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antropologia

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1CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

MÓDULO 3

CULTURAS E HISTÓRIADOS POVOS INDÍGENAS

Reconhecendo preconceitossobre os povos indígenas

Vanderléia Paes Leite MussiAntonio H. Aguilera Urquiza

Vera Lucia F. Vargas

Campo Grande, MS2010

COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA • UFMS2

PRESIDENTE DA REPÚBLICALuiz Inácio Lula da Silva

MINISTRO DA EDUCAÇÃOFernando Haddad

SECRETÁRIO EXECUTIVOJairo Jorge

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADEAndré Lázaro

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIACarlos Eduardo Bielschowsky

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

REITORACélia Maria da Silva Oliveira

VICE-REITORJoão Ricardo Filgueiras Tognini

COORDENADORA DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA - UFMSCOORDENADORA DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS

Angela Maria Zanon

COORDENADOR ADJUNTO DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMSJoão Ricardo Viola dos Santos

COORDENADOR DO CURSO DE CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENASAntonio Hilario Aguilera Urquiza

CÂMARA EDITORIAL

SÉRIE

Angela Maria ZanonDario de Oliveira Lima FilhoDamaris Pereira Santana LimaJacira Helena do Valle Pereira

Magda Cristina Junqueira Godinho Mongelli

Obra aprovada pelo Conselho Editorial da UFMS

CONSELHO EDITORIAL UFMS

Dercir Pedro de Oliveira (Presidente)Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento

Claudete Cameschi de SouzaEdgar Aparecido da Costa.

Edgar Cézar NolascoElcia Esnarriaga de Arruda

Gilberto MaiaJosé Francisco Ferrari

Maria Rita MarquesMaria Tereza Ferreira Duenhas Monreal

Rosana Cristina Zanelatto SantosSonia Regina JuradoYnes da Silva Felix

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Coordenadoria de Biblioteca Central – UFMS, Campo Grande, MS, Brasil)

Mussi, Vanderléia Paes LeiteM989c Culturas e história dos povos indígenas, módulo 3 : reconhecendo

preconceitos sobre os povos indígenas / Vanderléia Paes Leite Mussi,Antonio H. Aguilera Urquiza, Vera Lucia F. Vargas.— Campo Grande,MS : Ed. UFMS, 2010.

58 p. : il. ; 30 cm.

ISBN 978-85-7613-289-9

1. Ensino a distância. 2. Professores – Formação. 3. Educação multicultural. 4. Nativos – Brasil – História I.Urquiza, Antonio H.Aguilera. II. Vargas, Vera Lucia F. III. Título.

CDD (22) 371.3944

3CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

SUMÁRIO

Apresentação _____________________________________________________ 5

CAPÍTULO I

As Sociodiversidades Indígenas no Brasil___________________________ 9

História: lições do passado – depois de 1500... _________________________ 9

A outra visão do contato ___________________________________________ 13

CAPÍTULO II

Visão da Literatura ______________________________________________ 15

A explicação na visão do contato ___________________________________ 15

Literatura: lições dos mitos _________________________________________ 18

Literatura: versão dos mitos indígenas

- a explicação do Ritual do Kuarup __________________________________ 23

CAPÍTULO III

Imaginário do Índio Amazônico___________________________________ 31

CAPÍTULO IV

Desconstrução de Discursos:

Entendimento do Etnocentrismo em Antropologia __________________ 35

CAPÍTULO V

Povos Indígenas:

Múltiplos Olhares e Múltiplos Entendimentos _____________________ 45

ATIVIDADES _____________________________________________________ 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________________________ 57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ____________________________________ 58

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5CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

APRESENTAÇÃO

O curso de Formação de Professores na temática CULTURAS EHISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS insere-se no processo de consolidaçãoda Rede de Educação para a Diversidade (REDE), uma iniciativa de váriasinstituições do Governo Federal: Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC), em parceria com a UniversidadeAberta do Brasil (UAB) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal deEnsino Superior (CAPES). O objetivo da Rede de Educação para a Diversidade(REDE) é estabelecer um grupo permanente de formação inicial e continuada adistância para a disseminação e desenvolvimento de metodologias educacionaisde inserção dos temas das áreas da diversidade, quais sejam: educação de jovense adultos, educação do campo, educação indígena, educação ambiental,educação patrimonial, educação para os Direitos Humanos, educação das relaçõesétnico-raciais, de gênero e orientação sexual e temas da atualidade no cotidianodas práticas das redes de ensino pública e privada de educação básica no Brasil.

Culturas e História dos Povos Indígenas é um curso de formaçãocontinuada de professores de educação básica, com carga horária de 240hdistribuído em módulos, o qual se insere na Rede de Educação para aDiversidade (REDE). Ofertado na modalidade semipresencial, por meio dosistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB), o curso visa formar professorese profissionais da educação capazes de compreender os temas da diversidadee, dentre eles, a temática das “culturas e história dos povos indígenas no Brasil”,e introduzi-los entre os conteúdos pedagógicos e no cotidiano da escola.

O propósito mais amplo deste curso é a formação continuada de professores,como forma de procurar responder de maneira dinâmica a uma educaçãoinserida em uma sociedade cada vez mais dinâmica. Desta forma, o objetivomais amplo é promover o debate sobre a educação como um direito fundamental,que precisa ser garantido a todos e todas sem qualquer distinção, promovendo acidadania, a igualdade de direitos e o respeito à diversidade sociocultural, étnico-racial, etária e geracional, de gênero e orientação afetivo-sexual e às pessoascom necessidades especiais. Os professores e profissionais da educação têmcomo principal desafio garantir a efetividade do direito à educação a todos ecada um dos brasileiros, estabelecendo políticas e mecanismos de participaçãoe controle social que assegurem aos grupos historicamente desfavorecidos

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condições para sua emancipação e afirmação cidadã. Neste sentido, a temáticadeste curso insere-se neste contexto, que é o de trazer à luz dos conteúdoscurriculares a temática das “culturas e história dos povos indígenas do Brasil”,temática silenciada durante tanto tempo e responsável pelo desconhecimentodeste importante seguimento do povo brasileiro na atualidade.

Este curso de formação continuada propõe módulos temáticos que abrangemum largo espectro dos temas das “culturas e história dos povos indígenas”, visandoformar professores e outros profissionais da educação da rede de ensino deeducação básica para a promoção e compreensão da educação como direitofundamental e estratégia para a promoção do desenvolvimento humano dasdiversas populações, para a inclusão de saberes diversos e enfrentamento detodo o tipo de discriminação e preconceito, particularmente contra os povosindígenas. O curso visa também proporcionar o estabelecimento de uma redede colaboração virtual para a discussão e compartilhamento de informações eaprendizagens sobre práticas pedagógicas inclusivas na escola.

Nos últimos anos, principalmente após a Constituição Federal de 1988 e aLDB (lei nº 9394/96), percebemos a emergência de uma nova legislação queinsere nos currículos da Educação Básica a proposta de temas referentes à históriae cultura afro-brasileira e, ultimamente, à história e cultura dos povos indígenas(Lei nº 11.645/2008). Trata-se de elementos constitutivos de nosso substratocultural, mas, que por motivos históricos, foi ideologicamente relegado ao quaseesquecimento e, quando trazido à tona, foi feito com um viés etnocêntrico erepleto de preconceitos.

Educar hoje, para a diversidade e a cidadania, é tratar desta histórica dívidapara com os grupos historicamente desfavorecidos e, dentre eles, os povosindígenas e negros de forma objetiva, proporcionando o debate construtivoatravés do acesso às informações relegadas às novas gerações. Quanto à nossarealidade regional específica, podemos dizer que Mato Grosso do Sul caracteriza-se por ser uma região de fronteiras, de acolhida e, ao mesmo tempo de trânsito.É, na atualidade, o segundo Estado brasileiro em população indígena, contandooficialmente, com 08 etnias, destacando-se dentre elas, os Guarani e Kaiowácom quase 40 mil pessoas, os Terena com 20 mil e os Kadiwéu com 1.500 pessoas.Todos estes povos possuem suas particularidades históricas e convivem com asproblemáticas atuais de conflitos agrários, subsistência, preconceitos de todos ostipos, violências, etc.

Mato Grosso do Sul é, também, uma porta que está aberta aos circuitosilegais que integram lugares e economias e desintegram estruturas sociais. OEstado é, na verdade, um laboratório onde acontecem processos fronteiriços edinâmicos de integração de toda natureza, sejam eles aparentes, dissimulados,legais, funcionais, ilícitos, construtivos, históricos, estruturais ou conjunturais,espaço privilegiado para a discussão dos temas da diversidade e, dentre eles,especialmente o que diz respeito à trajetória histórica e cultural dos povosindígenas.

7CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

A partir deste conjunto de elementos que conformam nosso contexto regionalserão conjugados, de forma dialógica, os conteúdos teórico-práticos propostospelo curso em seus seis módulos (Módulo 01- Conceitos de EAD e ferramentaMoodle; 02- Conhecendo os povos indígenas no Brasil contemporâneo; 03-Reconhecendo preconceitos sobre os povos indígenas; 04- Marcos conceituaisreferentes à diversidade sociocultural; 5- Projeto pedagógico sobre a temática;6- Seminário de encerramento), além da avaliação.

Quanto ao presente texto, referente ao 3º Módulo – Reconhecendopreconceitos sobre os povos indígenas, é composto por cinco sub-temas,desenvolvidos na sequência:

I) Visão da História

• História: lições do passado – depois de 1500...

• A outra visão do contato

II) Visão da Literatura

• A explicação mítica na visão do contato

• Literatura: lições dos mitos

• Literatura: versão dos mitos indígenas – a explicação do Ritual do Kuarup

III) Imaginário do Índio Amazônico

IV) Desconstrução de discursos: entendimento do etnocentrismo emantropologia

V) Povos Indígenas: múltiplos olhares e múltiplos entendimentos

Diante de uma sociedade cada vez mais caracterizada pela diversidade eseus imensos desafios lançados cotidianamente aos educadores, desejamos atodos/as que estes conteúdos sejam úteis para embasar reflexões e práticas criativassobre os aspectos da diversidade e a necessidade da introdução do tema dasCulturas e História dos povos indígenas nas práticas pedagógicas, sempreem vista da construção de uma sociedade cada vez mais plural e participativa.

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9CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

CAPÍTULO I

As Sociedades Indígenasno Brasil

Este terceiro módulo pretende, concretamente, apresentar elementos es-

senciais sobre a questão dos preconceitos a respeito dos povos indígenas

no Brasil, para, dessa forma, desconstruir as informações equivocadas ereconstruir as características culturais destes povos e, dessa forma, facilitar

as discussões posteriores sobre os temas específicos da história e cultura

dos povos indígenas.

Ao retornarmos no tempo, por meio dos livros de História ou pelos escritosliterários, podemos ver a imagem dos povos indígenas sendo construída de múl-tiplas formas: como dóceis, passivos, gentis, ou como silvícolas, selvagens,indômitos, insolentes, preguiçosos. Seja qual for a imagem construída em deter-minado tempo e em diferentes contextos históricos, os povos indígenas nuncase apresentaram como sujeitos de nossa História, ou como parte integrante daconstrução da nossa identidade latino-americana. Histórica e culturalmente, sãoapresentados como seres que estão à margem, aqueles que auxiliam e nuncaconstroem; e, dependendo das circunstâncias, são apenas figurantes na constru-ção da história brasileira, atuando como coadjuvantes de sua própria história. Seos discursos foram sendo construídos ou por meio dos livros de história ou pormeio da literatura, então, proponho que juntos possamos identificá-los ecompreendê-los, para a partir daí começar um outro movimento circular: o dadesconstrução! A propósito, não podemos nos esquecer, de que todo discurso écarregado de intencionalidades.

1.1 História: Lições do Passado- Depois de 1500...

Após Cristóvão Colombo ter descoberto terra firme, em 1492, na regiãoque hoje conhecemos como as Antilhas, na América Central, a “descoberta” doBrasil por Cabral, representava uma virada nos acontecimentos daquela época;e a chamada “captura” das especiarias asiáticas pelos portugueses também mo-dificou profundamente a evolução do mundo ocidental.

Descoberto o Novo Mundo, os interesses europeus misturaram estrategi-camente a fé com a colonização, e se ambas deveriam caminhar juntas, estariaaí, então, uma justificativa adequada para a cristianização dos habitantes da ter-

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ra recém descoberta (os indígenas), de maneira que não oferecessem resistên-cia aos seus interesses exploratórios. Desqualificados como seres humanos, vis-tos como animais sem alma, bárbaros, demônios e seres indômitos... estavajustificada não só a necessidade de sua cristianização, como de sua sujeição àcivilização afirmada como redentora pelo conquistador. Aqui se constitui o pon-to de partida para a construção das imagens e discursos aplicados aos povosindígenas e que se tem propagado até os dias atuais.

Reconhecido o território, Colombo se converteria em um caçador de es-cravos e ávido garimpador de ouro; afinal, eram bens para serem vendidos outrocados na Espanha, por finas mercadorias. Se o ouro é maleável às mãos docolonizador, os indígenas, entretanto, apesar de considerados bens de uso etroca, não eram totalmente desprovidos de vontade e de resistência a quem lhesferia o corpo e a alma.

Convém observar que geralmente os livros de história apontam as especia-rias, a água em abundância, a mão-de-obra dócil e disponível, as safras agrícolasfartas e constantes como sendo os principais fatores que motivaram todo o pro-cesso de colonização e exploração concebido pela metrópole; no entanto, épreciso considerar, também, outro fator que nem sempre é citado, mas foi acausa de muita luta e custou o sangue de milhares de pessoas espalhados pelosertão do Brasil: o ouro e, no rastro de sua cata, os nativos. A propósito, podemosdizer que o movimento de resistência indígena começa a ser uma constante eganha mais relevo, junto aos não indígenas, a partir deste período.

Não se pretende, com esta reflexão, fazer uma análise crítica dos livrosdidáticos de História e Literatura; antes disso, o propósito é partir das proposi-ções discursivas de alguns autores e obras, tomando-os como ponto de partidapara o entendimento de generalizações e equívocos em relação às comunida-des indígenas, que se cristalizaram com o tempo e se estenderam ao senso co-mum, tendo reflexos negativos até os dias atuais.

De modo geral, na História do Brasil os indígenas aparecem comoDesqualificados enquanto seres humanos, vistos como animais sem alma, bár-baros, demônios. No livro intitulado: História das Cavernas ao Terceiro Milêniodas autoras: Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick a figura dos indígenasaparece no bojo do Descobrimento no item O Olhar dos Vencidos da seguinteforma:

[...] Nativos que devoravam os prisioneiros de guerra, animais exóticos, a

própria exuberância da flora tropical geravam espanto e temor. O que

havia sido encontrado afinal, o jardim do paraíso ou as portas do inferno?Todavia, o choque e o medo foram ainda maiores entre os nativos do

Novo Mundo. Aos olhos dos indígenas, os conquistadores assemelhavam-

se a figuras monstruosas montadas em outros monstros, os cavalos, tambémdesconhecidos (Mota, 1997, p. 115).

