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AGENDA BRASILEIRA TEMAS DE UMA SOCIEDADE EM MUDANçA André Botelho Lilia Moritz Schwarcz [ORGANIZADORES]

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copyright © 2011 by os autorescopyright © 2011 by os organizadores

grafia atualizada segundo o acordo ortográfico da língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no brasil em 2009.

Projeto gráfico

warrakloureiro

foto de caPa

josé medeiros / acervo instituto moreira salles. rio de janeiro, brasil, c. 1945.

Pesquisa iconográfica

Vladimir sachetta

PreParação

cecília ramos

reVisão

márcia mouraana maria barbosa

[2011]todos os direitos desta edição reservados àeditora schwarcz ltda.

rua bandeira Paulista 702 cj. 3204532-002 — são Paulo — sP

telefone: [11] 3707 3500fax: [11] 3707 3501www.companhiadasletras.com.brwww.blogdacompanhia.com.br

dados internacionais de catalogação na Publicação (ciP) (câmara brasileira do livro, sP, brasil)

agenda brasileira : temas de uma sociedade em mudança / andré botelho, lilia moritz schwarcz (orgs.). — são Paulo : companhia das letras, 2011.

Vários autores.isbn 978-85-359-1874-8

1. ensaios brasileiros 2. historiografia 3. identidade nacional — brasil 4. sociologia i. botelho, andré. ii. schwarcz, lilia moritz.

11-04523 cdd-301.0981

Índice para catálogo sistemático:1. brasil: sociedade: ensaios 301.0981

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sumário

Introdução — Um país de muitas faces 10andré botelho e lilia moritz schwarcz

Imagens da África no Brasil 18Valdemir zamparoni

Amazônia: povos tradicionais e luta por direitos 30neide esterci

Arte e classicismo no Brasil: criando paisagens e relendo tradições 42luciano migliaccio

Arte contemporânea brasileira: multiplicidade poética e inserção internacional 56luiz camillo osorio

Campo e cidade: veredas do Brasil moderno 68nísia trindade lima

É carnaval! 80maria laura Viveiros de castro cavalcanti

O lugar do centro e da periferia 92bernardo ricupero

Cidadania e direitos 102maria alice rezende de carvalho

Ciência & Tecnologia no Brasil: um tema sempre atual 110silvia figueirôa

Cinema brasileiro contemporâneo: pensar a conjuntura e viver impasses na sociedade do espetáculo 122ismail Xavier

Culturas populares: patrimônio e autenticidade 134josé reginaldo santos gonçalves

Democracia: origens e presença no pensamento brasileiro 142bolívar lamounier

Desenvolvimento e subdesenvolvimento no Brasil 154luiz carlos bresser-Pereira

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Desigualdade e diversidade: os sentidos contrários da ação 166antonio sérgio alfredo guimarães

Educação no Brasil 176dalila andrade oliveira

Estado e sociedade: uma relação problemática 188brasilio sallum jr.

Ficção brasileira 2.0 202wander melo miranda

Futebol, metáfora da vida 214eduardo gonçalves andrade, tostão

Gênero, ou a pulseira de Joaquim Nabuco 224mariza correa

Homossexualidade e movimento lgbt: estigma, diversidade, cidadania 234júlio assis simões

Iberismo e americanismo 246luiz werneck Vianna e fernando Perlatto

Identidade nacional: construindo a brasilidade 256ruben george oliven

A imprensa brasileira: seu tempo, seu lugar e sua liberdade — e a ideia que (mal) fazemos dela 266eugênio bucci

Índios como tema do pensamento social no Brasil 278manuela carneiro da cunha

Indústria cultural: da era do rádio à era da informática no Brasil 292marcelo ridenti

Intelectuais: perfil de grupo e esboço de definição 302fernando antonio Pinheiro filho

Internet e inclusão digital: apropriando e traduzindo tecnologias 314hermano Vianna

Justiça e direitos: a construção da igualdade 324maria tereza aina sadek

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Mandonismo, coronelismo, clientelismo, República 334josé murilo de carvalho

