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ANJO VERDE IRISAN 1

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ANJO VERDE é Um Romance fictício de uma garota de 14 anos que sonha tornar-se um dia Professora de Educação Ambiental. Como não formam-se professores da matéria escolhida e nem existe na Grade Curricular das Escolas do Brasil, Ângela luta com toda perseverança passando por muitos obstáculos e provações no dia-a-dia. Com força, fé, inteligência e muito criatividade, ela mudará a história da de toda uma nação. O livro ainda contém conflitos adolescentes atuais e mescla ficção com vida real, pois alguns fatos e locais são verídicos. Abrange sobre novos caminhos para a educação e transpõe uma nova visão

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ANJO VERDE

IRISAN

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"Ouvimos tanto falar sobre deixar um mundo

melhor para os nossos filhos, será que não está na

hora de querermos deixar filhos melhores para o

futuro do mundo?"

Prof. Felipe Aquino

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CAPÍTULO 1 - A VIDA NA SERRA

Nem todos os anjos têm asas, às vezes eles têm apenas o dom de nos fazer sorrir...

Ângela era assim...

Ela admirava a brandura das águas, contemplava o quebrantar da pomposa cachoeira. Via refletido seus lívidos olhos azuis no espelho cristalino, tristes olhos medrosos, mas disfarçados num sorriso suntuoso... Com qual candura a vida ofereceu. O ricocheteio das águas criava uma chuva cristalina sobre as pedras e o finíssimo véu cobria a angelical figura da menina descalça, debruçada sobre os joelhos, observando com deleite a amplidão da sua agonia. Uma imagem especular traduzia o ressentimento pelo novo mundo que aflorava. Talvez fosse uma despedida, precisava naquele momento abraçar toda a beleza que cabia em seus olhos. Não queria chorar, mas não podia sorrir.

Sabia e tinha convicção de que tudo o que acontece nessa vida tem um sentido, tem um por que. Nada é por acaso.

Sorriu.

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Fez uma cuia com os dedos longos e magérrimos das mãos e pegou um pouco de água do lago que banhava sua sombra. Escorreu entre os dedos aquele líquido puro e transparente, mas o pouco que restou, saciou a sede de um anjo lindo que se difundia ante o verde que circundava.

Ângela cresceu no mato. Genuinamente caipira. Seus loiros e lisos cabelos, qual macarrão escorrido, cobriam a tez enrubescida. Apesar de seus 14 verdes anos, tinha a maturidade perfeita para não entender como tanta beleza e poesia poderiam ser retiradas dos olhos do poeta assim tão injustamente.

A cachoeira encontrava-se a uma altura de 1400 metros de altitude e possuía uma queda de água com grandeza de 80 metros de altura... Majestosa queda d’água com poder de encantar até o mais lúgubre pessimista. O sobejo das águas estourando nas pedras era música invadindo a alma desvairada.

O Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB) foi criado em 1971 com o objetivo principal de proteger as últimas áreas de Mata Atlântica e ecossistemas marinhos do litoral sul-fluminense.

Paisagens diversificadas e grande riqueza de fauna e flora, com inclusão de espécies endêmicas e

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ameaçadas de extinção, estendendo-se de altitudes superiores a 2000 metros, na região serrana, até o nível do mar, no litoral, fazem do Parque Nacional da Serra da Bocaina cenário único.

Com 104 mil hectares distribuídos em seis municípios (Parati e Angra dos Reis, no Rio de Janeiro; São José do Barreiro, Areias, Cunha e Ubatuba em São Paulo), o parque é uma das maiores áreas protegidas da Mata Atlântica. Dentre seus principais atrativos turísticos destacam-se o Caminho de Mambucaba (mais conhecido como Trilha do Ouro), as cachoeiras de Santo Izidro, das Posses e do Veado, a Pedra do Frade, e a praia do Caxadaço.

Destacam-se a alta diversidade e a complexidade natural da área, resultantes das inúmeras combinações entre tipos de relevo, altitudes, características topográficas, redes de drenagem, substrato rochoso, solos e cobertura vegetal natural. É um território com endemismos, refúgios ecológicos e espécies ameaçadas de extinção.

Além disso, grandes partes das nascentes que fornecem ou podem fornecer água potável à população estão no interior do Parque, o que torna importante a proteção de sua área.

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CAPÍTULO 2 - UMA VIDA SIMPLES

Ângela morava com os pais e o irmão mais velho, André. Arthur, o primogênito tinha 25 anos, era casado e tinha 2 filhos, José Paulo de 6 anos e Pedro de 4 anos. Morava em uma casa cedida pelo proprietário próximo a casa-grande e trabalhava no mesmo local em uma propriedade já semiabandonada pelo proprietário, que morava em São Paulo. Seu Epaminondas era bem sucedido empresário no ramo industrial, e há muitos havia comprado as terras pela beleza e sedução do lugar, mas com a pressão imposta pelas leis de preservação pelo Parque, estava um tanto quanto desanimado com a propriedade, preferindo assim pagar um salário fixo a um funcionário na esperança de um dia poder haver novamente sua condição de titular da

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propriedade... Mas no fundo, sabia que era impossível, pois o interessante para o Parque era a preservação, e a evasão de todos os moradores da área protegida.

André morava com os pais, tinha 16 anos e ajudava na ordenha de algumas vaquinhas a quais, seu pai cuidava e produzia queijos e vendia na redondeza e, às vezes, na cidade, para ajudar a manter a renda da família, complementando assim o salário que recebia mensalmente como cantoneiro das estradas que levam ao Parque, serviço o qual fora designado pela Prefeitura Local.

Seus pais eram muito humildes, possuíam apenas um casebre de pau-a-pique, com paredes feitas de trama de taquaras coberta com barros, como taipa. Não havia luz no local. No quintal, apenas algumas galinhas e patos misturavam-se com um casal de perus e uma porca um pouco já envelhecida. A família possuía algumas vaquinhas jérsei e um cavalo baio amarilho. Tinha também uma cadelinha chamada Polly, xodó de Ângela, que ganhara de presente de sua professora no início do ano e que ainda não completara dois aniversários.

José Bento e Maria de Fátima eram descendentes alemães... Cujos avós vieram ao Brasil na década de 1940, fugindo da Guerra Fria e

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procurando uma vida melhor nos arredores de São Paulo. O máximo que conseguiram juntos com outras dezenas de imigrantes de vários países, fora uma pequena gleba de terras, onde foram tomando posse e construindo benfeitorias, até que na década de 1960 a União veio e cadastrou cada família fornecendo assim os documentos das áreas correspondidas a cada posseiro, antes mesmo da área ser denominada Parque.

Assim, todas as famílias passaram seus anos plantando, semeando, colhendo e vendendo. Dizem o mais antigos, que na época de apogeu da região, desciam do sertão varais e mais varais de corda, todas as semanas, repletos de todos os tipos de alimentos, porcos, galinhas, cereais frescos colhidos e verduras de todos os tipos para serem vendidos nos mercadinhos locais e até mesmo em praça pública pelos sertanistas. Havia muita festa e muita fartura na região. A área era muito explorada por tropeiros que escolhiam o caminho como desvio, ou uma rota alternativa, para concluírem a travessia com seus mantimentos. No local havia pequenos comércios, como bares e mercados improvisados pelos moradores até mesmo na própria casa, isolando alguns cômodos para o espaço. Outros criavam pequenas e aconchegantes pousadas de beira de estrada, para descanso de turistas e tropeiros.

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Com o tempo tudo foi mudando, em 1971, quando a área se tornou Parque Nacional, a área de preservação tinha que ser resguardada, ficando assim proibida a caça, a pesca e qualquer tipo de extrativismo na região, assim como também a plantação, a remoção de mudas ou frutos, e qualquer tipo de obra civil na jurisdição afetada, tornando assim, difícil a vida e a subsistência dos moradores, que com o tempo, foram obrigados a deixar o local em debandada rumo às cidades vizinhas, tentando vida nova e deixando para trás glorioso passado.

Ficaram apenas algumas famílias, que até hoje suportam o frio e a beleza atrativa do lugar, sem perder a felicidade e o brilho nos olhos do caipira, somente por amor à terra nascida.

José Bento é uma dessas pessoas... Homem maduro, 47 anos, pai de três filhos, bom esposo, trabalhador sério e realista em relação à situação e o momento.

Já dona Maria de Fátima, filha de seu Sebastião, antigo vizinho da redondeza, já falecido há dez anos, ostentava ternos olhos azuis, cabelos loiros, pele alva, e exuberante 1,83 metros de altura,

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chorava todos os dias, só de pensar que terão que enfim deixar para trás tão amada e querida terra.

Tanta luta, tantos sonhos, tanto sacrifício, tantos bons e maus momentos esculpidos nos grilhões da mãe natureza – pensava inconsoladamente, todos os dias.

Assim era a vida...

Ângela levantou-se...

Os primeiros pingos de uma tênue chuva começavam a anunciar o arco-íris que abraçava o sol do sertão. Sob as gigantescas árvores ao pé da cachoeira a imagem das lágrimas que desciam era o choro que inundava seus pensamentos em câmera lenta, varrendo toda a alegria que a natureza antes proporcionara.

- Por que será que a vida é ta cruel?

- Por que eu não posso ser feliz?

- Por que será que não posso viver toda a minha vida abrindo as janelas de casa e deparando-me com toda essa exuberante beleza descomunal?

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Ângela aproveitava cada minuto que tinha de folga, quando não precisava ficar toda semana na escola, desfrutava cada pedacinho do paraíso, cada dia com uma aventura diferente, e a cada aventura novas descobertas. Assim, a menina desbravava seu mundo de sonhos diferente de qualquer adolescente da sua idade. O que importava era o prazer de ter um mundo totalmente perfeito aos seus pés; era a melodia harmoniosa dos inúmeros e incontáveis pássaros; o ruído dos mono-carvoeiros e suas cômicas travessuras – às vezes para intimidar os turistas, os símios faziam cocô nas mãos e atiravam em quem passava por perto -, Ângela ria muito de suas traquinagens; O asqueroso cheiro da onça que não mais intimidava, pois tinha certeza que nunca a atacaria (pelo menos assim pensava). Ângela era corajosa, pegava espécies raras de anuros nas mãos e acariciava a crespa carcaça como se fosse um simples e inofensivo coelhinho. Um dia encontrou uma Perereca-de-Pijama - (Hypsiboas Polyaenius) - e tentou pegá-la com as mãos, mas não obteve muito êxito, fugira de seus dedos como pipoca estourando na panela aberta. Desviava das cobras. Não tinha medo, mas vivia alerta quando se tratava de ofídios. Eram tantas espécies que nem importava para a menina saber quais eram e quais não venenosas, o importante era manter-se afastada. Certo dia ela caminhava até a Cachoeira das Posses e encontrou uma família de turistas Franceses empolgados

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tentando pegar uma cobra coral com as mãos. Na inocência, quase foram picados se não fosse a interversão de Ângela que os alertou com gestos que o ofídio era perigoso e venenoso.

Às vezes cavalgava a esmo, apenas contemplando a riqueza natural das serras, das montanhas. Gostava de visitar a famosa “Casa de Pedra”, ruínas do que um dia fora um altissonante casarão. Foi construída pelo Dr. Lassance, médico residente do Rio de Janeiro, no inicio do século XX tendo seu apogeu em 1914. Consta que o Dr. Francisco Chaves de Oliveira Botelho, Ministro da Fazenda e dono da Fazenda Pinheirinho, cedeu a seu médico, Dr. Lassance, um local para este construir uma residência de veraneio para sua família. Uma vez pronta e decorada com os mais ricos requintes importados, a casa não ficou muito do agrado de sua esposa que não se interessou pelo patrimônio. O abandono e o vandalismo foram destruindo o belo prédio, até que em 1971 o Prefeito Municipal da época sugeriu ao governo Paulista sob a aprovação do Secretário de turismo a restauração do prédio com a finalidade de transformar o local num importante polo turístico.

Infelizmente isso não foi possível, pois o Governo Federal avocou sua propriedade no imóvel

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não aceitando qualquer intervenção e não cuidando de sua restauração.

Atualmente, a Casa de Pedra está em ruínas, sendo hoje, apenas lembrança dos áureos tempos...

Assim era a vida de Ângela.

Aproveitava também esses momentos para colher frutas, copos de leite, amoras, caminhar, visitar cachoeiras, e, sobretudo..., escrever! – Essa era uma virtude que ela era apaixonada. Ângela amava a leitura e, consequentemente, escrevia muito bem. Apesar de nunca ter tido um estudo um tanto quanto rigoroso, era portentosa e muito inteligente... Gozava de um dom nato dos deuses... A poesia. Escrevia muitos poemas, talvez pouco inocentes e sem riqueza de palavras, mas muito puros e delicados. Ostentava um brilho diferente nos olhos, pensava mais do que falava, e agia mais do que pensava. Era dedicada em seus afazeres, geniosa, amiga e religiosa. Orava sempre, conversava com os anjos e colocava todas as suas dificuldades nas mãos de Nossa Senhora de Aparecida, a qual devotava muita fé.

... Tenho que voltar!

Amanhã tenho aula e ainda não fiz a tarefa...

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CAPÍTULO 3 - A ESCOLA

Ângela estudava numa escola rural fora do Parque, mas próxima de sua casa. Com ela estudava mais oito crianças de diferentes idades, todos moradores da região. Dona Helena era a professora ocasional. Por causa da distância e do difícil acesso, subia a Serra toda segunda-feira e descia toda sexta-feira, ficando assim na própria escola, onde dividia todos os afazeres e repouso com nove crianças da região. O mesmo carro escolar que levava Dona Helena era incumbido de pegar cada criança na porta

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de casa, e deixá-la no mesmo local no final de semana.

No meio da semana, o mesmo trazia os pães e alguns alimentos, que porventura estivessem faltando.

Chegou a sua casa às 17h30, seu pai furioso perguntou:

- Onde esteve até agora menina? Sua mãe precisava de ajuda nos afazeres domésticos! Apesar de que nunca podemos contar com você, né? Você sempre desaparece nos finais de semana.

- Estava meditando papai! Precisava de um pouco de ar puro e pensar bastante na vida.

- Ara sô! Pensar no quê garota? Nossa vida não tem muito que pensar, não... Nosso caminho já está traçado, no final do ano iremos embora desse lugar e tentaremos vida nova na cidade, pois este lugar outrora encantador, só serve para “gringo” ver e bater palmas...

- Não diga isso, papai... Foi pra isso que Deus criou essa natureza tão bela; foi pra isso que Ele criou as cachoeiras, as gigantescas araucárias, as aves, toda variedade de insetos... Deus tinha um

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plano para nós, proteger essa exuberância dos homens maus, para que um dia a gente possa voltar e encontrar tudo do jeito que deixamos. Nossos filhos e netos também encontrarão tudo no seu devido lugar.

- Você sonha alto menina – disse seu José Bento -. Quem somos nós para mudarmos o mundo? Não conseguimos mudar nem nossa vida... Anda logo, vá lavar a louça e prepare seu material escolar e uniforme para amanhã, não deixe tudo para última hora.

- Ok! Papai... Só para o senhor saber papai, nós podemos mudar o mundo sim, é só cada um fazer a sua parte e doar um pouquinho de si. Eu procuro fazer sempre o melhor que posso, a fatia é pequena, sei que é pouco, mas acredito que estou contribuindo muito. E pelo fato de termos de ir embora, eu também estou triste, mas algo dentro de mim diz que “é preciso”, e aconteça o que acontecer, qual seja o nosso destino lá fora, nossas raízes estarão sempre cravadas no coração deste glorioso solo o qual sempre chamaremos de lar.

- Blá, blá, blá... Apresse-se menina, você vive nas alturas, vamos que o dia é curto...

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- Hunf...! – murmura Ângela - Meu pai nunca deu atenção devida aos meus sentimentos... À minha poesia... Aos meus sonhos... Um dia vou provar todo meu valor.

Voltou a sorrir.

***

A porta do quarto se abriu...

Vagarosamente, arrumou suas coisas cantarolando uma belíssima canção de ninar. Tomou banho, trocou-se e tirou de debaixo do colchão seu único livro que tinha e lera na vida, o livro chamava-se: Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore. Ganhara de presente de uma tia que morava na cidade do Rio de Janeiro... Um livro muito grosso por sinal... Achava ela. Tinha 328 páginas e não era um livro confortável de se folhear... Mas tinha muitas frases curtas e era farto de imagens, o que atraia muito a atenção de Ângela. Enfim, ela não o lera totalmente do inicio ao fim, mas sempre achava trechos interessantes no decorrer das páginas, e ficava tentando imaginar como seria desnecessário

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tal livro se toda a humanidade tivesse um pouco do que ela tinha.

***

06h00 – segunda-feira

- Ângela. O café está na mesa!

- Já estou indo mamãe! Um minutinho só. Estou calçando meus sapatos!

Levantou, lavou os olhos, escovou os dentes, sentou-se a mesa entre André e seu pai.

- Bom dia senhores!

- Bom dia princesinha! – disse sua mãe.

- Bom dia pirralha! – chalaceou André, Como sempre -.

- Puxa “André-Lelé”, sempre me chamas de pirralha, saibas que sou uma senhorita e gostaria

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muito que me respeitasse. – disse Ângela, também em tom sarcástico.

- Ora vejam – disse André –, mal saiu das fraldas e já pensa que é gente grande.

- Hunf! – retrucou Ângela – Não me considero adulta e sinto-me feliz por isso. Tenho grandes e bons motivos para estar feliz hoje e você não vai estragar o meu dia.

- Tomem o café sem brigar crianças – interviu José Bento –, assim vamos nos atrasar.

- Lembrem-se: o dia é curto!

- Bah! Eu tenho a semana inteira! Choramingou Ângela fazendo deleitosos beicinhos.

Todos riram...

***

O carro da escola chegou às 08h45, já com os outros alunos a bordo.

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Na escola, Dona Helena já adiantava os preparativos para o Dia Mundial do Meio Ambiente, que aconteceria na próxima segunda-feira, 05 de maio; e todos estavam ansiosos pela promissora semana. Já havia feito anteriormente uma conscientização verbal junto aos seus alunos sobre os males causados pela poluição do meio ambiente, assim como as políticas que revertem tal situação. Pediu a contribuição de cada aluno no cumprimento com o seu papel de cidadão, não jogar o lixo no chão, usar menos produtos descartáveis, etc. Programou também o plantio de uma árvore nesse dia. O local escolhido para o plantio era o terreno de fundos da escola, e a árvore plantada seria um pinheiro.

- Bom dia crianças!

- Bom dia tia Helena! Todos responderam em coro.

- Vejo que estão muito animados e contentes esta semana, que tal a gente cantar juntos algumas músicas antes de entrarmos para a sala de aula?

- Simmmm... Todos gritaram entusiasmados.

- Então, vamos lá...

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Cantaram três músicas infantis com muita alegria e entusiasmo e adentraram em silenciosa fila até a sala de aula.

***

José Carlos, 15 anos. Carlinhos... O mais velho e também o mais pentelho. Era sarcástico e irônico, mas também muito inteligente. Branco como a lua e de olhos cor de mel, usava um penteado estilo “vaca lambeu”, sempre com um gel no cabelo molhado e repartido ao meio, jogado de lado. Era o que mais pegava nos pés de Ângela;

Carlos César, 14 anos, Carlão; muito tímido e de poucas palavras, sentia vergonha até de pedir para ir ao banheiro. Há uns anos atrás vivia urinando involuntariamente na cadeira da escola, deixando-o mais acanhado no seu desenvolvimento.

Eulália, 13 anos, Lalinha... Melhor amiga de Ângela; morena-jambo, olhos negros e cabelos curtos encaracolados, era gordinha e falava bastante, não tinha travas na língua e às vezes até exagerava nos palavrões. Coisas de educação maculada.

Júnior Rezende, 11 anos, Juninho; Moreno claro sempre sorridente, com lívidos dentes brancos irradiava harmonia nos grandes lábios que sempre

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transparecia a cada palavra provinda de sua boca ou de seus colegas. Ria de tudo e de todos. Às vezes parecia que não conhecia a tristeza.

Maria Antônia, 13 anos, Mariazinha; morena de cabelos lisos grossos usava sempre grandes tranças devido ao tamanho da cabeleira, presos com uma fita vermelha na ponta. Era também muito tímida, aliás, essa era uma constante entre quase todos moradores do sertão, principalmente as crianças, que sempre se escondiam no mato quando os pais recebiam visitas; até mesmo de parentes.

Beatriz, 8 anos; Bia, a caçula da turma; moreninha de negros cabelos encaracolados, olhos escuros e ostentava uma enorme pinta na testa, a qual sentia muita vergonha. Notava-se sempre o rubor das suas faces causado pelo pejo quando alguém tocava no assunto, mas sempre era consolada pelos pais e às vezes pela professora Helena, que sempre alegavam tratar de um “charme” pessoal.

Mário Jorge, 9 anos, Marú; Esse era brincalhão. Usava óculos com aros enormes que quase ocultavam sua tez. Cheio de estripulias e fuzarcas era o mais arteiro da classe. Eram raros cinco minutos de atenção e bumbum quentinho na cadeira.

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Janaina, 15 anos, Nana; Negra alta e magérrima. Tinha o rosto fino e falava com certa elegância. Era bondosa e procurava sempre um espaço para bons conselhos entre os colegas.

E por fim, Ângela, 14 anos, a pirralha branquela, assim era conhecida nossa pequena notável. Como disse antes, era a diferente da turminha, pois assim como Carlinhos, era a única tez alva que se destacava nos tons morenos de seus amigos e amigas. O brilho dos seus grandes olhos azuis podia ser visto e sentido a qualquer distância considerável..., pois transmitiam duas pérolas condizentes a qualquer naufrágio de emoções.

