cherry adair - anjo da noite

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 2

Resumo

Uma tentação proibida Uma tentação proibida Uma tentação proibida Uma tentação proibida

Um desejo eterno Um desejo eterno Um desejo eterno Um desejo eterno

Simon Blacktorne viaja para África a fim de dar continuidade à guerra globalcontra o terror paranormal, longe de imaginar que teria de se confrontar com a

voluntariosa Katie Goodall.Envolvida em sua propria missão para desvendar um segredo mortal que matou

milhões de pessoas em Mallaruza.

Kess não consegue ignorar Simon, cuja presença a distrai de seu objectivo e cujotoque a leva á beira de um abismo de prazer.

Agora num cenario de indescritivel beleza e violência inimaginável, com o perigoespreitando em cada sombra e em cada canto, uma mulher corajosa e um bruxoindomável enfrentam uma força malevola mais assustadora do que qualquer um dos dois

poderia imaginar.

Kess e Simon precisam unir-se contra um inimigo poderoso e maligno antes queMallaruza se renda ao dominio do terror e o mundo se perca para sempre…

Disponibilização: Marisa Helena

Digitalização: Marina

Revisora: Laura

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 4

CAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULO 1111

Mallaruza,Mallaruza,Mallaruza,Mallaruza,

Centro Oeste da África Centro Oeste da África Centro Oeste da África Centro Oeste da África

— Bom dia — Katie Goodall cumprimentou Simon Blackthorne ao passar por eleno corredor superior do prédio do governo de Mallaruza.

Levando-se em conta o estado em que ela se encontrava, o cumprimento foialegre demais, Simon pensou, intrigado. O rosto sujo de poeira da estrada estava marca-do com sinais de lágrimas e suor, e os olhos acinzentados mostravam preocupação.Alguma coisa estava errada, e ela não fazia esforço algum para esconder o fato.

Percebeu que, apesar do cumprimento, ela mal notava as pessoas por quempassava. Virou-se para vê-la se afastar. Belo traseiro...

Katie Goodall era a relações públicas de Abioyne Bongani, antigo colega defaculdade dele e atual presidente de Mallaruza, e até que vinha se saindo bem nosúltimos dois meses, muito embora tivesse sido praticamente banida para aquele pequenopaís do Centro-Oeste africano.

Por certo, ela não tinha escolhido o caminho mais fácil.

O aumento da tensão na fronteira entre Mallaruza e Huren, a eclosão de um vírusmortal e as eleições próximas a vinham mantendo ocupada e preocupada.

Até onde podia observar, ela fazia um excelente trabalho em promover as boasações que Abi estava realizando pelo país. Visto que ele se parecia cada vez mais santocom a proximidade das eleições, o trabalho dela consistia mais no de uma animadora detorcida, exatamente no que a desarrumada, porém vivaz, srta. Goodall se sobressaía.

De maneira alguma, contudo, permitiria que ela obstruísse sua investigação.Tinha ficado sabendo que ela fora demitida da empresa de Relações Públicas para a qualtrabalhava em Atlanta. A excelência com que realizava seu trabalho a salvara todas as

vezes em que tentara alguma proeza insana. Como, por exemplo, atacar um dos colegasou jogar um vaso de flores sobre um cliente. Até ser demitida do último emprego.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 5

Ela era impulsiva, volátil e imprevisível.

Simon tinha um respeito prudente pelo imprevisível.

Seu trabalho como investigador especial na T-FLAC, a Força Comando de Ataque

Logístico ao Terrorismo, fazia do imprevisível algo rotineiro. No entanto, um civilimprevisível bem no meio do que poderia ser um conflito armado entre dois pequenospaíses não era nada bom.

Sua tarefa ali era bem simples. Como presidente, Abi Bongani o tinha chamadopor suspeitar que outro bruxo estivesse manipulando os conflitos na fronteira com Huren.Os cidadãos daquele país eram violentos, porém costumavam manter as disputas comouma questão interna. Recentemente, contudo, alguns sujeitos começaram a invadirMallaruza. Saques, assassinatos, estupros e toda sorte de crimes eram o resultado. Oshurenianos eram maus vizinhos, e péssimas notícias para a campanha de reeleição.

Abi só lhe pedira, como amigo, que investigasse quem estava por trás de tudoaquilo. Tinha seus métodos próprios de descobrir o porquê.

Simon ficou mais do que grato em ter férias pagas. O oceano estava ali do lado, eele se encontrava entre projetos. Por que negar o pedido? Já fazia alguns bons anos queos dois não se encontravam para tomar umas cervejas e relembrar os bons tempos defaculdade.

Hum... Naquela época também havia uma ruiva... Ou seria uma loira?

Já que Goodall parecia um ímã para os problemas, e por estar curioso quanto aomotivo das lágrimas, decidiu segui-la, sem ser notado, para dentro do gabinete de Abi. Ocorredor largo estava repleto de pessoas indo e vindo e, por isso, entrou no lavatório maispróximo e se certificou de que estava vazio. Transportou-se, invisível, para o gabineteluxuoso do amigo a fim de ouvir o que ela tinha a dizer.

Obviamente Abi, por ser meio bruxo, percebeu sua presença e ergueu a cabeçana direção em que se encontrava antes de pedir que a moça se sentasse em uma dascadeiras diante da escrivaninha.

— Como foi a viagem? — ele perguntou, a voz profunda revelando somente um

traço do sotaque africano sob o inglês americano lapidado durante os anos de estudo nosEstados Unidos. Era um homem inteligente, com uma capacidade rara de disseminar obem.

Tinham perdido contato nos últimos anos, mas Simon sabia que seu bom amigoera um idealista, um defensor das causas perdidas, e bastante competitivo. Por isso, fi-cara curioso com o pedido de ajuda.

Cruzando os braços, posicionou-se perto de uma estante abarrotada de livros decapa de couro que nunca tinham sido tocados, pois, pelo estado de conservação,estavam ali apenas para exibição. E uma exibição bastante elegante.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 6

Considerava-se um apreciador do sexo feminino. Entretanto, a ruiva mal-ajambrada de boné de beisebol, que passava por algum tipo de tragédia interior, jamaisteria prendido sua atenção. Gostava muito de mulheres, contudo tinha grande aversão àimundície e à má apresentação. Quando dispunha de tempo, procurava morenassofisticadas, educadas e bem-arrumadas.

Goodall era um pouco demais para ele. O cabelo não era simplesmente ruivo. Opouco que podia ver debaixo do boné era de um alaranjado gritante que clamava pelaatenção de todos. A cor até que combinava com as botas de caminhada laranja queadornavam os pés pequenos. Discrição não parecia o forte dela.

O presidente permaneceu calado enquanto ela se dirigia a uma das cadeiras deespaldar alto. Abi era do tipo boni-tão, apesar de não chegar ao um metro e noventa deSimon e agora ostentar uma barriguinha. Fora atraente o bastante para atrair a suaparcela de garotas quando tinham estudado juntos no MIT. O conservador terno cinza-claro e a camisa branca caíam bem com seu tom escuro de pele.

O costume sóbrio era uma boa escolha para a sua posição, mas não faria parteda habitual seleção de roupas de Abi, que apreciava cores mais fortes e chamativas,como no caso de seu gabinete, barroco e pomposo.

A jovem se deixou cair sobre a cadeira, em vez de se sentar. A postura alegreaparentemente a abandonara na entrada do gabinete. Debaixo da poeira e do suor, per-cebia-se a essência da mulher. Por algum motivo que lhe passava despercebido, Simonsentiu o corpo retesar. Por causa dela? No entanto, seus sentidos se aguçaram ao olharalém das calças largas caqui, da camiseta que um dia fora branca, do boné puído e dasbotas laranja.

Agora que ela aparentava estar um pouco mais tranquila, "pouco" sendo a palavraimportante em questão, já que ela parecia se movimentar mesmo sentada, Simonreavaliou sua primeira impressão.

Ela arrancou o boné e desamarrou o cabelo.

— Chegamos tarde demais — disse, passando os dedos pelos cabeloscacheados, deixando cair poeira e folhas.

O cenho de Abi franziu ante aquelas palavras. Assim como Goodall, ele parecianão notar os ramos que sujavam o carpete. Esfregou a mão larga sobre a boca, os olhosnegros mostrando preocupação.

— Isso é terrível... Quantos mortos?

— Cinco vilarejos inteiros, seguindo ao norte do rio. — Ela se inclinou, movendo-se para a beirada da cadeira. — Sr. Presidente, sei que está fazendo tudo o que está aoseu alcance, porém tenho a convicção de que está na hora de pedir a ajuda daOrganização Mundial da Saúde. O que quer que seja esse vírus ou doença, o dr. Straus,ou melhor, nenhum dos médicos está conseguindo lidar com a situação. Milhares de

pessoas estão morrendo diariamente enquanto eles tentam descobrir o que, exatamen- -

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 7

te, está causando essas mortes. Precisamos de alguém que possa encontrar umtratamento imediatamente. Precisamos disso agora.

— Estou a par da situação, Kess — ele disse com suavidade, e Simon pôdeperceber que as notícias, embora esperadas, ainda assim eram devastadoras. O suor

brotava na testa do presidente, e ele pegou o lenço de seda decorativo do bolso da frentedo paletó para enxugá-la. — Tenha a certeza de que estou fazendo tudo o que possopara encontrar a causa e a cura. — Enrolou o lenço na mão. — Onde está a equipe demédicos com a qual você viajou?

— Ainda estão na última vila em que paramos e, meu Deus... É tudo tão horrível.— Esfregou os olhos com os dedos, como se o gesto fosse capaz de apagar as imagensque presenciara na viagem. — Estão tentando salvar o maior número de pessoas. Sóvoltei para buscar suprimentos e para ver se consigo levar mais ajuda para lá.

— Kess, sabe que, dos quatro milhões de pessoas em meu país, mais de um

milhão necessitam de ajuda humanitária... Sim, eu sei, um grupo de cada vez. Está bem.Vou enviar mais ajuda. Conseguirão tudo de que precisarem — Abi concordou com vozgrave. — Eu não quero que volte para lá. Se você...

— Prometi que voltaria. Sou cuidadosa, sabe disso, mas não posso deixar deacompanhar os suprimentos e fazer tudo o que puder para ajudar. Por favor?

— Kess. — O tom de Abi suavizou. Simon pôde notar, com isso, o quanto oamigo se afeiçoara à moça desgre-nhada diante dele. — Você não é médica, nem temtreinamento para ajudá-los. Deixe que os profissionais façam o trabalho deles; é para issoque estão sendo pagos. O seu trabalho consiste tão somente em observação.

— Por favor.

Ela parecia um filhotinho implorando pelo brinquedo favorito e, pelo visto, Abi nãoera imune aos luminosos olhos cinzentos.

— Está bem — concordou ele, cansado. — Contudo deve acatar as ordens do dr.Straus. Tem de prometer que não vai se intrometer só porque deseja ajudar. Deixe issocom quem entende, certo?

—Eu juro. —Um único olhar dizia tudo. Impulsividade era o seu nome do meio eque o resto fosse para o inferno.

Simon seria capaz de apostar a sua Taurus 1911 de cabo de cedro rosa que elaseria capaz de entrar em lugares que os anjos temeriam, atrapalhando quem estivessepor lá nesse meio tempo. Entusiasmo não era um bom substituto para conhecimentogenuíno. Seria melhor ficar de olho nela, enquanto estivesse por perto. Não estavadisposto a cometer nenhum erro nos próximos dias.

O governo de Abi não conseguiria prover segurança ou serviços para os milhõesde cidadãos necessitados. O presidente já fazia um trabalho hercúleo da melhor maneira

possível. Além da sua própria gente que ele tinha de alimentar e proteger, permitira aentrada de milhares de refugiados.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 8

A luta entre o governo e as forças rebeldes vinha resultando em ataques eviolações aos direitos humanos dos civis. O norte de Mallaruza estava em crise, e oscidadãos se viam sob fogo cruzado entre rebeldes, forças governamentais e bandidosarmados.

O presidente enfrentava problemas em todas as frentes. O mínimo que Simonpodia fazer era ajudá-lo no que lhe fora pedido: encontrar o bruxo que tentava manipular asituação para benefício próprio.

Abi pegou o telefone e deu instruções para que o pedido de Kess fosse atendido.Enquanto isso, Simon a analisava criticamente. Sentada com as mãos entre os joelhos,ela praticamente vibrava de impaciência. Para quê?, perguntou-se. Para encontrar umnamorado antes de partir, para tomar um banho antes da viagem, para simplesmente sairdali?

— Está tudo certo — o presidente anunciou. — Os caminhões com os

suprimentos e três médicos vão estar a postos em quatro horas. Poderá, então, guiá-losaté o vilarejo. Depois disso, fique fora do caminho e...

— Quatro horas? — Horrorizada, pôs-se de pé. — Isso é tempo demais e...

— É o quanto levará para aprontar os suprimentos e buscar os médicos em seuspostos.

Kess enfiou os punhos dentro dos bolsos e tentou relaxar os ombros.

— Eu sei, desculpe, é que... — Frustrada, deixou a frase sem conclusão.

— Eu entendo, Kess. É o meu povo que está morrendo. — Abi se levantou e deua volta na mesa para se aproximar e colocar a mão no ombro dela. Apertou-o de leve eretrocedeu, com ar sombrio. — Tome cuidado.

— Com certeza — ela assegurou, já seguindo para a porta. Hesitou um instantecom a mão na maçaneta. — E um privilégio trabalhar para o senhor. Detesto pensar emquantos outros milhares de pessoas sofreriam se não fosse por sua compaixão. Obrigada.

Simon mal teve tempo de atravessar o cômodo para sussurrar no ouvido de Abi:

— Diga a ela que quer que seu amigo a acompanhe. Deixarei Nomis com você.— Nomis era seu alter ego.

Ser capaz de estar em dois lugares ao mesmo tempo era um de seus poderes.Um dos melhores no serviço de contra-espionagem. A T-FLAC costumava ter dois pelopreço de um quando ele estava envolvido em algum projeto.

— Kess, espere um instante. — A voz de Abi a deteve antes que abrisse a porta.— Por precaução, gostaria que meu bom amigo Simon Blackthorne a acompanhasse.Não gosto da idéia de vê-la sozinha por aí. Ainda mais sendo o vilarejo tão próximo à

fronteira.

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Uma ligeira carranca se fez na expressão de Simon. Ela não tinha mencionado alocalização do vilarejo... A menos que isso já fosse um assunto de conhecimento anteriordos dois.

— Não estarei sozinha, eu terei...

— Equipes médicas ocupadas com o próprio trabalho, e que não poderão ficar deolho em você.

Kess mordeu o lábio inferior, e Simon sentiu o estomago se contrair.

Como se ele pudesse estar atraído por aquela mulher... Devia ser uma indigestão.De maneira alguma sua libido ficaria atiçada por causa da mal-ajambrada Kess. De jeitonenhum. E sabia até por quê. Uma das muitas guardiãs que tivera durante a infância eraextremamente relaxada. E, além de um gancho de direita infalível, tinha um brilho malignono olhar que dizia que, caso as autoridades não soubessem a localização do pequeno

Simon, ele certamente já estaria morto.

Por isso, ele exigia que suas acompanhantes fossem meticulosas e muitíssimobem-arrumadas. Sentir, portanto, o pulso acelerar e a libido despertar por causa dela...era uma aberração. No mínimo, algo desconcer-tante. Porém, com um pouco de sorte,logo passaria.

— Está bem — concordou ela, resignando-se a ter uma babá durante o trajeto. —Desde que ele esteja pronto para sair imediatamente.

Ele estava. Muito embora Abi tivesse pedido um prazo de quatro horas, Simontinha certeza de que Kess tinha a intenção de partir no segundo em que passasse pelaporta do gabinete.

Foi para o corredor e, vendo que estava deserto, materializou-se e bateu à porta.

Kess abriu-a, o cenho franzido.

— Eu... — Olhou para Simon e depois para Abi, que fez as apresentações.

— Kess, gostaria de lhe apresentar meu velho amigo Simon Blackthorne. Simon,

esta é Kess Goodall, minha relações públicas.

— Oh! — Ele era o homem com quem tinha cruzado no corredor. — Olá —conseguiu articular, pensando no quanto ele era lindo. Alto, forte e bronzeado, os olhosver-de-escuros pareciam atravessá-la e ler seus pensamentos. Piscou para tentar sair dotranse. Normalmente não era tímida perto dos homens, mesmo dos mais atraentes, bemvestidos e educados.

No entanto, enquanto ele parecia o sonho de qualquer estilista, ela estava umcaco. Depois de viajar a uma velocidade muito acima do limite pelas últimas quatro horasnum jipe sem capota e de três dias dormindo no chão, precisava urgentemente de um

banho e de roupas limpas. Desesperadamente. Ele tinha sorrido no corredor; estava sério

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no momento. Devia ser por causa da proximidade entre eles e de seu cheiro poucoagradável.

— Preciso ir para casa para me trocar e tomar banho — disse apressada.

— Vou com você.

— Você vai comigo... — O coração deu um pequeno salto com a imagem daquelehomem espremido no diminuto boxe junto a ela. Pele molhada e ensaboada friccionando-se... — O quê? Não — negou com ênfase. — Quero dizer, pode me esperar aquiembaixo. Voltarei dentro de uma hora. — Precisaria se esfregar uns cinquenta minutospara se livrar da poeira das estepes africanas.

Simon olhou para o presidente.

— Os caminhões estarão prontos às... — relanceou o relógio de pulso — três

horas?

Kess não tinha a mínima intenção de esperar tudo isso.

— Ah, sim, claro. Encontre-me lá embaixo às três. Você precisará de um saco dedormir e de suprimentos para três ou quatro dias.

— Sem problemas.

Ela podia apostar nisso. O homem parecia ser do tipo capaz de enfrentar

qualquer situação. Isso seria ótimo porque ele teria uma surpresa bem desagradável a re-cepcioná-lo.

— Espero que seu estômago seja forte. — Kess pensou em desencorajá-lo, poisnão precisava de uma distração como ele no acampamento médico. — A situação é muitoruim. Sangue, pessoas vomitando em toda parte. Sem instalações adequadas e...

— Já entendi — ele a interrompeu antes que continuasse a descrever os detalhesnojentos.

— Não se preocupe, Kess. — Abi apertou o ombro do amigo. — Simon consegue

enfrentar qualquer situação.

— Estou certa que sim — ela soou tão pessimista quanto se sentia. Seriaimpossível se concentrar com aquele deus por perto. Queria se apoiar nele um só instantee se inebriar na fragrância de sua pele. Como ele cheira bem... Era uma mistura de algocítrico com o cheiro do mar. A fragrância dele era... saborosa.

Pelo amor de Deus, Kess. Controle-se!, ela se repreendeu. Estava alucinando. Ofato era que não estava mais acostumada a ficar perto de pessoas tão... limpas quantoele. Os homens e as mulheres com quem convivera no último mês lavavam-se quando ecomo podiam. Uma ducha era um luxo com o qual tinham se desacostumado. Era isso.

Ele estava limpo; ela, não. Só podia ser isso.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 11

Não era nada disso. Tudo nele provocava uma vontade louca de se jogar nosbraços fortes e exclamar: Faça o que quiser comigo! Mordeu os lábios, imaginando qualseria a reação dele nessa situação.

Colocou o boné na cabeça e enterrou-o para esconder os olhos. Havia quanto

tempo não fazia sexo? Três anos? Não era para menos que estivesse babando em cimadele. Simon Blackthorne era lindo e emanava sensualidade. Alguns dias no acampamentomédico o sujariam, diminuindo seu charme, e ela estaria ocupada demais para terpensamentos lascivos a seu respeito. Pelo menos era o que esperava...

Precisava se concentrar ao regressar ao vilarejo. Queria documentar cadainstante da luta dos médicos para os artigos que escreveria sobre o homem incrível que opresidente era. Isso era um trabalho muito importante. Sem falar que tinha muito a provarpara seus pares nos Estados Unidos. Podia estar do outro lado do mundo agora, masdesde que fora demitida da empresa Wexler, Cross & Dawson, em Atlanta, tinha a sensa-ção que as pessoas da pequena comunidade de relações públicas vigiavam cada

movimento seu, à espera de um passo em falso. De novo.

Não duvidava de sua capacidade de realizar um bom trabalho, porém tinha umahistória desafortunada, e as pessoas, aparentemente, tinham boa memória. Portanto,levava a campanha presidencial muito a sério. Abioyne Bongani era um grande homemcom feitos incríveis para o país e o povo. No entanto, aquilo era a África, onde as coisasboas passavam completamente despercebidas para o resto do mundo. Seus artigos efotografias mudariam isso. Até a conclusão de seu trabalho, faria com que o mundonotasse o que se passava ali.

— Lá embaixo, às três? — o amigo do presidente perguntou, trazendo-a de voltaà realidade como se estalasse os dedos debaixo de seu nariz.

Como se ela tivesse a inteligência de um girino, pensou. Levando-se em conta osdevaneios pelos quais se deixava levar, a idéia não era de todo descabida.

— Leve protetor solar. Lá faz mais calor do que no inferno, e não há muitasombra.

Kess girou sobre os calcanhares e saiu para o corredor, sem nem olhar para trás.Manteve o passo acelerado e as costas eretas. Podia, entretanto, sentir os olhos de

Simon seguirem-na.

O único lado positivo era que não conseguia imaginar um homem como eleatraído por uma mulher como ela. O que, apesar de eficiente para evitar sua lascíviainapro-priada, era um tanto desapontador. Ficou imaginando se conseguiria fazê-lo mudarde idéia...

Sorriu ao entrar no elevador antigo que a levou ao térreo. O amigo do presidentetalvez fosse o melhor remédio para que ela não pensasse em Atlanta nas próximas se-manas.

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Os dias seguintes seriam bem interessantes. O coração acelerou enquantocruzava o enorme saguão de mármore, colocava os óculos escuros e saía para enfrentaro glorioso sol africano.

Fevereiro nas planícies da África Ocidental era a época das "chuvas rápidas".

Portanto, ao mesmo tempo em que as estradas poeirentas que cruzavam a vasta savanalevantavam terra vermelha atrás do Range Rover de Kess, o capim ralo das margensestava viçoso e verdejan-te. Perto do horizonte do lado esquerdo ficava a costa e à direitapodia-se ver o começo da floresta de Huren.

A campina africana era de uma beleza perigosa. Fervilhando com vida selvagem,revelava um lindo carpete verde que se estendia até onde os olhos alcançavam. Ao longese via uma manada de gnus correndo paralelamente ao veículo que se aproximava.

Por pouco ela não parou para pegar a câmera fotográfica ao passar por umelefante solitário. As enormes orelhas remexiam-se para afastar as moscas enquanto ele

ficava parado sob a sombra dos galhos espinhentos de uma acácia. Por mais que oselefantes conseguissem correr a quarenta quilometros por hora e fossem consideradosperigosos, aquele ser solitário parecia contente em ficar à toa sob o sol da tarde. Graças aDeus.

Fora da vista, leões, leopardos e outros predadores perigosos permaneciam àsombra até que chegasse a hora de caçar ao anoitecer. Até lá, ela já teria chegado aoacampamento dos médicos. Mesmo assim, a pistola estava no banco de passageiros,como precaução.

Nunca tinha segurado uma arma antes de chegar ao país, alguns meses antes.Vinha praticando desde então, tomando lições com qualquer pessoa que se dispusesse aensiná-la. Carregar uma arma era a norma por ali, e ser capaz de atirar no alvo faziasentido. Ainda mais estando perto da fronteira hureniana, pois o povo de lá era, nomínimo, assustador.

Apreciou aumentar suas habilidades com o tiro, porém, naquele local, isso erauma necessidade, e não apenas um passatempo prazeroso. Tinha boa mira e ainda eradia claro, mas pretendia chegar à segurança do acampamento bem antes do anoitecer.Provavelmente não tinha agido com prudência ao deixar o amigo do presidente para trás,pois viajar acompanhada era sempre mais seguro. Contudo, não fazia a menor idéia se

ele sabia atirar, e, a bem da verdade, não tinha a mínima intenção de passar as quatrohoras seguintes confinada no carro com um homem que elevava sua taxa de hormônios esua pressão sanguínea. O dia já estava quente o bastante. Ele conseguiria chegar aoacampamento de alguma maneira e, até lá, ela já estaria ocupada demais para notar apresença dele.

Tinha optado pela velocidade, uma vez que o carro não conseguiria prover aomesmo tempo rapidez e conforto; por isso, mantinha o ar-condicionado desligado e as janelas abertas. O vento quente a atingia nas faces, e o ar seco a fez buscar uma garrafade água na geladeira portátil. Enquanto bebia, continuava a admirar a fauna; ali, podia vercorrendo livremente animais que antes só conhecia por visitas ao zoológico.

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Ficou imaginando por quanto tempo Simon a esperara no prédio da sede dogoverno. Ele não parecia ser do tipo que esperava por ninguém. Em qualquer instância.Por ela, tudo bem. Ele teria a chance de discutir na hora do jantar. Ainda bem queestariam rodeados por médicos, pois um dos dois acabaria precisando de antiácidos.

Depois da reunião com o presidente, passara no quarto de hotel alugado pelo anoque pretendia permanecer no país. Tinha tomado uma chuveirada rápida e a troca deroupas a fizera se sentir feminina de novo. Enchera uma mochila com roupas limpas,produtos de higiene e uma caixa de garrafas de água que estava na geladeirinhaabarrotada no canto do cômodo. Havia saído pela porta em tempo recorde.

Simon sei lá do quê poderia pegar carona com os caminhões de suprimento queseguiriam para o acampamento em seguida, pois, de fato, uma viagem de quatro horasao lado dele seria insuportável. Seria impossível manter uma fachada de civilidadequando o que mais queria era pular sobre ele e...

— Esqueça isso! — ordenou-se.

Talvez ele ficasse irritado por ter de perambular esperando por algumas horas,mas fazer o quê?

Mordeu o lábio antes de passar a refletir em voz alta:

— Contar para ele que eu pretendia partir antes teria sido educado, imagino.Bem, mas não é como se eu o tivesse deixado no altar... Droga! O que é isso agora?

— O carro ofegava como um asmático. — Não. Não. Não.

— Deu umas batidinhas no console. — Vamos, querido, você consegue. Não medeixe aqui no meio do nada... Nós vamos mais devagar, está bem? Viu? Já tirei o pé doacelerador. — O carro passou a se arrastar. — Droga! Droga! Mil vezes droga!

Os caminhões ainda não tinham deixado a capital, o que significava que ficariarodeada por mato e animais por pelo menos mais três horas.

— Nenhuma atitude má passa impune — murmurou, enquanto continuava amover o carro lentamente, os nós dos dedos brancos por segurar o volante com força,

como se isso adiantasse alguma coisa.

O coração acelerou. Estava a céu aberto no momento mais quente do dia, e pormais que os animais perigosos fossem espertos o bastante e permanecessem à sombra,isso não significava que eles não notariam a sua presença.

— Bom carrinho, eu sei que você consegue ir mais um pouquinho... — Passou amão pelo console mais uma vez, tentando se convencer de que não havia motivos paraentrar em pânico. — Estou no carro, e os animais não comem aço. Tenho água e comida.Três horas não é uma eternidade. — Segurando o volante com ambas as mãos,continuou avançando.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 14

Só havia uma estrada que ia para o Norte, e a equipe com os outros três médicoslogo estaria a caminho. Logo, logo.

Mais adiante havia uma mancha escura na estrada. Seria um elefante? Nãoqueria se arriscar a passar pelas moitas para circundar o animal.

— Mexa-se, animalzinho... — O carro fazia tanto barulho que Kess esperava queisso o afugentasse, assim como o que quer que estivesse mais adiante de seu trô-pegoRange Rover. Por mais devagar que estivesse se movendo, uma colisão com um elefanteseria bastante desagradável, tanto para o animal quanto para ela. A contragosto, deixou opé pairar sobre o freio.

Ao aproximar-se, porém, viu que não era um animal, mas outro carro como o seu.Soltou um suspiro de alívio. Apertando os olhos para enxergar sob o brilho inclemente dosol, notou que havia um homem apoiado na parte traseira de outro Range Rover, aspernas cruzadas na altura dos tornozelos, os dedos enfiados nos bolsos do jeans.

— Impossível — murmurou. O homem solitário era Simon sei lá do quê, e ele nãoparecia muito contente com o calor do sol atingindo-o na cabeça descoberta nem com ovento quente despenteando-lhe os cabelos escuros. Quase podia ver fumaça saindopelas orelhas dele. Bem, pelo menos haveria um pouco de umidade nas imediações...Pisou no freio, parando a poucos metros dele. — Olá! — exclamou com pretensa alegria,descendo do carro. — Que bom encontrá-lo por aqui. — O sol atingia os olhos verdes,conferindo-lhes um ar sinistro. Ele sorriu, mas Kess notou que o sorriso não chegou aosolhos.

— Esqueceu-se de que tínhamos um encontro marcado, Katherine?

— Katie Scarlett. Mas prefiro que me chame de Kess, como todos — ela disse. —E não era um encontro de fato. Eu sabia que você conseguiria uma carona com os cami-nhões de suprimento. — Que não estavam em nenhum lugar das redondezas, ela notou.

— Isso não vem ao caso. — Tirando a mão do bolso, indicou a estrada pela qualela tinha acabado de vir. — Ainda vão levar um tempo para chegar até aqui.

— Como chegou tão rápido? — Ele não a ultrapassara e não havia outro caminhosenão aquele. Portanto, não haveria modo de ele ter pegado um atalho. Olhou para a

lateral do carro, na qual se via um amassado recente, já que a grama presa ainda estavafresca.

Percebeu, então, que era observada. Sentiu como se ele a estivesse tocando,avaliando a textura dos cabelos, o sabor da pele, o formato dos seios... Opa! Um ruborque não tinha nada a ver com calor subiu pelo seu rosto, quando os cílios dele abaixaram,como um toque sobre suas pernas. Será que estava imaginando como seria tê-las aoredor dos quadris em um momento de paixão ou apenas admirava suas botas laranja?

Divertindo-se com seus próprios pensamentos errantes, apontou para o carro eperguntou:

— O que aconteceu? Um encontro com uma fêmea de búfalo enraivecida?

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 15

— Uma raposa de pelo ruivo...

— Não, de verdade, o que aconteceu? Sofreu um acidente?

— O carro caiu. — A expressão do rosto não revelava nada. Devia ser um

excelente jogador de pôquer.

Kess, que sabia que era péssima jogadora porque seu rosto demonstrava tudo oque pensava, franziu o cenho.

— De onde?

— Deixe isso para lá. Está pronta para ir?

— Aonde?

— Para o vilarejo. Não era esse o seu destino?

— O seu carro está funcionando? — Não seria a primeira vez que a sorte aabandonaria e, por isso, não ficaria surpresa se os dois carros estivessem com problemasexatamente no mesmo ponto no meio do nada.

— O meu Rover está em plena forma, apesar do amassado. — Ele fez umapausa e admirou suas curvas novamente. Kess sabia que não era imaginação o brilhointenso nos olhos verdes. — Precisa de ajuda com as malas? — perguntou ele,casualmente.

Ela abaixou a cabeça e levou um bom tempo ajustando o boné para esconder osolhos. Estava ruborizada, e pelo que se lembrava, essa era a primeira vez desde queTrevor Mulligan tentara beijá-la de língua na frente da terceira série inteira.

— Pode deixar, eu mesma pego.

— Vou ligar o ar condicionado. Você parece quente. Para ela, o comentário nãosoou como "tão quente que eu seria capaz de arrancar suas roupas neste minuto", masalgo como "tão quente que deve estar suando e, portanto, fique longe de mim!". Chegou aabrir a boca para retrucar, mas desistiu. Seriam apenas três dias... Colocou a arma na

mochila e pegou a geladeira portátil.

— Devo trancar o carro? — A risada dele fez com que algo se agitasse dentro desi, mas logo se controlou. Acomodando a bagagem, perguntou: — Por que está rindo? —O ar fresco do interior do carro era mais do que bem-vindo.

— Estamos tão perto da fronteira que os hurenianos podem andar até aqui pararoubar o que quiserem. Acha que vai detê-los trancando o carro? — Simon acelerou epartiu, deixando o outro veículo para trás.

Ele estava certo. No instante em que descobrissem o automóvel, não sobraria

nada para contar a história.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 16

— Provavelmente não. — Estremeceu. Era bom sentir-se fresca, para variar.Porém, estar tão próxima daquele homem a deixava afogueada, e o ar frio perdia o efeito.

Esticou o braço e moveu o quebra-sol para o lado, a fim de bloquear um pouco dosol que a atingia e de manter as mãos ocupadas para não agarrá-lo. Como ele cheirava

bem... Tentando se concentrar em qualquer outra coisa, perguntou:

— De onde conhece o sr. Bongani?

— Da universidade. E nos encontramos algumas vezes desde então.

Kess viu-se admirando as mãos fortes no volante. Eram elegantes e grandes. Osdedos longos e delgados apresentavam uma série de finas cicatrizes. Visualizou aquelasmãos tocando seus seios e sentiu os mamilos doerem. Redirecionando a saída do ar paramascarar os bicos eretos, comentou casualmente:

— Está aqui de passagem?

— Por que pergunta? Precisa fazer um levantamento de todos os amigos de Abi?

— Não. No entanto, ele é um homem importante e as eleições acontecerão empoucos dias. Não quero que nada o perturbe agora.

— Acredita que eu seria capaz disso?

Bem, você me perturba. Tentando se recompor, ela disse:

— Claro que não. Só estou curiosa com o motivo que o trouxe até aqui. — Isso éridículo, ela disse a si mesma, tentando controlar suas reações à evidente masculinida-dedele. Simon dirigia descontraidamente, com apenas uma das mãos no volante, apesar daalta velocidade.

— Sou amigo dele. Alguém que o presidente conhece e em quem confia. Ele meconvidou. Isso é info o bastante para você?

Info? Uma campainha de alarme soou no cérebro de Kess. Maldição!

— Você é militar? Deus meu! Ele vai declarar guerra contra Huren? É por issoque você está aqui? É um daqueles sujeitos que os Estados Unidos enviam para planejarataques estratégicos? — Droga! Por que tão perto das eleições?

— Credo, mulher. Vai parar para respirar e permitir que eu faça um comentário?

A mente dela tinha a tendência de se antecipar, con-catenando uma idéia atrás daoutra tentando vislumbrar todos os cenários possíveis; o que era uma qualidade e umvício de sua profissão. Desejar o melhor, preparando-se para o pior. Mesmo assim...

— Responda com franqueza. Porque se esse é o motivo pelo qual está aqui,

precisamos dar meia-volta neste carro a fim de que eu instrua o presidente quanto aos

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 17

comunicados à imprensa. — Virando-se no assento, vasculhou a mochila até encontrarpapel e caneta.

— Escreva isso, pois é muito importante. Kess mordeu o lábio e apoiou a canetano bloco.

— Pronto, pode falar.

— Simon Blackthorne, com "e" no final, está em Mallaruza para visitar seu velhoamigo Abioyne Bongani, o presidente do país, para relaxar, tomar sol, colocar a leitura emdia e fazer um pouco de turismo para agitar as coisas... Você não está escrevendo.

— Engraçadinho. — Ela voltou a colocar o bloco e a caneta na mochila e jogou-ano banco de trás. — Então está passando férias. Aqui. Onde pode haver um banho desangue a qualquer instante. Onde um vírus desconhecido está dizimando a população.Onde a temperatura atinge quarenta graus à sombra e a praia está repleta de águas

vivas. Muito bem, entendo como uma pessoa como você escolheria Mallaruza parapassar as férias.

— Você fala bastante, não é mesmo?

— Bem, você tem de admitir que...

Simon colocou um CD e a música de Maroon Five invadiu o carro. Highway toHell começou a tocar, parecendo uma excelente trilha sonora para o inferno que osaguardava.

Kess se acomodou melhor no assento, direcionou o ar-condicionado e fechou osolhos.

— Não durma, preciso de orientações.

— Sempre em frente até o amanhecer...

— Não sou Peter Pan, acredite.

— Hum, hum. — Sem abrir os olhos, Kess esticou a mão para ajustar o quebra-

sol, porém resvalou na de Simon, que parecia ter a mesma intenção.

Ele disse a si mesmo que não a tocasse um segundo tarde demais. Os dedos seencontraram e pareceram se fundir por um instante. A pele dela era macia, quente emuito feminina. Os dois falaram ao mesmo tempo:

— Pode deixar.

— Eu faço isso.

Simon retirou a mão, pois suspeitava que ela seria capaz de se meter numa luta

livre para ter o controle do visor. Acelerou o carro. Tinha outras coisas com que sepreocupar, além da atração sexual inesperada e indeseja-da. Queria mais do que tudo

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 18

não precisar contar com seus poderes nas próximas horas. Deus do céu! O teletranspor-te do veículo de três toneladas e meia não era nada fora do comum. Tinha executadoaquilo centenas de vezes. Meia hora depois do encontro marcado com Kess, já estava emseu encalço. Decidira dirigir o Rover porque gostava; o veículo não era nenhum jatinho,mas a velocidade, ainda assim, provocava o aumento de adrenalina que tanto apreciava.

Porém, por mais rápido que se deslocasse, a moça parecia dirigir de forma ainda maisveloz, pois não vira sinal dela. Devia ter ultrapassado qualquer limite seguro develocidade, mesmo num terreno tão descampado como aquele. Se, por um acaso,atropelasse um animal, ela o mataria, e poderia acabar com a própria vida.

Cerca de oitenta quilometros adiante, tinha resolvido teletransportar-se einterceptá-la. O teletransporte era uma das habilidades mais fáceis de controlar. Algo quefazia sem nem pensar a respeito. Invisível, começara a se mover no alto e escolhera umponto numa sombra uns cinco quilômetros à frente do veículo hesitante dela. Infelizmente,seu poder havia falhado, como se tivesse sofrido uma queda de energia mais ou menostrinta metros acima do chão e um quilômetro antes da distância almejada. Ele e o veículo

tinham se materializado de repente, caindo como uma pedra.

Seu maldito poder falhara. De novo. O lado positivo era que conseguira readquirirum pouco de controle no último segundo, minimizando o impacto sobre a gramaverdejante.

Não deveria ter acontecido, mas aconteceu.

Nas últimas semanas, seu percentual de acerto fora de cerca de cinquenta porcento, e as quedas de energia vinham acontecendo com maior frequência. Estava as-sustado. Poderia falar com os colegas, mas tinha vergonha. Devia ser algum tipo deansiedade de bruxo, considerou, sem se alegrar com a idéia. O pior era que o maufuncionamento de seus poderes colocava em perigo, além dele, seus colegas da T-FLACe civis inocentes.

E por isso, as férias.

Aquele era um problema em larga escala. Vinha tendo sorte até o momento,porém um bruxo sem poderes era... Não era um bruxo, ora bolas! Visto que aquilo nãoera apenas a sua profissão, o que ele fazia, mas o que ele era, viver sem poderes oassustava sobremaneira.

Se voltasse a acontecer, falaria com Mason Knight, o homem que o colocara sobsua asa. Mason era uma mistura de figura paterna, mentor e amigo, e devia saber comoconsertar seus poderes.

Esfregou a nuca, olhando de relance para sua companheira de viagem. Com acabeça apoiada no braço dobrado encostado na janela, ela fazia uma boa imitação dealguém que dormia. Era óbvio que não o fazia. Praticamente conseguia ouvir asengrenagens de seu cérebro se movimentando, mas decidiu fingir também. Precisava dosilêncio e do visual hipnótico da estrada de terra diante de si para se concentrar.

— Sinto pena do pobre-coitado que está planejando desmembrar — elamurmurou.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 19

Simon sabia que vinha sendo observado nos últimos minutos.

— Talvez seja uma mulher — ele rebateu.

Kess se endireitou e se sentou sobre uma perna dobrada. O boné tinha caído,

mas ela não voltou a colocá-lo. O cabelo limpo e brilhante era como fogo líquido, sur-preendentemente lindo. Simon agarrou o volante para evitar tocá-los.

— Não acredito nisso — afirmou ela, os olhos acinzen-tados reluzindo. Os cílioslongos conferiam um ar inocente, como o de uma criança, ao rosto expressivo. Mascriança ela não era. Os seios arredondados confinados na camiseta branca eram provadisso. Comprimindo os lábios um instante e torturando-o com isso, continuou: — Imaginoque, se você estivesse envolvido com uma mulher, seria o tipo de homem que a tratariabem.

Simon reprimiu um sorriso; ela era incrível.

— E se eu não estiver "envolvido", e ela for um aborrecimento?

— Ainda assim, acredito que seria incapaz de ferir fisicamente uma mulher. —Abraçando a perna, inclinou a cabeça e o encarou. — Poderia partir o coração dela...Contudo, se um homem se metesse em seu caminho, imagino que saberia lidar muitobem com a situação.

Atrás dela, ao longe, Simon viu um bando de gazelas pulando, e pensou emapontá-las para Kess. Qualquer coisa que desviasse a conversa daquele cursoinesperado. Em vez disso, relanceou para a estrada adiante e depois se virou de novopara ela.

— Acha mesmo?

Erguendo o quadril e enfiando a mão no bolso de trás da calça, ela pegou umelástico.

— Então, Simon Blackthorne com "e" no final, o que faz da vida quando não estáde férias na parte mais sombria e perigosa da África? — Colocou o elástico entre osdentes e fez aquele movimento bem feminino de erguer os braços e retorcer o cabelo

para amarrá-lo num rabo-de-cavalo; os seios se ergueram e as costas se curvaram.

Simon imaginou-a sentada numa cama, naquela pose, os braços levantados, osseios desnudos. Esperando...

— Você trouxe água nessa geladeirinha?

Kess terminou de ajeitar o cabelo e se ergueu entre os bancos para pegar a água.Naquela posição, deixava uma porção de pele das costas à vista. Com a proximidade, elesentiu seu perfume. Floral. Algo tropical. Uma mistura que o fazia se lembrar de noitesexcitantes sob acortina-dos brancos numa cama de dossel, o cheiro do oceano e de

mulher permeando o ambiente...

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 20

Com o andar da carruagem, ele bem que poderia controlar o volante com aereção crescente.

Endireitando-se, Kess entregou-lhe uma garrafa e bateu nela com a sua,brindando:

— Saúde!

Depois, retirou a tampa da que estava em sua mão e, após trocá-la com a dele,abriu a outra garrafa. Tomou um grande gole antes de inquirir:

— E então, profissão... trabalho... vocação? Simon bebeu antes de responder.

— Empreiteiro.

— Interessante. — Kess passou a garrafa molhada na testa, fazendo gotasdescerem pela têmpora.

Simon desejou parar o carro e... Isso é ridículo. A mulher não dava sinal algum deestar interessada. Ela não é meu tipo, pelo amor de Deus!

— Sempre admirei as pessoas que sabem trabalhar com as mãos — disse elacom vivacidade, continuando a esfregar a garrafa na pele, dessa vez na nuca. — Sou in-capaz de fazer qualquer trabalho manual. Na escola tive de construir uma casa depassarinho certa vez. Acabei com os dedos roxos e colados. — Sorriu, revelando umcanino ligeiramente torto, o que lhe dava um ar ainda mais provocante. — Casas bu

escritórios?Tinha dado uma informação falsa de propósito, mas agora poderia ser honesto.

— Casas.

— E pode ficar afastado por semanas? Não vai perder oportunidades de negócio?

Continue tentando, querida. Sou um mentiroso profissional.

— A única casa na qual estou trabalhando no momento é a minha. — O que era

verdade. Ficou surpreso por revelar aquilo, já que costumava ser discreto, ainda maiscom estranhos. — Há uma bifurcação adiante. Esquerda ou direita?

— Direita. Chegaremos em menos de uma hora. Que tipo de casa é?

Permanente. Linda. Minha, Simon pensou com uma sensação de missãocumprida. Vinha trabalhando pessoalmente nela. Um dia...

— Um tipo de casa de fazenda no meio de cem acres. — Visualizou o exterior decedro, aninhado numa vasta extensão de neve, como devia estar no momento, esperandoque uma lareira fosse acesa. Tinha colocado as pedras de sua propriedade uma a uma,

com as próprias mãos.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 21

— Vai criar gad... Ei, cuidado!

Um enorme rinoceronte estava bem no meio da estrada.

— Eu já o vi. — Seria impossível não vê-lo. O animal virou a cabeça com a

aproximação do veículo, mas não deu nem sequer um passo. Simon freou e parou acerca de dez metros.

— Poderíamos dar a volta — Kess sugeriu quando o bicho se mostroudescontente com a companhia.

— A esposa está à esquerda, e as crianças à direita. Veja.

A fêmea não parecia muito contente em ter o monstro de metal entre ela e osfilhotes.

— E agora?

Simon podia pensar numa dúzia de coisas que poderiam fazer para passar otempo, e todas elas incluíam estarem sem roupas.

—Agora esperamos até que a família decida partir. Este é o quintal deles, afinalde contas. A preferencial é deles.

Kess encostou-se na porta, dobrando a perna no assento.

— É casado?Ela era bem direta.

— Por que quer saber?

— Está construindo uma casa. — Deu de ombros. — Homens solteiros nãocostumam fazer isso a menos que estejam planejando se casar em breve. É esse o seucaso?

Simon balançou a cabeça, intrigado com a persistência.