Meio ambiente no Brasil 344fabio feldmann

Militarismo, República e nação 354celso castro

Música popular brasileira: outras conversas sobre os jeitos do Brasil 364heloisa maria murgel starling

Partidos políticos no Brasil 376jairo nicolau

Patrimônio: história e memória como reivindicação e recurso 390silvana rubino

Periferia: favela, beco, viela 400celso athayde

Poesia no Brasil: funciona 408eucanaã ferraz

Público e privado no pensamento social brasileiro 418andré botelho

Racismo no Brasil: quando inclusão combina com exclusão 430lilia moritz schwarcz

Região e nação: velhos e novos dilemas 444elide rugai bastos

A inserção do Brasil no mundo 458rubens ricupero

Religiões no Brasil 470antônio flávio Pierucci

Saúde pública ou os males do Brasil são 480gilberto hochman

Segurança pública: dimensão essencial do Estado Democrático de Direito 492luiz eduardo soares

Teatro brasileiro: uma longa história e alguns focos 504j. guinsburg e rosangela Patriota

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Telenovela em três tempos 518esther hamburger

Trabalho e trabalhadores: organização e lutas sociais 530josé ricardo ramalho

Metamorfoses da velhice 542guita grin debert

Violência e crime: sob o domínio do medo na sociedade brasileira 554sergio adorno

os autores 567créditos das imagens 579

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um PaÍs de muitas faces andré botelho e lilia moritz schwarcz

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No ano de 2009, organizamos uma obra coletiva sobre os prin-cipais intérpretes do Brasil, que resultou no livro Um enigma chamado Brasil. Naquela ocasião, nosso objetivo era mostrar, apoiados nas pesquisas de uma série de colegas sobre diferen-tes intelectuais brasileiros, como havia uma produção consis-tente nessa área e como o país sempre gerou textos provocati-vos e densos sobre si mesmo. Constatamos, ao final, como um certo movimento pendular levava não só ao enaltecimento e à procura contínua por “identidades”, que definiam a nação a partir de uma suposta singularidade — a mestiçagem, a passi-vidade, o abuso da esfera do privado —, mas também à conde-nação e mesmo à detração diante de um destino que insistia em não vingar. Foram 29 intelectuais analisados, num esforço de grupo por levantar nomes fundamentais desse acervo vivo, sempre que lido e acionado no dia a dia.

No entanto, já naquele contexto, fomos nos convencendo da importância de um livro que pudesse complementar o pri-meiro, a partir de outro tipo de recorte: a ideia agora não é seguir intelectuais, mas antes temas da nossa agenda nacio-nal; não tanto as teorias, mas as práticas, assuntos e questões que vêm contribuindo para desenhar projetos de nacionalida-de, intencionais ou não. O livro que o leitor tem em mãos apre-senta, assim, alguns dos temas intelectuais, mas também cul-turais, sociais, econômicos e políticos, mais recorrentes na agenda brasileira de discussão e ação, bem como outros que vêm ganhando atenção apenas mais recentemente. A intenção, também desta vez, não é esgotar possibilidades, mas animar o debate e mapear um repertório de questões que vêm interpe-lando nossa realidade, de maneira por vezes constante ou ape-nas atual. Se os dois livros são complementares, eles, porém, não se repetem, a despeito, inclusive, de alguns autores esta-rem presentes em ambas as obras e de referências a alguns intérpretes do Brasil reaparecerem em vários momentos.

O recorte por temas, que aqui apresentamos, traz a vanta-gem, paralela e complementar, de abrir a discussão para além

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do registro biográfico da apresentação autoral. Naturalmente, se a referência aos autores que tomaram parte dos debates so-bre os diversos assuntos selecionados torna-se facultativa, neste tipo de recorte, isso não significa que as interpretações possam existir acima das relações sociais, ou independentes de seus portadores sociais — sejam eles acadêmicos, intelectuais públi-cos, artistas, militantes ou outros atores sociais. No lugar de acompanhar o desenvolvimento ao longo do tempo de uma de-terminada interpretação, a abordagem temática permite que se cruzem mais livremente várias interpretações, intérpretes e contextos. As questões se comunicam e se alimentam direta-mente entre si. Se cada um dos verbetes ilumina um mundo e um objeto particulares, será fácil notar como eles se adicionam, complementam e tensionam.