A representação que se faz frente ao processo de descobrimento, traz àtona uma visão eurocêntrica que marca a trajetória de contato. A ressalva que se

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faz é a de que nesta trajetória de contato só aparece nos livros de História avisão dos “Vencidos” e de forma unilateral. Como tentativa de mostrar os doislados apontaremos, mais adiante, a visão de contato que os Povos indígenasapresentavam sobre os não indígenas.

Convém observar que na Unidade III do referido livro, no item que tratados Nossos Contemporâneos Indígenas, é retomada a discussão chamando aatenção para os riscos de generalizações no exame da cultura das sociedadestribais: Sociedades Indígenas a partir das reflexões de Antonella Tassinari. Nasequência, assume o risco das generalizações, afirmando que a vida social dosindígenas estava centrada nas relações familiares e no papel que cada elementoocupava na comunidade.

A par dos riscos, as terminologias utilizadas ainda mostram que há falta deentendimento do que representam tais grupos étnicos no universo Latino-Ame-ricano e que ainda são muito explicitas as expressões generalizantes; vejamoscomo isso ocorre: [...] Os ameríndios dominavam a arte de fazer fogo a partir darotação rápida de um pedaço de madeira dura em outro mais flexível. [...] Atribo era organização social mais abrangente dessas populações. Outro pontoque nos chama a atenção, além das terminologias generalizantes, é a indistinçãoque se faz entre as nações indígenas americanas, registrando na mesma ordemde apresentação os povos indígenas do Brasil e os povos da América do Norte,além dos Pré-colombianos (Mota, 1997, p. 158 a 160). Desta forma, os jovensque estão tendo contato pela primeira vez com documentos escritos tratando daHistória do Brasil ainda não têm como discernir o tempo histórico e asespecificidades culturais que permeiam a compreensão de tais grupos étnicos.Assim sendo, tais visões generalizantes não contribuem, portanto, para o enten-dimento crítico das especificidades culturais destes povos além de submetê-losa uma ordem de comparação simplista, e equivocada!

Neste sentido, a presença dos indígenas nos livros didáticos é quase sem-pre fragmentada, depreciativa e, muitas vezes, de uma forma secundária, as-sociando-se a ideia de que falar de “índio” é falar de passado. Nos livros deHistória, principalmente, a figura do índio aparece em função do colonizador.E da mesma forma que aparecem na história do Brasil, acabam por desapare-cer como um passe de mágica ou simplesmente como uma cegueira histórica!O problema resultante das sucessivas propostas tanto dos livros de Históriaquanto dos livros de Literatura é que além de imagens fragmentadas edistorcidas, conforme já mencionada, tais iniciativas acabam por não prepararas crianças e os jovens para entender a presença dos povos indígenas nem nopresente e nem no futuro.

Nesta perspectiva propositiva, Everardo Rocha (1984) aponta que a figurado índio no livro didático representa uma forma vazia que confere sentido aomundo dos não-indígenas (dos brancos). Os indígenas são tidos como seres “alu-gados” nas Histórias do Brasil, de modo que se constroem as imagens de acordocom as alternâncias de funções. Por exemplo, em um mesmo livro, eles podem

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aparecer de três formas diferentes: em um primeiro momento, no capítulo do“descobrimento” aparece como a figura do “selvagem”, “primitivo”, “antropó-fago”, isso na tentativa de mostrar o quanto os colonizadores europeus eramsuperiores. Já no capítulo que trata da catequese, a figura do índio é vista como“criança”, “inocente”, “infantil”, “almas virgens”, o que vem demonstrar o quantoeles precisavam de religião, bem como de “proteção”. E no capítulo posterior,que trata da “etnia brasileira”, a figura do índio já é a de um ser “corajoso”,“altivo”, cheio de “amor a liberdade”, que por ser tão livre era incapaz detrabalhar (Rocha, 1984, p. 17-19).

Conviria observar que a gênese da reflexão antropológica é contemporâ-nea ao período do descobrimento. No entanto, de acordo com as concepçõesde François Laplantine (2006), o Renascimento (séc. XV e XVI) começa a explo-rar espaços até então desconhecidos e a construir discursos sobre os povos quelá habitavam. As primeiras observações e os primeiros discursos sobre esses po-vos provinham, principalmente, dos relatos de viajantes e dos relatórios dos mis-sionários, principalmente dos Jesuítas. Assim, inúmeras questões se colocavamna época a respeito daqueles seres recém descobertos como, por exemplo, seeles eram seres humanos, se pertenciam mesmo à humanidade; se, por seremextremamente selvagens, tinham alma? Com isto, o critério essencial para atri-buir-lhes um estatuto humano era estritamente de cunho religioso.

Desta forma, ainda de acordo com as concepções do referido autor(Laplantine, 2006, p.41), entre os critérios utilizados pelos europeus, a partir doséculo XIV, para conferir ao índio um estatuto humano, além do religioso, con-forme mencionado podemos situar alguns dos comportamentos usuais mais dis-seminados:

[...] a aparência física: eles estão nus ou vestidos de peles de animais;

Os comportamentos alimentares: eles “comem carne crua”, e é todo o

imaginário do canibalismo que irá aqui se elaborar;A inteligência tal como pode ser apreendida a partir da linguagem: eles

falam “uma língua ininteligível (Laplantine, 2006, p.41).

Desta forma, o discurso da alteridade vai sendo construído a partir demetáforas zoológicas, ou seja, das associações de condutas iguais às dos animaisbem como as referências a variadas ausências como: “sem moral, sem religião,sem lei, sem Estado, sem escrita, sem consciência, sem razão, sem objetivo, semarte, sem passado, sem futuro”.

1.2. A Outra Visão do ContatoNo final do século XV e início do século XVI, havia muitas curiosidades e

indagações acerca desses “novos” seres humanos, ou seja, os chamados nativos;nesse período, inicia-se a busca por modelos explicativos da diferença. Em umprimeiro momento, todos são tomados pelo impacto do novo que causa estra-nheza e perplexidade perante o desconhecido; e a violência ao outro, que

13CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

incomoda e instaura a desordem de um mundo tão estável, como era o mundomedieval: essa visão de mundo é que iria permear as relações entre povos,sociedades e culturas.

O contato físico entre essas culturas tão diferentes pode ser visto como umlongo processo de aproximação e construção de imagens em que, primeira-mente, houve troca de ornamentos, cujo significado cada um “traduziu” nostermos de sua própria cultura. No segundo momento, a apreensão do “outro”foi feita de uma forma bastante violenta, pois, na falta de entendimento desse“nativo” como um ser autônomo e habitante da terra recém conhecida, o euro-peu colocou-o como “primitivo”, em uma condição de “atraso” ao desenvolvi-mento. E assim, ideologicamente a imagem do “outro” e sua cultura, ou seja,daquele que é diferente de nós, foi sendo construída de forma distorcida: oraprimitivo e violento, ora bonzinho e romanceado, como na história de Iracema,ora sem alma, bárbaro, incivilizado, entre outras qualificações. Em outras pala-vras, podemos dizer que ao “outro” foi negado o mínimo de autonomia parafalar de si mesmo (Rocha, 1984 p.16 a 21). Mas afinal, se a ideia do europeu eraa de que os povos nativos, ou seja, os indígenas eram primitivos, atrasados, vio-lentos, indóceis, preguiçosos... qual era a visão que os indígenas faziam a respei-to do homem não-indígena?

Para os indígenas, a origem do homem não-indígena, conhecido como ci-vilizado, também é alvo de muito interesse, mas também de muitas dúvidas.Enfim, como seres humanos, indígenas e não-indígenas constroem hipótesessobre si mesmos e sobre o “outro”, assuntando seus mistérios e esforçando-sepor decifrar seus enigmas. É como se um dissesse ao outro: “Decifra-me ou tedevoro!”. E o mais interessante é que, para ambos, indígenas e não-indígenas, onome é o lume, é a luz, como diziam os gregos, ou seja, dar nomes às coisas éiluminá-las pelo conhecimento. A linguagem, portanto, desempenha um fatorde grande importância para entendimentos, se bem que, para desentendimen-tos, também.

Assim, os povos indígenas, ao se referirem aos brasileiros não-indígenas,usam termos diferenciados; por exemplo, os Tenetehara (povo do Maranhão ePará) quando queriam se referir aos não-indígenas costumavam chamá-los de“Karaiw”, ou de “Caraíba”, palavra que aparece entre outros povos de línguatupi desde o século XVI. Os Tupinambá usavam o termo caraíba para se referi-rem aos seus pajés-profetas, homens com habilidades de falar com os espíritos eter sabedoria da previsão. Antes disso, costumava chamar os luso-brasileiros de“mázán”, termo equivalente a “marinheiro” ou mesmo português.

Os Tupinambá também costumavam chamar os franceses que estiveram noRio de Janeiro de “maíra”, ou seja, “encantado”, terminologia que, na visãoindígena, representava o herói civilizador; posteriormente, passaram a distin-gui-los por meio de uma expressão que significava “povo de hábitos diferen-tes”. Já os Avá-Canoeiro, povo tupi do alto Rio Tocantins, chamam ainda hoje osnão-indígenas de “maíra”. Os atuais Guarani, que descendem dos Carijó e

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Guarani do século XVI, chamam de juruá, aos não indígenas, termo sem signifi-cado especial, assim como os Terena, do Mato Grosso do Sul, chamam-nos depurutuye.

Em síntese, observa-se que nessa concepção indígena, os europeus apare-cem como seres especiais dotados de poderes divinos, ou simplesmente comohomens comuns, mas com dons de encantar; já, para os europeus, os indígenasnão passavam de seres selvagens, silvícolas, primitivos ou povo sem alma; aliás,até o século XVIII, ainda se tinha dúvida se os indígenas podiam ser considera-dos cristãos, dignos de serem batizados, ou até mesmo se eram seres humanos,indivíduos, gente, conforme já mencionados...

Que contraste! Para os indígenas, como se viu, o homem branco era consi-derado um ser supremo, dotado de sabedoria, dons extraordinários e encanta-mentos. Veja que no encontro das culturas cada um, ou cada cultura, possui umaforma diferenciada de olhar. Como percebemos com o relato de Macunaíma,do escritor Mário de Andrade, para uns, Cruzeiro do Sul; para outros, Pai doMutum. E, acima das diferenças de cultura e de concepção de mundo, as estre-las continuam a brilhar e o céu é para todos!

Nesse sentido, quando cada povo, cada cultura se encontra, se conhece,reconhece e interage, vão surgindo explicações cheias de fantasia ou muitasvezes lógicas definitivas: cada um se esforça para impor as suas crenças ao ou-tro, como ocorre com a origem do homem. Assim como existem variadas expli-cações fornecidas pelos estudiosos sobre a origem do homem no continenteamericano, o mesmo ocorre com os povos não-indígenas, que também buscamfornecer explicações sobre a origem do homem branco.

15CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

Visão daLiteratura

CAPÍTULO II

Inicialmente, neste capítulo, estaremos atentos para a compreensão dos

(pré) conceitos presentes em alguns dos mais importantes textos literários

produzidos sobre os povos indígenas no Brasil, todos eles assumindo umaconcepção etnocêntrica, com ligeiras variações quando relacionados aos

povos indígenas.

2.1 A explicação Míticana Visão do Contato

Embora os indígenas não dispusessem dos mesmos recursos tecnológicosdas sociedades não-indígenas, auxiliados por sofisticados instrumentos de preci-são, eles também fornecem respostas sobre a origem do homem branco, pormeio de explicações míticas. A falta de precisão está diretamente ligada à carên-cia de conhecimento dos fenômenos físicos, biológicos e humanos. Por exem-plo, como esses indígenas vão dar explicações geográficas sobre os não-indíge-nas, quando, na verdade, com raras exceções não ultrapassam os espaços quepercorrem em suas aldeias?

Mas afinal, em que consiste a preocupação dos indígenas com a origem dosbrancos civilizados e como isso pode ser constatado em suas explicações míticas?Retomando os estudos de Júlio Cezar Melatti (2007), é possível entender comoisso acontece na prática; mas a “prática”, aqui, deve ser entendida como con-cepção de mundo, aquela tal de “cosmovisão” de que já falamos e que se mani-festa nos relatos lendários, ou seja, por meio de narrativas míticas, muito própri-as da educação indígena. Afinal, nas sociedades indígenas, são as narrativas queensinam definitivamente e a conduta do dia a dia é a demonstração concreta deque a lição foi aprendida.

Aqui vão dois exemplos muito interessantes. O primeiro mostra que nasvárias aldeias dos índios Timbira, que vivem no sul do Maranhão, e norte deGoiás, os indígenas acreditam que o homem branco surgiu da transformação deum menino chamado “Aukê”. A história desse menino era mais ou menos assim:antigamente não havia civilizados, mas apenas índios. Uma mulher indígenaficou grávida e toda vez que ia tomar banho no ribeirão próximo da aldeia, seufilho, que ainda não tinha nem nascido, saía do seu ventre e se transformava em

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um animal, brincando à beira d’água; depois, a criança voltava outra vez aoventre materno. A mãe não dizia nada a ninguém.

Um dia, o menino nasceu. Aukê, ainda recém-nascido, transformava-seem rapaz, em homem adulto, em velho. Os habitantes da aldeia temiam ospoderes sobrenaturais de Aukê e, de acordo com seu avô materno, resolverammatá-lo; nas primeiras tentativas, não tiveram sucesso. Conta-se que uma vez,seu avô, em nova tentativa de matá-lo, levou-o para o alto de um morro e em-purrou-o de lá no abismo. O menino, porém, ao cair não morreu, pois viroufolha seca e foi caindo devagarzinho, voltando para a aldeia são e salvo! Foientão que o avô resolveu fazer uma grande fogueira e nela atirar Aukê, o querealmente ocorreu.

Dias depois, quando o avô foi ao local do assassinato para recolher as cinzasdo menino, achou no lugar uma grande casa de fazenda, com bois e outrosanimais domésticos. Aukê não havia morrido, mas transformou-se no primeirohomem civilizado e ordenou ao avô que fosse buscar os outros habitantes daaldeia. Todos vieram e Aukê pediu que escolhessem entre a espingarda e oarco. Como os índios ficaram com medo de pegar a espingarda, preferiram oarco. Por terem preferido o arco, permaneceram como índios. Se tivessem es-colhido a espingarda, teriam se transformado em civilizados. Aukê chorou compena dos índios por não terem escolhido a civilização.

Com essa história, em que os índios Timbira explicam a origem dos não-indígenas chamados de civilizados, também é possível depreender alguns con-ceitos e determinadas explicações sobre aquela nação indígena. Por exemplo, oestado de submissão e pobreza em que eles vivem diante dos brancos, ou seja,dos não-indígenas. É importante notar que os “civilizados” conhecidos pelosTimbira são os que estão mais próximos de suas aldeias, destacando-se entreeles os que possuem maiores recursos materiais, ou seja, os fazendeiros, gran-des proprietários e possuidores de gado bovino, considerado de grande valorentre os homens. Por isso Aukê aparece na figura de um fazendeiro criador, porconhecerem bem apenas uma área restrita e estarem submetidos à influênciadesses ricos proprietários rurais; isso reflete a explicação da origem dos brancos,geralmente poderosos, o que constitui, portanto, uma visão circunscrita à reali-dade em que vivem. A propósito, também convém observar que na explicaçãomitológica feita pelos Timbira o conceito de “civilizado” é apresentado comouma analogia feita aos não indígenas, ou seja, aos “brancos”.