— Um dia. — Em três anos, começaria sua busca. Por enquanto estava satisfeitocom o planejamento. Com a antecipação.

— Alguém em mente?

— Sim. Faço uma idéia. — Tão clara, que a futura esposa e mãe de seus filhosparecia real às vezes. — Ainda não a encontrei. — Mas a reconheceria no instante emque se visse diante dela.

— Tem uma imagem da mulher com quem um dia se casará? — Bebeu o líquido

fresco num ato contínuo.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 22

Simon observou o movimento da garganta enquanto ela engolia e imaginou comoseria o sabor dela se a lambesse na curva do pescoço, enquanto se ajeitava no bancopara disfarçar o embaraço.

— Verdade? — Ela ergueu as sobrancelhas ruivas. — Isso é fascinante. Fale-me

a respeito dela.

Encostando o ombro no vidro, Simon se acomodou. A família rinoceronte nãoparecia mesmo desejar se afastar. Olhou para Kess e admirou a forma como a luz do solformava um halo ao redor dos cabelos incandescentes, os seios fartos, a curva dosquadris delineada nas calças caqui.

— Quer saber sobre a mulher desconhecida com a qual me casarei um dia? —Tomou água para umedecer a boca repentinamente seca.

— Tem algo melhor para fazer no momento?

Kess retirou um pacote de biscoitos da mochila e ofereceu-os a ele. Ante arecusa, pegou alguns. Dentes brancos e afiados partiram um deles, deixando fareloscaírem sobre o peito.

Como alguém pode ser tão absorto e sensual ao mesmo tempo?

Acomodando-se melhor, ela pegou mais um e insistiu:

— Vamos, fale-me sobre ela.

Ele vinha fazendo aquele jogo mentalmente havia vários anos, mas jamaiscontara a alguém sobre a casa; muito menos sobre a esposa imaginária e os filhos queplanejava ter.

— Alta. Não quero ter cãibras no pescoço toda vez que me abaixar para beijá-la.

Os olhos acinzentados brilhavam, revelando divertimento, e Simon sentiu osangue correr mais rápido nas veias.

— Ela poderia usar um banquinho.

—Acho que isso não seria muito prático — ele rebateu.

— Cabelo escuro, preto ou castanho, tanto faz. Olhos escuros. Tez clara. Nemmagra, nem gorda...

— Já procurou na Stepford? — Kess perguntou, bem humorada. Mordeu mais umbiscoito, sujando o canto dos lábios com chocolate.

Ele estava excitado só de olhar a ruiva comendo um biscoito, pelo amor de Deus!Precisou buscar força interior para não se inclinar e lamber o chocolate. Cerrou os dentes

diante de sua estupidez. Lá estava ele descrevendo a mulher de seus sonhos, enquantoofegava por outra como um cachorro diante de um suculento bife. Chegava a se sentir

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 23

culpado, como se estivesse traindo sua esposa imaginária. Kess Goodall o estavadeixando louco.

— Excelente senso de humor...

— Imagino que seios grandes façam parte da lista.

— Ela retorceu os lábios num meio sorriso.

— Não me importo com o tamanho dos seios.

— Ora, Simon, precisa pensar no tamanho antes de fazer seu pedido... BomDeus, não pode encomendar uma esposa como se estivesse pedindo um... umhambúrguer! Não gostaria de simplesmente encontrar alguém e se apaixonar?

— Amarei minha esposa até a morte.

— Mas não... — Kess mudou de idéia. Ele parecia tão sério quanto àqueleassunto que seria divertido brincar à sua custa, mas achou melhor não insistir. — Veja, afamília está de mudança.

Já o bombardeara com perguntas demais e queria digerir as informações que elelhe dera. Nunca tinha ouvido um homem falar com tanta veemência sobre um assuntoque, para ela, devia ser encarado às cegas e com gosto. Ele fazia com que ela...

Tentou analisar suas reações físicas diante dele e mordeu o lábio, pensativa. Ele

a fazia se sentir intensa e gloriosamente... feminina. Consciente de seu corpo como nuncaantes. Olhou para a paisagem, ciente do coração acelerado, da pele eriçada como se àespera do toque dele. Passou um dedo pelos lábios e sentiu uma onda de prazersimplesmente por estar viva. Por tê-lo ao seu lado na bela e brilhante África, com o solaquecendo-lhe o corpo.

A vida, pelo menos naquele momento, era boa. Simplesmente boa.

Conforme prosseguiam viagem, Kess sentiu o rosto arder. Tinha se queimado,embora tivesse utilizado protetor solar. Tez clara não era seu forte, pelo visto... Além, éclaro, de não ser nem alta, nem morena, nem modelo do tipo Stepford.

— O acampamento fica no meio daquelas árvores. Eucaliptos... — ela informou.— Importados na tentativa de consertar os estragos feitos pelo setor madeireiro. Estoucerta que os animais não se incomodaram com a sombra extra. Buzine três vezes paraavisar que chegamos. Os hu-renianos costumam se esconder por aí de vez em quando.

Kess não informou que o som de carros se aproximando normalmente era vistocomo sinal de alerta. A maioria dos vilarejos ficava às margens das estradas, deixando opovo à mercê das investidas de bandidos, dos rebeldes e das tropas do governo, queroubavam alimentos e suprimentos, sequestravam crianças e atacavam os aldeões.

A guarda do governo, quando não era observada, costumava agir de maneirabrutal, e, apesar das instruções do presidente Bongani, tinha incendiado centenas de

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Há algo errado... Acelerou o passo na direção que Simon tinha tomado, seguindo-o em meio às arvores. Sem se virar, ele fez um sinal com a mão livre para que ficasseparada. Estranho. Era como se ele tivesse olhos nas costas.

Já que ele parecia saber o que estava fazendo, Kess parou. E, por mais impulsiva

que parecesse ao deixar o carro abruptamente, não era estúpida. Talvez ele precisassede ajuda e, embora não fosse uma excelente atiradora, não costumava errar o alvo. E alinão era um parque de diversões. Os perigos eram inúmeros: pessoas, animais, insetos.Todos eles potencialmente perigosos. O acampamento não fora levantado perto de umbebedouro de propósito, mas estava próximo ao rio. Cerca de um quilômetro ao sulestava o maior vilarejo a sucumbir ao vírus letal.

Logo os animais deixariam o repouso para beber e os predadores sairiam embusca da caça. Os sempre presentes hurenianos começariam a andar pela penumbra,procurando a comida e os remédios à disposição nos acampamentos médicosestabelecidos pelo presidente Bongani.

Quando Simon começou a andar, seguiu-o. Imaginou uma dezena de possíveiscenários enquanto o acompanhava com os braços estendidos, segurando a arma comambas as mãos. Procurou se acalmar, pensando nas possibilidades menos perigosas.Como, por exemplo, que os nômades Fulani tivessem aparecido para promover uma trocade bens e o acampamento inteiro os tivesse acompanhado...

Céus... Impossível! Nunca todos saíam do acampamento ao mesmo tempo.

O peso do revólver começou a incomodar os músculos dos braços esticados.Firmou a arma, trêmula, um pouco devido ao esforço muscular, um pouco pelo pesomoral. Esperava não ter de atirar em ninguém, mas, se precisasse, sabia que teria acoragem necessária.

Simon continuou a se mover, passando entre as árvores de forma sutil, como sefosse um fantasma. Ficou cerca de seis metros atrás dele. A clareira do acampamentoestava logo adiante e, ainda que não o enxergasse, o guincho mais alto e intenso dasaves fazia os cabelos na base de sua nuca se eriçarem e um calafrio percorrer toda aextensão de sua espinha.

Sentia o eco das batidas do coração nos ouvidos. Enrugou o nariz ao sentir um

cheiro estranho, embora não soubesse do quê. Tentou dissociá-lo do aroma que envolviaos eucaliptos, do cheiro característico do rio lodoso, mas não conseguiu identificá-lo.

Um leão rugiu, parecendo estar perigosamente perto. Havia muitas coisas que elase dispunha a fazer pelo seu trabalho, porém virar petisco de um felino faminto não erauma delas. Estava no meio do caminho entre o acampamento e o carro, e sabia que, pormaior que fosse a sua vontade, não deveria correr. O ar estava parado; não havia umabrisa sequer entre a folhagem, o que fazia com que o som se propagasse livremente. Oleão podia estar a cinco metros ou a três quilometros.

Três quilômetros seria o ideal. Seria excelente de fato. Fique onde está, gatinho.

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Simon deu uma olhada por sobre o ombro, meneou a cabeça e apontou para ochão, num gesto que indicava que deveria ficar onde estava.

Kess ficou parada; fazia sentido obedecer. No entanto, ele se arrependeriabastante se, ao voltar, encontrasse somente o que restara de seu corpo, após ela ter sido

devorada por uma alcateia de leões. Ela também não ficaria nem um pouco contente casoisso acontecesse, pensou ao esquadrinhar os arredores.

Simon indicou que seguiria em frente, e Kess deu alguns passos para a direita,apoiando-se no tronco de uma árvore frondosa para descansar os músculos doloridos.Por alguns minutos agonizantes, ficou na mesma posição, mal respirando na ausênciadele. Apesar de carregar a arma, estava bem ciente de sua vulnerabilidade. Leões eguerreiros não eram os únicos perigos. Nem de longe.

Sentia o suor escorrer pelas têmporas ao se lembrar que o povo local a haviaalertado para nunca ficar vagando longe do acampamento. O perigo nem sempre se apre-

sentava em quatro patas. Muitos tipos de cobras e víboras habitavam aquelas paragens,bem como a mortífera ta-rântula, cujo veneno era três vezes mais letal do que o da viúvanegra. As presas conseguiam passar sobre o tecido das roupas e, muitas vezes, atémesmo dos calçados.

Ou, quem sabe, acabaria tendo um ataque cardíaco se continuasse a listar tudo oque poderia matá-la enquanto aguardava o retorno de Simon...

Uns cem anos depois e alguns milhares de batimentos cardíacos mais tarde, eleapareceu.

— Volte para o carro. Agora.

Ele ainda segurava a arma, mas Kess podia dizer, pela linha dos ombros, que ele já não parecia mais tão tenso como antes. Estava parado perto do começo do arvoredo,iluminado pelo sol e bem diante do acampamento. Os abutres circulavam logo acima,nem um pouco incomodados com a presença dele.

Tinha ouvido o que ele dissera claramente, mas o cheiro estranho e o rugido doleão não a deixaram computar o sentido. Abaixando os braços cansados, sem, noentanto, ativar o dispositivo de segurança da arma, foi até o lado dele.

— Onde estão tod... — Retrocedeu instintivamente ao sentir a bile subir pelagarganta.

Um banho de sangue. Um massacre.

Corpos ensanguentados estavam em todas as partes, nem todos inteiros.Membros e entranhas se espalhavam; o sangue formava manchas e poças no chão. Osabutres mal levantavam as cabeças dos corpos que estraçalhavam com seus bicosafiados. Algumas hienas também se refestelavam, cedendo espaço somente quando umaave mais abusada as desafiava.

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Os olhos de Kess capturaram o assassinato em massa de seus amigos como setudo não passasse de um pesadelo em tecnicolor, mas o cérebro mal compreendia o quehavia acontecido.

— O que... Como... Oh, meu Deus! — Levantou a camera automaticamente e

capturou algumas imagens. Mesmo pelo visor, nenhum dos corpos era identificável.Sentindo ânsia, agarrou-se ao braço forte de Simon quando seus joelhos fraquejaram.

— Não faça isso, ou os abutres logo virão para cá — ele disse com tantasuavidade que Kess não sabia se o ouvia ou se estava apenas lendo seus lábios.

Tentando se controlar, escondeu o rosto no braço dele. Aquela visão combinadacom o cheiro, que agora sabia ser de sangue e carne exposta ao calor do sol, reviravaseu estômago e enfraquecia seus joelhos.

— Respire pela boca. Devagar.

Nariz ou boca, tanto fazia. Não queria respirar o ar carregado de morte. Meneou acabeça, o rosto ainda amparado no braço dele. Pensou sentir uma carícia suave noscabelos, mas se aquilo deveria confortá-la, não funcionou.

Simon começou a caminhar, e Kess o acompanhou, como se estivesse colada aele.

Ouviu o barulho de metal e, abrindo os olhos, viu que estava ao lado do carro, aporta aberta.

— Entre — disse ele, gentilmente desvencilhando o braço dos dedos delicados.— Trave as portas e fique quieta. Vou dar uma olhada nas redondezas.

Não me deixe.

— Não faça nada estúpido — disse, em vez do que pensara.

— Você, idem.

— Simon... Ele se voltou.

— Sim?

— Poderia... Você poderia dar uma olhada para ver se alguém resistiu?

— Lamento muito, querida. Ninguém escapou.

— Como pode estar tão seguro disso?

— Os carniceiros chegaram em segundo lugar. Antes deles foram os facões.

A bile voltou a subir ao imaginar toda a equipe sendo assassinada por lâminascegas. Quase conseguia ouvir os gritos, sentir a dor que devia ter sido imposta aos seus

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amigos. Havia visto imagens na televisão do massacre em Ruanda, e pensar que aspessoas com quem estivera até poucas horas antes tinham sido assassinadas com tantabrutalidade a destroçava por dentro.

— Fique com a arma a postos.

— E se...

— Tranque as portas — Simon reiterou e partiu.

O feitiço de proteção, junto com as toneladas de aço, a manteria protegida contrainimigos humanos e magos. Ele estava certo de que a protegeria, mas não tinha certezase faria a imprevisível ruiva ficar onde deveria. Considerou a idéia de acrescentar umfeitiço de obediência, mas se segurou. Seus poderes andavam duvidosos, e só Deussabia se precisaria deles nos próximos minutos.

Ao se esgueirar pelos ramos das árvores, iniciou uma investigação mental. Operigo ainda rondava, embora não sentisse a presença de outro bruxo. Isso nãosignificava que um deles não conseguiria passar despercebido, já que seus poderesandavam enfraquecidos. Contudo, não havia indícios de que o massacre doacampamento tivesse sido trabalho de um bruxo.

Tornando-se invisível, transportou-se até o acampamento. As aves e as hienasinquietaram-se ao sentirem a sua presença, mas depois retomaram o que faziam.

Uma rápida verificação mostrou que ninguém tinha sido poupado. O massacre,desnecessariamente brutal, dava sinais de ter sido cometido pelos hurenianos.

De súbito, as hienas ficaram alerta, com as orelhas de pé, e os abutres alçaramvoo.

Simon ouviu passadas sorrateiras atrás de si segundos antes de os animaisrecuarem, assustados. Cinco ou seis pares de pés descalços resvalavam a folhagem ras-teira. Não conseguia usar a visão de trezentos e sessenta graus porque ela tambémcomeçara a falhar.

Olhou para baixo e... Maldição! Eles conseguiam enxergá-lo, pois tinha se

materializado sem querer. Diabos, precisava entrar em contato com Mason o mais rápidopossível para dar um jeito naquilo.

Dando um giro sobre os calcanhares, bloqueou o golpe de facão que um dosguerreiros tentava contra suas costelas. O maldito não acertou o alvo, mas fez um rasgoem seu braço. Simon atingiu-o no maxilar com o punho, e na virilha com o joelho. Oguerreiro se dobrou em dois, caindo ao chão com um grito agudo agonizante. Mais doisse aproximaram, com as assagais, lanças de madeira com uma faca na ponta,levantadas. Aquele tipo de arma não era adequado para combate corpo a corpo, mas oshomens deviam saber o que estavam fazendo, pois as lançaram de longe, fazendo-ascaírem aos pés dele.

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Orbitando, transportou-se para trás deles, o que funcionou a contento, pois osdois ficaram assustados. Bal-buciando, retrocederam alguns passos, com os ishlangu, ouescudos, erguidos diante do corpo, tentando se proteger do homem-fantasma.

Dois guerreiros, mais corajosos que os primeiros, circundaram-no, os olhos

arregalados margeados por pinturas tribais. As peles escuras brilhavam por causa dosuor. Podiam estar confusos e temerosos por não saberem o que ele era, mas, protegidospelos escudos de pele de animal, não pareciam dispostos a recuar. Acreditavam queatrairiam boa fortuna se conseguissem capturá-lo e matá-lo.

O murro desferido contra o escudo deixou o guerreiro da esquerda sem ação. Oescudo voou, e ele recuou. O segundo homem se lançou sobre Simon com presteza.Vendo que o escudo do amigo tinha sido inútil, deixou-o de lado e partiu para cima delecom os olhos injetados e um facão na mão.

Simon sorriu. O guerreiro titubeou.

— Vamos lá, seu idiota — Simon provocou, chamando-o com um gesto. — Sóvocê e eu.

Deram passadas em círculo, analisando-se mutuamente e levantando uma nuvemde poeira vermelha. Simon desarmou-o com um chute em dois segundos. Estava armado,mas não queria usar a Taurus e chamar a atenção desnecessariamente. Não seimportava em utilizar os punhos. Apreciava o exercício e, no momento, precisava queimarum pouco de adrenalina.

O homem, apesar da pintura no rosto, do tapa-sexo de pano e das armasprimitivas, tinha treinamento profissional. Pelos movimentos, parecia que havia recebidotreinamento dos sul-africanos.

Por que esses hurenianos foram treinados por sul-africanos? Com que propósito?

O guerreiro deu um meio giro e tentou acertá-lo com o pé calejado e imundo. Oque Simon sabia, e seu oponente não, era que não se devia tentar chutar na linha acimada cintura. Esse era o melhor modo de ser atingido em cheio nos testículos.

Enquanto o guerreiro tentava acertá-lo, Simon deu um chute frontal certeiro,

fazendo-o voar para longe. Por ter cometido o mesmo erro tático no passado, sabia o ní-vel de dor que o africano sentia no momento, dobrado no chão em posição fetal. A chancedo homem de procriar pequenos guerreiros foi reduzida num piscar de olhos.

— Contar para você não teria surtido o mesmo efeito — Simon disse, girandopara atingir outro guerreiro. — Vai pensar melhor da próxima vez... — Falava em inglês, jáque havia mais de quatrocentos dialetos no país. Embora o francês fosse a língua oficial,evitava fazer uso de sua fluência, pois tentava identificar seus oponentes pelo dialeto como qual se comunicavam.

O guerreiro seguinte não cometeria o mesmo erro que o companheiro e iniciou a

luta com uma série de golpes bem treinados. Os dois pareciam dançar, e Simon acom-panhava a movimentação de quatro outros guerreiros pelo canto dos olhos.

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Ao diabo com essa dança lenta.

Empunhando a Taurus, atirou no que estava mais próximo, antes que elesegurasse o escudo. Se outros se aproximassem por causa do som do tiro, lidaria comeles no momento oportuno. O guerreiro que o circundava retrocedeu e caiu ao esbarrar

num dos corpos. Antes que tivesse a chance de se levantar, também foi atingindo.Girando sobre os calcanhares, Simon perguntou:

— Próximo?

Tudo o que viu foram as nádegas desnudas dos guerreiros que fugiam.

A adrenalina no corpo deixava seus sentidos alerta.

— Diabos...

O problema agora era que estava sobrecarregado de testosterona, e precisavadescarregar a energia em alguma coisa.

Podia perseguir os guerreiros, ver onde se escondiam, e, assim, obter algumasrespostas. Isso, entretanto, significaria deixar Kess sozinha e vulnerável. Até conseguirlevá-la para algum lugar seguro, tinha que se resignar com a função de babá. E,pensando em Kess... Um calor sensual o tomou com a força da maré alta. Se um homemnão podia lutar, sempre havia a alternativa de...

— Não — disse em voz alta. O som parecia estranho aos próprios ouvidos,

conforme abandonava o acampamento e seguia para o carro. — De jeito nenhum.Não usaria magia dessa vez. Correria para gastar um pouco de energia e parar

de ter pensamentos absurdos.

Estava abafado no carro. Kess decidira não desperdiçar combustível deixando oar-condicionado ligado. Também não tinha a intenção de chamar a atenção com o som domotor.

Pegando outro cubo de gelo da geladeira portátil, passou-o pelas faces epescoço. Estava tão quente que conseguia se imaginar numa piscina de água gelada. Já

que isso não seria possível, procurou se contentar com o cubo que derretia rapidamente.

— Onde você está, Simon?

Só Deus sabia o que ele devia estar fazendo. Já fazia mais de meia hora quepartira. Somente algo ruim o manteria num acampamento cheio de cadáveres por tantotempo.

— O que aconteceu com você?

Mantendo o cubo numa veia pulsante na base do pescoço, olhou fixamente para

o meio das árvores. Ele teria sido morto? Os assassinos teriam retornado? Estremeceu, adespeito do calor insuportável.

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Talvez ele precisasse de ajuda. Com o coração batendo descompassado, Kessenxugou as mãos úmidas na calça. Quanto mais ficava parada esperando, mais vividasas possibilidades se tornavam em sua mente.

Precisava sair e verificar o que estava acontecendo. Ela era a única pessoa

disponível no momento para resgatá-lo. Porém, a imagem dos corpos dilacerados e oodor pungente a mantinham dentro do carro.

— Saia e vá ajudá-lo. — A voz parecia tão aterrorizada quanto ela, de fato, sesentia. — Se eu for até o acampamento e ele estiver lá precisando de ajuda, será algobom, não? — E se ele estiver morto? — Então o que era bom vai ficar ruim, muito ruim...

Podia ficar no carro e morrer, ou morrer lá fora.

Pegou um novo cartão de memória para a câmera dentro da mochila e a colocouno bolso da calça. Por mais que odiasse o que tinha de fazer, alguém precisava docu-

mentar o ocorrido.

— Que conste nos autos — disse em voz alta — que estou completamenteapavorada e não sinto a mínima vergonha de admitir isso.

Abriu a porta e deixou uma brisa entrar. Girou o corpo e pôs um pé para fora,segurando o revólver.

As árvores pareciam estar distantes. Nunca mais conseguiria sentir o cheiro deeucalipto sem se lembrar da tragédia daquele dia. Pressionou o estômago e engoliu emseco.

Já começava a anoitecer. De tanto olhar fixamente para o ponto em que Simonentrara no arvoredo, nem tinha percebido. O poço no qual os animais iam beber águaficava a meio quilômetro de distância, um espaço curto demais para os habitantes dasplanícies procurarem um lanchinho... Seria o equivalente a sair da sala de estar em buscada última fatia de bolo na cozinha.

— Meu gosto é horrível — assegurou para qualquer animal de estômago vazioque estivesse nas redondezas. Tentou andar com passos mais firmes, mesmo pensandoque poderia haver olhos amarelados seguindo seus movimentos.

— Mandei você ficar no carro — Simon disse às suas costas.

Kess emitiu um grito tipicamente feminino ao mesmo tempo em que cobria ocoração com a mão e se virava para encará-lo.

Simon a segurou pelo cotovelo para evitar que ela caísse de susto.

— Que diabos estava fazendo? Para onde ia? Havia um corte profundo no bícepsbem delineado, e ele estava empoeirado e desgrenhado. Para Kess, contudo, ele nuncatinha parecido melhor. Queria se lançar sobre Simon, abraçá-lo e enroscar as pernas no

corpo másculo. Queria enterrar o rosto na curva do pescoço onde via uma veia pulsando.

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— Seu braço precisa de pontos. A equipe médica já deve estar chegando e...

— Droga! — Simon exclamou, olhando por sobre o ombro dela.

Num minuto, Kess estava de pé; no instante seguinte, estava estatelada no chão

sob o corpo forte de Simon. Já ia comentar que a posição seria mais adequada se esti-vessem de frente um para o outro quando um estrondo repentino fez o seu mundo seapagar.

O projétil atingiu o Range Rover, fazendo-o voar pelos ares numa bola de fogo.Um míssil daquele porte podia ser lançado a uma distância de quinhentos metros, o quesignificava que o responsável pelo ataque estava bem próximo. Perto o bastante paraacabar com um carro blindado e chamuscar as sobrancelhas de Simon.

Enquanto digeria essa última porção de informação inesperada, ele seconscientizou imediatamente de que havia um belo corpo feminino entre o seu e o chão

batido. Um corpo feminino que se rebelava e tentava se desvencilhar.

Quando Kess levantou a cabeça, atingiu o seu queixo, fazendo-o cerrar osdentes. Ela virou de lado para encará-lo, o rosto pálido debaixo do bronzeado recém-conquis-tado, os olhos desfocados e confusos.

— Deus Todo-Poderoso! O que foi isso?

Não havia tempo a perder. Simon pressionou um ponto em meio aos cabelos delana base da nuca e apertou com firmeza. Os olhos de Kess reviraram e o corpo amoleceu.

— Desculpe, querida, mas precisamos fugir daqui o quanto antes. Só espero quemeus poderes não me abandonem, nos deixando diante do inimigo. — Abaixado, a fim denão se tornar um alvo fácil, pegou-a nos braços. — Lá vamos nós.

Ele os teletransportou para as montanhas a cerca de cinquenta quilômetros dali.Encontrou uma caverna num morro cheio de rochas e a carregou para dentro. Depois,lançou um feitiço de proteção na entrada. O feitiço lançado sobre o carro não funcionara;esperava que esse não deixasse a desejar.

— Que bom que não dá ouvidos à razão — murmurou, deitando-a sobre um saco

de dormir que tinha materializado sob ela. Se tivesse permanecido lá, seria consideradadano colateral. Droga! Suas férias estavam, de fato, se tornando trabalho. Precisavareportar o acontecido e voltar ao acampamento para investigar quem eram os responsá-veis por tudo aquilo.

O cabelo longo, enroscado em seus dedos, parecia uma seda quente que oprendia a ela. Sentiu certa relutância em desvencilhar-se. Seria um erro tocar essamulher. Um erro monumental. Os feromonios de Kess chamavam pelos seus de maneiraprimitiva, como um canto de sereia que ele jamais tinha ouvido. Era difícil resistir.

Admirou o rosto em repouso. Ela era mais bonita quando estava acordada, cheia

de vivacidade. Naquele momento, parecia vulnerável e meiga... Talvez porque tivesse osolhos e a boca fechados.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 33

Posicionou-se sobre os calcanhares e a chamou:

— Kess, acorde. — Tocou-a no rosto, pois ela não reagiu. — Vamos lá, doçura.— Esfregou o polegar em sua face, um gesto involuntário que provocou um sobressaltoem seu coração. — Está na hora de acordar.

Ela virou o rosto na direção da mão dele e murmurou:

— Só mais uma hora... — Os lábios resvalaram a palma, enviando uma correntede eletricidade pelo braço, passando pelo peito e descendo até a virilha.

— Kess... — Deu um tapinha no rosto dela. — Acorde. Agora.

Os cílios estremeceram, e ela abriu os olhos. Com a testa franzida, perguntou:

— O que aconteceu?

— Os vilões explodiram o Rover.

— Que vilões? — perguntou ela, sentando-se e passando os dedos peloscabelos.

Mesmo na semiescuridão da caverna, os cabelos brilhavam como fogo, e, é claro,estavam desgrenhados e cheios de galhinhos. Simon desejou penteá-los e... Não, nãoera isso o que desejava. O que mais queria era en-roscar os dedos nos cachos, puxar orosto delicado para perto do seu e perder a cabeça.

— Não estou bem certo — disse, sucinto, observando-lhe os olhos para ver se aspupilas não estavam dilatadas. Kess parecia bem; ele, no entanto, sentia um calordesproporcional para a ocasião só de olhar para ela.

Os grandes olhos acinzentados demonstraram confusão ao olhar ao redor.Voltando a fitá-lo, perguntou:

— Onde estamos e como viemos parar aqui? Direto ao ponto. Ela não pareciaassustada com o fato

de que estavam em outro lugar, somente intrigada. Nada parecia aplacar oentusiasmo dela; uma energia vibrante emanava do corpo feminino.

— Em uma caverna nas montanhas, e eu a carreguei.

— Aquilo estava bem perto da verdade. Retirou um ga-lhinho dos cachos dela, osdedos se enroscando nos fios sedosos.

Desejava ver o corpo delgado nu, à mostra diante de si como num banquete.Queria saborear a boca carnuda e beijá-la até deixá-la sem sentidos. Beijá-la até quesuplicasse por mais. Imaginou-se dentro dela, desfrutando de prazeres indescritíveis, as

pernas longas ao redor de seu corpo, a cabeça inclinada para trás, os cachos espalhadosno momento do clímax.

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Ele tinha perdido o juízo.

Desgostoso com o efeito contínuo que ela exercia, Simon forçou-se a deixar aexpressão neutra e examinou-a, a fim de verificar se tinha sido afetada pelo teletranspor-te. Kess parecia bem. Bem demais.

— Não há nenhuma montanha nas proximidades...

— Ela arregalou os olhos, e Simon notou pela primeira vez que as íris eramcircundadas por um traço cinza mais escuro. Os cílios eram longos e espessos... Ele esta-va tão próximo que seria capaz de contar cada um deles. Retrocedeu, perturbado. — Ascavernas das montanhas ficam a quilometros de distância. Você me carregou?

Simon deu de ombros. Colocando a mão dentro do bolso, materializou umelástico de cabelos antes de retirá-la.

— Tome. — Estendeu-o. — Você não é tão pesada assim...

Aceitando o objeto, ela fez uma careta.

— Puxa, obrigada. — Levantando-se, prendeu o cabelo e perguntou: — De ondevem tudo isso? — Indicou não só o saco de dormir como também outros suprimentos queSimon tinha materializado ao entrar na caverna.

— Alguém deve ter deixado para trás... — Ergueu-se e bateu nos joelhos paratirar a poeira. — Vou sair para dar uma olhada nas redondezas.

— Tudo bem — respondeu ela sem pensar. — Por que acha que alguém se dariaao trabalho de trazer tudo isso para cá só para deixar para trás? Onde estão essas pes-soas? Quem são?

— Não faço a mínima idéia. — Simon olhou para fora da caverna. A luz naturalcuminuía rapidamente, lançando sombras no horizonte. Queria voltar ao acampamentopara ver se descobria alguma pista sobre a identidade dos inimigos e sobre o motivo deterem massacrado os médicos.

— Eles devem voltar, não acha? — Kess, aproximando-se dele, referia-se às

pessoas inexistentes que haviam deixado os suprimentos para trás.

Simon deu as costas para ela, um expediente inútil já que sua visão de trezentose sessenta graus voltara a funcionar. Ela mordia os lábios ao observar o vale logo abaixo.

— Uma subida e tanto...

Precisava que ela olhasse em outra direção enquanto trocava de lugar comNomis. Deixar seu alter ego com ela seria mais eficaz do que mandá-lo rastrear osguerreiros.

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Nomis era capaz de fazer praticamente tudo o que ele fazia, só não tinha amesma força física. Kess ficaria segura com ele e, caso surgisse algum problema, saberiano mesmo instante e estaria de volta num segundo.

Mentalmente, conectou-se a Nomis para ver o que Abi fazia. O presidente estava

numa festa de gala cercado por seguranças e à vista de centenas de pessoas. O alter egoera, no momento, dispensável; por isso chamou-o.

Não podiam aparecer ao mesmo tempo no mesmo lugar, mas Nomis aguardavasua autorização para se materializar. Ainda que tivessem corpos distintos, a mente erauma só. O que Simon sabia, Nomis sabia, e vice-versa. Era algo que ele apreciaramuitíssimo quando criança. Seu amigo imaginário era bem real.

— Vou sair para dar uma volta. Deixei uma arma ao lado do saco de dormir;mantenha-a destravada e ao seu alcance sempre. — Fez uma pausa. — Não saia dacaverna até eu voltar. Entendido? Kess bateu continência.

— Sim, senhor — brincou. — Tome cuidado...

— Estarei de volta em cinco minutos. — Ergueu uma sobrancelha. — Fique longede apuros...

Engraçadinho. Até parece que eu conseguiria me meter em apuros no meio donada.

Na boca da caverna, observou-o descer o barranco com a destreza de uma cabramontanhesa. Sorriu ao vê-lo se afastar.

Belo traseiro.

Então, voltou a entrar para ver o que havia no meio dos suprimentos. Estavafaminta.

A primeira coisa que encontrou foi uma lanterna. A luz iluminou o interior dacaverna, a parede áspera e os demais itens. Numa geladeira portátil encontrou dois bifesenormes, batatas, manteiga e até um molho de sal-sinha! Morangos e uma garrafa devinho... Não tinha noção alguma de qualidade; para ela, um vinho era igual a qualquer

outro. O gosto podia ser ácido, de frutas ou adocicado. Devia experimentá-lo. Ou não.Preferia tomar uma bela dose de refrigerante cheio de açúcar e cafeína. Impossível!Também havia algumas latas...

Tentou erguer a sobrancelha como Simon fazia tão bem, mas não conseguiu.

— Quem são vocês e que tipo de noite tinham em mente? — Aquele não separecia com nenhum tipo de refeição de acampamento a que estava acostumada, masnunca se considerou mal-educada. Não ia começar a olhar os dentes do cavalo dadonaquele momento.

Dentro de uma caixa havia também um fogãozinho a gás de três bocas e umafrigideira. Tinham pensado em tudo.

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— Não ficaria surpresa em encontrar uma toalha de mesa e guardanapos de linhobranco. — Vasculhou a caixa. Copos. De vidro! Talheres de verdade, não de plástico.

— Ai, meu Deus, nada de toalha? Quem acham que somos? Selvagens?

— Costuma falar sozinha? — Simon perguntou às suas costas.

Kess não se assustou com a chegada dele, mas sentiu o coração acelerar.

— Com certa frequência — respondeu, levantando-se e lançando-lhe um sorrisoamigável.

A tênue luz da lanterna formava sombras na caverna, tornando a expressão deleum tanto demoníaca. Ai, meu Deus. Tão sexy...

A pressão arterial de Kess subiu, e ela sentiu o corpo se aquecer como seestivesse sob o calor do sol. O cérebro parecia eclipsado, e ela lutava contra o impulsoque a fazia querer se apoiar nele. O peito era largo e forte, parecia tão convidativo... Ehavia um ponto escondido nas sombras perto do pescoço que, podia apostar, era delicio-samente salgado.

Veja se consegue se controlar, mulher!

— Considero-me bastante divertida, uma boa companhia... — disse comvivacidade. — Ainda mais quando estou sozinha. Encontrou alguma coisa interessantenas suas andanças? — Gostaria que ele descobrisse algo, já que tinham ficado na mira

de um míssil, porém não poderia condená-lo por buscar a segurança das três paredes dacaverna. — Poderia ter dado mais uma olhadinha...

— Vi o que precisava ver. — Ele olhou para a caixa de suprimentos e para alanterna.

— Vou começar a preparar o jantar. Vai demorar uma meia horinha. Acha quepodemos deixar a luz acesa? E quanto a cozinhar? Será que o cheiro vai nos denunciar?

— Alguém tinha acabado de tentar matá-los, e talvez não fosse uma boa idéiachamar a atenção. — Desculpe, no que eu estava pensando? De qualquer modo, a

comida deve ser dos vilões, não é mesmo? Não há problema em desperdiçá-la... Emelhor ficarmos quietinhos no escuro.

— Não há problema algum por perto. Encontrou tudo o que precisa para umarefeição?

— Se você se contentar com um suculento bife, batatas num molho delicioso emorangos regados a um bom vinho... Sabe o que quero dizer, comida de acampamento...Infelizmente teremos de encarar essa gororoba para manter as forças...

Os lábios dele se retorceram.

Kess estreitou os olhos e inclinou a cabeça.

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— Você parece diferente. O que fez? — Ele quase sorrira, o que, sem dúvida, erabem diferente. Contudo, não era isso o que a incomodava. — Ah! Já sei! Penteou oscabelos para o outro lado.

Os lábios masculinos se abriram num pequeno sorriso.

— Acha que fui lá fora para me arrumar?

Kess deu de ombros. Ele realmente parecia diferente, e o que mais a incomodavaera o fato de não fazer idéia do que era.

— Eu preciso... Bem... Eu também preciso dar uma voltinha. Pode acender ofogo?

— Gostaria que não saísse da caverna — ele disse amavelmente.

— Bem, sem dúvida é muito bom desejar que as coisas aconteçam de certaforma, mas eu preciso sair. — Já podia imaginá-lo sugerindo que se abaixasse num cantoda caverna. O que não iria acontecer de jeito nenhum... Dessa vez, conseguiu imitar oerguer de sobrancelha a contento.

— Leve isso — disse ele ao se abaixar para pegar a arma. — Seja rápida. Emdez minutos a escuridão será completa.

Mais uma vez ela bateu continência, quase acertando o olho com a arma.

— Sim, senhor.— Leve a lanterna também.

Seria bem difícil fazer o que tinha de fazer se estivesse com as mãos ocupadas.

— Sim, capitão.

— Vá.

Kess podia jurar que ele sorria atrás dela.

Simon caminhou pelo acampamento, observando a cena com novos olhos.Mesmo sem sentir perigo imediato, manteve a invisibuidade. Tudo estava bem até o mo-mento. A lua, alta no céu, iluminava o lugar, deixando as sombras mais escuras e osobjetos mais claros, transformando o acampamento numa pintura de contrastes em pretoe branco. Como não precisou usar a lanterna, acomodou-a junto à faca que levara presana coxa.

Pobres almas. Mesmo ele, que estava acostumado ao pior do ser humano,considerava aquele massacre nauseante e horripilante.

A Inteligência da T-FLAC tinha lhe enviado imagens e a biografia da equipemédica antes que ele partisse de Quinisela. Posicionando o monóculo acoplado ao fone

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para baixar o arquivo, andou em meio à devastação, tentando identificar algum corpo.Não era uma tarefa simples. Com a ajuda de um escaner ótico conseguia avaliar umcorpo, e o equipamento eletrônico comparava os dados dos restos mortais com os queestavam armazenados, até ter uma identificação positiva. O equipamento tambémconseguia receber impressões digitais e fazer raios-X. Uma identificação visual, contudo,

 já bastava naquele caso. Era uma forma rápida e segura de identificar cadáveres etambém muito eficiente para provocar dores de cabeça. Isso porque enquanto o olhodireito ficava ocupado com arquivos de dados e imagens aceleradas, o outro permaneciaimóvel.

Uma brisa quente e suave agitou os ramos das árvores próximas, intensificando oodor pútrido dos corpos em decomposição. O que o calor e os animais não dizimaramdurante o dia seria aproveitado pelos insetos. Na mata, nada era desperdiçado.

Marcas recentes de pneus indicavam que vários veículos haviam chegado epartido. Os caminhões com provisões enviados por Abi não tinham serventia ali. Por mais

que Simon suspeitasse que esse pessoal estives armado, ninguém poderia condená-lospor deixar cena tão grotesca para trás.

Rolou um corpo com a ponta da bota. O rosto estava irreconhecível, mas via-seque era uma mulher pelos cabelos longos avermelhados e pela estrutura do corpo. Um nóse formou na boca de seu estômago ao imaginar que aqueles cabelos poderiam ser deum tom alaranjado; o corte era parecido com o de Kess.

Dadas as similaridades entre o cadáver e sua companheira de viagem, comoaltura, peso e cor de cabelo, não se admiraria se alguém a considerasse morta.

Usaria seu telefone via satélite para contatar Abi e pedir o resgate dos corpos. Emseguida, falaria com o quartel-general para relatar os últimos acontecimentos.

Fim de férias.

A contagem dos corpos revelava que faltavam dois: Konrad Straus e JudithViljoen. Não havia como confundi-los com nenhum dos outros, de acordo com a descriçãofísica. Perguntou-se se teriam conseguido escapar ou se eram mantidos prisioneiros.Talvez um dos animais tivesse arrastado os corpos para longe dali.

Queria encontrar os responsáveis por aquela carnificina. Porém, o maisimportante era identificar os corpos antes que qualquer evidência sumisse. Usando umafunção específica de seu equipamento, transmitiu os dados registrados para o QG emMontana para que fossem analisados. Por um instante, voltou-se para Nomis a fim deverificar como andavam as coisas na caverna.

Seu alter ego pairava invisível no meio da mata, seguindo Kess, que se afastavado refúgio. Como a lanterna iluminava o caminho, Nomis tinha lançado um escudo paraevitar que outros vissem o clarão. Dando as costas e olhando para as estrelas, ele davaprivacidade à moça. Quando voltassem para a caverna, Kess estaria segura ao lado deNomis, sabia disso. Ele, no entanto, estava com problemas até o pescoço.

Havia bruxos nas redondezas.

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Invisíveis. Poderosos. Cerca de vinte contra ele, sozinho.

Se não fossem tão poderosos, as chances seriam razoáveis. Porém, ele iriaprecisar de um poder que não tinha no momento. O escudo protetor ao redor da cavernanormalmente não demandaria muito esforço. Porém, sentia a energia vacilar.

Os bruxos não estavam tão perto, mas, se conseguia senti-los, eles tambémsabiam que estava ali. Decidiu materializar-se e, assim, conservar um pouco de energia.

Precisava de cada resquício de força de que podia dispor. Imediatamente. Nãopoderia retirar a proteção de Kess; sem isso ela não teria a mínima chance. Entretanto, sedeixasse Nomis com apenas um mínimo de funcionalidade, talvez conseguisse o queprecisava. Ao menos, o bastante para sobreviver um pouco mais.

Algo rastejante passou pela grama ao lado da bota de Kess. Ela apontou alanterna para o chão; a parca iluminação revelou a folhagem tremulando enquanto o que

quer que se escondia por ali se afastava. Esperava que fosse algo pequeno e tentouafastar a lembrança de que mesmo insetos miúdos podiam ser tão letais quanto seus pri-mos maiores.

Ao encontrar um lugar adequado fora da caverna, apoiou a lanterna no chão,desafivelou o cinto, abriu o zí-per e abaixou a calça, tudo isso segurando a arma. A von-tade de se aliviar, porém, abandonou-a. Com um suspiro desanimado, refez todo oprocesso na ordem inversa, pois não poderia ficar abaixada no meio das moitas parasempre. Logo Simon viria procurá-la se demorasse demais.

O estomago roncou ao sentir o aroma dos bifes na chapa e, salivando, retomou ocaminho de volta para a caverna. Num instante, olhava onde colocava os pés; noseguinte, deu de frente com o par de botas de Simon. Céus, o homem se movimentavacom a sutileza de um fantasma!

— Não faça isso de novo — sussurrou, com o coração acelerado. Quem sabe nãodeveria colocar um sininho ao redor do pescoço dele para que não voltasse a assustá-lacom seus movimentos sorrateiros?

Na verdade, não precisava de aviso quando ele estava nas proximidades. Jáestava perigosamente ciente daquela beleza devastadora; do modo como os lábios se

curvavam quando achava alguma coisa engraçada, da forma como os ombros seinclinavam quando caminhava, do contorno dos músculos bem delineados sob a camisa.Bem, talvez um sino viesse a calhar...

Simon pousou um dedo sobre os lábios, e ela captou a mensagem: deveriapermanecer calada. A luz tênue dava a impressão de que ele tremulava, o que, aliado aosanimais rastejantes, um guincho e outro de algum pássaro noturno e o rugido de um leão,que esperava estivesse bem longe, provocava arrepios em sua espinha e eriçava ospelos de seus braços.

Ele continuou caminhando, e Kess o seguiu, as botas deslizando no terreno cheio

de pedregulhos. Poderia se segurar na grama e nas moitas para se equilibrar e subir com

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mais presteza, porém detestaria a idéia de agarrar uma tarântula ou qualquer outroinquilino das paragens.

Simon não se prontificou a ajudá-la, nem a segurar a lanterna ou a arma para ela.Sentindo que o cheiro delicioso da carne começava a mudar para um tostado indesejável,

pôs mais força nas pernas para completar a subida. Detestaria desperdiçar um belo esuculento bife.

Apoiou o pé numa rocha que deslizou, fazendo-a escorregar alguns metros.Tendo as mãos ocupadas, acabou caindo de cara no chão. Olhou para cima para ver seSimon tinha voltado para ajudá-la. Não tinha. Dali onde estava, ele parecia ainda maistranslúcido, como se estivesse atrás de uma cascata.

Só podia ser uma alucinação causada pela fome. Levantou o olhar e viu fumaçasaindo pela caverna.

Droga, o jantar está queimando.

Ela estava bem, tinha apenas ralado o queixo. Era uma garota crescida; nãoprecisava de ajuda. Não que Simon tivesse feito a cortesia de oferecê-la.

Assim que pôs o pé dentro da caverna, viu-se envolvida pela escuridão. Somentea chama do fogão iluminava o local.

— Estou bem, obrigada — disse com um pouco a mais de amargura do que asituação pedia.

Silêncio como resposta.

— Vai tirar a frigideira do fogo ou prefere comer carvão? Não me importo combem passado, mas crocante não é meu ideal.

Novo silêncio.

Kess chegou a pensar que ele tivesse voltado a sair, mas, olhando por sobre oombro, viu que ele estava aga-chado perto da saída, com as costas apoiadas contra umadas paredes e a arma pensa em uma das mãos. E não prestava a mínima atenção.

— Está bem. Eu mesma desligo. Mais silêncio.

Sobre a cabeça dele ao longe, um clarão digno dos fogos de artifício do Dia daIndependência iluminou a noite.

— Uau! Eu nem tinha ouvido o trovão, você ouviu? — Kess piscou e pensou queSimon tivesse sumido. — Bem, Blackthorne com "e", poderia ao menos ter sedespedido... — Olhava bem para a entrada da caverna quando o viu na mesma posiçãoem que ele se encontrava antes. Com as alucinações prosseguindo nesse ritmo, eramelhor começar a comer antes que perdesse a noção da realidade.