Mas o motivo final que nos levou a organizar um livro como este é o desejo de que o interesse pelo conhecimento do país e do mundo social, com o qual ele se relaciona e que ajuda a dar forma, torne-se ainda mais atraente para o leitor não especiali-zado, e que ecoe para além das salas de aulas dos colégios e universidades. Por isso reunimos aqui acadêmicos e especialistas que vêm lidando, analisando e atuando nos temas que previa-mente selecionamos.

Não cabe, nesta introdução, fazer um comentário pormenori-zado sobre os temas escolhidos — uma vez que um levantamento como esse é sempre infindo e sujeito a novos rearranjos —, mas sim situar o leitor em relação a nossas opções. Depois de muito discutir, e após chegarmos a uma lista final, acabamos (vencidos pelas evidências) convencidos de que a melhor forma de apresen-tação seria pela (velha e tradicional) ordem alfabética. Essa for-ma de organização lembra, de certa maneira, a de um dicionário convencional, e justamente um dos sentidos que entrevemos no livro é o de consulta e referência sobre os assuntos que compõem a agenda intelectual, cultural e política brasileira contemporâ-nea. Mas essa organização não é obrigatória e nem há entre os verbetes uma solução de continuidade: várias leituras, em dife-

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rentes ordens, são não apenas possíveis como recomendáveis. Ler o livro dessa maneira certamente resultará em perspectivas e visões de conjunto em tudo diversas. Por exemplo, ao ler nesta ordem os artigos sobre “Estado e sociedade”, “Violência” e “Se-gurança pública”, o leitor partirá de um tema mais abrangente para ganhar uma visão de conjunto dos diferentes aspectos in-terligados. O mesmo ocorre com os verbetes acerca de teatro, poesia, música popular, artes plásticas, televisão e futebol no Brasil: lidos separadamente, eles iluminam universos particula-res; já em conjunto, anunciam um panorama dialogado. E o que dizer de temas como gênero, racismo, movimento lgbt ou velhi-ce, que revelam um debate tenso sobre questões, novamente, da identidade nacional? O que estamos sugerindo, em suma, é que há uma interconexão de sentido entre os temas e uma intertex-tualidade entre os artigos que podem e devem ser exploradas pelos leitores. O livro, nesse sentido, é um campo aberto, e cabe a cada um experimentar novas possibilidades.

Ainda assim, vale a pena mencionar que, quando organizá-vamos esta Agenda, chegamos a dispor os temas em diferentes grupos de afinidade. Nesse sentido, destaca-se um primeiro sub-conjunto voltado para o que se poderia denominar de “povo bra-sileiro”. De um lado, estariam os assim chamados “brasileiros” (e não só eles, claro): ameríndios, afro-brasileiros, povos amazô-nicos. De outro, pautas que recobrem a expressão “marcadores sociais das diferenças” em questões como desigualdade e diver-sidade, racismo, gênero, envelhecimento, dentre outros temas que compõem esse subconjunto. Outro ainda é formado por ver-betes que investigam a fundo a sociedade brasileira, decompon-do-a em questões como, por exemplo, identidade nacional, cam-po e cidade, região e nação, violência e religiões. Um terceiro subgrupo volta-se diretamente para as relações entre o Brasil e o mundo: centro e periferia, desenvolvimento e subdesenvolvi-mento, relações internacionais são alguns dos temas que lhe dão forma. As mudanças e transformações verificadas na sociedade brasileira, flagradas da ótica de alguns dos seus atores coletivos