Ela sabia que podia mais...

Ela sonhava!

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CAPÍTULO 4 - O TRABALHO ESCOLAR

- Crianças... Silêncio, por favor... Hoje tenho uma coisa muito importante para falar-lhes novamente, é sobre Ecologia e Meio Ambiente. Não está no meu projeto curricular da semana falar disso hoje, mas eu queria que vocês tivessem um pouco de consciência e noção sobre o que tem acontecido no nosso mundo hoje e como poderá ser o amanhã se nenhuma autoridade tomar uma providência “URGENTE” – finalizando em alto tom.

- Eu já ouvi falar, tia Helena – disse Ângela.

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- Cala a boca Barbie branquela! Interrompeu-a Carlinhos.

- Bobo! – diz Ângela com cara de deboche mostrando-lhe a língua e aparentando muito irritada, olhando de soslaio.

Carlinhos ignora sua cara feia e sorri.

- É sério crianças, preciso da atenção de vocês... Tenho aqui comigo alguns panfletos que consegui na Secretaria de Educação e trouxe para que vocês leiam, reflitam e possam imaginar o que cada um pode fazer para mudar esse quadro.

- Quero um trabalho na próxima semana, sem falta... Nem que sejam duas linhas... Podem pedir ajuda ao papai, mamãe e irmãos... Mas não se esqueçam... Isso é muito importante para o mundo.

E Marú grita bem alto:

- “Viva! Vou salvar o mundo!”.

E todos caem na gargalhada, inclusive Dona Helena.

- Então, meus queridos alunos, chegou a hora mais esperada do dia - disse a professora,

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entusiasmada -, vamos todos juntos, num gesto de amor à mãe natureza, plantarmos uma linda árvore no fundo da nossa escolinha. Quem quer ser o primeiro?

A semana passou rápido na escola Marianinha.

***

Quando em casa, deitada sobre sua cama de jirau, Ângela pega seu lápis e seu velho caderno cheio de orelhas. Olha horas a fio para a brancura da página, sem saber o que escrever, mas com o pensamento já formado sobre a sua solução para salvar o mundo.

Já cansada de tanto pensar, faz apenas alguns rascunhos na folha, algo parecido com uma bela mulher com uma bolsa a tiracolo e muitos livros sob os braços. Apaga o pavio da lamparina de espessa e repugnante fumaça preta e adormece como um anjo.

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Hoje será um dia diferente – pensou Ângela -, adoro o sábado... Dia de aventura na mata... Hoje vou acampar!

Decidiu que iria fazer um piquenique juntamente com sua amiga Eulália, e o lugar escolhido era um paraíso que não costumava frequentar sozinha, devido à distância, ficava a 3 horas e meia de sua casa. E tratava-se da grandiosa e impressionante Cachoeira dos Veados que portentosamente ostenta duas quedas d água que despencam de 200 metros de altura formando dois poços para banho. Ângela a considerava a mais bela do sertão, juntamente com a de Santo Izidro. Iria a cavalo.

Durante a semana havia combinado com Lalinha que passaria em sua casa, que ficava no meio do caminho, e que iriam juntas nessa aventura indescritível. Já haviam feito este programa outras vezes, mas dessa vez seria diferente, pois sabia que talvez fosse a última, e isso muito a entristecia. Mas precisava deixar a tristeza de lado ou então não aproveitaria o tão esperado passeio.

Juntou em uma cesta meia dúzia de bananas, alguns pães caseiros que sua mãe preparara e suco de laranja natural, concentrado em uma garrafinha pet de água mineral.

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Quando chegou à casa de Lalinha, a amiga já a esperava com sua cesta de frutas recém-colhidas preparada, o cavalo selado e uma ansiedade enorme de novamente poderem desfrutar desta incrível jornada, a qual considerava ser, das proporções espaciais que usufruía, seu maior lazer.

- Preparada para o passeio amiga? – perguntou Ângela, eufórica -.

- Sim..., Estou pronta! Vamos! Tchau mamãe... Estamos indo – Gritou Lalinha, despedindo-se da mãe, que se encontrava na cozinha.

- Vá com Deus minha filha, e não demore, volte antes do entardecer – respondeu Dona Amélia, já no quintal -.

- Pode deixar Dona Amélia – disse Ângela -, voltaremos logo e eu cuidarei muito bem da sua filha.

- Esta parecendo muito com as recomendações de papai – cochichou Ângela à amiga -.

Riram juntas e partiram. Dona Amélia também sorriu.

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Assim, as duas seguiram em galope rasante pelas verdejantes pradarias do Parque, rumo a uma das maiores maravilhas do mundo.

Quando lá chegaram, tiveram uma grande surpresa, um grupo de turistas, ou baderneiros camuflados, estavam fazendo um churrasco sobre a areia que circundava a margem da cachoeira, local exato onde iam acampar, e para indignação das duas, mas principalmente de Ângela, havia muita sujeira no local. Muita lata de cerveja vazia espalhada, sacolas diversas embandeirando os arbustos e as pedras, resta de comida por todos os lados, incluindo ossos da coxa de frangos, e fogo. Uma fogueira feita com madeira-de-lei seca bem próxima à mata, ato que era extremamente ilícito naquela região. Tratava-se de um grupo de 4 rapazes e 4 moças, que à primeira vista pareciam estar bem alterados, e nem perceberam a presença das duas.

Ângela olhou para Lalinha e disse:

- Precisamos fazer alguma coisa, eles estão destruindo o nosso meio ambiente.

- Não amiga – disse Lalinha -, não podemos fazer nada, nós nem conhecemos essas pessoas, vamos voltar e procurar outro lugar para acampar.

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Ângela não se conformava com tamanho desrespeito, estava indignada, havia aprendido durante toda a sua vida a cuidar e a preservar o verde, fosse em qualquer circunstância, sempre estava apta a tomar alguma atitude. Às vezes caminhava o dia inteiro o percurso que faziam os turistas na época dos feriados, e, com um saco de farelo vazio nas costas, recolhia todo tipo de lixo que era descartado nas trilhas. Encontrava muito papéis de balas, chocolates, pirulitos, biscoitos e às vezes até latas de refrigerante amassadas. Fazia isso com muito orgulho.

- Ei – gritou Ângela -, vocês aí...

Lalinha enrubesceu.

Todos olharam assustados.

- Vocês por acaso não sabem que é proibido acampar nesta área? E ainda por cima fazer fogueira neste Parque? Lixo! Vocês estão espalhando lixo por toda a parte... Isto não é justo!

- Deem o fora daqui garotas – gritou o mais velho da turma -. Principalmente você branquela! Vocês não foram convidadas para a festa!

Todos riram ironicamente.

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Ângela estava furiosa.

- Vem amiga – chamou Lalinha, vendo que a situação estava encaminhando-se para uma sonora discussão -, vamos embora, esses irresponsáveis não vão te ouvir. É tempo perdido.

Contrariada e, vendo que nada mais podia fazer, Ângela virou seu cavalo e retornou com lágrimas nos olhos. Não proferiu uma palavra sequer durante o trajeto. Estava enraivecida.

Resolveram fazer o piquenique em outro lugar. Pararam em um mirante próximo a uma pousada pequena, sentaram e ficaram admirando a maravilhosa vista panorâmica que se estendia na imensidão do infinito. As nuvens pareciam que abraçavam as montanhas, envolvendo-as num abraço caloroso, e a sensação que se tinha era que elas estavam a seus pés.

- Não vai comer nada, amiga? – perguntou Lalinha, tentando amenizar o sofrimento que percebia brotando dos olhos de Ângela -.

- Ai amiga, desculpa! – respondeu Ângela – Eu perdi a fome e... Não queria estragar nosso piquenique, só que... Estou desanimada. Sinto-me

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inútil por não poder ter feito nada que impedisse aqueles baderneiros de fazer o que fizeram.

- Tudo bem, eu também fiquei triste... Entendo sua decepção, mas você não deve ficar triste por isso, você fez a sua parte, eles que não fizeram a deles.

Ângela sorriu, abraçou Lalinha e disse:

- Será que você poderia ficar comigo aqui olhando para o infinito? Tudo é tão lindo, tão... Tranquilizante!

Lalinha beijou a bochecha da amiga, debruçou a cabeça em seu ombro e ali ficaram sentadas durante horas, tentando esquecer o incidente e buscando uma nova fonte de energia para o corpo e para a alma. Ficaram ali durante toda a tarde vermelha, até o pôr-do-sol. Depois retornaram.

***

- Como foi o seu passeio, minha filha? – perguntou dona Maria de Fátima, assim que a menina cruzou a soleira da porta da cozinha -.

- Foi mal mamãe – respondeu Ângela -, muito mal. Pra falar a verdade, foi péssimo.

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- Péssimo? Ora pois, o que se sucedeu filha de Deus?

- Ah! Mamãe! As pessoas não respeitam o meio ambiente, é isso. E isso me deixa muito chateada.

- Quer conversar? Você me parece muito abatida. O que aconteceu na realidade?

- Não é nada mamãe, apenas estou cansada. Preciso de um bom banho e de uma ótima leitura espreguiçada em minha rede.

- Tudo bem, mas melhora essa carinha entristecida, senão seu anjo da guarda também vai entristecer.

- Mamãe, não sou mais uma criança, não precisa me consolar dessa maneira... Mas valeu a intenção, sou muito grata por suas doces palavras.

Ângela deu um abraço bem apertado em sua mãe que retribuiu com um afago no cabelo e um demorado beijo em sua testa.

Sorriram.

Domingo foi um dia atípico. A família Bento resolveu almoçar fora e, como nunca haviam feito

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isso antes, resolveram dessa vez sair da rotina e usufruir um pouco dos grandes momentos que o Parque proporcionava. Iriam à uma Pousada-restaurante.

Próximo à escola em que Ângela estuda ficava o local escolhido. Era uma pousada aconchegante que recebia muitos turistas nos finais de semana e que oferecia dentro do seu roteiro, o percurso da trilha-do-ouro. A travessia era feita normalmente em 3 ou 4 dias, dependia do preparo do aventureiro, e os trilheiros faziam esse percurso juntamente com um guia turístico oferecido pelo pacote.

Era uma aventura fascinante, diziam os turistas. O prazer em desfrutar de um verde sem igual, contemplar belas e maravilhosas cachoeiras, beber a mais límpida e lívida água fresca das montanhas, respirar um ar puro no meio de um paraíso natural e preservado, e vários outros atrativos que a região oferecia, era realmente indescritível. Algo único.

Ângela estava ansiosa, queria muito conhecer essa famosa pousada. Ouvira falar muito bem do local.

Quando chegaram foram bem recebidos pelo proprietário e, depois de conhecerem toda a área, foram conduzidos até a sala de refeição.

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Um fato que chamou muito a atenção de toda a família era que todas as paredes da pousada eram brilhantemente enfeitadas com muitas fotos sobre o Parque Nacional em vários momentos registrados de um passado glorioso que a região ostentava. Tinha também fotos da família do dono da Pousada e de todos os seus parentes e amigos que um dia visitaram a região. Não conhecia ninguém naquelas fotos, mas os lugares, com certeza, sabiam de cor e salteado.

Depois da refeição, despediram-se do proprietário e foram descansar próximo à Cachoeira do Paredão, que localizava-se a uns três quilômetros de distância da Pousada.

Assim passaram o dia.

Assim o dia passou...

CAPÍTULO 5 - UM SONHO DISTANTE

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Seis horas da manhã de uma segunda-feira enevoada no sertão, anunciada pelo canto do galo e pelo doce aroma do café caseiro recém-preparado com muito carinho por seu José Bento, que acordava sempre antes do sol nascer e de todos os membros da casa.

Ângela levantou meio sonolenta, com as pálpebras ainda cerradas, titubeando entre as paredes, até encontrar a gélida água da bica do tanque externo, onde lavou o rosto e escovou os dentes com rara lentidão.

- Bom dia, papai!

- Bom dia, princesa!

- Onde estão mamãe e André? – perguntou Ângela.

- Foram buscar as vacas no campo – respondeu José Bento –. As benditas pularam a cerca e foram em busca de novos verdes horizontes.

- Hum... São espertas! Tem que aproveitar mesmo o “verde” enquanto o “verde” ainda existe.

- Ora, pois! Agora deu de filosofar, garota?

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Ângela sorriu.

Tomou seu café com broa de milho e levantou-se para aprontar seus afazeres. Varreu a casa, dobrou as cobertas e preparou sua mochila de pano feita com retalhos de jeans com muito carinho e alegria, que sempre carregava dentro de si.

- Quando vamos nos mudar, papai? – perguntou sem muito interesse.

- Bem minha filha, consegui um cômodo na cidade, é pequeno, um quarto e um banheiro, vamos ter que adaptarmos, mas será por pouco tempo... Se Deus quiser com o emprego de servente de pedreiro que me prometeram acredito que poderei alugar uma casinha maior para nós. A parte boa é que você estudará numa escola grande e quem sabe um dia poderá ser alguém na vida.

- Já escolheu o que quer ser quando crescer? – perguntou com muito interesse José Bento -.

- Já sim papai, vou dizer isso hoje à professora... Depois conto ao senhor.

- Hum... E por que ela tem que saber primeiro do que eu? – indagou José Bento

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- Porque ela vai entender primeiro que o senhor.

***

O carro da escola chegou com atraso de 15 consideráveis minutos, e a partir daquela segunda-feira, Ângela só voltaria novamente para a casa na próxima sexta-feira. Pousaria na escola novamente, assim como todos os colegas.

Quando chegaram a Escolinha, todos estavam irradiantes e empolgados com o trabalho passado pela professora Helena. Cada um apresentava aos seus colegas suas idéias e tinham certeza de que seus projetos mudariam o mundo.

Ângela ficou mais reservada. Quando indagada pelo pentelho do Carlinho sobre o que tinha preparado, ela apenas sorriu e disse:

- É surpresa, que-ri-do!

- Bem, vindo de você deve ser mesmo uma grande surpresa... Você é uma “loira burra”... Rá-rá-rá – desdenhou Carlinho

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- Rá-rá-rá digo eu seu tolinho..., dispenso seus enciumados elogios. E sabe de uma coisa? Quem desdenha quer comprar!

- Vê? – zombou Carlinhos - Até parece!

Ângela sorriu.

- Bom dia meus queridos alunos!

- Bom dia tia Helena! – gritaram em coro.

- Hoje vamos ver realmente quem vai mudar o nosso planeta, espero que todos tenham feito maravilhas, pois vocês além de muito espertos e inteligentes, são o futuro da nossa nação.

-Bem, vamos lá...

- Mario Jorge, o que você me trouxe? – perguntou Dona Helena

- Bem professora, eu pensei, pensei, pensei e conclui que para acabar com a poluição do nosso planeta, temos que acabar com as fábricas.

Todos caíram na gargalhada, menos a professora que se manteve séria.

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- Mario Jorge -, disse Dona Helena - não podemos acabar com as fábricas, mas podemos diminuir a sujeira que elas derramam nos nossos rios e a negra fumaça que elas jorram aos céus. Um dia alguém trará uma solução para isso. Mas parabéns, você é especial.

Todos aplaudiram e Marú coroou.

- E você Eulália, o que trouxe para nós?

- Tia, eu acho que o Exército Brasileiro devia dar as mãos e cercar toda a Floresta Amazônica, assim ninguém mais desmata nossas árvores.

Todos riram novamente! Até Dona Helena, mas sorrindo corrigiu: - Não temos como proteger uma floresta que abrange uma área de 5 500 000 km², é muito difícil. A única coisa que podemos fazer é buscar a conscientização dos homens, e uma esperança de maiores punições governamentais a esses infratores que se autodenominam acima da lei.

- E rezar! Disse Eulália – eu não quero morar num deserto.

- Nem eu – disse Marú.

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Kkkk – todos riram novamente, principalmente do comentário inocente de Marú.

- Dona Helena aquietou-os.

- Parabéns Eulália, seus pensamentos são utópicos, mas são de coração, e quem sabe o homem um dia pare, pense e reflita sobre tudo isso.

- E você Carlinho, o que tem para mim?

- Bem Professora, eu pensei, pensei, pensei, pedi ajuda aos meus pais e eles falaram que não tinha mais jeito, não... E que estamos vivendo o “fim dos tempos”, então eu desenhei uma cruz e embaixo dela o nosso planeta.

- Oh! -Todos suspiraram.

- Arruaceiro, bagunceiro, chacoteador, mas muito visionário. Deus queira que estejas errado.

Mas valeu a intenção.

Ele olha de rabinho de olhos para Ângela e manda um malicioso beijinho seguido de uma piscadela romântica e irônica.

- Ai, ai... – Ângela contesta – Que pentelho!

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- E aí Carlão, fez o seu trabalho?

- Fiz sim “fêssora”, apenas duas “linha” como a “sinhora” “falô”.

- Pode ler para nós?

- Posso sim “fêssora”:

- “O mundo é muito “bunitu”,

Verde, azul e “finito”!

- Finito?

- Sim, finito “fessora”, pois do jeito que “tá”, um dia vai “cabá”!

- Eu quero uma salva de palmas para esse bom garoto Chamado Carlos César Teodoro – Disse em tom entusiasmado Dona Helena.

E todos o salvam com brados de palmas e alegria, aquém somente de um inconveniente e improfícuo assovio de Carlinho, o arteiro-zombeteiro, que não perde uma oportunidade de ser contradição.

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- Vejo que vocês são realmente especiais pois, acreditam num futuro melhor, coisa que muita gente poderosa faz vista grossa, deixando assim nosso belíssimo mundo às – disse Dona Helena.

Ei! Eu ainda não falei Tia Helena! – resmungou Ângela.

- Ah! Sim, querida... Por favor... Qual a sua esperança para o nosso planeta?

- Bem, não é bem uma esperança, é uma solução! Sabe, na minha modesta opinião de “Barbie Girl”, tenho certeza que meu intento será o divisor de águas para uma futura geração.

- Como assim, Barbie falante? – questionou Dona Helena.

- Bem, eu trouxe um desenho, quer ver?

- Quero sim...

Ela entregou seu caderno para Dona Helena, que analisando bem o desenho, sem nada entender, perguntou:

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- O que é isso “Angelita”? - A primeira vista parece uma mulher bem vestida com cadernos nas mãos.

- Bem, é quase isso Tia Helena... Essa sou eu!

- Você? - Indagou Dona Helena – como assim? Como você vai mudar o mundo com simples cadernos?

- Eu quero ser professora Tia Helena – respondeu Ângela – e este desenho sou eu, com livros didáticos sobre Ecologia e Meio Ambiente sob os braços.

- Sim – complementou Dona Helena – você pode sim ser uma bela professora Ângela, tem muito talento e muita criatividade, só que Educação Ambiental não existe na Grade Curricular das escolas como matéria.

- Mas vai existir professora – eu acredito!

- Hum... – Sussurrou Dona Helena.

- Eu sei – complementou Ângela – não existem faculdades para a formação de Professores de Educação Ambiental, e não existe sequer nem na grade curricular das escolas do mundo inteiro. Mas

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por que não incluir? Por que não tentar? Já que está muito difícil instruir os mais velhos, vamos instruir as crianças... Vamos fazer com que elas cresçam conscientizadas desde pequenas que o mundo depende delas, que o futuro dos nossos filhos e netos depende deles. Os homens “maus” vão embora um dia, os Governantes ludibriadores também vão embora... E uma nova geração surgirá, e seremos nós a semente dessa nova geração. Dependerá do que a escola da vida e da sabedoria adquirida vai nos ensinar. Aprendendo desde cedo, procriaremos e vivenciaremos esse mundo melhor.

- Nossa Ângela – disse Dona Helena – como você pensa longe. Como você sabe de tudo isso? – perguntou Dona Helena.

- Tia... Nós vivemos num lugar maravilhoso, no meio das montanhas, de árvores gigantescas e maviosas cachoeiras. Aprendemos a respeitar os animais, a resguardar toda a fauna e a flora, não gostaríamos nunca que um dia chegasse uma máquina guiada por um homem sem coração e destruísse tudo que é tão belo em nossa humilde mas gigantesca natureza, até porque este mesmo homem nunca teve a oportunidade de crescer com essa mesma consciência que nós estamos crescendo aqui. Mesmo sem ninguém nos ensinar, aqui aprendemos desde cedo o que é certo e o que é errado.

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- Eu garanto para a senhora que o Carlão, o Juninho, a Eulália, todos aqui presentes e até mesmo o pentelho do Carlinho nunca farão sequer nenhum mal à natureza, pois eles, assim como eu, cresceram vivenciando um mundo perfeito, que a gente gostaria que fosse sempre assim.

- Ouvimos muito falar sobre deixar um mundo melhor para os nossos filhos, mas será que não está na hora de querermos deixar filhos melhores para o futuro do mundo?

- É Ângela – disse Dona Helena – você às vezes me surpreende... Estou surpresa com você e vou fazer um relatório sobre o assunto e encaminhar para meus superiores sobre suas ideias incríveis e versáteis. E principalmente sobre você.

- Não são idéias Tia Helena – completa Ângela – são fatos!

- E vou muito mais além, tem muita coisa que eu acredito que seja desnecessário na Grade Curricular das escolas que poderia ser diminuída ou até mesmo substituída por Educação Ambiental. Por exemplo: Inglês. Lógico, o inglês é um pouco necessário, mas de cada dez alunos que se formam em escolas públicas, nenhum domina fluentemente o inglês, necessitando assim fazer um curso extra se

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quiserem mesmo aperfeiçoarem-se no assunto. Entre aprender algo “básico”, como o inglês, e algo mais completo como Educação Ambiental, eu prefiro a segunda opção. Porque sim, Educação Ambiental tem que ser C.O.M.P.L.E.T.O.