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CAPÍTULO 2CAPÍTULO 2CAPÍTULO 2CAPÍTULO 2

Sete homens materializaram-se na escuridão, saindo do meio das árvores e indopara a clareira iluminada pelo luar. Não eram sete bruxos, mas um apenas, acompanhadode meia dúzia de comparsas. O único bruxo tinha o poder de se multiplicar, umahabilidade rara, porém muito eficaz de clonar sua presença. Como se fosse um porco-espinho que eriça os espinhos para espantar o inimigo.

Simon ficou estático, os pés afastados e as mãos livres ao lado do corpo

conforme o grupo se aproximava. Se esse fosse o bruxo que vinha preocupando Abi, seuamigo estava em sérios apuros.

Diabos! Quem estava em apuros naquele exato momento era ele.

O bruxo liderou o grupo. Com provavelmente dois metros de altura, tinha pelebranca sepulcral e cabelos loiro-avermelhados que, de tão compridos, se dividiam naaltura dos ombros caindo pelo peito e pelas costas. Apesar do calor, vestia um casaco decouro longo e calças negras enfiadas em botas pesadas que alcançavam os joelhos.Parecia um personagem de manga muito bem desenhado.

Os hurenianos o flanqueavam, três de cada lado. Em vez de pintura tribal e tapa-sexo de pano, ostentavam camuflagem e equipamento bélico alemão. Nada muito co-lorido, porém consideravelmente mais prático e eficaz do que as ishlangu e os escudos depele.

A presença dos guerreiros não incomodava Simon de maneira alguma. O bruxo,porém, era outra história, pois emanava incessantes ondas de poder.

Mesmo nos seus melhores dias, teria problemas para enfrentá-lo, visto que ospoderes do estranho pareciam fortes demais. Já que aquele não era um de seus melho-

res dias, seria melhor pensar rápido antes que se transformasse em algo desagradável,como dejeto de besouro ou... um cadáver.

Reunindo forças, deu um passo à frente. O bruxo lançou um raio brilhantecarregado de eletricidade direto em seu coração. Simon já tinha tentado esse truquecentenas de vezes em outros enfrentamentos, mas nunca com tamanho poderio. Nomesmo instante, transportou-se um metro para o lado, por muito pouco escapando doatentado, mas ainda assim sentindo o poder incrível por trás do golpe. Seus pelos seeriçaram e o coração acelerou. Logo atrás, uma das casas pré-fabricadas quecompunham o antigo acampamento explodiu numa bola de fogo.

De imediato, captou a mágica remanescente para enviá-la de volta, como sefosse um bumerangue.

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— Vejo que vamos dispensar a cortesia — comentou seco, abrindo um buracoimenso debaixo dos sete inimigos.

Seis desapareceram, caindo sobre pernas e braços dos companheiros em meio agritos e imprecações. O bruxo flutuou sobre o buraco, o longo cabelo ondulando.

— Truque de amador... Ainda não terminei, cretino.

Simon identificou o sotaque do homem como sendo africano.

Um bruxo da África do Sul? Droga! Suspeitava quem ele era. Sem desviar osolhos, fez um grosso galho de árvore cair sobre seu oponente num ataque súbito,atingindo-o no alto da cabeça num baque surdo. O movimento simples, porém eficaz,levou o bruxo para o buraco junto aos seus companheiros.

Imediatamente, lançou uma rede invisível de contenção na abertura do buraco.

Depois, aproximou-se para espiar lá embaixo.

No instante em que o viram, os guerreiros começaram a atirar. A saraivada debalas foi contida pelo escudo invisível e ricocheteou.

Dois homens caíram; outros dois urraram ao serem atingidos pelas própriasbalas. Os projéteis ricochetaram mais um pouco, atingindo outro deles, que tentava subirpisando em um dos companheiros.

— Para o inferno, você também — disse para o bruxo e, para os guerreiros,

completou: — Ei, cretinos. A menos que queiram morrer antes da hora, parem de atirar!— Depois encarou o bruxo enfurecido. — Quem é você? — Tentou ler a mente dohomem, mas tanto a dele quanto a dos guerreiros parecia lacrada. — É o responsávelpelo massacre desta tarde? Não vai responder... Que tal esta, então... Por quê? —Indicou a clareira onde os cadáveres dos médicos ainda se encontravam. Racionalmente,não conseguia encontrar uma explicação que justificasse a carnificina.

Os olhos do bruxo brilharam ao luar, mesmo dentro da prisão provisória.

— Americano — a voz era malévola e provocou uma desconhecida sensação decalafrio pela espinha de Simon —, grave meu nome: Noek Joubert.

Ele estava certo... Noek Joubert. O líder do grupo terrorista Fênix, baseado naÁfrica do Sul. Abi tinha motivos para se preocupar; Joubert tinha fama.

Poderia reconhecer a assinatura desse homem mesmo de longe, se voltasse a sedeparar com ele. Se estivesse vivo para que isso pudesse acontecer. Ouvira falar dele,mas não tinham mencionado a extensão real dos poderes que possuía. Conseguia senti-los como um cobertor carregado de eletricidade ao seu redor. Poderes do mal tinham suaprópria energia, como se tivessem vida.

O pior de tudo era que deviam ser dez vezes superiores aos seus, que, quando

funcionavam bem, eram considerados formidáveis.

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— Lembre-se dele — Joubert disse num tom suave carregado de promessas —,pois será o último nome que dirá antes de morrer.

— Bem, isso é deprimente. Sempre pensei que minhas últimas palavras fossemdirecionadas a alguma garota sensual... Noek Joubert, hein? Nunca ouvi falar. O que foi

que um bando de bons samaritanos fez para provocar a sua ira?

— Sou eu quem faz as perguntas por aqui. — Joubert o encarou com veneno nosolhos. — Você não é um dos Médicos Sem-Fronteira. Quem é você?

— Quem está em posição de fazer perguntas sou eu.

— Simon estremeceu ante á força que tinha que fazer para manter a redeinvisível posicionada. Sentia a trans-piração começar a correr pelo corpo e o coraçãocada vez mais acelerado. Cerrou os dentes, mantendo o controle.

— Vamos tentar de uma maneira mais educada: quem diabos é você, seu cretino,e qual o seu interesse nesses médicos?

— Não conseguirá manter esse escudo para sempre.

— A raiva deixava a voz do homem áspera e cruel. — Sugiro que volte para oburaco do qual saiu e deixe meus interesses em paz.

O poder de Joubert reverberava contra o escudo de Simon, que se mantinha nolugar à custa de muito esforço. Pela primeira vez em sua vida adulta, sentiu medo real.

Mesmo a ínfima porção de energia que usava para manter Nomis no lugar fariadiferença, mas seria incapaz de abandonar Kess à própria sorte. Ainda mais agora. Seualter ego precisava ficar ao lado dela, pois, se algo lhe acontecesse, ele poderia levá-la devolta à segurança sem que Joubert soubesse.

Comunicou-se com Nomis brevemente, como se usasse taquigrafia. Comomedida de segurança. Era como se estivesse falando consigo mesmo, só que diferentede alguma forma.

— E que interesses seriam esses?

— Não tenho nem a intenção nem a inclinação de me explicar para um meiobruxo.

Simon não era um meio bruxo, mas seus poderes estavam, claramente, tãofracos que poderiam levar a essa conclusão.

A rede de contenção estava perdendo força. Por isso, rompeu a comunicaçãocom Nomis. Somente com muita concentração conseguiria restringir o poder superior dobruxo. Levantando uma sobrancelha, comentou, zombeteiro:

— Observação interessante, já que é você quem está preso num buraco. Semfalar na metade de seus comparsas mortos ou feridos por eles mesmos.

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O poder do bruxo confinado ultrapassou o escudo e atingiu Simon no meio dopeito, lançando-o no ar por uns bons metros.

A ligeira irritação se transformou em zanga real quando se pôs de pé novamente,esfregando o peito. O golpe tinha sido mais doloroso do que se fosse atingido por uma

bala no colete de proteção. Muito pior.

Com os olhos semicerrados, mais uma vez renovou o feitiço sobre o buraco,deixando-o impenetrável. Poder contra poder. O ar ao seu redor vibrava enquanto forçavaum pé diante do outro ao se aproximar do cativeiro improvisado. Era como se estivesseno olho do furacão, mas sem o barulho ensurdecedor. A clareira estava estranhamentesilenciosa.

Os olhos cinzentos de Joubert brilharam ao vê-lo novamente. Simon devolveu oolhar malevolente.

— Alguém já lhe disse que você não trabalha bem em equipe?

— A maioria das pessoas tem a oportunidade de enfrentar as consequências porcruzar o meu caminho.

Quem seriam os inimigos de Joubert? Gostaria de conhecê-los. Quem sabepoderiam tomar umas cervejas juntos... O que fosse necessário para controlar aquelaaberração.

— Atravessar o seu caminho... Parece-me algo perigoso. Foi o que essesmédicos fizeram? Foi por isso que os dizimou com tanta brutalidade?

O bruxo das trevas estalou os dedos, provocando uma corrente de energia azul-safira que irradiou pelo cativeiro. Em circunstâncias normais, as habilidades de Simonresistiriam por mais tempo, mas, naquele instante, por causa dos poderes sobrenaturaisdo bruxo ou da sua própria fraqueza, a rede de contenção começava a fraquejar. Esomente um estalar de dedos provocara aquilo.

— Duvido que seu feitiço aguente muito tempo mais — Joubert zombou,arreganhando os dentes como uma fera enjaulada. — Siga meu conselho, americano.Fuja.

Simon sentia seus poderes enfraquecendo diante da força emanada pelo bruxo.Precisava de mais tempo. Senão só lhe restaria seguir o conselho do maldito.

— Diga-me por que os matou, e eu considerarei poupar a sua vida. — Eleapanhava resquícios de força e energia como alguém que tira fios soltos de um casaco.Era tudo do que dispunha.

O sul-africano riu.

— Sua ameaça é vazia. Não tem a força necessária, nem eu estou acostumado a

 justificar minhas ações a ninguém.

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— Faça desta noite uma exceção... — Simon sugeriu, afastando os pés. —Explique-se ou eu o manterei preso até que o inferno congele. — Nunca faça um ultimatoque não seja capaz de cumprir. A menos que seja sua última cartada.

Com uma faísca e um clarão, a rede foi lançada para longe, libertando seu

inimigo.

— Esperava que você fizesse isso — Simon murmurou, descarregando em seuoponente tudo o que tinha. Dessa vez, felizmente, suas forças não falharam.

Joubert voou pelos ares, atingindo uma árvore e, com isso, emitindo uma fumaçaverde fosforescente e fétida. Poucos segundos depois, ele rebateu o golpe, derrubandoSimon e envolvendo-o na nuvem tóxica.

Simon viu o brilho do metal perto de sua garganta em meio a um torpor. Sentia-seanestesiado, a respiração estava entrecortada e a visão turva.

Fotoluminescência. O corpo de Joubert tinha a habilidade de absorver radiaçãosem reemiti-la até o momento certo para usá-la como uma arma. Aparentemente, isso erainofensivo para ele, mas nem tanto para o adversário; Simon, no caso.

O retardo na reemissão era associado à transmissão de energia "proibida" emmecânica quântica. Essas transições ocorrem com menos frequência em certos materiais,como no corpo de Joubert, e a absorção de radiação poderia, como parecia o caso, serreemitida com menor intensidade. Por quanto tempo? Minutos ou horas?

Nauseado, Simon pensou: Até que eu morra ou deseje estar morto? De jeitonenhum.

Utilizando energia remanescente, aquela de Nomis e algo em seu âmago,materializou uma espada. Usando a lâmina e um joelho bem posicionado, conseguiuafastar o homem corpulento de sua garganta. Pondo-se de pé, travou as pernas atésentir-se seguro o bastante para começar a se movimentar.

Sentia-se fraco, como se estivesse drogado, porém conseguiu suspender aespada com as duas mãos. Obteve uma ligeira margem de vantagem ao usar a mãoesquerda dominante. Contudo, um segundo foi tudo de que o bruxo precisou para ajustar

a forma de combate e segurá-lo pelo pulso.

Simon revidou com um soco certeiro, que fez Joubert retroceder com o narizsangrando. Em seguida, girou a espada, atingindo-o no braço e rasgando couro, tecido ecarne.

O bruxo foi à forra com uma simples estocada, cortando a face de Simon e rindoao ver o oponente cambaleando na tentativa de se esquivar.

— Não pode me vencer.

— Posso sim — Simon garantiu. — E vou.

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Uma lição que tinha aprendido e, pelo visto, seu inimigo não, era que maestriafísica, tanto da arma quanto do próprio corpo, levava a um patamar devastador de poder.Nunca deixava a raiva se interpor no combate. Nenhum dos seus golpes era por acaso,desperdiçado. Todos eram metódicos e bem calculados. Mesmo sob circunstânciasnormais, seu estilo de luta era limpo, direto ao ponto. Não podia se dar ao luxo de perder

segundos precisos se gabando.

Joubert era mais forte. Simon lutava com precisão.

A mão direita controlava o ângulo com que a esquerda desferiria novos golpes.Com os pés fincados, conseguia contrabalancear o peso do oponente. As espadas se en-contraram no ar, soltando faíscas. Joubert não parava de se movimentar.

Indisciplinado, Simon pensou. Descontrolado. Na verdade, enfurecido seria apalavra mais adequada. Obviamente, o bruxo não esperava a força de seus poderes, porpiores que se apresentassem naquela noite.

Nunca subestime o inimigo.

O mau julgamento do oponente não duraria muito tempo, mas, por enquanto,trabalhava a seu favor, e ele se aproveitava do fato. Talvez tivesse menos poder, mas eraum esgrimista melhor preparado por causa de sua disciplina e controle. Levantou a pontada espada num movimento que pretendia rasgar o adversário da virilha até o peito.

Joubert bloqueou o golpe a centímetros do alvo. E, então, sem sobreaviso,desapareceu, deixando para trás o odor característico da fumaça verde. A voz ressoou naescuridão:

— Voltaremos a nos encontrar, americano.

— Pode contar com isso. — Abalado por ter chegado tão perto da morte, Simonesperou até não sentir mais a presença do outro no seu radar telepático antes de cair de joelhos. — Deus do céu... — Precisava falar com Mason a respeito de seus poderes. Nãoconseguiria executar seu trabalho sem que eles estivessem funcionando bem.

Voltando a se levantar, tentou não dramatizar a situação. Era um agente bemtreinado da T-FLAC acima de tudo. Tinha vencido Joubert com suas outras habilidades,

não com magia.

Maldição!

Encarou as estrelas da noite escura ao passar os dedos pelos cabelos. Purasorte!

Se o outro tivesse escolhido a magia em vez da espada, não estaria vivo paracontar a história. E essa era a verdade.

Antes de refazer seus poderes, precisava voltar para junto de Kess e levá-la para

longe dali. Só depois poderia se concentrar em encontrar uma conexão entre o bruxo domal e o massacre do acampamento.

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Teletransportou-se e se viu sentado num monte de feno. Desnecessário dizer quetinha errado o destino.

Kess. Não Kansas!

O que mais o irritava, além do desbalanceamento de seus poderes, era que, emmais alguns minutos de luta, teria de desistir e fugir. Sempre havia uma primeira vez.Detestava se esquivar de confrontos, mais até do que perder numa briga.

Da última vez em que isso ocorrera, ele tinha dezessete anos, e Alex Stone oderrubara. Alex acabara de descobrir sua habilidade de aceleração temporal e decidiratestá-la. Infelizmente, Simon tinha sido o escolhido como rato de laboratório e acabaraprecisando de dez pontos para suturar o corte na parte de trás da cabeça.

Com a confiança um pouco abalada, concentrou-se em Kess, visualizando aexata localização e bruxuleou, na esperança de parar na entrada da caverna, e não no

delta do Nilo.

A despeito das terríveis imagens dos dias anteriores, dos acontecimentos da noitee do chão duro, Kess dormiu como um anjo. Esfriara um pouco depois do jantar, e o sacode dormir lhe parecera bastante convidativo. Quatro minutos depois de deitar, járessonava profundamente.

Acordou disposta e, depois de bocejar, espreguiçou-se. Estava sozinha e, pela luzsuave que entrava na caverna, mal passava do amanhecer. Sentia-se bem, mas cheia deindagações como, por exemplo: Onde estava Simon?

Nunca esqueceria os membros do acampamento; as imagens do que viraestariam para sempre gravadas em sua memória. Voltar para Quinisela para fazer seutrabalho era imperativo. As famílias tinham de ser notificadas, precisaria escrever notaspara a imprensa... O presidente ficaria devastado com a notícia da morte das pessoasque tentavam ajudá-lo a unificar o país num ambiente de paz.

Depois de se arrumar, ajeitou o saco de dormir e olhou para o homem queentrava na caverna, banhado pela luz do início de um novo dia.

As batidas rápidas de seu coração não eram indício de medo, mas da centelha de

excitação que ele acendia em seu íntimo. A mera presença dele, além de acelerar suapulsação, fazia com que seus seios parecessem inchar, numa resposta puramentesexual. Não era porque se sentia assim que precisava agir de acordo com seus impulsos,mas a consciência intensificada e o nível de expectativa ao apenas olhar para Simonprovocavam uma sensação melhor do que um passeio numa montanha-russa.

— Simon?

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Esperava outra pessoa?

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Kess dobrou o saco de dormir e o segurou nos braços como se fosse um escudo.Respirou fundo, tentando imaginar por onde começar. Não importava no que acreditava,dizer o que pensava em voz alta soaria ridículo.

— Já que tocou no assunto...

— Que assunto?

Observou o rosto viril e notou o corte.

— Está ferido...

— Não foi nada. Qual o assunto? — Voltou a perguntar. Como ele tinha secortado? Ao sair para fazer xixi? Ele não parecia do tipo que escorregava à toa. Naverdade parecia bastante... determinado. E muito concentrado. Nela. O modo como aobservava fazia com que todo o seu corpo se alvoroçasse. O cérebro imediatamente

começou a desenrolar uma série de possíveis imagens eróticas. Apertou o saco de dormirde encontro aos mamilos excitados. Deus do céu, ele é bem poderoso...

— Kess?

— Ah, eu... Sim. — Ela saiu do estado de torpor. — Tenho algumas perguntas eapreciaria obter repostas honestas. — Claro que, como relações públicas, sabia que aspessoas sempre tinham segundas intenções. A verdade era aberta a interpretações; dali aorigem de sua profissão. No entanto, não era naquilo que sua mente se concentrava nomomento.

Com a pele aquecida e a boca seca, notou que era alvo de atenção exclusiva.Evitou passar a língua sobre os lábios ressequidos para não chamar ainda mais aatenção. A caverna era pequena, e ele caminhava em sua direção, com passosdeliberadamente lentos. A razão ordenava que saísse correndo dali, como uma gazelaque foge do ataque de um leão. O coração acelerou, batendo descompassado, com aaproximação dele.

— Você tem um irmão gêmeo? — Aquela era a única explicação lógica.

Será que ele percebia como estava se sentindo, a dificuldade de concentração no

diálogo que travavam?

— Tinha. — Os olhos verdes brilhavam. — Uma irmã. Theresa morreu com meuspais quando tínhamos sete anos. Por quê?

— Não uma irmã. — Kess lambeu os lábios. O olhar de Simon se intensificou. —Um... Um irmão.

— Não. Nem gêmeo nem de qualquer tipo.

— Droga!

— Droga?

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— Havia alguém aqui... Seria um holograma? — perguntou mais para si mesma.— Não, eu o toquei. — Parou um instante, pensativa. — Quem ou o que você é?

Ele deu um passo em falso.

— Do que está falando?

Kess estava tão perturbada com o modo como era observada, que mal conseguiaraciocinar direito, quanto mais falar. Porém não poderia deixar... aquilo... interferir em seutrabalho. Simon era amigo do presidente, mas algo muito estranho tinha acontecido nanoite anterior. Algo estranho, confuso e um pouco amedrontador.

— Ontem à noite... — disse rápido porque queria passar os braços ao redor deleem vez do saco de dormir. Queria ter os braços de Simon ao seu redor no saco de dormir,dentro do saco de dormir. Controle-se! — Antes que tente me enrolar — deu uns passospara trás —, deixe-me recapitular o que sei até aqui. Simon Blackthorne com "e" no final,

isto é, você, penteia os cabelos para a direita, é canhoto, usa o relógio no pulso direito eraramente sorri. Está me acompanhando? Minha babá de ontem, mesmo sendo muitoparecido com você, não era você!

Sabia disso porque, por mais que o tivesse achado igualmente bonito e sensual,não sentira o nível de ex-citação que experimentava toda vez que estava perto doverdadeiro Simon. Retrocedendo mais um passo, encostou na parede da caverna.

— Estava tudo ao contrário, e a pele e cabelos dele estavam mais claros. Mesmoos olhos não tinham o mesmo tom de verde. — Respirou fundo porque Simon continuavaa se aproximar tal qual um predador encurralando a presa. Os olhos, repletos deespeculação sexual, estreitaram-se, admirando seu corpo como numa carícia física.

Na imaginação de Kess, eleja a saboreava e tocava, e seu corpo reagia deacordo. Mesmo assim, encarou-o, ao mesmo tempo em que vibrava e pulsava de desejo.

— Não faço idéia de como fez o que fez na noite passada, mas seja lá quem ou oque estava comigo ontem, não era você. Ele era a sua imagem refletida no espelho. Seugêmeo, mas... Ah, e havia o detalhe do ligeiro desaparecimento, sem falar daquela coisa"posso-ver-através-de-você", que foi extremamente desconcertante. — Ela só conseguiradormir porque tinha resolvido não pensar muito no assunto.

— Você é muito observadora. — Simon estava bem diante dela, a não mais doque meio metro.

— Sou, não sou?

Simon tocou-a nas faces. Deus, seria capaz de derreter ali mesmo. A luz estavaatrás dele, deixando o rosto viril nas sombras. De tão perto, sentia o perfume dele, mis-turado a... eucalipto. Um pouco de suor másculo fez seu coração bater ainda mais forte. Ocorte bem na altura da maçã do rosto parecia profundo. Ele precisaria de pontos.

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Com a mão livre, ele retirou o saco de dormir de seus dedos nervosos, jogando-opara o lado. Inclinou seu rosto, acariciando suavemente o raspão do queixo com opolegar.

— Está doendo? — perguntou ele. Kess meneou a cabeça.

Os dedos desceram pela lateral do pescoço; estavam tão próximos que ela se viarefletida nas pupilas dele.

— É complicado... — ele murmurou.

— A maioria... — Ele penteava seus cabelos com as pontas dos dedos. Asensação do toque masculino era quase como uma descarga elétrica. Trespassava-a comtal intensidade que ela ficava sem saber o que dizer. Mal conseguia respirar. — ...hum...das coisas interessantes é.

O hálito recendia a café. Onde ele tinha encontrado café?

A expressão dele era puramente carnal ao murmurar com suavidade:

— Precisamos voltar para Quinisela.

— Bem, sim... — Vai ou não me beijar?, perguntou mentalmente. Os mamiloslatejaram quando a camisa dele resvalou sua camiseta. — No entanto, a menos queconsiga fazer alguma mágica e trazer um veículo para cá, será uma longa caminhada.

— Posso fazer mágica. — Segurou a parte de trás da cabeça dela para protegê-lada rispidez das rochas. — Temos um helicóptero à nossa espera.

A respiração de Simon a atingiu nos lábios.

— Mesmo?

— É. — Os olhos dele reluziam como o interior de uma labareda ao pousar aoutra mão na base do pescoço onde uma veia pulsava. — Pronta?

Pronta para arrancar as suas roupas e jogá-lo sobre esse saco de dormir ou

pronta para partir?

Ainda bem que encontrara escova e pasta de dentes na caixa de suprimentos.Incapaz de continuar com aquele jogo por um segundo sequer, agarrou a frente dacamisa dele e perguntou:

— Vai me beijar ou não? Claro que Simon ia beijá-la.

Kess passou os braços pela cintura dele, anulando os últimos centímetrosrestantes que os separavam. O desejo se acendeu ainda mais. Simon apoiou a mão narocha áspera para amparar a cabeça dela quando a recostou, inclinando-lhe o rosto para

deixar os lábios expostos.

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Ela não apenas cedeu ao contato, mas entregou-se por completo, os corpos seencaixando por inteiro. Abaixando a cabeça, Simon tomou a boca macia num beijofaminto.

Faminto? Talvez sofrego o descrevesse melhor. Voraz. Um desejo descomunal e

incontrolável o assolou quando ela abriu os lábios e permitiu a entrada da língua e o apeloerótico de seus dentes.

Beijar Kess era como estar sedento no deserto e, de repente, cair na lagoa frescade um oásis. O gosto dela era de menta. O corpo se moldava ao seu conforme as línguasdançavam e se atiçavam a fim de se aproximar milímetros que fossem. Ele sentiu odescompasso simultâneo dos corações, e então estreitou o abraço como se fossepossível ficarem ainda mais próximos.

Resfolegantes, afastaram-se um único segundo que se assemelhou a umaeternidade. Depois retomaram o beijo. Separaram-se novamente, os rostos afogueados e

arfando em busca de ar.

Kess apoiou uma das mãos no peito largo e disse:

— Sinto seu coração. — A voz era rouca e sensual, os olhos translúcidos pelapaixão. — Está tão acelerado quanto o meu. Veja. — Tomou a mão dele e colocou-asobre o seio.

Simon automaticamente ajustou-a para amparar o monte macio na palma. Passouo polegar sobre o mamilo, intumescendo-o e fazendo-a estremecer. Sem conseguirresistir, beijou-a de novo, sem reservas.

A adrenalina, o desejo, diabos... saber que estava vivo o levou ao limite.Racionalmente sabia que a vontade de fazer amor não era algo incomum depois de umcombate. Mas um desejo daquela magnitude? Ela era como um combustível para seufogo aceso.

Queria tomá-la. Lá mesmo no chão duro. Em vez disso, pressionou-a contra arocha enquanto passava a língua sobre os dentes, sentindo a ligeira imperfeição docanino. Precisava ouvi-la gritar seu nome ao vê-la se desmanchar em seus braços.

Entreabriu os dedos na base do pescoço delicado, não para mantê-la no lugar,mas para sentir o pulso batendo descompassado sob sua palma. Deslizou o polegar pelacurva sob a mandíbula enquanto lhe arrebatava o doce interior da boca. Kess enlaçou aspernas em seus quadris, aproximando-o ainda mais do corpo macio. Ela reagia à altura,selvagem em seus braços.

Simon estava excitadíssimo, e ela se movia de encontro ao seu corpo, porémaquilo não parecia bastar. Para nenhum deles. Enquanto a beijava com paixão, sem des-canso, pressionava o membro na junção das coxas femininas. Quando tiveram queafastar os lábios para retomar o fôlego, ela gemeu, correndo os dedos e as unhas pelaextensão de seus ombros, e sussurrou:

— Espere...

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Simon pousou os lábios na lateral do pescoço macio, sentindo as ondas que atrespassavam, e murmurou:

— Solte-se, deixe-se levar...

Mordiscou-a sem deixar de se mover de encontro ao centro úmido que ansiavapor um contato mais íntimo. Com os dedos enroscados em seus cabelos, ela estremeceue gritou, derretendo-se em seus braços, a testa apoiada em seu peito. Ele amparou-a,estreitando-a de encontro ao próprio desejo insatisfeito.

Jesus Cristo! Incrível... Ela era incrível!

— Saco de dormir — ela murmurou de modo arrastado. — Mais...

Ah, se pudessem...

Devia colocá-la de pé, mas a curva arredondada das nádegas sob seu braço erao paraíso.

— Precisamos voltar.

— Eu sei... — A respiração pesada o atingiu quando ela esfregou o rosto nacamisa. — Estou mole. — Os braços se estreitaram no pescoço dele. — Só mais unsminutinhos?

— Não podemos.

Kess suspirou, mas não o soltou.

— Pode me carregar de novo?

Simon sorriu de encontro aos cabelos ruivos.

— Não, desta vez está por conta própria.

— Droga... — Ela ergueu a cabeça, o rosto afogueado, os olhos brilhantes.

Simon a observou enquanto ela se recuperava, desven-cilhando as pernas de seucorpo, o que foi uma tortura para ambos.

— Está bem. O que levamos e o que deixamos? — ela perguntou.

— Deixamos tudo.

— Certo. — Olhando ao redor, soltou-se do abraço frouxo. — Esta foi umas dasexperiências mais estranhas de toda a minha vida.

— Nunca foi beijada antes? — perguntou ele com leveza, enquanto liderava o

caminho. Ainda estava surpreso com a velocidade com que seu coração batia. E tudo issopor causa de uns beijos e carícias ousadas. Engolindo em seco, deixava a caverna para

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trás como se a experiência de poucos segundos antes não o tivesse afetadoprofundamente.

— Algumas vezes.

Ela parou atrás dele para se esticar. Simon, que nesse instante olhou por sobreos ombros, admirou os seios in-tumescidos sob a camiseta justa, prova de que ela aindaestava tão excitada quanto ele.

O próprio corpo estava trêmulo de desejo. Cinco minutos. Era tudo de queprecisavam para acabar com aquele sofrimento, deixando-os ambos satisfeitos.

Não.

Desviando o olhar, pensou que Kess era a fantasia de algum outro homem. Emalgum lugar do mundo, havia alguém construindo uma casa para a ruiva ardente. Talvez

estivesse sonhando com Kess carregando um filho no ventre. Visualizando-a deitada nagrama ao fazerem amor.

Inferno!

A realidade foi o bastante para irritá-lo.

— Precisamos nos mexer. Tome cuidado, mas se apresse. Quero falar com Abiantes que ele vá para o gabinete.

— Estou indo o mais rápido que posso sem quebrar o pescoço — respondeu semrancor, conforme os pés deslizavam pelas pedras. — Por que ficou tão mal-humorado derepente?

— Eu não fico mal-humorado. — Só fico excitado. Frustrado. Mal-humorado,nunca.

— Poderíamos ter nos demorado mais uns minutos... Simon cerrou os dentes.Queria ver se ela conseguiria andar com uma ereção enorme entre as pernas.

— Pare com isso.

— O céu não está um espetáculo hoje? — perguntou com inocência, mas osorriso na voz dela não passou despercebido a Simon.

— E sempre tão bem-humorada de madrugada?

— Só depois de um orgasmo maravilhoso e inesperado. Obrigada por perguntar.

Inferno!

Kess caminhava um pouco mais atrás, cantarolando uma melodia fora de ritmo.

Apesar de ela ser do tipo atlético, o caminho era duro. A encosta da pequena montanhaque abrigava a caverna era repleta de pedras. Além das rochas, algumas soltas, havia

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poucas árvores que resistiram à erosão. Diversas corsas que pastavam nas redondezaslevantaram as cabeças; um coelho saltitou na frente deles e depois foi se esconder atrásde uns arbustos.

O sol rompia o horizonte, já começando a aquecer o solo e transformando o céu

cinzento numa mistura de magenta e laranja. Kess se colocou ao seu lado, aindacantarolando. Ele desviou o olhar do corpo delgado, da pele suada, da nuca tão sensual...

Droga, agora sabia o gosto dela. Era sabor de... alegria.

Felicidade. Queria se enterrar no calor úmido da intimidade dela até sentir seudesejo saciado.

— Ai!

De repente, ela escorregou, perdendo o equilíbrio. Simon deixou de lado os

pensamentos lascivos e socorreu-a a tempo, segurando-a pelo antebraço.

Equilibrando-se, ela perguntou com os olhos arregalados:

— Como foi que conseguiu me carregar o caminho inteiro ontem?

Teletransporte.

— Dê a mão. — Não que aquilo fosse um gesto altruísta. Queria voltar a tocá-la.

— Obrigada. — Estendeu a mão e agradeceu, ao mesmo tempo em que o péescorregava de novo. — Quer me dizer o que está acontecendo? — Fez a pergunta demodo casual, como se estivesse perguntando qual o seu prato predileto. De maneiraamigável, entrelaçaram os dedos, as palmas ficando unidas, e ela continuou a caminharum passo atrás dele. — Faz idéia, pelo menos?

Kess não se referia ao que acabara de acontecer na caverna. O quase sexo queabalara o mundo dele.

Simon começava a suspeitar do que se passava naquele canto obscuro da África,mas ainda não se sentia pronto para compartilhar suas suspeitas.

— Está se sentindo culpado? — Os olhos de Kess estavam escurecidos aoencará-lo.

— A respeito de quê?

— De trair a sua... Como a chama? Só quero saber para facilitar referênciasfuturas.

— Chamo quem? — Simon parou, surpreso.

— Sua futura esposa.

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Ele sentiu o rosto em brasas. Droga!

— Minha mulher do amanhã.

— Bem, não se preocupe. Ela nunca saberá que beijou uma ruiva num canto

obscuro da África a menos que você lhe conte.

Ela não existe, Simon queria gritar. Retomou a caminhada, em vez disso. Talvezum pouco rápido demais, considerou, ao notar que ela teve de acelerar para acompanhá-lo.

— Devagar, Pé-Grande! Vamos quebrar o pescoço se continuarmos rápidoassim...

Sentindo-se um idiota, Simon diminuiu o passo. A mão dela parecia pequena emmeio à sua; a pele, macia. Ficou se perguntando o que o levara a falar sobre a mulher de

seus sonhos. A sua "mulher do amanhã". Nunca mencionara seu desejo de ter um lar euma família a ninguém. Diabos. Não precisava de um terapeuta para lhe explicar queessa fantasia, essa fixação, se devia ao fato de ter crescido em lares adotivos provisórios.Algumas famílias tinham sido boas; outras, nem tanto.

Tinha começado a fantasiar sobre a esposa e a vida que queria ter aos dezesseisanos. As imagens haviam se modificado lentamente até evoluir àquela fixa em sua mente,como se, de fato, elâ existisse. Estava construindo uma casa para ela. A mulher perfeitaque um dia apareceria em sua vida.

Kess Goodall não era a mulher que ele imaginava que o esperaria na volta deuma missão.

Não era só a aparência, era algo mais profundo do que isso. Maldição! Ela não seencaixava em nenhum de seus critérios. Não era afável, nem feminina o suficiente. Nãoera do tipo que se moldava às situações... Nem tinha nenhum dos outros refinamentosque esperava de sua futura esposa.

A boca, porém, se encaixava à perfeição na sua. As curvas se moldavam aosseus ângulos de maneira primorosa. E, Deus... As reações dela eram tudo o que umhomem podia desejar. E muito mais.

— Provavelmente sei menos do que você — ele respondeu, deixando de lado acomparação da mulher real com a fictícia. Conhecia uma havia muito mais tempo que aoutra. — Preciso verificar algumas coisas com Abi quando voltarmos a Quinisela.

Kess puxou a mão dele para chamar sua atenção, fazendo-o parar. A sinceridadebrilhava em seu olhar enquanto o encarava, as mãos ainda entrelaçadas.

— Não pode acreditar que o presidente seja responsável de alguma forma pelosataques dos hurenianos... Acabará com tudo o que ele fez de bom se o pintar com essascores — ela disse com veemência. — Ele tem agido de maneira espetacular para

promover a paz e, não importa no que você acredita, ele não tem nada a ver com o queaconteceu aqui.

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— E como sabe disso? — ele perguntou, fazendo o papel de advogado do diabo.

Voltou a andar, intrigado por constatar que ela defendia seu velho amigo comunhas e dentes. Ajudou-a num trecho mais escorregadio, apreciando o contato. Quandoele tinha caminhado de mãos dadas com uma mulher? Nunca.

— Sei porque conheço o homem. Ele seria capaz de morrer antes de deixar algoafetar seu povo. Ficou devastado com o relato de cada morte. O presidente está fazendotudo o que é possível para encontrar a cura dessa doença e para manter os hurenianosdo lado de lá da fronteira.

— Ele não é um santo — Simon salientou, sentindo-se um tanto... ciumento. Não,faminto. Não tinha comido nada na noite anterior.

— O povo acha que ele é. — Os olhos de Kess ficaram prateados ao defender ochefe. — E não vou ser eu a dissuadi-los.

— Ficaria sem seu emprego confortável — ele comentou, ainda prosseguindo. Sealgo parecia bom demais para ser verdade, era porque não devia ser verdade de fato.Mesmo considerando Abi um amigo, não se encontravam havia uma década, e umhomem podia mudar muito nesses anos todos. Ainda estava aguardando informações doQG sobre ele. — Fale-me desse vírus.

— Gosto do meu emprego e acredito no homem para quem trabalho — ela dissecom fervor. — O presidente me paga muito bem para que eu execute um trabalho queaprecio. Confortável, porém, não é como eu o descreveria. Olhe ao nosso redor. Pareceagradável para você? Poderia, uma vez na vida, me dar uma resposta direta?

— Isso depende.

— Do quê?

— De eu saber a resposta real, e não algo que seja apenas especulação.

— Muito bem, então. Tudo começou três meses atrás numa das vilas mais aonorte, perto da fronteira com Huren. Uma mulher caminhou setenta quilômetros, ardendoem febre e carregando o filho nas costas, até a clínica mais próxima. — Kess estendeu a

mão para que ele a ajudasse a subir uma rocha. Simon a puxou e depois a segurou pelacintura para descê-la do outro lado. — Obrigada. O médico de lá acreditou que fosseresultado de algum ataque dos hurenianos, que vêm se intensificando nos últimos seismeses. Levou uma equipe até o vilarejo da mulher e encontrou todos mortos em de-corrência de alguma febre hemorrágica. Provavelmente dengue. Espere um minuto. —Soltou a mão dele, abaixou-se e tirou uma pedrinha de dentro da bota.

— Houve uma epidemia de dengue em Cingapura no ano passado — ele disse.— Conseguiu tirar? — Quando ela assentiu, voltou a tomar a mão dela com naturalidade,como se fossem amigos ou amantes antigos. Disse a si mesmo que era para mantê-lasegura. — Mosquitos de febre amarela. — Tentou se lembrar do que sabia sobre a

doença. Fez uma anotação mental para pesquisar a respeito do assunto mais tarde. —

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Este seria o lugar ideal. Pelo que sei, a dengue é a doença mais virulenta disseminadapor mosquito depois da malária. — Aquilo era tudo o que sabia.

— É claro que temos isso aqui também, mas Mallaruza não apresenta um surtode dengue há mais de trinta anos.

— Mas agora voltou...

— Não. A doença tem todas as características de dengue hemorrágica, mas nãoé. Haveria vias de tratamento se fosse esse o caso. O presidente forneceu medicamentosno país inteiro, porém nada tem curado o que quer que essa doença seja. Até o momento,milhões de pessoas morreram, e a contagem continua. O pior é que ninguém faz idéia deque doença se trata.

— E o que exatamente você fazia no meio de uma vila contaminada? Escreviauma nota de imprensa? — Enfurecido, Simon ficou se perguntando o que Abi tinha em

mente ao enviar Kess para o meio do perigo.

— A bem da verdade, sim. Eu estava tirando fotos. — Desconsideroucompletamente a censura dele. — Elas acompanharão uma série de reportagens queestou escrevendo para que o mundo saiba o que vem acontecendo em Mallaruza. Aspessoas precisam saber o que vem acontecendo aqui e conhecer os esforços dopresidente para lidar com o problema. Ele contratou um laboratório na Suíça que estátrabalhando vinte e quatro horas por dia, sete dias na semana. Se há alguém capaz desalvar essas pessoas, é o presi... Não estava mesmo brincando, não é? — ela perguntou,interrompendo a defesa do empregador. — De onde isso veio? — inquiriu, ao se depararcom um helicóptero na base da colina. Olhando ao redor, não se via nada além de céuaberto, grama, algumas acácias esparsas e um imenso Blackhawk preto militar. — Ondeestá o piloto?

Simon havia materializado o helicóptero; o piloto era desnecessário.

— Ele partiu. Eu pilotarei o helicóptero.

Kess emitiu um "oh" de compreensão. E apenas isso.

Ele abriu a porta e a suspendeu antes que ela pudesse dizer que saberia subir

sozinha. Gostava de tocá-la, de sentir a cintura delgada e do modo como o quadril se me-xia sob seus dedos. Apreciava como a luz ainda fraca do sol acendia os fios vermelhoscomo um tecnicolor selvagem em meio à aurora africana. Adorava o modo dela de beijar,retribuindo tudo o que recebia. Deleitava-se com a reviravolta de suas miniférias. Mais doque tudo, apreciava o fato de poder levar a srta. Goodall de volta a Quinisela e aperspectiva de talvez nunca mais voltar a vê-la. Ela complicava as coisas.

Soltando-a, contornou o veículo, colocou-se no assento do piloto e deu partida nomotor. Assim como o Rover, o MH-60M era blindado. O projétil certo, no entanto, poderiaacabar com o helicóptero da mesma maneira como explodira o carro.

— Afivele o cinto. — Lentamente, os rotores começaram a se movimentar. — Sóhá um fone de ouvido; não conseguiremos conversar durante o trajeto. — Simon colocou

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o fone, olhou para o lado para se certificar que ela estava segura e levantou voo,espalhando poeira.

Kess se ajeitou no banco, admirando as belezas na savana espalhada sob asombra da libélula na qual voavam. Era muito conveniente para ele que não pudessem

conversar até chegarem a Quinisela. Tinha muitas perguntas a atormentá-la, porém sabiaque não conseguiria respostas se forçasse o assunto.

Abaixo deles, uma manada de elefantes se alimentava em torno de acáciasesparsas e um grupo de zebras mordiscava a grama aos pés de uma girafa. A luz âmbarda aurora alongava as formas, tornando mais complicado o reconhecimento dos outrosanimais menos óbvios.

Ao sobrevoarem o acampamento médico, o barulho dos motores atrapalhou osabutres que estavam no solo, fazendo-os bater as asas e levantar as cabeças cor-de-rosa.

Kess desviou os olhos; as imagens do dia anterior ficariam gravadas para semprena memória. Não precisava vê-las novamente, pois nunca as esqueceria.

Havia feito bons amigos ali. Pessoas que queriam salvar vidas e acabaram dandoas próprias em troca. Do quê?

O helicóptero fez uma curva e rumou para o Sul. Não tinha passado pela cabeçade Kess duvidar das habilidades de Simon de pilotar o monstrengo, mesmo quando elevoou num ângulo inclinado.

A esquerda, estava a floresta densa que margeava o rio Congo. Para baixo,ficava a última vila que visitara com a equipe médica. Eles a tinham mandado de volta aoacampamento quando perceberam com que rapidez o vírus se espalhara no local.

Esfregou a nuca onde os músculos estavam tensos. Por cinco minutos nacaverna tinha conseguido deixar tudo para trás, esquecendo-se das imagens aterradorasdos últimos dias. Simon a tocara como se seu corpo fosse um instrumento. Os cincolindos minutos, por mais incríveis que tivessem sido, não poderiam apagar todas asoutras imagens de sua mente.

Como aquela doença terrível poderia ser controlada?

Milhões já tinham perecido. Os médicos estavam lá para ajudar os sobreviventes,para retirar amostras do solo e da água para análise, para ajudar os aldeões a enterrar osmortos. E, como pagamento, haviam sido abatidos como gado.

Kess não conseguia formular uma explicação que justificasse a carnificina.

Olhando para baixo, viu o ponto em que Simon estacionara antes de seguirempara o acampamento. O único sinal do veículo era uma mancha negra, como se alguémtivesse despejado tinta dos céus. Não havia nada que indicasse que ali havia um Rover

antes. Esfregando os braços, pensou no que teria lhe acontecido se não tivesse saído, seSimon não tivesse voltado naquele instante e...

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Era melhor que ele começasse a responder algumas de suas perguntas assimque aterrissassem. Havia algo muito estranho no ar. O que exatamente, não fazia idéia,mas podia apostar a sua última barra de sabonete como Simon sabia. E, se nãosoubesse, era o homem certo para descobrir. Para fazer bem seu trabalho, ela precisavada verdade.

Quem tinha matado os médicos e por quê? A última coisa de que precisava nomomento, às vésperas das eleições, era um levante dos nativos. O presidente tinha demanter o foco e, além disso, se os assassinos fossem de Mallaruza, o problema setornaria um pesadelo. O fato de Bongani estar fazendo tudo ao seu alcance era louvável,mas se o seu próprio povo estivesse matando os enviados para ajudá-lo...

Estremeceu ante a idéia de precisar de uma saída para evitar que aquilochegasse à mídia internacional. Não haveria modo de fazer o mundo ver um lado positivonessa história. Todos já sabiam do conflito com os hurenianos. Sabiam que as fronteirasde Mallaruza estavam sob ataque e que os vizinhos do país fronteiriço se tornavam cada

vez mais audazes. Também era de conhecimento comum que o Exército do país podiafazer pouco, já que passava metade do tempo enterrando os mortos.

Tinha a sensação de que sua fibra seria testada ao máximo ante aquela crise.

Ficou se perguntando se Simon seria apenas um amigo de Bongani ou algo mais.Virou-se para fitá-lo.

Ele franzia o rosto, o que a levava a pensar que ele não se dava conta de queestavam a menos de um metro de distância um do outro. Sem se importar em ser sutil,estudou-lhe as feições, tentando adivinhar como aquele homem passara a afetá-la comtanta intensidade em tão curto tempo.

