem 46,2% e Cássio está com 41,3%”) o antetítulo “GUERRA DE

PESQUISAS: IBOPE ESTAVA PROIBIDO PELO TRE”?

Com certeza, há uma disputa entre “verdades” de pesquisas e descrédito nas do

Ibope. Senão, vejamos. O que significa esse “IBOPE ESTAVA PROIBIDO”? Significa

apenas que o Ibope não está mais proibido? Se o sujeito-leitor-eleitor desse enunciado

passasse à leitura do texto da manchete, teria a seguinte explicação: “O TRE proibiu a

divulgação do Ibope, que não entregou informações sobre cidades e bairros onde

ouviu eleitores”. No entanto, isso não explica tudo, nem o “ESTAVA”. Conforme a

pertinência da lei do discurso “uma enunciação deve ser maximamente adequada ao

contexto em que acontece” (Maingueneau, 2002, p.34). Portanto, para se compreender

esse “ESTAVA” é preciso recuperar as condições e o contexto que possibilitaram o

surgimento desse enunciado. No dia 1 de setembro, o sujeito-TV Cabo Branco exibiu

em seu noticiário da noite, “JPB – 2ª edição”, números de uma pesquisa do Ibope que

mostravam Cássio com 47% e Maranhão com 42%. Ou seja, quando o sujeito-CP diz

que o “IBOPE ESTAVA PROIBIDO PELO TRE” ele quer dizer que, além da pesquisa não

merecer crédito, o sujeito-TV Cabo Branco cometeu um ato ilícito ao publicar uma

pesquisa proibida pelo Tribunal Regional Eleitoral. Ao produzir sentidos de

desconfiança sobre os números do Ibope e o sujeito-TV Cabo Branco, ele impõe “seu

compromisso com a verdade” ao mostrar uma pesquisa, esta sim, autorizada pelo

TRE: “IstoÉ diz que Maranhão tem 46,2% e Cássio está com 41,3%”27. Note-se

que, de uma pesquisa para outra, não só os candidatos mudam de lugar, mas os números

(praticamente idênticos). Desta forma o sujeito-CP continua, com sua discursividade

“verdadeira” confirmando a liderança irrefutável de Maranhão, que “tem” (condição

estável, positiva), enquanto Cássio apenas “está” (condição instável, negativa).

27 Esta pesquisa foi publicada na revista IstoÉ de 6 de setembro de 2006, e o Correio da Paraíba a publicou em 3 de setembro de 2006. A edição da IstoÉ circulou, exclusivamente na Paraíba, com uma orelha externa com a seguinte chamada: “Denúncia – Paraíba: Cícero Lucena acusado de desviar R$ 100 milhões”. Após a matéria nas páginas 48/49 com uma foto em baixa resolução de Cícero Lucena (PSDB), candidato ao Senado, conversando com Cássio (PSDB), curiosamente a revista apresentou quatro pesquisas de quatro estados distintos: Paraíba, Tocantis, Rio Grande do Norte e Paraná (nessa ordem). As pesquisas surgiram do “nada”, sem nenhuma nota de abertura. Aparentemente elas não atendiam a nenhum critério jornalístico, tipo “nesta edição publicamos os números do Nordeste, semana que vem do Sul...”, ou “a cada semana publicaremos quatro pesquisas de regiões variadas”, etc.

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2ª) Por que o sujeito-CP destaca na manchete de 01/10 (“Maranhão surge

como favorito, mas Cássio ainda crê em vitória”) o antetítulo “PESQUISAS

DATARAIN, ÍNDICE E IBOPE” seguido do subtítulo “Globonews mostra peemedebista

com 51% contra 47% do tucano, mas TV Cabo Branco não divulgou”?

Porque para os três institutos, inclusive até para o Ibope, Maranhão é

“favorito”. Mas isso não justifica esse até. Vamos ao texto da capa:

Pesquisas Databrain, Índice e até do Ibope mostram o senador José Maranhão como favorito na disputa pelo Governo da Paraíba. Contratada pela TV Cabo Branco, a pesquisa Ibope foi liberada pelo TSE, mas não foi divulgada na Paraíba. Segundo quadro mostrado pela Globonews, Maranhão teria 51% da preferência do eleitorado, contra 47% de Cássio. Esquema especial do TRE prevê que os eleitos para o Governo do Estado e Senado serão conhecidos até as 19h00. (negrito nosso)

Se antes a pesquisa do Ibope divulgada pelo sujeito-TV Cabo Branco “não

merecia” crédito por estar proibida pelo TRE, agora, não é sua liberação pelo TSE que a

torna merecedora de crédito, e sim a sua não-divulgação pelo sujeito-TV Cabo Branco.

O sujeito-CP não usa os números dos institutos Databrain (Maranhão, 45,6% e Cássio,

43,3%) e Índice (Maranhão, 45,7% e Cássio, 42,3%) na capa, que em tese apresentam

empate técnico, mas os do Ibope. Na página A3, sob o título “Divulgação feita na

madrugada”, a explicação:

Os números da última pesquisa Ibope na Paraíba foram divulgados por acaso. A Folha Online publicou notícia ontem segundo a qual a Globonews (TV) apresentou em sua tela, na madrugada deste sábado, imagens de um gráfico de uma pesquisa de intenção de voto enquanto o locutor lia uma notícia sobre a queda do avião da Gol.

No gráfico da tela da televisão, segundo notícia da Folha Online, aparecia em destaque a palavra “Maranhão”, dando a impressão de que se referia ao Estado do Maranhão, mas os nomes dos candidatos eram os do Estado da Paraíba – Zé Maranhão e Cássio.

Conforme o gráfico, Maranhão apareceria na pesquisa Ibope com 51% das intenções de voto e Cássio com 47%. O item “Outros” registra 2%.

A pesquisa Ibope havia sido contratada pela TV Cabo Branco e registrada com o número 25/2006, mas sua divulgação foi suspensa pelo TRE na manhã da sexta-feira; liberada no início da noite por força de recurso do próprio Ibope e de liminar concedida pelo TRE, e novamente proibida pelo TSE durante a madrugada da sexta-feira para o sábado. Apesar de ficar liberada para divulgação por um período de cerca de seis horas, a pesquisa não foi publicada.