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mais emblemáticos, são tratadas em temas como cidadania, trabalho e trabalhadores, movimentos ecológicos, movimento lgbt e periferia, entre outros. O Estado brasileiro, suas políti-cas públicas e a competição política aparecem em artigos so-bre Estado e sociedade, partidos políticos, justiça e direitos, militarismo, democracia, segurança pública, ciência e tecno-logia, saúde pública e educação, entre outros. Culturas polí-ticas e sociabilidades representam outro subconjunto, forma-do por temas como público e privado, iberismo e americanismo, mandonismo, coronelismo e clientelismo, carnaval, futebol, telenovelas, imprensa e inclusão digital. Por fim, vale desta-car o núcleo temático que recupera os movimentos culturais e a cultura contemporânea, e reúne assuntos como intelec-tuais, indústria cultural, culturas populares, patrimônio his-tórico, teatro e dramaturgia, música popular brasileira, lite-ratura, poesia e cinema contemporâneos, e artes plásticas clássicas e contemporâneas.

Como se pode notar, temos aqui um cardápio amplo, criado por interlocutores que partem de diferentes arenas de atuação: professores, profissionais de diversas áreas, militantes, políti-cos e agentes sociais garantem perspectivas, problemas e pon-tos de vista variados. Certamente a reunião e divisão dos te-mas em subconjuntos, experimentada acima, não se pretende exaustiva ou derradeira. Além disso, e mais uma vez, a organi-zação pretende ser apenas analítica, e não substantiva. Gosta-ríamos, sobretudo, de sugerir uma compreensão de conjunto dinâmica, como dinâmicos são os processos, os fenômenos, as relações e as ações compreendidas em qualquer um dos verbe-tes que compõem este livro. Sua riqueza e complexidade não permitem, enfim, que sejam ordeiramente arrumados e classi-ficados em compartimentos estanques.

Vimos falando nesta apresentação de uma “agenda con-temporânea”, e isso pode parecer estranho ao percorrer o índi-ce do livro e as páginas que se seguem, uma vez que os en-saios aqui reunidos, de maneira geral, não se detêm apenas no

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que está ocorrendo hoje na sociedade brasileira; e tampouco se propõem a dar conta de todas as questões emergentes neste mo-mento. Na verdade, ora se voltam a assuntos que, talvez, alguns suspeitassem há muito encerrados no nosso passado; ora se de-bruçam sobre temáticas quiçá consideradas periféricas. A expli-cação para essa aparente contradição é de ordem teórico-meto-dológica. Trata-se, em poucas palavras, do desafio de unir a abordagem sincrônica, que procura dar conta de um momento específico da sociedade, e a abordagem diacrônica, que o apre-senta em relações comparativas ao longo do tempo. Dessa ma-neira, cruzando essas duas abordagens pretendemos provocar, no sentido de vislumbrar em cada um dos diferentes artigos que compõem o livro, bem como na totalidade formada por eles, uma visão a um só tempo de conjunto (e extensão) e em pers-pectiva (e profundidade) de uma agenda contemporânea brasi-leira. Pretendemos chamar a atenção, basicamente, para o fato de que o presente em que todos nós nos encontramos ainda oculta processos de durações mais longas, às vezes longuíssi-mas, e que sem conhecê-los ficará cada vez mais difícil aceitar o desafio de refletir sobre quem somos, como atuamos, o que construímos e para onde vamos. O fato é que o presente está repleto de passado e vice-versa. Será fácil notar como perguntas que incendeiam a imaginação e alimentam os projetos e as cria-ções concorrentes de artistas, intelectuais, políticos e do cida-dão imerso em seu cotidiano fazem, há muito tempo, parte de um movimento de maior abrangência e duração. País de extre-mos, e marcado por ciclos que preveem inclusão, mas igualmen-te larga e sistemática exclusão social, o Brasil é também uma nação que prima pela originalidade e criatividade, que não se limita à esfera cultural. A reflexão do passado ajuda a entender como por aqui sempre se negociam sentidos, constantemente se traduzem e adaptam realidades e práticas vindas de fora, assim como se criam modelos, que passam a ser exportados em nome de uma certa originalidade “tropical”.