Não existem faculdades que formem professores de Educação Ambiental, eu sei..., mas por que o Governo, o Presidente, as autoridades competentes, seja lá quem for não cria este curso? Teremos novos lecionadores, formar-se-ão por ano centenas de novos professores preparados, assim como eu - se Deus quiser - e incrementar-se-ão nas Grades Curriculares de todas as escolas do Brasil, até do mundo, se eles acreditarem e tiverem esperança.

- Vai aumentar até o emprego... Garanto!

Dona Helena escuta tudo atenciosamente e um pouco espantada com tamanha inteligência da garota prodígio, assim como os demais colegas.

- Eu vou escrever uma carta à Presidenta do Brasil pedindo para que se criem cursos para formação de professores de Educação Ambiental, e que seja incluído esta matéria nas Grades Curriculares, com aulas diárias sobre o assunto,

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desde o jardim de infância até o 2º Grau. Pode ter certeza... Muita coisa mudará num futuro próximo.

Todos perplexos com tamanha sabedoria e inteligência daquela raquítica magrela de olhos azuis, emudeceram e engoliram a seco sua sapiência. Dona Helena afirmou:

- Tem todo o meu apoio “ANJO VERDE”

Todos riram do apelido escolhido por Dona Helena, e Ângela, muito feliz sobe encima da cadeira, levanta os dois abraços para o alto e grita: “Viva a Natureza”!

- Viva! – todos respondem em alto tom em clima de festa.

E Carlinhos, como sempre, aproveita o ensejo e espeta novamente a “amiga”:

- “Viva a Barbie mais feia que já vi!”.

Kkkk - Todos riram novamente.

Ângela cruza os braços e desvia o olhar compenetrado de seus lindos olhos azul em direção ao pentelho com nítido gesto de repreensão e serenidade.

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Hunf! – reprovou Ângela. – Tinha que finalizar assim!

CAPÍTULO 6 - ADEUS SERTÃO QUERIDO

Assim, a semana inteira fora toda comentada e discutida sobre as visionárias ideias de Ângela, e Dona Helena esforçava-se ao máximo para não perder o foco das matérias preparadas para a semana. Mas era muito difícil conter os apoios e as esperadas gozações dos colegas de Ângela - e ainda por cima manter a concentração dos alunos em outros afazeres.

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Logo chega sexta-feira, o carro da escola chega e todos se despedem. Cada aluno é deixado na porta de casa e, como de costume, Ângela chega, abraça o pai, o irmão, mas tem uma triste surpresa ao encontrar sua mãe chorando disfarçadamente, mas visível aos olhos da filha, no canto da cozinha entre os afazeres.

- O que aconteceu mamãe – pergunta Ângela – porque a senhora está chorando?

- É que domingo agora nós estaremos descendo para a cidade minha filha, vamos deixar o sertão. Seu pai terá que começar segunda-feira no novo emprego, acabou de receber o recado, precisam dele imediatamente, caso contrário perde a vaga.

Escorre suavemente uma lágrima contida nos olhos de Ângela, mas a garota é forte, e tenta reconfortar a mãe dizendo:

- Puxa mamãe, não queria descer agora... Mas se é para o nosso bem, teremos que fazer um esforço. Eu Também amo este lugar, mas é a vontade de Deus, ele está agindo ao nosso favor. E pode ter certeza, Ele nunca nos abandonará.

- Eu sei querida... Eu também acredito muito, mas eu tenho muito medo do desconhecido. Existe

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muita gente ruim por aí, muita inveja, muito descaso, seremos apenas os “caipiras” sem lar. Seremos muito julgados, e nem sabemos como será o nosso futuro.

- Nosso futuro está entregue nos pés de Jesus Cristo – complementa Ângela -, e esses pés nos guiarão e seremos lá também uma família muito feliz. Acredite e tenha fé.

- Vamos ficar por enquanto em um só cômodo, minha filha – disse Dona Maria – por enquanto, temos uma reserva e se Deus quiser vai melhorar, e logo estaremos em uma casa maior.

- Eu acredito na senhora mamãe – disse Ângela –, vem cá, me dá um abraço e contenha as lágrimas, estarei sempre ao seu lado para o que der e vier. Seremos a família mais feliz do mundo.

- Deus te ouça minha filha!

- Amém mamãe! Ele está nos ouvindo.

***

Assim, o dia passou enfadonho e triste para a família Bento. Todos demonstravam tristeza e poucas palavras no decorrer das horas, e as tarefas

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diárias eram cumpridas apenas ao som melodioso de tristes assovios.

Quando a janta ficou pronta, todos sentaram em volta da mesa, deram as mãos, e rezaram juntos como de costume, só que desta vez com mais fervor, pois estavam assustados e com medo da incógnita que precedia.

Depois da janta, Seu José Bento tomou a palavra:

- Queria me desculpar com todos vocês, minha família que amo demais, e dizer que farei o possível e o impossível para que todos sejam felizes. Não podemos contradizer o destino, mas ele pode mudar a nossa vida. Infelizmente as coisas aqui não estão boas e precisamos tomar novos rumos. Prometo que ninguém vai sofrer e que Deus sempre estará olhando por nós, seus filhos queridos, que nunca O abandonaram.

- Amém, papai! – disse Ângela

- Amém! – todos responderam.

- Arthur vai continuar aqui por enquanto morando nas terras de seu patrão. Deus o ajude e guie seus passos... E que ele continue muito feliz.

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- André irá voltar aos estudos... (-Epa! Até que enfim!) – reiterou Ângela – e você minha filha, será transferida para a escola da cidade onde dará continuidade aos seus estudos.

- Puxa papai, não tinha pensado nisso. Vou ter que fazer novas amizades e ficar sem meus amigos daqui. Vou sofrer muito! (fazendo beicinho)

- Seu pai aperta o narizinho dela e diz com um belo sorriso no rosto:

- Que isso garota... Lógico que estaremos sempre aqui, visitando nossos amigos leais e que sempre nos apoiaram.

- Que bom papai... Senão eu juro, não aguentaria.

- Bem – disse dona Maria –, então temos que nos preparar hoje, dormindo tranquilamente, e amanhã acordaremos bem cedo e arrumaremos tudo que vamos levar. Encaixotaremos nossas louças e ensacaremos nossas roupas. Acredito que domingo cedo o caminhão da Prefeitura, que José conseguiu ontem na cidade, vem buscar nossa mudança.

- Papai, - disse Ângela – eu vou ensacar minhas roupas e arrumar minhas coisas hoje, porque

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amanhã vou pegar o cavalo e ir de casa em casa rever e despedir-me de cada amigo.

- Tudo bem Ângela – respondeu seu José –, mas vá bem cedo, pois à tarde, o cavalo, as vacas e todas as aves vão embora, pois vendi todos os animais para o senhor Lau Eugênio, e com esse dinheiro, teremos uma pequena reserva para que, Deus me livre, não tenhamos momentos difíceis.

- E a Polly? – perguntou Ângela – Ela também irá conosco?

- Vai sim minha filha... Sem problemas, afinal, ela é uma cadelinha pequenina, e não ocupará muito espaço.

- Que bom! Despreocupou-se Ângela.

- Então, boa noite a todos! Vou me preparar.

- Boa noite princesa.

Deu um beijo em todos e foi para o seu quarto arrumar suas poucas coisas com muita alegria e tristeza... Intercaladas.

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CAPÍTULO 7 - DESPEDIDA DOS AMIGOS

06h15 da manhã. O café está na mesa... Ângela levanta, se troca, escova os dentes, toma seu café com torradas e ao sair ao quintal, depara-se com seu pai já terminando de arriar o cavalo.

- Bom dia, papai!

- Bom dia, princesa!

- Seu cavalo está selado, volte antes do anoitecer e boa sorte. Enquanto isso nós estaremos juntando nossos trapos para a nossa desconhecida aventura.

Ângela sorri... – Que isso papai, voltarei ainda para o almoço. Beijinhos!

Ângela monta no cavalo e cavalga o ginete pardo ricamente ajaezado a toda velocidade pelos prados verdejantes da magnifica Serra da Bocaina. Seus cabelos esvoaçantes emanam luz e o brilho dos seus lindos olhos azuis se confundem com o céu e a

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esperança de um futuro incerto, mas muito confiante.

Ângela visita todos os seus amigos da escola. É recebida com muito carinho por cada um deles.

Eulália, sua melhor amiga, recebe a notícia aos prantos e abraça muito a companheira, depois presenteia a amiga com uma linda tiara de flores coloridas.

- Isso é para que você nunca se esqueça de mim, amiga.

- Pode deixar Lalinha, nunca me esquecerei de você, e assim que der, prometo voltar para fazer uma visitinha.

- Ai, estarei te esperando ansiosa. Boa sorte na cidade. Lembre-se de mim quando conhecer uns gatinhos.

- Ângela ri – Lembrarei sim amiga, pode deixar. Nunca me esquecerei de você.

- Adeus amiga!

- Adeus!

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CAPÍTULO 8 - CARLINHOS, O PENTELHO

Bem, apesar de Carlinhos ser muito pentelho e ter passado a vida inteira caçoando de Ângela, ela precisava dar-lhe um abraço de despedida, nem que fosse um último mostrar de língua – se acaso fosse preciso -; tinha certeza de que sentiria falta de suas estripulias. Deixou-o por último. E quando chegou e surpreendeu-lhe com a notícia, teve uma grande surpresa.

Carlinhos segurou firme suas mãos, deixou transparecer seus esbugalhados olhos lacrimejantes, e disse num sorriso:

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- Sua branquela, magrela, loira falsa, Barbie feia..., etc. e tal... Sabe de uma coisa?

- Sei – disse Ângela –, você vai sentir muito a minha falta, pois vai caçoar de quem agora?

- Não é nada disso sua bobona...

- Ah! Não? Então o que vai te deixar triste com minha ausência? – indaga a loirinha.

- É que eu..., eu... Eu te amo! – engasga, mas diz.

Ângela fica aturdida e sem palavras. Sem se importar se ele está realmente zombando ou falando a verdade, olhando profundamente em seus olhos serenos – coisa rara de se ver - abraça-o apertadamente, quase esmagando o pirralho.

- Eu também gosto muito de você seu zombeteiro. – diz Ângela baixinho em seu ouvido -.

- Posso pedir uma coisa muito importante para você? – pergunta Carlinhos.

- Para mim? – Hum! Não sei, lá vem bomba, kkkk, mas pode sim.

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- Me dá um “beijo de novela”?

- Ângela riu muito... Deu altas gargalhadas...

- Sabia! – disse encarando-o – tinha que finalizar assim!

Levou seu rosto para perto de Carlinhos e beijou-lhe a bochecha, corada de vergonha, pensando:

- Um dia, quem sabe, bebê!

- Carlinhos fica sem reação, não acreditava que ela o beijasse assim tão facilmente, mesmo que fosse na bochecha.

- Mas eu pedi um beijo de novela, e na boca se possível.

- Ângela só olha e sorri, literalmente sem palavras, e Carlinho retribui um sorriso, meio sem graça, mas com um olhar irônico, como sempre.

No silêncio quebrado pelo beijo, Ângela despede-se:

- Não! Adeus pirralho! Como bem disse: quem sabe um dia...

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- Vou cobrar quando este dia chegar, viu? E adeus “pau-de-virar-tripa”. Venha me visitar sempre e traga sempre presentes.

Ângela riu, montou em seu cavalo e partiu em disparada com um leve sorriso nos lábios.

- Ai, ai... Até que ele é bonitinho – suspirou – se não fosse tão pentelho...

Visitou todos os amigos da escola, até mesmo os vizinhos que não tinham filhos em fase de estudo. Muitos já eram formados, outros, desistentes. No sertão, em tempos remotos, era oferecido somente o ensino fundamental aos alunos, e, devido às dificuldades de locomoção, algumas crianças não concluíam o estudo. Tornaram-se agricultores como os pais e hoje acham desnecessário esse complemento para si. Mas esses mesmos pais de família, hoje, não deixam de medir esforços para verem os filhos formados. Vale tudo, até mesmo deixar as crianças permanecerem durante toda a semana na escola, pois, sabem que estão em boas mãos, e qualquer sacrifício vale a pena. Algumas famílias que moram mais próximas da escola levam seus filhos a cavalos. Fazem esse trajeto duas vezes por semana com muita satisfação e alegria, e as crianças, apesar do frio da madrugada no sertão, seguem felizes sobre o trote manso dos animais.

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Por último Ângela foi até a propriedade em que seu irmão Arthur mora e trabalha. Houve muita comoção entre os dois, pois amavam desmedidamente aquele lugar onde juntos cresceram e aprenderam a viver. Arthur prometeu visitar os pais no outro dia e Cleide, esposa de Arthur, também ficou muito ressentida pela partida da família. Mantinha uma boa relação com os sogros, os quais chamava carinhosamente por papai e mamãe, pois era órfã e fora criada pela avó materna desde os 10 anos de idade.

Ângela abraçou os dois sobrinhos e encheu-os de beijinhos, e, mesmo sem entenderem nada, também ficaram tristes presenciando as lágrimas dos pais.

O dia foi tenso, e, entre lágrimas e sorrisos, todos foram lembrados. Ângela estava feliz por ter tido tempo o suficiente de despedir-se de todos, mas ao mesmo instante, estava triste... Mas não queria pensar nisso naquele momento.

***

Domingo amanheceu nublado. Um céu cinzento anunciava um princípio de chuva fina que não tardaria muito a derramar. Era fato. Seu José Bento conhecia bem, como homem do campo nunca errara

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uma previsão antes, e já estava começando a ficar preocupado com a demora.

Todos os pertences da família Bento estavam preparados do lado de fora, cobertos por plásticos e uma pequena lona azul. Todos aguardavam ansiosos a chegada do caminhão, que pelo horário combinado, já estaria com considerável atraso, o que fazia aumentar ainda mais a ansiedade da família.

Quando o caminhão encostou próximo a casa, chegou junto com seu Lau Eugênio, que viera buscar os animais, e assim, dividiram os afazeres. Seu José Bento ajudava Seu Lau no recuo das criações, e André, Dona Maria e Ângela ajudavam na organização da mudança sobre o caminhão. Tentavam agilizar o máximo possível, temendo a prevista e anunciada chuva.

Ângela levava consigo sob os braços seu único livro, e fez questão de carregá-lo contigo durante todo o trajeto.

A viagem foi demorada, cerca de 2 horas e meia de íngreme descida, sobre pesados solavancos numa estrada truculenta, curvilínea e muito esburacada.

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CAPÍLTULO 9 - NOVA CASA, NOVA VIDA

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Chegaram cansados, mas o tempo estava totalmente diferente. O sol começava a dar as caras e o frio extremo do Sertão dava lugar a uma sensação agradável de calor.

Avistaram a casa alugada por seu José Bento, aliás, era apenas um cômodo bem pequenino, numa vila bem humilde e afastada da cidade, apenas uma rua e só havia 38 casas populares, a maioria em estilo meia-água. Apenas uma pequena mercearia com preços um pouco elevados com relação aos mercados centrais, e um parque de diversões abandonado e desgastado pelo tempo, com brinquedos um tanto quanto enferrujados, sobre uma terra vermelha batida e muito mato aos arredores. Muitas crianças brincavam descalças na rua, jogavam bola e pique-esconde. O local era calmo com relação a tráfego e o silêncio era quebrado apenas pela gritaria das algazarras infantis. Havia muitas crianças no local, considerando assim, grandes famílias.

O cômodo era menor ainda do que se imaginava. De alvenaria, ainda sem embolso e com telhas Brasilit aparentando alguns pequenos furos. Apenas um cômodo com um banheiro em péssimas condições.

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- Bem... Não seria também necessário algo grande de começo – Disse José Bento –, pois temos pouca coisa.

- Se Deus quiser conquistaremos nosso espaço aqui e teremos um lar digno dos nossos esforços.

Pagar-se-ia pelo cômodo uma bagatela de R$120,00 ao mês, e o dono era muito exigente com o aluguel, não perdoava sequer um dia de atraso, assim fizera com antigos moradores, apesar de não prezar muito pela qualidade da casa.

Tudo estava formalizado. Aos poucos as coisas foram se ajeitando. Sala, cozinha e quarto acabaram ficando espremidos num só espaço. Como não caberia a cama de casal no cômodo, ela ficou desmontada no pequeno terreno próximo a um ribeirão que passava abaixo da casa. O grande colchão fora rasgado ao meio por seu José Bento e costurado por Dona Maria para que se formassem pequenos colchões de solteiro, os quais seriam deixados em posição vertical pelos cantos da casa, para ocuparem menos espaço, e fossem utilizados apenas à noite, para dormirem.

Ângela preparou seu cantinho. Tinha um pequeno armarinho, onde guardava suas bijuterias

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baratas e suas quatro bonecas velhas que as tratava carinhosamente pelo nome de Barbie: Barbie azul; Barbie vermelha; Barbie amarela e Barbie rosa... De acordo com a cor dos vestidos. Ela nunca desgrudava das bonecas, desde pequena tinha muito cuidado com as mesmas, levava-as à escola desde seus 8 anos, período a qual surgiu seu notável apelido. Depois dos 12 anos parou de leva-las à escola, aliás, parou de brincar também, mas sempre as guardou com muito carinho, pois faziam parte de sua abençoada e feliz infância.

Com certeza, o começo não seria fácil para a família Bento.

Tiveram que tirar também a mesa de jantar da sala, deixando-a do lado de fora da casa pelo mesmo motivo da cama de casal. Tiveram que fazer suas refeições agachados em algum canto de parede vazio. Mas isso era de menos, pois já estavam acostumados com esse ato no sertão. Somente com uma diferença: - Não tinham o fogão de lenha, companheiro desses modos e costumes.

Assim eles passaram o domingo. Meio desorientados com a bagunça promovida e muito fácil de organizar. Dona Maria fez uma sopa de macarrão e todos jantaram meio cansados e calados, mas sempre perseverantes quanto ao futuro.

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CAPÍTULO 10 - NOVA ESCOLA

Segunda-feira, 08h00 da manhã. Seu Bento saíra cedo para o trabalho, seria seu primeiro dia e queria chegar antes mesmo que todos os outros companheiros de serviço. Gostava de ser pontual em todos os seus compromissos. Tomou seu café com leite e torradas antes de começar o trabalho com muita paz e alegria. Fez amizades e começou sua rotina que tinha certeza que duraria muito tempo.

Era um canteiro de obras para a construção de um edifício de três andares, e ele esperava dar o melhor de si, para que fosse reconhecido pelo seu esforço e esperava ser requisitado outras vezes para outros serviços ou outras empresas do ramo.

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Dona Maria levou seus 2 filhos na escola. Cuidava da transferência de Ângela e a matrícula de André. Mas deparou-se com um problema, André teria que esperar o próximo ano para matricular-se, pois ainda era agosto e ele não estudava.

- Tudo bem – disse André –, até lá vou ver se encontro um serviço para ajudar na renda da família.

- E eu? – perguntou Ângela, euforicamente – Posso me matricular?

- Pode sim mocinha – respondeu a Diretora responsável –. Já vou entrar com os papéis e se quiser, pode começar amanhã. Uma transferência é bem mais fácil e simples.

- Obrigada – suspirou Ângela.

Ângela estava na oitava série / nono ano do ensino fundamental, e estava muito ansiosa para o início das aulas. Não via a hora de fazer novas amizades e expor todo o seu conhecimento aos novos professores. Acreditava que estando na cidade, sua luta e determinação para realizar os seus projetos por um mundo melhor seria muito mais facilitado.

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No outro dia Ângela chega toda tímida na escola, é apresentada pela Diretora à professora e aos alunos na sala de aula. Ajeita um lugarzinho vago no fundo da sala e ali observa despretensiosa todos os gestos e manias dos colegas. Cada um com seu celular, alguns Laptops, e muitos com Notebook. É um mundo totalmente diferente para ela. A sala é completamente informatizada, tem TV, DVD e um total de 39 alunos, contando agora com ela, todos em silêncio, concentrados nas explicações da severa professora.

- É... Realmente... É tudo diferente! – pensou Ângela – mas em breve darei um toque de alegria neste ambiente, todo mundo é muito fechado... Espero que seja só no começo.

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CAPÍTULO 11 - AMIZADES

Hora do recreio. Ângela entra na fila do lanche, prepara seu alimento e senta-se num canto afastado de uma enorme mesa de refeição. Logo chega uma garota um tanto quanto estranha, de franjas quase tapando os olhos, bem negros por sinal, assim como

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seu batom. Roupas negras e leves realces arroxeados, muitos apetrechos brilhosos pelo corpo, assim como um enorme crucifixo no pescoço.

- Olá garota nova... Qual sua graça?

- Como? – perguntou Ângela.

- Seu nome, estranha... Quero saber o seu nome.

- Meu nome é Ângela. Sou nova aqui.

- É, deu para perceber. De que cidade você veio? Pelas roupas parece que veio de Bangladesh.

- Não... Eu vim do Sertão, da Serra da Bocaina, chegamos ontem.

- Hum... Estava na cara... Você é uma “caipira”. Mas gostei de você. Prazer, meu nome é Cristal, bem, não é bem Cristal... Mas é o nome que eu adotei. Chamo-me Melissa, só que esse nome não combina nadinha comigo. Como você vê, sou Emo. Ah! E sou lésbica também. Sabe o que é isso?