Não havia por que tentar se enganar e negar o fascínio que sentia por ele. Só deobservá-lo já se sentia excitada. Nem era preciso olhar para baixo para saber que seusma-milos reagiam, ficando protuberantes sob a malha da camiseta. Sem falar nas partesíntimas que ainda ansiavam por algo mais depois do breve interlúdio da caverna.

Aquele beijo a revirara do avesso.

Gostava de sexo. Era jovem e saudável, e considerava o ato sexual, com o

homem certo, incrível. Mesmo considerando-se apaixonada pelos três homens com osquais tivera relacionamentos duradouros, tivera alguns encontros de apenas uma noitetambém espetaculares... O que provava que ela não precisava amar para apreciar o ato.

Amor? Kess franziu o cenho, observando-o uma vez mais. Por que estavapensando naquela palavra? Tinha chegado ao orgasmo com um único beijo, era tudomuito simples. A expressão ficou ainda mais soturna ao apertar as coxas a fim de pararde tremer.

Não havia nada de simples em relação a Simon.

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— Pare de mexer no cabelo. Está bem.

Que elogio, não? Kess abaixou os braços. De qualquer forma, não podia fazernada a respeito mesmo, pois não tinha um elástico nas mãos. A verdade era que gostavade seu cabelo, considerava-o seu traço mais marcante. Era grosso e ligeiramente

ondulado e tinha um belo brilho... Quando não estava cheio de galhos. Costumava re-ceber vários elogios pelo ruivo pouco comum. E esses elogios eram muito melhores doque "bem". E daí que não era preto ou castanho, como o da sonhada esposa? Cruzou osbraços e ficou olhando pela janela. Simon não devia sair beijando ruivas por aí sepretendia se casar com uma morena. Não que ela tivesse intenção de se casar numfuturo próximo. Tinha uma carreira para cuidar. E que, até o dia anterior, parecera muitopromissora. No momento, nem tanto.

Ficou cutucando uma unha quebrada, pensando nas chances de a notícia nãovazar, e de o ataque do dia anterior ser um incidente isolado.

Detestando apostar para perder, voltou a se concentrar em Simon. Por exemplo,onde estaria hospedado? Podia apostar, e dessa vez ganhar, que não seria no hotelzinhoem que ela ficava. Devia ser convidado do presidente ou hóspede do único resort nabeira-mar. Era o melhor hotel da capital, o que não significava muito, visto que tinha maisde cinquenta anos e demonstrava sua idade. Mallaruza não era um lugar muito turístico.

Gostaria de poder mudar aquilo. A região tinha certo charme, e ela podia imaginaruma série de hotéis de luxo circundando a baía. O presidente e ela haviam conversadobastante a respeito do desenvolvimento do turismo para rivalizar com a antiga fama daÁfrica do Sul. Podia parecer um local inóspito, mas ele estava construindo uma imensaigreja, uma basílica, na rua bem em frente à praia e a alguns quarteirões do hotel. Pormais belo que fosse, com sua fachada em mármore branco e diversos entalhes, o prédioenorme acabaria bloqueando a vista se outros hotéis fossem construídos na área.

Primeiramente, no entanto, tinha de se certificar que Mallaruza seria mancheteapenas pelas boas ações do líder do país. Seu trabalho consistia em realçar o positivo.Tarefa extremamente complexa diante do extermínio brutal de uma equipe médica inteira.Prepararia uma nota à imprensa assim que chegasse ao hotel, antes que a notícia seespalhasse.

Não deixava de ser irônico que Simon aparecesse em cena bem naquele momento.

Era um exemplo de hora errada com o homem errado. Ela não dispunha de meses paraconvencê-lo de que morenas não eram tão especiais como ele pensava. Maldição, nãoconseguia tirar o beijo da cabeça. E era o melhor a fazer. Havia uma centena de motivospara isso, sendo um deles a descrição de Simon da mulher ideal. Que não era ela.

Olhou para o céu que escurecia enquanto ele serpenteava pelas ruelas da cidade.Mesmo que os dois fossem perfeitamente compatíveis, o que ela sabia que não eram, elesó ficaria ali por mais alguns dias.

Ela, contudo, permaneceria por muito tempo mais. Tinha muito a provar àquelesque a difamavam. Estava ocupada levando uma imagem positiva do país e do presidente

ao resto do mundo, o chefe concorreria à reeleição em menos de uma semana, a guerra

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 63

— Aqui especificamente?

— E o que estou averiguando.

Kess acreditou nele. De olhos arregalados, percebeu a conotação do trabalho

dele.

— Ai, meu Deus! Isso vai ser o pesadelo das relações públicas.

— Isso o quê?

Ela levantou as mãos.

— Tudo isso!

A mente estava repleta de possíveis situações. Talvez não fosse tão desastroso.Simon cuidaria dos terroristas; tinha confiança de que ele faria tudo o que fosse necessá-rio. E enquanto ele fizesse o que precisaria fazer, Abioyne Bongani continuaria parecendoum santo. Ela tomaria as providências cabíveis para que isso acontecesse.

— Está aqui para afastar os terroristas ou para ajudar a treinar o exército dopresidente? — As duas opções eram desagradáveis...

— Que salto de pensamento! Esse, entretanto, não era o plano.

Dobrando uma perna sob o corpo, Kess se virou para fitá-lo.

— Mallaruza vai entrar em guerra?

— Não que eu saiba.

— Você me diria se soubesse? Porque, se for esse o caso, preciso tomarprovidências e...

— Neste exato instante, temos sete mortos e dois desaparecidos num ataquecom todos os sinais de ter sido cometido por hurenianos.

Kess mordeu o lábio e, depois de alguns instantes, percebeu o que ele tinhaacabado de dizer.

— Dois desaparecidos? Como pode saber? Os corpos estavam dilacerados. —Meneando a cabeça, completou: — Isso é pura especulação.

— Errado. O que vi no acampamento não dá margem para outras interpretações.Os doutores Konrad e Viljoen não estavam lá.

— Está sugerindo que eles... Que os corpos não estavam lá? — E ele não disseranada, nem no dia anterior, nem naquela manhã. Ficou tensa de indignação.

— Faltavam duas pessoas. Eles dois.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 64

— Poderia ter mencionado isso antes, não? Acha que...

Eles escaparam! Graças a Deus. Devem ter encontrado uma caverna como nós ese escondido...

— É possível, mas pouco provável. O ataque foi rápido. Ninguém teria comosaber e se esconder. A menos que estivessem em algum outro lugar, não acredito quetenham escapado.

— Podem ainda estar vivos, não? — Com o pulso acelerado, Kess agradecia aoscéus pela possibilidade de duas pessoas terem escapado à carnificina. Já conseguiaimaginar uma história de resgate que poderia escrever em benefício de Abi.

— Acho pouco provável. — O tom final daquelas palavras acabou com asesperanças de Kess.

— Talvez tenham sido arrastados por animais... — Sentia os pelos dos braços seeriçarem só de pensar na possibilidade.

— É possível, mas caminhei em torno do acampamento e não vi rastros desangue. Não quer dizer que não tenha acontecido, porém. Meu pessoal fará uma investi-gação mais minuciosa no local do ataque.

— Nós precisamos voltar e averiguar. Talvez... não. Eles não podem estar vivos,podem? E claro que não.

— Não acredito que tenham sido levados por animais.— Não sei se me sinto aliviada ou... Está sugerindo que os hurenianos os

sequestraram?

— Não estou sugerindo nada. Nem sei se eles foram os verdadeiros responsáveispelo ataque.

Kess franziu a testa, o cérebro disparando e dando outro imenso salto emconclusões.

— Acha que aldeões de Mallaruza os mataram? Os médicos estavam lá paraajudá-los. Isso não faz sentido algum. Talvez...

— Que tal se controlasse essa sua imaginação fértil até que eu consiga algumasrespostas?

— Posso tentar. — A resposta foi seca. De fato, estava imaginando o pior, masera um vício do trabalho. Tinha de estar* preparada para mudar o foco de qualquerhistória para o benefício do presidente. Não que uma guerra com os vizinhos pudesse servista de modo positivo. Precisava descobrir se o ataque tinha sido um fato isolado ouapenas a ponta do iceberg de um problema muito maior. — Vire à esquerda no próximo

farol mesmo que a luz esteja vermelha. Ele está quebrado desde que cheguei aqui.Depois vire à direita na Zende.

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— Não é trabalho seu descobrir o que está acontecendo aqui, Kess. — Simon aolhou de esguelha antes de seguir as instruções. — Deixe que cuido disso. É o meutrabalho.

— Sabe ler mentes? — perguntou com um sorriso. — Está certo. Não estou

preparada para lidar com isso, mas é meu trabalho ficar informada para cuidar do impactonegativo na imprensa.

— Eu avisarei assim que descobrir algo, está bem?

— O hotel fica ali à esquerda... Sim, está bem. — Ele teria de voltar a vê-la.

Simon encostou o carro próximo ao pórtico, e o porteiro, vendo o carro oficial,apareceu com a velocidade de umjatinho.

— Obrigada por estar lá comigo. Ficaria completamente perdida se tivesse

chegado sozinha.

Simon fez um sinal para que o porteiro se afastasse.

— Não saia pela cidade sozinha, Kess. Na verdade, não vá a lugar algumdesacompanhada. Por mais civilizada que Quinisela possa parecer, ainda é a África sobuma camada de verniz. Se os hurenianos foram audazes o bastante para matar aquelaspessoas a quatro horas de distância daqui, pode ser que se sintam confiantes paracomeçar a atacar na cidade.

— Vou pedir ao assessor do presidente, Thabo Chizob, que me dê outra arma.— Sabe usá-la?

— Claro. — Não que tivesse precisado usá-la, mas não era coerente ter umaarma e não saber usar. — Thabo me ensinou e venho praticando todos os dias.

— Ótimo. Vou procurar uma mais leve do que a Browning para você. O que tinhaplanejado fazer hoje?

— Vou para o escritório dentro de uma hora. Ficarei lá pelo resto do dia. Por quê?

— Providenciarei uma nova arma e munição até que chegue lá. Vou pedir aChizob que venha buscá-la. Uma hora, certo?

— São só poucos quarteirões...

Simon tocou-a no rosto, provavelmente para limpar alguma sujeira discretamente,ela pensou.

— Faça isso por mim, sim? — O toque era fresco sobre a pele quente, e os dedospermaneceram na bochecha por alguns segundos antes que ele abaixasse a mão.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 66

Simon fez um sinal para o porteiro, que se aproximou e abriu a porta, deixandouma lufada de ar quente e poluído entrar.

Kess saiu, esperando que ele dissesse alguma coisa maravilhosa.

— Até mais. — Ele se inclinou e deu um puxão na porta para batê-la.

Ela ficou olhando para o carro que se afastava com o cabelo voando ao redor dorosto e perguntou para o vento:

— Até quando?

— ...Noek Joubert. — Simon terminou de narrar os acontecimentos para Abi.

Tinham conversado ao telefone via satélite rapidamente na noite anterior, mas opresidente insistira em ouvir tudo de novo, com todos os detalhes. Diante do narrado, oamigo pareceu envelhecer dez anos.

— Joubert é o bruxo a quem se referia?

Abi franziu o cenho, porém Simon ficou sem saber se era pela pergunta ou porcausa de alguma imagem da televisão sem som pendurada na parede.

— A quem eu me referi? — perguntou o presidente, ainda distraído pelo noticiário.

— Sim, Abi. Aquele que você suspeitava que estivesse por trás dos ataques de

Huren. Aquele que queria que eu encontrasse, lembra?A expressão do amigo suavizou, mas o rosto estava pálido.

— Não acredito nisso. Não pode ser o mesmo homem. Mesmo? Quais eram aschances de dois bruxos poderosos vagarem por Mallaruza à procura de encrenca?

— Já ouviu falar dele? — Simon perguntou, apoiando as costas na poltrona decouro do opulento gabinete. Levou aos lábios a xícara de porcelana, que fumegava comum delicioso café. A bebida estava excelente, forte e aro-mática. A xícara, porém, eradelicada demais e estava ali apenas como ostentação. Era difícil de segurá-la. Ele am-

parou-a com a palma enquanto aguardava uma resposta.

Gotas grossas de chuva começavam a bater no vidro, e o céu cinzento preenchiaa vista da janela. Kess já devia estar no escritório, a salvo do temporal que seaproximava.

Simon sorveu o resto da bebida, ainda à espera de uma resposta.

— Joubert? — Abi disse. — O nome não me parece familiar. Deveria, já queparece ser um bruxo poderoso.

Droga! Resposta errada.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 67

Simon não acreditou no amigo, embora ele tivesse escondido bem as reações.Abi tinha ouvido falar de Joubert. Conhecia-o ou sabia a respeito dele. Simon apenas nãotinha muita certeza sobre qual alternativa era a correta. O nome, porém, provocara tensãonos músculos ao redor dos olhos e um leve tremor da mão que segurava o pires. Muitointeressante.

— Tenho pessoas investigando. — Simon cruzou o tornozelo no joelho, muito àvontade. Onde os caminhos de Joubert e de Abi tinham se cruzado? E, mais importante,por que o segredo? — Devo saber mais em...

— Desculpe. Preciso ouvir isto. — Abi segurou o controle-remoto e apontou paraa tevê.

— ...o atual governo de Mallaruza tem o dever primordial de proteger a populaçãocivil e, portanto, deve deter o Exército, inclusive a guarda presidencial, a fim de quecessem os abusos aos direitos humanos — Jungo Kamau disse com veemência, olhando

diretamente para a câmera.

O opositor de Abi, e atual referência em relação às finanças do país, mostrava-seelegante naquela entrevista, mas tinha o ar cansado de um homem que dormia poucashoras e que carregava um fardo de responsabilidades sobre os ombros.

— Embora aplauda os esforços de Bongani, ele deve responsabilizar oscriminosos. — As mãos de Kamau, apoiadas sobre o tampo de uma mesa, mostravam osnós dos dedos brancos. — As agências internacionais de direitos humanos precisamobter permissão para se estabelecerem aqui. Não podemos resolver tudo isso sozinhos.Ainda mais com a presença desse vírus assolando nosso país.

A repórter, uma loira sul-africana de olhos azuis assumiu uma falsa expressãoséria e preocupada, comum a muitos jornalistas.

— O presidente ofereceu asilo a muitos foragidos. Muitos o consideram um santo— ela comentou.

— Alguns podem pensar assim — Kamau respondeu, seco —, mas olhe ao nossoredor. Não temos como sustentar nem nosso povo. Convidar milhões de refugiados,embora pareça altruísta, só está desgastando ainda mais nossos recursos.

— Qual a sua opinião sobre a construção da maior catedral da África, sr. Kamau?

— Sei que o sr. Bongani está gastando centenas de milhões de que nãodispomos...

— Quanta asneira. — Abi desligou a tevê e jogou o controle sobre a escrivaninha.— Ele não faz ideia do que está falando.

Simon, porém, suspeitava que o oponente de Abi devia ter certeza até doscentavos gastos e, com isso, levantava pontos muito importantes. O presidente,

entretanto, mostrava-se visivelmente irritado com a entrevista.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 68

— Abi, quanto a Joubert...

Ouviram uma ligeira batida à porta. Um segundo depois, Chizob, o assessor deAbi, entrava, enxugando o rosto com um imaculado lenço branco.

— Com licença, ubaba — disse, enfiando o lenço no bolso da calça.

Um formigamento familiar na nuca fez Simon pousar a xícara na ponta da mesa eobservar o homem que acabara de entrar.

Chizob, com seus cinquenta e poucos anos, era magro como uma cobra.Gozando de uma posição que lhe conferia respeito e fortuna moderada, num país em quetantos mal sobreviviam, estava elegantemente vestido num terno azul-marinho. Lembravaum pouco a figura de Sammy Davis Jr... Sem o olho de vidro. Se tivesse um chapéu nasmãos, ele o estaria revirando ao se aproximar da mesa do presidente.

Simon sabia que aquele era um homem de confiança de Abi, alguém que oacompanhava já havia dez anos. Era sério, trabalhador e devotado ao chefe. E, naquelamanhã, mostrava-se extremamente preocupado.

— Desculpe interromper. Estou certo de que não é nada, mas inkosazanaGoodall... Ela não está no hotel. O porteiro disse que ela saiu meia hora depois queubaba Blackthorne a deixou lá. Já fui ao escritório dela e inkosazana não está lá. — Ohomem pegou o lenço novamente e enxugou a fronte. Nervoso, o sotaque zulu era quaseincompreensível ao tentar exprimir a urgência do que sentia. — Também vi que não háregistro da entrada de inkosazana no prédio.

— Não se preocupe — Abi disse, distraído. — Kess às vezes vai para a academiada Zizwe.

— Ela não está lá também. — Era evidente que Chizob tentava mostrar ao seurespeitado chefe que já esgotara a lista de possibilidades antes de incomodá-lo. — Euolhei.

Simon se pôs de pé, um músculo pulsando na face.

Onde a mulher tinha se enfiado? Queria ficar aborrecido por ela não ter atendido

ao seu pedido de não sair sozinha e, ainda por cima, ter tomado um desvio antes deseguir para o escritório. Porém, mesmo não a conhecendo tão bem, tinha certeza de queela faria como ele pedira. Se ela não estava no hotel, algo tinha acontecido. E, emMallaruza, isso podia significar qualquer coisa.

— Vou encontrá-la. — Simon parou na soleira da porta aberta. — Abi? Tente selembrar de onde conhece Noek Joubert. Falaremos quando eu voltar.

Cansada de se sentir suja, Kess trancou a porta do quarto e foi direto tomar umaducha. O boxe era minúsculo, mas servia ao seu propósito. Dez minutos mais tarde, saiudo chuveiro, com a cabeça cheia.

— E Simon Blackthorne não devia estar na minha lista de preocupações.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 69

Um objeto sobre a cama chamou sua atenção. Era um envelope úmido e sujocolocado sobre o travesseiro. Podia apostar que não era um bilhete de amor de Simon.

Alguém havia estado ali.

Olhando ao redor, nervosa, lembrou-se de que não tinha mais a arma. Sentiu osangue fugir da cabeça e os pelos da base da nuca se eriçarem ao procurar pelo intruso.

O quarto ficava no quinto andar. Por isso, perguntou-se como alguém poderia terentrado já que a janela ainda estava travada. Só podiam ter subornado Obi, o porteiropreguiçoso.

Obviamente ninguém estava ali, pois não havia lugar para se esconder. Embaixoda cama existiam gavetas. O quarto não dispunha de armário, apenas de um cabideiro.Além da cama, uma poltrona, uma cômoda, um micro-on-das e o pequeno refrigerador,não havia mais nada ali. Os cheiros de suor e fumaça de cigarro, porém, tinham sido

deixados pelo intruso.

Kess foi até a porta e recolocou a corrente. Girando sobre os calcanhares,segurou a toalha com firmeza. Estava sozinha, tinha certeza. A idéia, contudo, de quealguém entrara no quarto enquanto estava nua no banheiro era assustadora.

O que quer que houvesse no envelope, podia esperar até que estivesse vestida.Enquanto se aprontava, mantinha o olhar fixo no papel, desejando ter anotado o celularde Simon. Ele devia ter um. Afinal, conseguira um helicóptero no meio do nada. Por quenão tinham trocado os números de telefone?

Bem, de nada adiantaria, já que seu aparelho explodira com o carro e tudo o quehavia na mochila.

Já que não havia um telefone no quarto, teria de usar um público e tentarencontrá-lo no gabinete presidencial.

— Simon, por favor, esteja aí. Estou surtando...

O que faria se ele não estivesse disponível? Ligaria para a polícia? Seria inútil.Eles nem se importariam em vir investigar, pois tinham peixes maiores a fisgar. De

qualquer modo, nada fora roubado. Seu único objeto de valor era a câmera que tambémtinha se perdido na explosão.

Precisaria providenciar uma trava nova. Colocara uma corrente assim que semudara, mas, pelo visto, nem aquilo tinha funcionado. Sentiu um arrepio percorrer aespinha.

Assim que terminou de se arrumar, pegou o envelope e o abriu.

Estamos com o dr. Straus e a dra. Viljoen.

Traga sua câmera para o Café Ndebani às nove e meia

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 70

da manhã, hoje.

Venha sozinha. Não ligue para ninguém.

Qualquer atraso resultará em ferimentos para seus

amigos.

Como um incentivo, deixamos um presente. Olhe na gaveta de cima.

— Vou detestar isso, tenho certeza. — O som da própria voz não foi nadareconfortante.

Kess nem se importou em contar até três antes de abrir a gaveta da comoda. Arfouao ver um dedo cortado e ensanguentado. Era o dedo anular de Judy. Reconheceu o anelde noivado que a amiga lhe mostrara orgulhosa apenas duas semanas antes. Fechou agaveta, tentando controlar a bile que ameaçava subir. Esfregou os braços para afastar ocalafrio.

Os amigos não tinham sido arrastados por animais ou pelos hurenianos. Tinhamsido sequestrados. Um olhar para o rádio-relógio mostrou que tinha vinte minutos parachegar ao encontro marcado. Mas não tinha a câmera. O que faria?

— O cartão de memória!

Revirou o cesto de roupa suja e, retirando as calças, encontrou o cartão no bolso.

— Bingo!

Respirando fundo, pensou no que fazer. Não poderia encontrá-los sozinha.Precisava de Simon na retaguarda.

— Simon é capaz de comer gente como vocês no café da manhã — disse aodescer os cinco lances de escada.

Obi não estava no saguão, mas, quando voltasse, Simon a ajudaria a obteralgumas respostas com o porteiro. Nem parou no telefone público do hotel, pois alguém

tinha cortado o fio havia meses.

Com o coração acelerado, saiu para a rua.

O mercado no meio do caminho até o café estava abarrotado de pessoas. Donasde casa em vestidos multico-loridos faziam compras ao lado de pessoas com roupasocidentais indo para o trabalho.

Não tinha tempo para admirar o contraste ou os aromas da feira. Olhou para orelógio e acelerou o passo, enxugando uma gota de chuva do rosto. Mal teve tempo dedesviar de uma mulher com um cesto na cabeça e o filho amarrado às costas. Com a

adrenalina correndo solta, olhou por sobre o ombro, perguntando-se se alguém a seguia.E não via nenhum telefone pelo caminho!

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 71

Simon! Socorro!

Já eram nove horas e vinte e três minutos. Não haveria como ele chegar a tempo.Nada de bom resultaria se encontrasse aquelas pessoas sozinha.

Sequestro era um problema sério em qualquer parte, mas ali, como na Itália, porexemplo, sequestrar era um meio de vida. Extorsões de qualquer tipo eram ignoradas,uma vez que o país inteiro estava tomado por criminosos daquele tipo.

Por mais tolo que pudesse parecer, ela era a única esperança de Judy e Konrad.Não se importava com o que havia no cartão de memória se aquilo pudesse salvar a vidados amigos.

O pequeno café estava a duas ruelas de distância, mas começava a chover emabundância, e as pessoas se amontoavam em busca de abrigo.

O que faria se os sequestradores tomassem o cartão e depois matassem osmédicos de qualquer forma? Mordeu o lábio enquanto praticamente corria ao ponto deencontro. Exigiria uma prova de vida. Insistiria que só entregaria o cartão em troca dosmédicos ou não faria negócio. Aquilo devia funcionar, não? Assim ganharia tempo paracolocar Simon a par da situação e, logo, ele entraria com as habilidades antiterroristaspara encontrar os médicos... Ou não? Esperava que sim. Esperava sem, no fundo, teresperanças.

Judy e Konrad estavam vivos. Ela tinha algo que os sequestradores queriam. Aúnica coisa que não a deixava molhar as calças de medo era o fato de que estariam numlugar público. Era um mínimo de conforto. Seu coração batia tão forte que tinha certezade que era ouvido na fronteira.

Graças à chuva, o café estava lotado. Vasculhou com o olhar a multidão que seamontoava diante do balcão. Pessoas a encararam, mas era o olhar de curiosidade nor-mal, provocado pela cor incomum de seus cabelos. Muitos se aglomeravam em torno depequenas mesas redondas, às vezes dividindo a cadeira.

Havia muita gritaria e confusão, mas ninguém se aproximou dela. Ninguém fezcontato visual. Ficou parada em meio às pessoas, sem saber o que fazer em seguida.Mais uma vez, vasculhou o salão, e então uma visão do lado de fora fez seu coração

acelerar de alegria.

— Simon. Graças a Deus.

Os olhos se encontraram pelo vidro.

Como e por que ele decidira procurá-la e como a tinha encontrado era irrelevante.Kess começou a abrir caminho até a porta da frente. Sentia-se como um peixe nadandocontra a corrente, pois todos queriam entrar.

— Uxolo, com licença, excusez-moi. — Ninguém cedia. Pensou em gritar "fogo" a

plenos pulmões nas três línguas, mas continuou usando a determinação e os cotovelosaté atingir seu objetivo.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 73

CAPÍTULO 3CAPÍTULO 3CAPÍTULO 3CAPÍTULO 3

Simon desvencilhou o braço esquerdo e atirou no homem que estava bem atrásde Kess, que gritou quando o sujeito caiu aos seus pés. Agarrando-a pelo braço, Simonpraticamente a empurrou.

— Corra!

— Não pode... O quê? Ai, meu Deus, Simon! — Com o olhar perdido, ela tentava

fincar os pés. — Perdeu o juízo? O que pensa que está...

— Agora! Venha! — Ele começou a correr, arrastan-do-a pela mão. Na outra,segurava a Taurus. No meio do caminho, empurrava as pessoas que pareciam não terpressa. — Balela amathe indlal! — "Saiam do caminho" em zulu, era o que ele esperavaque fizessem, mas pela reação das pessoas, podia bem ter dito "Fiquem onde estão,atrapalhando a nossa fuga".

Ninguém parecia se importar com as duas pessoas que corriam entrebarraquinhas de frutas, legumes e artigos de couro. Os que não tinham se protegido da

chuva, enchiam as ruas, conversando, comprando e atrapalhando a passagem. Sua visãoubíqua mostrava que havia quatro homens atrás deles e que Kess tentava acompanhá-locom os cabelos vermelhos ao vento.

— Saiam. Saiam. Saiam!

— Preciso voltar — Kess disse, tentando puxar a mão. — Droga, Simon, pare! Ossequestradores...

— Mandaram alguém para matá-la! — gritou ele por sobre o ombro. Atirara emum, mas havia uns cinco outros em seu encalço. No que ela tinha se metido dessa vez?

— Por aqui. — Virou num espaço minúsculo e tomado de lixo entre dois prédios. E, ondehavia lixo, podia se esperar a presença de roedores.

Os ratos guincharam e correram enquanto eles prosseguiam. Simon esperavaque os perseguidores não percebessem o caminho escuro e continuassem em frente,dando-lhe tempo para afastar Kess daquele perigo, qualquer que fosse ele. Empurrando-ade encontro a uma portinhola, encarou-a. O teletransporte seria o meio mais rápido paratirá-los dali.

— Beije-me — ele pediu.

Kess piscou, como se ele tivesse falado numa língua estranha.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 74

— Como?

Emaranhando os dedos na massa volumosa e sedosa de cabelos, ele puxou-apara perto. Com o encontro das bocas, ele fechou os olhos e visualizou o quarto do hoteldela. Sentiu um ligeiro zunido quando seus poderes falharam.

Droga! Maldição!

Beijou-a com mais intensidade, tentando se concentrar num alvo mais próximo. Aloja de cestos, do lado oeste do mercado.

Droga!

Teria de fazer aquilo à moda antiga.

Assim que viu algumas pessoas se deslocarem da saída na outra ponta,revelando um beco adjacente repleto de compradores, percebeu que sua sorte tinhaacabado. Dois dos vilões haviam descoberto o esconderijo e se aproximavamrapidamente.

Não havia espaço para trocar de lugar com Kess. Mantendo-a firme, tentoutransportá-la para a sede do governo onde havia seguranças. Ela podia ficar confusasobre como tinha ido parar lá, mas, pelo menos, estaria livre do perigo imediato.

Inferno! Não conseguia. Lançando um feitiço de proteção sobre ela,teletransportou-a o suficiente para que trocasse de posição com ele. Funcionou.

Protegendo-a com o próprio corpo, virou e atirou no homem que se aproximava. Era deMallaruza, pelos trajes, e caiu, para regozijo dos ratos que usaram o corpo como ponte.

O outro continuou se aproximando e passou por cima do comparsa, mirando aSmith & Wesson.40, atirando a pouco mais de um metro de distância. Simon atirou nomesmo instante e sentiu uma fisgada no braço, mas estava mais atento ao corpo quecaía.

— Fique aqui — disse para Kess, avançando para se ver se arrancava algumainformação antes que ele morresse.

— Ficar? Está maluco? Não vou ficar de jeito nenhum... — Kess o seguiu,parando a poucos centímetros quando Simon se abaixou para sentir o pulso na base dopescoço. — Ele está...

— Morto. Droga!

— Não era essa a intenção? — comentou sarcástica.

Simon a segurou pelos ombros porque ela parecia nervosa. Ou talvez apenasporque desejava segurá-la. Muito provavelmente porque ainda tinha o gosto dela noslábios.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 75

— O que os sequestradores queriam? — Não tinha dúvidas de que eles pareciambastante interessados, pois devia haver alguns outros no mercado à procura deles. Outrapergunta que tinha em mente era quem os enviara...

— O cartão de memória da minha camera. — Kess enfiou a mão no bolso da

frente do jeans e o retirou. — Aqui está, tome. E todo seu.

Simon guardou-o no bolso.

— Preciso ver o que há nele.

— São apenas fotos da rotina do acampamento. E algumas imagens de ontem.Nada que valesse a pena em troca da vida dos médicos.

— Está claro que flagrou algo importante para alguém.

— Não faço idéia do que seja. Antes de mais nada, porém, precisamos que ummédico dê uma olhada nesse ferimento.

Ele estava mais preocupado em encontrar um lugar seguro para ela.

— Já tive machucados mais graves.

— Eu preciso que você esteja bem — rebateu ela com firmeza. — Vamosprocurar um médico e depois olhamos as fotos.

— Psiu! Inkosazana? — Um garotinho de nove ou dez anos avançou no becopela outra ponta, afastando os roe-dores com os pés descalços. — Você vem. — Omenino tentou segurar o pulso de Kess, mas foi afastado por Simon. Visto que a mão queo segurava pelo ombro também prendia uma arma, o garoto ficou quieto, lançando umolhar inocente pelos longos cílios curvos antes de se virar para Kess. — Lutao leva vocêdr. Straus. Inkosazana vem rápido, rápido.

— Onde? Onde estão Straus e Viljoen?

— Eu levo. Nós apressar. Homens maus vêm. Kess se deparou com o olhar deSimon.

— O que acha disso?

— Acho que ele faz parte do plano, mas nós vamos com ele para saber o quequerem. Tome. — Simon lhe ofereceu a Taurus. — Fique alerta e atire antes de fazerperguntas, entendeu? Isso vale para homens, mulheres ou crianças.

Kess aceitou o revólver, que se ajustou bem à sua palma e ainda tinha o calor damão dele.

— Preferiria que você ficasse com ela — disse e notou que, ao seu lado, o

menino passava de um pé a outro, impaciente.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 77

O menino sorriu, revelando três espaços onde faltavam dentes, dois em cima, umembaixo. Era adorável.

— Acho que sim — ele a imitou e voltou a sorrir.

A chuva caía a cantaros, e ela procurou no meio dos botões e alavancas atéconseguir fazer os limpadores de para-brisa funcionarem.

— Este carro me traz boas lembranças — Simon disse baixinho no banco de trás.— Fazia anos que não pensava em meu avô. Ele tinha um Studebaker 1960 exatamentecomo este. Mesma cor até. Ele costumava levar a mim e à minha irmã para passear aosdomingos. Deus, tinha me esquecido de como ele era incrível.

Kess havia adorado o avô materno. Ele tinha cheiro de doce e tentava fazertruques de mágica para entreter a ela e à irmã.

— Ainda está vivo? — perguntou.

— Duvido — Simon respondeu secamente. — Teria mais de noventa anos hoje.

— Talvez ainda esteja — Kess insistiu, querendo que Simon tivesse alguém navida que se importasse com ele, que o amasse incondicionalmente. Todo mundo precisa-va de alguém. — Meu avô morreu aos noventa e dois. — Sentia saudades dele.

— Não é algo em que eu pense muito.

E fim de conversa. Kess olhou para ele por sob os cílios. Não havia comomascarar a nostalgia nas palavras dele quando mencionara o avô. Suspeitava que Simonpensava nele sim, e muito.

Lutao tocou-a no braço e depois apontou para a esquerda. Kess diminuiu para darpassagem a duas mulheres carregadas de mercadorias, com os vestidos ensopados,antes de fazer a curva. O carro respondia como se fosse um tanque de guerra; não que játivesse guiado um.

— Vocês perderam contato? — ela perguntou a Simon.

— Meus pais e minha irmã gêmea morreram numa explosão de gás em nossacasa. Eu tinha acabado de começar a segunda série. Theresa e meu pai estavam emcasa por causa de uma gripe. Nunca voltei para casa. Nunca mais voltei a ver meu avô.

O coração de Kess apertou-se de emoção. Como devia ter sido aterrador etraumático perder toda a família ao mesmo tempo.

— Isso é terrível. Para onde foi levado? Tinha algum parente?

— Fui para lares adotivos.

— Foi horrível? Desculpe, que pergunta idiota. É claro que foi, perdeu a todos queamava. — Onde estava o avô? Velho demais para cuidar de um garoto sozinho?

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— Algumas famílias eram bem ruins, outras, mais ou menos.

"Mais ou menos" era ruim na opinião de Kess. Nenhuma criança teria de serobrigada a tolerar "mais ou menos".

— Não consigo imaginar o que eu faria se algo acontecesse aos meus pais e àminha irmã. — Sentiu um aperto no peito que chegava a doer. — Já mencionei queElizabeth é médica? Sinto muito orgulho; ela é uma mulher incrível.

— Vocês são parecidas?

Kess riu. O carro balançava sobre bueiros e buracos que ela não conseguiaevitar.

— Nem um pouco. Elizabeth é séria, quieta e intros-pectiva. E esperta e gentil. —Sentiu uma pontada de saudades de casa. Teria a oportunidade de rever a irmã e os pais

quando voltasse para a audiência em seis semanas.

Pelo menos tê-los ao seu lado tomaria a volta a Atlanta mais suportável.

— Opostas, então — Simon comentou, parecendo se divertir. — Ela é ruivatambém?

— Sim, porém a cor é mais suave e recatada. Papai jura que ele tinha umacabeleira farta de fios escuros antes do nosso nascimento, mas hoje é completamentecalvo. O cabelo de mamãe está mais para o loiro, mas todas nós temos o temperamento

das ruivas. Eu mais do que elas, suponho — confessou a contragosto. Levava um tempopara perder a paciência, mas quando perdia... Talvez isso explicasse sua audiência.

Já estavam na rua principal que levava para fora da cidade. Kwame ficava a cercade cinquenta quilômetros ao nordeste. Kess olhou rapidamente para o pequeno co-piloto,que assentiu com a cabeça para que ela soubesse que estava na direção certa.

— Tivemos algumas discussões vigorosas ao longo dos anos, especialmente umavez que minha mãe é advogada. — O que, na verdade, tornava as acusações contraKess ainda mais embaraçosas para ela. Desejava apenas que a mãe compreendesse osmotivos que a haviam levado a agir daquela maneira. Era desnecessário dizer que Carole

Goodall não a representaria no tribunal. — Como está o ombro?

— Bem.

— Mentiroso — ela acusou, encontrando os olhos dele no espelho retrovisorrachado. Ele não parecia estar a ponto de desmaiar, mas o ferimento devia estar doendomuito. Se Konrad e Judy estivessem mesmo no vilarejo, poderiam dar uma olhada noombro ferido.

— Você se lembra do sujeito da outra noite? Daquele que achou ser meu irmão?— Simon perguntou em voz baixa atrás dela.

— Sim, claro.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 79

— Ele está de volta.

Kess virou-se para o espelho retrovisor, e os olhos verdes a encararam. EraSimon e, ao mesmo tempo, não era. Era ele ao contrário. Deus do céu! Quase saiu daestrada escorregadia com o susto. Perguntou-se se tinha ingerido algum alucinógeno do

qual não se lembrava.

— Como... — Deu uma olhada para o garoto ao seu lado. Uma criança que, dealguma maneira, estava envolvido num sequestro. Um menino com olhos inteligentes eouvidos atentos.

Respirou fundo. Devia haver alguma explicação lógica para o que Simon andavafazendo. A curiosidade a consumia.

— Você vai explicar a semelhança assim que possível, não?

A imagem no espelho tremulou um instante, e depois desapareceu. Ótimo, era oque faltava.

— Lutao — Kess disse um tanto desesperada, desejando que o menino nãoolhasse para o banco de trás —, veja aqueles leões ali.

A distração funcionou, pois ele se ajoelhou no banco e ficou olhando o leão e astrês fêmeas pela janela, abrigados sob uma acácia ao lado da estrada.

— Simba infeliz no molhado.

Kess também não se sentia muito contente no momento. A estrada se mostravacada vez mais lamacenta uma vez que a chuva não cessava.

— Falta muito? — Uma olhada no retrovisor mostrou que o segundo Simon aindanão tinha voltado. De onde, pelo amor de Deus?, Kess se perguntou.

— Por ali — Lutao indicou com o dedo sujo a grama intocada ao lado direito doveículo que avançava lentamente.

— Ali não há estrada — ela replicou, tentando controlar o carro que patinava.

— Pode ir — o menino respondeu com entusiasmo e, quando ela não atendeu aopedido, ele agarrou o volante e o girou, colocando todo o peso no movimento.

O carro chacoalhou quando as rodas saíram da lama e foram para a gramamolhada.

— Opa! Pode deixar... — Kess apertou o volante para endireitar o carro. Aquiloera insano; não havia sinal de vida até onde a vista alcançava. — Que tal voltarmos paraa estrada? Talvez demore um pouco mais, porém este atalho não me parece uma boaidéia. — Na verdade, era uma péssima idéia, a seu ver.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 80

Se ela atolasse na estrada, havia uma chance, ínfima, era verdade, de quealguém passasse e a socorresse. Se, contudo, continuasse ali, não havia esperanças deque fosse encontrada. Nunca mais.

Quando Simon voltasse, ela o mataria por deixá-la sozinha num carro velho com

uma criancinha no meio do nada. Não conseguia imaginar onde ele tinha ido parar,porque nada do que conseguia pensar fazia sentido.

— Tome o atalho. — A voz de Simon ecoou dentro do carro.

Kess, apertando ainda mais o volante, encontrou o olhar dele no retrovisor.

— Você é um homem morto, Simon Blacktorne com "e" no final. — E aquele eraSimon, o original, de volta como se nunca tivesse sumido. — Tem algumas explicações adar.

Era verdade, ele devia algumas explicações. Kess, porém, parecia estar roubandoseus poderes. Não tivera a intenção de sumir. Tudo o que planejara era levar o cartão dememória para o QG em Montana. Simples. Não conseguira, porém, transportar o pequenoobjeto, por menor que fosse. Tinha acabado de descobrir outra falha em seus poderes. Sequisesse teletransportar alguma coisa, teria de ir junto, e nem teria energia suficiente paradeixar Nomis em seu lugar.

Felizmente, tudo tinha dado certo. O cartão estava no departamento técnico da T-FLAC e ele estava de volta. Nesse meio tempo, Kess lutava para controlar o carro.

— Quer que eu dirija? — ele ofereceu.

— Estou me saindo muito bem, obrigada — respondeu ela por entre os dentes.

— Estou vendo. — Ele pôs as pernas sobre o banco traseiro e se acomodou comos braços dobrados atrás da cabeça, apoiados na janela. — Acorde-me quando che-garmos. — E fechou os olhos.

O carro deu um salto, deixando os três suspensos por um segundo.

— Maldição — Kess murmurou ao aterrissar no banco novamente.

Simon sorriu; Lutao riu.

Alguns minutos mais tarde, ela anunciou:

— Acho que chegamos.

O pequeno agrupamento de cabanas se parecia com qualquer outro vilarejo doTerceiro Mundo visitado por Simon em suas andanças. O povo era pobre e sujo, e viviade esmolas. Mulheres e crianças na maioria, já que os homens que não eram nem velhosnem jovens demais estavam longe, lutando contra os hurenianos, ou faziam parte da

milícia.

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À direita, via-se uma tenda militar que, aparentemente, abrigava um hospitaltemporário. Havia uma fila com cerca de trinta mulheres, algumas segurando bebês oufilhos pequenos no colo, tentando se abrigar do vento perto da tenda.

Simon sabia que muitas dessas pessoas tinham caminhado uma centena de

quilômetros para chegar ali, especialmente se era o filho quem estava doente. Aquela vila,com suas poucas barracas, ficava uns sessenta quilômetros mais próxima do que acapital.

— Onde está o cativeiro do dr. Straus? — Kess diminuiu a velocidade do carro ese virou para o menino.

— Diabos! — O carro morreu quando ela pisou no freio.

— Ele também consegue fazer isso!

— Droga! — Simon olhou incrédulo para o banco do passageiro vazio diante dele.Lutao sumira. Tinham sido atraídos por um bruxo. Um bruxo que Simon deveria ter sidocapaz de detectar, mas que não conseguira. Uma criancinha adorável e a réplica do carrodo avô aliados ao mau funcionamento de seus poderes eram os responsáveis.

— Simon, o que está acontecendo aqui? Vocês estão me deixando apavoradacom esse negócio de desaparecer de repente.

— Seus amigos não estão aqui, Kess — ele disse sério.

— Passe para lá, me deixe dirigir.Simon podia ver que ela queria recusar, mas foi obrigada a deslizar para o lado

quando ele bruxuleou atrás do volante.

— Segure firme — ele avisou, antes de transformar o carro antigo num veículomilitar ATV Phoenix Prowler.

Kess encarou-o, com mechas de cabelo molhado grudando no rosto.

— Se consegue fazer isso, por que não materializou um helicóptero? Ou pelo

menos um carro com capota?

— Tentei o helicóptero, mas não deu certo. Ao que parece, venho tendodificuldades técnicas. Há uma metralhadora ali atrás. Se eu a ensinar a usá-la, acha quepoderá cobrir nosso flanco?

— Cobrir nosso flanco? Que lado seria esse?

— Que Deus nos ajude!

— Não precisamos do Todo-Poderoso. Você tem a mim, e eu vou poder disparar

uma metralhadora! Maravilha!

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— Ela deu uma risada. — Pode começar a me ensinar, pois nunca usei umaantes...

— Espero que hoje não precise ser seu primeiro dia.

— A visão ubíqua mostrava que não estavam sendo seguidos. Ainda.

— Que pena. Esperava que sim. Isso tudo é incrível, o que quer que estejaacontecendo...

Com um toque no acelerador, Simon fez o veículo disparar, lançando lama paratodos os lados antes de voltar para a estrada. Apesar de não ser bonito, era um meio detransporte muito eficiente; tão poderoso que pareciam estar voando.

— Vou desacelerar ali no próximo morro, então você pode se ajeitar e afivelar ocinto, está bem?

— Perfeito.

Que mulher incrível, Simon pensou ao vê-la erguer o rosto para a chuva. Apesarde estar ensopada até os ossos, não estava fazendo milhares de perguntas. Ela as faria,claro. Porém, no momento, estava cem por cento naquilo, o que quer que aquelaexperiência fosse, com ele. Mergulhara de cabeça.

— Para onde vamos? — ela gritou para se fazer ouvir acima do ruído provocadopelo vento e pela chuva.

A caverna ficava longe demais. O hotel dela, o seu e a casa de Abi estavam forade questão. E a T-FLAC não tinha nenhum abrigo seguro em Mallaruza.

— Cidade do Cabo.

Kess sorriu para ele, os lindos olhos cinzentos brilhando de excitação, as facescoradas e molhadas.

— Lindo lugar.

— Você é louca, sabia? — Simon gritou ao vento. Considerou-a a mulher maiscorajosa e excitante que já havia encontrado. E só de olhar para ela, o cabelo selvagem,a camiseta transparente colada ao corpo, as insanas botas laranja e um sorriso tolo norosto, sentia um nó estranho no peito.

Kess Goodall era a epítome de todo tipo de confusão.

Não foram até a Cidade do Cabo. Em vez disso, Simon encontrou um hotelzinhona periferia da cidade. Dizer que aquele lugar era um pardieiro seria um elogio. Umafileira com nove quartos encarava o vale, o atual aterro sanitário, circundado por umacerca de arame, umas poucas árvores e uma revoada de pássaros loucos por restos de

comida. Surpreendentemente, o lugar não cheirava mal.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 83

Ainda chovia forte, e ambos estavam ensopados dos pés à cabeça. Kess sentia-se um pouco desconfortável, mas não se incomodava em ficar molhada. Se fizesse frio,seria ruim. Porém, como estava quente, não se sentia tão infeliz com a situação. Fez umacareta quando Simon destrancou a porta do quarto número cinco.

— Da última vez que um homem me levou a um hotel barato como este acabeifraturando a mandíbula dele.

Rindo, ele esticou o braço para alcançar o interruptor, bloqueando, assim, a visãodela.