Vivemos um momento de incríveis mudanças na sociedade

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brasileira, associadas a processos internos e também globais de diferentes ordens, que fazem parte da experiência cotidia-na de todos nós, e nela ganham sentido. Talvez seja por isso que não poucos começam a comparar o momento atual com os anos 1950, os chamados anos desenvolvimentistas, já que, vis-tos sob os olhos de hoje, eles permanecem nos interpelando. Mas não apenas por suas promessas ainda inconclusas, como em geral se afirma. Também porque a década de 1950 nos alerta criticamente para o risco de que, mesmo cumprida, a modernização possa não se traduzir diretamente em moderni-dade e emancipação.

Por outro lado, internacionalmente o país nunca esteve em tanta evidência e com repercussões tão positivas. Considerado parte dos países bric — junto com China e Índia —, o Brasil, que há muito chama a atenção por suas manifestações cultu-rais e pela miscigenação, que de biológica vira cultural, agora parece interessar por conta de seu processo democrático, de seu desempenho econômico, de sua originalidade e vigor cul-tural. Maior país da cristandade, gigante territorial e político — vide seu imenso e pacífico processo eleitoral —, somos tam-bém um dos campeões da desigualdade social e da violência. Por isso, mais do que uma visão evolutiva, o conjunto dos arti-gos, como o leitor perceberá, mostra a complexidade do pano-rama, a tensão que anima e torna dinâmicos os seus extremos.

Talvez se possa dizer, portanto, que a questão que se inscre-ve no coração deste livro seja mesmo a da mudança social, em seus vários aspectos e manifestações — econômicos, políticos, culturais, intelectuais, estéticos, nas sociabilidades, mas tam-bém nas suas continuidades e recorrências. É certo que cada geração tende a acentuar o caráter radicalmente diferente da sua era de mudança. Nenhuma surpresa quanto a isso, afinal, como há muito se sabe, essa é uma das estratégias mais eficien-tes e recorrentes sempre que uma “nova geração” busca afir-mar-se. O crítico Sílvio Romero, por exemplo, nos idos de 1870, chamava de “um bando de ideias novas” aos receituários de

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sua geração, e condenava os românticos a meros metafísicos, alheios à realidade. Por outro lado, estudando o fenômeno rela-tivamente à reação dos jovens naturalistas ao romantismo, Ma-chado de Assis já aconselhava, no conto “A nova geração”, a pro-curar divisar na “chasqueia” a inevitável continuidade, posto que nem mesmo “a extinção de um grande movimento literário não importa a condenação formal e absoluta de tudo o que ele afir-mou; alguma coisa entra e fica de pecúlio do espírito humano”. A ponderação realista de que continuidades e rupturas absolutas só são possíveis de fato no plano da metafísica não parece ter sido muito acatada entre nós, afinal prevalece ainda a impressão — nem sempre ingênua — de que nossa vida intelectual, como observou Roberto Schwarz no ensaio “Nacional por subtração”, esteja sempre recomeçando do zero, a cada nova geração.

Assim, se é plausível falar de uma pulverização de certezas tradicionais quanto à mudança social no mundo contemporâ-neo, não deixa de ser ingênuo supor que a mudança implica, necessária e simplesmente, o desaparecimento de processos constitutivos da sociedade brasileira. A mudança por certo com-preende novos arranjos das relações e ações sociais em curso, delimitadas pelos processos de que fazem parte. No entanto, também permite e suscita uma relação entre a sociedade que temos e outras sociedades alternativas a ela, assim como certo rearranjo com o passado — que insiste em estar presente. Nada mais oportuno, para tanto, do que começarmos a perseguir os fios que nos têm ligado ao longo do tempo, suas formas corres-pondentes de sentir e pensar o Brasil e de nele atuar. A visão de conjunto e de processo que o nosso presente oculta constitui, em suma, condição para que se possa até mesmo qualificar a imaginação social para a busca de novos Brasis. Numa época de mudanças aceleradas, olhar para nós mesmos pode parecer um gesto nostálgico, mas também um exercício crítico de autorre-flexão e cidadania. Longe de essencializar temas e mostrar que “sempre fomos assim”, vale encarar o desafio de olhar e estra-nhar; observar e reconhecer; notar e reivindicar mudanças.

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