- Sei sim – responde Ângela –, mas eu prefiro ser o que sou. Não ligo o que as pessoas pensam de mim e nem quero mudar o que Deus me deu. Ah! E

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respeito sua opção. Tenho certeza que ela não a faz sentir menos ou mais do que você realmente é.

- Você é muito atrevida, hein garota... Mas eu não esquento – pode ficar tranquila, sou da paz, só quero sua amizade. Isto é, se você quiser a minha também. Sou muito discriminada aqui na escola pelo meu estilo. Assim como você... Logo, logo será, acredito eu, se continuar a usar esse visual caipira e esse rabo-de-cavalo degodê.

- Ah! Esquenta não – salientou Ângela – se você gosta... Faça o que te faz sentir bem. Assim você se sentirá melhor, e não ligue se falam de você, são pessoas que ainda não se descobriram e ficam escondidos entre máscaras com medo de enfrentar a sociedade, porque esta é muito conservadora. Você é corajosa e devia orgulhar-se. Quanto a mim, como disse, não ligo, eu sou assim e não posso mudar o meu jeito só porque não agrada a algumas pessoas. Sou o que sou.

- Puxa! Quantos anos você tem garota? Você é muito inteligente!

- Tenho 14 anos, faço 15 no dia 10 de setembro. E você? – perguntou Ângela

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- Tenho 15 anos, faço 16 no dia 10 de outubro.

Riram juntas, gargalharam – e criaram ali um duradouro laço de amizade.

***

Com o passar dos dias, Cristal apresentou seus poucos amigos à Ângela: Marlon, de 16 anos, um moreno rebelde com cabelos encaracolados e bem esparramados, em estilo Afro Reggae. Usava camisas com as cores da Jamaica e sempre com fotos de seu ídolo Bob Marley estampada; Luan, de 16 anos, um Nerd magro e raquítico que raramente falava. Era muito inteligente, mas demonstrava um evidente complexo por causa da discriminação social que diariamente o atormentava. E Judith, 17 anos, com aparência muito semelhante à de Cristal, tinha cabelos alaranjados furta-cor, vários brincos nas orelhas, e um grande piercing no nariz.

Tornaram-se amigos inseparáveis, e compartilhavam todas as tarefas e amizade nos intervalos.

Marlon e Luam e Judith eram repetentes... Apesar de toda inteligência de Luan, o Nerd, ele tinha problemas de relacionamento que o

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atrapalharam no passado. Os três estudavam na mesma sala das meninas. Judith era a mais velha, e faltava apenas três meses para completar a maioridade. Não tinha muita perspectiva de vida, era ansiosa, ingênua, sem personalidade expressiva e não levava muito a sério a escola. Gostava muito de cabular aula para namorar, coisa que no passado trouxe vários problemas para seus pais. Mas tinha um coração gigantesco, e todos sabiam disso.

Um dia, Cristal convidou Ângela para ir até a sua casa, passar a tarde e colocar assuntos em dia. Ângela pediu aos pais, que logo consentiram, só pedindo que chegasse em casa antes do anoitecer, como de costume.

Elas chegaram à grandiosa casa de Cristal, realmente uma mansão, com vários carros importados na garagem, motos e empregados por toda parte.

- Puxa! – diz Ângela – sua casa parece um palácio. Tem algum príncipe aí dentro?

- Rá rá rá – riu Cristal – Nem sapo... Mas tem uma princesa rebelde. E está chegando outra neste exato momento, só que esta não tem rebeldia... Só pureza.

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- Ângela sorri.

Cristal apresenta Ângela aos pais, muito simpáticos por sinal, e ela fora recebida com muitos elogios, pois os pais de Cristal eram muito educados, bem sucedidos, e ficaram muito surpresos e felizes pelo fato de Melissa, pela primeira vez na vida, trazer uma amiga para sua casa, e que não fosse estranha e emperiquitada como a filha.

- Venha – chamou Cristal – venha conhecer meu túmulo.

- Túmulo? – estranhou Ângela.

- Sim, meu recanto sombrio... Meu quarto querido.

As duas subiram as escadarias correndo e ao entrarem no quarto, para a surpresa de Ângela, o quarto era normal, nada de quadros negros e sombrios, teias de aranha, artefatos de bruxaria... –Ufa! Suspirou Ângela – Menos mal.

Cristal abriu seu armário e pegou algumas roupas que não usava mais, jogou todas na cama e disse:

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- Pode escolher o que quiser e servir. São quase todas novas, aliás, 99,9% novas, devo ter usado apenas uma blusa preta que está por aí. Tenho muitas em todos os armários que abro, às vezes abro uma porta e caem milhares de roupas encima de mim, como se implorassem: “me pegue! pegue-me!”.

- Riram muito!

Não sei Cristal, acho melhor não... São suas. E outra, não tenho nem onde guardar tanta coisa bonita.

- Ora, deixa de ser tola, estou te dando de coração.

- Bem, vou escolher algumas, mas só por causa dessa última frase que você citou.

Enquanto Ângela escolhia algumas peças, olhou sem querer dentro do guarda-roupa de Cristal aberto e viu muitas bonecas “magrelas” ainda nas caixas.

- Perguntou:

- São suas essas bonecas?

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- São sim – responde Cristal – meus pais sempre me presenteavam com essas Barbies. Mas eu nunca brinquei com elas, sequer abri as caixas. Quer ver?

- quero sim – respondeu Ângela.

Cristal jogou todas na cama, e para espanto de Ângela, notou-se que se tratava de uma coleção completa.

- Puxa – admirou-se Ângela – como essas Barbies são diferentes das minhas.

- Por quê? – pergunta Cristal.

- As minhas são gordinhas e quebradas. Acho que não são Barbies - são simples bonecas.

- Mas você nunca viu uma Barbie na vida? – perguntou Cristal.

- Eu nasci e cresci no meio do mato. Não tem luz onde eu morava e sequer televisão. A água era esquentada através do fogão de lenha por serpentina. Um dia Eulália, minha amiga do Sertão, levou uma boneca gordinha na escola e disse que era a sua Barbie. Depois disso, todas as meninas da escola tratavam suas bonecas como Barbies. Acostumamos

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com isso. Pedi um dia para meu pai me comprar uma boneca da Barbie e ele comprou igual, mas bem inferior, era magrinha e simples demais... Presenteei Lalinha com a boneca magra. Preferi minhas gordinhas, rs.

- Mas agora sei por que Carlinho sempre me zoava quando me chamava de Barbie feia – por que elas são lindas e magrelas, assim como eu. Acho que ele me amava mesmo rs.

- Amiga – disse Cristal – são todas suas! Pode levar tudo, eu nunca brinquei com isso durante toda a minha infância, leve-as e guarde contigo.

- Desculpe amiga, não posso fazer isso. Mas eu quero apenas uma... Posso escolher?

- Lógico amiga, escolha a mais bonita, por favor.

Ângela olhou todas com muito carinho e acabou apaixonando-se por uma, que estava aparentemente bem vestida socialmente, e carregava alguns livros sob os braços. Sob o outro, ostentava uma belíssima bolsa Pink. Lembrou-se de seu desenho que fizera um tempo atrás para Dona Helena. – Mera coincidência! – pensou.

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- Eu quero essa. Tem tudo a ver comigo. – disse Ângela entusiasmada.

- Pode ficar amiga... Mas se um dia mudar de ideia, pode vir buscar todas.

Ângela abraçou Cristal e agradeceu comovida pelo presente. Juntou uma sacola com as roupas escolhidas e pediu apenas uma promessa a Cristal:

_ Se um dia eu me formar professora, que é o meu grande sonho, você vai à minha formatura com roupas de princesa, assim como você é, sem essa negritude exterior?

_ É uma promessa muito difícil de cumprir. Essa minha solidão me traz muita depressão. Nem sei se estarei viva até lá.

_ “O que o oxigênio é para os pulmões, a esperança é para o sentido da vida”.

[1] - Diz Ângela, citando um ditado ouvido várias vezes pela sua querida avó.

_ Mas eu prometo Ângela... Juro que prometo! – responde Cristal.

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Assim, voltou para casa muito feliz com os presentes e apresentou-os aos pais com muito orgulho.

_ Gostou de todos, mas principalmente de uma jaqueta amarela, de toca, a qual sempre quisera.

_ Minha filha – disse Seu José Bento – você tem certeza que ela te deu de coração, sem nada pedir em troca?

_ Absoluta papai. Ela é minha melhor amiga e parece que gosta muito de mim. Seus pais também são uns amores.

_ Ela deu-me até uma boneca da Barbie... Está bem a... Puxa! Parece que me esqueci de trazê-la. Tudo bem, outro dia eu pego.

_ Bah! Resmungou André – você não tem mais idade para brincar com bonecas. Principalmente Barbies.

_ Mas não brincaria mesmo com ela, querido irmão rabugento. Ela seria apenas um símbolo de minhas futuras conquistas, pois se parecia muito comigo no futuro.

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_ Vou ser professora querida família! Já tinha me decidido uma semana antes da gente descer.

_ Tá! – disse André – e como você vai pagar uma faculdade, Barbie sonhadora?

_ Vou trabalhar! – respondeu Ângela – assim que terminar meus estudos, atingir meus 18 anos, vou trabalhar e estudar ao mesmo tempo.

_ O único problema é que, o curso que eu vou me formar ainda não existe. Mas podem ter certeza, até lá... Vai existir.

_ Deus te abençoe minha filha – disse Dona Maria, e que com sua coragem e determinação você consiga atingir todos os seus objetivos.

_ Eu vou conseguir mamãe. “Eu quero, eu posso, eu consigo”!

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[1] Citado por Billy Graham. Revista Decision (Billy Graham Evangelistic Association: Minneapolis-EUA, 1990), p. 1.

CAPÍTULO 12 - O ANIVERSÁRIO DE ÂNGELA

Os dias passaram lentamente. Tudo transcorria perfeitamente na família Bento. O salário do Sr. José era mínimo, mas dava para arcar com os poucos gastos da casa.

Um mês se passou, e havia chegado o aniversário de Ângela. Sua mãe preparou-lhe um bolinho simples de chocolate e comprou 2 garrafas descartáveis de refrigerante barato, de 2 litros cada, para a singela comemoração entre família.

Foi tudo muito simplório... Até o momento em que recebera a grata surpresa da visita de seus quatro grandes e melhores amigos. Sua felicidade foi plena e indissimulável.

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Marlom deu-lhe de presente um CD do Bob Marley, dizendo: - Preste atenção nas letras e nas mensagens do mestre.

_ Hum... - Disse Ângela – Creio que será difícil, não sei ler inglês. Mas prometo que vou procurar a tradução.

_ Muito obrigada – Deu-lhe um beijo no rosto.

_ Luan, muito tímido, pegou-lhes as mãos, beijou-as e entregou-a uma caixa recheada de bombons. Ela agradeceu retirando-lhe os óculos enormes e esquisitos e beijando-o no rosto, percebendo todo enrubescimento de suas faces frágeis, causadas pelo sincero beijo de uma garota tão linda e querida.

Judith deu-lhe um abraço bem apertado e presenteou-a com um anel, de grandes proporções, com um grandioso crucifixo dourado muito atraente no centro.

_ É para proteger-te contra todos os males da vida.

Ângela pôs no dedo na mesma hora e também beijou Judith n rosto em sinal de agradecimento.

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- Obrigada amiga – disse Ângela – Deus nos proteja igualmente.

E por fim apresentou-se Cristal, trouxe-lhe 2 caixas, uma pequena e uma grande. Entregou primeiro a caixa pequena a Ângela e disse:

- Bem vinda à globalização.

Ângela abriu a tênue caixa e deparou-se com um celular de última geração, smartphone rosa, simplesmente encantador.

- Ah! Amiga, você sempre exagerando, não precisava. Eu nem sei mexer nisso.

- Mas vai aprender – disse Cristal – e precisamos estar todos conectados, assim sempre que eu precisar falar com você, saberei que fácil te encontrarei. Desde que mantenha o sempre contigo.

Riram juntas.

E carregado – brincou Marlon.

- E esse outro presente também é essencial para a nossa amizade, pois me sinto muito solitária neste mundo sem os amigos por perto, e com isso

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poderemos manter contatos até mesmo visuais sempre que sentirmos a solidão apertar.

Ângela abriu o presente e assustada perguntou:

- O que é isso?

- É um Notebook – respondeu Cristal – já vem com um modem prontinho para receber internet. Pode ficar tranquila, as prestações da net é por minha conta.

- Desculpe amiga – disse Ângela – não posso aceitar isso... É muito para mim, e como o celular, eu nem sei ligar isso.

- Que isso princesa – disse Cristal – você vai aprender. É muito fácil depois que a gente começa a fuçar. Você verá.

- E Luan, com muito sacrifício, consegue exortar algumas palavras:

- Duas aulas.

- Como? – indaga Ângela

- Duas aulas que eu te der e você já vai dominar completamente este aparelho.

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- Puxa gente – agradece Ângela – Não sei nem com agradecê-los. Vocês são muito especiais para mim. O máximo que posso retribuir é com um pedaço de bolo delicioso de chocolate e uma amizade inalterável, constante, enorme, desmedida e que não há de nunca ter fim... Nunca.

- Bem, - disse Judith – então vamos lá que eu já estou com água na boca.

- Opa! – disse Senhor Bento – não antes de cantarmos um “Parabéns para Você...”

- Ah! Não pai – disse Ângela – não me mata de vergonha... Já sou uma mocinha.

- Não tem problemas, até velhinhos cantam parabéns...

E Cristal puxou:

“-Parabéns “pra” você...”.

Foi uma noite especial para Ângela, todos conversaram por um longo tempo na calçada durante quase toda a noite. Riram, divertiram-se e Ângela ainda arriscou os primeiros passos no celular. A noite rapidamente passou.

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Infelizmente é tarde – disse Marlon – temos que ir. Espero conversarmos muito Ângela, mantenha-se conectada conosco sempre, ok?

- Ok! Prometo – respondeu Ângela.

- Amanhã leve seu Notebook na escola – disse Luan – e já no intervalo, já te ensino os primeiros passos.

- Puxa Luan – disse Ângela – muito obrigada, e tenho estado mais feliz ultimamente. Tenho ouvido mais a sua voz. Nem sabia do seu tom gravoso. - Riu Ângela.

- É que você é muito especial Ângela – disse Luan.

- Que bom que você pensa assim. – agradeceu Ângela.

- No mais, o que posso dizer a todos, é que a noite foi maravilhosa e esse com certeza foi o melhor aniversário da minha vida. – Agradeceu Ângela - obrigada a todos de coração!

- Até amanhã amigos.

- Até.

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CAPÍTULO 13 - A VISITA DE TIA HELENA

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Assim que todos foram embora e Ângela abria a porta para entrar em casa, ouviu uma suave e conhecida voz a chamando:

- Ei mocinha... Sobrou um pedacinho de bolo para mim? – perguntou sua antiga professora Helena - para grata surpresa de Ângela.

- Tia Helena, que bom que está aqui. Sinto tanto sua falta. Sinto falta da escolinha, dos amigos.

- Eu sabia que hoje era seu aniversário, e resolvi dar uma escapadinha dos afazeres escolares para vir te dar um singelo abraço. E te trazer uma lembrancinha.

- Não precisava Tia Helena, só o fato de a Senhora estar aqui já alegra muito meu coração – disse Ângela.

- Que isso princesa, sabes que mora no fundo do meu coração. E do lado esquerdo ainda.

- Trouxe-lhe um livro sobre Meio Ambiente, não é dos mais notáveis, como aquele que você guarda com tanto carinho, mas tem coisas

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interessantes que talvez possam ser úteis um dia. Sei que gostas do assunto... Achei que iria gostar.

- Eu adoroooooo! – exaltou Ângela – amei... Muito obrigada Tia Helena. Prometo que lerei inteirinho, do início ao fim, não farei como o outro que tenho escondido debaixo do meu colchão e que leio apenas alguns trechos, por ser muito grosso e um pouco complicado.

Riram juntas.

- Bem, tenho que ir “Anjo Verde” – não sei por que, mas adoro te chamar assim – disse Helena -. Felicidades e tudo de bom para você querida.

- Obrigada mais uma vez Tia Helena, foi uma grata surpresa estar com a Senhora aqui hoje. Não quer entrar um pouquinho e degustar um “tiquinho” do meu singelo bolinho de chocolate? – perguntou Ângela.

- Deixa para a próxima queridinha – eu prometo que voltarei logo, pois agora que descobri onde você mora, vá se acostumando... Sou muito nostálgica, amo rever as pessoas que amo. Sempre que der, virei dar um abraço e ver como anda minha futura colega de profissão.

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- Adeus princesa.

- Adeus Tia Helena.

Ângela entrou toda feliz, abraçou os pais e o irmão, agradeceu de coração pela felicidade daquele momento proporcionado por eles, e correu para seu colchão com o livro nas mãos. Deitou-se, abriu o livro para ler o Prefácio quando de repente, um bilhete caiu de dentro do mesmo, bem encima de seu peito.

- O que será isso? – pensou Ângela.

Ao ler, viu que se tratava do endereço completo do Palácio Presidencial, para que alguma possível correspondência pudesse ser encaminha exclusivamente à Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff.

Ângela sorriu e pensou:

- Era tudo o que eu precisava.

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CAPÍTULO 14 - SONHOS DE UM ANJO

Logo os meses se passaram e Ângela estava tão acostumada com a cidade grande, suas tecnologias, que vivia horas e horas a fio inseparavelmente com seu Notebook sob os braços, sempre pesquisando sobre Ecologia, Ecossistemas, Meio Ambiente e todos os tipos de debates da mídia. Conferência de Copenhagen, Rio +10, Rio + 20, onde opiniões sempre eram questionadas, destoadas, discutidas, mas nunca era recíproco entre Chefes de Estados. Todos esses projetos tinham ideias, possíveis soluções, mas nunca entravam em um acordo plausível e que agradasse a todos, e assim, nunca traziam uma solução para o nosso planeta. Enquanto 10 aplaudiam, 20 protestavam e repudiavam.

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É... Estava mesmo muito difícil uma solução imediata ou em longo prazo para esse grande e tão próximo problema Mundial.

Quem sabe ela daria uma pequena contribuição para toda humanidade. Um pequeno gesto de uma pequena notável.

Era tudo o que Ângela queria. Queria que todos regressassem ao passado e tivessem a oportunidade de terem estudados Educação Ambiental desde o jardim de infância até o 2º Grau escolar como ensino obrigatório. Assim, formar-se-iam Governantes, Deputados, Ministros e até mesmo Chefes de Estados com outra consciência, e preparados para ministrarem dificuldades rotineiras e não reuniões insólitas e emblemáticas.

E aqueles criminosos que desrespeitassem as leis da natureza, deveriam ser punidos mais severamente, para servirem de exemplo para outros pobres coitados que nunca tiveram chance de ir à escola e a aprender a respeitar a mãe natureza. Deveriam ter uma nova chance de retornar à escola, mesmo depois de adultos, obrigatoriamente.

-Acho que sou um pouco radical! – pensou Ângela.

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Mas não cessava de pensar... Vivia imaginando soluções e mais soluções para a salvação do nosso planeta, principalmente pelo desmatamento das florestas, assunto a qual era literalmente interligada.

- Assim como o trabalho infantil, deveria também ser proibida a negligência escolar, até a conclusão do 2º Grau. Assim, gratuito, todos poderiam estudar. As empresas também colaborariam contratando apenas funcionários que trouxessem no seu currículo a formação Ambiental, com consciência plena e nítida sobre o assunto, assim fariam sua parte altruísta, fazendo muito mais do que qualquer patrão ignorante que contrata um maquinista sem instrução para trabalhar na Amazônia sem nunca ter tido uma instrução na vida.

Ângela sonhava alto. Sabia que sozinha seria muito difícil alterar esse quadro burocrático e que nunca teria poderes e nem ajuda para os seus ideais. Mas tinha esperanças... Pois a esperança de uma criança é uma chama que dificilmente se apaga... E era seu maior sonho... Sonhos não se sonham, se realizam. Nem que seja apenas por um dia ou uma vez na vida.

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CAPÍTULO 15 - AS DIFICULDADES DA FAMÍLIA BENTO

Um ano se passou. Era Agosto novamente e..., as coisas começaram a ficar difíceis para a família Bento. O Senhor José acabara de perder o emprego, pois a obra parara e ele estava em busca de um novo emprego.

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Seu José não tinha muito estudo, por isso estava cada vez mais difícil entrar num mercado tão competitivo.

Dona Maria lavava roupas fora para ajudar no orçamento, mas uma inesperada crise afetou muita gente da cidade, e das 5 famílias a qual ela lavava e passava, apenas 2 continuaram com seus serviços.

O dinheiro era muito pouco para sobreviver, dava apenas para a sopa do almoço e da janta, e um chazinho com torrada à tarde.

André já estava estudando e nas horas vagas vendia alguns salgados numa caixa de isopor nas ruas. Os salgados eram feitos por vizinhos da redondeza, e a ele cabia uma pequena porcentagem do bruto que vendia. Recebia uma mixaria diária, e ajudava os pais dentro de casa.

Ângela sentiu as necessidades da família, que a todo custo, tentavam esconder todos os problemas da filha. Mas ela era muito esperta e nada passava despercebido pela garota.

-Mamãe...

- Sim meu anjo, diga:

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- Quero vender meu Notebook para ajudar o papai a pagar o aluguel. Acredito que esse dinheiro será suficiente para garantir pelo menos uns cinco ou seis meses de aluguel.

_ Nem pensar minha filha – disse dona Maria – nunca. Você adora seu Notebook. Pode deixar - seu pai logo vai arranjar outro emprego e tudo vai melhorar. É só ter fé.