— Credo! Feche os olhos por um instante, sim? E não os abra até eu mandar.Quantos anos você tinha?

— Dezessete. — Kess fechou os olhos. Quase. Espiando por sob os cílios,vislumbrou uma parte do quarto.

Eca! O lugar tinha um ar mofado e viciado de cigarro, havia um vale no meio docolchão e os lençóis não deviam saber o que era uma máquina de lavar. Ela quase prefe-ria o beco infestado de ratos de horas antes. No entanto, engoliu o protesto. Seria bomsair da chuva. Quem sabe não conseguiria tomar um banho? Fechou os olhos comoSimon havia lhe pedido. Sentiu o calor do corpo dele, apesar de não estarem se tocando.Uma corrente elétrica atravessa o espaço entre eles, unindo-os. Feromônios. Atraçãoanimal.

O que quer que fosse aquilo, ela sentia necessidade de se moldar à costas dele ede esfregar o nariz em sua nuca.

— O rapaz teve sorte?

Ele tinha uma fragrância única. Nada que se assemelhasse a xampu ou sabonete.Não conseguia descrever, e normalmente ela conseguia descrever qualquer coisa. Faziaparte de seu trabalho.

— Está brincando? — Fresco. Limpo. Viril. Se conseguisse engarrafar aquelafragrância, seria uma mulher rica. Lembrando-se do passado, reviu o Motel Central e amoto de Peter Silverman. Havia sido realmente ingênua. — Não. Eu só queria dar uma

volta na Harley dele, e ele acreditou que uma passadinha no hotel do tio no ParqueCollege seria um pagamento à altura. — Mesmo aos dezessete anos, entendera a moedade troca assim que lhe fora apresentada. Se Peter tivesse sido amigável, teria recusadosem maiores problemas, mas ele não perguntara nem sugerira. Tinha tentado estuprá-la.Depois de acertá-lo em cheio, caminhara até encontrar um táxi que a levasse para casa.Mais tarde, já calma, fora até a delegacia prestar queixa. Tinha sido uma lição bemaprendida.

O ar, de repente, recendia a... oceano.

Kess abriu os olhos, surpresa.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 84

No lugar do hotel barato, havia uma cabana à beira-mar. Cortinas esvoaçantestremulavam na leve brisa das janelas largas que deixavam ver o mar turquesa e umalarga extensão de areia. Palmeiras completavam o cenário e acompanhavam commovimentos o som das ondas. Gaivotas crocitavam ao rodopiar no céu azul sem nuvens.Fascinada, Kess se movimentou num círculo.

Simon era pura magia.

O quarto era todo branco; as demais cores só vinham do lado de fora, do céu, domar e da areia. No meio de uma mesa pintada de branco jazia uma fruteira de cristalcheia de frutas tropicais. O centro do quarto era dominado por uma imensa cama. Seucoração deu um salto.

— Você o matou? — Simon perguntou às suas costas. Pelo tom de voz, nãoparecia se importar caso ela o tivesse feito.

Os dedos de Kess deslizaram pela mesa redonda na qual estava a fruteira.

— Como? — perguntou, distraída. A pintura branca parecia suave sob seu toque.A mesa era real. Sólida. Virou-se para encará-lo. Quem era aquele homem? O que eleera? Um frisson de excitação fez seu sangue correr mais rápido nas veias. Mágico ouhipnotizador. O que quer ele fosse, quem quer que ele fosse... Fazia sua pele formigar,seu coração se acelerar. Deu um passo à frente, chegando a uma parte iluminada pelosol que entrava pela janela. — Não. — A voz soou rouca ao dar mais um passo. Seucorpo inteiro estava ciente de que ele observava sua boca enquanto se aproximava. —Claro que não. Só bati forte o bastante com o capacete para desacordá-lo e quebrar amandíbula dele.

Encontraram-se sob a luz do sol. Simon tocou-a no rosto com a palma quente eforte.

— O que a desencorajou? — O hálito fresco a atingiu nas faces. — O hoteldecrépito ou o rapaz? — Os dedos deslizaram em sua pele até chegarem aos cabelos,colocando-os para trás e provocando arrepios em sua nuca.

Kess ergueu o rosto e passou os braços pela cintura dele. As roupas molhadascausavam uma deliciosa fricção em seus mamilos.

— O rapaz decrépito.

Simon roçou os lábios nos dela.

— Eu tenho uma Harley.

— De verdade? — Kess queria mais e agarrou-o pela roupa, trazendo-o paramais perto. A ereção a resvalou na junção das coxas.

Com a outra mão, Simon esfregou o canto da boca gentilmente com o polegar.

— Sim. Um dia desses, eu a deixo pilotar.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 86

Ele afastou fios de cabelo do rosto dela, o toque suave, mas cheio de propósito.

— Há alguma outra maneira?

— Provavelmente — respondeu ela, entrelaçando os dedos nos fios escuros e

trazendo o rosto dele para baixo.

A resposta de Simon, ávida, refletia seu próprio desejo. Kess deslizou a línguapela dele, saboreando a urgência. Beijou-o com todo o seu ser, querendo conheceraquele homem como nenhum outro.

Milhões de perguntas rondavam sua mente, e ela não estava certa se gostariadas respostas, mas, naquele exato instante, no mágico quarto branco criado por ele, asúnicas respostas de que precisava estavam no toque das mãos ásperas e na curva dosorriso másculo. Não acreditava que ele sorrisse com muita frequência, e o fato de lheconceder esse privilégio provocava emoções sem fim em seu coração.

— Adoro o seu sabor — ele sussurrou contra sua boca pouco antes de voltar abeijá-la com uma voracidade que a fez agarrar os cabelos escuros com mais força. Asofre-guidão no beijo provocou algo selvagem e feminino dentro dela.

Kess se pôs sobre ele enquanto se beijavam. Quente e firme sob seu corpo, aereção estava evidente na prisão do jeans, mas ela não se apressou a tomá-lo dentro desi. Ainda não. Queria saboreá-lo por inteiro, queria ser degustada.

— Quanto tempo temos?

As luzes do quarto tremeluziam; pontos brancos reluzentes faiscavam iluminandoa poeira no ar que os rodeava. Estranho, pensou ela.

Fechando os olhos, traçou com a língua o contorno do queixo determinado.Sentia a pele quente sob sua boca; o cheiro, masculino, almiscarado e mágico queimavaseu corpo.

Simon acariciou sua pele na base da nuca com um toque eletrizante. Quando elesentiu a trilha de beijos que ela depositava do pescoço à orelha, respondeu:

— O tempo de que precisarmos.

Ela nem conseguiu sorrir em resposta, visto que o corpo inteiro estremecia emantecipação.

— Isso pode levar algum tempo... — Ela pressionou a coxa contra o membroenrijecido, obtendo um espasmo em resposta.

Os músculos da face dele se contraíram, e os olhos verdes absorveram a luz aofitá-la.

— Sim... — Envolvendo seus cabelos nos dedos, ele trouxe-a para baixo e beijou-a até que cada poro no corpo dela o desejasse.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 87

Meu, meu, meu... Aquele homem lhe pertencia, e não a uma modelo imagináriada Stepford. Ela era real, assim como a sua paixão. Por certo, Simon percebia a diferençaentre a mulher que idealizava e a realidade do desejo primitivo que partilhavam. Estendeuo corpo sobre o dele, como uma manta.

Com um murmúrio baixo contra seu rosto, Simon passou os braços ao seu redor,deixando-a comandar o beijo. Com uma das mãos a segurava pela nuca, com a outrapassou a afagar suas nádegas.

Kess adorava beijá-lo. De modo sensual e lento... Beijá-lo era uma experiência decorpo inteiro. Sentia-se eufórica de maneira insana conforme se amavam com a boca.Com os seios pressionando o peito largo, e os ma-milos sensíveis e eretos, ela precisavadas mãos fortes sobre seu corpo.

Como se percebesse sua necessidade, Simon moveu as mãos para a barra dacamiseta, expondo a pele supera-quecida ao ar mais frio.

Com relutância, Kess interrompeu o beijo para que ele passasse a peça por suacabeça.

Simon fechou os olhos, como se estivesse sofrendo, e então ela sentiu os dedosdele abrindo o fecho do sutiã.

— Nunca vi nada mais lindo em toda a minha vida — ele disse, preenchendo aspalmas das mãos com os seios desnudos quando ela se curvou para trás a fim de lhe darlivre acesso.

Claro que ao fazer isso, acabou pressionando a pélvis contra a saliênciaenrijecida sob seu corpo, provocando um arfar ansioso nos dois.Os mamilos estavam tãointumescidos que o contato com as mãos ligeiramente calejadas provocou gemidos emKess. Tentando tocá-lo, procurou inserir a mãos entre eles, mas estavam tão próximosque pareciam colados. Precisava senti-lo, desesperadamente.

— Podemos fazer uma pausa para tirarmos as...

Simon levantou o corpo dela com um movimento suave, deixando os seios dianteda boca ávida. Kess prendeu o quadril estreito entre os joelhos quando ele circundou um

mamilo com os lábios. Ele sugou até que o corpo dela arqueasse.

— Oh, Deus! Isso... Assim! — Quando seu cérebro voltou a funcionar o bastantepara que ela se movesse, deslizou as mãos sob a camiseta dele. O abdômen de Simonera rijo e musculoso. A pele parecia cetim aquecido sob suas palmas. Passou as mãoscom suavidade por sobre os pelos escuros afunilados que se estendiam para cimacobrindo a extensão do peito.

Com as mãos trêmulas, retirou a peça, passando-a por sobre a cabeça dele.Detestava ter de romper o contato da boca em seu seio, mas a urgência que a assolavademandava que ficassem nus. Naquele instante.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 88

O peito era largo e bronzeado; os mamilos, pequenos botões escuros no meiodos pelos.

Kess gemeu o nome dele, abaixando a cabeça para saboreá-lo. Salgado.Másculo. O gosto e o perfume eram afrodisíacos que nublavam sua mente.

— Roupas... Tirar as roupas... — implorou, tentando desabotoar o jeans comdedos atrapalhados.

As luzes ao redor deles tremeluziam como vaga-lumes.

— Tire... agora. Agora! — Kess insistiu, e Simon afastou as mãos ineficazes,realizando ele mesmo a tarefa.

O membro túrgido se mostrou em seu esplendor, e Kess, literalmente, se contraiuem antecipação.

— Rápido, Simon, por favor...

Por um momento, pensou estar alucinando, pois as roupas desapareceram derepente, deixando-os nus, pele contra pele. Rindo, meio aliviada, meio descrente, mur-murou:

— Explique isso... — Passando a perna sobre o quadril dele, completou: — Maistarde. — A última palavra saiu num suspiro quando ela deslizou sobre ele, as mãosespalmadas nos ombros largos.

Ele segurou-a pelos quadris, guiando-a quando ela começou a se mover.

— Faça o que quiser comigo, sou como argila em suas mãos...

— Não há... nada suave... em seu corpo, Blackthorne com V...

O clímax chegou tão rápido que ela mal teve tempo de respirar. Ofegante, comose tivesse acabado de subir o Everest, largou-se sobre o peito de Simon. Ficaram unidos,as peles úmidas coladas, enquanto tentavam recuperar o fôlego.

De repente, ela notou que tinha escurecido subitamente. O luar suave era comoum manto que os cobria, pernas e braços entrelaçados.

Simon afastou os cabelos de fogo para trás dos ombros delgados e esfregou-lheos braços com suavidade. A pele de Kess estava quente e sedosa, e, muito emborativessem acabado de fazer amor, sentia necessidade de acariciá-la por inteiro.Experimentava uma sensação estranha no peito, como se estivesse completo. Não sabiabem como descrever e, por isso, desistiu de tentar.

Kess pousou a mão na altura de seu coração, preguiçosamente brincando com ospelos.

— Esta seria uma boa hora para você explicar como faz aquilo que você faz.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 89

Simon adorava o modo como o olhar dela perdia o foco quando o fitava. Admiravaa maneira como o cinza suave escurecia para um tom de carvão, como se ela pudesse lerseus pensamentos. Algo muito fácil de fazer, já que apresentava a mais rápidarecuperação de um ato sexual desde que tinha quinze anos e começava a travar conhe-cimento com sua libido. Tinham se passado apenas dez minutos de um clímax

espetacular, e ele estava pronto outra vez.

— Por que eu não lhe mostro? — murmurou, apalpando o seio macio antes detrilhar um caminho pelo quadril com a outra mão. Pegando a coxa roliça, posicionou-a aolado de seu corpo para ter acesso ao calor úmido aninhado entre as pernas dela.

— Não foi bem isso o que eu quis dizer... — Ela simulou uma carranca.

— Está reclamando? — ele perguntou, penetrando-a.

— Nem um pouco... Ah...

Ele posicionou os dedos entre seus corpos.

— Aqui?

— Humm...

— E aqui? Deus, querida, vou disparar como um foguete se você... — Ela semoveu sobre ele, com uma expressão adoravelmente intensa. — Gosta de viver peri-gosamente, não é?

Os cílios tremularam quando ela o fitou.

— Viver perigosamente é o meu nome do meio.

— Pensei que fosse Scarlett — ele replicou por entre os dentes, conforme oorgasmo se aproximava.

— Você tem boa memória.

Simon não pensou em mais nada quando chegaram ao ápice ao mesmo tempo, o

corpo todo assolado por uma incrível onda de prazer.

Talvez tivessem dormido. Talvez apenas desfalecido. Só Deus sabia... Simonsentia como se todos os seus ossos tivessem se transformado em massa cozida demais.Nunca a massa fora tão saborosa. Um pouco mais daquilo, e eles acabariam se matando.

— Como está se sentindo? — ele perguntou, ajustando o corpo dela sobre o seupara poder tocá-la por inteiro sem ter de se mexer. Até mesmo seus lábios estavam re-laxados.

— Fantástica! — Kess respondeu alegre, parecendo desperta e pronta para

conversar.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 90

Ele quase gemeu. Umas duas horas de sono não seriam nada mau... Fazer amorcom Kess era uma combinação de prazer com exercícios acrobáticos. Nada estava alémdos limites para ela. Se estivesse interessada, e pelo visto estava, ela tocava, saboreava,mordia e lambia. Era óbvio que gostava de sexo, e nada era proibido.

Kess fez um gesto genérico na direção do quarto e, como tinha o rosto enterradoem seu pescoço, Simon entendeu que ela fazia duas coisas ao mesmo tempo. Sentindoos cílios contra a pele, ouviu-a perguntar:

— Isso é real ou apenas uma ilusão? Compreendeu que ela não se referia aosexo fantástico.

— É real.

— Onde estamos? — indagou, acomodando-se sobre o cotovelo.

Ao ver um seio desnudo, com o mamilo eriçado à espera de seu toque, nãoresistiu e acariciou-o. Kess respirou fundo, mas deu um tapinha em sua mão.

— Ainda no hotelzinho barato. — Simon voltou a tocar o seio, deslizando a mãosobre a pele macia. — Só trouxe o paraíso até nós. — Ela era o que mais seassemelhava ao paraíso, sob seu ponto de vista.

Reagindo à carícia, ela passeou dois dedos por seu peito.

— Se alguém entrasse aqui, poderia ver tudo isso?

— Lancei um escudo de proteção sobre este lugar. Portanto, a resposta é "não"— ele respondeu, desapontado quando ela não continuou os carinhos por seu corpo. Nãoacreditava que seria possível ter uma nova ereção, mas, com algumas carícias e afagos,talvez se surpreendesse com suas reações. — Porém, se o escudo caísse, sim, seriapossível.

Kess se sentou de pernas cruzadas, colocando um travesseiro sobre o colo e,assim, cobrindo suas partes favoritas.

— Conte-me como faz isso — ela inquiriu. — É algum tipo de truque aliado às

suas funções na T-FLAC?

— A organização tem uma divisão paranormal — ele respondeu com cautela, àespera de algum sinal de horror ou medo por parte dela.

Kess não demonstrou nada disso, apenas curiosidade e total interesse pelo queele revelava.

— Paranormal? Alguma coisa ligada a fantasmas? — Tocou-o no braço. — Vocêé bem sólido para ser um fantasma. E um extraterrestre?

Mesmo a idéia de que ele pudesse ser um ET, que o divertia sobremaneira, nãoparecia perturbá-la.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 91

— Sou um bruxo — respondeu, sorrindo.

— Verdade? — Ela ergueu as sobrancelhas. — Como Merlin? Nasceu desse jeitoou alguém lançou um feitiço em você?

Ele devia ter imaginado que o assunto desviaria o interesse dela. Sem conseguirse conter, afagou um joelho, incapaz de manter as mãos afastadas.

— Nasci assim.

— Isso é fascinante... Há outros bruxos por aí?

— Milhões.

Os olhos, um de seus melhores traços, além dos cabelos, dos seios, da... seiluminaram. Como um cinza tão comum podia ficar tão luminoso? Tão cheio de energia eamor pela vida? A atenção de Kess estava totalmente concentrada em suas palavras.

— É mesmo? E todos eles trabalham na T-FLAC?

— Quer beber alguma coisa?

Ela meneou a cabeça, mas depois mudou de idéia.

— Limonada, por favor. — Mal tinha acabado de falar e já segurava um copo dabebida fresca. — Tudo bem, isso foi um pouco exibido, mas legal! — Levou o copo aos

lábios.— Um pouco mais de açúcar, talvez? — pediu com um sorriso que revelou o

dente ligeiramente torto, conferindo-lhe mais graça ao rosto. — Perfeito! — elogiou aobeber mais um gole. — Então, trabalham para a T-FLAC?

— Não. Apenas algumas centenas de nós. — Ele pegou o copo e experimentou.Nada mau, pensou ao devolvê-lo. — Nem todos são bonzinhos; existem maus bruxos aosmilhares. Bons, maus e tudo o que é possível entre os extremos. Como o restante daspessoas. — Noek Joubert, por exemplo.

— Ao que parece, bruxos com má índole seriam pessoas realmente malignas.Assaltantes, assassinos, terroristas...

— De modo algum. Eles costumam usar a magia para obter fortuna ou fama, ouaté mesmo poder político. E um grande problema mundial.

Ela franziu o cenho.

— E seus poderes vêm apresentando problemas? Sim, havia aquele pequenoinconveniente.

— E como se eu estivesse tendo sobrecarga de energia. Num minuto uma coisafunciona; no outro, não.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 92

— Está doente, quero dizer, fisicamente? Talvez seja algo que possa verificarcom um médico bruxo... Imediatamente, que tal?

— Há dois meses se submeti a um check-up completo e estava tudo bem,portanto não acredito que seja algo físico.

— Então seus poderes estão doentes?

— Acha que seja algo contagioso, como um vírus? — ele perguntou, sorrindo. —Nunca ouvi falar nada a respeito disso, mas é uma possibilidade que não pode serdescartada. Terei de me informar.

— Algum de seus colegas no trabalho vem apresentando os mesmos sintomas?

— Não que eu saiba, mas também não andei perguntando. Veja bem, nãocostumamos nos sentar em volta de uma fogueira, como os escoteiros, compartilhando

problemas.

Com a fronte franzida, ela parecia absorta. Simon acariciou a linha na testa paradesfazê-la, mas ela afastou sua mão.

— Foi isso o que aconteceu com o Rover? Teve um curto-circuito enquantoestava se teletransportando?

— Eu estava tentando ultrapassá-la. O carro caiu de repente.

— Deus do céu, Simon. Você poderia ter morrido...— Mas não morri. Talvez porque o carro fosse blindado... Bem, foi de raspão

dessa vez.

— Há quanto tempo vem apresentando esses problemas?

— Há umas duas semanas.

— Não há ninguém em quem possa confiar? Alguém que tenha conhecimentosde bruxaria e possa consertar o que quer que esteja errado?

— Não sei se isso tem conserto, mas há um homem em quem confioincondicionalmente. Mason Knight foi uma grande influência em minha vida, um mentorquando eu mais precisei. Ele é bruxo, um bem poderoso, e excelente amigo. Já deixei umrecado para que me telefone quando tiver tempo.

— Quando tiver tempo? — A voz feminina subiu uma oitava. — E melhor que elearranje tempo agora. Isso é urgen... Não está nem um pouco preocupado, está? Ou sóestá fazendo de conta porque não quer de fato saber o que há por trás disso tudo?

— Não sei se existe conserto para isso ou se, por algum motivo, estou perdendo

meus poderes de fato.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 93

— Detestaria imensamente se não os tivesse mais?

— Eu não seria mais um bruxo.

— E daí? Não deixaria de ser quem você é. Não perderia o emprego, perderia?

Por certo, não perderia seus amigos, suas outras habilidades ou sua bela aparência.

— Ser bruxo é a minha essência. Sim, acredito que sem meus poderes eudeixaria de ser quem eu sou.

— Não concordo com você, mas entendo seu ponto de vista. Todos os seuspoderes estão na berlinda ou alguns ainda funcionam? E já que tocamos no assunto, oque mais consegue fazer?

— Quer saber sobre meus poderes?

— Sim. Vamos começar com o sujeito que parece você, mas que não é seuirmão.

— Nomis. E a minha réplica. Ele, normalmente, tem os mesmos poderes que eu.Basicamente quer dizer que posso estar em dois lugares ao mesmo tempo.

— Que útil. Posso sugerir, entretanto, que ele passe a pentear o cabelo comovocê e a usar o relógio no outro pulso? Ele é exatamente como você, mas como uma ima-gem no espelho. Outra pessoa pode notar assim, como eu. O que mais me fascina é quenão me sinto atraída por Nomis como me sinto por você. Foi isso, na verdade, que me

levou a acreditar que era outra pessoa. Ele não faz meu coração bater mais rápido, nemminha pele se arrepiar. Bem, continue. O que mais sabe fazer?

— Tenho visão ubíqua. — Diante do ar questionador, explicou: — Posso ver emtrezentos e sessenta graus.

— Tem olhos na parte de trás da cabeça? Eu não percebi.

Simon sorriu.

— Nada disso. E só mais um poder. E uso o teletrans-porte mais do que qualquer

outro dos meus poderes. Fico invisível e me movo do ponto A ao ponto B quase queinstantaneamente, sem ser visto.

— Isso é incrível...

— Quando funciona direito. Quando falha, posso me materializar no ar sem avisoalgum. Normalmente consigo transportar algo para o local desejado, como fiz com vocênaquele dia na caverna. Hoje tentei teletransportar o cartão de memória da sua câmerapara o laboratório em Montana, mas não consegui sem ir junto. E, ao fazer isso, não pudemanter a energia necessária para deixar Nomis ao seu lado.

— Nada de teletransporte até que saibamos o que há de errado com você — elasentenciou.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 94

Pelo visto, Simon constatou, divertido e alerta ao mesmo tempo, Kess acabara detransformar um problema seu num problema dela.

Simon tinha levado Kess de volta à capital algumas horas antes. Levara-a até umshopping para que adquirisse alguns itens de primeira necessidade, pois não queria que

ela voltasse para o hotel, visto que tinham sido praticamente expulsos da cidade. Comque propósito, ele não sabia. Não tinha a intenção, porém, de tirar os olhos dela atédescobrir.

No momento, estavam no gabinete do presidente. Abi estava prestes a concederuma entrevista à imprensa.

Com os cabelos lustrosos e a pele radiante, resultados do amor que tinham feitohoras antes, Kess estava ao lado do presidente, vasculhando uma caixa repleta degravatas de seda. Simon, sentado na poltrona em frente, admirava a concentração dela adespeito da confusão em que se encontravam.

— Não preciso de você aqui, Kess. Quero que vocês dois acompanhem ossuprimentos — Abi dizia. — Estou enviando cinquenta homens da milícia com vocês, sópor precaução, é claro. Não espero que encontrem problemas.

Enviar cinquenta homens era o ato de alguém que esperava encontrar confusão,Simon considerou. Aquela simples afirmação indicava o quanto Abi tinha mudado desdeos tempos de faculdade.

Cocando o queixo, interpretou a expressão corporal e facial do amigo ao mesmotempo em que lia nas entrelinhas.

Talvez a mudança fosse fruto do amadurecimento de um jovem universitáriodespreocupado a um homem sério, com poder de decisão. Qualquer que fosse o motivo,aquele Abi era muito diferente do rapaz que conhecera.

Com essa percepção, sentiu um formigamento na base da nuca. Normalmente,teria reagido de acordo com seus instintos, mas aquele era um antigo amigo e, por isso,deixou a sensação de lado e se concentrou em Kess. O que não era uma tarefa difícil, jáque ela sabia ser uma distração e tanto. Uma adorável distração.

A coletiva de imprensa começaria em quinze minutos, e Abi tinha pedido que oscinegrafistas aguardassem na sala ao lado até terminar de se aprontar. Eles haviammontado os refletores. Por isso, o presidente e Kess estavam sob o holofote, enquantoele se encontrava na penumbra.

Por um instante, ficou quieto, observando-a conversar com Abi. Sabia que tinhade controlar a frequência com que olhava para ela, mas aquilo era mais fácil de dizer doque de fazer. Com certa constância, flagrava-se admirando a curva do sorriso ou o modocomo os olhos cinzentos se iluminavam com alegria. Talvez fosse a leveza dela emcontraste com a sua sobriedade que ele achava tão atraente. Ou, quem sabe, fosse omodo tão abertamente sensual, a alegria e gosto pela vida, o interesse e paixão pelo

trabalho que o intrigavam. Tudo naquela mulher parecia cativá-lo. O que não deveriaacontecer. Kess estava o mais longe possível de sua mulher ideal. Sempre se imaginara

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 95

dividindo a vida com alguém que se contentasse em viver numa casa isolada emMontana. Não precisava ser a esposa de avental com o jantar pronto, mas definitivamentealguém que entendesse as exigências de sua profissão e o estivesse esperando quandovoltasse para casa.

Não tinha dúvidas de que Kess apoiaria o trabalho do marido, mas também tinhacerteza de que era o tipo de mulher que o acompanharia, em vez de aguardá-lo em casa.

Observá-la totalmente vestida e completamente inconsciente de que era alvo deinspeção o fazia imaginá-los nus, entrelaçados, fazendo amor sob a luz do sol, de velasou do luar. Qualquer tipo de luz, de fato... Não importava.

Fazia poucas horas que tinham deixado o hotelzinho barato, mas já a desejavanovamente. Tinha saboreado o gosto daquela pele e sentido a bela ruiva se desfazer emseus braços. Naquele instante, precisava atender ao novo vício outra vez.

Os cílios e as sobrancelhas eram mais escuros que os cabelos, porém, sob a luzdos refletores, pôde notar que as pontas dos longos cílios tinham reflexos arruivados.Sentiu um desejo insano de correr a língua nos fios macios para sentir a suavidade.

— Ei! — Abi chamou um pouco mais alto, despertan-do-o de seu devaneio. Opresidente franzia o cenho.

Simon suspeitava de que não era por ele não estar prestando atenção. O que sepassava na mente do amigo? Difícil dizer... Ainda não tinha tocado no assunto de NoekJoubert. Estava quase certo de que Abi tentava mantê-lo ocupado para evitar uma novaconversa. O presidente tinha pedido a sua ajuda e agora o mandava para o meio donada...

— Quer que eu acompanhe os suprimentos — Simon repetiu, recostando-se napoltrona. O que quer que se passasse na cabeça do amigo, ele mantinha guardado a setechaves. — É uma completa perda de tempo, mas eu o atenderei.

— Você e Kess. — Os lábios de Abi se curvaram um pouco. — Você sempre jogou dentro das regras, certo Blackthorne? Nada de pintar para fora do desenho, muitomenos em tons de cinza.

A vida inteira de Simon estava repleta de tons de cinza. Sempre fora assim e,mais ainda agora, devido à sua ocupação. Seu trabalho consistia em detectar o preto eerradicá-lo. As atividades que iam do branco imaculado ao negro total estavam separadaspor todas as nuances de cinza, de acordo com sua experiência. Algumas das variaçõesmereciam ir parar na cadeia, o resto podia ser eliminado. Simples assim.

— As regras e a ordem são o que nos mantêm civilizados. Isso faz sentido paramim.

Abi se levantou e deu a volta na mesa para pousar a mão em seu ombro.

— Precisa viver um pouco. Não foi isso o que eu sempre lhe aconselhei?

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 96

— Sim, de fato. — Simon sorriu. Abi tinha sido um ímã para as garotas; ele, ointrospectivo. — E nas duas vezes em que lhe dei ouvidos quase fomos expulsos dafaculdade. Ah, sim, claro, houve também aquela vez do "viva do lado selvagem,Blackthorne" que quase nos fez ir parar na cadeia. Pode ir em frente e pintar fora damargem, sr. Presidente. Eu prefiro me ater às regras.

— Diabos, Simon. Você precisa viver um pouco. O que me diz se depois daseleições nós formos para Bahrein ou Paris para nos divertirmos por uma ou duassemanas?

— Com todo o respeito, sr. Presidente. Nada de diversão e esqueça Bahrein —Kess disse com firmeza. — Vai vencer esta eleição com uma boa margem porque o povoacredita em tudo o que vem fazendo de bom. Depois de reeleito, terá de continuar a agirassim. Nada de férias por um bom tempo.

— Essa mulher é uma escravocrata. Serei discreto como sempre, Kess, mas não

sou um monge e me recuso a me comportar como tal.

Ela segurou uma gravata diante da camisa dele, e depois se inclinou paraescolher outra.

— Não seria nada mau se tivesse uma esposa. Desculpe por ser franca, senhor,mas todos sabemos que uma família representa estabilidade e comprometimento. Boasqualidades em um líder.

— Procurarei uma adorável esposa no ano que vem. Ficará feliz assim?

Com outra gravata na mão, ela sorriu.

— Encontre uma que o faça feliz. Seu povo ficará ex-tático em ter uma primeira-dama.

Kess bem que podia parar de tentar o papel de casamenteira. Abi era um solteirãoconvicto, e Simon duvidava que algum dia ele se contentaria com uma única mulher aoseu lado. Diabos, ele mesmo só tinha mais alguns anos de liberdade antes de começar aprocurar sua adorável morena para povoar a casa em Montana com uma família. Estariaem casa. Kess estaria...

Simon parou de seguir aquela linha de pensamento.

— Certo, vocês dois — ele interrompeu-os. — Qual a situação no vilarejo, e o quevocê espera de mim quando eu chegar lá, Abi?

O presidente ficou sóbrio e voltou a se sentar em sua poltrona atrás da mesa.

— Mais de setecentos aldeões já morreram. Quero ver por mim mesmo o queacontece ao meu povo. Será uma viagem de três horas. Vocês vão na frente, e eu ossegui-rei assim que acabar a coletiva. Deveremos chegar mais ou menos na mesma hora.

— Encarou Simon, sinalizando que não queria magia; desejava que o amigo viajasse domodo convencional.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 97

Abi se teletransportaria e os encontraria, dando a entender que tinham viajado juntos. Simon assentiu.

— Kess pode ficar e ajudá-lo na coletiva. Vou até lá verificar tudo para você edepois volto com um relato.

— Não. Quero que Kess vá com você. Todos sabem que ela é minha relaçõespúblicas e falarão com ela. Mostrarão coisas que não mostrariam para você. Kess serámeus olhos; você, meus músculos.

— Está enviando cinquenta homens e eu como músculos — Simon comentouseco. — Se não espera encontrar problemas, Abi, por que tal demonstração de força? —Esfregou a nuca onde um estremecimento de mau agouro provocou o eriçamento dospelos. Desejava mais do que nunca ter o dom da telepatia. Sabia ler expressões faciais,mas naquele instante a de Abi estava fechada, inescrutável.

— Não haverá problemas se você e Kess acompanharem a equipe substituta.Quero a sua opinião a respeito desse vírus. Não precisam se demorar. Peguem um carroe voltem em dois dias.

Será que o homem não fazia idéia do que acontecia naquela região? O fato deAbi despachar Kess para o centro do perigo o irritava sobremaneira.

— Já mandou Kess sabe lá Deus para quantas vilas repletas de mortos oumoribundos. Isso é uma idiotice, Abi, já que não sabe que doença é essa, e muito menoscomo curá-la. Você é o presidente, mas, com todo o respeito, suas ações sãoirresponsáveis. — A acusação saiu com mais vigor do que pretendia, e tanto Abi quantoKess o encararam por causa da veemência do tom.

Droga! Estava muito envolvido pessoalmente, algo que nunca tinha lheacontecido antes. Estava começando a ficar perigosamente consumido por ela. E aquilotinha de parar. Fácil falar...

— Não estou me referindo somente a esse assassino desconhecido. — De pé,Simon sentiu-se subitamente furioso que Abi e a própria Kess ficassem tão despreocu-pados com o bem-estar dela. — Que tal os outros quatro maiores perigos: diarréiabacteriana, hepatite A, febre tifóide e malária? — Caminhou pelo gabinete, sentindo-se

desconfortável por saber que os olhos de Kess tinham se escurecido.

Com uma gravata em cada mão, ela deu a volta na mesa e se aproximou.

— Não sou uma idiota, Simon. Tomei todas as vacinas disponíveis e tenho todosos remédios de que precisar ao meu alcance.

— O que é ótimo, caso tenha uma infecção no ouvido, mas não servirá de nadacontra esse vírus letal que está acabando com os aldeões. Abi está sendo irresponsávelao acreditar que você estará imune a tudo. Especialmente quando milhões já morreram.

— Simon! — Kess lançou-lhe um olhar incrédulo.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 98

O brilho do anel de cinco quilates que Abi usava no dedo mínimo faiscou quandoele ergueu a mão para silenciar o protesto dela.

— Ele está certo, Kess. Eu não deveria tê-la enviado...

— O senhor não me mandou, eu me voluntariei. — Estreitou os olhos na direçãode Simon, que devolveu o olhar sem reservas. — Eu precisava de um registro acurado ede fotos. Sim, vou até esse outro vilarejo com a equipe substituta para verificar a situação.A última coisa de que precisamos a esta altura da campanha eleitoral é a sugestão deque está escondendo a epidemia debaixo dos panos. A população precisa ter a certezade que está cento e dez por cento comprometido a encontrar a solução para esta crise.Simon pode ir ou não, fica a critério dele. — Depois de uma pausa, acrescentou: — Tome.— E estendeu uma gravata amarela conservadora com pequenos desenhos.

Abi a tomou e colocou-a ao redor do pescoço. Ao erguer o colarinho da camisa,fixou o olhar em Simon.

— Está bem, nós dois vamos — Simon cedeu. Mas vou colocar tantas camadasde proteção ao seu redor que uma bomba nuclear não conseguiria atingi-la. — Quero vercomo está a situação pessoalmente. — Graças a Deus, não preciso usar gravatas,pensou ao vê-la circundar o presidente, tirando fiapos do paletó com um rolinho.

Kess começou a dar as últimas instruções a Abi sobre os pontos importantes queela destacara, dando-lhe as costas de propósito.

Conforme os dois conversavam, ignorando-o, Simon caminhou até a janela,acalmando-se. O gabinete de Abi dava de frente para a baía em forma de lua crescente.Por mais que o céu tivesse voltado a ficar azul, sem nuvens, havia evidências do temporalnas pedras umedeci-das dos prédios e nas poças.

Ouvia a voz melodiosa de Kess, pensando que apenas aquilo já era capaz deexcitá-lo. Precisava dar um jeito naquela situação.

Estreitando os olhos contra a claridade que entrava pela janela, ligou sua visãoubíqua e viu que ela estava perto de Abi, o quadril apoiado na poltrona ao apontar algonum dos papéis. Bem que ela podia falar com o chefe do outro lado da escrivaninha,pensou, contrariado consigo mesmo por ter se incomodado com aquela proximidade.

Concentrou-se no tráfego e na movimentação das pessoas na rua. Um pastorguiando sete animais sem se importar com a confusão que causava, mulheres em vesti-dos multicoloridos, um homem galanteando uma mulher com um aceno de chapéu... Paraalém da via larga que ficava diante do prédio do governo havia uma sequência de lojasantes de se chegar ao azul-turquesa do oceano Atlântico. A pequena marina ficava àesquerda; à direita, o estaleiro; e, no meio, o resort. O hotel era antigo, malconservado emal administrado. A marina tinha novos atracadouros, mas abrigava somente um iateluxuoso e alguns velhos barcos pesqueiros.

Do lado direito da praia, quase bloqueando a vista do hotel, estava a enorme

estrutura em forma de castelo germânico. Abi sentia orgulho ao informar que aquela seriaa maior igreja católica do continente africano. Ficara surpreso com a empreitada do

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 99

amigo, visto que, segundo informações atualizadas, menos de vinte por cento do povo deMallaruza era católico. O restante pertencia ao islamismo e a outras religiões animistas.De onde viriam tantos católicos para preencher a igreja quando ela estivesse concluída nasemana seguinte?

Esse era Abi: grande, vistoso, dispendioso. Aquele era seu modo de ser.

Passou os olhos pelo porto. Dois navios cargueiros estavam próximos; umterceiro, mais ao longe, na diagonal da baía, como se estivesse pronto para zarpar.Mallaruza exportava principalmente petróleo e produtos agrícolas, como mandioca, arroz,amendoim e madeira.

Ficou se perguntando por que os dois navios ainda não tinham zarpado, poisnotara a presença deles já havia alguns dias, antes que ele e Kess tivessem seaventurado no acampamento médico. Os navios estavam no mesmo lugar. Se estavamprontos, perdiam tempo parados no porto. Se tinham mercadoria para desembarcar, já

deviam ter feito isso também.

Esfregou a nuca mais uma vez. Tinha problemas mais importantes do que ofuncionamento de um porto com que se preocupar.

— Está pronto para partir? — Kess perguntou, aproximando-se e tocando-o nobraço.

Simon tinha uma resposta instantânea e primitiva àquele toque, e daquela veznão foi diferente, a despeito da discordância de instantes atrás.

— Tudo certo?

Kess deu de ombros, sem entender a irritação dele. Aquele era seu trabalho, e osdois homens não eram amigos de longa data?

— Os eaminhões já partiram. — Talvez ele sentisse remorso sexual. Como oarrependimento por se comprar algo num impulso, mas infinitamente pior. Quem sabe nocalor do momento, literalmente, ele tivesse se esquecido de que ela não era a esposaimaginária da Stepford, e agora ele sentisse... Deus, não sabia o que ele sentia.

Será que ele tinha ciúmes da sua relação com o amigo? Não, nada tão emocionalassim. A explicação mais lógica era que ele tinha problemas mais importantes, algoprofissional, nada relacionado a ela.

— Eu gostaria de ficar para me certificar de que a coletiva vai sair como planejei,mas ele quer que nós partamos. Por favor, não faça tempestade num copo d'água, sim?Ele está sob um estresse tremendo com a proximidade das eleições e não precisa demais pressão a esta altura.

Simon olhou para o presidente, que agora falava em voz baixa com o assistentedo outro lado do cômodo.

— Ele está praticamente eleito. Qual é a pressão?

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 100

Fulami e Kamau não têm a menor chance, foi você mesma quem disse.

— Só porque ele está com a eleição ganha, não quer dizer que não esteja sobpressão. Historicamente, há mais golpes de Estado do que eleições livres e democráticasem Mallaruza. O país sofre com a instabilidade política e as rebeliões originárias das

crises econômicas, de desenvolvimento e de segurança no passar dos anos. Só precisaolhar ao redor para testemunhar o clima político tenso. O único modo pelo qual o próximopresidente conseguirá governar este país será encontrando uma solução militar contraHuren e contra quem estiver por trás dos conflitos seguindo seus próprios interesses. —Kess observou as feições de Simon para ver se entendia o que se passava pela cabeçadele. — Tem algum problema com a política do presidente?

Simon não era apenas um livro fechado. O "senhor an-titerrorismo" era um livrotrancado a sete chaves. Os olhos brilhantes como esmeraldas aquecidas no fogo aobservavam de um modo que ela não apreciava nem um pouco.

— O que há com você? — ela explodiu, perturbada por ele mudar tanto numespaço de tão poucas horas. — Se importaria em me dizer por que está tão arisco? Vocêe o sr. Bongani são amigos há tanto tempo. Qual é o problema? — Parecia bem felizhavia duas horas quando tinha a língua na minha boca...

— Está se esquecendo de que faz uma década que Abi e eu não passamos umtempo juntos. Somos amigos — deu de ombros — ou pelo menos éramos. Do meu pontode vista, fora de Quinisela o controle governamental e os serviços básicos são mínimos,quase inexistentes. — Passou um dedo na linha formada na testa dela. — Não faça essacarranca para mim, querida. Abi faz o que é possível, mas há um grande problemaadicionado à já monumental crise existente.

Querida? Kess ficou surpresa com o tratamento carinhoso; Simon, porém, pareceunão ter se dado conta do que dissera.

— Veja da seguinte forma: sem a autoridade de governar e proteger a fronteira,Mallaruza é o local ideal para o fomento de grupos armados dos países vizinhos. Pior, seupresidente vem convidando milhões de pessoas para um país que já está abarrotado denecessitados.

— O que só demonstra a sua compaixão.

— E possível. — Simon relanceou para o presidente e o assessor. — A provínciano Nordeste é um porto-seguro para grupos armados vindos de Huren. Os últimos golpesnão vieram dessa região? Além disso, forças estrangeiras também vêm entrando peloSul, na fronteira com a República Democrática do Congo. Portanto, por mais que euadmire sua dedicação e lealdade a Abi, e não me entenda mal, acredito que seja válida,há algo... Chame do que quiser, instinto talvez... Há algo estranho no ar, mas não seideterminar o quê.

— Ele está temeroso! Você também não se sentiria assim com tamanharesponsabilidade?

— Sim, mas...

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 101

Kess decidiu não tentar entender a mente do homem mais incomum que jáencontrara. Se ele quisesse dizer o que o incomodava, muito bem, caso contrário...paciência.

— Você está com fome. — Ela estava. — Venha. — Passou a mão pelo braço

dele e deu um leve puxão. — Há um café no fim da rua que serve o melhor hambúrguercom bacon e tomate da região. Se formos agora, chegaremos antes da multidão da horado almoço. Depois de comermos, podemos encontrar os caminhões de suprimentos nocaminho.

Ele pareceu disposto a discutir. Como o estômago dela roncou, porém, acaboucedendo.

Almoçaram, e Simon conseguiu achar apetite suficiente para comer seu própriolanche e terminar com as batatas fritas dela. Depois, caminharam de volta para a sede dogoverno a fim de pegarem um carro. Não deram as mãos, mas partilharam um silêncio

agradável. Simon ficou quieto durante todo o trajeto. Porém, como ele era uma pessoanormalmente introspectiva, Kess não chegou a se importar.

— Vai nos teletransportar? — A idéia a deixava animada.

— Não.

— Por causa dos seus problemas? — A oscilação de energia, e o que elacausava, a assustava.

— Por isso, e pelo fato de Abi querer que levemos o tempo necessário para nosalcançar no fim da viagem.

— E como ele poderia... fazer... isso? — Ela girou sobre os calcanhares,começando a andar de costas ao perceber a mensagem nas entrelinhas da conversa queele tivera com o presidente havia pouco. — Ele também é um bruxo?

— Vai acabar tropeçando se continuar a andar desse jeito.

Kess voltou a se virar, mas olhava para ele enquanto andavam.

— Ele é? — ela insistiu. Simon não tinha brincado quando dissera que haviainúmeros bruxos no mundo.

— Ele é meio bruxo.

— E você, é meio ou inteiro? Qual a diferença? — Fascinada, queria fazer umacentena de perguntas, mas um olhar para a expressão fechada de Simon indicou que elenão se mostrava predisposto a respondê-las. — Deixe para lá. — Enroscou a mão nobraço dele. — Podemos conversar no caminho.

Simon fez um som de quem não estava se comprometendo a nada quando se

dirigiram para o estacionamento da sede do governo.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 102

— Está se sentindo bem? — Kess perguntou por fim ao se dirigirem para o norteda cidade no novo carro com a bandeira presidencial no capô.

— Sim. — Ele colocou os óculos escuros e ajustou o quebra-sol. — Estou ótimo.

A aparência dele era ótima, o que fazia seu coração dar saltos e, em vez deperguntar sobre a saúde dele, acabou deixando escapar sem querer:

— Quer me dizer o que se passa na sua cabeça? — Como, por exemplo, se vocêlamenta ter feito sexo com uma não-candidata a esposa? Não pode ser; homens não sãotão escrupulosos se a mulher está disposta... — O seu humor tem alguma coisa a verconosco? — Droga! Pronto, tinha dito de uma vez. As palavras pairaram no ar por algunsinstantes.

A mandíbula de Simon estava tensa, e ele manteve silêncio até parar o carro nofim da rua. Tinham acabado de passar o limite da cidade e os prédios comerciais

abandonados nos dois lados da rua pareciam tristes e deprimentes. Ele não iriaresponder. Kess deu uma olhada nos arredores. Havia carros abandonados e jornaisespalhados pela rua, e um gato sarnento dormia sobre os restos de um automóvelqueimado. Nada se movia.

Talvez aquele não fosse o melhor momento ou lugar para agir como uma garota.Certificou-se de que a porta estivesse trancada.

— Bairro agradável... — Sentia-se observada. Deviam ser os ratos na rua. Ouhomens com facões. Ou traficantes. Quem sabe não eram membros de gangues prontosa roubar os pneus do carro antes de assassinar os dois ocupantes.