Neste sábado, o TSE novamente tratou da questão da divulgação da pesquisa do Ibope na Paraíba apreciando um agravo do próprio instituto. A

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decisão da corte superior da Justiça Eleitoral foi liberar a pesquisa para divulgação. Mais uma vez, os contratantes não tomaram a iniciativa do recurso nem divulgaram os resultados da pesquisa em seus programas jornalísticos, apesar da liberação. (...) (negrito nosso)

O que aparentemente poderia despertar desconfiança, para o sujeito-CP

funcionou como credibilidade. A estranha divulgação “por acaso”, “na madrugada”,

em uma TV fechada, repercutida em veículo eletrônico (Folha Online), foi usada pelo

sujeito-CP para causar um efeito de verdade e fortalecer os dados da pesquisa.

Toda a prática discursiva adotada durante a publicação das pesquisas sustentadas

por um saber matemático, manifestou a vontade do sujeito-CP em cristalizar a verdade

de que o candidato Maranhão era imbatível, pois em “até” pesquisa do Ibope ele surgia

como “favorito”. Enquanto esses sentidos circulavam captando atenção e constituindo

opiniões no sujeito-leitor-eleitor, outros discursos, produzidos por acontecimentos

“reais” da vida orgânica do estado, se encarregavam de “construir” a “maneira de ser e

de atuar” do governo atual, representado pelo candidato a reeleição Cássio. É o que

veremos no tópico seguinte.

3.4 Além das pesquisas

O principal desafio da mídia “é regulamentar a circulação da informação, de

modo que esta atinja o maior número de cidadãos e, ao dizer-lhes respeito, permita-lhes

uma opinião”, explica Charaudeau (2006b, p.28), para quem

(...) a linguagem, em virtude do fenômeno de circulação dos discursos, é o que permite que se constituam espaços de discussão, de persuasão e de sedução nos quais se elaboram o pensamento e a ação políticos (CHARAUDEAU, 2006b, p.39)

A instância midiática freqüentemente acusa/denuncia os poderes públicos (lugar

da instância política) para justificar seu lugar na construção da opinião pública, na

instância cidadã, e esta, por sua vez, reivindica, interpela e sanciona os representantes

do povo em nome de uma idealização do bem-estar comum, promovido pela instância

política, que exerce o poder da ação para efetivar e garantir os direitos sociais coletivos.

Estabelece-se aí, as relações de poderes entre as três instâncias. Há, ainda, a da instância

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adversária, que se encontra no mesmo lugar (ou aspira o mesmo lugar de decisão, de

ação, de poder, de manipulação) da instância política e

(...) deve propor ao cidadão um projeto de sociedade ideal, deve tornar-se fidedigna e tentar persuadi-lo da legitimidade da sua posição. A única diferença em relação à instância precedente reside no fato de que, estando ela na oposição, isto é, despojada do poder, mas representando, ao mesmo tempo, uma parcela da opinião cidadã, é levada a produzir um discurso sistemático de crítica ao poder vigente, que lhe é simetricamente retribuído (CHARAUDEAU, 2006b, p.58)

Portadora de imaginários sociais que têm influências sobre as opiniões, a mídia

recorre a certas técnicas para descrever, narrar, dramatizar e produzir movimentos

emocionais de simpatia, antipatia e compaixão (CHARAUDEAU, 2006b). Na verdade,

o discurso jornalístico produzido pela mídia, diz Pinto (2002, p.88), é um simulacro

interesseiro, produzido com o objetivo de ser a última palavra. As identidades e relações

sociais são construídas pela narração da mídia, que distribui afetos a serviço da sedução

e cooptação.

Vejamos, a partir de agora, como o sujeito-CP articula um discurso jornalístico

“verdadeiro” para re-significar estrategicamente o desempenho do atual governo

(representado pelo candidato Cássio). Inicialmente, analisemos os enunciados da tabela

abaixo, que dialogam entre si para construir sentidos sobre a situação da Educação (um

dos pilares da administração pública) no Estado. Acompanhemos:

TABELA EDUCAÇÃO

Data de publicação Manchete (M)/Chamada (C)

Sexta, 17/03

Estado oferece 5% de reajuste a professor e muda aposentadoria (M)

Sábado, 18/03

Professores rejeitam 5%, fazem nova proposta e param por 3 dias (M)

Domingo, 19/03

MENDIGAR VIRA “NEGÓCIO” COM RENDA MAIOR QUE A DE PROFESSOR (C)

No primeiro enunciado, compreende-se que o estado propõe aos professores,

naquele momento - através do efeito de atualidade e atualização do dia anterior -,

reajuste salarial e mudança no modelo de aposentadoria em vigor. No segundo, os

professores rejeitam a proposta. Os discursos de ação e reação, como principais assuntos

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(manchete) do sujeito-CP, são distribuídos e passam a circular na sociedade colocando

em voga proposta e recusa de reajuste salarial dos professores da rede estadual. Eis que

no domingo, o sujeito-CP traz na capa a sub-manchete “MENDIGAR VIRA ‘NEGÓCIO’

COM RENDA MAIOR QUE A DE PROFESSOR”. Não se trata de um dia qualquer. O

domingo é o dia de maior tiragem do sujeito-CP, de maior número de assinantes; os

suplementos são multiplicados, o número de páginas aumentado e reportagens especiais

são mais freqüentes.

A produção de sentido – resultado dos valores atribuídos pelo discurso – é um

processo em construção permanente a afetar e forjar o sujeito ao longo de sua

existência. Os sentidos do enunciado “MENDIGAR VIRA ‘NEGÓCIO’ COM RENDA

MAIOR QUE A DE PROFESSOR”, portanto, não emanam apenas das indicações materiais

do texto. São interdiscursivos e dialógicos. Tal enunciado emergiu dentro de uma

regularidade de enunciados, dentro de um contexto de discussão sobre reajuste da

remuneração do corpo docente estadual. A imagem social que se tem de um mendigo

em nada se aproxima com a de um professor. Enquanto o primeiro é excluído e

interditado socialmente, segregado por suas condições físicas, psíquicas e econômicas,

entregue ao “acaso” da compaixão e filantropia; o segundo tem fluxo consentido, com

status próprio daquele que ocupa um lugar social legitimado e amparado por leis

trabalhistas, com autoridade para ensinar e formar sujeitos. Como se vê, duas imagens

distantes, mas estrategicamente aproximadas pelo sujeito-CP, que oferece ao sujeito-

leitor-eleitor sentidos para, pelo menos, duas interpretações:

a) a mendicância é uma alternativa de trabalho mais rentável que a de

professor;

b) a situação do professor do estado está tão degradante quanto a de um

mendigo.