- Vou esperar uma semana mamãe, se ele não conseguir vou vendê-lo sim, pois nossa felicidade vale muito mais do que um simples objeto que vai ficar prá sempre no mundo quando partirmos. Não servirá de bagagem.

- Dona Maria chora e abraça apertadamente sua filha com muita decepção.

- Você não vai ser infeliz por nossa causa filha querida. Vá dormir, reze e sonhe com os anjos... Eles gostam de você e sempre te protegeram.

- Certo, mas já estou decidida. Boa noite mamãe.

- Boa noite meu anjo teimoso.

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CAPÍTULO 16 - CONFLITOS DA ADOLESCÊNCIA

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No outro dia, quando Ângela chegou à escola não encontrou Marlon.

- Estranho – pensou – ele é sempre o primeiro a chegar.

- Ei Judith, viu o Marlon por ai?

- Você não está sabendo? – indagou Judith

- Não!

- Ele está preso, foi pego portando algumas trouxinhas de crack. Parece que ele fazia coisas erradas escondidas ultimamente.

- Ah! Não... Coitado... Que pena. Será que podemos visita-lo na prisão.

- Acho que ainda é cedo, ainda tem os dias certos de visita, e ele pegou com tráfico, as coisas estão ruins para ele. Mas uma hora nos iremos visita-lo, não podemos abandonar um amigo, mesmo nesta situação, e mesmo que este apresente seus piores defeitos. O importante foi que ele nunca aliciou-nos à sua aventura, ficou na dele e sempre foi um amigo verdadeiro.

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- Que barra! – disse Ângela constrangida.

- E Cristal, onde está? – perguntou Ângela – também não a vi.

- Judith olhou no relógio em seu celular, pensou um pouco e respondeu:

- Bem, neste exato momento ela deve estar terminando de arrumar as malas...

- O quê! – assustou Ângela – como assim, arrumando as malas?

- É amiga, parece que ficaremos sós. O pai de Cristal fora transferido para o Rio de janeiro, e estarão de mudança logo ao amanhecer.

- Não a-cre-di-to! – interpelou Ângela com frases silábicas em alto tom. Como o mundo pode desabar de uma só vez sobre nossas cabeças assim tão de repente?

- É amiga – disse Judith –, o destino é assim mesmo, prega-nos cada peça inesperadamente.

- Ângela ainda perguntou: - Não me diga que aconteceu algo ruim com o Luan também?

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- Não. Mas o Luan está na sala de aula; parece que emudeceu mais ainda com os acontecimentos; ele está fechado para o mundo; agora não diz nem mais “oi”. Espero que seja passageiro.

- Ai, ai, ai... Deus tenha piedade de nós. Não me abandone também amiga, já estou começando a ficar com muito medo.

- Pode deixar Angelita, estarei sempre aqui do seu lado.

- Acho que vou matar aula hoje – disse Ângela -, tenho que ver Cristal antes dela partir.

- A gente pode ir depois da aula – disse Judith -, ela só vai embora amanhã de manhã, teremos tempo o suficiente para despedirmo-nos... Acho.

- Verdade, mas estou ansiosa, não queria correr o risco de não vê-la mais... E ela também deve estar muito ocupada, ainda tem os parentes, vizinhos... Muita gente para se despedir.

- Vamos entrar, o sinal vai tocar.

- Sim, vamos, a professora já deve estar na sala de aula.

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Passaram as cinco aulas e o intervalo literalmente grudadas, inseparáveis. Andavam de mãos dadas ande iam, demonstrando uma carência perceptível.

Luan ficou afastado, sequer saiu ao intervalo, ficou a sós com seus livros sobre sua carteira, com olhar soturno e desbotado, mas as meninas estavam mais preocupadas com os ausentes do que com os presentes, e ele sentiu esse afastamento. Mas não compreendeu.

Assim que o sinal tocou elas saíram.

Depois das aulas, as duas amigas deram as mãos e correram por vários quarteirões com destino à casa de Cristal, na esperança de ainda a encontrarem a tempo de uma tépida e honrosa despedida.

Chegaram vagamente cansadas à casa de Cristal. O caminhão que cuidava da mudança já estava parcialmente lotado, restando apenas as embalagens de porcelana, alguns valiosos quadros e cristais raríssimos que no momento estavam sendo manuseados. Cristal acenava com trêmulas mãos e coração de vidro quebrado; olhos inchados em negros tons lacrimejantes, cuja maquilagem vertera. Subiram correndo ligeiramente a escadaria e adentraram quarto adentro, naquele momento já

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completamente vazio, abraçando com muita emoção, as três, a derradeira despedida. Choraram como crianças durante um longo período, que parecia difundir-se na luz das trevas que sucumbia aquele momento fraternal.

- Amo vocês, amigas! Sentirei muito a falta de todos – principalmente do burrinho do Marlon. Ai gente! Eu muito o amava, era excessiva e demasiadamente apaixonada pelos seus encantos. E pior, acho que ele nunca vai saber do meu amor.

- Ué? – você não é lésbica? – perguntou Judith, cheia de pasmo.

- Lógico que não né, amiga! Você acha que eu queria ser diferente apenas me vestindo e pintando de preto? Eu precisava fingir mais; precisava fugir mais do modismo da sociedade. Gosto muito desse egocentrismo. Mas parece que ele prejudicou-me mais do que eu um dia pudesse imaginar. Talvez Marlon nunca tenha percebido meu coração por causa dessas máscaras que sempre cotiava.

- Estamos todos tristes Cristal – disse Ângela –. Perdemos o Marlon temporariamente e agora você vai nos deixar. O que será do grupo mais magnânimo da escola desfalcado desse jeito?

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- Um dia encontrar-nos-emos de novo e tudo será diferente – respondeu Cristal -. Manteremos sempre contato. Seja por redes sociais, sms, ligações, e-mails... Quero estar sempre conectada a vocês. Por favor, não me abandonem, pois sentirei muitas saudades.

- Ângela ficou preocupada, pois agora tinha uma dolorosa decisão para tomar na vida. Ou vendia seu Notebook e ajudava os pais, ou ficaria com ele para manter contato visual com a amiga distante.

- Que dilema! – comentou Ângela

- Como? – perguntou Cristal

- Esquece. Tudo há de dar certo. Se nossos destinos se cruzaram um dia não foi por acaso. Deus ainda reserva muita coisa boa para nós. Vá com Deus amiga, e a credite, amamos muito você. Com pinturas, sem pinturas... Seu coração é um só, e é gigantesco.

Novamente se abraçaram, choraram e despediram-se com muita consternação em cada olhar.

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CAPÍTULO 17 - OS CAMINHOS ERRADOS DE JUDITH

Ângela e Judith foram embora abraçadas, sem dizer uma palavra, sem olhar para trás.

No meio do caminho, Judith parou Ângela, fitou-a profundamente nos olhos e disse com a voz meio trêmula: - Gosto muito de você amiga, e queria te confessar uma coisa.

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- Opa! Olhe lá, não me venha com uma nova desgraça. – disse Ângela

- Não – respondeu Judith – ainda não é uma desgraça... Mas pode vir a ser, pelo menos para mim.

- Desembucha.

- Estou saindo com um cara mais velho.

- Ora bolas, e o que tem de errado nisso? – pergunta Ângela

- É que ele é “muitoooo” velho, entende?

- Hum... Ainda não é um caso desesperador. – diz Ângela, menos preocupada.

- Bem, não seria, se o canalha não fosse casado. – surpreende Judith.

- Casado?

- Sim, ca-sa-do!

- Não acredito que você está tendo coragem de sair com um homem mais velho, casado, e que

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deve estar querendo só se aproveitar de você. – diz Ângela inconformada.

- Quantos anos ele tem?

- 36, mas ele sempre diz toda vez que saímos que vai deixar sua esposa por minha causa, e que só não se separou ainda por causa dos 2 filhos pequenos.

- Não me diga que você está acreditando nisso, amiga?

- Bem, eu o amo muito. Nunca tive um sentimento tão forte dentro de mim, aliás, é mais forte que eu. Perco o tino, o raciocínio e não sei nunca dizer não a esta forte tentação. Sou muito fraca, a emoção corrompe a ilusão. Não posso ficar sem ele... Sofro tanto amiga.

- Hum! – comentou Ângela – Vamos manter contato. Eu vou te dar muitos conselhos e quero estar sempre a par de tudo o que tiver acontecendo com você. Vou estar sempre do seu lado enquanto você estiver do meu. Isto é errado, vou fazê-la enxergar seus erros e descobrir que o mundo pode ser totalmente diferente das ilusões propostas pelas tentações. Você é carne e alma e é muito mais forte

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do que imagina, só não consegue lutar contra isso. Amanhã a gente conversa.

- Tudo bem amiga – diz Judith – você é a única pessoa que sabe disso, a única com quem consegui desabafar-me. Obrigada por ser tão atenciosa.

- Ângela deu-lhe um beijo no rosto e despediram-se cada uma para sua casa.

Ângela chegou em casa já cansada, era tarde, e seu pai a repreendeu dizendo:

- Minha filha, pela primeira vez na vida você não me obedeceu, chegou em casa depois do escurecer.

- Mil perdões papai, tive fortes motivos e um dia muito tenso, fui surpreendida por muitas coisas ruins e tive que me fortalecer com abraços amigos. Prometo que isso não acontecerá novamente.

- Tudo bem, dessa vez eu a perdoo. Vá tomar seu banho e dormir um pouco. Parece que esses lindos olhinhos azuis ficaram vermelhos e inchados por um longo tempo. Vá descansar.

- Boa noite família!

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- Boa noite princesa!

Ângela dormiu até tarde naquele dia. Sua mãe estranhara, pois ela sempre acordava cedo, beijava a família e começava o dia a cem por hora. Parece que estava sem energias. Talvez decepcionada com tantas desilusões.

Ângela começava a acreditar que tudo conspirava contra suas vontades; seus sonhos, seus desejos...

Durante toda a semana, Ângela e Judith não se desgrudaram. Luan afastara definitivamente das duas, aliás, do mundo, pois passou a viver isolado até mesmo de si. As duas tentaram uma aproximação, mas ele foi resoluto.

Ângela aconselhou muito Judith, que sempre atenciosa, chegava a concordar várias vezes com os conselhos da amiga, e até prometeu mudar de vida, deixar tudo de ruim para trás e tentar algo novo, como se um novo alento tomasse conta de teu ser.

A semana voou.

CAPÍTULO 18 - O DESPEJO

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Sexta-feira à tarde, após o término das aulas, Ângela percorre lentamente a rua que leva à sua casa com o coração um tanto quanto apertado, parecendo pressentir algo muito ruim. Põe o fone de celular nos ouvidos, cobre a cabeça com o capuz de sua jaqueta amarela e segue normalmente cantarolando baixinho.

Ao chegar à frente de sua casa, depara-se com todos os móveis da sua família amontoados na calçada. Sua mãe chorando num canto, André desolado sentado na beira da calçada do outro lado da rua e seu pai discutindo com o rabugento e irredutível proprietário do cômodo.

Ângela corre, abraça a mãe e pergunta:

- O que aconteceu mamãe?

- Fomos despejados minha filha, apenas 2 meses de aluguel atrasado e estamos na rua. Não temos nem para onde ir. Seu pai está tentando pedir

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mais um prazo, mas parece que o homem ali não tem Deus no coração, não...

Ângela abraça novamente a mãe e derrama-se em prantos, mas consegue soluçar algumas palavras de conforto:

- Fica tranquila mamãe, Deus vai nos ajudar, Ele nunca nos abandonou.

Depois de um longo tempo de conversa com seu José Bento, o proprietário do imóvel lacra a porta do cômodo com uma corrente, põe um cadeado e ainda tem a cara de pau de dizer à família:

- Boa sorte!

Ângela desmesuradamente mostra a língua para o perverso malfazejo e acena com as mãos dizendo:

- Deus está vendo o que estais fazendo, poderia pelo menos deixar-nos passar a noite e amanhã sairíamos, não custaria nada. A mão de Deus pesa. Boa sorte eu que digo para você, “bondoso senhor”.

Ele a ignora e vai embora sem demonstrar sequer um ínfimo remorso.

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A rua ficou repleta de curiosos, muitos ofereceram ajuda, mas seu José Bento estava tão perplexo que realmente não sabia nem o que fazer ou dizer. Faltavam-lhe palavras. Aparentava completa decepção e imaturidade para lhe dar com um caso tão incomum e tão delicado em sua vida.

Àquela altura, já passavam das 20h00, um senhor de carroça que também parara para observar a cena ofereceu transporte para conduzir suas coisas até à casa de algum parente. Dona Maria disse-lhe não haver ninguém a quem poderiam recorrer. Nenhum parente próximo, nenhuma perspectiva.

Seu José Bento enfim falou:

- Vamos colocar nossas coisas na carroça. Conheço um lugar espaçoso onde passaremos essa amarga noite. Amanhã decidiremos nosso destino.

Assim, todos ajudaram a carregar a carroça com os móveis velhos, como eram poucos, uma viagem apenas seria suficiente.

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CAPÍTULO 19 - A VIDA SOBRE A PONTE

Meia hora depois partiram rumo a uma alta ponte da cidade, onde embaixo corria um córrego bem pequeno, e que ostentava um considerável espaço entre os muros e a margem do rio.

No meio do caminho, Reinaldo, o carroceiro, perguntou a seu José Bento:

- Tem certeza que quer ir para lá mesmo?

- Hoje não tenho outra opção – responde José Bento – amanhã quem sabe Deus me ilumine e guie meus passos.

- Bem, - disse Reinaldo – sei que está muito difícil conseguir emprego nesta época, os tempos estão mesmo difíceis, se quiser trabalhar comigo no

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lixão da cidade, dá para tirar um bom troquinho no fim do mês.

- E o que vocês fazem lá?

- A gente separa tudo, papéis, alumínios, sacolas, e depois a gente vende para os interessados. Nunca falta cliente, tudo é reciclado, ou melhor, quase tudo.

- É lícito?

- Sim, aliás, não sei, mas a gente faz isso há muitos anos. Basta usar luvas e botas que tudo dá certo. Se quiser pode ir amanhã mesmo... Estarei lá.

- Eu vou sim, enquanto não encontrar nada tenho que aceitar qualquer desafio.

Assim, depois de tudo ajeitado sob a grande ponte, Ângela segurando seus livros deita-se sobre seu colchão, puxa a coberta e diz a todos:

- Pai, mãe e André, não fiquem tristes, sempre teremos provações na nossa vida; Deus tem um significado para cada acontecimento, nada é por acaso, é só manter viva a chama da fé, tudo passa, temos que ter esperança sempre, podem ter certeza, Ele não nos abandonará.

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- E você ainda acredita em Deus? - ironiza André

- É isso que Ele não quer André, que percamos nossa fé. Mesmo nos momentos mais difíceis. Garanto que Jesus está conosco neste momento, e Ele deve ter bons planos para nós. Acredite!

- Ângela tem razão! – diz dona Maria – vamos dar as mãos e orar, amanhã seu pai vai trabalhar no lixão, não quero que nenhuns de vocês sintam-se desonrados com isso, não precisamos ter vergonha, seu pai é e sempre foi um lutador, e a gente não precisa de ajuda, precisamos sim é de oportunidade. E elas vão aparecer, se Deus quiser.

- Deus quer mamãe, só depende de nós. - Completa Ângela.

- Eu já me decidi – ressalta dona Maria – vou com ele. Vou ajudá-lo, e vocês permanecerão firmes na escola como sempre estiveram. Durante o dia vocês cuidarão do nosso temporário lar. Como André estuda cedo, Ângela fica aqui. Como Ângela estuda à tarde, André fica aqui. À noite André vende seus salgados.

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Ângela prepara uma sopinha com os poucos alimentos que sobraram dizendo: - prometo a vocês, logo, logo esses alimentos multiplicar-se-ão.

- Amém! Disse seu José Bento, com os olhos cheios d’água.

- Amém! – responderam todos.

CAPÍTULO 20 - ROUBARAM MEU NOTEBOOK!

No outro dia, Ângela acordou cedo e seus pais já estavam saindo. André também já estava se preparando para ir à escola. Ela pegou seu Notebook, tentou acessar a Internet, mas não havia nenhum sinal de conexão.

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Acho que Cristal já se esqueceu de mim. – pensou ela.

Pegou seu celular, colocou os fones no ouvido, o capuz amarelo na cabeça e foi preparar uma sopa Juliana, picando alguns legumes e misturando com ervas.

Todos já haviam saído e Ângela deixara o almoço preparado para o retorno da família. Deitou-se em seu colchão, pegou o livro que ganhara de Dona Helena e começou a lê-lo.

Adormeceu em 5 minutos com o livro sobre o peito e o celular ainda ligado, ouvindo canções de Bob Marley em meia altura.

A noite passada não foi das melhores, o sono insistia em não vir, e quando vinha, era sempre acordada com os abalos dos pilares da ponte devido ao grande número de enormes carretas que passavam sobre a ponte, geralmente cortando caminho em cidades pequenas fugindo de pedágios da rodovia federal.

Ângela estava cansada.

Quando André chegou, logo vociferou:

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- Ei moça, tá cuidando direitinho da “casa”, hein?

- Hã? Ah! Sim... Acho que adormeci um pouco.

- Então se trate de levantar e prepare-se para ir à escola, restam 15 minutos.

- Tudo bem, eu já estava quase acordando mesmo.

Quando Ângela olha para o lado, tem uma triste surpresa, e apavoradamente pergunta aos gritos ao irmão onde está o seu Notebook.

- Ora, não sei – responde André – acabei de chegar e não o vi. Onde você o deixou?

- Aqui, do meu lado, quase entre meus braços... Ai não, não a-cre-di-to! Meu Deus do céu, roubaram meu Notebook.

- viu o que dá não estar alerta? – reclama indagando André – lembre-se, não estamos em casa, aliás, nem temos casa, estamos na rua mocinha, e bem feito, quem mandou se descuidar. Devia tê-lo vendido e ajudado nosso pai a pagar o aluguel. Talvez não estivéssemos passando por isso agora.

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Ângela pôs-se a chorar, inconformada, prostrada em oração, perguntando repetidamente sem intervalos: - Porque meu bom Jesus, Por quê?

Ângela não foi à escola naquele dia, estava muito abatida e sofria muito com tudo que estava acontecendo em sua vida.

Seus pais chegaram a tarde e tentaram consolá-la, mas em vão... Ela não parava nunca de chorar.

- Prometo que vou comprar outro para você um dia, minha filha. – disse-lhe seu pai, muito comovido.

- Não carece papai, a minha maior tristeza não é por terem roubado meu Notebook, mas sim por não tê-lo vendido e ajudado o senhor.

Seu José Bento não consegue conter as lágrimas.

A noite é fria...

Todos dormem.

CAPÍTULO 21 - A GRANDE IDEIA

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Ângela chegou à escola um pouco chateada, cabisbaixa, enfadada. Com seu habitual moletom e capuz amarelo e fones nos ouvidos escondidos sob o capelo. Não quis conversar com ninguém, somente deu um oi para Judith que sentava nas primeiras carteiras e que ficou sem entender tamanha frieza e descontentamento na sempre iluminada e ativa amiga.

Durante toda a aula permaneceu calada, sem interpelações sobre matérias não entendidas. No intervalo Ângela não lanchou, ficou sentada a sós em um banco sob a sobra de uma frondosa árvore que se encontrava no pátio; pensativa e amargurada.

Judith percebendo a tristeza da amiga aproximou-se pegou em suas mãos dizendo:

- Vai passar amiga! Seja lá o que for, vai passar!

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E passou mesmo, já fazia quase um mês que eles moravam embaixo da ponte, e o dinheiro que conseguiam, mal dava para comprar os alimentos necessários para as sopas diárias.

Seu José Bento construíra um puxado de madeira próximo à ponte, num terreno baldio gentilmente cedido por seu Alberto, antigo amigo do sertão, comovido com a situação da família. Justamente com plásticos e placas antigas de política encontradas no lixão, cercara o barraco. Arquitetou com muita simplicidade quatro pequenos cômodos e perfurou um poço artesiano para ter água encanada. Depois construiu uma fossa séptica, tudo com o aval do bondoso sr. Alberto, que nada cobraria pela benfeitoria e disponibilizava o tempo que fosse necessário para seu José Bento no terreno.

A família passou também por algumas necessidades como, fome, frio e dificuldade na aquisição de alguns remédios básicos, mas contaram com a ajuda de amigos solidários à situação. Ganhavam roupas, cobertores e até mesmo cestas básicas de quando em quando.

Ângela cabulou as aulas novamente, pela segunda vez na vida. Não estava sentindo-se bem e quis caminhar um pouco sozinha para refletir em sua

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vida e em seus sonhos distantes. Foi até o lixão ver como seus pais trabalhavam. Nunca tinha ido.

Lá chegando, encontrou vários separadores de lixo; seus pais estavam seriamente empenhados na separação dos detritos, da gigantesca montanha de lixo que a cada dia crescia mais.

Ângela aproximou-se do pai e perguntou:

- Papai, o lixo já não vem separado para cá?

- Minha filha – atemorizou com indagação o pai – você matou aula de novo? Sabe que não pode fazer isso. Assim o Conselho Tutelar vai acabar pegando no meu pé.

- Não estava me sentindo bem papai. Mas você não respondeu minha pergunta. O lixo não vem separado?

- Separado como assim, querida?- respondeu questionando, seu José.

- Papéis com papéis; vidros com vidros; plásticos com plásticos; metal com metal. Li que tudo isso tinha que ser separado pela sociedade nas próprias residências.