O outro exemplo é retirado da cultura dos Kadiwéu, que habitam a regiãodo Estado de Mato Grosso do Sul; são remanescentes dos índios “Guaykuru”,que domesticaram o cavalo e com ele dominaram toda a região, mantendo osgrupos indígenas de outras procedências étnicas em um sistema semelhante aoda “vassalagem”, onde havia trocas de proteção por alimentos e mulheres. Con-tam que até mesmo os espanhóis e portugueses foram aprisionados pelos“Guaykuru”. Seus guerreiros, para se defenderem dos inimigos, costumavamcavalgar dependurados na crina do cavalo, no sentido horizontal, para não se-

17CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

rem vistos. Quando corriam pelos campos, quem os via da posição contrária,tinham a impressão de que eram apenas cavalos selvagens, correndo em dispa-rada.

Bem, mas voltemos à explicação dos Kadiwéu sobre a origem do homembranco. Conta a história, que os próprios Kadiwéu (e outros povos, como osTerena, os Kinikinau, os Kaingang, os bolivianos, enfim, todos os homens) foramtirados pelo herói “Go-noêno-hôdi” de dentro de um buraco. Enquanto outrospovos receberam do herói terras e outros dons, os Kadiwéu não receberamnada, ficando somente com o privilégio de lutar contra os outros, tomando-lhesos seus bens. O mito, portanto, explicava não somente a origem dos povos, mastambém os seus princípios de dominação e a relação com outros povos. Em umaversão mais atualizada deste mito, os Kadiwéu não esperaram mais o herói “Go-noêno-hôdi”, que fora buscar seus patrícios, ou seja, mais presentes para eles.Saindo da letargia da espera, os Kadiwéu foram buscar alimentos, como frutas emel nas matas. Ao regressar, o herói disse para os Kadiwéu que eles poderiamficar como estavam, ou seja, livres pelos campos, lutando por sua subsistência;quanto aos demais povos, deveriam fazer o seu próprio roçado, fixando-se emalgum lugar.

Ao prestar a atençãoaos dois mitos, tanto oTimbira quanto o Kadi-wéu, observe que a pre-ocupação com a ori-gem do homem não-in-dígena estava ligada àpercepção da diferençade posses: o homembranco marca a sua pre-sença – e sua existênciano mundo- como possui-dor de coisas que os in-dígenas gostariam de ter,na suposição de torna-rem a vida de todos mui-to mais fácil e agradável!

Se as narrativas de-monstram que a imagemdo outro fica sempredistorcida ou desfocada,numa clara deficiência de compreensão, o que é necessário fazer para que nãoocorra tanto estranhamento entre ambas as partes? Na visão que um faz dooutro é preciso relativizar essa diferença, ou seja, na forma de uma cultura en-tender a outra, a diferença não deveria se transformar em hierarquia, em supe-

SAIBA MAIS!

Que a história dos índios guaicurus está ligada à inserção do cavalo emterras da América espanhola, em 1541. Chegando da Espanha, o novoGovernador Nuñez Cabeza de Vaca, sabendo que o povoado deBuenos Aires encontrava-se abandonado, resolveu viajar por terra comseus soldados da Ilha de Santa Catarina, até Assunção do Paraguai, emlombo de cavalo. Chegando ao rio Paraná, encontrou os índios guaranisque, na troca de presentes, o auxiliou na construção de jangadas, ser-vindo de transporte para navegarem rio abaixo até Assunção. Em terri-tório brasileiro, os cavalos se reproduziram e foram caçados pelosguaicurus. Foram domados pelos índios e acabaram sendo utilizadostanto nas caçadas, quanto nas guerras contra os inimigos. Os guaicurusse tornaram tão exímios cavaleiros que ao se dependurarem na crinado cavalo, tornavam-se “invisíveis” aos olhos do inimigo, pois ao cor-rerem de lado davam a impressão de que os cavalos estavam sozinhos(Trecho do texto retirado do livro de Acyr Vaz Guimarães: QuinhentasLéguas em Canoa de Araraitaguaba às Minas do Cuiabá: as monçõesPaulistas, 2000).

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riores e inferiores, ou em bons e maus. O importante seria que se percebessemmutuamente em sua dimensão maior: a riqueza por serem diferentes e o orgu-lho de terem identidade cultural.

2.2 Literatura: Lições dos MitosMeus senhores e minhas senhoras! Aquelas quatro estrelas lá é o Pai do

Mutum! Juro que é o Pai do Mutum, minha gente, que está lá no campo vasto

do céu! (Mário de Andrade – Macunaíma)

Quem nunca ouviu falar do grande literário Mário de Andrade? Ele foi umdos maiores escritores da literatura brasileira. A literatura contribuiu muito paraa formação de uma identidade cultural e para a construção de discursos; se lidosde forma distorcida, esses discursos resultam em uma visão preconceituosa. Rei-terando o que já foi mencionado, não é propósito fazer aqui uma critica à His-tória nem tampouco à Literatura, mas mostrar como, por meio da História e daLiteratura, os discursos foram sendo historicamente construídos.

Retomando a epigrafe de Mário de Andrade, podemos dizer que não ouvi-mos o choro de Macunaíma, tão longe que estava lá no fundo do Mato-Virgem.Mas ele com certeza chorou como todos nós fazemos ao nascer. Esse indiozinhopreguiçoso, segundo o escritor Mário de Andrade, representa todos os brasilei-ros e brasileiras que, como ele, querem exercer o seu direito de viver, crescer,amar, trabalhar, se divertir... Por sinal, o folgado do Macunaíma, quando cres-ceu, queria ter direito a tudo, menos ao trabalho; não que o índio não gostassede trabalhar, mas a forma como eles concebem as relações de trabalho é bemdiferente da forma que os não indígenas entendem. Os indígenas não trabalhampara acumular riquezas, eles trabalham para sobreviver; o tempo deles não épara ficar em torno do relógio controlando o horário de entrar no serviço. Atéporque eles têm outras atividades que consideram tão importantes quanto tra-balhar como, por exemplo: conversar com os filhos à beira da fogueira contan-do-lhes a história de sua aldeia, de sua geração passada; ensinar os filhos a fazerredes, cestos, trançados, cerâmicas; a dançar, rezar, nadar, pescar, correr pelasmatas - não podemos esquecer que alguns indígenas já não têm mais matas paracorrer e nem rios para pescar-.

O entendimento do que significa trabalho e tempo dedicado a esta ativida-de vai variar de acordo com cada cultura, com cada povo. Alguns povos indíge-nas, por exemplo, dedicam apenas três a quatro horas por dia para a realizaçãode atividade de subsistência; para eles o trabalho exerce mais uma função socialdo que capitalista1, o que será detalhado mais adiante. Interessa no momentochamar a atenção para duas expressões; “preguiçoso” e “folgado”, que, sugeridaspor Mario de Andrade e disseminadas no senso comum, contribuíram para pro-

1 Sobre a questão do trabalho nas sociedades indígenas ler SAHLINS, Marshal. A Economia daIdade da Pedra. 2a. Edição. Akal editor, 1977, 1983.

19CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

pagar a ideia de que o índio é preguiçoso e não gosta de trabalhar. Na realidadeé mais fácil incorporar tal proposição ao discurso, do que conhecer a forma deorganização social desses grupos para então entender as tão variadas formas econcepções de trabalho. Para alguns grupos indígenas, o trabalho não tem onosso entendimento porque não precisam de dinheiro para a subsistência.

Atualmente, são poucos os povos indígenas que vivem da caça e da pesca;há muitos povos que não têm matas para caçar e nem rios mais para pescar,passando a viver nas cidades em busca de alternativas de vida, ainda que mise-ráveis. Se perguntarem para alguns desses povos o que querem na vida, comcerteza gostariam de viver como antes: em matas ricas com abundância de caçae frutos, rios férteis de peixe (como ainda ocorre no Xingu), espaço para as roçascoletivas, plantas nativas para o preparo de remédios e muita lenha para mantera roda do fogo e a chama acesa de suas tradições.

E por falar em tradição, já voltando às lições dos mitos e fechando estadiscussão sobre a economia, vamos ver o que está dizendo o nosso herói,Macunaíma, para as pessoas ao seu redor? Parece até um político fazendo dis-curso em véspera de eleição... Bem, você que o viu nascer, lá no fundo doMato-Virgem, não deve ter se esquecido dele, não é mesmo? Como pode per-ceber, ele já está falando e está todo cheio de sabença, corrigindo as ideias daspessoas. Pois saiba que Macunaíma deixou a sua aldeia tapanhumae resolveu ir para São Paulo, em busca da muiraquitã, o seuamuleto da sorte, como fazem muitos indígenas brasileiros, embusca das grandes cidades. E essa é uma realidade ainda malconhecida, e cheia de preconceito por parte dos não indíge-nas; é preciso conhecer melhor a vida desses indígenas quevivem em contextos urbanos e como têm reorganizado suas vi-das em um meio tão hostil; quais são as estratégias de inserção,com pessoas indiferentes às suas dificuldades de adaptação2.

Voltemos ao nosso herói: bem no meio da cidade, ele corrige as pessoas,dizendo que o Cruzeiro do Sul, na verdade, é uma grande ave de asas abertas,o mutum, pai de todos os mutuns que povoam as nossas matas. O que é o mutum?Ora, é uma ave negra, de grande porte, que lembra, mais ou menos, um peru;para Macunaíma, esse mutum feito de estrelas é o pai de todos os mutuns daterra. Bonito, não é mesmo? Pois é assim que muitos povos indígenas pensam arespeito da origem das espécies e até do próprio homem; eles são muito inte-ressados em saber sobre os seus antepassados: em seus mitos, ora afirmam quesão descendentes de grandes guerreiros da própria região; ora de navegantesvindos de outros continentes, que aqui desembarcaram, espalhando-se por todocanto; e há mitos, também, que sugerem a origem mágica de sua aldeia, fruto

2 Sobre a temática dos indígenas em contextos urbanos ver: Mussi, Vanderléia Paes Leite. Asestratégias de inserção dos índios Terena: da aldeia ao espaço urbano (1990-2005). Tese de dou-torado. UNESP Campus de Assis - São Paulo, 2006. 332 f.

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da vontade de algum deus. É esse pensamento mítico dos indígenas que dá aonosso herói Macunaíma a certeza sobre a origem dos seres do mundo.

Nos dias de hoje, esse é o grande problema na relação entre culturas dife-rentes, ou seja, há uma grande falta de sensibilidade com a visão de mundo depessoas que são de culturas diferentes da nossa. Afinal, nós temos de nos educara aceitar como verdadeiras, também, outras concepções da vida, diferentes danossa. Como vimos em relação à constelação apontada por Macunaíma, parauns é o Cruzeiro do Sul, para outros, o Pai do Mutum; e indiferentes aos nomesque recebem dos homens, as estrelas não deixam de ser o que são e continuama brilhar no campo vasto do céu, não é mesmo?

Neste ponto da conversa, seria importante deixarmos um pouco o nossoherói e companheiro nessa longa viagem histórica e cultural de Macunaíma.Mas, por enquanto, vamos deixá-lo à vontade, lá na cidade de São Paulo, tentan-do convencer as pessoas de que o Cruzeiro do Sul, nada mais é do que o Pai doMutum; pelo visto, a discussão ainda vai se alongar noite adentro e nós temosum outro ponto também importante no entendimento da construção destes dis-cursos. De momento, podemos retomar outras personagens da nossa literatura,como Iracema e Martim, protagonistas do romance Iracema, do escritor José deAlencar. Vamos acompanhar a conversa entre a virgem dos lábios de mel e oguerreiro português, perdido nas matas densas dos índios tabajaras, no interiordo Ceará. E o guerreiro diz a Iracema:

_Quebras comigo a flecha da paz?

_Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Don-de vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?

_Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos

já possuíram, e hoje têm os meus. _Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldei-

as, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.

Como podemos depreender, Iracema e Martim estão selando um pacto deamizade, em plena floresta. Só para satisfazer a sua curiosidade, saiba que Martimchegou repentinamente ao lugar em que Iracema tomava banho de sol e, muitoassustada, o feriu com uma flechada, mas logo se arrependeu e cuidou do rapaz.Para um bom leitor, já dá para perceber que a flecha que feriu Martim é aprópria flecha do Cupido, não é mesmo? É ler para conferir, pois o romance éuma das obras-primas do Romantismo brasileiro, um verdadeiro hino de louvorà nossa cultura e à nossa história.

Porém, o assunto que nos diz respeito é outro; observe como o escritorcearense dá a sua versão poética a respeito dos primeiros contatos entre oscolonizadores portugueses – ou invasores?- e o então chamado gentio, isto é,aquele que não era cristão. De forma figurada, o autor sugere que foi uma rela-ção de amor, sem dúvida, mas marcada pelo sacrifício. E, apesar de ter sidoMartim o ferido, a história reverte a situação e marca o nativo pela dor da colo-nização. Observe, também, que Martim está no interior do território cearense,nas terras tabajaras, ainda invioláveis, vindo de outro território brasileiro, já con-

21CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

quistado. São terras que os indígenas já possuíram, mas agora estão nas mãos dosportugueses que, aos poucos, vão tomando tudo o que a vista alcança. E quevista gulosa tinha o colonizador português! Foram empurrando as fronteiras doterritório, ainda desconhecido, até onde puderam, plantando fortificações, ar-raiais e vilarejos ao longo de suas jornadas de conquista. Como terão sido oscontatos com os indígenas, para além da romanceada visão de José de Alencar?Que concepções de homem e de mundo foram sendo construídas no contatoentre os europeus e os indígenas na visão do autor? Ora, pelo excerto acima jáé possível depreender que nesta relação do contato apresentada por José deAlencar não houve resistência, não houve conflito, mas um grande pacto deamizade que resultou em uma linda história de puro romance... E, mais uma veza se cria a ideia do indígena “passivo”, receptivo e incapaz de resistir a qualqueração contrária a sua concepção de mundo.

O autor Julio Cesar Melatti (2007) chama a atenção para o fato de que alémdos romancistas e poetas brasileiros José de Alencar e Gonçalves Dias, seremdivulgadores dessa “visão romântica do índio: altivo, cortês e corajoso”; tam-bém foram propagadores de informações etnográficas errôneas. Segundo Melatti,José Alencar faz a índia Iracema atirar flechas, quando, na realidade entre osindígenas, somente os homens usam o arco e flecha. Já com relação a GonçalvesDias, que não incluímos aqui nesta reflexão, mas que também tem sua parcelade contribuição na literatura brasileira, ao escrever Os Timbiras, por sua vez,“atribui aos Timbira, que são índios da família lingüística Jê, costumes que per-tenciam aos Tupinambá, tronco linguístico Tupi. Já em I-Juca-Pirama, aos Timbiraera atribuído o uso da antropofagia e do cauim (bebida feita através de fermen-tação de milho e/ou mandioca); em Os Timbiras, eram atribuídos aos persona-gens de nomes Tupi (Melat7i,2007, p. 175). O autor informa ainda que Gonçal-ves Dias demonstrou conhecimento da época a respeito dos índios quandoescreveu Brasil e Oceania e que sua opção pecos Timbira como um dos princi-pais objetos de seus poemas indigenistas tenha ocorrido pelo fato de que estesindígenas eram provenientes do Maranhão, terra do poeta. A questão do equí-voco se deu por ter atribuído costumes Tupinambá aos Timbira por não conhe-cer nenhum costume dos Timbira; e também porque considerava os costumesdos Tupinambá como sendo mais nobres e altivos.