Vamos ao texto da capa, ao principal e à série de títulos das matérias que se

estendeu por quatro páginas (B1 a B4):

Mendigar tornou-se um grande negócio, gerando renda, em alguns casos, maior que a de um professor do Estado. Há mendigos que ganham perto de R$ 700. Na Capital, mulheres obrigam crianças a pedirem esmolas nas ruas e fiscalizam “serviço”. Alguns mendigos fingem deficiências e até simulam ataques epilépticos. (negrito nosso)

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• B1 – Antetítulo/Manchete/Texto:

PROFISSÃO: MENDIGO Pedintes ganham mais do que professor

A pobreza, o desemprego e o analfabetismo na Paraíba estão contribuindo para aumentar a “indústria da mendicância”. Crianças, adultos e idosos estão migrando de municípios paraibanos (como Bayeux, Santa Rita, Mamanguape e Patos) e até do Estado de Pernambuco para pedir esmolas nas ruas de João Pessoa. As crianças são obrigadas pelos pais a mendigar e parte delas acaba na prostituição ou aliciadas pelo tráfico de drogas. Mães usam os filhos para comover as pessoas em troca de receber “alguns trocados” e muitas delas, chegam até a “emprestar” seus bebês para que outras mulheres também façam o mesmo. Já idosos aposentados e adultos que não precisariam estar pedindo nas ruas, abusam da boa-fé das pessoas fazendo “teatro”, mentindo e simulando doenças para arrancar dinheiro.

A “profissão mendigo” não precisa diploma e muitas pessoas se aproveitam disso para conseguir dinheiro. Um senhor que se diz mendigo e pede esmolas no Centro da Capital, revelou que é aposentado, tem casa própria, paga empregada e fatura pelo menos R$ 375,00 por mês, pedindo nas ruas. “Peço esmola de segunda a sábado porque não dá para viver só com o dinheiro da aposentadoria. Apuro mixaria, R$ 10,00 ou R$ 15,00 por dia”, revelou Antônio de Brito, 80 anos.

A renda média mensal de Seu Antônio é de R$ 675,00 incluindo o dinheiro da aposentadoria e das esmolas. Ele confessou que pede esmolas há 26 anos. “Chego aqui às 8h00 e vou embora para casa às 7h00 da noite”, revelou, segurando uma placa, onde estava escrito que é doente dos nervos, teve trombose e é epilético. Seu Antônio ganha mais que um professor da rede pública de ensino do Estado, com nível superior e início de carreira, que tem um salário médio de 540,00 (já incluindo a gratificação). Segundo o presidente da Associação dos Professores em Licenciatura Plena da Paraíba, Francisco Fernandes, o salário médio de um professor com mestrado, em final de carreira, é de R$ 700,00. (negrito nosso)

• B2 – Manchete: “Mulheres obrigam crianças a pedirem esmolas nas

ruas” (sic);

Títulos de coordenadas: “Usar menores para pedir é crime”

“Maioria não é da Capital”

“Família de garota é desestruturada”

• B3 – Manchete: “Mendigos fingem deficiências e simulam ataques

epiléticos”;

Títulos de coordenadas: “Jornalista foi enganada em JP”

“Ajuda do Governo Federal vicia”

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• B4 – Manchete: “‘População alimenta ciclo vicioso’, diz Secretária”;

Título de coordenada: “JP fará mapa de exclusão”

Enquanto a sub-manchete afirma que “MENDIGAR VIRA ‘NEGÓCIO’ COM

RENDA MAIOR QUE A DE PROFESSOR”, o texto logo abaixo ressalva que “em alguns

casos” mendigos “ganham perto de R$ 700”. O que foi dito inicialmente como

“regra”, virou exceção. Depois, o texto da B1 esclarece: “Um senhor que se diz

mendigo (...) é aposentado, tem casa própria, paga empregada e fatura pelo menos

R$ 375,00 por mês, pedindo nas ruas”, enquanto “um professor da rede pública de

ensino do Estado” tem um salário médio de R$ 540. Se a linguagem, em si, é opaca,

neste caso, além de sua inerente opacidade, ela constrói uma incoerência pela falta de

objetividade e “imprecisão” das informações, “escapadas” aos sentidos de

interpretações pretendidas pelo sujeito-CP. Não se trata de alguns casos nem de um

caso de mendicância, mas de um aposentado que se diz mendigo. Portanto, o parâmetro

criado pelo sujeito-CP é nulo, não existe. Em nenhum momento, contrariando a sub-

manchete e texto da capa, o texto da B1 diz que mendigar é mais rentável que

professorar, mas que alguns adultos, a exemplo do Seu Antônio, cuja renda mensal

chega a R$ 675 com a aposentadoria, abusam da boa-fé para “arrancar” dinheiro das

pessoas. E se os enunciados da capa não são condizentes com o texto da B1, a manchete

(“Pedintes ganham mais do que professor”) da própria B1 também não o é, porque

não se trata de “pedintes”. No entanto, entre o antetítulo (“PROFISSÃO: MENDIGO”),

cuja finalidade é introduzir o assunto, e o texto, há coerência, pois o primeiro sugere que

a reportagem vai tratar da mendicância, o que acaba sendo confirmado.

Explica Pena (2005, p.42) que o lide (ver tópico Objetividade e neutralidade: os

fins justificam os meios) “nada mais é que o relato sintético do acontecimento logo no

começo do texto”, complementando o interesse gerado pela manchete, cuja finalidade é

apresentar o núcleo da matéria. Pela leitura do primeiro parágrafo, onde teoricamente

reside o lide da matéria, compreende-se que o assunto-chave é a “PROFISSÃO:

MENDIGO”: “Crianças, adultos e idosos estão migrando (...) até do Estado de

Pernambuco para pedir esmolas nas ruas de João Pessoa. As crianças são

obrigadas pelos pais a mendigar (...). Mães usam os filhos para comover as pessoas

(...). Já idosos aposentados e adultos que não precisariam (...), abusam da boa-fé

das pessoas fazendo ‘teatro’, mentindo e simulando doenças para arrancar

dinheiro”. No segundo parágrafo, o texto mostra o exemplo do aposentado e, no final

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do terceiro e último parágrafo, é estabelecida a comparação entre o que Seu Antônio

ganha com esmolas e aposentadoria e a remuneração de um professor em início de

carreira.