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- É minha filha – diz seu José Bento – se fosse assim facilitaria muito o nosso trabalho, seria mais viável e teríamos um rápido retorno. As empresas de reciclagem ficariam agradecidas.

- O planeta também papai!

- Vou tomar uma atitude com relação a isso, alguém tem que fazer alguma coisa – diz Ângela.

- Não sonha alto, minha filha! Isso não cabe a nós, meros cidadãos comuns e trabalhadores. O máximo que podemos fazer é esperar que um dia o mundo tome consciência desses detalhes tão simples e essenciais ao nosso futuro e ao futuro dos nossos.

- “Tá” filosofando, hein papai? – ironizou Ângela.

- “Tô” aprendendo com um Anjo que vive filosofando nos meus velhos e fatigados ouvidos – responde sorrindo Seu José Bento.

- Tenho que ir – diz Ângela – não tenho tempo a perder; estou com boas ideias na cabeça e quero agir o mais rápido possível.

- Me aguarde papai!

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- Vá com Deus, minha filha! E juízo nessa cabecinha excessivamente idealizada.

- Tenho muito papai, até mais!

- “Inté”!

Ângela voltou para sua humilde residência provisória, pegou seu livro de Educação Ambiental que ganhara de Dona Helena e procurou artigos sobre a separação e tratamento do lixo e seus sistemas utilizados.

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CAPÍTULO 22 - CARTA À POPULAÇÃO

[1] A reciclagem consiste em utilizar metais, vidros, plásticos e papéis que já foram descartados como fonte de manufatura de novos materiais. Esse sistema de tratamento contribui para preservar os recursos naturais e diminui a poluição. É um método interessante também do ponto de vista econômico. Gasta-se muito mais água e energia elétrica para produzir um material a partir de matéria-prima bruta do que para reciclar.

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Nas grandes cidades, principalmente, a maior parte do que uma pessoa joga no lixo poderia ser aproveitada por outra. Dados estatísticos indicam que 95% da massa total de resíduos urbanos tem um potencial significativo de reaproveitamento, o que nos leva à conclusão de que apenas 5% do lixo urbano é, de fato, lixo.

Dentre todos os sistemas de tratamento pesquisado por Ângela, ela supôs ser esse o mais viável, e também facilitaria muito o trabalho de seus pais.

Entre outros temos também: Aterro Sanitário, Aterro Controlado, Incineração, Compostagem e Coleta Seletiva.

Na coleta seletiva os materiais recicláveis são separados em lugares onde o lixo é gerado. Eles são, então, acondicionados em recipientes adequados, coletados e enviados para as indústrias de reciclagem.

Num programa de Coleta Seletiva recupera-se, em geral, cerca de 90% dos materiais para reciclagem (papéis, plásticos, vidros e metais). Os 10% restantes são rejeitos, ou seja, materiais que só podem ser reaproveitados como isopor, trapo, papel carbono, fraldas descartáveis, louça, cerâmica e

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objetos produzidos com muitas peças de diferentes materiais.

[1] Química e Sociedade: Volume único, Ensino Médio/ Wilson Luiz Pereira dos Santos, Gerson de Souza Mól, (Coord.) – São Paulo: Nova Geração: 2005 – pág. 52.

Ângela sorriu e pensou: - Tive uma ideia espetacular! Vou ajudar papai e mamãe. Tenho que tentar, pois se eu não tentar, não posso dizer que não tentei.

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Assim ela correu para o irmão e perguntou se ele conhecia alguém que precisasse de um pretendente para vender alguns salgados na rua. Precisava de um dinheirinho para realizar suas ideias.

- Ora, ora! Minha irmãzinha quer trabalhar agora. Que bom, tomara que não durma mais em serviço.

- Para de lorota sarcasmo André, responda logo, você conhece alguém?

- Bem, salgados não; mas tem uma boa Senhora na rua de cima que precisa de uma garota que venda suas trufas, que por sinal, são deliciosas.

- Já comprou e não me deu?

- É que não consegui parar de comê-las – ironiza André.

- Egoísta!

- É Dona Berenice – diz André – mora na casa amarela de número 54, mas ande logo, pois ela queria para ontem. Até perguntou-me se eu podia vendê-los, mas acabei convencendo-a de que seria melhor uma menina; leva mais jeito com bombons. Parece que ela concordou.

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- Tchau!

Ângela subiu correndo e ofegante, a pomposa e verdejante ladeira que levava à rua de cima daquele nobre bairro. Ao encontrar a casa amarela número 54 bateu palmas exaustivamente sem intervalos. Dona Berenice demonstrando pequeno espanto abre as janelas e pergunta à apavorada garota:

- O que aconteceu menina, está com este olhar atemorizado, por quê?

- Quero vender suas trufas! Quero começar agora, posso?

- Entre, vamos conversar.

Ângela entrou e detalhou tudo com Dona Berenice, receberia 10% de tudo que vendesse. Ângela concordou, pegou a cesta toda colorida e adornada e saiu pelas ruas toda feliz cantando:

“- Pela estrada afora eu vou bem sozinha, vender essas trufas para as vovozinhas...”.

Bem, poderia até ter alguma semelhança com alguma história infantil - pensou -, se pelo menos o capuz de meu moletom não fosse amarelo...

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Depois de 15 dias vendendo suas trufas, Ângela conseguiu um dinheirinho considerável, e sem pestanejar, correu para uma papelaria e comprou 20 cadernos grossos. Sobraram apenas alguns centavos, que ainda deu para adquirir 2 canetas verdes.

Quando chegou em casa, perto do anoitecer, seu pai assustado com tantos cadernos perguntou:

- Que isso minha filha, para quê tantos cadernos?

- Eu tenho um árduo trabalho a fazer papai.

- Que trabalho é esse, posso saber?

- Em breve papai. Garanto que ficará muito feliz se todos acatarem minhas ideias.

- Essa garota está louca – resmungou André.

- Querido rabugento irmão – retrucou Ângela – larga de ser pessimista com relação ao mundo, nós temos que fazer a nossa parte, nem que seja um simples gesto, como o meu. Um mínimo de amor aos corações enrijecidos e um grande amor absoluto aos nobres e ricos de sabedoria e coração.

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- Bem, tomara que tudo dê certo para você minha querida – diz Dona Maria com muito incentivo – mesmo leiga no assunto, acredito no seu potencial.

- Obrigada mamãe!

E assim, com o passar dos dias, Ângela passou todo seu tempo disponível recortando folha por folha do caderno, adornando com desenhos de uma árvore muito bem desenhada e colorida, pelo seu nato talento. Verde com frutas vermelhas.

Sempre motivada, levou duas semanas sem intervalo na sua proposta, e em cada folha separada, escreveu os seguintes dizeres:

“Caros Amigos”:

Venho através desta, encarecidamente pedir a colaboração de todos dessa admirável família, a SEPARAÇÃO DO LIXO RESIDENCIAL em seus devidos recipientes:

AZUL: PAPÉIS

VERMELHO: PLÁSTICO

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AMARELO: METAL

VERDE: VIDRO

Assim, desta maneira, vocês estarão ajudando na coleta seletiva, facilitando a reciclagem e principalmente meus pais, que trabalham no lixão e têm muito trabalho na separação com muito pouco tempo de serviço, as quais ganham de R$1,00 a R$6,00 por dia. Estarão também colaborando com sua fatia de ajuda para um mundo melhor e servindo de exemplo para seus filhos e netos.

Algumas atitudes simples podem ajudar a salvar nosso planeta, enumerei algumas que acredito que se cada um fizer sua parte estará colaborando assiduamente para um futuro melhor. São elas:

1. Jogue o lixo no lixo;2. Aprenda a separar o lixo e participe

diariamente fazendo a coleta seletiva;3. Implante uma coleta seletiva de lixo em sua

escola e vizinhança;4. Não jogue lixo nos rios e nas praias;5. Proteja os animais e denuncie os maus-tratos;6. Não destrua árvores nem plantas;7. Se tiver que cortar uma árvore, plante outra;

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8. Ao ver queimadas, ligue para o Corpo de Bombeiros;

9. Tome banho rápido;10. Não desperdice água;11. Não desperdice energia elétrica;12. Reutilize materiais para fazer seus

brinquedos, eu sempre fiz isso;13. Espalhe essas sugestões na escola, entre os

amigos e familiares.14. Ah! E procure levar sacolas ou bolsas de

pano ao fazer suas compras. Você gera menos lixo ao meio Ambiente. Se utilizar as de plástico evite o desperdício.

Espero contar com a colaboração de cada família desta cidade.

Agradecida,

ANGELA MARIA BENTO – 14 ANOS

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Futura Professora de “EDUCAÇÃO AMBIENTAL”.

CAPÍTULO 23 - A AJUDA DO PREFEITO

Antes que Ângela tomasse qualquer atitude, foi primeiramente conversar com o Prefeito Municipal, com o propósito de que ele a ajudasse na realização dos seus objetivos. Dependia também dele, mas nem tanto. Tudo era pensado com antecedência. Sabia que seria muito difícil uma conversa clara e objetiva com um homem tão poderoso e ocupado como o Prefeito, e sabia também que teria que ser muito rápida e esclarecedora, pois teria pouco tempo para suas persuasões. Mas queria tentar.

Quando chegou à Prefeitura, não fora bem atendida, mas já esperava por isso, a secretária disse que o Prefeito estava em reunião, enquanto o mesmo

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fumava um cigarro do lado de fora, nos fundo do prédio. Ângela percebia todos os movimentos, era muito perspicaz, analisava a todos, o vai e vem, o entra e sai... Nada ficava oculto ante seus lindos olhos azuis.

Foi persistente, disse à secretária que precisava falar muito com o Prefeito, que era um caso de extrema urgência. Marlene, a secretária, pediu-a que voltasse amanhã.

Ângela compareceu durante uma semana na Prefeitura, sempre no seu horário ante e pós-aula, esquentou cadeira durante horas, mas não arredava pé. Queria vencer pelo cansaço, e estava prestes.

A chefa de Gabinete, Carmen Lúcia, vendo todos os dias aquela garota sentada sempre na mesma cadeira, lendo e relendo sempre as mesmas revistas nada interessantes, disponibilizadas numa mesa central, apenas para falso entretenimento dos pacientes e ansiosos, aproximou-se da menina e perguntou-lhe:

- Olá garota, como se chama?

- Meu nome é Ângela e, eu gostaria muito de ter com Excelentíssimo Senhor Prefeito.

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- Talvez eu mesma possa resolver seu problema – disse Carmen Lúcia. Está precisando de alguma coisa, alguma ajuda financeira, ou algo assim? Não é você que está morando embaixo da ponte com sua família?

Não, muito obrigada, não estou precisando de nenhuma ajuda financeira. Eu moro sim, embaixo da ponte, não tenho vergonha disso, minha família é trabalhadora e se Deus quiser em breve sairemos dessa situação.

_ Tem mesmo certeza que eu não posso resolver seus problemas? – insistiu Carmen Lucia.

Absoluta! Só quero falar com o Prefeito.

- Hum! Tudo bem. Verei se ele tem um tempinho para te receber.

- Muito obrigada!

A chefa de gabinete era atribuída de tentar resolver pequenos problemas antes de repassá-los ao sempre ocupado Prefeito Municipal. Mas Ângela foi alheia às suas investidas, sempre demonstrando firmeza de caráter.

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15 minutos depois, A chefe de gabinete chama a garota.

- Pode entrar Ângela, ele está aguardando. Seja rápida, por favor.

Ângela agradece, e com passos fortes entra na ostentosa sala do Prefeito, fecha a porta por conta própria e antes que ele a convide para sentar ela puxa a cadeira e senta-se.

- Boa tarde Ângela! – diz o Prefeito – é esse mesmo seu nome, não é?

- Tarde mesmo Senhor Prefeito... Poderia ser bom dia, se não tivessem me dado tantos chás de cadeira. Mas o importante é o que importa; estou aqui e desejo apenas cinco minutos de seu valiosíssimo tempo, podes me ouvir?

- Sim, claro, diga... O que te trazido aqui todos esses dias?

- Eu trouxe uma carta para mostrar ao senhor, e quero que saibas que vou espalhá-la por toda cidade, de casa em casa, e gostaria que o senhor me ajudasse.

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Ângela tira a carta do bolso e mostra para o Prefeito.

- Hum! Sua história é triste, principalmente de seus pais, mas como posso te ajudar?

- Eu quero que o senhor instale a cada 10 metros, em toda cidade, recipientes de separação de lixo, com todas as suas cores e dizeres perfeitamente nítidos. Somente assim, esta carta terá valor. Caso contrário, não poderei fazer nada para mudar a consciência das pessoas com relação ao lixo residencial.

- Hum! Interessante... Aliás, eu já tinha pensado em algo assim, uma vez tentei implantar esse projeto na sociedade, espalhei muitos panfletos, anunciei nas rádios, disponibilizei uma matéria no site da Prefeitura, espalhei em redes sociais, mas, infelizmente ninguém aderiu ao programa, houve muito descaso, causando assim, o enfraquecimento e o fim do projeto. Não sei se você sabe, mas, dos 5.564 municípios brasileiros, somente 766 fazem coleta seletiva do lixo. A prefeitura realiza coleta seletiva quando pelo menos 10% da população separa o lixo e existe um trabalho de reciclagem de porta a porta ou por meio de catadores. Acredito que não conseguimos alcançar nem míseros 2% da população na época, um fato inaceitável,

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considerando tratar-se de uma cidade com menos de 10 mil habitantes.

- É que vocês não tinham um “Anjo Verde” – brinca Ângela, corretivamente -.

O prefeito sorri.

- Eu só quero uma chance senhor prefeito, quero uma oportunidade de provar que estou no caminho certo. Mas não consigo caminhar sozinha. Quero que sejas solidário com minha causa e eu prometo ao senhor que não irá momento algum se arrepender. Eu confio na minha capacidade, e gostaria que confiasse em mim também, nem que fosse pelo menos 10%, como disse agora há pouco. Podemos tentar... Ou melhor, devemos tentar. Ajude-me senhor prefeito, eu imploro, assim estará também ajudando à todos, pois não peço apenas por mim, peço por toda uma nação.

Sei que o senhor é um homem bom e que não medirá esforços para levantar essa bandeira... E eu, eu confio no senhor. Tenho certeza que algo bom está tocando o seu coração neste momento e que amanhã estarás abrindo as janelas do seu peito e, encontrarás, transbordando de felicidade a mãe natureza, regozijando-se de alegria e contentamento por sua sublime decisão.

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- Ora, ora – disse o prefeito -, vejo que tens o dom da palavra... Você poetiza muito bem... Mas não acha que fantasia demais? Que sonha alto demais, princesinha?

- Não, não acho! - Respondeu Ângela – Sonho como todo mundo deveria sonhar: com soluções e desafios; com perspectivas e esperanças; com otimismo e sabedoria. Sonho por um mundo melhor. E o senhor ainda não conhece nem 10% dos meus sonhos... Eles são tão grandes, tão grandes, que um dia, se Deus quiser, eu conseguir realizar pelo menos 10% desse percentual que a gente está martelando tão insistentemente, eu já serei uma pessoa completamente realizada. Acredito e tenho fé. Eu vou conseguir.

- Você me parece muito capaz, minha querida – diz o prefeito -. Sabe o que quer e batalha até o final. Ajudar-te-ei com maior prazer. Fiquei admirado com sua persistência, seu gesto e sua coragem. Ah! E também por estes lindos olhos azuis, influenciam até mesmo nas decisões alheias. Parabéns por tão forte e penetrante olhar.

- Aliás – complementa o Prefeito – eu já havia pensado em algo assim, temos até recipientes do tipo espalhados pela cidade, a cada quilômetro tem um.

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- As casas de nossa cidade tem apenas 1 metro de separação uma da outra – diz Ângela - e ninguém caminha um quilômetro com tanto lixo sob os braços. Se não forem a cada 10 metros, não surgirá efeito.

- Você é muito inteligente garota! Já sabe o que quer ser quando crescer?

- Eu não quero, eu “vou” ser professora de EDUCAÇÃO AMBIENTAL.

- Mas pelo que eu saiba, não existe essa matéria nas escolas e nem se formam professores em nenhuma Faculdade do Brasil.

- Mas um dia vai ter Senhor Prefeito... Pode ter certeza, vai existir.

- Então, Combinado senhorita – finaliza o Prefeito – boa sorte no seu intuito, aliás, no nosso, né? Quando todas suas cartas estiverem entregues em cada residência, ao final da última, todos os recipientes já estarão instalados.

- E lembre-se: - só estou fazendo isso pelos seus encantadores e profundos olhos azuis – brinca o Prefeito.

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- Bobo! Ri Ângela.

- Obrigada Prefeito, eu sabia que poderia contar com o senhor.

- Por nada.

- Adeus.

- Até!

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CAPÍTULO 24 - ÂNGELA ESPALHA AS CARTAS

Assim, Ângela começou sua difícil empreitada, com uma bolsa camurça nos ombros, passava de casa em casa espalhando suas cartas com muita felicidade e terno sorriso no rosto. Nunca jogava a carta no chão ou deixava na caixa dos correios, sempre entregava nas mãos do responsável pelo domicilio. Em alguns casos era bem recebida. Às vezes com café, almoço, e até longas e prazerosas conversas com velhinhos sobre Meio Ambiente e outros assuntos que Ângela nem se interessava, mas retia toda a atenção do mundo.

“- Ah! No meu tempo era assim... naquele tempo agia-se assim...”.

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Cada um tinha uma história diferente. Alguns falavam até de seus problemas, coisa que Ângela sempre contornava mudando rapidamente de assunto com sua destreza e jeitinho. Outras vezes queixavam-se do descaso da Prefeitura com a População e das obras públicas não concluídas.

Ângela tratava todo mundo igual, não fazia distinções. Sempre com um sorriso nos lábios e olhos brilhantes como diamante. Muitos prometeram cumprir a mudança, ainda mais por causa dessa iniciativa partir de uma criança brilhante e talentosa com as palavras como Ângela. E outros prometeram ajudar por compaixão aos pais de Ângela, como havia descrito na carta.

Encontrou também muita gente ruim. Algumas vezes não fora atendida e outras lhe negado até mesmo um copo de água. Nesses casos ela deixava a carta sob as portas, pois tinha que alcançar 100% da população.

Outros nem a ouviam, pegavam a carta e rasgavam dizendo que não se interessavam por política e que o Prefeito era um canalha.

Correu de cachorros, pulou cercas, desviou de animais peçonhentos pelo caminho, subiu em

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árvores e chupou muitas frutas durante o trajeto nos sítios e fazendas.

Ângela dividia seus afazeres, não cabulava aula, e apenas nas suas horas vagas percorria cada percurso pré-selecionado num último caderno que deixou para fazer anotações do seu dia a dia.

No decorrer de três meses, Ângela finalizou sua cansativa mas prazerosa jornada; e, por fim, percebeu que a cada 10 metros nas calçadas havia mesmo um sistema com 5 recipientes devidamente denominados para o lixo separável.

Era uma conquista.

- Sorriu e pensou: - O Prefeito é mesmo um homem porreta. Cumpriu sua palavra, têm qualidades positivas, o povo é que gosta mesmo de mexericos. A cidade ficou até mais colorida.

E Ângela voltou para casa toda satisfeita com a certeza de que seu dever fora cumprido, só dependia mesmo da consciência das pessoas. “- a parte mais difícil!” – pensou novamente nosso Anjo Verde.

No primeiro fim de semana pós-conscientização, Ângela descansou durante todo o dia, o domingo demorou a passar e nosso Anjo demorou em

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levantar-se na segunda-feira de manhã. Quando André chegou para o almoço, se aprontou e correu para a escola. Queria contar suas aventuras para a amiga Judith. Antes de entrar para a sala de aula, avistou Judith de longe e para sua surpresa, a amiga viera correndo aos prantos sob teus braços.

- O que foi amiga, – perguntou Ângela – aconteceu alguma coisa?

- Aconteceu sim amiga, – respondeu Judith – aconteceu uma desgraça!

- Ah! Não! Não me diga que você voltou a se encontrar com seu namorado-casado? Você me prometeu...

- Não amiga, é pior... Eu estou grávida!

- Grávida?

- Sim, grávida. E adivinha quem é o pai?

- Por favor, pelo amor de Deus, não me diga que é daquele que estou pensando?

- Pior que é amiga. Não sei como foi acontecer, ele sempre dizia que isso nunca ia acontecer.

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- Eu não a-cre-di-to! Judith, como você foi tola! Eu te dei tantos conselhos, você até me prometeu que não iria mais se encontrar com ele. Você fez tudo errado.

- Eu sei amiga, fui fraca, e agora estou perdida, como vou contar para meus pais?

- Você vai ter que contar, querendo ou não.

- Meus pais são muito conservadores, talvez até me expulsem de casa. Ainda mais se souberem que o pai é um homem casado.

- E ele, já sabe?

- Já, mas quando dei-lhe a notícia o canalha me expulsou do carro e sumiu, largou-me sozinha no meio do nada. Tive que andar seis quilômetros até chegar à cidade.

- Você pelo menos sabe onde ele mora?

- Não, não sei, aliás, não sei nem o seu nome, só sei que seu apelido era “guerreiro”. Depois perguntei para todo mundo onde morava o “guerreiro” todos respondiam a mesma coisa: “- não conheço nenhum guerreiro”. Acho que fui enganada.

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- Puxa Judith, como você foi inocente, e em que enrascada você se meteu. Pela gravidade da situação, ele que não deve ser nada bobo, já deve ter pegado sua família e já deve estar bem longe daqui.