O sol brilhava, mas ela sentiu um calafrio diante da decadência urbana e doabsoluto isolamento do lugar. Tinha passado por ali dezenas de vezes, mas não era umlocal pitoresco para ser apreciado. Começou a cantarolar para disfarçar o nervosismo.

Rindo, Simon esticou a mão e puxou-a pela nuca para beijá-la. Com sofreguidão.A mente de Kess parou de funcionar quando a língua invadiu sua boca e os dedossubiram para acariciá-la nos cabelos.

— Faz horas que estou esperando para fazer isso. Detesto ser contrariado.

Kess percebeu o sorriso de garoto levado de encontro aos seus lábios. Doce esalgado ao mesmo tempo. Completamente viciante. Estava em sérios apuros. Enlaçou-opelo pescoço e retribuiu o beijo, sem confusão, muito menos arrependimentos. Simon aqueria tanto quanto ela o desejava.

Ele a beijou com tanta intensidade que Kess deixou de se importar onde estavamou se ratos os carregariam, com o carro e tudo, até a toca deles. Por fim, separaram-seofegantes.

— Você é uma perca de dois quilos numa linha para meio quilo, mulher...

Kess se afastou, tentando voltar ao mundo real.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 103

— Você está sorrindo. Portanto, só posso crer que isso não seja tão ruim assim.— Seu corpo inteiro pulsava de desejo. Aquele homem era poderoso.

Simon ligou o carro e voltou a dirigir. Estavam sós na estrada.

— Não é ruim, é enigmático.

Um facho de sol iluminou as cicatrizes nos dedos delgados. Kess deslizou nobanco, aproximando-se para se inebriar na fragrância máscula e se envolver no calor queemanava do corpo dele. Esticando-se, tocou-o na mão direita.

— Como ganhou estas?

— Tive alguns problemas com ortografia quando era garoto. Uma das mulherespagas para cuidar de mim nos lares adotivos era boa em soletração e acreditava que a ré-gua de metal melhoraria minha curva de aprendizagem.

Kess sentiu-se enojada.

— Isso é abuso infantil. Quantos anos você tinha?

— Onze.

Ela respirou fundo, e Simon sorriu dizendo:

— Está tudo bem. Vá em frente e me pergunte como se soletra "xenogênese"...

— Não está nada bem. — Ela podia apostar que ele aprendera uma série detruques para sobreviver. Sentiu os olhos úmidos. — Todos os lares adotivos foram ruinsassim?

— Não. Alguns foram piores, outros toleráveis. Aprenda e cresça. Foi o que fiz.Notou alguma coisa de diferente em Abi ultimamente?

Kess não queria falar sobre o presidente, pois sentia o coração sangrar porSimon, pela sua infância perdida, mas podia ver pela linha firme ao redor dos lábios que oassunto estava encerrado. Por isso, pegou a mão dele e passou o braço pelos seus

ombros. Ele não se opôs; apenas segurou o volante com a outra mão. Aconchegou-se aocorpo dele; encaixavam-se à perfeição.

— Ele é o mesmo desde que vim para cá — ela respondeu. — Por que pergunta?

— Fale-me a respeito dos oponentes dele.

— Fumbe Fulami se formou em direito na Universidade da Cidade do Cabo.Nasceu aqui em Quinisela e tem quarenta e seis anos. Está casado com a mesma mulherhá vinte e quatro. Eles têm uma filha de vinte e dois, Efia, que está estudando naSorbonne, em Paris.

— E ele seria um mau presidente porque...

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 104

— Além das namoradas menores de idade? Quiçá por conta de sua associaçãocom os russos? Ele é fraco, subor-nável e passa tempo demais nos cassinos sul-africanos.

— E quanto ao outro?

— Jungo Kamau é solteiro e tem quarenta e dois anos. Gosta de velejar. É o iatedele que está atracado na marina, mas ele é bem discreto. Tem muito dinheiro. Parte delevem da fortuna da família, que é exportadora de madeira, mas a maioria é fruto de bonsinvestimentos, de negócios de importação e exportação e de seu trabalho no Ministériodas Finanças. Tenho de admitir que ele fez um bom trabalho; ainda que o país esteja novermelho, melhorou consideravelmente, o que não deve ter sido fácil.

— Mulheres?

— Ele tem um companheiro. Homem. Acredito que estejam juntos há uns vinte e

cinco anos.

— Isso o transforma num homem casado e não solteiro. O fato de ele serhomossexual tem impacto nos votos da população?

— Acredito que não. Se ele vencer a eleição, o país terá um excelente homem denegócios com o bônus de um primeiro-cavalheiro que é urbanista. Por quê?

— Estou tentando descobrir quem seria o melhor presidente e por quê.

— O presidente atual será o melhor presidente — Kess afirmou com segurança.De leve, acariciou os pelos do braço dele que estava ao redor de seus ombros. Gostariade afundar o rosto neles, mas o homem estava dirigindo. Por mais que já estivessem naestrada no meio do mato, tinham um destino a alcançar. Imaginou qual seria a reaçãodele se começasse a desabotoar-lhe os jeans enquanto ele guiava. Excitada e divertida,deixou a idéia pairar. — Abi é jovem, solteiro, bem educado e, mais importante, já provouque se importa com o povo. — As pernas de Simon estavam esticadas; o jeans gasto sesobressaía no volume no centro da virilha enquanto o pé pressionava o acelerador.

— Já ouviu dizer que quando uma coisa é boa demais para ser verdade,normalmente é mesmo? — ele perguntou.

Kess pousou uma das mão na coxa estendida.

— Sim, mas isso nem sempre é verdade. Abioyne Bongani é um grande homem ecolocará Mallaruza em evidência no âmbito mundial.

— Acreditaria nisso se não fosse relações públicas dele? — Simon perguntoucom ceticismo.

— Sim. — O telefone celular tocou, e Kess pegou a alça da bolsa com o pé paraalcançá-lo sem se soltar de Simon. Vendo o número no identificador de chamadas,

atendeu: — Olá, Nelson.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 105

Nelson McKay era seu advogado em Atlanta. Era apenas a segunda vez que eletelefonava desde que ela chegara à África. Cruzou os dedos na esperança de que eletivesse boas novas.

— Lamento, Kess. A pista que tínhamos sobre Angela Sidel deu num beco sem

saída. Pensou em alguma outra pessoa que possa servir como testemunha?

Kess se soltou do braço de Simon e deslizou pelo banco. A paisagem corria pela janela e, apesar de não haver nenhuma nuvem no céu, tudo pareceu mais sombrio derepente.

— Já discutimos esse assunto, Nelson. Não há mais ninguém. Foi Angela queeu... Não, não há mais ninguém. Sinto muito.

— Sou eu quem sente. Ó investigador particular está saindo caro. Quer que eu omande parar ou continuar?

Ele só teria mais algumas semanas para investigar. Se até lá Angie nãoaparecesse...

— Pode continuar a procurar, por favor.

— Está bem. Vejo você no tribunal.

— Sim, Nelson, nos vemos no tribunal. Obrigada.

— Tome cuidado.Nelson nunca tinha saído da Geórgia, quanto mais do país. Acreditava que ela

tinha perdido o juízo por aceitar o emprego. Na opinião dele, deveria ter aceitado ademissão e, caso a acusação de tentativa de agressão fosse retirada, poderia entrar comuma ação por perda de salário. Só de pensar naquilo, sua cabeça começava a doer.

— Tomarei. — Kess desligou o telefone e o jogou de volta na bolsa aberta.

— Por que precisa comparecer a um tribunal? — Simon perguntou.

— Agressão em primeiro grau. — Tinha um suspiro preso no peito, mas não osoltou.

Ele a fitou, parecendo divertir-se.

— Está brincando, não?

— Não. Por causa da identidade da vítima, o promotor elevou a acusação decontravenção leve para agressão. A pena é de três a vinte anos de prisão, se eu forcondenada. O maldito tinha mais de sessenta e cinco anos, o que eleva a pena.

— Não posso imaginá-la envolvida em algo semelhante. Alguém armou isso paracima de você?

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 106

Kess sentiu os olhos rasos de lágrimas.

— Com exceção da minha família, você é a única pessoa que me perguntou isso.Mas, infelizmente, não. Eu realmente o ataquei. Antes de vir para cá, eu trabalhava háquatro anos para a Wexler, Cross & Dawson em Atlanta. Adorava meu trabalho e meus

clientes, porém meu chefe... Todd Wexler é um canalha. Ainda bem que eu não precisavainteragir muito com ele, além de vê-lo pelo vidro fosco do escritório que ficava ao lado domeu.

Simon a trouxe de volta para perto e enlaçou-a.

— Ele é um covarde. — Kess descansou a cabeça no ombro de Simon. —Escolhia as mulheres mais pobres do escritório, que precisavam do emprego e, por isso,não denunciavam os abusos que ele cometia. Alguém como uma mãe solteira, ou umarecém-divorciada. Abusava delas, forçando-as a terem relações sexuais, ameaçando-asde demissão. — Deus do céu! — Simon apertou o braço dela, e perguntou, num tom

feroz: — Ele a estuprou?

—A mim?—Kess deu uma olhada para cima. — Credo, não! Eu dei um soco nelequando tentou me apalpar no meu primeiro dia no escritório, e depois disso ele nuncamais se atreveu. Mas a secretária dele... Angela Sidel começou a trabalhar lá no anopassado. Estava num casamento abusivo e tinha um filho de seis anos com síndro-me deAsperger. Precisava do emprego. Com o passar do tempo, começou a se abrir conoscosobre o inferno que era a vida dela. As mulheres do escritório se uniram e convenceram-na a denunciar o marido e a obter ajuda. Por fim, conseguiu o divórcio.

— Por que tenho a sensação de que você encabeçava o movimento em prol desalvá-la?

— Éramos em nove, e todas nós nos esforçamos para ajudá-la. Ela se divorciou eo ex-marido acabou na cadeia por desobedecer a uma decisão judicial que o proibia de seaproximar dela. Essa foi a parte boa.

Kess enlaçou-o na cintura, envolvendo-se mais no abraço.

— Wallace estuprou Angela? — Simon perguntou, a respiração tocando seuscabelos.

— Por meses a fio. Ela tinha muito medo de contar. Uma noite, porém, fiquei atémais tarde para concluir um relatório. Ele a manteve lá também, mas não tinha percebidoque eu estava na sala ao lado e que podia ver tudo pelo vidro. Foi então que me dei contade que ela vinha insinuando os abusos há meses. Nenhuma de nós tinha entendido. Corripara lá, furiosa. Encontrei-a deitada na mesa. As calças dele estavam abaixadas até ostornozelos e, certamente, ele tinha tomado um Viagra, pois nem minha interrupçãoabrupta o desarmou. Angela estava quieta, com o rosto virado, e lágrimas corriam por seurosto. Os olhos dela pareciam vazios. Eu só conseguia imaginar o que a pobrezinha jádevia ter suportado e perdi o juízo. Agarrei o aparelho de telefone da mesa e acertei acabeça dele em cheio.

— Excelente. Espero que tenha matado o bastardo.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 107

— Infelizmente, não. — Kess notou que mantinha os dentes cerrados, pois amandíbula começava a doer. Como se tivesse percebido isso também, Simon passou osnós dos dedos pelo rosto dela, numa massagem suave. — Eu não parava de gritar,dizendo-lhe que se levantasse e fugisse, mas ela continuava lá, imóvel. Wallace titubeou,com um corte enorme na testa onde eu o tinha atingido, acabou se enroscando nas

calças e caiu, batendo na cadeira que estilhaçou a parede de vidro em um milhão decacos. Depois disso, tentou me atacar com um canivete, e me cortou bem aqui. —Mostrou a marca branca no antebraço. — Rodopiei o telefone de novo, desarmando-o.Naquela hora, Angela já tinha conseguido se levantar e estava histérica. Implorava paraque eu não o machucasse. Fiquei sem entender nada, o braço sangrando, enquanto elasaiu correndo, como se o próprio demônio a estivesse perseguindo. Fiquei mais tranquila,então, acreditando que ela estaria em segurança.

— E quanto a você?

— Eu estava enfurecida, cheia de adrenalina. Ele avançou sobre mim com um

abajur numa das mãos e as calças na outra. Dessa vez, eu o atingi no braço.

— Meu Deus, Kess...

— Eu sei. Acabei fraturando a mão. A minha! Eu estava tão fora de mim que nemsabia o que estava fazendo.

— E sem o testemunho de Sidel ninguém acreditou que a estava salvando de umestupro...

— Isso mesmo. Ela desapareceu. Eu me demiti, ou fui demitida, dependendo dequem conta a história. Na manhã seguinte, foram me buscar para me indiciar. — Exalou osuspiro preso. — Juro por Deus, Simon, nunca tinha perdido a cabeça dessa forma. Foitudo uma aberração. E agora terei de pagar por isso.

— A menos que encontremos Angela Sidel.

—As eleições acontecem antes do julgamento. Estou pagando duzentos dólarespor dia de investigação, mas até agora nenhum sinal. E, mesmo que eu a encontre, seráque ela testemunharia a meu favor? Ela estava com tanto medo. E se ela se enfiou emalgum local impossível de encontrar? Diabos, se eu estivesse no lugar dela, é provável

que fizesse a mesma coisa... Wallace vai crucificá-la no tribunal.

— Eu a encontrarei. — A voz de Simon era grave ao pegar o pequeno aparelhocelular e digitar um número. — E a T-FLAC vai protegê-la. Dê-me qualquer informação deque consiga se lembrar para que eu repasse a uma equipe imediatamente... Steve?Preciso de uma equipe de quatro pessoas em Atlanta...

Kess tinha esperanças de que Simon não acreditasse, que estava desabotoandoas calças dele em sinal de gratidão.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 108

CAPÍTULO 4CAPÍTULO 4CAPÍTULO 4CAPÍTULO 4

Com somente uma das mãos, Kess abriu seu jeans, libertando-o doconfinamento. Ela soltou um gemido, que provocou o eriçamento de seus pelos, bemcomo a atenção incondicional de seu membro enrijecido.

— Volto a falar com você daqui a pouco — Simon disse ao telefone, a voz roucaao desligar. Mal conteve um gemido ao sentir as mãos frias segurando-o com firmeza.Instintivamente projetou o corpo na direção dela. — Deus do céu! — Livrou-se do

telefone, tirando o pé do acelerador ao mesmo tempo. Não queria atropelar um animal ouuma árvore.

Kess abaixou a cabeça, o cabelo luminoso espalhando-se por seu colo. O hálitoquente acariciou-o na virilha, deixando todo o seu corpo tenso devido à antecipação.Pousando a mão em seu joelho com determinação, ela empurrou o pé de volta aoacelerador.

— Não desacelere...

— C-como?— Mais rápido — ela ordenou.

A pessoa com o joystick nas mãos controlava o jogo... Usando magia, colocou ocarro no piloto automático a cento e cinquenta quilômetros por hora. O veículo disparou,levantando poeira vermelha. Não que ele tivesse notado, pois prestava atenção somentea Kess, em como ela umedecia os lábios antes de começar a exploração íntima. Apertouo volante com mais força, por mais desnecessário que fosse.

Respirou fundo ao sentir a ponta da língua traçar desenhos imaginários ao

mesmo tempo em que as unhas bem cortadas passeavam pelo interior de sua coxa sobreo tecido grosso demais do brim. Ao ser afagado com as mãos enquanto era envolvidopela boca, Simon quase arrancou o volante do lugar.

Seus treinamentos como agente da T-FLAC permitiam que desempenhasse maisde uma tarefa ao mesmo tempo. Ele percebia o brilho do sol que entrava pela janelarealçando o fogo dos cabelos de Kess, a velocidade do carro, o verde vivo e o marrom-escuro da paisagem que passava veloz, os animais pastando nas margens, e aindaconseguia manter o carro no curso certo.

Os outros noventa e oito por cento de sua atenção estavam concentrados entre

as pernas.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 109

Kess continuava a exploração e a intensificava com a boca, a língua e os dentes.Cada músculo e nervo clamava por liberdade, a tal ponto que ele não se importava maisse acertassem uma árvore. Arqueou as costas e...

Encontrou-se sentado no chão duro da sala inacabada em Montana. Sozinho.

Jogou a cabeça para trás e gritou a plenos pulmões:

— Inferno!

De repente, Kess caiu de rosto no banco de couro do carro que disparava a umavelocidade impressionante sem ninguém para guiá-lo. Por um instante, ficou ali, parada,tentando entender o que tinha acabado de acontecer. O doce enlevo sexual abandonouseu corpo como o ar saindo de um balão que esvaziava lentamente. Os poderes defei-tuosos de Simon não tinham a mínima noção de tempo.

Endireitando-se, o cérebro voltou a funcionar, e ela se pôs a rir. Pobre Simon.Esforçando-se para coordenar pés e braços, ajeitou-se atrás do volante.

— Isso acaba com qualquer desejo... — disse com um meio sorriso, perturbadapelo sumiço de Simon. Podia apostar como ele não estava rindo da situação.

Mesmo ao pressionar o freio, não conseguiu diminuir a velocidade, mas pelomenos conseguia comandar o volante. A velocidade e a adrenalina ainda correndo soltanas veias provocavam um tipo diferente de excitação, conforme o automóvel praticamentevoava pela estrada, levantando poeira vermelha no meio do verde exótico.

— Estaria me divertindo muito mais se você voltasse logo — disse em voz altapara o ausente Simon. Esperava que ele estivesse bem. Ficou se perguntando se o fatode ele desaparecer tinha sido involuntário ou se ele o fizera de propósito.

Tinha convicção de que nenhum homem planejaria sumir num momento tãocrítico. Nada disso. Os poderes o haviam deixado na mão mais uma vez. Ficou séria aover um bando de zebras correndo mais adiante na estrada. Lindas. E logo estariammortas se não saíssem da frente. Tentou frear, mas o carro prosseguiu, veloz.

— Rápido. Mexam-se... — Começou a buzinar, na esperança de que elas

saíssem a tempo.

—Você tem certo fascínio por velocidade, não? — Simon comentou,materializando-se no banco do passageiro.

Kess nunca dirigira com tamanha velocidade; mas, sim, era verdade, estavaadorando. Relanceando, viu que havia nos cabelos dele um pouco de neve, que derretiarapidamente. Mordeu os lábios e desviou os olhos.

— Está tudo bem? — perguntou, tendo dificuldades para permanecer séria.Sentia-se mal por ele, mas a expressão no rosto de Simon não tinha preço. Frustração.

Descontentamento. E ele ainda estava excitado.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 110

— Coitus interruptus é um problema — rebateu ele de maneira direta ao enxugara neve dos cabelos —, mas não conseguirei protegê-la se meus poderes não estiveremfuncionando bem. E Deus sabe que eles não estão funcionando como deveriam... Vire ocarro, vamos voltar para Quinisela. Não a quero perto desse vírus mortal sem um escudoprotetor ao seu redor. Não posso confiar em meus poderes para mantê-la a salvo.

Kess identificava irritação no tom de voz dele pela falha de energia, mas sob issohavia... medo? Não conseguia imaginá-lo com medo. Sabia que os poderes eram parte dequem ele era, e não poder contar com eles devia afetá-lo sobremaneira.

— Você ainda tem todas as suas habilidades de espião, certo? Isso basta paramim. Além do mais, apesar da pequena rusga entre você e o presidente, nenhum dosmédicos foi infectado. Não há por que acreditarmos que nós seremos.

— Por que procurar problemas quando podemos evitá-los? Espere um instante.Está me dizendo que nos últimos seis meses, durante os quais milhões de pessoas

morreram, nenhuma das vítimas era alguém enviado para ajudá-las?

— Isso mesmo.

— Isso não faz sentido... — Ele se interrompeu. — Quer que eu diminua avelocidade ou está se divertindo fazendo de conta que participa de uma corrida?

— Contanto que eu não atropele nada — ela respondeu com leveza, contentepelas zebras terem se distanciado. — Estou adorando isso... Continuando, ninguém foiinfectado. Esse é um dos fatos que vem intrigando os virologistas e cientistas contratadospelo presidente.

— Isso é um fato?

O prazer que sentia com a velocidade se desfez ante a reviravolta séria naconversa.

— Tire a magia e me deixe no controle do carro, por favor. — A velocidadediminuiu no mesmo instante.

— Para ser franca, isso também vem me incomodando. Primeiro, por que os

virologistas têm demorado tanto para identificar o vírus? Segundo, por que os médicosnão são infectados?

— Excelentes perguntas. Quando chegarmos ao vilarejo, vou pegar amostras eenviá-las aos laboratórios da T-FLAC. Veremos o que eles têm a dizer. — Simon pegou otelefone que tinha jogado no console minutos antes. Poucos segundos depois já davaordens, sem nem mesmo se identificar: — Transporte uma dúzia de tubos para materialperigoso para estas coordenadas... Faça com que haja um laboratório aguardando asamostras em... Vejamos... Na Cidade do Cabo. — Fez uma pausa. — Também querouma equipe de três pessoas me aguardando no hotel em Quinisela amanhãs às oitohoras. — Outra pausa enquanto ele ouvia. — Sim, isso é uma operação da Inteligência.

Tem alguma novidade quanto a Noek Joubert? Como isso é possível? Continueinvestigando.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 111

Simon se esticou no banco de passageiro, e Kess notou que ele ainda mantinha aereção, apesar da interrupção inconveniente.

— E quanto a Angela Sidel? Continue investigando, então. — Desligou o aparelhoe se virou, buscando uma posição mais confortável. — Há uma bifurcação logo em frente.

Vendo-o excitado, Kess sentiu os mamilos se enrijecerem sob a malha dacamiseta.

— Nada quanto a Angela?

— Ainda não, mas logo vão encontrá-la. — Com o polegar, ele discou outronúmero. — Mason? Bom ouvir você também... Escute, ando tendo uns problemas commeus poderes. — Ele parecia bastante casual ao comentar o assunto. — Queda deenergia, falha repentina nos poderes... Bem, sim, estou preocupado. Cerca de trêssemanas; vinte e três dias, para ser mais exato. Não, nada de dor, só mau

funcionamento. Onde você está?

Posso dar uma passada amanhã à noite para você... Hum... Praia, biquíni e umagarota? Tudo bem, posso esperar algumas semanas. Estou no meio de uma operação naÁfrica, de qualquer modo. Mallaruza. Você se lembra de Abi Bongani? — perguntou, comum sorriso. — Não, ele tem usado roupas mais sóbrias... Está concorrendo à reeleiçãocomo presidente, por isso tem de manter uma aparência conservadora... Já ouviu falar deum bruxo poderoso de nome Noek Joubert na África? Quando voltar à civilização poderiainvestigá-lo, por favor? A inteligência da T-FLAC não encontrou nada. Sei que pareceimpossível, mas é tudo o que sei no momento. Nada. Dia dezesseis? Onde? El Jadida?Perfeito. Encontro você lá. — Voltou a fechar o aparelho e jogou-o de volta no console. —Bem, onde estávamos mesmo? Kess deu uma risada.

— Pode esquecer, amigo. Esse navio já zarpou. Passou os dedos na base danuca de Kess.

— Acha mesmo? — Suavemente, afastou os cabelos com os dedos, conseguindoacesso à orelha dela.

— Ei! — Uma corrente elétrica percorreu-a quando sentiu uma mordiscada. —Não pode pagar na mesma moeda!

— Não estou pagando. — Contornando a orelha, chegou ao pescoço. — Estourecebendo. Vamos continuar, mas um pouco adiante de onde paramos...

— O que aconteceu com as minhas roupas? — perguntou, atônita, ao se ver nuano assento de couro, sentindo a luz do sol nos seios. — Engraçado como seus poderesparecem estar funcionando bem agora... Isso não é justo. Eu não consigo fazer suasroupas desap... Hum... — Um pouco mais de magia, e as roupas dele também sumiram.

Com um olhar malicioso, Simon perguntou:

— Cama ou banco de trás?

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Kess riu de encontro aos lábios másculos.

— Banco de trás, com certeza... Opa! Aterrissaram no banco, que parecia maiordo que momentos antes; Simon estava sobre ela.

— Ei, cuidado com o cotovelo!

— Não é meu cotovelo. São os frascos que acabei de pedir. Pode deixar que melivro deles.

Num instante, eles se foram.

— Magia é algo tão útil... Pode ser ensinada?

— Não. — Ele deslizou, beijando-a dos seios ao ventre, e depois se ajoelhoudiante dela, com uma das mãos de cada lado das pernas.

Kess sabia que devia corar, pois estava numa posição muito íntima, mas os olhosverdes a mantinham cativa conforme os dedos desciam por seu corpo, brincalhões esedutores, erguendo suas coxas para que ele se acomodasse entre elas.

Correu os dedos pelos cabelos espessos, afastando os fios sedosos dos olhosdele.

— Não vai desaparecer de novo, vai? — Perguntou, com a voz arrastada. —Porque se eu não tiver uma de suas partes nas minhas partes em breve, vou morrer de

combustão interna.— Vou cuidar desse problema para você — ele garantiu, mantendo contato visual.

O fato de o carro estar sem motorista tornou-se irrelevante quando ele a beijou nointerior do joelho esquerdo. Nada importava além de Simon e das coisas deliciosas queele estava prestes a fazer.

— Ótimo começo — ela elogiou, o coração mais acelerado que o carro. Suarespiração estava irregular, e ela teve de umedecer os lábios para sussurrar: — Continue.

Largou-se no assento, com uma das mãos nos cabelos escuros e a outra seapoiando no veículo descontrolado. A estrada de terra tornava o que eles faziam aindamais excitante. Um estremecimento delicioso a percorreu quando ele assoprou a parteúmida de seu corpo. Agarrou-o pelos cabelos.

— Está com frio? — ele perguntou, apoiando o rosto no interior de sua coxa. Oqueixo parecia áspero contra a pele suave e o hálito úmido estava tão perto... Perto aponto de fazer com que a respiração dela também acelerasse.

— Quente...

Ele beijou a pele macia do interior da coxa, e depois a lambeu num desenhocomplexo com a ponta da língua. Subindo... Cada vez mais... Os dedos dela se crisparam

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quando Simon tocou-a no ponto mais íntimo. Kess se contorceu, buscando um contatomaior e, quando a língua dele a invadiu, gemeu de prazer.

Revirava a cabeça no assento de couro enquanto era deliciosamente torturada.Simon se deteve somente por um instante, o bastante para que ela acreditasse que se

recuperaria, mas, em seguida, retomou o assalto, usando a língua e os dentes para levá-la à loucura.

Ele deslizou os dedos por suas nádegas, apenas para aproximá-la e aprofundar acarícia.

— Madura como pêssego suculento... — ele sussurrou, de encontro ao centro doprazer. A respiração resvalava seu ponto sensível, e ela estremeceu.

Era demais. Muito pouco. Sem se desviar, a língua encontrou o clitóris. Simonafagou-a com suavidade, depois de forma mais intensa, até ouvi-la gemer com a

crescente excitação. Ela fechou os olhos, erguendo os quadris para que ele tivessemelhor acesso.

— Não pare! Não pare jamais!

O orgasmo a atingiu como uma onda da maré alta, e Kess arqueou o corpo.Simon a manteve firme, as mãos em suas nádegas, enquanto ela atingia o clímax, ocorpo inteiro convulsionando. Ela ainda estava com a cabeça inclinada para trás,tremendo, quando ele penetrou-a com dois dedos. Seus músculos o envolveram.

— Não acho que consigo... — O segundo orgasmo seguiu o primeiro, e suaintensidade deixou-a tonta. Quando conseguiu se recuperar um pouco, Simon a prendiade encontro ao assento.

— Está pronta para mais? — ele murmurou.

— Sim...

A luz dourada do sol africano iluminava os cabelos escuros e a pele bronzeada.Simon parecia ainda mais másculo contra a palidez de sua pele. Ela nunca se sentiramais feminina ou poderosa em toda a sua vida.

— Sim, eu quero mais. Quero tudo o que puder me dar. — E depois ainda queromuito mais.

A boca firme subia por seu corpo, murmurando o que faria com ela. O que queriaque ela fizesse.

Kess se contorcia, mas Simon não tinha pressa.

— Punição cruel e incomum... — ela sussurrou com voz rouca. Os seios doíam,inchados.

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— Ainda não começamos com o incomum... — ele murmurou travesso aomordicar um dos lados do quadril, e depois lambê-lo.

O sangue parecia percorrer suas veias com força, e seu coração estavaacelerado. Ainda não tinha se recuperado dos orgasmos, e Simon a mantinha na berlinda,

tensa, na expectativa, ansiando por mais e mais conforme ele mordia e lambia seu corpo,trilhando o caminho até o seio esquerdo.

— Por favor...

Simon tocou o seio direito. Esfregando o mamilo com os dedos calejados, fez comque ela arfasse e se contorcesse.

— Sugue meus seios, maldição!

O riso vibrou contra a pele dela.

— Mulher mandona... Não sabe que a paciência é uma virtude?

— Não sou tão virtuo... Oh! — A caverna úmida e quente da boca de Simon sefechou sobre o seio esquerdo, sugando o mamilo enrijecido.

Arqueou-se e, agarrando-se aos ombros fortes, implorou:

— Por favor... Por favor... Por favor...

Simon acariciava seu corpo com os dentes e a língua, até fazê-la choramingar,esfregando-se nele. As preliminares cuidadosas, por mais primorosas e enlouquecedoras,não eram o bastante.

— Quero você dentro de mim! — ela exclamou, enquanto ele levava todo o tempodo mundo explorando seu corpo. Já não conseguia respirar, era impossível ouvir qualqueroutra coisa acima das batidas de seu coração reverberan-do nos ouvidos. Aquilo eratortura. Êxtase. A loucura que não conseguia controlar. — Preciso... de... vocêl

— Estou aqui — ele murmurou perto de sua boca. E então ele a beijou. Um beijovoraz e carnal que tinha o sabor dela e que roubou o resto de seu fôlego.

Envolvendo-o com os braços e as pernas, Kess o trouxe para dentro de si. Simonestava rijo demais, e grande o bastante para rasgá-la ao meio. Perto da dor, mas além doêxtase, ela ergueu o quadril quando as mãos fortes a levantaram.

— Fique comigo, doçura — ele pediu, penetrando-a com vigor.

Encontraram o ritmo imediatamente, e dessa vez, nada foi suave nem gentil.Queriam demais um ao outro para se deterem.

O som das peles úmidas se esfregando ressoava no interior do carro. As

respirações, entrecortadas e selvagens, de certo modo sincronizadas, revelavam o fio da

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violência controlada do ato de amor tresloucado. Mais forte. Mais rápido. Mais intenso.Não poderia continuar...

Kess segurou Simon pelo rosto e o beijou com sofregui-dão. Era como se faíscase fogo os envolvessem ao atingirem o ápice. Depois, se deixaram ficar, imóveis e satisfei-

tos, no banco do carro sem motorista.

O último vilarejo a ser atingido pelo vírus letal ficava a duzentos e quarentaquilômetros ao norte, seguindo pelo rio. A pequena comunidade pobre, que lutava pelasubsistência, consistia de cabanas de barro cobertas com sapé corroído pelas traças.Como muitas outras vilas, ficava a uns três quilômetros do rio devido ao medo dos al-deões de que os deuses do rio levassem seus filhos embora. Mesmo assim, o som dacorrenteza chegava junto com a brisa quente, e deixava Simon ansiando por nadar.

Fazer amor com Kess de novo tinha sido uma experiência incrível. O que eraestranho, já que comumente evitava mulheres agressivas. Olhando-a de esguelha,

corrigiu-se mentalmente. Ela não fora agressiva; tinha reagido à sua altura, como umaigual, sem se envergonhar de dizer o que queria.

Nadar na água fresca e passar algumas horas com sua parceira numa camagrande era tudo de que precisava. Outra aberração, já que, quando satisfeito, costumavalevar algum tempo para pensar em sexo de novo.

Com os olhos fechados, Kess estava apoiada na porta. Quando parou o carro,Simon roubou alguns minutos para observá-la. Ele devia estar pensando nos aldeões eno vírus, mas sua atenção estava toda centrada na curva suave dos lábios inchados dabela ruiva.

— Chegamos. — Passou os nós dos dedos na bochecha corada. — Acorde, BelaAdormecida.

Ela piscou algumas vezes e respondeu:

— Não estou dormindo. — Bocejou e espreguiçou-se, levantando os braços ecurvando as costas de modo sensual.

— Deus, como você é sensual... — ele comentou ao ver um pedacinho de pele na

cintura, exposta pela camiseta erguida, e o delicado umbigo. Tinha lamentado ter de de-volver as roupas, pois gostava de vê-la nua. Demais.

— Nem pense nisso — Kess disse com firmeza ao colocar a mão no bolso.

Sabendo o que ela procurava, e certo de que não encontraria, Simon estendeuum elástico azul que tinha acabado de materializar.

— Obrigada. — Ela sorriu e fez um rabo de cavalo desordenado, deixando algunsfios para fora, na nuca e nas têmporas. Os grandes olhos acinzentados pareciam so-nolentos. Qualquer um que visse as faces coradas e os cabelos desgrenhados saberia o

que ela tinha feito. — Os suprimentos chegaram. — Apontou para os seis caminhõesestacionados perto das barracas ao abrir a porta. — Oh, Deus!

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As barracas médicas já estavam montadas, mas era evidente que umdestacamento de coveiros seria mais necessário. O lugar estava tomado por corposensacados numa fila, aguardando para serem removidos. Simon calculou que havia maisde cem vítimas da doença misteriosa. Abi ordenara que os corpos fossem cremadosnuma pira improvisada ao sul da vila. Os caminhões tinham dupla função: os motoristas,

depois de descarregar os suprimentos médicos e os alimentos, carregavam os corpos.

— Isso é grotesco... — Kess murmurou, colocando o pé no chão.

Simon, que tinha dado a volta no carro, aproximou-se, passando a mão noscabelos desgrenhados dela. Afastando-se um pouco, disse:

— Se eu suspeitar que o escudo protetor está se partindo, vou dizer para vocêsair correndo e você vai me obedecer, combinado?

Kess colocou os óculos escuros e, batendo continência, respondeu zombeteira:

— Sim, senhor!

— Não gosto de ver você aqui. — Ele deu uma olhada ao redor. — É perigoso edesnecessário.

— Já disse isso antes — ela respondeu, impertinente, mas Simon sabia que elaestava ciente dos perigos. O problema é que se considerava imune.

Só esperava que ela tivesse razão.

— Vamos procurar a dra. Phillips. Ela está no comando. Não precisaram andarmuito. Uma morena de pele

clara, vestindo jeans, botas e uma camisa de algodão azul-clara veio ao encontrodeles. Alta e magra, caminhava com evidente autoconfiança.

— Srta. Goodall? Sr. Blackthorne? — Estendeu a mão para cumprimentá-los. Otoque era fresco e suave. — Sou Rachel Phillips. O presidente me disse que viriam. — Osóculos de aros pretos e a prancheta que carregava conferiam-lhe um ar sério.

Diabos, a situação era crítica, qualquer um em sã consciência estariapreocupado.

Simon olhou ao redor. O cheiro da morte os rodeava. Não havia sinal de gente,mas conseguia ouvir sussurros.

— Não queremos afastá-la de seus pacientes... Isto é, há sobreviventes?

— Quarenta, somente — ela respondeu, apontando para uma barraca atrás dela.— As mortes não serão fáceis e, se a doença seguir o padrão, perderemos três quartosdeles até amanhã, à tarde.

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Ela andava rápido, e Simon a acompanhava com facilidade, mas Kess tinha quepraticamente correr para não ficar para trás.

— Para colocar esta nova crise médica num contexto, considere o seguinte — aespecialista prosseguiu —, os africanos do centro do continente têm expectativa de vida

de quarenta e um anos. Essa expectativa diminuiu na última década. O índice de mortenos partos em Mallaruza é alarmante, assim como a mortalidade infantil. Se contarmos asvítimas da AIDS e este novo vírus, milhões morrem todos os dias. Todos os dias —repetiu, com ênfase. — Com esses indicadores de pobreza e mais de cinco por cento dapopulação vivendo desalojada, espera-se que as organizações mundiais reajam, e,contudo, o país nunca recebeu muita consideração. Nos últimos anos, tornou-se modafalar das "emergências esquecidas". O ato de esquecer, no entanto, implica conhecimentoanterior. A crise presente não é uma emergência esquecida; ela é desconhecida e nãoreconhecida.

Kess finalmente os alcançou, tendo de dar dois passos para cada um dos deles.

A médica parecia impaciente e irritada. Estava visivelmente cansada de tentar segurarcom o dedo o buraco em uma represa que ameaçava romper a qualquer instante.

— Enviei artigos e fotos das nossas dificuldades para jornais internacionais eagências de notícias de todo o mundo — Kess disse. — A ajuda virá.

— Precisávamos dela há cinco meses — a dra. Phillips rebateu. — Venhamcomigo, e encontraremos algo relativamente fresco para beber. EntãoTelf lhes mostrarei oque temos e responderei às suas perguntas. Não tenho muito tempo disponível, portantoagradeceria se fossem rápidos em suas dúvidas.

Ela tinha bela aparência e um sorriso, por mais distraído que parecesse, atraente.Simon devolveu o sorriso, e depois notou que Kess os observava como quem assistisse auma partida de tênis. Ergueu a sobrancelha, com um ar questionador, mas ela o ignorou.

— Trabalho com o Centro de Controle de Doenças desde que terminei afaculdade, mas nunca vi nada igual— a médica informou, liderando o caminho até abarraca designada para o descanso dos colegas. Ela estava vazia, e Simon presumiu quetodos estavam ocupados atendendo os doentes. — Qualquer notícia que puder gerar serábem-vinda — disse, olhando para Kess. — Estamos nos sentindo esquecidos eabandonados à própria sorte aqui. Nem todos se dispõem a vir para cá a fim de nos

ajudar.

— Esfregou as mãos, parecendo aflita. — O povo vive em cabanas improvisadasno meio da floresta, sofrendo abusos e ataques de bandidos, rebeldes e das tropas dogoverno. As condições são extremas: as pessoas precisam de abrigo, cobertas, artigos dehigiene, água potável. A ausência ou escassez de recursos médicos e água agravadoenças como malária, febre tifóide e meningite. E agora essa nova doença está matandoainda mais pessoas.

— Qual é a sua opinião profissional quanto à origem dela? — Simon perguntou,analisando os gráficos e fotos afixados na tenda. Era algo horrível e repulsivo.

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— Estamos quase certos de que não é transmitida pelo ar. O melhor quepodemos concluir até este ponto é que seja algo na água. A proximidade do rio é o únicodenominador comum que podemos identificar. Entretanto, todos os testes voltam comresultado negativo.

Simon meneou a cabeça quando a dra. Phillips apontou para a fileira degeladeiras portáteis numa mesa dobrável. Kess se aproximou e pegou uma garrafa deágua que pingava. Ao beber, as gotas acabaram molhando o tecido da camiseta, osmamilos reagindo de pronto ao contato com o líquido fresco. Simon se virou para amédica.

— Pode nos apresentar ao virologista da equipe? Gostaria de conversar com ele.

O rosto dela revelou contrariedade.

— O presidente não enviou um substituto.

— Deve entender o motivo — Kess sugeriu. — Depois do ataque no últimoacampamento médico, o presidente não tem alternativa a não ser colocar o mínimo deprofissionais na linha de frente. — Ela já tinha bebido metade da garrafa. — O governoestá tentando providenciar segurança para o povo fora de Quinisela...

A médica interrompeu com uma risada.

— O que nada significa. A segurança é uma piada, não finja o contrário. Assimcomo o acesso a água potável, eletricidade e qualquer coisa além de serviços médicosprimários. A educação é inexistente... — Ela fez um gesto de impaciência que dizia maisdo que muitas palavras. — Precisamos de mais ajuda. Os Médicos Sem-Fronteira e aCruz Vermelha não dão conta de tudo. E, para dizer a verdade, não estamos conseguindotodos os suprimentos que nos prometeram. Portanto, a situação é desesperadora.

— O Programa de Alimentos no Mundo está trazendo comida. Os navios estãodescarregando suprimentos enquanto conversamos — Kess assegurou. — E o delegadoda divisão das Nações Unidas quanto à questão dos refugiados treinou observadoreslocais humanitários que estão se reportando à organização. Eles viajam com escoltaarmada do governo...

— Que está suscetível a emboscadas de rebeldes e, assim, esses delegadosficam impossibilitados de chegar aos mais necessitados. — A médica apontou o óbvio. —Isso é o esperado, pois o flagelo nunca acontece em áreas industrializadas. Estamostodos acostumados a regiões remotas e conhecemos os riscos inerentes ao nossotrabalho. O presidente vem se mostrando generoso em muitos aspectos e, por isso,considero desapontadora a posição dele quanto a este assunto. Ainda mais por ele ter semostrado rápido a nos ajudar com outros recursos. Não me leve a mal, nem me considereuma ingrata, aprecio tudo o que ele vem tentando fazer. Ele até mesmo se prontificou acustear um duplo teste cego nas amostras de sangue e tecido. Chegou a falarpessoalmente com o dr. Grable na Inglaterra. Ao que parece, se conheceram em algumevento das Nações Unidas. O laboratório de Grable é o mais moderno, e ele é

considerado perito em diagnose.

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— Lembro-me do presidente mencionar o laboratório da Inglaterra, dra. Phillips.Falei com ele quanto a colocar mais especialistas nos acampamentos. — Kess esfregou agarrafa umedecida no rosto. — Mas, neste momento, espero que compreenda, ele estárelutante em colocar todos os recursos médicos no meio da disseminação do vírusquando ainda não sabemos o que aconteceu aos outros médicos. Precisa confiar,

contudo, que ele está envolvido com a situação e se preocupa com a população. —Apoiou-se na mesa e voltou a abrir a garrafa para terminar de beber. — Confie em mim,os médicos tanto na Suíça quanto nos Estados Unidos estão trabalhando contra o relógio,assim como o dr. Grable.

Ao ouvir a conversa, Simon sentiu o nó no estômago relaxar. Não conheciaGrable além de cumprimentos formais, mas sabia de sua reputação extraordinária.Duvidava, no entanto, que Abi o conhecesse de algum evento das Nações Unidas; deviaser de alguma reunião de conselho. Grable era um bruxo habilidoso. Seu poder único devisão microscópica permitia que ele visse coisas que nem o mais poderoso microscópioexistente permitiria.

Fazia sentido que Abi falasse com Grable. O cientista tinha sido um intelectualque costumava ser alvo de chacota até que Abi resolvera interferir e se tornar seu protetore companheiro. Pelo visto, os dois haviam permanecido amigos por toda a vida. Saberquem estava na equipe de Abi aliviava grande parte de suas preocupações. Restavasaber por que ele não mencionara o envolvimento do cientista antes.

Kess lhe garantira que Abi estava completamente focado na crise. Observar oacampamento e ouvir que o velho amigo estava fazendo tudo o que era possível o fez sesentir um pouco culpado por ter duvidado de seu comprometimento.

O telefone vibrou dentro do bolso.

— Com licença, preciso atender esta chamada. — Afastou-se para o outro ladoda barraca.

Ainda não havia novidades quanto aos médicos desaparecidos. Aquela altura, eraconsenso na T-FLAC de que eles deviam estar mortos. Como não tinham posses, resgateestava fora de questão. Por mais competentes que fossem, não haviam recebido nenhumPrêmio Nobel, e, mesmo que houvessem, era pouco provável que os hurenianos tivessemconhecimento disso. O mais provável era que tivessem sido mortos junto com os outros e

levados como troféu ou que animais tivessem levado os corpos para uma refeição tardia.

Outra coisa que o intrigava era o esquema armado para afastar Kess de Quiniselano dia anterior. Obviamente, o carro familiar tinha servido de isca para ele; a "criançainocente" e a possibilidade de encontrar os amigos haviam atraído Kess. Ele, no entanto,não entrara completamente às cegas. Deixara-se levar para descobrir qual era o jogodeles. A questão mais importante permanecia: quem eram "eles"?

Mais uma vez, se perguntou se Noek Joubert estava envolvido com Abi.Passando os dedos pelos cabelos, imaginou no que Abi estaria envolvido, com quem epor quê. Não era de todo impossível que Noek Joubert estivesse financiando a reeleição

do presidente. Pelo que tinha observado, Abi estava completamente comprometido emmanter a posição ocupada e parecia capaz de aceitar qualquer tipo de ajuda oferecida.

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— Sr. Blackthorne — chamou a dra. Phillips. — Estava prestes a detalhar asituação e sei que quer essas informações. Importa-se se fizermos isso agora? Eu gos-taria de voltar aos meus pacientes...

— Pode me chamar de Simon, por favor. Agradeço o fato de estar nos recebendo.

— Pegou a garrafa de Kess e tomou um gole de água; depois a devolveu e voltou aatenção aos gráficos.

— Quais são as características da hemorragia? — Kess perguntou, indicando umdos gráficos.

— Esta doença ou vírus tem muito em comum com o Ebola, apresentandosintomas de gripe mais acelerados, como problemas respiratórios nas vias superiores. Eentão o pior começa.

O rosto de Kess perdeu a cor.

— Pior do que não conseguir respirar? A médica assentiu.

— Conforme os órgãos internos deixam de funcionar, eles começam literalmentea explodir. O sangue escapa por qualquer orifício... Olhos, nariz, boca. O pulmão seenche de sangue com mais velocidade do que o paciente consegue vomitá-lo. As vítimasse afogam no próprio sangue. E um modo duro de morrer.