A técnica jornalística chamada pirâmide invertida, recordemos, determina a

estrutura narrativa da notícia baseada

(...) em um relato que prioriza não a seqüência cronológica dos fatos, mas escala em ordem decrescente os elementos mais importantes, na verdade, os essenciais, em uma montagem que os hierarquiza de modo a apresentar inicialmente os mais atraentes, terminando por aqueles de menor apelo (PENA, 2005, p.48).

Mas o que está em jogo nesse caso não são as técnicas jornalísticas de estrutura

narrativa de notícia, nem o fato de em nenhum outro momento da reportagem haver

mais referência a salários de professor, e sim a motivação que levou tais enunciados a se

manifestarem na capa e no título da B1, em 19 de março, independente das publicações

dos dias 17 e 18. Pela própria materialidade do texto podemos dizer que não foi a

preocupação do sujeito-CP com a remuneração do docente no Estado que possibilitou a

emergência de tais enunciados, mas a “intencionalidade” de oferecer ao sujeito-leitor-

eleitor elementos “reais”, “verdadeiros”, que permitissem construir a imagem da

Educação no Estado, naquele momento. Lembremos que se trata de um ano de sucessão

governamental, cujo debate fora inaugurado pelo sujeito-CP lá em dezembro de 2005.

O embate entre servidor e governo, no entanto, não cessou com as

reivindicações dos professores. Outra categoria começava a se mobilizar, conforme

tabela abaixo:

TABELA SEGURANÇA

Data de publicação Manchete (M)/Chamada (C)

Quinta, 23/03

Professores param e PMs saem às ruas em JP por reajuste salarial (M)

Segunda, 27/03

PMs terão assembléia e farão vigília no Palácio da Redenção (C)

Terça, 28/03

PMs REJEITAM AUMENTO DE 5%, SAEM ÀS RUAS E INICIAM VIGÍLIA NA PRAÇA (C)

Quarta, 29/03

Policiais civis aderem à luta dos PMs por reajuste e ameaçam greve (M)

Quinta, 30/03

PMs impedem abastecimento de viaturas e mantêm vigília (C)

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Sábado, 01/04

Sem acordo, PMs mantêm vigília e professores iniciam greve na 2ª (M) + publicidade

Terça, 04/04

PMs garantem reajuste e acabam vigília; magistério decide amanhã (M)

Se antes havia um “distúrbio” apenas na Educação porque professores ganhavam

menos que “pedintes”, conforme o sujeito-CP, agora também havia na Segurança.

Duas áreas estratégicas da administração pública estadual estavam em crise. Da

paralisação dos professores até o fim da vigília dos PMs foram 19 dias, pelo menos 10

matérias e, destas, seis manchetes. Com exceção do enunciado do dia 17 (“Estado

oferece 5% de reajuste a professor e muda aposentadoria”), que mostrava o governo

na mesa das negociações, todos os outros evidenciaram exclusivamente o movimento

dos servidores: professores param, PMs saem às ruas, PMs rejeitam aumento, PMs

farão vigília, PMs iniciam vigília, PMs mantêm vigília, policiais civis aderem à luta

dos PMs e ameaçam greve, PMs impedem abastecimento, professores iniciam

greve. Note-se a espetacularização do assunto, considerado pelo sujeito-CP como o

acontecimento jornalístico com mais atributos para a noticiabilidade. Explica

Charaudeau (2006b, p.295) que, não raro, o discurso midiático coloca a instância cidadã

em posição esquizofrênica, “seria desejado que se exprimisse racionalmente, mas só

suas emoções são solicitadas”. As mídias incitam a instância cidadã à impaciência:

Ao selecionar as notícias em função do que é julgado mais evidente na atualidade, interpelando os políticos e destacando sua impotência ou sua procrastinação, elas incentivam a instância cidadã a pedir resultados com urgência, ao passo que se sabe que o tempo da ação política e jurídica não é o das mídias, que trabalham com efêmero (CHARAUDEAU, 2006b, p.295).

Percebe-se, a partir daí, a “campanha” do sujeito-CP em dar visibilidade à

pressão dos servidores e à paralisação do governo, que foi silenciado, distanciado do

debate. Até sua proposta de escalonamento salarial e de anistia, que pôs fim à vigília

dos PMs, passou à margem da manchete de capa (“PMs garantem reajuste e acabam

vigília; magistério decide amanhã”) e do antetítulo/título da B1 (“REAJUSTE

ESCALONA E ANISTIA/Acordo encerra vigília de PMs”) em 4 de abril. Note que são

dois momentos distintos de produção de sentido de uma mesma notícia. Com o

apagamento do governo no primeiro enunciado, o sujeito-CP dá aos PMs e,

conseqüentemente, aos professores, uma autoridade que não é própria do lugar social

que eles ocupam. O Aurélio (Ferreira, 1999) registra a palavra garantir para se referir

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àquele que pode responsabilizar-se por, afiançar, abonar. Pelo enunciado da capa

pressupõe-se que os PMs, numa decisão soberana, decidiram reajustar seus próprios

vencimentos e o magistério, decide (reajustar ou não) no dia seguinte. Ora, mas se

tinham esse poder por que estavam em vigília? Teriam eles, efetivamente, poder para

garantir, abonar, afiançar o reajuste de seus salários, como faz o poder Legislativo?

Não. Policiais e professores são grupos sindicalizados, e cabe ao sindicato, conforme

Art. 8º, incisos III e VI da Constituição Federal, “a defesa dos direitos e interesses

coletivos ou individuais da categoria” e participar das negociações coletivas de trabalho.

Portanto, nem PMs nem professores garantem reajuste, negociam. Quem pode

garantir, ainda dependendo da aprovação da Assembléia Legislativa, é o Governo do

Estado. A palavra garantem está sobre outra palavra, outro significado, um não-dito

que reclama no sujeito-leitor-eleitor outros sentidos. Já a manchete da página B1

(“Acordo encerra vigília de PMs”) recoloca os PMs no lugar socialmente estabilizado

de categoria sindical, mas ainda silencia o outro lado (governo) da negociação, como na

capa. Embora, neste caso, com o acordo fica implícita a concordância, a combinação

entre partes.