- Nossa! Não tinha pensado nisso – resignou-se Judith.

- Lógico que isso ia acontecer. Apesar de que ainda faltam dois meses para você atingir a maioridade, você ainda é menor. E outra, ele é casado, têm 36 anos, você acha que ele ia dedicar toda a vida dele para você? Vai ver nem filhos tinham, estava mesmo só aproveitando da sua inocência.

- Ai amiga, o que vou fazer agora? – abraçou-a, numa torrente de lágrimas.

- Você vai ter que falar a verdade para seus pais, detalhe por detalhe, sem esconder nada. E entregar tudo nas mãos de Deus. Não adianta fugir agora, já aconteceu e você tem que aceitar. E outra, nem pense em fazer loucuras, principalmente aborto.

- Longe de mim amiga, tenho muita cabeça para suportar qualquer barra na vida, apenas estou triste pela minha ingenuidade. Criarei meu filho nem que seja sozinha.

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- Você terá muito apoio... Você verá. E no que puder contar comigo sempre estarei à disposição.

- Obrigada amiga... Vou embora. Não tenho cabeça para estudar hoje. Contarei tudo aos meus pais ainda hoje, pois a dor e a angústia não cabem no meu peito.

- Boa sorte amiga.

- Obrigada amiga.

CAPÍTULO 25 - O RECONHECIMENTO DA SOCIEDADE

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Ângela entrou para a sala de aula um pouco triste. Passou parte da aula um tanto quanto absorta, pensava muito na amiga. Chegou até a rezar durante alguns minutos de isolamento pessoal. Mas logo foi interrompida com uma gratificante e surpreendente notícia. O Prefeito e seus assessores viram visitar a escola e a aluna preterida pela comitiva chamava-se Ângela Maria Bento.

O diretor da escola, juntamente com a professora apresentam aos alunos o Prefeito e assessores. Tiveram uma grata surpresa quando o mesmo tirou da maleta um Diploma de Honra ao Mérito e entregaram à Ângela com um discurso formal e político pela coragem e determinação de uma garota muito corajosa que fez de seu pequeno papel um grande gesto para a sociedade. E quiçá... Humanidade.

O Prefeito olha atentamente para Ângela, pede para que ela venha para frente dos demais e a entrega com solenes palavras, sob uma torrente de

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derramamento de lágrimas dos colegas e mestres, o diploma e a chave de sua nova casa.

Tratava-se de um conjunto habitacional recém-inaugurado e que dispunha de todas as residências ainda vagas, e que seriam doadas aos mais necessitados.

- A primeira chave é sua Ângela, e de sua família – disse com largo sorriso nos lábios o Prefeito – A inauguração será na próxima semana, mas a sua casa já está preparada agora para te receber. E este diploma, eu quero que coloques num quadro e pendure na parede da sala, pois todos que te visitarem, verão que por trás desses brilhantes e persuasores olhos azuis, existe uma alma incrível disposta a comprar qualquer briga por causas nobres, justas e humanitárias em qualquer espaço e tempo, custe o que custar. Você é um ANJO Ângela!

Entrementes, todos aplaudem, deixando assim a forte e intensa garota aos prantos. Coisa rara de se ver, mas ela também era muito sensível. Só que nunca demonstrava exteriormente. Todos a abraçaram causando comoção total entre alunos e professores. O Diretor disse-lhe que estava dispensada, e que poderia partir naquele exato momento para contar a boa nova aos pais. Ângela abraçou o Prefeito, beijou-o no rosto e saiu

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correndo, nem olhou para trás... Com um sorriso esplêndido nos lábios, desapareceu entre a multidão os carros como um raio vívido de luz.

Quando deu a notícia aos pais, todos se abraçaram, e juntos novamente choraram e riram ao mesmo tempo, não havia mais espaço para tanta felicidade em quatro fortes corações. Agradeceram a Deus e não perderam tempo. Seu Antônio Bento correu atrás do carroceiro Reinaldo e logo já estavam fazendo a melhor mudança de suas vidas.

- Posso levar a carroça? – perguntou Ângela, toda feliz ao carroceiro.

- Você sabe guiar isso garota? – respondeu Reinaldo com indagação.

- Opa! Sou professora... rs – reiterou com um sorriso.

E Ângela tocou a carroça pela cidade toda prazenteira, com a mudança da família atrás e o sonho de uma nova vida à frente. Quando passava perto dos amigos e conhecidos, todos aplaudiam e ela acenava sempre radiante.

Quando chegaram à nova casa, havia uma fita azul rodeando a mesma, muitos políticos e

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assessores, assim como a TV e o Prefeito Municipal, já com a tesoura nas mãos esperando o momento exato da inauguração em grande estilo, aproveitando-se o máximo da imagem proposta pela pequena notável que queria mudar o mundo. Com um breve discurso, o Prefeito corta a fita e pede para Ângela introduzir a chave inaugurando assim a primeira casa e apresentando-a a primeira família.

Entram na casa com uma salva de palma de todos os presentes e muito comovida, a família na voz de Antônio Bento agradece a todos, e principalmente a bondade do Prefeito Municipal.

- Que Deus lhe abençoe Senhor Prefeito, Ele te dará em dobro.

- Amém, Seu Antônio e boa sorte! E diga à sua filha para que nunca desista de seus sonhos, pois ela tem um dom especial de luta e perseverança. Coisa rara nos jovens de hoje.

- Eu sei que ela é especial – responde Seu Antônio Bento – muito especial.

Assim, quando todos vão embora, a família abre as janelas e deixa entrar suave brisa refrescante, e começam a prazerosa arrumação de seus pertences na casa nova.

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São poucas coisas, e o espaço é amplo. A casa tem 2 quartos, sala, cozinha, copa e banheiro. Uma pequena área de serviço no diminuto quintal. Toda branca, apenas com uma desconformidade: a parede da sala era pintada de azul-turquesa, dando uma tonalidade especial ao cômodo.

- Deve ser em homenagem aos meus olhos – galhofou Ângela – sobre o tom da tintura.

Todos riram.

Uma semana depois, quando as coisas estavam voltando ao normal e a vida da família Bento estava retomando os grilhões da realidade, Seu Antônio e Dona Maria resolveram voltar ao lixão para dar continuidade ao trabalho e conseguir algum dinheiro para recompor a dispensa vazia. Serviço ainda estava difícil, e enquanto isso tinha que voltar a rotina.

Ângela voltou a vender trufas e André, continuava com seus salgados pela avenida.

Ao chegar ao lixão, Seu Antônio e Dona Maria tiveram uma grande surpresa: o serviço diminuíra, pois 70% do lixo acumulado já vinham separados das residências. Os catadores estavam felizes e o serviço fluía com mais frequência e agilidade. Até as

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empresas de reciclagem já visitavam o local com mais frequência, e o dinheiro circulava mais rapidez.

O casal olhou fixamente um para o outro e sorriram dizendo: Ângela é um anjo!

CAPÍTULO 26 – NÃO JOGUE PAPEL NO CHÃO!

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- Ei, bondoso Senhor... Aceita uma deliciosa trufa? Custa apenas 2 reais.

- 2 reais? Por um pequeno pedaço de chocolate? Que roubo! Hunf! Dê-me um, quero experimentar essa porcaria.

Ângela deu-lhe um pensando: - que bigodudo repugnante.

Ele abriu, comeu um pedaço e jogou o papel no chão, sendo que ao lado dos dois havia os recipientes de separação de lixos, principalmente o de papel.

- Ei Senhor, acho que você esqueceu e jogou o papel no chão sem querer – alertou Ângela.

- Não esqueci não garota, eu quis jogar mesmo. Se eu estivesse jogado nesta bugiganga, os coitados dos garis perderiam seu serviço.

- Que pensamento ignorante meu Senhor. Quantos anos o Senhor tem?

- Não interessa pirralha, e fique sabendo que é muita falta de respeito perguntar a idade dos outros, principalmente dos mais velhos.

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- Falta de respeito é jogar lixo no chão, ainda mais que a lixeira encontra-se a 2 metros de suas mãos. E outra coisa, não precisa pagar pela trufa, tomara que lhe dê uma grande dor de barriga e que este mesmo papel que o Senhor acabou de jogar no chão, num dia bem chuvoso, com torrenciais enchentes, entre num bueiro e desemboque boiando na privada de sua casa. Quem sabe assim o Senhor lembrara-se desse dia.

- Passar bem,

- que pirralha insolente! Deveriam proibir garotas sem educação de vender porcarias na rua – resmungou o velhinho.

CAPÍTULO 27 – A GRANDE SURPRESA

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Ângela voltou para casa um pouco emburrada, mas sem deixar a peteca cair. Abraçou toda a família, beijou todos e falou: - Sou muito orgulhosa da família que tenho! Obrigada por vocês existirem na minha vida.

- E seus pais retribuem: - Nós é que estamos orgulhosos por você princesa, você não vai nem acreditar, hoje quando chegamos ao trabalho vimos uma coisa inusitada, uma grande surpresa, algo inédito na nossa cidade, e todos, assim como nós, fomos surpreendidos por algo fora do comum. Alguns catadores disseram nunca terem visto isso antes na vida.

- O que aconteceu papai?

- O lixo estava 70% por cento separados. Cada material em seu devido recipiente. Nunca foi tão fácil o prazeroso trabalhar por lá. Todos estavam felizes e até mesmo as vendas para as empresas de reciclagem estavam fluindo com mais rapidez. E tudo isso graças a você querida.

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- Ah! Não sei papai, não dependeu só de mim, o Prefeito ajudou, as pessoas colaboraram. Eu apenas dei um empurrãozinho.

- Não se faça de ingênua princesa, tudo isso aconteceu graças a sua coragem e determinação para tentar mudar o mundo. Seja sempre assim, nunca desista dos seus sonhos, pois você é especial, já demonstrou isso, e tem muita energia dentro de si. Você é poderosa.

- Não cheguei nem na metade dos meus sonhos papai. Aguardem-me.

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CAPÍTULO 28 – RECONQUISTANDO LUAN

Ângela chegou à escola e não encontrou Judith. Pensou o pior. Ficou com pena da amiga e mostrou-se consternada coma situação.

No fundo da sala de aula, ao oposto do seu, estava Luan, com aqueles estranhos óculos e olhar sempre distante.

- Ei Luan, quando é que você vai voltar a falar com a gente, hein garotão? – gritou Ângela.

Ele a olhou abriu a boca, mas não conseguiu soltar uma palavra sequer. Parecia estar mesmo bloqueado, ou talvez traumatizado pela perda do grupo. Sobrara-lhe apenas a caipirinha desconhecida a qual tivera muito pouco contato. Apesar de Ângela gostar da amizade de Luan, ele não se sentia seguro com relação à menina.

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Seus olhos pareciam entristecidos. Talvez fosse outros motivos sua transparente dor, mas Ângela foi persistente. Puxou uma cadeira vazia e colocou ao lado do colega, segurou em suas mãos e disse: - amigo, não importa as tempestades e nem as traiçoeiras ventanias que passam em nossa vida, a única coisa importante para nós, seres humanos, é o verdadeiro amor, a mais pura amizade, o carinho de um abraço leal e a fidelidade espontânea que cada um carrega dentro de si. Quero forças, quero que sejas forte! Quero que voltes a ser o Nerd mais feliz desta escola. Estarei sempre aqui do seu lado para o que der e vier, pode sempre contar comigo. Nunca deixei de ser sua amiga e nunca vou deixar.

E Luan com muito esforço, conseguiu soltar duas simples mais amorosas palavras de entendimento: - Obrigado Ângela.

- “Eba”! Já é uma conquista – brinca Ângela.

- amanhã sentarei novamente aqui neste mesmo lugar, e ao invés de duas palavras, vou querer ouvir o dobro, e todos os dias elas irão aumentar assim você vai readquirir sua autoconfiança e sair desse casulo rapidinho.

- Promete deixar-me tentar? – pergunta Ângela.

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Ele apenas acenou que sim com a cabeça.

Ela deu-lhe um beijo no rosto e voltou ao seu lugar mais uma vez, com sum sorriso de satisfação e conquista nos lábios.

Dois minutos depois, entrou Judith na sala de aula, um pouco atrasado, sob o consentimento da Professora, e Ângela não notou sua presença, estava de cabeça baixa procurando seu material dentro da mochila. Judith aproximou-se de Ângela e prostrou-se próximo à sua carteira. Ângela ergueu o rosto e assustada viu sua amiga sorrindo. Levantou-se e deu-lhe um forte abraço.

- Esse sorriso é de tristeza ou de alegria? – perguntou Ângela.

- Vou deixar no ar... No intervalo a gente conversa, ok?

Judith sentou-se no seu lugar e Ângela por várias vezes desviava seu curioso e ansioso olhar para a amiga, até meio desconcentrada nos afazeres, tentando presumir algum sinal visível de tristeza ou alegria, mas a amiga aparentava a maior calma

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possível, sem deixar-se notar e fingindo não estar percebendo a aflição da amiga.

No intervalo as duas seguraram as mãos e saíram correndo antes que alguém pegasse seu famoso banquinho sob a frondosa árvore.

- Desembucha amiga, contou aos seus pais? Não contou? Como foi? Conta logo?

- Bem, contei sim Ângela, e adivinha só... Eles deram-me uma bronca tão grande que meus tímpanos estalam até agora. Ainda ouço a voz rouca de meu velho esbravejando sem parar.

- E?

- E aí que, depois de tanta repreensão, eles abraçaram-me forte e... chorei muito amiga... eles beijaram minha barriga.

- Nooosssaa! – espantou-se Ângela.

- Daí que eu percebi que eu realmente não conhecia meus pais; surpreendi-me.

- Disseram que tudo que fiz foi errado, apesar deles terem conversado tanto comigo, minha velha falava tanto sobre orientação sexual, cuidado, etc e

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tal... Mesmo assim eu errei. E por fim disseram que vão fazer o papel de pais-avós, e que nunca me abandonarão, pois a criança não tem culpa de nada. Disseram que vão criar o neto como um filho e que eu não precisaria preocupar-me com nada, apenas em terminar meus estudos, depois conseguir um trabalho e arrepender-me dos meus erros. E que nunca mais acontecesse outra dessas... Querem que eu aprenda a lição e tome juízo. E ainda disseram que eu tinha sorte de ter pais como eles. E como tenho mesmo!

- Ai amiga, estou tão feliz por você, se puder contar comigo de qualquer forma estarei sempre aqui, sempre ao seu lado.

- Obrigada amiga, é nessa hora que conhecemos as verdadeiras pessoas e o verdadeiro amor. Só para você saber, eu já contava com você.

Elas abraçaram-se novamente, levantaram pulando ternamente rindo, e Ângela propôs:

- Vamos lanchar?

- Não sei, “tô” sem fome – disse Judith.

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- Negativo você não pode decidir isso sozinha, tem uma vida dentro de você, esqueceu? Agora vai ter que comer por dois.

- kkkkkk – riram muito e correram para o refeitório.

No refeitório, Judith olhou para Ângela e disse:

- Ah! Tenho uma boa e uma má notícia para te dar.

- Já sei, vai querer que eu escolha qual eu quero ouvir primeiro? Bem, vamos lá então, conta a boa. – diz Ângela

- O Marlon foi solto.

- Sério?

- Sérinho, mas...

- Mas?

- Seu pai o mandou para o Rio de Janeiro para morar com o tio, que é investigador de polícia e mora sozinho. Parece que agora ele vai ter que entrar na linha na marra.

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- kkkkkkk riram as duas.

- Que bom – diz Ângela – o Marlon é muito querido, e quem sabe ele encontre Cristal por lá... Já que ela disse que o amava.

- Não acredito nesta hipótese – complementa Judith – o Rio de Janeiro é muito grande, só se o destino deles for mesmo ficarem juntos.

- É. – responde Ângela.

- E por falar em Cristal, ela tem entrado em contato com você? – pergunta Judith.

- Não, eu não tenho mais Notebook, fora roubado na época em que eu morava embaixo da ponte.

- Puxa, eu não sabia! E por celular, ela nunca ligou?

- Nunca. E quando eu ligo para ela, só escuto esta mensagem: “esta linha de telefone não existe”.

- É, parece que ela desligou-se do mundo também, assim como o Luan. Ela excluiu até o seu perfil do Facebook. Parece que está desgostosa da vida.

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- Ou muito frustrada. – responde Ângela. Deus queira que ela esteja bem; ela é uma pessoa incrível, muito boa, e tem um coração que não cabe dentro do peito.

- Concordo – diz Judith.

O sinal toca e o pátio esvazia-se rapidamente.

A luta continua.

CAPÍTULO 29 - CARTA À PRESIDENTA DO BRASIL

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Ângela chegou em casa exausta. Tantas foram as emoções que a derrubaram em sua tépida cama e cerraram seus olhos tão rapidamente que nem conseguiu dar boa noite aos pais.

No dia seguinte, ao acordar, ficou sentada na cama com seu livro, ganho de sua ex-professora Helena em uma das mãos – e o endereço do Palácio Presidencial na outra... Pensativa, olhava para um e para outro, até que tomou uma repentina decisão:

- Acho que é chegou a hora! Se eu não tentar, não posso dizer que não tentei, e assim, não vou arrepender-me.

Ângela senta, cruza as pernas, pega seu caderno e caneta e muito pensativa, começa a escrever inspiradamente sem interrupção:

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Querida Excelentíssima Presidente do Brasil

(Não sei o tratamento correto, por isso finjo estar se tratando de uma amiga).

Estou escrevendo esta porque quero ser professora.

Só que tem um probleminha:

O curso que quero me formar ainda não existe nas faculdades, e muito menos existe na grade curricular das escolas. Apenas algumas palestras, alguns folders, algumas iniciativas municipais e/ou Privadas provisórias, mas sem alcance geral, mas tenho certeza... Isso não muda nada. Palestra dá sono e folders são jogados no lixo.

Pense comigo: - se existisse “EDUCAÇÃO AMBIENTAL” nas faculdades, formar-se-iam professores a todo ano e novas oportunidades de trabalho surgiriam.

Pense novamente comigo: - Se existisse “EDUCAÇÃO AMBIENTAL” nas grades curriculares, desde o jardim de infância até o término do 2º Grau, uma nova geração iria surgir

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conscientizada sobre os cuidados e obrigações com relação a um mundo diferente, que gostaríamos para os nossos filhos e netos. Eu nasci no “mato”, numa floresta maravilhosa cheia de cachoeiras e cimos verdejantes. Respirei ar puro todos os dias da minha vida, mas tenho medo... Medo de um dia deixar de respirar sabendo que o futuro nunca poderá saber o que é respirar a pureza mais genuína da Mãe Terra.

Uma vez comentei com minha ex-professora: - “Os homens maus vão embora um dia”, os “Governantes trocar-se-ão e um dia, também vão embora”, os “velhinhos cabeça-dura, (como um que encontrei dias atrás), também vão embora”, e nossas crianças e netos farão parte de uma nova geração e terão uma nova concepção de um mundo ideal, já entendendo sobre economia de luz, água, desmatamento e muitas outras coisas relacionadas ao Meio Ambiente.

Não estou dizendo por mal que um dia os velhos irão embora, e nem desejo isso, mas é a lei da natureza.

Só precisamos mudar o quadro estudantil para que a futura geração não venha a terminar o que os homens do passado e atuais estão tentando fazer: acabar com o planeta.

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Talvez a Senhora nunca leia essa minha simples e mal escrita carta, ou talvez ela não tenha nenhum valor nos preceitos Governamentais, mas eu gostaria muito de ser “PROFESSORA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL”!

Caso contrário, prefiro vender trufas nas ruas pelo resto da minha vida, pois vou estar consciente e conformada de que não posso fazer nada para mudar nosso planeta que há muitos pede socorro, e que não DEPENDE de cada um de nós fazer a parte que nos cabe. Seria lamentável.

Sei que é difícil, mas gostaria muito de uma resposta.

Agradeço pela atenção e paciência em ler uma carta tão mal escrita.

Ângela Maria Bento, 14 anos.

FUTURA PROFESSORA DE “EDUCAÇÃO AMBIENTAL”

(Assim espero...)

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Assim, Ângela juntou umas pratinhas, comprou um envelope numa papelaria próxima de sua casa. Dobrou a carta, pôs no envelope, colou, escreveu o endereço com uma letra esforçadamente bonita e correu para os correios para enviar o mais rápido possível. Assim que postou a carta, pensou:

- Seja o que Deus quiser!

Voltou para casa com a consciência mais leve. Pelo menos tentei – pensou novamente –não posso dizer algum dia que não tentei. Riu de si mesma, já estava incomodada com suas irônicas brincadeiras questionarias.

CAPÍTULO 30 – ADEUS ANO VELHO

O tempo passou rápido, Ângela terminou o ano com a alegria de ter conseguido arrancar 240

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palavras do tímido, mas sempre presente amigo Luan. Parece que ele estava nascendo de novo e seu trauma estava chegando ao fim. Luan adorava Marlon, foi o único amigo que conquistou na vida. No principio era caçoado por todos e nunca replicava uma ofensa. Guardava todas as maldades das pessoas dentro do coração. Mas Marlon era diferente; era um verdadeiro amigo. Não tinha vergonha de abraça-lo e muito menos de expor seus sentimentos fraternos. Marlon tinha um bom coração. Às vezes defendia o amigo com certa violência contra os “boyzinhos” arrogantes da escola. Aproveitava-se de seu porte alto e era musculosamente forte para impor respeito entre os opulentos magrizelas que se autodominavam donos do pedaço na redondeza estudantil.