— E um modo horrendo de se morrer... — Kess engoliu em seco e fechou osolhos. — Precisamos encontrar a causa e a cura logo. — Virou a cabeça, e Simon pôdever como ela estava afetada pela situação.

— Sim, precisamos — ele concordou. Pensou que, com as mentes maisbrilhantes envolvidas havia meses, algo já devia ter sido descoberto. — O presidente nãodeve demorar a chegar; ele estava saindo logo depois de nós. Vou dar uma volta até queele chegue. Kess, quer vir comigo ou prefere ficar aqui?

— A nossa refeição principal será servida em duas horas. Se eu puder voltar, fareicompanhia. Caso contrário, estarão por conta própria — a médica disse.

Simon tinha quase certeza de que ela não apareceria. Ausentar-se da cabeceira

de seus pacientes, mesmo por aqueles poucos minutos, a aborrecia visivelmente.

— Ela é dedicada — Kess comentou ao ver a dra. Phillips se retirar com passosfirmes. — Deve ser horrível tentar ajudar pessoas que vão morrer de qualquer modo, nãoimportando o que se faça.

Kess voltou a colocar os óculos escuros assim que deixaram a tenda. Era o meioda tarde, o período mais quente do dia, e ela já transpirava.

— Para que lado? — perguntou.

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— Tem seus momentos divertidos...

— Quem você acredita ser o responsável pelos se-questros dos médicos? —Kess perguntou ao caminhar pelo mato alto. Imaginou que, se encontrassem cobras ououtros animais perigosos, Simon daria um jeito neles. — Consegue lidar com animais

rastejantes e outras criaturas nojentas, certo?

Os lábios másculos se contraíram, divertidos.

— Essa pergunta faz parte da anterior ou é somente mais uma demonstração decomo sua mente trabalha?

— Ambos.

— Acho que alguém os mantém cativos. Se ainda estiverem vivos, minha equipeserá capaz de rastreá-los. Um dia.

— Eu gostaria de pedir que se apressassem, mas suspeito que "sua equipe" sabeo que faz, portanto vou ficar calada à espera de que o melhor aconteça.

Começaram a conversar de coisas mais amenas, até ela dar um pulo de medo.

— Ai, aquilo é uma cobra? — Ela apontou.

— Bastão — Simon disse, transformando o animal no objeto. — E seus pais? —Ele continuou a conversa do ponto em que tinham parado.

Kess olhou de relance para o "bastão" e continuou a andar. Sorriu, contente coma caminhada sob o sol, com a companhia de Simon. Precisava de um tempo para serecompor.

— A razão pela qual sou tão bem ajustada só pode ser a minha infânciaequilibrada. Minha mãe sempre nos disse que poderíamos ser o que quiséssemos. —Kess pensou na mãe competente e batalhadora e no pai in-trospectivo e divertido, esentiu saudades de casa. Talvez conseguisse convencê-los a acompanhá-la de volta àÁfrica e encontrar a irmã, que estaria num congresso na Cidade do Cabo. Isso se nãoacabasse na prisão. Afastou a lembrança do julgamento, bem como a do vírus da cabeça.

Alguns momentos sem pensar nos problemas eram tudo de que precisava. Queria ficar nomeio do nada, ao lado de Simon.

— Então, vir para a África não foi algo surpreendente? — Simon perguntou,curioso, e indicou o caminho que deveriam seguir.

— Bem, foi uma decisão tomada a fim de manter um comportamentoirrepreensível enquanto as pessoas se esquecem de que ataquei meu chefe com otelefone — ela respondeu, querendo ser franca. — Outra parte, entretanto, foi o desejo deconhecer a África. Especialmente uma parte do continente que tão poucos conhecem.Pensei que seria um trabalho diferente, interessante e divertido para passar o ano. No fim,

acabou se tornando muito mais do que isso. O presidente é um homem complexo. E,infelizmente, teve de enfrentar esta crise bem na época das eleições.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 123

— Por que ele não queria que estivesse presente na coletiva de imprensa? Nãofaz parte do seu trabalho?

— Ele não gosta da presença de mais ninguém além da imprensa quando fazseus comunicados mensais à nação. É uma espécie de superstição. Já me acostumei. —

Kess deu de ombros. — Além disso, fazê-los sozinho passa a idéia de confiança,preocupação e comprometimento. Eu escrevo o discurso e depois preparo todo tipo deperguntas e respostas possíveis. Ele tem um dom natural de comunicação, e a imprensao adora. Ele vai se sair bem...

Não demoraram muito a chegar ao rio. Kess ainda lhe contou como caiu de umaárvore aos seis anos de idade ao tentar ensinar a irmã a ficar de cabeça para baixo nosgalhos.

— Ainda tenho a cicatriz. — Tirou o boné e mostrou a marca. — Havia tantosangue... Eu achei mais divertido do que assustador, na verdade. Meu pai pensou que eu

poderia ficar com sequelas e... Ei, não olhe assim para mim. Foi minha primeira caronanuma ambulância. Foi a maior aventura da minha vida.

— Aposto como deixou seus pais com cabelos brancos...

— Ainda deixo, mas eles são inteligentes o bastante para não mencionar o fato.Eles nos amam, mas Elizabeth é a garota dourada. Ela é tão inteligente, centrada e dedi-cada. Adora o que faz. Quanto às nossas personalidades, no entanto... Somoscompletamente opostas. Elizabeth é reservada...

— Enquanto você é exuberante?

— Mais ou menos. Todos os anos tento convencer aquela compulsiva a deixar otrabalho um pouco de lado e seguir comigo em alguma aventura na Europa. Ela semprese diverte quando vai, mas é preciso que eu use um pé-de-cabra para conseguir arrancá-la do trabalho... Já disse que ela é médica? Ela foi a mais nova a se for...

Simon a pegou nos braços e a interrompeu com um beijo.

Ele não conseguia resistir. Beijar Kess ali, no meio de uma área aberta, eraloucura, mas ele foi em frente assim mesmo. Apressado, materializou um anteparo de

arbustos para escondê-los, e depois mergulhou no calor do beijo.

Kess enroscou os braços ao redor de seu pescoço e se apoiou nele.

Simon adorava o modo como os lábios dela se moldavam aos seus, firmes, masainda assim suaves e impetuosos, fazendo-o querer mais. O gosto era de alegria.Felicidade pura e simples.

— Adoro saber que consigo excitá-lo — ela sussurrou de encontro à sua boca. —E ser excitada por você...

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 124

— Preciso das amostras... — ele murmurou na curva em que o pescoçoencontrava os ombros. O cheiro e a textura da pele sob sua boca faziam-no esquecerqualquer tipo de amostra que não fosse a mulher em seus braços. Suave e perfeita Kess.

— O rio não vai secar se você me beijar mais um pouco. — Ela mordiscou o

lóbulo de sua orelha, e um tremor de prazer percorreu sua espinha.

— É verdade...

Por muitos minutos ficaram ali, os corpos perfeitamente alinhados, as bocasexperimentando e provocando até Simon dar um passo para trás, afastando-a pelos om-bros com determinação.

— É difícil resistir a uma mulher como você.

— Felizmente, você é um homem com forte ética profissional. Do seu modo, as

coisas acontecem. Se dependesse de mim, um de nós acabaria com queimaduras de solnas partes pouco expostas... Você vai voltar aqui para vê-la? — Kess perguntou,seguindo-o de perto quando ele começou a andar.

A transpiração começava a descer pelas têmporas, e ela a enxugou antes deajustar o boné na cabeça. O ar quente estava parado, e havia insetos em todas as partes.Kess continuava alerta para o caso de mais cobras se aproximarem.

— Ela?

— A dra. Phillips é morena, inteligente e obviamente apaixonada pelo que faz. Ecomo a mulher dos seus sonhos, não? — No instante em que as palavras foram pro-feridas, Kess desejou não tê-las dito. Alguns dias atrás, o comentário a teria divertido. Nomomento, a deprimia. Ele não estava interessado na compra, só estava alugando por umtempo, ela sabia disso. Porém, pensar nele com a morena ideal a magoavaprofundamente. Desejava poder virar as costas e dizer que nunca mais faria amor comele. Imaginar o corpo atlético e perfeito sobre o de outra mulher eriçava seus pelos.Pensar que Simon poderia dizer palavras carinhosas e apaixonadas para outra que nãoela, deixava-a... Afastou tais pensamentos.

Não estava preparada para desistir; Simon era solteiro. Deus do céu, ele nem

tinha encontrado a futura sra. Simon Blackthorne... Por enquanto, ele era seu, e não que-ria desperdiçar momentos preciosos antecipando perdas.

— Esqueça o que eu disse. — Tentou parecer casual. — Não é da minha conta.Para onde vai enviar as amostras?

— Para o laboratório da T-FLAC em Montana — ele disse, sem responder àpergunta sobre a médica. — Terei de levá-las pessoalmente. — Afastou o cabelo úmidoda testa, e Kess notou que ele parecia preocupado ao olhar para longe. — A menos queconsiga transportar os tubos sem ter de acompanhá-los. Vou tentar isso antes. Mas senão conseguir, vou fazer Nomis acompanhá-la de volta a Quinisela.

— Posso voltar com o presidente. Simon a olhou de relance.

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— E não fez nenhuma pergunta?

— Fiz centenas de perguntas — ela respondeu com impaciência — mas levando-se em conta tudo com o que o presidente tem de lidar diariamente, acabei dando a eleuma folga. Talvez você também devesse agir assim.

Simon apoiou a caixa e se aproximou dela, levantan-do-lhe o rosto com a pontados dedos.

— Só para sua informação... Não senti nem uma centelha de atração pela dra.Phillips.

O coração de Kess descompassou.

— Não?

— Não.

Um pequeno sorriso se formou nos lábios suaves.

— Se você se teletransportar para Montaria, posso ir junto?

— Lá está nevando.

— Você me manterá aquecida e... Uau! Isso foi rápido! Com olhosresplandecentes e um sorriso nos lábios,

ele manteve-a firme, segurando-a nos braços.

— Não me perguntou o que teria acontecido se o tele-transporte não funcionasse— ele comentou.

— Há um motivo para isso. — Kess respondeu, olhando com curiosidade para olongo e vazio corredor no qual se encontravam. Nas paredes cinzentas havia inúmerasfotos em preto e branco de prédios famosos do mundo inteiro. — Ignorância. — Deu umpasso à frente para observar a foto de uma senhora vendendo flores num mercado emParis. — Que, neste caso, foi bem-vinda — concluiu, obviamente distraída. — Lançando

um olhar por sobre o ombro, prosseguiu: — Se houvesse a possibilidade de meusátomos, ou qualquer outra coisa minha, se desarranjarem, eu preferiria não saber. — Fezuma pausa. — Não estou parecida com uma pintura de Picasso, estou?

— Você está... bem.

— Incrivelmente desgrenhada, um pouco suada e absolutamente beijável.

Ela fez uma careta e tirou o boné, enfiando-o no bolso de trás da calça.

— Há algum lugar no qual eu possa me lavar antes de encontrarmos qualquer

conhecido seu?

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Simon mantinha um quarto ali havia uma década por conveniência. Porém, jamaistinha levado uma mulher ao QG. Nunca precisara. Consultou o relógio: oito da manhã.

Uma ou duas horas...

— Não temos tempo para isso — disse, mais para si mesmo do que para Kess.Se a imaginasse em seu quarto, em seu chuveiro, nunca terminaria o que tinha ido fazerali. — A dra. Phillips está nos aguardando para a refeição em algumas horas, lembra?

— Tudo bem. Onde estamos, exatamente?

— No nono andar do quartel-general da T-FLAC, em Montana. Venha, olaboratório fica para cá.

E sua casa quase completa ficava a apenas oitenta quilômetros dali. Quando setornasse habitável no próximo verão, ficaria perto o bastante para que ele pudesse

permanecer lá entre um projeto e outro.

Sua casa. Seu lar. Ficou imaginando o que Kess acharia do lugar.

Deixaram os tubos no laboratório, e um jovem recepcionista lhes pediu queaguardassem, caso fosse necessário responder a alguma pergunta.

Simon se acomodou numa das cadeiras e pegou uma revista científica parafolhear.

O ambiente amplo mais parecia a sala de estar de alguém do que a área deespera de um laboratório. Poltronas fofas na cor chocolate agrupavam-se em torno demesinhas de centro repletas de revistas atuais. Fotos em sépia de crianças brincandoalinhavam-se nas paredes. O cômodo recendia a café.

Ele levantou o olhar do que estava lendo e comentou:

— Vai acabar abrindo um buraco no chão se continuar a andar de um lado para ooutro assim.

— Detesto ficar sentada esperando — ela confessou. — Quer café? — perguntou,

indicando a máquina de expresso num dos cantos.

— Sim, obrigado — ele respondeu, desta vez sem levantar os olhos da página.

— Preto, suponho? — Que estranho. Tinham dormido juntos, mas não fazia idéiade como ele gostava do café.

— Sim, por favor.

Feliz por ter algo com que ocupar o tempo e as mãos, Kess preparou a bebida e oserviu. Adorava o cheiro, mas detestava o sabor.

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Sentia-se pequena por ter aqueles sentimentos. Não tinha nenhum domínio sobreele. Nenhum. E devia se lembrar sempre disso. Admirava-o por ser um homem íntegroque levava o trabalho a sério. Ela só tivera a sorte de estar no lugar certo, na hora certa.

Ainda teria de ficar mais dez meses em Mallaruza, de acordo com seu contrato, a

menos que o sr. Bongani o estendesse após a reeleição. Ou se ele perdesse.

Simon, porém, iria para outros lugares, outras missões. E, um dia, estaria nomesmo lugar, ao mesmo tempo que uma morena alta e bela. Tomaria a "mulher doamanhã tipo Stepford" como sua esposa, e os dois viveriam felizes para sempre.

Teve uma vontade louca de chutar alguma coisa. Com força.

A cientista deu meia-volta, pois, pelo visto, queria que Simon entrasse nolaboratório para continuar o relato.

Kess os seguiu até outra sala. Aquela tinha ladrilhos brancos até o teto,parecendo com o que ela imaginava fosse o interior de uma nave espacial. Sentiuvontade de explorar o local; mais do que tudo, quis olhar em um dos modernosmicroscópios e ver as coisas que só via no canal Discovery.

A dra. Roberts diminuiu as luzes e foi para um dos computadores que estava numdos balcões tomados por máquinas modernas e toda sorte de equipamentos desco-nhecidos para Kess. O cômodo estava frio, e ela esfregou os braços, a despeito da blusade cashmere. Não se aproximou de Simon o quanto desejava para roubar um pouco docalor do qual sentia falta.

Através de uma extensa janela, observou técnicos em roupas especiais, queimaginava servirem para manusear materiais perigosos, pois os cobriam da cabeça aospés. Pareciam alienígenas e, fascinada, ela se aproximou do vidro para observá-losmelhor.

— As culturas preliminares mostram que é um derivativo geneticamentemodificado da dengue — a cientista disse num tom sóbrio. — Por mais interessante queisso possa parecer sob o ponto de vista científico, não posso enfatizar o bastante oquanto isso é muito pior do que prevíamos inicialmente.

Alerta por conta do tom e das palavras da mulher, Kess deu as costas para os"alienígenas" e se aproximou dela e de Simon.

— Os testes de DNA equipararam os alelos ao de uma epidemia virulenta naChechênia no ano passado. — Os dedos ágeis apertaram diversas teclas, e uma imagemse formou no monitor.

Simon estreitou os olhos diante da tela.

— Alguém da Chechênia foi a Mallaruza e levou o vírus da dengue?Intencionalmente?

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Um estremecimento percorreu a espinha de Kess, fazendo-a se aproximar aindamais, a fim de ver o que a cientista mostrava para Simon. Sabia que, provavelmente, nãoentenderia o que a mulher explicava, mas precisava ficar perto dele. Precisava sentir seucalor e sua calma. Isso porque, por mais científicas e distantes as palavras empregadaspela cientista, ela começava a temer o que estava subentendido. Uma olhada rápida para

as feições de Simon revelou que ele se sentia do mesmo modo.

— A dengue tem quatro subtipos — a dra. Roberts prosseguiu — classificados deDEN-1 a DEN-4. Uma vez que uma pessoa se expõe a qualquer um desses tipos, ficaimune para o resto da vida. Temos relatos de epidemias de todos os tipos de dengue emMallaruza, tornando estatisticamente improvável que uma cepa da doença possa serresponsabilizada pela alta mortalidade e velocidade de disseminação da situação atual.

— Isso é fascinante... — Simon se inclinou para analisar o monitor e osexemplares de... do que quer que a cientista estivesse mostrando para ele.

Distraído, ele retrocedeu e pousou a mão na parte de baixo das costas de Kess.O calor dos dedos a aqueceu, porém, mais do que isso, seu coração se acelerou.Observando-o, ninguém seria capaz de dizer que ele percebia a presença dela nolaboratório. O toque revelava que ele a notava, mesmo estando concentrado no trabalho.

— Então, estamos diante de uma doença comum que é transmitida da maneirausual? — Simon perguntou com a testa franzida. — O único problema é que não seencaixa nas suas estatísticas?

A dra. Roberts passou os dedos pelos cabelos curtos.

— Não está entendendo o que eu quero dizer. — Apertando novas teclas, disse:— Veja isto. — Mostrou outra foto. — Este é um eletroferograma do material genético queextraímos da amostra que nos trouxe.

Simon se inclinou de novo para observar a imagem.

— Certo. — O polegar desenhou um círculo nas costas de Kess, mesmoprestando atenção ao monitor.

— Deixe-me sobrepor outro eletroferograma com outra cor para que veja o que

estou dizendo. Este vem da amostra da Chechênia que tínhamos em nossos arquivos.

— O que são esses pontos extras? — Kess perguntou, curiosa, apesar de não terentendido metade do que a cientista dissera até o momento. Considerava o processo todofascinante, mesmo compreendendo que a descoberta da mulher era algo ruim, muitoruim.

A cientista lançou-lhe um olhar do tipo "de onde veio essa aí?", mas respondeu:

— Os "pontos extras" — disse com paciência e um toque de divertimento na voz— são alelos do DNA da leptospirose.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 132

Simon se endireitou, deixando Kess ciente da tensão que ele mantinha sobcontrole. O fato de ele estar tenso deixou-a nervosa e preocupada também.

— Essas duas doenças não costumam coexistir? — perguntou ele, os dedoscrispados nas costas de Kess.

— Elas podem, mas, neste caso, não estão coexistindo; elas são um únicoorganismo.

— União genética?

A mulher assentiu.

— Feita por alguém que sabia o que estava fazendo. É uma idéia simples, porémbrilhante.

— Liberar dois vírus separados, mas letais ao mesmo tempo? — Kess seperguntava por que alguém se propunha a matar tantos em tão pouco tempo.

— Não estão separados — a cientista a corrigiu. — Alguém pegou um exemplarda epidemia de dengue da Chechênia e a juntou com um de leptospirose, provavelmentedo novo surto depois da enchente na Nicarágua.

— Por quê? — Kess perguntou horrorizada.

— Porque a dengue se dissemina pelo mosquito e a leptospirose pela água —

Simon explicou. — Unindo os dois vírus, criaram um novo tipo de dengue que prolifera naágua.

— Correto — concordou a dra. Roberts. — E não é qualquer tipo de dengue, masda hemorrágica DEN-4. Isso foi uma idéia de gênio. Pode-se pulverizar uma área paramatar os mosquitos numa epidemia normal, assim como se pode tratar a água no caso deleptospirose. Quem quer que tenha criado isso sabia que, a menos que a mutaçãogenética fosse descoberta, nenhum dos tratamentos convencionais surtiria resultado.

— Não existe a possibilidade de isso ter ocorrido de forma natural? — Kessperguntou.

— De jeito nenhum. A amostra que me trouxeram não bate com a da Chechênia.Numa mutação natural, há sempre poucas variações dos alelos. Não tenho comoidentificar a origem da leptospirose, mas posso garantir que os genes não se fundiriamsem a interferência humana num ambiente de condições controladas.

A respiração de Simon resvalou nos cabelos de Kess, não de modo sexual, poisela podia jurar que ele nem se dava conta de que estava apoiado nela.

— Quem tem acesso a esse tipo de tecnologia sofisticada? — ele perguntou.

— Nós — a cientista admitiu. — A T-FLAC tem a possibilidade de fazer esse tipode coisa bem aqui neste laboratório.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 133

CAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULOCAPÍTULO 5555

— Isso é incrível! — Kess exclamou, cambaleando quando se materializaram àsmargens do rio em Mallaruza.

Simon os levara para mais perto da margem do que gostaria e, por isso, segurou-a com firmeza antes que se desequilibrassem e caíssem dentro da água.

— Teletransporte é o melhor meio de transporte! — Ela riu. — Quem precisa deaviões? Para alguém como eu, que gosta de satisfação imediata, este é um meio delocomoção sem igual... — As faces estavam coradas e os olhos faiscavam. O cabelo, o

eterno vermelho alaranjado selvagem, espalhava-se pelos ombros. Uma Vênus deBotticelli. Forte e sensual. Irresistível.

Considerando impossível manter-se afastado, Simon segurou-lhe o rosto entre asmãos e deslizou seus dedos pelos cabelos dela.

— Nunca encontrei ninguém mais destemido em minha vida.

Ela levantou o rosto e sorriu, os perfeitos dentes imperfeitos muito brancos sob obrilho do fim de tarde.

— Não sou tão destemida assim — ela admitiu, com um pouco da alegriaarrefecendo. — As aranhas ainda me metem pavor, e o sentimento só diminuiu aos dozeanos quando, numa visita ao zoológico, implorei para que me deixassem pegar cadaaranha que tinham em exposição.

— Aracnofobia?

— Extrema! — Ela estremeceu. — Eu as odiava desde pequena, mas, aoaprender sobre elas, passei a respeitá-las.

Que mulher incrível!

— Esta situação com a união de genes e o novo vírus me assusta de uma formaque eu não saberia descrever. Neste exato momento, contudo, acabei de fazer uma via-gem que poucas pessoas podem fazer e estou aqui, no meio da África, nos braços de umhomem em quem confio incondicionalmente. Portanto, Simon Blackthorne com "e", viver oaqui e o agora não me mete medo algum.

— Diabos, Kess, o que eu faço com você?

Ela ergueu-se nas pontas dos pés e beijou-o de leve nos lábios.

— Pode me alimentar. Estou faminta. Simon relanceou para o relógio.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 134

— Chegaremos a tempo para o jantar.

— Ótimo. — Enroscou os dedos nos dele ao iniciarem a caminhada pelo matoalto. — Uou! Pare um instante — sussurrou, apontando para um casal de leões debaixoda moita que Simon materializara horas antes para esconder o beijo. — Nunca vi nada

igual... E você?

— Leões fazendo sexo?

Kess levantou o rosto para ele, as faces rubras.

— Não me parece que ela esteja apreciando muito...

O jovem macho prendia a fêmea no chão, a bocarra com dentes afiadossegurando-a pelo cangote enquanto a montava.

Surpreso, Simon sentiu um calor inesperado aquecê-lo ao ouvir o rugidoanimalesco dos bichos quando o macho começou as investidas. Depois de se assegurarque a leoa não o lançaria para longe de seu traseiro real, o leão soltou o pescoço, depoisa acarinhou no focinho.

— Ele a está beijando! Que lindo! — Kess disse com doçura. Depois de algunssegundos, tudo estava terminado. O leão desmontou com graciosidade, rolou para o ladoe bocejou. Kess riu. — Ai, meu Deus... Vocês são todos iguais.

— Nunca mordi seu pescoço. — Simon passou a palma da mão na nuca macia.

— Bem... aqui... — Resvalou a pele com a ponta das unhas e deliciou-se com a reaçãodela, um movimento involuntário seguido por um suspiro. — Eles vão cochilar um pouco edepois voltam à ação a cada quinze minutos ou meia hora, pelos próximos dois dias.

Com um som estranhamente semelhante a um gemido humano, o jovem leãodeitou-se de costas como o gato gigante que era, as patas ligeiramente afastadasenquanto dormia.

Os olhos de Kess revelavam diversão.

— Não é de se estranhar, então, que ele seja considerado o rei da selva. Sem

parar por dois dias? Puxa vida...

— Vamos dar uma volta ao largo para não atrapalhar a satisfação pós-coital.

— Trinta segundos não são o suficiente para garantir aquele sorriso convencido— Kess observou ao passarem longe do casal.

— O que falta em qualidade, ele compensa na quantidade.

— Vocês leões têm sempre as mesmas idéias...

— Não me tente... Neste exato minuto, a idéia de pegá-la pelo cangote e jogá-lano meio do mato tem certo apelo.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 135

Kess encarou-a, provocante.

— Ninguém o está detendo, Leo.

O riso de Simon inquietou um bando de pequenos passarinhos de plumagem

marrom e papos amarelos.

— Eu estava pensando em uma cama, lençóis limpos...

— Huumm... Um bom banho. Vinho. Podemos nos te-letransportar de volta aQuinisela depois do jantar?

— Gostou mesmo de viajar assim...

— Se, com isso, eu conseguir ficar sozinha com você, estou de pleno acordo. —O sorriso arrefeceu quando uma nuvem escureceu seus pensamentos. — Simon... A dra.Roberts não quis afirmar literalmente que a união dos vírus tenha sido realizada poralguém da T-FLAC, quis?

— Espero que não... Ela só quis dizer que temos a possibilidade de fazer talcoisa.

Kess fez uma careta.

— Isso é de meter medo... Mas por quê?

— Porque precisamos nos emparelhar com o que os terroristas são capazes defazer ao redor do mundo. Quer que eu dê um jeito na blusa?

— Não, gostei dela, só preciso retirá-la agora.

— Vou mandá-la para o carro. A cor lhe cai bem. Hum, perdeu o boné... — Simontransportou a malha de lã e materializou outro boné. Verde-menta desta vez.

Kess sorriu e ajustou-o na cabeça.

O telefone via satélite vibrou no bolso, e ele o atendeu:

— Blackthorne...

— Aqui fala Gonzales do Rastreamento. Encontramos Angela Marie Sideltrabalhando em Nome, no Alasca. O que fazemos agora?

— Bom trabalho. —Afastando o aparelho, disse a Kess: — Encontraram Angela...Antes de mais nada — voltou a falar com o agente — grude nela e não a perca de vista.Em seguida, entre em contato com Nelson McKay, ele é o advogado de defesa de KessGoodall em Atlanta. Diga que encontraram Angela e arranje um encontro para que eleconsiga um testemunho sob juramento.

— E depois?

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 136

— Volte a falar comigo. — Simon desligou e guardou o aparelho no bolso de trás.— Boas novas...

— S-sim...

Ele parou e ergueu o queixo dela com um dedo.

— Está chorando?

Kess enxugou o rosto com as mãos.

— De jeito nenhum. — E então, porque ela era Kess, lançou-se sobre ele numabraço exuberante, meio rindo, meio chorando. — Obrigada, obrigada, obrigada!

— Ela terá de fazer uma declaração, e o advogado a intimará para testemunhar.Espero que ele seja bom.

— Ele é.

Sim. Simon sabia daquilo, pois mandara investigá-lo. Enquanto a equipe de Davisestivera procurando a única testemunha de Kess, pedira ao departamento legal queinvestigasse McKay. Kess estava em boas mãos, e teria os gaviões da área jurídica da T-FLAC para ajudá-la. Enquanto ela fazia o seu trabalho no país distante, ele garantiria queseus problemas legais desaparecessem.

— Como é possível que eu tenha dormido por horas e ainda esteja me sentindo

cansada? — Kess perguntou. Bocejando, espreguiçou-se e olhou ao redor.— É por causa do estresse — Simon explicou ao estacionar o carro atrás do hotel

dele.

No fim das contas, após jantarem sozinhos, pois a médica estava ocupadademais para acompanhá-los, tinham resolvido não se demorar. A comida e o ar depri-mente não contribuíam exatamente para uma atmosfera romântica. De comum acordo,haviam decidido que seria melhor dirigir de volta à capital. Kess, embalada pelochacoalhar do carro, acabara adormecendo.

— Quem você acredita que seja o responsável pela união genética dos vírus? —Kess perguntou, esfregando os olhos numa tentativa de despertar completamente. O es-tacionamento espaçoso estava na penumbra, já que o céu iluminado de antes seencontrava encoberto por nuvens escuras. A atmosfera era sinistra, como se um vampiroestivesse pronto para atacar a qualquer minuto. — Por favor, não me diga que é opresidente.

— Ele é a primeira pessoa que me vem à cabeça — Simon admitiu, dando a voltano carro e abrindo a porta num gesto cavalheiresco, que realizou sem pompa alguma. —Há outra pessoa, porém, que acredito ter mais a ganhar com isso.

Kess deixou escapar um suspiro de alívio.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 137

— Que bom, porque gosto do sr. Bongani e detestaria ter de odiá-lo se ele fosse oresponsável por todas essas mortes. — Entrelaçou os dedos nos de Simon, sentindo aforça e a segurança que dele emanavam.

Andar de mãos dadas era um gesto simples, mas ela adorava o modo como ele

diminuía as passadas para que conseguisse acompanhá-lo.

— Quem é essa outra pessoa? — perguntou ao cruzarem o estacionamento e sedirigirem para a entrada principal. O ar tinha o cheiro da maresia, visto que o oceanoestava do outro lado da rua, e de algo mais, de expectativa, como se estivesse prestes acair um temporal.

— Há um bruxo sul-africano, chefe de um grupo terrorista chamado Fênix. Acabeiesbarrando nele no outro dia. — A voz de Simon soava séria, a mandíbula mostravatensão. — Ele é poderoso, determinado e está aqui.

Um estremecimento percorreu a espinha de Kess.

— Aqui em Quinisela?

— Não, mas em Mallaruza.

— Este é um país grande, ele poderia estar em qualquer lugar. Talvez tenha idoembora.

— Ele não foi, tenho certeza, mas também sei que não está por perto. Eu saberia

se ele estivesse num raio de cento e cinquenta quilômetros.— Ele é tão forte quanto você?

— Mais.

— Que ótimo. — Ela segurou a mão dele com firmeza. — Como se já nãohouvesse tantas coisas estranhas acontecendo.

— Se Abi estiver aliado a esse homem, temos motivos para ficarmospreocupados. Joubert é extremamente poderoso e, se ele quiser alguma coisa, suspeito

que nada poderá detê-lo.

— Preocupados? Eu me permito ficar com medo... — Olhando para a expressãoséria, compreendeu algo. Deu um passo para o lado para se aproximar dele. — Você, aocontrário, não está.

— Estou com medo, sim, pode acreditar. Eu seria um tolo se não estivesse. Nãohá nada de errado em sentir medo. A questão é como lidamos com o sentimento.

Aquilo era como a aracnofobia multiplicada cem vezes.

Viraram a esquina onde estava consideravelmente mais claro devido às luzes daconstrução da basílica, que mais parecia um castelo.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 138

— Acho que nunca senti tanto medo na minha vida — Kess admitiu, surpresa coma própria franqueza, mas contente por deixarem o estacionamento escuro para trás. Seestivessem protegidos atrás de quatro paredes, ela se sentiria ainda melhor. — Não é omesmo medo, por exemplo, que senti com a possibilidade de ir parar na prisão. É ummedo aterrorizante e assustador.

Simon parou e cobriu uma face dela com a palma da mão, num gesto protetor.Com os olhos brilhando, perguntou:

— É assim que se sente agora?

Kess mordeu o lábio e assentiu.

— Tudo começou no dia em que encontramos o massacre no acampamento evem crescendo desde então. Depois da visita ao laboratório em Montana, aumentou aindamais.

Ele a abraçou e segurou-a com firmeza contra o corpo.

Kess descansou a cabeça no peito largo. Sentindo um beijo nos cabelos,confortou-se com as batidas ritmadas do coração dele.

— Não vou deixar que nada aconteça a você, Kess, eu prometo.

Ela se esticou e pressionou os lábios másculos com dois dedos.

— Não faça promessas que talvez não possa cumprir.Simon beijou-lhe os dedos.

— Confie em mim.

— Eu confio, mas também quero que me ensine ou me mostre o que devo fazerpara me proteger desse outro bruxo. Não quero que tenha de se preocupar comigo se eleresolver nos atacar.

— Ninguém vai atacá-la.

Ela ergueu-se nas pontas dos pés e beijou-o nos lábios.

— Já é tarde. Podemos ir para a cama agora? Eles quase não conseguiramchegar até lá.

Pela forma como começaram a se beijar no saguão e prosseguiram no elevadorantiquado até o quarto andar, foi um milagre que tenham aberto a porta antes de sedespirem.

O quarto estava bastante iluminado pelas luzes da basílica em construção.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 139

Simon queria vê-la, queria ver cada pedacinho que tocasse, que saboreasse.Beijando-a, levou-a até a cama e, com um leve empurrão, derrubou-a de costas, paracobri-la com seu corpo em seguida. Precisava vê-la quando ela atingisse o clímax,desmanchando-se em seus braços.

Fizeram amor com um desespero enlouquecido que os deixou suados esatisfeitos.

— Chuveiro? — Kess perguntou com languidez, deitada sobre o corpo dele.

— Boa idéia...

— Hoje ainda?

Ele estava quase adormecido.

— Hum.

Kess correu os dedos com leveza pelo corpo forte.

— Sente cócegas?

— Sim. — Simon deitou-a de barriga para baixo, colocando-se sobre ela eapoiando a maior parte do peso nos braços. Afastou o cabelo da nuca e mordiscou-a deleve. Um tremor percorreu-a, e ele sentiu o reflexo no seu corpo.

— Oh, meu Deus... — A voz soou abafada no travesseiro. — Isso é incrível. Denovo. Um pouco mais forte.

Simon obedeceu, mordendo com força o bastante para deixar uma marca. Marcá-la. Torná-la sua. Virou-a de frente.

— Chuveiro ou cama?

Com os olhos turvos, Kess respondeu:

— Chuveiro e cama.

— Foi o que pensei...

Fizeram amor de novo. Mais devagar, dessa vez.

Era quase aurora quando se arrastaram para o banheiro. Ainda molhados,largaram-se sobre os lençóis desarrumados.

— Pode me acordar daqui a um mês — Kess murmurou, puxando o braço fortede Simon sobre seus olhos. Não havia uma parte sequer de seu corpo que ele nãoconhecesse melhor do que ela. E vice-versa. Mas uma garota só conseguia se divertir um

determinado número de vezes antes de o corpo exigir descanso.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 140

— A eleição é daqui a dois dias.

— É mesmo. — Uma explosão de amor, tão intensa que ela mal conseguiaconter, fez-se em seu peito. Amava aquele homem, mas sabia que ele partiria seucoração quando tudo aquilo terminasse. Cansada como estava e frágil como se sentia,

tentava aproveitar ao máximo cada momento que ainda tinham juntos. Infelizmente, sefizessem amor em seguida, poderia morrer. Não havia nenhum músculo ou tendão emseu corpo que não reclamasse, pedindo misericórdia. Suspirou. Não conseguia mais semexer. — Não vou conseguir dormir com essa luz entrando. Poderia fechar as cortinas?

— Claro. — Depois de alguns segundos, ela abriu os olhos ao ouvi-lo exclamar:— Inferno!

Em sua nudez gloriosa, ele se arrastou para fora da cama e atravessou o quarto.Obviamente seus poderes tinham falhado, ou ele teria conseguido fechá-las deitado nacama.

Kess tentou imaginar como Simon devia se sentir ao perder uma parte do queera.

Medo. Não que ela estivesse reclamando por vê-lo nu por inteiro. Admirou-o porter energia suficiente para atravessar os três metros até a janela. Que homem irritante!Não tinha um grama de gordura no corpo. As costas largas, o quadril estreito, asnádegas... Pura obra de arte. Sentiu-se viva só de olhá-lo.

— Volte para a cama. Acho que ainda não terminei de fazer o que queria comvocê.

Ele sorriu por sobre o ombro.

— Não perca essa linha de pensamento. — Com a mão esticada, pediu: — Venhaaté aqui e me diga com o que você acha que esse prédio se parece.

Com um gemido de frustração, Kess se levantou e foi para junto dele. Enroscandoo braço ao redor da cintura estreita, apoiou o rosto no peito dele e bocejou.

— Que prédio? A basílica?

— O que ela lembra?

Kess semicerrou os olhos contra a claridade.

— O castelo da Cinderela?

— Foi isso que eu pensei. — Ele trouxe-a para mais perto, enlaçou-a e passou aacariciá-la, distraído. — Isso não é uma igreja. Por isso, Abi não mandou consagrá-la.Isso não é uma basílica. É um palácio.

— Não acho que a Disney teria sucesso aqui... Ei, você está falando sério.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 141

— Já entrou lá?

— Não.

— Conhece alguém que tenha entrado?

— Por que o presidente construiria um castelo na costa mais valiosa deMallaruza?

— Porque o sem-vergonha planeja morar lá — Simon respondeu sério.

Ao ouvir uma batida à porta, Kess se levantou para atender.

— Deve ser Simon — disse para Nomis, que estava sentado no sofá folheandouma revista escrita em suaíli.

O alter ego nem respondeu. Em vez disso, sua imagem pareceu ondular, como sefosse fruto de um projetor antigo.

Os lábios de Kess se estreitaram. Pobre Simon, não era à toa que estavavoltando tão cedo. Abriu a porta e começou a dizer:

— Seus poderes estão... Konrad!

O dr. Straus parecia estar voltando de uma batalha: as roupas estavam rasgadase ensanguentadas; o cabelo, sujo e desgrenhado; e havia um hematoma enorme ao redor

do olho. Tinha o rosto coberto por arranhões e a pele dos braços toda esfolada.— Meu Deus! — Kess se apressou a socorrê-lo, fazendo-o entrar no quarto antes

que ele desmaiasse no corredor. — Estou tão feliz em vê-lo! Como foi que me achouaqui? Deixe para lá... Venha, deixe-me...

A porta bateu num estrondo atrás do médico, que a segurou com força pelobraço.

— Kess, você precisa me entregar o cartão de memória da sua máquina. Se nãoo fizer, eles matarão Judy. Eles já... — Os olhos se encheram de lágrimas. — Eles já

cortaram o dedo dela. Vão matá-la se eu não voltar em uma hora.

— Eu, Kon... Este é Simon Blackthorne, um amigo. Simon, este é o dr. Straus.

Os dois homens acenaram com as cabeças, mas não deram as mãos.

— A vítima do sequestro? — Nomis perguntou. A expressão, tão parecida com ade Simon, não era nada amigável.

Kess entendeu por que não tinham se cumprimentado ao ver as mãos inchadas eensanguentadas do médico. Passou o braço ao redor da cintura dele, conduzindo-o até o

sofá.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 142

— Temos café ou água, se você preferir. Seria melhor levá-lo ao hospital. Ficaperto daqui e nós temos um carro.

— Kess, cale a boca, pelo amor de Deus! — Konrad retrucou afastando-se dela.— Pegue a câmera e venha comigo.

— Meça suas palavras, Straus — Nomis ameaçou, parado ao lado de Kess emedindo o médico de alto a baixo. Ela conseguiu imaginar dois cachorros se circundando,os rabos erguidos. — Vamos lá para fora.

Kess se interpôs entre eles e pousou a mão no braço de Nomis, que parecia tãoreal quanto Simon. Mas não era.

— Está tudo bem, pode deixar. — Voltando-se para Konrad, disse: — Lamento,mas não vou a parte alguma. Sabe que isso não faz sentido, mas vou entregar o cartão evocê poderá usá-lo como barganha...

— Pare de enrolar, Kess. Eles querem você e as fotos. Você vem comigo.

— Tome. — Vasculhando a bolsa, pegou o cartão. — Entregue isto a eles e... Oque é isso?

Tudo aconteceu muito rápido: Nomis bruxuleando bem na frente de Konrad, queempunhava um revólver a centímetros do peito dele. Antes que ela pudesse entender oque acontecia, ouviu um estampido ensurdecedor, e viu Nomis sendo lançado para longecom o baque do tiro, parando perto das cortinas. Emitiu um grito de horror e se pôs aatravessar o quarto, mas foi detida pelo médico, que a trazia para junto de si.

Lutando para se soltar, gritou:

— Solte-me! — Por que atirara em Nomis? Não fazia sentido. Nunca tinha vistoKonrad se comportar daquela maneira assustadora. Nem tinha percebido que ele tinhatirado o revólver sabe-se lá de onde... — Me largue!

— Os dedos a machucavam. — O que aconteceu com seu juramento deHipócrates? — Será que Nomis sentia dor? Poderia morrer? E o que aconteceria a Simonnesse caso? Centenas de perguntas se formavam em sua mente enquanto tentava se

libertar. — Por que atirou nele? Deus do céu, Konrad, o que fizeram com você? —Balbuciando, sentia lágrimas correrem pelo rosto; por isso, mal conseguia ver a figura deNomis e a poça de sangue se formando na frente da camisa. Os olhos estavam fechados,e ele permanecia imóvel. Teria morrido? — Solte-me! Maldição!

Sem sobreaviso, ele se metamorfoseou em outro homem. Aquele não era seuamigo. Era um estranho alto, de pele branca sepulcral, com cabelos loiro-avermelha-doslisos, que se partiam na altura dos ombros, caindo pelo peito e pelas costas. Tinha osolhos mais frios que Kess já vira na vida. A camisa branca estava enfiada em calças decouro preto e botas pesadas que chegavam aos joelhos. E ainda vestia um casaco decouro até a altura dos tornozelos. Parecia a figura da morte.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 143

Ele abriu a mão, e Kess quase caiu. Retrocedendo, os joelhos encontraram ocolchão. Com a boca seca e o coração acelerado, encarava-o como se ele fosse umaserpente.

— Você é um bruxo!

— Garota esperta... — Num piscar de olhos, estava ao lado dela, segurando-anovamente. O modo como ele se movia era de arrepiar. — Vamos embora.

Kess sabia que não tinha a mínima chance de se libertar, mas o instinto ordenouque lutasse por sua vida. Ficou enlouquecida e começou a chutar, arranhar e golpear.Porém, tudo o que conseguia atingir era o grosso casaco.

Depois do que pareceu ser uma eternidade, mas que não devia ter durado maisdo que alguns segundos, ele a esbofeteou com o dorso da mão. O golpe a acertou logoabaixo do osso da face, e ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas na mesma hora.

— Simon...

O bruxo olhou ao redor do quarto.

— Já era. E a única razão pela qual permiti que você lutasse foi porque acheiengraçado. Agora já estou farto.

Kess não conseguia deixar de fitá-lo; estava aterrorizada demais para olhar paraNomis.

— Deixe ver se pelo menos ele ainda está vivo...

— Quem é ele?

— Não sei o que quer dizer com isso.

— O bruxo, Simon. Qual é o objetivo dele aqui?

Deus do céu. Qual era a resposta certa? Ela não sabia... Olhou para a janela, eviu que Nomis tinha desaparecido. Para onde teria ido? Quiçá teria se juntado a Simon? E

Simon, teria ele também morrido sem ouvi-la dizer o quanto o amava? Sentiu o estômagorevirar, e negou-se a aceitar tal idéia.

— E-ele está aqui passando férias...

O bruxo voltou a esbofeteá-la.

— Mentirosa.

Ela levou a mão ao rosto que pulsava. Sentiu o coração acelerar e a raiva tomarseu corpo.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 144

— Ei! Não me faça perguntas para depois me chamar de mentirosa! Leve o cartãoe me deixe em paz. Não tenho mais nada que possa interessá-lo...

—Au contraire, minha querida, você tem algo que me interessa profundamente.

— O quê?

— Informação.

— Sou relações públicas. O único tipo de informação que tenho é sobre acampanha presidencial. É isso o que quer? Pois, amigo, é só isso que eu tenho.

— Você fez sexo com ele. — Segurou-a pelo pescoço, os dedos gélidosmachucando-lhe a pele. — Sabe quem Simon Blackthorne é, jy hoer.

Aquela última expressão tinha todo o jeito de um xingamento, mas um insultoverbal era a última preocupação de Kess no momento. Com um movimento inesperado,sentiu-se tonta e se viu na mesma posição, porém num lugar desconhecido. As paredes,o teto e o chão eram pretos; assim, a pele, os cabelos e a camisa do bruxo ressaltavamna escuridão.

Meu Deus, Simon, por favor...

Se ele estivesse vivo e soubesse com quem ela estava, Kess sabia que ele viria.Se não viesse, era porque não podia.

Pare de chamá-lo, ordenou-se ao se sentir varrer por uma nova onda de terror.— Tudo o que sei é que ele é amigo do presidente Bongani. — Kess não sabia o

que mais poderia divulgar, mas preferia não dar mais nenhuma informação que o levassea machucar Simon. Isso se ele ainda estivesse vivo. — O que fez com Konrad? —Perguntou com voz rouca, sentindo sangue nos lábios. Um olho já estava inchado ecomeçava a fechar por causa dos tapas. A compressão no pescoço fazia o corpo inteirodoer, e ela imaginou quanto tempo ainda ficaria suspensa até ele decidir quebrar seupescoço.

— Eu era o dr. Konrad Straus o tempo inteiro. Gosto de ficar perto de meus

projetos de laboratório.

— Que projeto? — Simon, onde você está? Você estava certo... Absolutamentecerto.