Vale ressaltar que, três dias antes dessa manchete, em 1 de abril, o sujeito-CP

veiculou a mídia institucional que discutimos no início deste capítulo (ver A vontade de

um perfil). A peça publicitária comparava duas capas do próprio sujeito-CP: uma

veiculada em 7 de setembro de 1999 (no segundo governo de Maranhão) e outra

recentemente, em 29 de março de 2006 (governo de Cássio). Recordemos o que diziam

os enunciados de cada uma

a) 1999 – “PMs decidem fazer greve e Governo diz que punirá”

b) 2006 – “Policiais civis aderem à luta dos PMs por reajuste e ameaçam

greve”

Embora se perceba no enunciado institucional (“Governantes passam. Fica o

nosso compromisso com a verdade”) uma vontade do sujeito-CP em ratificar sua

formação discursiva compromissada com a imparcialidade e com a verdade,

independente do governante, pelos enunciados das capas da publicidade escapam outros

sentidos, como discutimos no início deste capítulo. Em 1999 existe um governo forte,

que pune, em 2006 o governo é omisso, conforme regularidade discursiva presente em 9

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de pelo menos 10 enunciados entre os dias 17 de março e 4 de abril, espetacularizados

pelo sujeito-CP.

Até este momento, a abordagem analítica foi apresentada em três etapas. Na

primeira, definimos o ethos do sujeito-CP através de enunciados oficiais. Na segunda,

acompanhamos o percurso discursivo das pesquisas contratadas e das veiculadas, e de

outras não-contratadas. Na terceira etapa, fizemos o recorte acima que, através das

estratégias discursivas do sujeito-CP, consistia em desenhar a imagem do governo pela

sua atuação em problemas nas áreas de educação e segurança. Agora, partimos para a

quarta etapa desta análise, empenhada em verificar como se manifesta o discurso do

sujeito Roberto Cavalcanti, proprietário do Sistema Correio de Comunicação, enquanto

empresário e senador.

Já foi dito que o lugar do sujeito é vazio, até que alguém com status e

competência devidos possa ocupá-lo. Quando dizemos isso, estamos nos referindo aos

lugares sociais estabilizados, de onde o sujeito obtém os discursos legitimados. Vejamos

abaixo o título/texto de capa publicado em 26 de abril de 2006:

Roberto Cavalcanti recebe homenagem da Gazeta Mercantil

Roberto Cavalcanti recebeu, ontem, em São Paulo, o título de

empresário setorial de “Comunicação” no País, pela segunda vez consecutiva. O prêmio foi concedido pela Gazeta Mercantil. “Este é um trabalho que na verdade premia uma equipe”, disse.

O texto deixa evidente que se trata do sujeito empresário, marcado por um

discurso próprio de quem ocupa este lugar social e atribui uma conquista ao empenho

de seus funcionários. Agora, passemos ao dia 2 de agosto. Na capa do sujeito-CP, a

chamada: “Roberto Cavalcanti toma posse no senado”. Trata-se de um momento em

que o empresário passa a ocupar outro lugar, o de senador da República. Vejamos o

título/sub-título/texto na página A2:

Roberto Cavalcanti é empossado em Brasília Senador assume vaga de Maranhão e diz que tentará servir à PB com persistência de nordestino

O empresário Roberto Cavalcanti Ribeiro (PRB) tomou posse, ontem,

no cargo de senador da República. Ele ocupou a vaga do senador José Maranhão, que licenciou-se do cargo, por 122 dias, para se empenhar na campanha pelo Governo da Paraíba.

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(...) Roberto Cavalcanti foi levado ao plenário pelos senadores Marco Maciel (PFL-PE), Marcelo Crivella (PRB-RJ), João Batista Motta (PSDB-ES) e Ney Suassuna (PMDB-PB).

Juramento Na mesa dos trabalhos, Roberto Cavalcanti fez o seguinte juramento:

“Prometo guardar a Constituição Federal e as leis do País, desempenhar fiel e legalmente o mandato de senador que o povo me conferiu. E sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. (...)

Posse prestigiada Várias personalidades paraibanas prestigiaram a posse de Roberto

Cavalcanti, a exemplo do próprio senador José Maranhão e de sua esposa, a desembargadora Fátima Bezerra; o prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho, o vereador e candidato a vice-governador Luciano Cartaxo (PT), os deputados federais Benjamin Maranhão (PMDB), Wilson Santiago (PMDB) e Ricardo Rique (PSDB); o diretor do Banco do Nordeste e ex-prefeito de Bananeiras, Augusto Bezerra; e o suplente de senador Robinson Koury (PMDB).

A esposa do senador Roberto Cavalcanti, Sandra Moura, e os filhos, Roberto Cavalcanti Filho, Beatriz e Alice Ribeiro, também participaram da solenidade de posse, assim como a jornalista Lena Guimarães, editora-geral do jornal CORREIO da Paraíba, dentre outras personalidades.

(...)

Em seu discurso, diz Cavalcanti como senador:

(...) Tentarei servir ao meu povo com modéstia da minha origem e com a

persistência do nordestino. Não abandonarei meus caminhos, minhas trilhas, minhas veredas.

Vim aqui para somar em favor do meu Estado, do Nordeste e do Brasil. Nesta ordem e sempre nela. A Paraíba é o meu barco. Ele pode ser pequeno, mas é o meu barco. Nele tenho navegado as águas que me refrescam e que me conduzem. É dele que devo cuidar.

(...)

Note que o texto registra explicitamente a mudança do lugar de empresário (“O

empresário Roberto Cavalcanti (PRB) tomou posse...”) para o do senador (“A

esposa do senador Roberto Cavalcanti...”). O discurso do líder empresarial (“Este é

um trabalho que na verdade premia uma equipe”) de 26 de abril deu lugar ao do

político (“Tentarei servir ao meu povo com modéstia da minha origem e com a

persistência do nordestino”).