Bem, mas ao falarmos de literatura brasileira temos de considerar as duasvisões literárias: os mitos indígenas a partir da cosmovisão dos indígenas bemcomo a visão literária do não indígena a partir das concepções ocidentais, apartir da realidade indígena. Para isso, vamos retomar o mito do Quarup escritopor Antônio Callado:

Ninguém ia dormir cedo aquela noite no Posto Capitão Vasconcelos. Vilar

transformava o trabalho do quarup numa espécie de violento folguedo. (...)

Os jiraus do moquém afogueados pelos braseiros transbordaram do terreiro,

se espalhavam pelas cercanias. As tribos recém-chegadas davam sua mãozi-

nha aos anfitriões. Cuias de caxiri circularam. Mulheres puseram-se a dançar

em fila. E voltava Vilar segurando pela proa, acima da cabeça avermelhada

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pelo fogo, uma ubá com os últimos peixes (...). A ubá foi despejada no meio

do terreiro e até os curumins e cunhantãs às gargalhadas puseram-se a esca-

mar peixe, a limpar peixe, a botar peixe nos moquéns. (...)

Maivotsinim criou a raça humana fazendo quarups, com os quais criou os

homens, homens como Canato, Sariruá, Apucaiaca e o Anta, que agora fazi-

am quarups para criar Maivotsinim. (Quarup – Antônio Callado – Círculo do

Livro, p. 179 e 187)

O romance Quarup3, do escritor Antônio Callado, é uma das mais impor-tantes obras da literatura brasileira contemporânea. É a história do padre Nando,que deixa o mosteiro franciscano onde vivia, no Recife, e parte para o Xingucom o objetivo de conhecer o mundo e os índios. O seu sonho era o de recons-truir em plena Amazônia, uma sociedade harmoniosa e socialista, como fizeramjesuítas e índios guarani, no século XVIII, no sul do País. Assim que chegou aoPosto Capitão Vasconcelos, Padre Nando teve a rara oportunidade de acompa-nhar a organização de uma das cerimônias indígenas mais importantes, o quarup.Como você percebeu no excerto acima, Vilar, uma espécie de empreiteiro deobras, está ajudando a trazer o peixe que será servido na cerimônia; é tantopeixe que vem carregado em uma canoa, a ubá, para ser despejado no meio doterreiro.

Você notou como tudo é feito com grande alegria? As mulheres dançam etodos bebem o caxiri, uma bebida feita à base da fermentação da mandioca. Atéas crianças, curumins (meninos) e cunhantãs (meninas), ajudam os adultos nopreparo da comida, escamando o peixe e, com certeza, preparando o beiju,para os convidados. Sim, observe que os convidados vão chegando e já entramno clima da festa, também ajudando no preparo da comida. Se nos concentrar-mos um pouco na história, dá até para sentir o cheiro do peixe sendo assado nomoquém. Sabe o que é um moquém? É onde o peixe é moqueado, isto é, assa-do; para isso é feita uma armação de varas verdes, parecendo uma grelha, como fogo por baixo. Tudo muito bem feito, para não causar risco aos que preparame aos que comem.

Mas que festa é essa, tão importante, a ponto de dar nome a um romancefamoso da nossa literatura? Observe no excerto acima, que um tal de Maivotsinimcriou os homens, por meio de quarup... Pelo visto, esse criador de homens éuma divindade indígena que merece todo respeito, porque, afinal, é o pai dahumanidade; mais interessante, ainda, é que esse pai, depois de ter criado ohomem, precisa ser constantemente recriado, pelos seus próprios filhos, na ce-rimônia do quarup. O quarup, portanto, é uma festa ritualística em que os indí-genas se reconciliam, se unem ao seu criador e reverenciam os seus mortos, deuma forma alegre e cheia de prazeres: muita comida, muita música, muita dan-ça, além da conversa descontraída com amigos e parentes... Mais uma bonita

3 Convém observar que no romance de Antonio Callado, Quarup é grafado com “Q”; já noestudo de Pedro Agostinho o nome é grafado com “K”, obedecendo às normas padronizadas easpectos linguísticos estabelecidos pela Associação Brasileira de Antropologia para grafar nomesIndígenas.

23CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

tradição, mais um mito indígena que nos mostra a sensibilidade deste povo comseus antepassados míticos, que foi incluído na literatura brasileira.

2.3 Literatura:versão dos mitos indígenas

– a explicação do Ritual do KuarupDe acordo com os estudiosos, as cosmologias indígenas representam mo-

delos complexos, dos quais faz parte a sociedade humana. Os mitos são narrati-vas que procuram responder sobre a origem da própria existência; são veículosde informação sobre a concepção do Universo, ou seja, sobre a forma de cria-ção do mundo, a origem do “homem branco”, os rituais da agricultura, as rela-ções ecológicas entre animais, plantas e seres humanos; enfim, sobre a existên-cia de todos os seres da face da terra. Essa palavra (mitho) é de origem grega esignifica exatamente isso: uma história, ou narrativa, por meio da qual os ho-mens explicam os mistérios da vida e do mundo. Você já ouviu falar de um mitogrego que procura explicar a origem do eterno sofrimento humano, no esforçointerminável pela sobrevivência? Leia então a história (ou o mito) de Sísifo... émuito interessante.

Falamos que as cosmologias indígenas representam modelos complexos,mas afinal, o que isso significa? Não é tão difícil de entender e, para isso, nadamelhor do que uma explicação com exemplos: relata-nos uma estudiosa, AlcindaRamos (1995), que entre os povos indígenas Sanumá (Yanomami) que vivem nonorte de Roraima, quando uma criança nasce fisicamente normal, dias depoisdo nascimento, seu pai vai caçar. O nome do animal que ele caçar será dado àcriança, isto é, se ele matar uma onça a criança será chamada de onça. Assim, opai literalmente sai para caçar o nome do(a) filho(a); por conta disso, a caçadadeve ser feita com muita atenção e cuidado, porque, além do nome, a criançatambém receberá do animal morto um certo espírito que, ao morrer, se instalaem seu corpo.

Ao trazer o animal amarrado em um cipó para casa, o pai deve trazê-locom todo cuidado possível e, ao chegar em casa, os parentes de sua mulherpreparam a carne do animal caçado e a distribuem para todos da casa. Nem amãe e nem o pai da criança devem comer da carne, porque acreditam que, aocomê-la, podem colocar em risco a vida da criança recém-nascida. Logo, so-mente os parentes consanguíneos da mulher (mãe da criança) poderão comer edizer se a carne é de boa qualidade ou não. Se a carne for de boa qualidade,eles acreditam que a criança viverá; caso contrário, eles acreditam que a crian-ça morrerá.

Se fizermos uma interpretação desse “mito”, do ponto de vista material, oude um outro ponto de vista estranho à cosmologia dos sanumá, essa caçadapoderia significar apenas uma forma corriqueira e festiva de fornecer carne à

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aldeia. Portanto, os sanumá, quando vão caçar para o ritual de denominação deum recém-nascido, têm bem clara a sua responsabilidade familiar e tribal; aobrigação do pai não é só a de “caçar” um nome e um bom futuro para o seunovo filho, ele também tem um sério compromisso com os seus antepassados,que o ensinaram e continuam ensinando a ver o mundo, a entender o universo,a criar os filhos e a entender a própria existência.

Na sociedade não-indígena, quando uma criança nasce é fornecida a elaum nome, sem necessariamente o pai ou a mãe saírem para o mato caçar; ocritério de escolha é bem diferente e cada família tem o seu jeito de escolher onome de seu filho(a). Se fizermos uma leitura do ritual sanumá do ponto de vistaeconomicista, ou até mesmo de forma apressada, a caçada não representariamais do que uma forma de fornecer carne à aldeia. Os sanumá quando vãocaçar, têm muito claros os seus compromissos míticos e tribais; sabem que têmresponsabilidades não só com o seu novo filho como também com os seus ante-passados: foram eles que os ensinaram a ver o mundo, a entender o universo, acriar os filhos, a entender a própria existência (Ramos, 1995, p. 24 e 25).

Mas retomemos outros rituais, aqui tratados, como o Kuarup. Na versãoescrita por estudiosos da área, é possível compreender melhor as nuanças so-bre esse importante ritual, de forma menos romanceada e mais próxima darealidade e destes povos. No estudo realizado por Pedro Agostinho, a festa doKuarup é realizada pelas aldeias indígenas do Alto Xingu que visam vivificar alembranças das origens do cosmos xinguano, que cria o mito de, Mavutsini, noMurená – centro do mundo. Com esse mito de origem o cosmos foi estabele-cido no universo xinguano e sua harmonia somente foi quebrada com a morteda mulher mãe primordial, mulher fabricada por Mavutsini e mãe dos gêmeosKwat e Yaí. Nas palavras de Agostinho (1974, apud. Marchezan, 1990, p. 97) é“a irrupção da morte, o afastamento do ideal estabelecido pela narrativaparadigmática e mítica” (Agostinho, 1974, apud. Marchezan, 1990, p. 97).Convém observar que nesta versão literária, não aparece a figura do CapitãoVasconcelos nem a do Padre Nando, mas unicamente os membros da comuni-dade indígena.

De acordo com o autor, a morte tem a função de reorganização social, poisquando desorganiza o cosmos xinguano, se funda o caos. Neste sentido, quandomorre um membro da comunidade, todo o grupo precisa se reestruturar diantede tal perda. Assim sendo, a celebração do Kuarup exerce esta função: a dereorganizar de tudo, a fim de restabelecer a ordem social. O mito precisa serritualizado para que não haja o sentimento de alguma desintegração da comuni-dade tribal. Repondo a perda do mundo xinguano, “o mito é a expressão vivados tempos primordiais, ideais, quando tal perda não existia”.

O comportamento mítico-religioso e ritualístico dos indígenas do Xingu buscaesse ideal e acaba por atingi-lo simbolicamente no ritual do Kuarup. Acham-se,assim, “reintegrados na mitologia xinguana, na sua comemoração. Sua cultura éreativada, como foi a cosmovisão de seu grupo”.

25CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

Desta forma, fazendo-se um Kuarup, cria-se alguém, lembra-se um entequerido e todas as demais aldeias vizinhas comparecem para participar do ritu-al. “O Kuarup faz a passagem do indefinido (caos) para o estruturado, o cosmos,mantendo viva a lembrança das origens, da criação dos primeiros seres huma-nos, quando a morte não era conhecida”. Neste ritual o Kuarup apaga a presen-ça da morte e acaba por repor a vida no mundo xinguano.

É por isso que no ritual do Kuarup é trazido um tronco de madeira e a madei-ra que, segundo os xinguanos, é a própria substância de onde vieram. Esse troncoé que repõe a perda, de acordo com o paradigma da narrativa mítica. Com isto, ociclo Kuarup, para Marchezan (1990, p. 197), “corresponde a um recriar simbóli-co do cosmos xinguano, cujas características sociais básicas se expressam pelaprópria estrutura e conteúdo mítico da festa, recriar esse em que as forças destrutivasda morte e da desintegração social se vencem, e a partir do qual nova vida ressur-ge, num estruturar de vitalidade” (Marchezan, 1990, p. 197). Logo, o Kuarup éum ciclo de festas que começa em um ritual fúnebre em uma festa de luto. Esseritual tem seu ponto de partida em um grupo de indígenas de uma mesma aldeia,os (enterradores) dirigindo-se aos enlutados (donos de um morto líder ou de linha-gem dessa aldeia) que propõem o enterro pelo Kuarup.

A morte de um líder ou de uma linhagem do povo xinguano é perigosa paraa aldeia e parentes próximos. Com isto, torna-se necessária a “reparação do dano”,ou seja, para que o funcionamento da aldeia ocorra e a reparação seja feita, érealizada, por meio do ciclo do Kuarup, a organização social dessa festa, em que,segundo comentários de Luiz Gonzaga Marchezan apoiando-se nos estudos dePedro Agostinho (1974), os indígenas do Xingu “mergulham no início dos iníciosde seus mitos de origem e reintegram o presente no passado, anulando assim otempo de conflito e dor em que os deixou o acontecimento de uma morte”.

Fonte: http://silnunesprof.blogspot.com/2010/04/homenagem-aos-nossos-iraos-nativos.html

RITUAL KUARUP

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Na concepção indígena, a vida está presa, portanto, a uma teia de relaçõesque podem ser conferidas na íntegra do estudo do autor:

VIDA

1 – Ao nascer um ser humano, a natureza contrai um crédito com a comuni-

dade (através do grupo familiar desse recém-nascido).

2 – A comunidade, com esse nascimento, contrai um débito com a natureza,

assumindo esse crédito com a família.

3 – E a família contrai um débito com a comunidade.

Após a morte de indivíduos importantes para a comunidade, essa relação

entre crédito e débito, esse contrato, precisa ser resolvido. A resolução vem

num outro contrato, num outro pacto, que dá origem ao ciclo do Kuarup, ao

ritual funerário do Kuarup, propriamente dito.

A morte prende-se a outro tipo de reações:

MORTE

1 – A família (o grupo familiar, dono do morto) precisa pagar o débito (da

vida de um de seus elementos) com a comunidade (que contraiu por ela um

débito com a natureza, com o nascimento dessa criatura. O grupo familiar

(dono do morto) precisa entregar o morto à comunidade (representada pelos

enterradores).

2 – A comunidade (enterradores) paga o débito à natureza enterrando, en-

tregando a ela o morto.

O grupo familiar, dono do morto, está pagando seu débito junto à comunida-

de quando deixa entrar em seu espaço privado o cortejo de pessoas alheias

a esse espaço (os enterradores) e deixa levar o morto do espaço familiar,

íntimo, ao seu espaço de retorno à natureza- a sepultura, no centro da aldeia.

Nesse ato o contrato tribal é cumprido. Contrato, de acordo com a etimologia

da própria palavra, significa pacto, pacto para o começo de um novo assunto;

é a ação de inicio desse novo assunto:

CONTRATO

1 – A família paga seu débito à comunidade (recebendo da natureza alguém

vivo e entregando-lhe morto).

2 – A comunidade paga seu débito à Natureza (devolvendo morto alguém que

havia recebido vivo, através de uma família sua); substituindo a morte pela

vida, através do Kuarup, a figura de madeira que é a essência da vida xinguana.

Após enterro, enlutados e enterradores renovam sua pintura; esse fazer sem-

pre se repete nas etapas do ciclo do Kuarup depois dos ritos funerários. Em

continuidade ao percurso da festa, estabelece-se um novo entendimento

entre os enlutados e os enterradores: estes pedem autorização para a cons-

trução do “apenap” – uma “cerquinha baixa e feita de troncos que rodeia

temporariamente as sepulturas (Pedro Agostinho, 1974, p. 56; apud.

Marchezan, 1990). Novamente fica instaurada a relação entre enterradores

e donos dos mortos.

27CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

Renasce a idéia da Vida

A prestação de serviços, pela troca é, portanto, feita entre os indígenas,

relacionando os mundos da natureza e da cultura. Da mesma forma o im-

plante do Kuarup não deixa de refletir relacionamento idêntico entre aque-

les dois mundos. O Kuarup reproduz a idéia de reposição na cultura xinguana

(já dissemos que a madeira é tida como a essência do xinguano): ele repõe

alguém à Mãe Terra, saldando o débito da comunidade junto à Natureza,

para que esta continue contribuindo com comida, com vida. Por isso é fre-

qüente a troca de serviços por comida em todo o ciclo do Kuarup; ela apare-

ce em várias etapas que vão conquistando a vida nas constantes relações,

envolvidas nas trocas, entre o mundo da natureza e o mundo da cultura, que

levantam o luto da comunidade tribal, até um banho simbólico realizando

que marca afinal do luto.

O Kuarup é plantado numa procissão idêntica à do enterro. As flautas uruá

previamente anunciam essa etapa. Segundo Pedro Agostinho, o alto de im-

plante do Kuarup rememora, através dos marakaip (cantores) que cantam

ao seu redor, o acontecimento mítico do ato criador.

O tronco da árvore é tra- O tronco (ou troncos) de

Zido da mata, na horizon- árvore é colocado no

Tal, oculto, indefinido, meio do terreiro, na ver-

“morto”. O tronco vem da tical, definido Kuarup

Natureza. É um crédito “tal”, “vivo”. A comunida-

Que a natureza dá à co- de, com o crédito obtido

Munidade para que ela junto à natureza, substi-

Promova outra vida. Tui uma morte, pagando

Seu débito com a nature

Za. Normaliza sua vida

Tribal.

MORTE X VIDA

Luta: um ritual intertribal pela vida

A luta (huka-huka) é o clímax do Kuarup, inaugurando uma nova etapa de

vida numa comunidade xinguano, uma vez que a perda ocorrida nessa tribo

xinguana já está, nesse momento, reposta dentro do espaço comunitário. O

pacto tribal já está novamente firmado.

A luta representa então um pacto intertribal, geral, após a reposição de uma

vida, cujo resgate pela tribo dá à comunidade um novo crédito. Esse novo

crédito está representado no substituto da vida, na figura de madeira, no

Kuarup; mai especificamente, o crédito está simbolizado no cinto do Kuarup,

um adorno que passa a ser o prêmio da comunidade na disputa intertribal,

que se resume numa luta.

Com essa prática instaura-se novamente entre a comunidade xinguana a

adversidade tribal e completa-se, assim, o resgate da vida suspensa durante

o luto. A comunidade, que é credora da reposição de uma vida, doa, através

do cinto do Kuarup, esse crédito, reatando os compromissos intertribais com

a vida.

COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA • UFMS28

O pequi: o mito que instaura a idéia da vida.

Após a luta há a distribuição da castanha do pequi: os nativos esperam que

ela amadureça e caia da árvore. Uma vez caída, madura, ela é colocada em

cima da sepultura, cobrindo-a.

Quando, depois da luta, a castanha passa a ser distribuída, sua distribuição

é feita pela moça púbere, que até esse momento estava reclusa e que, agora,

libertada no ciclo do Kuarup, já pode procriar.

O pequi é objeto de troca entre as tribos xinguanas participantes do Kuarup.

Segundo a história da criação dos cosmos xinguano, ele veio das cinzas do

jacaré, e este, por sua vez, é tido como conquistador das mulheres. O Kuarup

reúne uma comunidade intertribal. Assim, quando a tribo promotora da

festa oferece o pequi aos visitantes, no encerramento dos festejos, por meio

de suas púberes libertadas para a procriação da vida, também oferece aquela

fruta em troca da liberdade das mulheres da aldeia, para que procriem

somente com os homens da própria aldeia. Os visitantes homens são poten-

ciais conquistadores de mulheres, são jacarés (inclusive, a própria tribo reco-

nhece que seu morto festejado foi um jacaré, pois o pequi oferecido fica

depositado em sua sepultura até a hora da distribuição, no final da festa).

Nessa fase dos festejos, com o luto suspenso, o curso da vida na aldeia que

promoveu o Kuarup voltou a sua plenitude, incluindo todas as suas adversi-

dades diante das tribos visitantes. O pequi, em mais esse ato de troca,

substitui, isto é, dilui a potencial pretensão dos homens das outras aldeias em

conquistar as mulheres da aldeia promotora da festa. Com isso o pequi

ganha também um sentido de ordenador da procriação da vida para os

xinguanos, o que é confirmado pelas origens dessa castanha na sua mitologia.

O Pequi, segundo essa mitologia, “nasceu com quatro diferentes cores, con-

forme a direção dos ramos (norte, azul; sul, verde: leste, branco; oeste,

vermelho)” (Agostinho, 1974, p. 188; apud. Marchezan, 1990).

A festa é encerrada com muita comida. A comida, como vimos, é um paga-

mento freqüente feito como troca de serviços realizados desde os preparati-

vos do ciclo de Kuarup (paga-se com ele prestações de serviços pelo inicio do

processo de levantamento do luto da aldeia), até o seu encerramento na

confraternização entre as comunidades das várias tribos participantes da

festa. A comida representa sempre a vida nessa festa. Assim, ela inicia o ciclo

Kuarup e encerra esse mesmo ciclo, que relembra a história da origem da

vida da comunidade xinguana, no tempo e no espaço de uma das aldeias

(Marchezan, 1990, p. 99 a 102 ).

Assim sendo, é possível depreender, a partir dessa discussão, que as socie-dades indígenas não são desprovidas de história, de alma, de Lei, de direitos, deestruturas complexas de organização, cujos discursos, muitas vezes equivocadose vazios, não dão conta de “traduzir”. Entretanto, também não podemos des-prezar as revelações da poesia, certo? Nem tampouco descartar todos os livrosde história. Às vezes, um poema nos toca de tal forma a sensibilidade, a intuiçãofica tão aguçada, que ficamos sabendo dos mistérios do mundo sem o recurso dalógica e da filosofia. E esse toque de magia na forma de conhecer o mundo, émuito cultivado entre os povos indígenas, constituindo-se também em uma he-rança que deles recebemos. Afinal, se os europeus e asiáticos engendraram o

29CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

raciocínio lógico, a especulação filosófica, nós desenvolvemos a intuição, a adi-vinhação, como disse outro poeta modernista, o Oswald de Andrade. No seusarcástico Manifesto Antropófago – o manifesto do homem brasileiro que devo-ra as culturas estrangeiras - esse poeta imita ironicamente o poeta Shakespeare,explicando qual é o grande dilema do brasileiro: “Tupi our not tupi; that is thequestion”, ou seja, ser ou não ser índio eis a questão! Mas apesar de toda forçada intuição e da magia, apesar de sabermos que temos em nossa alma a memó-ria tatuada de nossos antepassados indígenas, apesar de tudo isso, vamos nosater a aspectos mais concretos dessa herança cultural indígena, de modo que afantasia possa colaborar com a razão.

Neste sentido, se a fantasia pode colaborar com a razão, convém saberdosar a fantasia, de modo que não se transforme tudo em senso comum. O quepermanece no senso comum é, na verdade, muitas ideias equivocadas que ain-da continuam sendo veiculadas por meio dos livros didáticos, ou pela escola, ouainda pela mídia a respeito destes povos. Vejam algumas delas:

“São todos iguais”: desconhece-se e nega-se a grande diversidade socioculturale linguística que há entre os povos indígenas;

“São do passado”: primeiro, nega-se a presença dos povos indígenas comoparte da população brasileira e como integrante do futuro do país; segundo,considera-se o índio como representante da “infância” da humanidade, comoremanescente de um estágio civilizatório há muito ultrapassado pelos “civili-zados”;

“Os índios não têm história”: decorrente da noção anterior, esta baseia-sena falsa certeza de que os povos indígenas “pararam no tempo”, “não evoluí-ram”, vivem como na “nossa” pré-história. Como consequência, imagina-seerroneamente que as sociedades e culturas indígenas não se transformam,não se desenvolvem, e que suas tradições são absolutamente imutáveis;

“São seres primitivos”: “atrasados”, que precisam ser “civilizados”: nega-seaos povos indígenas o direito à autodeterminação e à autonomia de suasescolhas e desqualifica-se seu patrimônio histórico e cultural. Isto impedeque se admita e reconheça a existência de ciências e de teorias sociais indíge-nas, de uma arte e religião próprias; enfim, de um saber indígena;

“São aculturados”: não são mais índios; imagina-se que quando os povosindígenas alteram alguns aspectos no seu modo de viver, tornam-se“aculturados”, deixam de ser “autênticos” e não podem mais reivindicar ter-ras ou outros direitos relativos à condição de índios. (Texto retirado na ínte-gra do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas MEC/SECAD,2005).

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31CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

CAPÍTULO III

Imaginário doÍndio Amazônico

O imaginário do índio da Amazônia não é um fato novo na história, poisremonta a algumas décadas, a começar pela lendária passagem em busca doeldorado1, que tinha o poder de aguçar o imaginário das pessoas sobre a origemdos homens e sua transformação em divindades, deuses. Sem a intenção defazer uma longa digressão, mas seguindo nesta proposição, não do imaginário,mas da representação do real, podemos dizer em relação à origem do homemamericano que ainda há muitas hipóteses a serem comprovadas. Se sua origemtem a marca de nascimento aqui mesmo, ou se foi criado pela divina ação dosdeuses. Outros, entretanto, podem afirmar que o homem americano é descen-dente de algum povo navegante que atravessou o oceano e veio chegar emalgum ponto do nosso continente, dispersando-se, depois, por todo o territórioamericano.

Assim, a presença do homem no continente americano ainda continua sendotema de pesquisa, no sentido de compreender a evolução do processo de che-gada e adaptação neste continente. Há inúmeras versões sobre seu surgimento.Para uns esses povos vieram da África e se dispersaram em busca de novos con-tinentes, novas regiões de climas e recursos naturais variados. É preciso dizer,portanto, que há muitas lacunas na história, sobre a origem do homem america-no; ou seja, há muitas perguntas sem respostas a respeito do povoamento daAmérica. Atualmente, quem se dedica aos estudos sobre a origem do homemamericano são os antropólogos físicos e sociais, os arqueólogos, os etnólogos,linguistas, biólogos e geólogos que procuram conhecer não só a origem, as ca-racterísticas, mas também quando e como a nossa espécie chegou à América.

Uma das hipóteses mais aceita pelos estudiosos é a de que os nossos ante-passados teriam chegado ao continente americano atravessando a região doEstreito de Bering, no extremo norte da América, no Alasca. Essa parte do con-

1 O “Eldorado” é um mito espanhol que fala da existência de uma cidade toda em ouro. Assim,muitos conquistadores, sendo um deles o próprio Irala, em jornada ao Peru, em 1542, saíam embusca desse ouro interrogando os índios, com o intuito de obter alguma informação para quepudesse chegar a essa terra encantada. De acordo com os relatos de Métraux, as terras chaquenhas,em si, não constituíam um fator importante, mas o seu papel histórico se tornou decisivo à medidaem que se tornou uma espécie de “portão de passagem para as fabulosas terras do oeste, das quaisos Guarani receberam objetos de prata e ouro vistos pelos espanhóis da boca do rio da Prata aoParaguai”. (MÉTRAUX, 1963)

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tinente americano ainda estava ligada ao continente asiático, por uma estreitafaixa de terra. Isto significa que o Alasca era ligado à Sibéria, o que permitiaentão a passagem de animais e homens, de um continente para o outro, porterra firme.

Ao chegar à América do Sul, mais especificamente ao norte desse conti-nente, encontra-se uma densa e úmida floresta chamada amazônica; e, maispara o sul, estendem-se as planícies de cerrados. Em vista dessa diversidadeecológica, é natural que houvesse tantas diferenças culturais e sócio-políticasentre os povos que ali habitavam. E mais ainda é possível dizer: as diferençashistóricas do processo de formação desses povos pioneiros são perceptíveis nasdiferentes formas de adaptação e de organização de suas sociedades; tais pecu-liaridades apresentam inúmeras formas de cultura, rica na diversidade de mani-festações religiosas, artísticas, políticas e, até econômicas.

Até há pouco tempo, era aceita a ideia de que a América do Sul apresenta-va uma distinção fundamental e contrastante entre os povos do altiplano andino,tidos como detentores de uma alta civilização, e os povos da floresta tropical,socialmente toscos e atrasados, sem qualquer complexidade cultural ou política.Entretanto, investigações recentes (ver Carlos Fausto: Os Índios Antes do Brasil,Zahar, 2000) já demonstram o quanto é variada e rica a cultura desses povosque se desenvolveram à sombra da cordilheira dos Andes, seja, por exemplo, ospovos das várzeas amazonenses, como o marajoara, seja os que, mais ao sul,circundavam o Chaco.

O homem, ao se deslocar, foi se adaptando a este novo sistema e criandoformas próprias de organização social, econômica, política e cultural, bem comose protegendo das adversidades causadas pela natureza. Assim, cada sociedadeque se desenvolveu na América do Sul, percorreu caminhos culturais próprios.Sobre os caminhos buscados pelos povos que habitavam o Brasil, os que sempreestiveram mais em evidência, sobretudo nas últimas décadas, foram os povos daAmazônia, pois além de possuírem uma densidade populacional maior, cercade 60%, entre dos demais povos indígenas de outras regiões do País tambémapresentam em sua dinâmica de organização social uma influência menor narelação de contato, visto que são povos que vivem mais distante das cidades, emgrandes áreas preservadas pelas matas e rios. Outro aspecto significativo quetambém merece registro é que ainda há alguns grupos na região amazônica queainda não foram contatados pela sociedade não indígena.

A propósito, conviria observar que é difícil definir o que seja um determi-nado povo, pois há muitas variantes em torno das línguas faladas. Geralmente,quando nos referimos a um determinado grupo é mais por indicação da formacomo eles eram conhecidos no período do contato, ou como ficaram conheci-dos por seus grupos vizinhos, do que por meio de informações diretas fornecidaspor eles.

Embora tenha ocorrido um crescimento significativo da população indíge-na no Brasil, há grupos considerados “extintos” e grupos que ainda não permiti-

33CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

ram um contato mais direto e permanente com a cultura ocidental: são conhe-cidos como “índios isolados”.

Dessa forma, é na Amazônia que se encontra uma das maiores organiza-ções indígena no Brasil, a COIAB2. Tal organização possui cerca de 75 organiza-ções membros dos nove Estados da Amazônia Brasileira, sendo: Amazonas, Acre,Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. São or-ganizadas por meio de associações locais, federações regionais, comespecificdades de atuação via organização de mulheres, professores e estudan-tes indígenas. Assim sendo, juntas, essas comunidades somam aproximadamen-te 430 mil pessoas, o que representa cerca de 60% da população indígena bra-sileira. Por isso, o imáginário de que só há povos indígenas na Amazônia, devidomuita vezes às suas pinturas corporais, rituais e vestimentas, é tão evidente edisseminados no senso comum que acaba por causar prejuízo aos demais povosindígenas do Brasil, originando exclusão e preconceitos. Quando a grande im-prensa fala de indígena, logo apresentam a imagem de algum grupo amazônico.