— Quem você acha que contaminou a água?

— Eu não ficaria tão orgulhosa por esse feito. Matou milhões de pessoasinocentes!

— Dano colateral. Eles teriam morrido de qualquer modo. Eles não se alimentam

direito, se reproduzem como coelhos... Parece horrorizada, srta. Goodall. Está aqui hádois meses. Acha que os africanos sabem tomar conta de si mesmos? Claro que não.

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Aqui estão eles, sentados sobre o continente mais rico... E o que é um diamante para umkaffir que não sabe nem sustentar a própria família? Precisamos permitir que a populaçãointeira da África seja extinta como os dinossauros.

— Você é louco — Kess sussurrou, completamente transtornada com o fato de

aquele homem dizer tamanha barbaridade com uma calma irracional, discutindo oimpensável. E tudo isso enquanto a suspendia pelo pescoço, a vários metros do chão.

— Minha querida, se os seus olhos ficarem mais arregalados, vão acabar saindodas órbitas. — Ele sorriu, e os dentes muito brancos a assustaram ainda mais.

— Abioyne Bongani vai ser um excelente rei-fantoche quando os povos africanosestiverem unidos em um único e imenso continente lucrativo. O sr. Bongani reinará, e euvou colher o que semeei nos últimos três anos. De fato, um plano brilhante.

— Sinta-se à vontade para se autocongratular. Não estou interessada na sua

retórica. — A conversa era tão bizarra que Kess ficou se perguntando se não estava ten-do um pesadelo.

— Srta. Goodall, em alguns dias todos ficarão sabendo que o presidente será seunovo rei. Afinal de contas, não foi ele o responsável por salvá-los de uma terrível praga?

— Custo a acreditar que ele esteja envolvido nisso.

— Estava ficando cada vez mais difícil respirar; portanto, sua morte era iminente.Simon, eu amo você. — Não acredito em você.

— Como você é ingênua... Quem você acha que sugeriu tudo isso? Querida, estáficando pálida... Vai desmaiar?

— Não. Ninguém vai reconhecer Bongani como rei. Certamente ninguém fora deMallaruza! — Talvez sim, Kess pensou. Todos acreditavam que o atual presidente erauma pessoa humanitária e que amava seu povo. Sempre providenciara ajuda, alimentos,remédios e presença militar. Talvez o reconhecessem, e se unissem ao destino atroz deMallaruza.

— Acha que não? — Ele materializou uma pilha de jornais e revistas e as lançou

no chão, junto com Kess.

Ela esfregou a garganta e olhou para cima. O bruxo parecia bem alto daquelaposição. Tentou se levantar, mas as mãos escorregaram nas revistas espalhadas.

— Veja. Aprecie o trabalho de um verdadeiro publicitário. Leia as manchetes e ashistórias que eu plantei.

As publicações estavam espalhadas ao seu redor. Kess tentou focar asmanchetes através da visão embaçada.

O homem que poderá ser rei, proclamava o USA Today.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 146

África vê novas possibilidades num futuro com Bongani como monarca, lia-se nacapa da revista Fortune.

Países africanos discutem união sob monarquia. Rei Abioyne Bonganiproclamado primeiro rei da África, era a manchete do The New York Times.

Todos datavam do dia seguinte.

— Ninguém em seu juízo perfeito acreditará nisso — ela sussurrou.

O bruxo gargalhou.

— Bongani está tão comprometido que não tem opção. Sou um ótimo ventríloquo,e ele não passa de um fantoche arrogante.

— O que há nas fotos? — Kess perguntou.

— Meus empregados contaminando a água. Esqueci-me de que você estavafotografando enquanto eu me esforçava para salvar aqueles imbecis.

— Você vai para o inferno — ela disse, sentindo o estômago embrulhar.

Ele riu ainda mais.

— O que acha que a África é, querida? É o inferno! Um lugar onde as pessoasmorrem por causa da própria ignorância e inaptidão. A África é o continente habitado mais

pobre, e tem a maior reserva de recursos do planeta. Pense um pouco... Ouro, diamantes,petróleo, cobre, a lista é infinita. Pense a respeito, Poliana. Só estou dando umamãozinha ao inevitável.

— Você não passa de um fanático, racista e megalomaníaco. Um estúpido. Opovo de Mallaruza é gentil, inteligente, generoso, e muitos receberam educação dequalidade. Eles saberão enxergar suas reais intenções.

Com os dentes arreganhados, o bruxo perguntou:

— Inteligentes e educados... no MIT, por acaso? Assim como o novo rei deles?

— Nunca vai conseguir se safar...

— É mesmo? Acredite em mim, srta. Goodall, dentro de noventa dias todos osnegros deste continente estarão trabalhando felizes e contentes para Noek Joubert. Hámais de mil idiomas falados por aqui, e eu sou fluente em todos eles. Oferecendoeducação, alimento e trabalho, eles seguirão o caminho que eu indicar.

Seria ele tão poderoso a fim de fazer aquilo acontecer? Kess não fazia idéia, Oque a aterrorizava era o fato de ele acreditar que podia.

— Vai me matar?

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 147

— Impaciente, querida? Não, agora não. Ainda tenho algumas apariçõesguardadas para você.

Ele tomara o lugar de um médico caridoso e generoso; por isso, teve deperguntar:

— O que fez com Judy? Ou ela também faz parte de seu esquema?

— Não, nada disso. Eu a estou resguardando até que você a encontre.

— Ond... — Ela engoliu o resto da palavra ao ficar sem ar. No segundo seguinte,estava do lado de fora, sob a luz do sol.

Quando Simon a teletransportava, Kess gostava da sensação. Quando o bruxomau fazia o mesmo, ela se sentia nauseada e gélida. Estavam no meio de um esta-cionamento, ao lado de uma fila de galpões. Reconheceu o local de imediato. Ela e Simon

tinham parado ali alguns dias antes para que ele pudesse beijá-la. Parecia um lugardiferente; a atmosfera com certeza era muito mais sinistra.

Ele indicou um carro enferrujado do outro lado do estacionamento abandonado.

Enquanto corria na direção indicada, Kess ouvia a gargalhada às suas costas.

— Judy! — O coração batia forte no peito ao tentar abrir a porta emperrada. —Judy, você está bem? — Assim que terminou a pergunta, percebeu o quanto ela pareciasem propósito. Era óbvio que a amiga não poderia estar bem nas mãos daquele homem.

O porta-malas entreabriu, e Kess retrocedeu ante o cheiro pútrido que escapavado carro. Girando sobre os calcanhares, buscou o bruxo com o olhar.

— Seu covarde! Maldito! Por que teve de matá-la? — gritava como uma mulherenlouquecida. Enraivecida e mais assustada do que jamais se sentira a vida inteira.

— Porque eu aprecio brincar com a morte. A culpa é minha se ela não resistiu?

— Então escolha alguém do seu tamanho, alguém com quem possa lutar comoigual, seu cretino. Ou tem tanto medo de enfrentar alguém que consiga machucá-lo? É

fraco demais para combater um oponente que possa surrá-lo até a morte?

Com um aceno, Joubert fez Kess levitar com os pés a um metro do chão.

— Quer me enfrentar, garotinha? — Ele riu quando a lançou como uma bonecade pano contra a cerca de arame quinze metros mais distante.

O impacto tirou o ar dos pulmões dela.

Kess respirou com um chiado no peito, arfando como um peixe fora d'água. Nãosabia o que era pior, estar inconsciente quando ele fizesse o mesmo que tinha feito à sua

amiga, ou estar acordada e sentir tudo.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 148

Num instante, ele estava do outro lado do estacionamento; no seguinte, estavaagachado ao lado dela, o casaco de couro como uma poça ao redor das botas. O longocabelo aloirado pairava ao redor do rosto de Kess. Ela não conseguia se mexer. O corpotodo estava entorpecido pela força do impacto. Mal conseguia inspirar, e o terror parali-sava seu cérebro ao fitar os olhos gélidos do monstro.

— Deixe-me ajudá-la — ele disse com candura.

Não quero sua ajuda. Deus, não permita que ele toque em mim!

Não queria... aquela coisa perto dela. Seu corpo, no entanto, não tinha comoreagir, e ela só pôde observar quando ele aproximou os dedos longos e pálidos do seupeito, massageando-o com sutileza. Sentiu a bile subir à garganta quando ele sorriu, amão se movendo com obscena familiaridade acima da curva do seio, massageando efazendo o ar entrar nos pulmões.

— Depois que eu cuidar de você, vou matar seu namorado.

Kess tentou se agarrar à cerca às suas costas para se afastar da mão gélida. O arentrava com lentidão agonizante nos pulmões danificados.

— P-por q-quê? O q-que fizemos...

— Ora, não é nada pessoal, querida. Matar e praticar tiro ao alvo me dão omesmo tipo de prazer.

— Mons... tro. — Pânico, escuro e insidioso, preencheu sua mente como umatinta negra que macula a água de um lago, ao encarar os olhos opacos.

— Só preciso de você parcialmente viva para atrair Blackthorne. Deixe-meirritado, e posso rever meus conceitos.

Um odor desagradável o rodeava, provocando nela o desejo de segurar o fôlegopara não respirar perto dele. Era o cheiro da morte. Virou a cabeça, mas os fios longos osmantinham unidos, e Kess se sentiu como uma mosca presa na teia de uma aranhamonstruosa.

— Tem... — inspirou com mais profundidade — o que... quer. As fotos. Por quenão... age como homem... e me deixa...

A mão que a massageava se retorceu e a fez se levantar, chacoalhando-a no ar.O que mais atemorizava Kess era que o bruxo não demonstrava raiva.

Ele vai quebrar meu pescoço, era tudo o que conseguia pensar. Vai me sacudiraté conseguir isso.

Mais uma vez, ele a suspendeu no ar. Por mais que esperneasse, ela não tinhaonde se apoiar. Joubert continuou a sacudi-la e, sem resistir, Kess cedeu à náusea e

vomitou.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 149

Jogando-a para o alto como uma bola de tênis, ele a acertou no meio doestômago, colocando toda a força no golpe.

Kess perdeu a consciência antes mesmo de atingir a altura máxima.

Simon queria respostas e, para tanto, seria melhor dirigir-se diretamente aBongani. O tempo estava acabando e já tinha perdido a paciência.

Abi, no entanto, não estava nem no gabinete nem no apartamento luxuoso emfrente à marina.

Vasculhando a cidade, Simon identificou três pontos de energia de bruxo. Nasdocas, na catedral-palácio e num depósito na parte norte da cidade. Como as duasprimeiras opções ficavam próximas uma da outra e perto do hotel onde deixara Kess,resolveu ir até o depósito primeiro.

Depois de uma rápida inspeção, continuaria seu caminho. Suspeitava que Abiestivesse nas proximidades da catedral, rezando pela intervenção divina naseleições/coroação do dia seguinte. Ou talvez estivesse admirando todo o ouro e mármoreimportados enquanto seu povo morria de fome ou em decorrência do coquetel de vírusmodificado geneticamente.

Precisou dirigir até o depósito, visto que não tinha conseguido se teletransportar.No caminho, decidiu ligar novamente para Mason Knight, porém, como não o encontrou,deixou um recado. Não aguentava mais não poder confiar completamente em seuspoderes.

Estacionou ao lado do depósito. Por ironia, ficava bem perto do lugar onde tinhaparado o carro para beijar Kess como um adolescente descontrolado.

A série de cadeados complicados não representou um problema; o escudoprotetor ao redor do prédio era outra história. Precisou de todas as suas forças paraquebrar o encantamento; precisou até mesmo ausentar Nomis do hotel por algunsminutos. Desgastando-se ao máximo, abriu uma fenda no escudo e se espremeu paraentrar na construção.

Não foi nada fácil. Por certo, um bruxo muito mais poderoso do que Abi tinha sido

o responsável pelo feito. Noek Joubert. Ele estava ali. Restava saber com que propósito.

Tentou ver como andavam as coisas com Kess, mas não conseguiu ver pelosolhos de Nomis. O escudo tinha voltado a se fechar. Só podia ser obra de Joubert. Ummau pressentimento provocou um calafrio em sua espinha.

Felizmente enviara Nomis de volta ao hotel. Sabia que podia contar com aquelasua parte para mantê-la a salvo. Seu alter ego jamais permitiria que algo acontecesse aKess.

Janelas no alto do teto permitiam a entrada da luz tênue do pôr-do-sol. O ar

estava fresco, pois os enormes ventiladores industriais no telhado refrescavam o lugar. O

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 150

zunir das pás de metal encobriam o som de suas passadas no chão de concreto. Tudoestava mergulhado na penumbra.

Apenas a terça parte do depósito estava desocupada; o restante tinha filas e filasde contêineres e caixas. Iluminando-os com a lanterna, viu o que estava escrito em letras

garrafais:

CRUZ VERMELHA. MÉDICOS SEM-FRONTEIRA.

Ali estavam os suprimentos que a dra. Phillips tanto aguardava. Passou um dedopela superfície das caixas. Estavam todas cobertas por uma grossa camada de poeiravermelha. Por quanto tempo os engradados descansavam ali enquanto os médicosimploravam por remédios e suprimentos? Meses? Enfurecido, cerrou os dentes e iluminouas caixas.

Remédios. Alimentos. Água. Sementes e equipamentos agrícolas. Roupas e

brinquedos. Milhões em donativos que teriam ajudado sobremaneira o povo de Mallaruza.O que Abi vinha fornecendo aos doentes? Placebo? Não era à toa que nada tinha surtidoefeito, visto que toneladas de medicamentos estavam depositadas num lugarabandonado. A ajuda estivera ali antes mesmo do alastramento da epidemia.

Usando a visão ublíqua, viu a aproximação de Abi, embora já o tivesse notadopelo som dos passos. Virou-se para encará-lo.

— Isto não é o que parece — Abi afirmou. Ele carregava um rifle M16 no ombro euma semiautomática na outra mão.

Desligando a lanterna, Simon o enfrentou na penumbra.

— É exatamente o que parece. — Não tentou pegar a Taurus. Era mais rápido ebem treinado para enfrentar um homem armado do que Abi. Por enquanto, manteria apistola no coldre.

— Por mais de vinte anos, temos guerra civil em Mallaruza. — Abi continuouandando na direção dele.

— Não sabemos quando ela terá fim e, nessas duas décadas, Mallaruza e muitos

outros países africanos receberam milhões de dólares como ajuda. Caridade. Dois terçosdos países mais pobres encontram-se na África. Dinheiro, para os europeus, é a soluçãopara todos os problemas. Não precisamos da esmola deles. O que precisamos é ali-mentar nossas crianças, fomentar nossa agricultura e engordar nosso gado! Nãoqueremos mais ser pedintes, não vê? — Mirou a arma no peito de Simon. — Quarenta eduas das cinquenta e duas nações da África não têm esperança de se desenvolver.Somos como uma balsa perdida no oceano no meio da noite — completou com amargura.

— A África está afundando, apesar dos bilhões enviados. Por isso, precisamosaprender a cuidar de nós mesmos, a conduzir o nosso destino. Sem ajuda.

— Lindo discurso — Simon disse com sarcasmo. — Vá em frente, mas não destemodo. O que se passa pela sua cabeça, Abi? Destino? Vendeu a alma ao diabo e deu

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carta branca para um grupo terrorista como o Fênix e para um bruxo corrupto e poderosocomo Joubert.

— Vou unir a África, Blackthorne. Sessenta e dois por cento dos países destecontinente têm seus soldados treinando aqui. Mallaruza está provendo alimentos e auxílio

a todos. Eles precisam de um líder forte, poderoso e visionário.

— Nenhum homem é forte ou inteligente o bastante para liderar muitos milhõesde pessoas que já se encontram no limite da destruição.

— Provei ser capaz disso.

— Como? Envenenando a água potável para que metade da população feneçasob o jugo de uma doença horrenda? Roubando e détendo a ajuda que vem do mundointeiro?

Com os olhos arregalados, Abi mostrava as pupilas dilatadas.

— Você sabe...

— Que você encomendou a união dos genes da dengue hemorrágica com aleptospirose? Que você mata com uma das mãos e com a outra oferece compaixão?Milhões morreram enquanto você surgia como um santo.

— Quando eu me tornar rei, outros milhões se salvarão. Trarei saúde eprosperidade ao país.

— Então, entregue os suprimentos aqui armazenados. Priorize e dê um jeito naincompetência. Acabe com a corrupção e a cobiça, com o uso arbitrário do poder go-vernamental. Não se autoproclame rei e se torne o fantoche de um louco.

— Ele não...

— Enquanto você governa mal orientado, embora benevolente, Joubert estádestituindo o continente de todos os seus recursos naturais sem que ninguém perceba.

Vejo surpresa em seus olhos... Acha mesmo que Joubert e o Fênix vão permitir

que faça o que bem entender? Nem por sonho. Vão manipulá-lo, como fizeram até agora.Você e as pessoas que confiam em você, Abi.

Simon se afastou dos contêineres e sentiu a raiva vibrar em seu corpo, como osom em um diapasão.

— Joubert é um dos bruxos mais poderosos que já conheci — ele continuou. —Ele vai acabar com todos os recursos do país. E deixará você cuidando de um país quenão conseguirá se sustentar por si próprio. Todos os países que apostarem no rei daÁfrica afundarão também, ficarão numa situação cem vezes pior do que a atual. Olhe àsua volta. Já começou. Este depósito está abarrotado de medicamentos, alimento e água

potável. E a ajuda que você disse ao seu povo que ainda não tinha chegado. O que hánaqueles navios atracados? Deixe-me adivinhar... Ouro? Esmeraldas? Armas? Na

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verdade, Joubert já está roubando as riquezas dos pobres coitados, mais rápido do queeles conseguem extraí-las.

Abi segurou-o pelo braço.

— Fique ao meu lado, Simon. Juntos, poderemos ganhar mais dinheiro do quevocê jamais conseguiria imaginar.

— Dinheiro sujo. — Ele se desvencilhou. — Não, obrigado. Eu trabalho para osmocinhos.

Retrocedendo, Abi ergueu as mãos.

— Você é um idealista. Nem tudo é preto ou branco.

— Ou você é um mocinho, ou é um dos bandidos. Tenho o pressentimento quevocê e seu comparsa fazem parte do grupo dos bandidos.

— O que pretende fazer, meu velho? Vai me matar? — Abi perguntou.

— Ninguém vai matar meu precioso bem. — A voz aveludada e conhecida deJoubert se fez ouvir quando ele se materializou ao lado de Abi. Em seus braços, jazia ocorpo inerte de Kess.

Jesus! O escudo protetor que lançara sobre ela havia falhado. Essa falha erainadmissível. Bongani logo se pôs entre eles.

— Não façam nada... impensado. — Os olhos suplicantes iam de um a outro.

Simon afastou-o do caminho. Estava perto o bastante para tocar em Kess, masforçou-se a se concentrar em Joubert. Podia vê-la pela visão periférica, e o que viu o fezcerrar os dentes. Ela tinha apanhado. Muito. Uma fúria cega o invadiu ao ver o rostopálido e surrado. Recusou-se a entrar em pânico diante da quantidade de sangue quemanchava as roupas e a pele dela. Não podia se dar ao luxo de abaixar a guarda. Nãopoderia ficar desatento.

Em vez que arrancá-la do bruxo e segurá-la em seus braços a fim de se certificar

de que ela ainda estava viva, encarou Joubert com um olhar mortífero e disse com pre-tensa calma:

— Coloque-a no chão. Com cuidado e agora.

— Puxa... Estou morrendo de medo — Joubert zombou. Abriu os braços, ocasaco negro conferindo-lhe o ar de um morcego, e sustentou Kess no ar carregado entreeles. Uma mecha do longo cabelo aloirado unia-o ao corpo inerte dela. Uma aranhamalévola com uma borboleta inocente presa na teia sinistra. O falso humor deixou asfeições do bruxo.

— Você é uma distração divertida, Blackthorne, mas não é um oponente de valor.

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— Que droga! Detesto desapontá-lo — Simon disse, sarcástico. Tentou lançá-lopara longe, afastando Kess do que quer que se seguiria. Não funcionou. E, se não tinhapoderes nem para aquilo...

A gargalhada de Joubert ecoou no depósito.

— Duvido que seja sequer meio bruxo, Blackthorne. Um quarto, talvez? Não deveser um bruxo de verdade. Quiçá um mágico amador? Apresentou-se em alguma festainfantil nos últimos tempos?

O sangue de Simon gelou enquanto ele tentava encontrar uma solução paraenfrentá-lo destituído de seus poderes, pois no momento não tinha nada. Zero.

Um agente da T-FLAC contra uma dúzia ou mais de terroristas armados faziaparte de seu treinamento; era algo factível. No entanto, uma equipe de agentes contra umbruxo com o poder de Joubert significava suicídio.

Em outras palavras: não tinha saída. A menos que encontrasse um modo de seaproveitar dos poderes de Joubert. Tudo o que precisava era de uma pequena distância ealguns segundos para surrá-lo pelo que tinha feito a Kess, e então o mataria pelo quetinha feito ao povo de Mallaruza.

Então, lembrou-se das palavras de Kess:

Não deixaria de ser quem você é. Não perderia o emprego, perderia? Por certonão perderia seus amigos, suas outras habilidades ou sua bela aparência.

Sentiu-se tomado pela adrenalina. Se teria de agir daquela maneira, precisava seaproximar do inimigo. Não precisava estar apenas perto, mas praticamente colado aomaldito. Roubar poderes, presumindo que fosse capaz de fazer isso em seu atual estadoenfraquecido, era algo que requeria proximidade.

— Está com medo de se meter com alguém com capacidades limitadas, Joubert?

O bruxo girou um dedo e fez Simon rodopiar de cabeça para baixo até dar umencontrão numa pilha de engrada-dos. Uma dúzia de contêineres se espatifou no chão,espalhando seus conteúdos numa confusão de vidro, papel e medicamentos. Joubert logo

se aproximou para vê-lo aterrissar. Era o que Simon pretendia: o bruxo estava longe deKess.

Simon se perguntou se Joubert teria algum outro su-perpoder além damultiplicação. Imaginou se conseguiria fazê-lo se multiplicar e, assim, dividir sua força,tornando-se individualmente mais fraco. Quem sabe? Levantou-se do chão cimentado,limpando a poeira da roupa.

— Aprendi isso na creche dos bruxos... — De repente, sentiu um pouco de suaprópria energia voltando. Vai dar certo!

Teletransportando-se imediatamente para trás de Joubert, Simon aproximou osdedos de ambas as mãos e golpeou os ouvidos do oponente simultaneamente. A força do

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golpe provocou um grito de agonia em Joubert com a explosão dos ouvidos. O ataque-surpresa permitiu que Simon lançasse o oponente para o alto, mantendo-o lá. Seuspoderes não tinham falhado, mas seriam insuficientes para manter o maldito perto dotelhado. Quanto tempo conseguiria segurá-lo? Um minuto ou uma hora? Mais umsegundo? Não tinha alternativa a não ser agir.

Lançou-se para o telhado, flutuando na frente de Joubert, cujo longo cabeloformava um halo ao redor da cabeça por conta do vento produzido pelos ventiladores,como se ele estivesse submerso.

— Não queria que se sentisse solitário aqui em cima — zombou.

Pela visão ubíqua, percebeu que Abi, lá embaixo, ajudava Kess a se levantar.Lidaria com o antigo amigo mais tarde. Por enquanto, teria de se concentrar na tarefa quetinha em mãos: matar Joubert.

Com a Taurus na mão, descarregou uma série de tiros, fazendo-o dançar comouma marionete. Recarregou a arma e se preparou para nova rodada.

Apesar dos ventiladores, fazia muito calor perto do teto, e Joubert suava sob opesado casaco de couro. Simon não lhe dava descanso, continuando a atirar. O fogoaberto forçou o bruxo a continuar subindo, o casaco se enros-cando nas pernas conformeele desviava das balas.

Droga! Ele armara um escudo protetor, e as balas não faziam nada além de forçá-lo a subir, pois apenas ricocheteavam pelo depósito, atingindo as paredes.

No entanto, ele estar ocupado o bastante para lutar já era uma vantagem a favorde Simon, que acreditava no ego monumental do oponente, certo de que o poderosobruxo não continuaria dançando para evitar ser atingido.

Com a mão livre, Simon enxugou o suor que escorria pela testa. Tinha energiasuficiente para levitar, porém não para muito mais do que isso. Portanto, continuava aatirar, direcionando o oponente para os enormes ventiladores.

— Solitário? — Joubert respondeu com escárnio depois de um instante. — Muitodifícil. Na verdade, estou ficando entediado. — Executou uma cambalhota perfeita no ar,

como se estivesse mergulhando de um trampolim, seguindo como um canhão na direçãode Simon, que mal teve tempo de ouvir o grito assustado de Kess ao começar umcombate corpo a corpo com Joubert em pleno ar.

Pelos minutos seguintes, Simon usou a energia do oponente e o fato de estaragarrado a ele para levitar, poupando assim suas próprias forças. De maneira semelhanteà usada para transferir poderes para Nomis, ele sugou o quanto pôde das habilidades doadversário e enviou-as ao único repositório de sua confiança.

Ouviu Kess emitir um gemido e pegou um pouco mais de poderes para si mesmo.Em seguida, acertou o rosto do bruxo com a coronha da arma, satisfeito como som de

ossos esmagando.

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Os olhos de Joubert se arregalaram e o rosto ficou muito vermelho quando se deuconta do que ele tinha feito.

— Maldito! — ele sibilou e retaliou com o golpe de uma faca, cortando fundo obraço de Simon.

O corte foi gélido; o sangue jorrou, quente.

— Mesmo depois de seu assalto, eu ainda tenho mais poderes no meu dedomindinho do que você tem no seu corpo inteiro. — Joubert se soltou, deixando-o cair emqueda livre e depois, no último segundo, quando Simon já sentia o cheiro da poeira dochão, trouxe-o de volta, como se ele estivesse amarrado a um elástico.

Simon agarrou-se a uma viga de metal e balançou, tonto. Maldição!

Joubert mudou o ângulo do corpo e voltou a descer, indo na direção de Kess.

O ar estava impregnado com o cheiro dos remédios derramados no início doconfronto, e já estava escuro o bastante para comprometer da visão do alto.

— Kess! — Simon chamou. — Atire no maldito!

— Com o quê? — ela gritou de volta, obviamente em pânico.

— Feche os olhos e imagine Joubert voando pelos ares e atingindo as caixas dooutro lado do depósito!

— Por quê?

— Faça isso, pelo amor de Deus! Logo!

— Eu lhe disse que cuidaria de tudo. Você só teria de ser eleito. Isso era tudocom que tinha que se preocupar — Joubert acusou Abi.

— Eu sei. Eu sei. Pensei que os hurenianos tivessem contratado um meio bruxopara ajudá-los a... — Abi tentou se desculpar.

— Meus rapazes só estavam se divertindo um pouco. Simon viu que Kesstropeçou ao tentar andar. Não havia luz suficiente para ver seu rosto, mas conseguiaimaginar a fúria e a indignação estampadas nele. Amava a coragem e as convicções dela,porém aquele não era o momento para aquilo. Não quando Joubert se movia em suadireção.

— Considera o assassinato de milhões de pessoas inocentes uma diversão? —ela exigiu saber.

— Agora não, Kess, querida. Concentre-se. — Simon testou seus poderes comoalguém que cutuca um dente dolorido com a ponta da língua. Nada... Eles tinham-no

abandonado. Por completo. Enquanto isso, ele balançava numa viga vinte metros acima

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do chão. Nem uma faísca. Uma centelha. Precisava ir para o lado de Kess. Naqueleinstante.

— Shazam! — Kess gritou.

De olhos arregalados, ela viu Joubert ser lançado para o outro lado, atingir aparede e escorregar para o chão.

— Shazam? — Simon perguntou, rindo.

Ela deu de ombros.

— Sou nova nisso tudo. Pensei que seria melhor dizer alguma coisa ao usar amagia. Ninguém me explicou as regras, sabe...

— A única regra que precisa saber — Simon disse ao recarregar a arma, depoisde se jogar do alto e começar a correr na direção de Joubert — é que, custe o que custar,não pode permitir que ele a toque para retomar seus poderes.

— Não preciso de todos os meus poderes para derrotá-lo, Blackthorne — Joubertzombou ao se levantar e sacudir a poeira.

Simon atirou na mesma hora em que o outro lançou uma bola de fogo em suadireção. No momento em que a bala encontrou o fogo, uma explosão se fez, seguida deum clarão branco e quente quando a bola se desintegrou.

— Filho da... — Joubert começava a imprecar e virava a mão para recomeçar oataque, mas foi impedido por Simon, que o acertou em cheio na palma. Ele olhou para amão e depois de volta para o adversário. — Vou sentir prazer ao matá-lo!

— Digo o mesmo! — Simon fez um meio giro e atingiu a lateral da cabeça delecom o solado da bota, fazendo-o cair de joelhos.

Joubert retaliou, passando uma rasteira e levando-o ao chão num baque surdo.

Rolando de lado para evitar a lâmina, Simon empunhou a Taurus, preparando-separa o tiro final. Antes, porém, que conseguisse apertar o gatilho, sentiu a arma esquentar

e queimar a sua mão. Livrou-se da pistola a tempo de vê-la derretendo sob o feitiçolançado.

— Sua mãe não lhe ensinou a não brincar com armas? — Joubert zombou.

Simon usou o pouco de magia que restava para tentar desarmar o oponente. Atentativa falhou. Teria de usar os métodos antigos. Arqueando as costas, apoiou-se noscalcanhares e se levantou. Abaixou os ombros e se lançou sobre Joubert, desviando-seda faca e empurrando-o para a parede. Enfiou o dedo na ferida aberta da palma e bateu aoutra mão na parede até ouvir o som da faca caindo no chão.

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Adoraria cada segundo de matar o maldito bastardo. Queria testemunhar a vidaescoando do corpo de Joubert. Levantou a mão para esganá-lo, mas viu-se de encontro àparede. Joubert sumira.

Pela visão ublíqua, viu o presunçoso bruxo se materializar do lado oposto do

depósito e prender Kess de encontro ao peito.

— Você perdeu. — Ele pendeu a cabeça para trás ao sentir a corrente elétricaque passava do corpo de Kess para o seu, recuperando, assim, seus poderes. — Achoque vou me aproveitar um pouco deste corpo antes de matá-la.

— É o que você acha — Kess disse, pisando com força no pé dele.

Joubert nem piscou, o olhar sem vida fixo em Simon, enquanto começava alevitar, levando Kess consigo, e a lançar bolas de fogo. Avançando pelo depósito,perguntou:

— E que tal experimentar meu coquetel modificado? Gostaria de ver estabelezinha se esvaindo em sangue, implorando para que acabem com seu sofrimento?Sou um homem generoso. E bem-vindo para lutar por sua garota, rapaz.

Simon sentiu o corpo gelar. Puxando a adaga do coldre na coxa, correu. Sempoderes para levitar, tinha de forçar seus músculos ao máximo. O suor brotava na fronte eo sangue jorrava do corte no braço, tornando a pegada na pistola escorregadia. A adaga,porém, estava firme na outra mão.

Nunca estivera no mesmo lugar e na mesma hora que Nomis, mas não haviatempo para antecipar o que poderia acontecer se estivessem. Assim, fez Nomis aparecerà frente, seu corpo imaterial se colocando entre Kess e Joubert.

— Você a quer? — Joubert jogou Kess para cima de Nomis, e os doistropeçaram.

Nomis não titubeou ao levantar a arma e trocar tiros, ao mesmo tempo em que seesquivava, protegendo Kess.

Estava tão escuro que Simon não conseguia divisar as quatro pessoas adiante. A

gargalhada de Joubert, entretanto, soava alta e clara. Manteve-se firme, esperando queseus poderes voltassem.

— Pare de atirar. Pare! Ele vai salvar meu povo! — Abi gritou, levantando aSW.45 para devolver fogo.

Kess deu um meio giro, mas não foi rápida o suficiente. Nomis mergulhou emcima dela, tirando-a do caminho. Ela caiu vários metros adiante, de barriga para baixoenquanto a arma de Nomis era descarregada. Abi caiu no chão.

— Não tem poderes. Como veio parar aqui? — Joubert exigiu saber, ao mesmo

tempo em que materializava um revólver e começava a atirar.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 159

Nomis a segurava nos braços. Era como se estivesse com Simon, mas eradiferente também, pois ele não estava quente nem reagia ao seu toque. Todos ospoderes dele tinham sido transferidos para Simon.

— Isso. Continue assim. Concentre-se. — Ela ficou onde estava, segura no chão

com as costas apoiadas no peito largo de Nomis. Era estranho, mas não estava maisassustada.

Observou a luta entre Joubert e Simon, uma confusão de pernas e braços,barulhos ensurdecedores e faíscas saindo dos corpos. Cada golpe, cada investida, cadachute provocava uma centelha de cor diferente até que a escuridão do depósito foitomada por fumaça e o cheiro de... ovos podres?

Um repentino lampejo ofuscante forçou-a a fechar os olhos. A luz foi seguida poruma explosão que reverberou por todo o prédio, derrubando tanto ela quanto Nomis.

Kess se perguntou, num átimo, se aquele seria o fim de todos eles.

Nomis cobriu seu corpo com o dele para protegê-la do entulho que caía sobreeles. Parecia o fim do mundo. Num instante, estava praticamente esmagada sob o corpodele e, no instante seguinte... Sentiu um tapa no rosto.

— Ops! — exclamou abrindo os olhos.

Simon riu, o rosto preenchendo seu campo de visão. Adorava aquele rosto,mesmo arranhado e sujo.

— Só você mesmo para dizer "ops" quando alguém tenta acordá-la com um tapae rir quando um prédio despenca em cima de você...

— Ele morreu? — perguntou, fraca. Tinha sentido uns vinte anos de adrenalinaem poucos minutos e estava um pouco desorientada.

— Você ainda tinha um pouco dos poderes dele. A combinação disso com o fatode eu ter tocado Nomis pela primeira vez ampliou meus poderes como nunca. NoekJoubert... se desintegrou.

— Isso quer dizer que ele está morto mesmo e nunca mais vai voltar, certo?

— Certo. — Ele afastou os cabelos do rosto dela, os dedos um pouco trêmulos.

Kess segurou-lhe a mão e perguntou:

— Você está bem?

Simon sorriu.

— Não tenho costelas fraturadas, lacerações nem hematomas.

— Isso tudo vai sarar — ela assegurou.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 160

— Mais cedo do que espera — ele afirmou. — Feche os olhos e descanse,querida. Preciso voltar ao trabalho.

O coração dela, que ainda batia fora de compasso, soou mais forte aos própriosouvidos.

— Claro. Vou ficar bem... — Olhou para além dele e ficou confusa. — Estamos...

— Na ala médica do QG. — Simon olhou por cima do ombro e chamou alguém.— Esta é Beth. Ela vai cuidar de você enquanto eu estiver ausente.

Kess olhou para a mulher com o olho bom. O outro já estava completamentefechado pelo inchaço. Excelente. Estava completamente desarrumada de novo. E ali esta-va outra linda morena para "tomar conta dela".

— Meu dia de sorte — murmurou.

Simon, ainda segurando sua mão, disse para a médica:

— Caleb Edge deve chegar logo para dar um jeito nisso tudo. Dê algo para a dorse ela precisar. — Apertou seus dedos. — Comporte-se até eu chegar.

— Quem é Caleb Edge, e isso quer dizer que posso não me comportar depoisque você voltar?

— Quando posso sair daqui? — Kess perguntou num tom hostil na manhã

seguinte quando a porta se abriu, dando passagem para Simon.Seu coração acelerou ao vê-lo entrar vestido com calças e camiseta pretas,

delineando seu corpo forte. Levou o tempo que quis para admirá-lo enquanto notava que,mais uma vez, ele estava lindo enquanto ela estava um caco.

Tinha sido levada para a T-FLAC, colocada numa maca no dia anterior econduzida até um quarto; desde então, não o vira mais. Adormecera como um saco depancadas e despertara sem qualquer indício da luta na qual tinha se envolvido. Essesespiões tinham acesso a muitas conveniências...

— Estou cansada de ver gente entrar e me examinar. — Mais parecia umaadolescente mimada, mesmo aos próprios ouvidos. Por isso, mudou o tom de voz e conti-nuou: — Os hematomas se foram e as fraturas nas costelas também. Quero dizer, achoque sim, senão eu perceberia, certo? Conheci Caleb Edge ontem à noite. Além de lindo,tem jeito com as mãos... Depois de vinte segundos, eu me sentia pronta para dançar...Isso se eu soubesse dançar direito.

— Que bom que Caleb conseguiu cuidar de você. Não queria que você sentissedor um segundo além do necessário.

— Ele é algum tipo de curandeiro?

Simon assentiu.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 161

— Esse é um dos seus poderes.

— Um muito conveniente para se ter neste tipo de trabalho. Bem, e agora, possosair?

Os lábios, firmes e determinados, quase, quase se curvaram num sorrisoenquanto os olhos perscrutaram o que se podia ver do corpo dela.

— Vejo que não está gostando do atendimento na T-FLAC...

— Não há muito o que apreciar se nos encontramos fechados num mesmo quartopor doze horas seguidas. Eu gostaria de fazer um tour — disse, observando-o a fim dedeterminar seu humor. Deviam ter uma foto dele debaixo da palavra "inescrutável" nodicionário.

— Pode sair quando achar melhor — ele disse, segurando a barra ao lado da

cama com as mãos fortes cheias de cicatrizes.

— Posso? — Kess jogou as cobertas para o lado e pulou da cama.

Simon se colocou ao lado dela no instante em que ela falseou e se sentiu tonta.

— Uou! Cuidado, pode sentir tontura.

E sentiu. Um pouco. Não o suficiente para forçá-la a voltar para a cama.

— Onde estão minhas roupas?— Foram incineradas. Estão providenciando novas para você.

Kess levantou a cabeça para encará-lo.

— Espero que seja algo provocante e vermelho. Não. Melhor, preto e provocante.Bem sensual. Salto alto. E um sutiã push-up com bojo. Estou cansada que me veja comose eu nunca tivesse visto uma escova antes...

— Você não precisa de um sutiã push-up. Você...

Só os homens mesmo para escolherem mencionar o sutiã.

— Mas preciso de uma escova, é isso?

Os olhos dele ficaram da cor das florestas.

— Está com vontade de brigar?

— Não me trate com superioridade, Blackthorne!

— Encarou-o. Como ele era alto... E ela estava descalça, ainda por cima. Simonestava no quarto já havia vários minutos, e nessa eternidade não fez nenhuma tentativa

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de beijá-la ou tocá-la, ou droga... de fazer qualquer das outras coisas que ela queria queele fizesse. Maldição!

— Não estou, não...

Ele levantou as mãos como se fosse tocá-la, mas depois as abaixou.

— Falei com a dra. Roberts — Simon começou a falar com a voz abafada. — Eladisse que conseguiram criar um antídoto para o vírus. Em vez de administrá-lo, vão lançá-lo em forma de spray sobre a região afetada daqui a umas duas horas. Isso deveerradicar o vírus. Também criaram um medicamento antiviral para os que já estão infecta-dos. Não será cem por cento eficaz, mas estamos fazendo o possível para salvar o maiornúmero de pessoas.

Kess fechou os olhos por um instante.

— Graças a Deus! — Quando voltou a abri-los, pareceu-lhe que Simon tinha seaproximado um pouco mais.

— E as eleições? Foram hoje...

— Sr. e sr. Jungo Kamau foram eleitos presidente e primeiro-cavalheiro commaioria esmagadora.

Ele a observava com uma expressão estranha, como se quisesse encontrar ummodo de dizer: "Ei, obrigado pelo passatempo adorável". Ficou imaginando se ele es-

perava ser liberado de qualquer compromisso por ela. Tudo o que Kess conseguiupronunciar foi:

— Hum...

— Fui para a minha casa ontem. Eu a estava construindo com as mãos, masdecidi apressar o processo usando magia para terminá-la.

— Ah, então seus poderes resolveram voltar a funcionar a toda agora? —Comentou irônica. — Que ótimo!

— Precisei terminar rápido para poder levar minha mulher para casa. Estánevando por lá, sabe?

Kess usou as palmas das mãos para empurrá-lo, fazendo-o retroceder algunspassos.

— Pare de falar na sua "mulher do amanhã"! — Kess sentiu uma dor no peito e osolhos úmidos. — Ela está aqui! Bem na frente dos seus olhos... idiotas demais paraenxergarem o que está bem diante deles! Droga... Eu sou ela! Sou a mulher dos seussonhos. Sempre fui. O que eu preciso fazer? Tingir meu cabelo e colocar um implante desilicone? Que diabos eu preciso fazer, Simon Blackthorne com "e", tatuar "mulher do

amanhã" na minha testa para que possa entender finalmente? — Fez uma ligeira pausa.— Quero ser o centro do seu universo, assim como você é o centro do meu. Sou sua

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mulher. Você é meu homem! Não me importo se isso se parece com a letra melosa deuma música qualquer. Nós nos pertencemos, droga...

Os olhos de Simon passearam pelo seu rosto quando ele a segurou comgentileza.

— Case-se comigo, Kess.

"Eu te amo, Kess" teria sido mais apropriado. Maldito homem!

Voltou a empurrá-lo.

— Só está dizendo isso para me deixar maluca. Não é possível que me ame tantoquanto eu amo você, e eu me recuso a ficar olhando por sobre meus ombros pelos próxi-mos cinquenta anos caso a sua morena perfeita apareça.

Os olhos verdes se estreitaram, e ele meneou a cabeça, como se pensasse comoera maluca a mulher que tinha arranjado. Kess podia jurar que ele era capaz de ler suaalma e seus pensamentos ao ver um ligeiro sorriso começar a ser formar nos lábiosmásculos.

— Isso não é nem um pouco engraçado — disse, zangada. — Estoudesempregada de novo. Talvez para sempre. E nem sei se um simples trabalho derelações públicas me deixaria satisfeita. Acho que fiquei mal-acostumada.

A boca de Simon se curvou, mas ele disse num tom sério:

— Muito compreensível, visto as experiências dos últimos dias. Agentes especiaiscostumam ter má fama, sabia?

— Hum... Bem... — Ela o olhou com suspeita, sem saber o que dizer.

— O que você pensa a respeito de crianças?

— De quem?

— Nossas.

— Acredito que nossos filhos seriam perfeitos, porém, visto que não temosnenhum, a pergunta não tem sentido.

Simon riu.

— Espero que sejam imperfeitos e incríveis, como a mãe deles. — Ele a abraçoue a colocou de volta na cama. Com um "clique" na porta, trancou-a. Deitando-se ao ladodela, esticou-se e puxou-a para seus braços. — Felizmente, o trabalho que tenho emmente fica bem perto de casa e acho que tenho bastante influência, caso você prefiratrabalhar meio período para cuidar das crianças.

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Série T-Flac Anjo da Noite Cherry Adair 164

Kess passou os dedos no rosto másculo. Ele precisava se barbear, mas estavalimpo e cheiroso... Seu coração se alegrou apenas pelo fato de estar entre aquelesbraços. Beijou-o no queixo.

— Não faço a menor idéia do que você está falando. — Assustada demais para

construir castelos nas nuvens, penteou os cabelos negros com os dedos.

— A T-FLAC vai lhe oferecer um trabalho no departamento de disseminação deinformações.

Ela deixou escapar o ar que prendia nos pulmões.

— Puxa vida! — Ela se iluminou por inteiro com um sorriso de mil watts. — Querdizer que vou poder trabalhar neste prédio sensacional rodeada por essas pessoasincríveis?

— Eu sou o mais.

— Sem dúvida... Posso ter uma arma?

Simon inclinou a cabeça dela e beijou-a. Aquele era um modo muito eficaz defazê-la ficar quieta. Kess esperava que ele continuasse fazendo aquilo pelos próximoscinquenta ou sessenta anos. Por fim, ele se afastou para deixá-la respirar.

Surpresa, viu que não estavam mais no quarto verde-claro do hospital.

— Eu amo você, Katie Scarlett Goodall — Simon disse de modo sensual,livrando-a do avental do hospital e colocando-a nua sobre as almofadas macias de umsofá diante da lareira. — Quem diria que uma ruiva irascível e atrevida seria o meudestino?

— Vai materializar um vestido preto sensual e sapatos de salto alto para mim eme levar para jantar amanhã à noite? Quero ter um primeiro encontro. Com vinho, flores,música e sedução. Quero ficar bonita para você.

— Para mim, você é linda assim, desse jeito. — Simon sorriu quando ela franziu ocenho desconfiada, ajeitando o cabelo atrás das orelhas. — Posso materializar tudo o que

você quiser — ele prometeu.

— Você. Só quero você.

— Isso será uma constante — garantiu ele, mordiscando-a no pescoço. — Nempreciso de magia.

Tudo a respeito de Simon era magia para Kess, e aquilo não tinha nada a ver como fato de ele ser um bruxo.

Ele começou a beijá-la, descendo por seu corpo, os lábios quentes murmurando

palavras sensuais contra a sua pele.

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Por um instante, antes de fechar os olhos em êxtase, ela olhou para a sala que osrodeava. Mesmo nunca tendo estado lá, reconhecia as pedras da lareira e a neve quecobria os painéis das janelas.

Sabia exatamente onde estava.

Kess estava em casa.

FimFimFimFim