Explica Foucault (2005, p.75) que

(...) em nossas sociedades (e em muitas outras, sem dúvida) a propriedade do discurso – entendida ao mesmo tempo como direito de falar, competência

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para compreender, acesso lícito e imediato ao corpus dos enunciados já formulados, capacidade, enfim, de investir esse discurso em decisões, instituições ou práticas – está reservada de fato (às vezes mesmo, de modo regulamentar) a um grupo determinado de indivíduos.

Desse modo, o discurso do senador Cavalcanti deve corresponder ao lugar

estabilizado de político, cuja palavra, para Charaudeau (2006b, p.23) se debate entre

uma verdade do dizer e uma verdade do fazer, “uma verdade da ação que se manifesta

por meio de uma palavra de decisão e uma verdade da discussão que se manifesta

mediante uma palavra de persuasão”. Ou seja, assim como a instância midiática, o

discurso político também apela para os imaginários sociais para encontrar eco nas

crenças da instância cidadã e conquistar sua adesão. Ele tenta cooptar a atenção do

sujeito-eleitor para suas verdades, que devem ser compartilhadas por toda sociedade.

Acompanhemos agora uma série de enunciados desencadeados pelo sujeito

Cavalcanti no lugar de senador:

LUGARES, SUJEITOS E DISCURSOS

Data de publicação Manchete (M)/Chamada (C)

Quinta, 10/08

SENADOR PEDE INCLUSÃO DA BACIA DE PETRÓLEO DA PB EM LICITAÇÃO DA ANP (C)

Sábado, 26/08

ALENCAR FAZ CAMPANHA COM PMDB E PROMETE LUTAR PELO PETRÓLEO DA PB (C)

Terça, 29/08

CAVALCANTI PEDE A MINISTÉRIO EXPLICAÇÃO SOBRE PETRÓLEO DA PB (C)

Sexta, 29/09 CAVALCANTI DISCUTE COM MINISTRO PETRÓLEO DA PB (C)

Quinta, 05/10 Lula atende Cavalcanti e manda ANP licitar petróleo da Paraíba (M)

Terça, 17/10

PRESIDENTE FALA PARA 35 MIL NO PARQUE DO POVOLula garante petróleo de Sousa e fábrica de biodiesel para CG

No dia 10 de agosto o sujeito-CP veicula notícia na qual o senador Cavalcanti,

com a autoridade que lhe é pertinente, pede em plenário a reavaliação da ANP (Agência

Nacional do Petróleo) sobre a não inclusão da Bacia Continental Paraíba/Pernambuco

na 8ª Rodada de Licitação de Blocos Exploratórios. Diz o texto na página A14 que

“Nós, nordestinos da Paraíba e do Pernambuco, fomos surpreendidos no início desta semana (...). A resolução nº 3, de 18 de maio, do Conselho Nacional de Política Energética publicada, no Diário Oficial da União,

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determina que a ênfase seria dada ao gás natural e ao óleo leve, que, segundo os próprios jornais e a própria ANP, é o tipo de óleo da bacia Paraíba/Pernambuco. Aí seriam incluídos 284 blocos exploratórios de 14 setores e estava excluído o bloco Paraíba/Pernambuco”.

Para Cavalcanti, que é empresário, tal atitude da agência não faz sentido, pois a inclusão dos dois estados, ou seja, mais um bloco o qual viabilizaria a exploração de petróleo da Paraíba representaria apenas 0,0035% do total da licitação, esse percentual não faria diferença para a ANP. Então deixou a pergunta: por que não incluir mais um bloco? (negrito nosso)

Sabe-se que a instância política é fundada e legitimada pela instância cidadã

através dos mecanismos democráticos para a escolha dos representantes públicos e das

leis que estabelecem controle sobre o exercício de poder. Uma das estratégias do

discurso político é convencer a instância cidadã da pertinência de seu projeto político,

de modo a agregar em torno dele o maior número de adeptos. A partir daí o sujeito

político constrói para si uma imagem pluralizada de sua singularidade, não só porque

persuadiu certo número de adeptos, mas porque quer persuadir mais. De sua

singularidade ele fala como portador do plural: “ele é a voz de todos na sua voz, ao

mesmo tempo em que se dirige a todos como se fosse apenas o porta-voz de um

Terceiro, enunciador de um ideal social” (CHARAUDEAU, 2006b, p.80). Por isso o

uso do nós no discurso político de Cavalcanti como o guia das aspirações de todos

(“fomos surpreendidos”). Tal discurso seduz pela ilusão de igualdade e ao mesmo

tempo representa o feedback daquele que foi escolhido como representante. Logo, o

discurso de Cavalcanti envolve todos, “nordestinos da Paraíba e do Pernambuco”,

com o propósito de que bacia dos dois estados seja incluída, sim, nos blocos

exploratórios da ANP.

Em determinado momento de seu discurso, Cavalcanti, que também fala como

empresário, atribui a jornais o poder da verdade de que o óleo da bacia

Paraíba/Pernambuco é leve, condição assegurada pela própria ANP. Note como o jornal

se constitui em um documento comprobatório para fortalecer o discurso de Cavalcanti

nesse processo de cooptação para sua “luta” em torno do bem social da Paraíba. “Vim

aqui para somar em favor do meu Estado, do Nordeste e do Brasil. Nesta ordem e

sempre nela. A Paraíba é o meu barco”, foram suas palavras no discurso de posse.

No dia 26 de agosto, o sujeito-CP traz a seguinte chamada de capa com foto:

“ALENCAR FAZ CAMPANHA COM PMDB E PROMETE LUTAR PELO PETRÓLEO

DA PB”. Se pusermos o enunciado da capa do dia 10 ao lado deste, perceberemos que

ambos dialogam entre si: no primeiro o “Senador [Cavalcanti] pede”, no segundo o

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vice-presidente José Alencar “promete”. No entanto, o senador Cavalcanti não aparece

na capa, nem ele nem sua solicitação são mencionados. Sob a foto, em destaque na parte

superior à esquerda, a legenda: “O vice-presidente José Alencar foi recebido, no

aeroporto, pelo candidato do PMDB, José Maranhão e aliados de campanha”.

Abaixo da legenda, o texto da chamada:

Em visita à Capital, ontem, o vice-presidente José Alencar prometeu lutar pela exploração do petróleo da região de Sousa e da costa paraibana. Ele fez campanha com o PMDB e disse que José Maranhão, que disputa o Governo da Paraíba, é o candidato do presidente Lula da Silva.