2 Há por todas as regiões do Brasil, fora da região amazônica, a criação de diversas organizaçõesindígenas no sentido de reivindicar uma atenção por parte do Governo para estabelecer políticaspúblicas de reconhecimento e atendimento a estes povos. De acordo com estas organizaçõesdeve-se reconhecer a dinâmica de organização social e política de cada etnia do País, sem quehaja parâmetros de comparação entre eles (grupos fora da Amazônia) com os povos da Amazô-nia.

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35CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

CAPÍTULO IV

Desconstrução de Discursos:Entendimento do Etnocentrismo

em Antropologia

Como você pôde perceber, este estudo se propôs a tratar de maneira dife-rente a temática dos povos indígenas: recorreu-se à História e à Literatura, como objetivo de ampliar o seu entendimento e a sua sensibilidade para o assunto,bem como desconstruir os discursos preconceituosos. É oportuno observar queeles também ajudaram a construir a nossa história e fazem parte integrante danossa identidade, ou seja, da nossa brasilidade.

Ao tratarmos do índio brasileiro, muitas vezes não especificamos sua etnia,ou nação, pois é muito difícil apresentar com detalhes todos os mais de 230povos que fazem parte do nosso país. Até porque, cada sociedade tem umahistória de contato, de expansão, de conquistas, de lutas, de entendimento domundo, de educação, saúde, trabalho, enfim, cada povo tem sua própria formade organização social. O que fizemos aqui, nestas reflexões, foi justamentemostrar que todos esses povos fazem parte da nossa sociedade e tem contribuí-do historicamente para a formação sócio-cultural e econômica do Brasil; sãoplenamente, em todos os sentidos, cidadãos brasileiros; mesmo assim, apesar detamanha importância, nem a história oficial e nem a literatura têm efetivamentemostrado isso com destaque e com a devida importância.

A propósito, ainda é muito comum o entendimento equivocado de queos povos indígenas são empecilhos ao progresso, não contribuem para o desen-volvimento do País. Como foi demonstrada, desde as primeiras lições deste estu-do, a contribuição do índio foi e continua sendo enorme: na formação do povobrasileiro (oficialmente há junção de três raças: a indígena, a branca e a negra;ainda que saibamos que o seguimento branco foi o dominante, a cujo projetocolonizador submeteu o índio e o negro), na agricultura familiar, na conservaçãodo meio ambiente, na defesa do território, na língua portuguesa, nas artes, namedicina tradicional, na educação; enfim, em muitas áreas do conhecimentoteórico e prático.

Com relação à Educação, muitas discussões, estudos e ações têm sido re-alizados no sentido de rever o modelo único instituído pela sociedade não-indígena. Antigamente, as sociedades indígenas não conheciam essa educaçãooficial, realizada em escolas, com salas de aula, professores de várias disciplinas,diretor, inspetor de alunos e tantos outros funcionários. Tradicionalmente, ascrianças indígenas conheciam somente a educação chamada informal, aprendi-

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da na família e na relação com os adultos da aldeia, ou seja, no seu dia a dia. Oconhecimento era passado de geração em geração, na rodas das fogueiras, ouem cerimônias e rituais, ensinados pelos antepassados e perpetuados pelos maisvelhos da aldeia.

Ao tomar contato com a sociedade não-indígena, a educação escolar ofe-recida pelo governo, ou por instituições religiosas, substituiu a educação familiare comunitária praticada há séculos nas aldeias; foram oferecidas novas formasde entendimento do mundo, novos saberes, bem diferentes daqueles transmiti-dos pelos antepassados. Essa educação oficial impôs um único modelo a todos,indígenas e não indígenas, trazendo outros valores e conhecimentos, excluindo,e até mesmo desvalorizando, os saberes tradicionais indígenas.

Nesse sentido, tanto as lideranças indígenas, em um primeiro momento,quanto, depois, o movimento dos professores indígenas, assumiram a luta poruma educação escolar diferenciada, tendo como base os conhecimentos e valo-res indígenas, sem desprezar os saberes não-indígenas. Como resultado desseesforço por uma educação diferenciada, na década de 1980 foram organizadosvários movimentos indígenas, para lutar contra toda forma de injustiça e discri-minação, ou até mesmo de incompreensão sobre a sua cultura, sua história eseu modo de vida.

Como vocês já observaram no item sobre os movimentos indígenas, a re-sistência organizada pelos povos indígenas não é recente. É só lembrarmos, comoexemplo, da Confederação dos Tamoios, logo no início da colonização do Brasil.Foi uma iniciativa que agregou várias aldeias indígenas, cujo objetivo era o deencontrar formas de organização e de enfrentamento ao europeu que invadia oseu território e punha em risco a sua vida.

Sabemos pela história que apesar de toda resistência oferecida ao coloni-zador, a realidade dos povos indígenas não mudou muito, principalmente naquestão da terra que, nos últimos tempos, vem se agravando de formapreocupante. Nem por isso o desânimo abateu o espírito de luta que sempredemonstraram nos momentos mais difíceis de sua história; é o que podemosnotar na maneira habilidosa e sábia com que suas lideranças têm buscado alter-nativas políticas para sobreviverem com dignidade.

Embora tais ações tenham sido prospectivas e eficazes na luta por suasobrevivência e conquista de seus direitos, observa-se que ainda não consegui-ram um avanço na construção de uma imagem positiva junto à sociedade não-indígena. Há grande dificuldade em serem entendidos – e aceitos – na suadimensão de povos diferentes, isto é, como sujeitos de direitos que constroem asua própria história. Conforme já foi mencionado, as narrativas demonstramque a imagem do outro (do indígena) fica sempre distorcida ou desfocada, emuma clara deficiência de compreensão, resultando em estranhamentos entreambas as partes. Na visão que um faz do outro, é preciso relativizar essa diferen-ça, é preciso construir uma imagem menos etnocêntrica em relação à cultura dooutro.

37CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

Nas concepções teóricas de Everardo Rocha, entendemos o etnocentrismocomo uma visão de mundo em que o nosso próprio grupo é tomado como ocentro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos a partir “dos nossosvalores, nossos modelos e de nossas definições do que é existência (Rocha, 1984,p. 07).

Foi justamente para mostrar como se dá a construção do conhecimento, oude uma ciência sobre a diferença entre seres humanos, que surgiu a Antropolo-gia Social. Assim, essa diferença não se equaciona com a ameaça, mas com aalternativa, a alteridade. Não é a hostilidade do “outro”, mas a possibilidade queo “outro” pode abrir para o “eu” (Rocha, 1984, p. 21).

A propósito, um dos entendimentos equivocados – e aqui já referidos – arespeito dos povos indígenas é o de que não contribuem para o desenvolvimen-to do País, seja do ponto de vista econômico, político, ou sócio-cultural. Poderí-amos dar inúmeros exemplos mostrando a contradição destes equívocos, noâmbito da agricultura familiar, na conservação do meio ambiente, na defesa doterritório, na língua portuguesa, nas artes, na medicina tradicional, na educação;enfim em muitas áreas do conhecimento. Entretanto, optamos por dar um exemplono âmbito da ECONOMIA INDÍGENA, no intuito de desfazer aquela concepçãomacunaímica de “indiozinho preguiçoso”, apesar de não se poder mudar a ideiado próprio Macunaíma e nem a do autor, Mário de Andrade, a respeito destefato; esperamos que isso não ocorra com os leitores das obras literárias e nemcom os estudiosos da História.

É importante entender a partir do universo indígena, que a economia des-ses povos exerce mais uma função social do que econômica, propriamente dita;ou seja, são as dinâmicas sociais de cada sociedade que estabelecem o ritmo, otempo desprendido e o sentido das práticas econômicas e produtivas. Ao com-preendermos essa dimensão social da economia e do trabalho, desfaz-se a ideiaincorreta de que as sociedades indígenas exercem suas atividades produtivasapenas para suprir suas necessidades básicas de sobrevivência física; além dessadimensão material, vimos que o trabalho também possui uma dimensão peda-gógica, espiritual e moral.

Convém repetir, portanto, que a economia, entre os povos indígenas, nãoexerce apenas uma função material, mas também social, moral e política. E mais,ainda, é preciso repetir: os povos indígenas têm uma compreensão muito pecu-liar do trabalho e do modo de garantir a sobrevivência, afastando-se do conceitode lucro e de acumulação de bens, próprio das sociedades não-indígenas. Emesmo essa compreensão diferente de trabalho não é única para as diversasnações e etnias indígenas, pois cada sociedade particular elabora diferentesconceitos e diferentes práticas econômicas.

Essa tentativa de se apresentarem modelos únicos e estranhos às comunida-des indígenas sejam eles econômicos, culturais, políticos, sociais, e até mesmopedagógicos, para se adequarem às expectativas das sociedades não-indígenas,só podia resultar nos resultados negativos já conhecidos. Nenhum desses mode-

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los impostos foi bem sucedido em suas pretensões; não levaram em conta que associedades indígenas, à época do descobrimento do então chamado Novo Mun-do, já tinham uma forte identidade cultural e havia uma enorme diversidadeentre esses povos. Mesmo assim, há inúmeros exemplos na história, de modelosimpostos e mal sucedidos que, enquanto duraram – alguns durante décadas –,causaram grandes prejuízos para as comunidades indígenas.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, podemos apontar a situação dos índi-os Terena, que, historicamente, por serem bons agricultores, acabaram sendolevados para trabalhar nas fazendas vizinhas à sua aldeia, alterando profunda-mente a forma de sua organização social, nas relações de trabalho. Alguns estu-dos etnográficos registram que, no início do século passado, entre 1904/1905,além do serviço prestado junto às fazendas, os Terena também foram levadospara trabalhar junto à comissão encarregada do estabelecimento das linhas tele-gráficas. Isso contribuiu ainda mais para dividir e alterar as atividades internas daaldeia, pois os homens passaram a realizar trabalhos em locais muito distantes eafastados de sua região, ficando dias sem verem seus familiares.

A propósito, a distribuição das funções do trabalho, na Aldeia doCachoeirinha, região de Miranda/MS, na década de 1990, de acordo com osestudos de Mussi (2006), também foi sendo sucessivamente alterada. Tradicio-nalmente, às mulheres cabia a responsabilidade de cuidar dos afazeres domésti-cos, dos filhos e da troca de produtos plantados na lavoura. Algumas delas con-feccionavam a cerâmica, conforme foto abaixo, e ajudavam os maridos no tra-balho da lavoura. Já aos homens, cabia o dever de cuidar da lavoura e de garan-

Cerâmica Terena produzida noNúcleo de Cerâmica em Campo Grande-MS

Foto: Vanderléia Mussi (2006)

39CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

tir a produção de alimentos, incumbências herdadas de sua família de origem.Apenas alguns deles ajudam na comercialização dos alimentos, mas, geralmen-te, isso ficava mesmo sob a responsabilidade das mulheres. A autora sublinhatambém que as mulheres que moram em contextos urbanos, assim como asmulheres da TI Cachoeirinha, não abandonaram a prática de confeccionaremcerâmica.

Com a instalação de destilarias na região, alterou-se toda a divisão tradici-onal do trabalho; o interesse de trabalhar de forma assalariada atraiu um grandenúmero de homens da aldeia, esvaziando a lavoura de subsistência que já esta-va bem precária. Se para os homens que trabalhavam na lavoura, as dificuldadeseram enormes, tendo em vista a falta de recursos, o que dizer daqueles que,agora, passaram a prestar serviço em destilarias? Além de ganharem pouco e sesujeitarem a regimes de trabalho totalmente diferentes do que vinham pratican-do há séculos, ainda ficavam longe de seus familiares, durante meses, tornandotudo mais difícil com o desequilíbrio provocado em toda a organização da al-deia, mas apesar de todas as dificuldades e, embora submetidos a toda sorte dedesordenamento de sua economia original, a comunidade não estacionou navida, aguardando a sua extinção. Se o equilíbrio de vida e subsistência, conse-guido durante séculos de experiência, foi sendo profundamente alterado peloscolonizadores, era preciso reordenar a vida, conforme os novos desafios (Mussi,2006, p. 143 a 150).

As alterações foram ocorrendo em todos os aspectos da aldeia, como habi-tação, alimentação, saúde, educação, entre outros. As casas eram construídascom tijolos de adobe – uma espécie de barro retirado do fundo de poço emisturado com capim –, sustentados por pau-a-pique e cobertas de sapé ou comfolhas de acuri e sapé. Não existia luz elétrica, a iluminação era feita por meiode lamparinas; não havia transporte; a roupa que usavam era alternada com oxeripá (roupa também usada na região do Chaco) e com tecidos de algodão. E apopulação era reduzida a um grupo de famílias.

Na atualidade, a maioria das casas de sapé foi substituída por casas de alve-naria, o arruamento, que antes era desordenado, passou a ter quadras devida-mente alinhadas, ruas largas, gramadas e também com pés de manga distribuí-das por toda parte; essa reorganização urbana, iniciada por influência do SPI(Serviço de Proteção ao Índio – criado por Cândido Rondon em 1910) no iníciodo século XX, permanece entre os Terena até os dias atuais.

Quanto à produção da lavoura, as pequenas safras são colhidas durantetodo o ano, pois não precisam de um período específico de entressafra; háculturas permanentes de: mandioca, feijão miúdo, feijão comum, batata-doce,abóbora, moranga e limão. Já os demais produtos, como quiabo, milho, maxixee arroz, precisam de um período para plantio, por isso, são produzidos em al-guns períodos do ano. Há outros produtos, porém, que são apontados por elescomo muito pouco cultivados, e que estão presentes em sua dieta e oferecidosao comércio, como a banana, o abacaxi, a laranja e a cana-de-açúcar. A manga

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é nativa, logo não precisa ser plantada e produz o ano todo. No entanto, eles sópodem contar com o seu fruto, para comercialização, uma vez ao ano (Mussi,2006, p. 150 a 154).

Como é possível perceber, o dia a dia desses povos está sustentado porsistemas econômicos bem diferentes de seus antepassados; entretanto, sem ne-gar sua cultura e suas origens, tiveram de encontrar formas alternativas de sobre-vivência, particularmente, a partir dos últimos 60 anos. Assim, o povo Terena daAldeia do Bananal, por exemplo, além do plantio da mandioca (hihi), milho(soboró), cana-de-açúcar (cana), batata doce (coé), dedicavam-se também à fa-bricação da farinha, o que constituía na época, em 1940, uma de suas principaisatividades. O arroz, o feijão miúdo, eram encontrados em quase todas as roças;já o fumo e o algodão, eram plantados em escalas bem menores. Ao lado dessaplantação mais comercial, os Terena cultivavam hortaliças e, em escala mais fa-miliar, a pimenta, o pimentão, a cebola, e outras.

Na década de 1960, a mão-de-obra Terena não se limitava apenas às ativi-dades do extrativismo, da agricultura e pecuária. Nesse período, também come-çaram a ser contratados pelas empresas locais (pedreiras e carvoarias), situadasapenas a oito quilômetros da Estação de Ferro Noroeste do Brasil, em Aquidauana.A partir daí, os Terena empregados nessas empresas, acabaram mudando daReserva Indígena, para a povoação de Duque Estrada, constituindo-se, assim,um dos primeiros movimentos migratórios massivos rumo ao meio urbano. Con-viria observar que o primeiro movimento migratório para a cidade de CampoGrande não é recente, uma vez que, após a Guerra do Paraguai, já havia umgrupo Terena fixado na área do Cerradinho que, segundo as informações de

Tijolos de adobe produzido pelo povo Terenada Terra Indígena do Cachoeirinha / MS

Foto: Vanderléia Mussi (2006)

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Altenfelder (1949; apud; Mussi, 2006, p. 231), é conhecida como Campo Gran-de. Assim, podemos inferir que, neste caso, ocorreu um processo de ocupaçãoseguido de inserção. Assim, se os Terena começaram a migrar para Campo Gran-de, antes mesmo da Fundação oficial da cidade, podemos dizer que a cidade deCampo Grande é que foi constituída em terras já habitadas por Terena e não ocontrário.