Com a ajuda da persistente Ângela, que todos os dias roubava-lhe algumas palavras, e a saída de seu amigo da prisão, Luan conseguia aos poucos recuperar um pouco da sua realidade perdida.

Ângela e Judith não desgrudavam do amigo, e o trio passou a conversar com mais frequência nos intervalos diários e fora dos muros escolares também.

A virada de ano foi especial para os três amigos. Pularam, dançaram, beijaram na boca como todo

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adolescente no famoso jeitinho “ficar”. Ângela não pensava em namoros, queria apenas estudar e um dia realizar os seus sonhos. Apesar de ser muito atraente e dona de um par de olhos estonteante, considerava-se feia, magricela e sem-sal. Dizia isso sempre que era questionada sobre meninos. Mas no fundo, sabia do seu potencial, mas não estava preparada para compromissos naquela fase da vida. Queria algo mais, queria a realização pessoal e mergulhava fundo nas suas metas, sabia que cada passo dado era uma conquista, e cada nova conquista dependia de um novo passo. Assim caminhava.

Durante o reverbero da queima de fogos, olhando estaticamente para o céu, deixou escorrer uma lágrima de alegria misturada num sorriso inocente. Estava feliz, e juntamente com um pedido de saúde para a sua família, agradeceu a Deus pelos amigos, pela vida e pelos sonhos que tinha certeza que um dia iria realizá-los. Não pediu nada material, apenas amor. Amor na humanidade.

Pediu paz no coração dos governantes; esperança no olhar do derrotado; humildade na alma do vitorioso e luz no sorriso de quem é feliz. Assim como ela está e, assim como ela sonha em ser.

Comemoraram a grande amizade que até então dava pinta de nunca terminar.

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Judith já estava de seis meses de gravidez, um pouco barrigudinha, não tão aparente pelo seu estado por ela satisfatório de magreza, mas nem por isso deixou de divertir-se com os amigos.

Foi uma noite especial.

Com as férias, os três afastaram-se um pouco. Ângela parou de vender trufas e seu pai havia conseguido um emprego numa fábrica de laticínios próxima de sua residência. Ajudava no manuseio das latas de leite trazidas pelos caminhões das fazendas de leite da região. Ganhava um salário considerável, e Dona Maria passou a cuidar mais da família.

André também arrumou um emprego de Office boy num escritório de contabilidade, onde ajudava o contador a organizar o balanceamento mensal dos clientes. Ajudava também na renda familiar.

E Ângela, bem... Ângela sonhava... Sonhava muito. Não obtivera resposta de sua carta e nem sabia sequer se a mesma teria chegado nãos mãos da Presidente do Brasil. Isso a entristecia muito. Não queria ser professora se não fosse da matéria que havia escolhido; ou inventada.

Não tinha namorados, nem flertantes... Achava-se feia, magrela e às vezes, pensava que Carlinhos, o

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pentelho mais velho do sertão tinha razão. Talvez seu destino fosse mesmo ficar só. Sentia saudades dos amigos da antiga escolinha na Serra, mas não tinha condições de visitá-los, como prometera, quando partiu.

Sentia também muito a falta de Cristal, uma amiga pura, sincera, honesta, mas toda preconceituosa com relação ao estilo de vida esplendoroso que Deus lhe deu. Sentia pena da amiga, e desejava muito um dia poder vê-la e abraçá-la novamente.

Queria que as aulas voltassem logo – era tanta solidão que sua ansiedade aumentava cada vez mais.

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CAPÍTULO 31 – FELIZ ANO NOVO

Entrementes, as férias acabaram-se.

- Finalmente – disse Ângela.

Arrumou as coisas, beijou os pais e correu para a escola na esperança de rever os amigos. Para sua surpresa, Luan não estava lá, havia rumores que ele teria mudado de cidade e sido transferido de escola. E Judith, bem, Ângela sabia que a amiga já estaria próxima de dar a luz.

- Estou só novamente – pensou enternecida, fazendo dóceis beicinhos.

A escola não era a mesma sem os amigos por perto. As horas demoravam a passar. Mas Ângela nunca desistia, sempre persistente e dedicada, entregava-se de corpo e alma nas matérias escolares, sempre querendo aprender algo novo e sempre

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questionando quando não entendia. Muitos colegas de classe a achavam muito chata, mas ela nem ligava. “- Se eu tenho uma dúvida, tenho mesmo que perguntar, não posso deixar passar nada sem entender” – pensava ela.

Assim os dias passaram.

Num belo dia, deitada em sua cama relendo alguns trechos do famoso livro grosso, Ângela recebeu uma mensagem de celular de Judith:

“- Nasceu! É linda, vem ver!”

Ângela pulou da cama, trocou-se rapidamente e correu para a casa de Judith. Chegando lá foi bem recebida por Dona Eunice, mãe de Judith:

- Ela está te esperando no quarto, querida!

Ângela adentrou-se e chorou muito ao ver a amiga com a linda criança nos braços.

- Que Deus a abençoe vocês duas amiga, ela é linda mesmo, e têm lindos olhos azuis.

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- Obrigada amiga. – disse Judith – e sabe qual o nome que eu escolhi para ela?

- Nem imagino, mas pelo seu bom gosto, deve ser um nome muito bonito. – respondeu Ângela.

- Ângela!

- Ângela?

- Sim, por causa da nossa suprema amizade e por causa da semelhança nos olhos.

- kkkk – riram muito – e Ângela beijou-a na testa dizendo:

- Sinto-me muito lisonjeada por isso... Agradeço do fundo do meu coração. E parabéns... Espero vê-la em breve na escola, sinto muito sua falta. Ah! E seja responsável daqui pra frente que Deus guiará sua linda família. Deixa Ele te alegrar.

- Valeu amiga, suas palavras são sempre aprazíveis ao meu coração. Sinto muita paz e felicidade quando ouço sua voz, pois tudo o que você diz é tão natural e tão harmonioso, que você parece até um Anjo.

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- Ângela é um anjo! – respondeu Ângela em tom de divertimento. Riram juntas do trocadilho.

Assim, as duas passaram a tarde inteira juntas. Ângela cabulou as aulas pela 3ª vez na vida, mas valeu a pena – pensou.

Ao anoitecer nosso anjo verde voltou para casa radiante, como sempre; aureolada por luzes de encantamento de amor ao próximo e à vida.

Ângela é um anjo!

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CAPÍTULO 32 – A FORMATURA

Ângela completara 21 anos de idade. Chegou finalmente o dia de sua formatura. O salão estava todo adornado com belas flores da estação; muitas fitas e guirlandas de florais pendendo nos cimos dos luxuosos pilares de alumínio que pomposamente embelezavam o recinto que nu já era considerado belíssimo há décadas pelos diplomados que um dia ali passaram.

Tudo estava preparado, e todos estavam presentes.

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André chegou abraçado com Judith, que também era formando. Deu-lhe um beijo nos lábios e segurou pelas mãos a pequena Ângela, que agora já estava com sete primaveras, e era realmente linda, loira, magrinha e de olhos azuis. André e Judith, com uma pequena ajudinha de Ângela, claro, acabaram se conhecendo e se apaixonando quando o bebê ainda tinha apenas nove meses de vida, e esperavam apenas a formatura de Judith para formalizarem o casamento. Tudo já estava acertado e ambos estavam felizes. Já moravam juntos na casa de Judith, que era muito espaçosa e tinham a esperança de futuramente construírem nos fundos da casa, que ostentava um amplo quintal e encaixava perfeitamente nos planos do casal.

Todos os formandos foram entrando em fila e ocupando seus lugares. Ângela entrou por último. Uma linda mulher, diga-se de passagem, e como era de se esperar, sempre com o mesmo olhar radiante e lábios prateados de sorriso e magia. Parecia uma verdadeira princesa, ou uma Barbie em seu melhor figurino arrasadora de desejos infantis femininos.

Ângela era especial.

A cerimônia ainda transcorria normalmente quando de repente, Ângela em cima do palco junto com todos os formandos desfilados em circulo,

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avistou entrando no salão nada mais nada menos que sua saudosa amiga Cristal. Linda, deslumbrante, toda de branco, alva maquiagem e nenhum vestígio daquele passado negro e extravagante que um dia ela adquiriu para si. Entrou de braços dados com seu namorado até então irreconhecível. Ela sorria incessantemente para Ângela que retribuía o carinho com acenos desordenados e muitos pulos. Mas a surpresa maior fora quando Ângela percebeu que o namorado que Cristal acabara de abraçar pela cintura era ninguém menos que Marlon, de novo visual, elegante, cabelos curtos, terno e gravata, e modos de um homem bem sucedido. Ângela não se conteve, deu um toque com a cabeça para Judith, que também percebera a visita dos dois e juntas, pularam do palco como duas cabritas e correram para os braços dos amigos, interrompendo assim a cerimônia, para surpresa da oradora que ficou sem nada entender.

Ficaram abraçados pulando em círculos com muita alegria; um momento muito especial como aquele não precisaria de protocolo e sim, de felicidade e amor no coração que só os verdadeiros amigos carregam dentro de si.

Logo atrás de cristal e Marlon aparece Luan, segurando uma placa nas mãos com os seguintes dizeres: - “Parabéns Ângela e Judith, amo vocês”.

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E Ângela também o puxou para o grandioso abraço dizendo: - Venha “Dunga”, não somos os 7 anões, mas somos 5 campeões.

Encontraram-se no momento mais feliz da vida de Ângela.

A cerimônia fora interrompida.

A chefa de cerimônia pediu a presenças dos formandos no palco para que fosse dada continuidade ao evento.

Ângela falou aos amigos: - por favor, não vão embora, fiquem aqui, esperem até o final, ainda temos muito que conversar.

E cristal segurou em suas mãos e entregou-lhe a boneca da Barbie que Ângela havia esquecido na casa dela, quando a recebeu de presente.

- Lembra-se dela? – perguntou Cristal

- Meu Deus, esqueci-me completamente dela, desculpe-me amiga, nunca imaginaria que fosse revê-la um dia.

- Que isso amiga, vim te trazer, leve-a contigo ao palco, pois ela representa nesse momento um

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pouco da sua vida e de suas conquistas, e tudo o que você está passando neste momento. Lembra-se que ela era você no futuro?

- Lembro sim amiga, e aqui estou eu, pronto para me tornar a Barbie mais famosa do mundo.

Kkkk – riram juntas – Ângela pegou a boneca, segurou em uma das mãos e com a outra, segurou firme na mão de Judith e correram para o palco rindo.

A chefa de cerimônia então complementou:

- E assim, damos continuidade a essa solenidade - (até que enfim) – respira e fala baixinho, entre uma tosse forçada.

Os pais de Ângela sentavam-se ao fundo do salão, junto com André e a pequena Ângela e Arthur com a família, que descera a Serra para acompanhar o momento mais especial da família: a formatura da irmã, a única que conseguira com muito esforço, dela, dos irmãos e dos pais, concluir uma faculdade sem recursos financeiros e nenhuma bolsa estudantil, apenas com o suor do rosto dos parentes e muita força de vontade. Apesar de Ângela sempre ter estado entre as melhores notas da escola durante todo seu percurso estudantil, nunca lhe fora

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oferecido nenhum benefício para sua caminhada, e injustamente, algumas notas piores que as suas receberam bolsas de estudo mesmo sem precisar. Talvez fosse a influência que algumas grandes famílias abastadas ombreavam no pequeno município. Arthur tinha dois filhos, Paulo de 5 anos e João Vítor de 2 anos. Sua esposa era dez anos mais velha, logo após o desquite do primeiro casamento, decidiu morar com Arthur assim que separou-se do marido, que muito bebia e não preocupava-se mais em trabalhar para sustentar sua única filha já com 10 anos.

Depois das formalidades, entregas de diplomas, anel de formatura, chuva de papéis de alumínio, abraços calorosos e comovido dos familiares, os 5 amigos reúnem-se mais uma vez no fundo do salão. Estavam todos felizes, rindo, quando de repente do nada, apareceu de última hora um moço muito bonito, elegante fino e apessoado atrás de Ângela. Pôs a mão direita sobre seus ombros, ela virou assustada e ele segurou firme suas mãos como se já a conhecesse há muitos. Ângela fitou fortemente seus olhos e abriu um doce sorriso a qual fora correspondida com um mesmo ato.

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- Será que é quem eu estou pensando? – perguntou Ângela.

- Parece que a Barbie feia deu lugar a uma linda princesa. – respondeu o estranho. Ela deu um abraço bem apertado em Carlinhos e começou a chorar. Meu Deus, quanta alegria para um só dia. Acho que não vou aguentar. Que saudades pentelho, que saudades pirralho... Senti muito a sua falta, aliás, de todos que deixei lá no sertão. Ah! E como me fizeram falta suas gozações. Por onde andou? – perguntou

- Meus pais também desceram o sertão, um ano após você ter me abandonado, sua ingrata (outra ironia, a qual arrancou risos dos dois), fomos para uma cidade grande, há uns 150 km daqui. Lá estudei e nunca encontrei sequer nenhuma Barbie tão feia como você para aporrinhar, e que mexesse com o meu coração.

- Ah! Carlinhos, que isso... – suspirou lisonjeada

- E hoje, o que você faz? – perguntou Ângela

- Eu me formei em Direito, abri um escritório e trabalho muito. Tenho minha própria casa, já toda

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mobiliada, só esperando uma Barbie bem feia para enfeitar o meu lar.

- Ah! Dr. Carlos deixe de bobeiras, para de me gozar, já estamos bem crescidinhos.

- Dessa vez não é gozação, é sério. E olha, antes de entrar nesse recinto já sabia que você estava me esperando, pois um passarinho verde me dissera que você nunca namorou sério.

- É realmente estou esperando o “Ken”, ou o sapo que vai virar um príncipe encantado quando eu beija-lo, só que ele está demorando muito para se apresentar. Já virei titia há tempos.

- Bem – disse Carlos, tirando uma caixinha preta do paletó – sapo eu não sou, e muito menos príncipe encantado, mas eu posso ser o “Ken”, pois a mulher que eu sempre fui apaixonado na vida e que nunca tirei da cabeça desde quando éramos crianças, sempre foi e sempre será uma Barbie feia.

Ângela sorri.

Carlos abre a caixinha preta e apresentando duas lindas alianças, pergunta sem rodeios à Ângela:

- Quer noivar comigo?

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E Ângela pasma, mostra a mão direita já com dois anéis; um anel de formatura e o outro que ganhara de presente de Judith há tempos atrás.

- Será que tem espaço? – pergunta sorrindo.

- Tem sim – responde Carlos –, assim como em seu coração. Eu sempre soube que você me amava - ironizou novamente.

Ângela sorriu, deu de ombros e disse:

- talvez... Eu não ia te esperar pelo resto da vida.

- Você me esperou Ângela, e hoje aqui estou. Que este anel seja o último que receberás nessa mão. O outro que em breve te darei, vai para a outra. – disse Carlos – E como da última vez que nos encontramos, posso te fazer de novo aquele mesmo pedido?

- Ah! Hum! “xô” pensar...

Ângela o puxou pelos braços e deu-lhe um famoso “beijo de novela” durante intermináveis e duradouros 2 minutos.

- Como adivinhou? – perguntou Carlos.

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- Eu nunca me esqueço dos amigos, e nem das promessas que faço na vida. – respondeu Ângela.

- Mas naquele dia você não prometeu nada.

- Não disse nada... Mas pensei.

Kkkkk – todos riram – e Cristal quebrando a magia do momento interveio:

- Vamos todos comemorar este momento tão especial, vamos a um restaurante bem bacana e colocar todos os assuntos em dia.

- Vamos sim – todos responderam entusiasmados.

Dali saíram abraçados, cortando o horizonte das ruas, rumo a mais uma noite feliz na vida agitadíssima e sempre cheia de surpresas de um belíssimo anjo verde chamado: Ângela.

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CAPÍTULO 33 – A REALIZAÇÃO DE UM SONHO

Um ano depois.

Ângela se arruma em seu quarto, vestindo-se socialmente. Prende os cabelos em coque, maquia-se sobre a penteadeira de seu quarto, alisa os loiros cabelos da Barbie, sentada ao lado de seu estojo de blush, com o dedo indicador, pega seus óculos escuros, sua bolsa de couro, alguns livros e desce sorrateiramente a escadaria que leva à sala de estar. Lá embaixo, sentado a mesa da cozinha à espera da esposa, seu marido Carlos pede à empregada que sirva o café.

- Bom dia amor - diz Ângela.

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- Bom dia querida – responde Carlos.

Ela lhe dá um beijo no rosto e carinhosamente diz ao marido.

- Desculpe amor, vou tomar só uma xícara de café... mil perdões, mas hoje é meu primeiro dia na escola e estou muito ansiosa, não posso nem pensar em me atrasar, aliás, eu quero ser a primeira a chegar.

- Compreensível meu anjo – responde Carlos – vá com Deus e boa sorte.

- Obrigada, querido – Ângela agradece com um afago em seus fartos cabelos -.

Ângela apressa-se, pega as chaves do carro, tira da garagem, liga o som, que por coincidência ou não a primeira canção no Pen drive é “Three little birds” de Bob Marley, coloca os óculos escuros e parte rumo ao dia mais especial de sua vida. Ratificando, realmente “O DIA MAIS ESPECIAL DE SUA VIDA”.

Ao chegar à escola, estaciona o carro, tranca as portas e entra vagarosamente, como se estivesse desfilando numa passarela de nuvens. Sua luz

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brilhava, seus olhos eram dois cristais lapidados que irradiavam brilho, amor e muita alegria pela vida.

Cumprimentou a todos com um belo sorriso nos lábios, abriu a porta da sala de aula, entrou, colocou os livros e a sua bolsa sobre a mesa, e com muito orgulho e luminância no olhar, disse carinhosamente aos seus discentes:

- Bom dia, queridos alunos! Meu nome é Ângela, e... “EU SOU A NOVA PROFESSORA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL!”

FIM

EPÍLOGO

Ângela é um Anjo!

Uma menina poderosa, criativa, inteligente, perseverante, batalhadora, religiosa, amiga e

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inumeráveis adjetivos que realmente, levaria o dia inteiro para escrever nessas simples linhas.

Ângela conseguiu o que queria...

As Faculdades agora formavam muitos professores de EDUCAÇÃO AMBIENTAL por ano. Até mesmo Judith, que se casara com André formou-se professora, sempre ao lado de Ângela.

Ângela conseguiu que nas Grades Curriculares Escolares, pelo menos três vezes por semana, cada sala tivesse esse ensino, desde o jardim de infância até o 2º Grau.

O ensino era obrigatório; e todos gostavam muito da matéria, pois nunca faltavam motivos para debates e possíveis soluções entre os alunos.

Ângela foi uma sonhadora assim como nós e assim como milhões de crianças no mundo que querem contribuir nem que seja com um simples gesto para a salvação do nosso planeta, que muito sofre com o descaso de pessoas não informadas e muitas vezes despretensiosas mesmo, sem pudor, e principalmente... eu disse principalmente, dos Governantes que buscam desesperadamente soluções para essa situação e não conseguem sair do

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lugar. Queremos e almejamos um mundo melhor para os nossos filhos e nossos netos.

Eu, particularmente, como autor desse pequeno papel na minha lida, também acredito em Ângela e seus preceitos. Talvez muitos Governantes e Chefes de estado já pensaram e tentaram fazer tudo o que Ângela conseguiu, mas o que vale nesse enredo é a força de uma simples sabedoria que destruiu barreiras, e de uma garota que um dia sonhou e conseguiu realizar os seus sonhos que ajudariam muito na filosofia de novas normas e doutrinas estudantis. A força de uma garota em querer mudar o futuro é mais forte que qualquer sabedoria adquirida num mundo sem Educação Ambiental, onde crescemos ouvindo apenas aqui e ali, que devemos economizar água, separar o lixo, não sujar as ruas, etc. e tal. Mas ninguém cresceu com essa consciência, mesmo com toda educação que muitos têm, sempre haverá um descuido.

Precisamos ser prefeitos.

E Ângela tinha razão: “- A perfeição está no coração de quem instruímos desde a natalidade”.

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Com certeza a carta de Ângela à Presidenta do Brasil fora respondida, e... Tratando-se de uma mera ficção, faço de Anjo Verde minhas palavras e meus preceitos para um mundo melhor.

Fica a solução. Ou uma fatia dela.

Apenas tentei. Porque se eu não tivesse tentado, não poderia nunca dizer que um dia tentei.

22.07.2012

ANATOMIA DO ESPÍRITO E DAS PLANTAS

As plantas estão tristes

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Não conversam mais comigo

Meu espírito cabisbaixo

Não tem amigo.

O orvalho derretido

Desmancha no chão miraculoso

Os olhos brilham fatigados

Por um bem formoso.

A lua descansa no esplendor

Dividindo-se no meio

A chuva embrenha-se na mata

Molhando o seio.

A terra sacia sua sede

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Cuspindo plantas e vidas

Minha carne sacia-se no amor

Cuspindo feridas.

O sol estende-se no lençol

Como fogos de artifício

Meu coração palpita exasperado

Lampejando um precipício.

A mata abriga os animais

Como a mãe enlaça o filho

Meu espírito derrama um amor

E ausenta o brilho.

As folhas mortas seviciadas

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Pranteiam o chão – e viram pó.

Minha carne morta – o esqueleto

Padece só.

E brilha a luz, lampeja a alma,

Como floresta se abrindo

Um céu desaba, o vento sopra.

... Estou partindo!

E assim, como árvore queimada,

Desfaz meu corpo, pobre, ai de mim!

Sou triste, pobre, derradeiro.

Eis meu fim...

Anjo Verde

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28.06.1997

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