Embora o enunciado do título contenha um e separando e relacionando duas

ações (Alencar faz campanha e Alencar promete lutar) do mesmo sujeito, o contexto

material possibilita o sentido de que Alencar promete lutar pelo petróleo da PB em

campanha com o PMDB, cujo candidato José Maranhão, é candidato do presidente

Lula. A solicitação do senador Cavalcanti agora é re-significada no discurso do vice-

presidente que diz, ao lado do candidato Maranhão, na página A4: “Podem me mandar

qualquer coisa desse tipo que eu também sou paraibano”. No final do mesmo texto,

o senador que deu início à discussão sobre o tema aparece:

A inclusão da Paraíba no processo de licitação das bacias petrolíferas foi reclamada pelo senador Roberto Cavalcanti, do partido de Alencar, durante pronunciamento no Congresso Nacional.

Nos dias 29 de agosto e 29 de setembro a exploração do petróleo paraibano volta

a ser notícia no sujeito-CP, que destaca a atuação do senador Cavalcanti (“Cavalcanti

pede a Ministério explicação” e “Cavalcanti discute com ministro). No entanto, o

assunto ganha definitivamente uma conotação eleitoreira, já ensaiada na visita do vice-

presidente José Alencar ao estado, nas edições dos dias 5 e 17 de outubro do sujeito-CP.

Conotação esta que não se deu apenas pelos sentidos contidos no discurso, nem pelo

contexto e condições de emergência, mas também pela forma de expressão do sujeito-

CP.

No jornalismo impresso, as estratégias de gerenciamento de atenção dependem,

além do projeto editorial que reúne normas para produção e veiculação do material

noticioso, dos efeitos oferecidos pelos projetos gráficos, que acabam dando identidade

ao jornal pela caracterização e tamanhos de tipos, pelo posicionamento das imagens

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(fotos, gráficos e ilustrações) e pela organização do conteúdo na página. Essa

plasticidade, aliada à manifestação verbal possibilitada pelas regras de formação

discursiva, é fundamental para a produção de sentidos. Segundo Hernandes (2006),

quatro leis regem a estratégia do plano de expressão no jornalismo:

1ª – O valor de uma unidade noticiosa é proporcional ao espaço a ela

concedido. Dar mais espaço valoriza a notícia;

2ª – Tudo o que estiver na parte de cima tem mais valor do que na parte de

baixo;

3ª – A máxima valorização espacial se dá na capa ou primeira página, onde o

enunciador informa o assunto ou assuntos que considera mais importantes

na edição;

4ª – O início de uma unidade noticiosa é o espaço mais valorizado (remete à

pirâmide invertida).

Logo, se partirmos dessas observações vamos perceber como o sujeito-CP

articulou todo o conjunto de técnicas jornalísticas e discursivas para transferir o

discurso do senador Cavalcanti para o plano de campanha do candidato Maranhão.

Observemos as capas abaixo.

Senador Cavalcanti em ação: capas dos dias 10 e 29 de agosto e 29 de setembro.

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Candidato Maranhão em ação: capas dos dias 26 de agosto e 5 e 10 de outubro.

Note que o tratamento gráfico/editorial que o sujeito-CP dá ao assunto da

exploração do petróleo muda das três primeiras para as últimas capas. Nas capas onde o

senador Cavalcanti aparece como sujeito da ação, o espaço dedicado ao assunto é menor

e na parte inferior do sujeito-CP. Lembremos que o jornal é exposto e dobrado com a

parte de cima em destaque, nas bancas.

Nas demais capas, o sujeito-CP dá uma valorização maior ao assunto, sempre

em função da presença do candidato Maranhão em primeiro plano. Desse modo e

“sorrateiramente”, a exploração petrolífera da bacia paraibana, reivindicação

parlamentar do senador Cavalcanti, passa a ser atrelada à imagem/campanha do

candidato Maranhão. Até na capa que traz o enunciado “Lula atende Cavalcanti e

manda ANP licitar petróleo da Paraíba” a estratégica gráfica leva o sujeito-leitor-

eleitor a entender que Lula atende Maranhão, pois abaixo da manchete uma foto que

trata de outra notícia (“Presidente acerta comícios em JP, Campina e Patos”) mostra

Lula atendendo Maranhão e bancada aliada da campanha, com o senador Cavalcanti

deslocado, desfocado, no “sumidouro” do canto esquerdo da imagem (ver reprodução

abaixo). As estratégias jornalísticas de gerenciamento de atenção adotadas pelo sujeito-

CP estão além da materialidade lingüística. Elas contam com um suporte

gráfico/editorial que, aliado ao discurso, são mais “eficientes” na produção de sentido

no sujeito-leitor-eleitor.

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Embora a manchete chame atenção para o fato de Lula atender Cavalcanti,

no plano central e foco da foto Lula está atendendo Maranhão.

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Considerações

Pretensamente, ainda pensamos em colocar aí em cima o título “Conclusão”,

tomados pela ilusão de que podemos concluir, quando apenas colocamos um ponto de

descanso sobre as tarefas. Este ponto tem dois significados: um, de alívio, por se chegar

a um determinado lugar estabelecido como meta e outro, de inquietação, por estar certo

de que toda enunciação é lacunar.

Nós, sujeito humanos e sociais, somos um tabuleiro permanente de lacunas.

Sempre a buscar, incessantemente a buscar. Por mais que “selecionemos” o que nos

interessa no turbulento mar de informação a perder de vista, nunca estaremos satisfeitos.

Talvez, ao contrário, fiquemos desfeitos, cada vez mais fragmentados, afetados por

todos esses signos e ofertas variadas de realidades sustentadas por discursos

estabilizados, autorizados, verdadeiros; disseminados por uma mídia que necessita de

audiência, impõe verdades e constrói uma realidade própria.

O conjunto de matérias publicado pela mídia diariamente tem a pretensão de

representar o “real” metabolismo da vida cotidiana, mas o que representa, de fato, é a

exclusão de vários outros acontecimentos que compõem o processo de desenvolvimento

da história do sujeito. Ao aprisionar certos acontecimentos a um “real” de ordem

imaginária, a mídia produz sentidos “naturalizados” aliados a uma rede de filiações

(ética, verdade, lealdade, honestidade, etc.) discursivas sociais já cristalizadas. O relato

dos acontecimentos resulta da produção de leituras singulares motivada por interesses

escusos que têm como objetivo agendar e organizar o conhecimento do leitor.