Na década de 1990, também na Aldeia do Bananal essa realidade já haviasido alterada. As mulheres se incumbiam dos afazeres domésticos, incluindo-seaí o cuidado com os filhos e a comercialização dos produtos plantados na lavou-ra. Em substituição à tradicional confecção da cerâmica e à tecelagem, as mu-lheres buscaram alternativas artesanais na produção de cestaria - abanicos, ces-tas, chapéus - além de ajudarem os homens no trabalho da lavoura.

Foto: Vanderléia Mussi (2006)

Os homens, que antes trabalhavam somente na lavoura garantindo a pro-dução de alimentos, além de ainda manterem essa atividade agrícola, atualmen-te, ajudam, também, na comercialização e produção de cestarias e cerâmicas.Apenas alguns deles ajudam na comercialização dos alimentos, mas, geralmen-te, isso fica sob a responsabilidade das mulheres. Assim, tanto os Terena do Ba-nanal como os Terena do Cachoeirinha (outra aldeia próxima), alternam os ser-viços prestados nas fazendas e na roça doméstica, com o trabalho nas destilarias.

Essa atividade de trabalho no corte da cana, nas usinas de álcool e açúcar,tem crescido muito nos últimos anos; atualmente, no Estado de Mato Grosso doSul, mais de 16.000 mil trabalhadores indígenas prestam serviço nas destilarias.

Índio Terena na lavoura em Campo Grande / MS

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São grupos étnicos diversificados, predominando, principalmente, os grupos:Terena, Guarani-Kaiová e Guarani-Nandeva que se deslocam de suas áreas deorigem, vindos de diversas regiões do Estado (Mussi, 2006, p. 183).

Como se pode observar, apesar de todos os esforços de readaptação eco-nômica, a busca pela sobrevivência continua expondo muitos povos indígenasdo País a situações precárias e a condições degradantes de trabalho. São “mode-los” impostos que, embora mal sucedidos do ponto de vista dos valores culturaise econômicos dos indígenas, geram lucro e abastecem a economia não-indíge-na da região e contribuem para a formação do Estado e, por conseguinte, para anação brasileira.

A propósito, conviria observar que nas sociedades indígenas, o principio dareciprocidade determina todo o processo de distribuição e troca do que é pro-duzido. Em algumas regiões, como é o caso do Alto Xingu, existe uma complexa

CESTARIA PRODUZIDA PELOS TERENA

Foto: Vanderléia Mussi (2006)

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rede de trocas: a partir dessas trocas de alimentos, utensílios domésticos e atéornamentos, são firmadas as boas relações sociais entre uma sociedade e outra;mas não é difícil ocorrer uma negociação desvantajosa para uma das partes,trazendo desarmonia entre essas mesmas sociedades. Mas uma boa conversa aopé do fogo pode superar a desavença.

Assim, os sistemas econômicos das sociedades indígenas, conforme jámencionado, não visam ao lucro, isto é, não trabalham para acumular bens ma-teriais, ao estilo das sociedades não-indígenas; mas também não se pode afirmarque trabalham apenas para se manterem vivos e nada mais. Os indígenas acu-mulam sua produção, sim; muitas vezes o fruto do trabalho é maior do que assuas necessidades básicas de sobrevivência, mas esse excedente não é dirigidoao lucro e enriquecimento material. Quando produzem mais do que precisam,o objetivo pode ser a partilha solidária entre as próprias famílias da aldeia, ou arealização de cerimônias e rituais de iniciação e celebrações míticas. Não foiisso o que vimos no romance de Antonio Callado, durante a cerimônia do quarupno Posto Capitão Vasconcelos, lá no Xingu? Você viu como o personagem Vilarjuntou tanto peixe para a cerimônia, que teve de utilizar uma ubá para transportá-lo? Havia mais peixe do que o necessário para aqueles índios sobreviverem noseu dia a dia, mas como o momento era especial, com muitos convidados para afesta, esse “excedente” se tornou inevitável e foi muito importante para os fes-tejos e cerimoniais que duraram muitos dias.

O excedente na cultura indígena, portanto, é um valor que não produzmais-valor, ou seja, não está dirigido ao lucro, ou à capitalização. Se for possívelfazer uma imagem poética, pode-se dizer que o excedente na cultura indígenaé um valor dirigido à reprodução da vida e da felicidade dos homens.

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45CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

CAPÍTULO V

Povos Indígenas:Múltiplos Olhares e

Múltiplos Entendimentos

As sociedades indígenas, conforme já foi mencionado, têm suas peculiari-dades sociais e culturais; ora, isso não significa que sejam inferiores ou superio-res aos não-indígenas, mas, sim, que são diferentes. Da mesma forma, podemosdizer que não há duas sociedades indígenas iguais, ou seja, mesmo quandoocupam o mesmo espaço, vivendo uma próxima da outra, elas mantêm suaprópria individualidade, tanto no que diz respeito às relações sociais quanto aocampo simbólico, isto é, à maneira como representam o mundo das coisas e doshomens. Em outras palavras, não é possível explicar a lógica sociocultural, ouseja, a forma como essas sociedades pensam, agem e se organizam, simples-mente por fatores ecológicos (espaços em que vivem), biológicos (por determi-nação genética) ou até mesmo por fatores econômicos (forma como desenvol-vem suas atividades de trabalho).

Assim, nas aldeias indígenas, não existem muros separando uma casa daoutra e, em algumas sociedades, até as roças são coletivas; mas isso vai depen-der, como já dissemos, da forma como se organizam e como entendem omundo, o universo, segundo as concepções míticas que os orientam na vidamaterial.

Para maior compreensão dessa dinâmica sociocultural, vamos tomar comoexemplo, a questão da escassez, ou seja, da falta de recursos. Nas sociedadesnão-indígenas, conhecidas como ocidentais, a falta de recursos é mais o resulta-do de um sistema econômico vigente do que propriamente de uma condiçãonatural, conforme mencionado anteriormente. A terra, nessas sociedades, sen-do de propriedade privada, isto é, particular, passou a ser escassa por se limitarsomente às pessoas que possuem um poder aquisitivo razoável, dispondo dedinheiro suficiente para poder comprá-la. Logo, quem não tem dinheiro nãocompra terra e alguns nem conseguem comprar uma casa; isso já não ocorre nassociedades indígenas, porque a terra é considerada de uso comum, emboratenha diferentes significados para cada povo ou etnia.

Em vista dessa multiplicidade de povos e culturas, considera-se o Brasil umpaís pluriétnico e multifacetado, devido à grande diversidade existente. É difícildefinir o que seja um determinado povo ou etnia, pois há muitas diferenças emtorno das línguas faladas. Geralmente, quando nos referimos a um determinadogrupo é mais por indicação da forma como eles eram conhecidos no período do

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contato com os colonizadores, conforme explicitado neste estudo, ou como fi-caram conhecidos por seus grupos vizinhos, do que por meio de informaçõesdiretas fornecidas por eles.

Desde o período Colonial, entretanto, vem ocorrendo um fato muitopreocupante: os povos indígenas têm sido pressionados a se deslocarem suces-sivamente, por conta do avanço da sociedade envolvente e das frentes de ocu-pação; isto é, o avanço de toda e qualquer sociedade que não é indígena e quese apossa e passa a residir em território indígena. Esses povos buscam todas asalternativas possíveis para continuarem existindo, mantendo sua cultura e seuscostumes tradicionais. Atualmente, porém, a situação não mudou muito e, emmuitos casos, até piorou, pois na luta pela garantia da sobrevivência, as popula-ções indígenas começaram a sair de suas aldeias de origem para as cidades maispróximas: o objetivo é encontrar alternativas de vida que possam atender assuas necessidades mais urgentes, como trabalho, alimentação, saúde, educaçãoe moradia.

Esse deslocamento para os centros urbanos é o que chamamos de “êxodopopulacional” e é o responsável pelas levas de migração que continuam a ocu-par as cidades, de forma nunca vista antes em nossa história. No último censo doIBGE - uma instituição pública que calcula o número de habitantes do País -realizado em 2000, registrou-se, na cidade de Campo Grande/MS, um aumentoda população indígena em torno de 4.620 pessoas; só para se ter uma ideia, em1991, o número foi de 1.336. Se considerarmos os dados em todo o Brasil,houve um aumento populacional nas cidades em torno de 32.469 pessoas amais, do que na zona rural.

Vamos tomar como exemplo o deslocamento dos índios Terena, da aldeiade origem para a cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul; de acordocom estudos realizados pela autora Vanderléia Mussi (2006), houve um grandeêxodo nesses últimos 50 anos, especialmente na última década do século XX,em busca do que eles supõem ser uma melhor condição de vida. Esse desloca-mento de indígenas não é exclusivo da cidade de Campo Grande, pois vemocorrendo em todo o Estado e em outras regiões do Brasil, como é o caso deManaus e Belém.

Em seus estudos com o povo Terena, a autora (Mussi, 2006) aponta umcurioso e incessante processo de deslocamento entre a zona rural e a urbana,sem fixar residência definitiva na cidade; isso porque esses indígenas não aban-donam seus parentes que ficaram na aldeia, mantendo vivas, portanto, as rela-ções entre a aldeia de origem e a aldeia urbana.

Retomando os estudos do antropólogo Cardoso de Oliveira, a autora afirmaque desde 1960 vem ocorrendo essa migração para a zona urbana, de formacada vez mais intensa, aumentando muito a concentração de índios nas cida-des. Como se pode observar, o Brasil, que apresentava em 1991 uma populaçãode 71.015 indígenas urbanos, passou para um total de 383.298 indivíduos em2000; isso equivale a mais de 400% de aumento demográfico! Só no Estado de

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Mato Grosso do Sul essa população indígena urbana, que era de 3.832, em1991, passou para 11.672, em 2000, o que significa um aumento de mais de300%! (Mussi, 2006, p. 211)

Você deve estar pensando que é importante que os povos indígenas dei-xem a sua aldeia e venham para a cidade em busca de melhores condições devida; afinal, ninguém é obrigado a ficar passando por dificuldades para se man-ter na vida. Isso é verdade, mas se pensarmos de forma um pouco mais atentasobre esse deslocamento, principalmente do ponto de vista do indígena, perce-beremos o quanto essa é uma situação dramática. Você se lembra dos quadrosdo pintor brasileiro Cândido Portinari que retratavam os migrantes nordestinos?Observe a reprodução abaixo:

Existe alegria nessas pessoas? Veja como adultos e crianças são retratadospelo pintor com expressões deprimidas, sem qualquer manifestação de expec-tativa positiva em relação ao futuro. A desesperança estampada nos rostos dessaspersonagens não é exclusividade de nordestinos que fugiam da seca e vinhampara o sul do País: todo ser humano que deixa o lugar onde nasceu e criou raízesfamiliares e culturais sofre muito ao deixar a terra natal. Só em extrema necessi-dade as pessoas deixam o seu lugar de origem, pois preveem a enorme dificul-dade de sobreviver em um lugar estranho, de costumes às vezes muito diferen-

Fonte: Quadro sobre os Retirantes de Portinari – retirado do site de antoniaevi.blogspot.com e www.puccamp.br/centros/.../portinari/retirante.html. Acesso: outubro de 2009.

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tes, tendo de se relacionar com pessoas que podem ser agressivas, fazendo-ossentirem-se como estrangeiros na própria terra; enfim, é uma situação de gran-de sacrifício!

Além disso, se levarmos em conta povos de culturas tão diferentes, construídasem séculos de experiências e saberes, como os indígenas, o sacrifício do desloca-mento para os centros urbanos com certeza será maior. E não pense que serãoapenas sacrifícios físicos e psicológicos... O mais grave de todos os sacrifícios sãoos equívocos cometidos com estes povos atribuindo-lhes a culpa pela “perda” desua própria identidade: nem índios, nem brancos. Isso é tão grave que os própriosindígenas, muitas vezes, omitiam a sua condição étnica, quando interrogados. Emesmo que quisessem, não poderiam se identificar como indígenas, pois os for-mulários dos censos demográficos restringiam-se à cor, com as opções de branco,preto, pardo e amarelo: nenhuma referência à etnia da pessoa a ser cadastrada.

Assim, a opção pela condição indígena foi negada por décadas, tanto pornão-índios, quanto por indígenas que receavam anunciar a sua presença quasesempre repudiada como um “problema social”. Só a partir da década de 1990,começou a aparecer o crescimento populacional indígena nos levantamentosdemográficos; isso porque não era mais possível tornar invisível sua presença,cada vez mais numerosa nos centros urbanos.

Hoje, entende-se - e admite-se - que é importante reconhecer e valorizara identidade étnica específica de cada uma das sociedades indígenas: compre-ender seus modos, costumes, suas línguas e formas tradicionais de organizaçãosocial, de uso e manejo da terra, assim como de sua ocupação e a forma comoutilizam os recursos naturais. Tudo isso significa o respeito pelos direitos coleti-vos de cada uma dessas etnias, em busca de um convívio pacífico, por meio dointercâmbio cultural que só nos enriquece como seres humanos. Além de seruma conduta ética em relação aos que são diferentes, esse reconhecimentoengrandece a nossa brasilidade e a torna mais “civilizada”, por conta da comple-xidade harmoniosa da formação étnica destas sociedades.

A dinâmica de deslocamento e inserção dos indígenas no meio urbanovivenciada por essas famílias Terena não pode ser classificada apenas como umprocesso de “desaldeamento” ou “destribalização”, conforme registram algunsestudos etnográficos, e nem tampouco pode ser vista de forma simplista, comoum desajuste na ordem familiar. Entretanto, deve ser entendida como uma dinâ-mica intrínseca do povo Terena, sempre predispostos aos deslocamentos, soma-dos por vezes, a alguns fatores de ordem externa.

Desta forma, a pesquisa realizada por Vanderléia Mussi (2006) nos mostra,a partir dos depoimentos fornecidos pelas famílias entrevistadas, que a grandemaioria tem como principal motivo para o deslocamento em direção à cidade, abusca de trabalho. No entanto, ao explorarmos mais detidamente os depoimen-tos fornecidos pelos Terena de Campo Grande, constatamos que há outros fato-res concorrendo, ainda que de forma secundária, para este deslocamento einserção no contexto urbano.

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Assim sendo, as projeções estatísticas apontam uma grande maioria (79,20%)que já se encontrava dispersa entre os diversos bairros da periferia da Capital,antes mesmo da nucleação da comunidade, ocorrida, como já se assinalou, apartir de 2001; essa população urbana e desterritorializada acabou por introjetara consciência de “desaldeado”, condição só superada com a constituição daaldeia da Água Bonita, fruto de um processo dinâmico de negociações com asociedade envolvente. Por índios desaldeados designavam-se aqueles indígenasque saíam de suas aldeias em busca de novas condições de vida e trabalho, eque ainda não haviam sido reconhecidos como urbanos, pela sociedadeenvolvente e pelos seus próprios patrícios, há algum tempo já estabelecidos nascidades.

Conviria observar que este não reconhecimento é decorrente de um estig-ma disseminado pelo senso comum que os discriminava como indivíduos semcultura (aculturados), ou seja, aqueles que eram desprovidos de identidade, sejaindígena, seja não-indígena. No estudo de Vanderléia Mussi (2006), fica de-monstrado o quanto esse estigma estava incorporado, identificando comodesaldeados alguns moradores, sem qualquer registro de tempo de saída da al-deia e até mesmo a aldeia de origem. Logo, para evitar essa etiquetagem, prefe-rimos, então, substituir o termo “desaldeados” por urbanos. E dada a complexi-dade do processo, ainda não podemos atribuir-lhes o conceito de urbanos, masde populações indígenas vivendo em contextos urbanos (Mussi, 2006, p. 337).

Nesta mesma linha de argumentação, mas com uma reflexão discursivamais teórica, entendemos que o conceito de índio puro e índio misturado,índio primitivo e aculturado, foi sendo superado pela antropologia contempo-rânea. Nos estudos apontados pelo antropólogo João Pacheco de Oliveira so-bre “Uma etnologia dos “Índios Misturados”, povos do Nordeste”, o autorlembra que outras conceituações eram feitas desde os povos indígenas nasAméricas, conhecidos como “pueblos únicos (Bonfil, 1995, p. 10; apud, Oli-veira, 1999)”; ou ainda, da descrição dos direitos dos indígenas, conhecidoscomo povos “originários” (Cunha, 1987). Para o autor, encontra-se aí umacontradição em termos absolutos, ou seja, o “surgimento recente (duas déca-das!) de povos que são pensados, e se pensam, como originários (Oliveira,1999, p. 11)”. Da mesma forma, também aponta outras conceituações simila-res que foram fortemente marcadas nos livros didáticos de História e Literatu-ra, cujas denominações são: as “populações aborígenes, encontradas na legis-lação na Austrália e Oceania, no Canadá, na Argentina e em outros países daAmérica Latina” e as “populations autochtones” referência comum utilizadaprincipalmente na etnografia francesa.

Para Oliveira, a expressão de “índios misturados” era freqüentemente usa-da para registrar os “Relatórios de Presidentes de Província” e em outros docu-mentos oficiais, pois permitia explicitar valores, estratégias de ação e expectati-vas dos múltiplos sujeitos envolvidos. Assim, seguindo ainda as reflexões teóricasdo autor, tais discussões ao invés de contribuir para se estabelecer um

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(...) diálogo com as tentativas de criar instrumentos de entendimento teóricosque contribua com o estudo desse fenômeno – como a noção de “fricção

interétnica” (Cardoso do Oliveira, 1964), as críticas às noções de tribalismo

e aculturação (Cardoso do Oliveira, 1960 e 1968), ou a noção de “situaçãohistórica” (Oliveira, 1988) - a tendência dos estudos foi restringir-se aos tra-

balhos sobre a região (tal como definem) e discutir a “mistura” tal como uma

fabricação ideológica e distorcida (Oliveira, 1999, p. 17).

Acabavam por provocar mais estigmas e preconceitos. Em síntese, pode-mos dizer que a ideia de uma superposição de uma cultura sobre a outra ouainda a utilização do conceito de “índios misturados”, como forma de agregar-lhes “uma série de atributos negativos que os desqualificam e os opõem aosíndios ‘puros’ do passado, idealizados e apresentados como antepassados míticos(Dantas, Sampaio e Carvalho 1992, p. 451; apud, Oliveira, 1999)” revelam-secomo tentativas do Estado, no sentido de submeter tais povos ao controle ideo-lógico e político, além de evidenciar a falta, segundo o antropólogo, de umesforço de entendimento da referida conceituação (Oliveira, 1999, p. 17). Oponto de partida para o entendimento da cultura não pode se restringir ás carac-terísticas objetivas (língua, habitação, vestuário) a serem apontadas pelo pesqui-sador; mais do que isso, é preciso um esforço de leitura para identificar o pro-cesso de diferenciação de organização social e cultural dos próprios sujeitosenvolvidos (Oliveira, 1999, p. 111).

Neste sentido, pode-se retomar mais um conceito chave nessa reflexão: ode etnia, ou seja, de grupos étnicos. Para melhor compreensão deste termo,podemos retomar as contribuições reflexivas de Frederik Barth (2000), que afir-ma que grupo étnico deve ser entendido na literatura antropológica como adesignação de uma população que se identifica e é identificada por outros; atéporque, a conceituação de grupo étnico é um problema que está ligado direta-mente à política brasileira, ou seja, às minorias étnicas que vivem no Brasil.Assim sendo, entende-se que grupos étnicos são categorias de atribuição e iden-tificação empregadas pelos próprios sujeitos e autores, cuja característica visaorganizar as interações sociais e classifica uma pessoa em termos de sua identi-dade básica (Barth, 2000, p. 29).

A propósito, voltando ao conceito de aculturação, João Pacheco, tambémlhe faz uma crítica por considerá-lo um termo impreciso, genérico ehomogeneizador, que muitas vezes não aponta para fatores determinantes quecontribuam para o entendimento da organização social destes povos. Para oautor, ainda, tal representação é preocupante porque traz implícita a suposiçãode primitividade, que pode provocar a polaridade entre as culturas indígenas(quase) intocadas e que seriam autênticas, e aquelas atingidas pelo processo deaculturação, que seriam inautênticas. A implicação da falta de entendimentodesta lógica é o risco de se legitimar uma classificação fundamentada exclusiva-mente no preconceito (Oliveira, 1999, p. 116).

Conviria a partir do exposto nesta reflexão, desconstruir alguns conceitospropagados no senso comum, bem como questionar a ideia de povos indígenas

51CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

presos historicamente ao passado e sem a possibilidade de volta; se vivem nopresente, ora são condenados à invisibilidade, ou ora lhes são atribuídas catego-rias genéricas esvaziadoras, que os representam como um grupo étnico consti-tuído. Por isso, ainda é comum ouvir expressões como as tribos indígenas doBrasil, o que de acordo com Alcinda Ramos, nada mais é do que uma categoriacriada em situação colonial, que na maioria das vezes tem sido utilizada paraexcluir grupos que são cultural, social e politicamente próximos (Ramos, 1995,p. 10).

Neste sentido, conviria sublinhar que o indígena, como todo ser humano,dotado de inteligência e cultura, foi se organizando e se apropriando de novasestratégias de luta, sempre sintonizado com o movimento da vida e atento ànecessidade permanente de negociar sua sobrevivência com a dominante soci-edade dos não-índios. É possível dizer que as nações indígenas americanas, atu-almente, estão com a história na cabeça e a negociação política na mão; masnão é raro que a negociação seja mal sucedida, não havendo acordo entre aspartes em disputa. Quando isso ocorre, percebemos que as lideranças indígenastêm lançado mão dos próprios meios utilizados pelas sociedades não-indígenasna solução de seus conflitos: o Direito. Retomando o movimento de resistênciados indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol, lá em Roraima, já referido ante-riormente, podemos tirar daí uma grande lição de resistência organizada: frus-tradas todas as tentativas de acordo com os arrozeiros que haviam se instaladoem suas terras ancestrais, as lideranças daqueles 20 mil indígenas – a maioria da“tribo” macuxi- entraram com uma ação jurídica e retomaram o solo de seusantepassados.

Assim, o próximo centenário da descoberta da América, apresentará entreas conquistas conseguidas pelas nações indígenas, a vitória política e jurídicados povos de Roraima. Que ao final deste século XXI, sejam estampadas muitasnotícias como esta, da Folha On Line de 1º de maio de 2009:

Justiça e Polícia Federal Iniciam Operaçãopara Retirada de não Índios da Raposa/Serra do Sol

Nas primeiras horas da madrugada desta sexta-feira,cerca de 300 agentes da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança

deram início à operação para retirada dos não índiosda reserva Raposa/Serra do Sol.

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53CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

ATIVIDADES

O poeta modernista Oswald de Andrade, registra em seu Manifesto Pau-Brasil quenós, brasileiros, somos Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos.

Com base nesse conceito de brasilidade, leia com atenção a composição abaixo eresponda as perguntas propostas:

Desenredo (G.R.E.S. Unidos do Pau-Brasil)

Composição: Ivan Lins e Gonzaguinha

No dia em que o jovem Cabral chegou por aqui ô ôConforme diversos anúncios na televisãoHavia um coro afinado da tribo tupiFormado na beira do cais cantando em inglêsCaminha saltou no navio assoprandoUm apito em free bemolAtrás vinha o resto empolgado da tripulaçãoUsando as tamancas no acerto da marcaçãoTomando garrafas inteiras de vinho escocês

Partiram num porre infernal por dentro das matas ô ôAo som de pandeiros, chocalhos e acordeãoTamoios, Tupis, Tupiniquins, Acarajés ou Carijós, sei láChegaram e foram formando aquele imenso cordãoMeu Deus, “qui bão”E então de repente invadiram a avenida central,mas que legal!E meu povo vestido de tanga adentrou ao coralUm velho cacique baiano sacou do pistonE deu como aberto em decreto mais um carnaval

E assim a 22 daquele mês de abrilFundaram a escola de sambaUnidos do Pau Brasil

1.Em que versos da composição “Desenredo” é confirmada a condição de“bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos” do brasileiro?

2.Como você explica o título “Desenredo” desse samba-enredo?

3.Por que, para os dois compositores, é “legal” a invasão da avenida cen-tral pelos Tamoios, Tupis, Tupiniquins, Acarajés e Carijós?

4. Compare, agora, o “Desenredo” com a charge abaixo, de Luís FernandoVeríssimo, e procure explicar suas coincidências.

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5. Você leu neste capítulo sobre a importância de notícias como esta, publicadanos jornais de todo o País: Justiça E Polícia Federal Iniciam Operação ParaRetirada De Não Índios Da Raposa/Serra Do Sol. Pesquise em seu Estado ouregião sobre outras notícias referentes aos movimentos indígenas no Brasil.

6. Você se lembra, ainda, de Iracema, a índia tabajara de quem já falamosnas lições anteriores? Pois o seu autor, o José de Alencar, traduziu esse nomecomo sendo: ira (mel) e cema (lábio, boca), daí Iracema, a virgem dos “lábios demel”. Que língua bonita a dos índios tabajaras, não acha? Como acontece coma maioria das línguas indígenas, você junta duas ou mais palavras -ou até peda-ços de palavras- e surge uma outra, novinha em folha! Na língua portuguesa issoocorreu com algumas palavras, como “fidalgo” que é a aglutinação de três ou-tras: “filho de algo”, ou “vinagre”: vinho acre (azedo); e por aí vai.

Bem, mas a atividade a ser realizada é a seguinte: junto de sua equipe,ou grupo de trabalho, vocês vão consultar o romance Iracema e de lá retirar atradução que seu autor nos dá das seguintes palavras:

a) Ceará _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

b) Pitiguara _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

c) Irapuã _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

d) Poti _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

e) Caubi _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

f) Andira _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

g) Meruoca _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

h) Japi _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

i) Ipu _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

j) Ará _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

55CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

7. No romance “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, do romancista brasilei-ro Lima Barreto, o personagem protagonista, Policarpo Quaresma, encaminha àCâmara Federal, um requerimento, com a seguinte solicitação:

“(...) certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; (....) saben-do, além, que dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialida-de os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical (...) usandodo direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacionaldecrete o tupi-guarani, como língua oficial e nacional do povo brasileiro.”

Você já deve estar imaginando a confusão que esse requerimento provo-cou entre os deputados e o falatório na cidade onde acontece a história: o Riode Janeiro que, na época, era a Capital do Brasil.

Bem, saindo da fantasia e entrando na realidade, o que você acha da pro-posta de substituir o português pelo tupi-guarani? Isso seria possível?

8. Na argumentação final do requerimento, Policarpo Quaresma justifica asua proposta, observando que “(...) o tupi-guarani, língua originalíssima,aglutinante, é verdade, (...) é a única capaz de traduzir as nossas belezas, depôr-nos em relação com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossosórgãos vocais e cerebrais, por ser criação de povos que aqui viveram e aindavivem...” Seria possível rebater esse argumento, a favor da língua portuguesa?Explique o seu ponto de vista.

SITES DE ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO BRASILCaso queiram conhecer mais de perto as organizações e o modo devida de alguns s indígenas é só acessar:AcreAssociação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA) http://apiwtxa.blogspot.com/

AmazonasArte Baniwa - http://www.artebaniwa.org.br/Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – Coiabhttp://www.coiab.com.br/Organização Geral dos Professores Ticunas Bilíngues (OGPTB)http://www.ogptb.org.br/index.htm

BahiaÍndios online - http://www.indiosonline.org.br/Reserva Pataxó da Jaqueirahttp://www.rabarsa.com/pataxo/inicial.html

BrasíliaInstituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi)http://www.inbrapi.org.br/index.php

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CearáCentro de Produção Cultural Tapebahttp://www.tapeba.com.br/index.phpRio de Janeiro - Rede Grumin de mulheres indígenashttp://www.grumin.org.br/principal.htm

São PauloAssociação Guarani Tenondé Poráhttp://www.alfabetizacaovisual.org.br/tenonde/index.htmlO Instituto das Tradições Indígenas – Idetihttp://www.ideti.org.br/intro.html

Mato GrossoAssociação Warã - http://www.wara.nativeweb.org/index.html

RondôniaOrganização Metareila do Povo Indigena Suruihttp://www.paiter.org/por/index.shtml

RoraimaConselho Indígena de Roraima ( CIR)http://www.cir.org.br/

57CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final do presente texto, referente ao 3º Módulo – Reconhe-cendo preconceitos sobre os povos indígenas. Nesse percurso tratamos devários e significativos temas relativos a esta histórica relação entre a chamada“sociedade ocidental” e “o outro” – os povos indígenas, relação repleta deambivalências, mal-entendidos e, por isso mesmo, uma enorme carga de pre-conceitos.

Estamos na metade do curso de Formação de professores na temática Cul-turas e História dos Povos Indígenas, após percorrermos a realidadesociocultural destes povos, assim como percebermos os preconceitos historica-mente construídos a respeito deles. Por isso foi importante transitar pelas “liçõesdo passado”, buscando “a outra visão do contato”, perscrutando a literatura natentativa de compreensão dos mitos, em especial com o exemplo do Ritual doKuarup.

O exercício mais exigente, no entanto, é justamente o processo dedesconstrução desse discurso que ainda permeia o senso comum, eivado demanifestações de etnocentrismo. A proposta final do texto foi exatamente apre-sentar os povos indígenas através de “múltiplos olhares e múltiplos entendi-mentos”.

Diante da nossa sociedade cada vez mais caracterizada pela diversidade eseus imensos desafios lançados cotidianamente a nós educadores/as, desejamosa todos/as que estes conteúdos sejam úteis para embasar reflexões e práticascriativas sobre os aspectos da diversidade e a necessidade da introdução dotema das Culturas e História dos povos indígenas nas práticas pedagógicas.

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59CULTURAS E HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS • Módulo III

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