A mídia tanto busca credibilidade (exibição) como cooptação (espetáculo). O

primeiro dá suporte ao segundo. Quando o sujeito-CP materializa seu ethos,

principalmente em discursos oficiais, na insistente condição de portador da verdade e da

ética, ele efetua a blindagem de seu noticiário contra qualquer suspeita e apaga, pelas

“evidências” da apuração e produção jornalísticas, dúvidas sobre suas vontades de

verdades que são diariamente levadas às mãos do sujeito-leitor-eleitor. O ethos,

teoricamente, camufla a inconsistência (caso da reportagem “MENDIGAR VIRA

‘NEGÓCIO’ COM RENDA MAIOR QUE A DE PROFESSOR”) e a incoerência (caso da

matéria “PMs garantem reajuste e acabam vigília; magistério decide amanhã”).

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Nas edições analisadas constatamos que, pelo poder que tem de controlar a

maneira de mostrar e de escolher o que mostrar, não apenas do ponto de vista

discursivo, mas considerando-se o conjunto gráfico-editorial, o sujeito-CP agenda as

preocupações de ordem política do sujeito-leitor-eleitor. De modo que, a partir do

tratamento estratégico dispensado às manchetes, sub-manchetes e chamadas de primeira

página se possa pensar e refletir sobre certos assuntos de determinada forma e não de

outra.

Através de pesquisas de opinião pública, independente de terem sido ou não

contratadas pelo Sistema Correio de Comunicação, o sujeito-CP ratifica pelo discurso

verdadeiro dos institutos a sua vontade de verdade de que o sujeito-candidato-oposição

é imbatível. Embora em alguns casos as pesquisas mostrem empate técnico ou

acentuada queda na diferença entre Cássio e Maranhão, para o sujeito-CP, Maranhão é

“sempre” líder. A instauração do tempo próprio da publicação inscrito na palavra

“hoje” da pergunta estimulada (“Se a eleição para governador da Paraíba fosse hoje,

em qual desses candidatos o(a) Sr.(a) votaria?”) atualiza até pesquisa realizada há 19

dias, como se naquele momento a opinião pública fosse aquela.

Ao subtrair o governo da mesa de negociações com servidores nos enunciados

de capa publicados em série, o sujeito-CP produziu sentidos de apatia e omissão da

gestão atual, sugerindo um desinteresse administrativo às áreas de educação e

segurança. Nesse período, coincidentemente a diferença pró-Maranhão subiu de 10,1%

para 12,25%, da 4ª para a 5ª pesquisas da Consult.

A neutralidade, a imparcialidade e o compromisso com a verdade, alardeados

pelo sujeito-CP, quer seja sobre o amparo das técnicas jornalísticas ou dos princípios

éticos, pertencem ao domínio das aparências – melhor: das estratégias discursivas. Mas,

embora esta análise foque o discurso como principal responsável pela produção de

sentidos, os recursos gráficos usados na edição de uma página devem ser também

considerados para a busca de resultados dessa empreitada. Exemplo notório deste caso é

o jogo gráfico/discursivo em que o sujeito-CP “transfere” as reivindicações do senador

Cavalcanti sobre a exploração do petróleo na Paraíba para a campanha do candidato

Maranhão.

A cada análise realizada, descobrimos que o sujeito-CP, estrategicamente,

beneficiou o candidato Maranhão, se apoiando em verdades construídas, criadas,

inventadas com determinados propósitos, frutos de uma articulação discursiva própria

para se obter certos resultados políticos. Mas tal observação não esgota outras

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possibilidades de discussões, outros debates que conjuguem o papel da imprensa na

formação sociopolítica do sujeito na sociedade. Desde que partamos sempre da idéia de

que a linguagem não é neutra, inocente.

Enfim, com este trabalho em torno do jogo de relações de poder marcado pelos

discursos jornalísticos pretensamente “imparciais” e pelas imposições das vontades de

verdades, cremos contribuir para uma leitura mais crítica dos discursos midiáticos. Esta

análise é uma palavra continuada, uma palavra a ser continuada; um sopro inquietante

em redemoinho sobre a poeira inerte que encobre os objetos discursivos, permitindo

outros brilhos, ângulos e cores escondidos atrás das palavras do cotidiano.

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Anexos

Discursos institucionais Publicidade veiculada no dia 1 de abril de 2006, na página A2. Abaixo, slogan “Jornalismo com ética e paixão”, que circula diariamente nas capas do jornal.

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Pesquisas: primeira contratada à Consult Publicada entre os dias 13 e 17 de dezembro, com destaque para a frase da pergunta estimulada nos levantamentos para Governo do Estado.

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Pesquisas: segunda e terceira contratadas à Consult Publicadas respectivamente nos dias. 22, 24 e 28 de janeiro e 19 e 21 de fevereiro de 2006.

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Pesquisas: quarta, quinta e sexta contratadas à Consult Publicadas respectivamente nos dias. 27 de março, 2 e 4 de maio e 13 de junho de 2006.

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Pesquisas: outros institutos Contratada pela CUT, a primeira foi publicada em 24 de agosto; a segunda, saiu no dia 2 de setembro, se antecipando à publicação da revista que circulou com a data de 6 de setembro com uma “orelha” exclusiva para Paraíba (destaque abaixo). A outra foi veiculada no dia 22 de setembro.

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Pesquisas: outros institutos Primeira capa, pesquisa da IstoÉ publicada em 29 de setembro; a outra, no dia 1 de outubro, dia da eleição do primeiro turno, o jornal publicou três pesquisas; no dia 25 seguinte, publicou a segunda pesquisa da Índice; no dia 28, a outra pesquisa da Índice. Os outros anexos se referem às publicações dos dias 19 de fevereiro e 3 de setembro de 2006 do Jornal da Paraíba. O último anexo trata da pesquisa da Consult publicada no dia 22 de agosto, pelo jornal O Norte.

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Além das pesquisas: educação Manchetes dos dias 17, 18 e 19 de março. Os demais anexos se referem à matéria do dia 19.

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Além das pesquisas: segurança Manchetes dos dias 23, 27, 28 29 e 30 de março e 1 e 4 de abril.