cepis - sobre o programa de formacao politica - proposta em construcao[1]

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ESCOLA DE FORMAÇÃO POLÍTICA Sobre um Programa de Formação Política - Roteiro de Debate Cepis, São Paulo, Outubro, 2008. 1. Formação Tem sido comum, em tempos de crise, considerar a formação como um remédio para todos os males. Nessa visão, a formação parece pairar acima dos processos concretos ou ficar reduzida ao repasse de informações e conceitos, através de cursos, seminários e palestras. Na prática, essas atividades promovem a erudição, mas não o conhecimento que ajuda na solução das perguntas do cotidiano e da sociedade. Os tempos pós-modernos e neoliberais acentuaram a formação como um processo de capacitação - adestramento de pessoas para a realização eficiente de políticas pensadas, de cima e de fora. Com isso, os conceitos perdem seu papel transformador e o resultado é a formação de uma militância envergonhada, pouco crítica, comportada e reprodutora da dominação. Existe também a tentativa de esvaziar a Educação Popular de seu conteúdo classista e reduzi-la a processos de aprendizado cujo centro é o procedimento pedagógico que produz a euforia do participativo. Essa despolitização da educação faz dos educadores simples monitores, peritos em dinâmicas de grupo, e animadores de platéias, vigias na execução de políticas previstas. Em reação a descaracterização da formação, como processo político e pedagógico, alguns grupos retomaram os manuais e buscam inculcar conceitos e ensinar a teoria a partir de uma concepção e prática autoritária e academicista. Por isso, em seus cursos derramam pacotes predeterminados, ou fazem cursos com a justaposição de temas, sem uma lógica interna. Às vezes, a formação parece ser uma soma de palestras de experts que debulham temas da moda, às vezes contrários e antagônicos à suposta ideologia do grupo. 2. A formação que queremos A escola que queremos não é um centro de investigação, mas o espaço de uma organização, onde a partir de uma concepção e de uma ideologia, estudar o marxismo, de forma dinâmica, em função da elaboração e aplicação de uma estratégia de poder. A partir daí, dialoga com outras correntes marxistas, busca o encontro com pensamentos e práticas emancipatórias como a teologia da libertação, as contribuições feministas, as afirmações ecologistas, contra os preconceitos raciais, sexuais... e a cosmovisão dos povos indígenas. A escola de formação política é uma crítica e ruptura com as concepções formalistas, academicistas, bancárias, positivistas e condutivistas. Nossa proposta de formação política propõe uma escola dirigida a sujeitos organizados e com 1

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Page 1: Cepis - Sobre o Programa de Formacao Politica - Proposta Em Construcao[1]

ESCOLA DE FORMAÇÃO POLÍTICASobre um Programa de Formação Política - Roteiro de Debate Cepis, São Paulo, Outubro, 2008.

1. Formação

Tem sido comum, em tempos de crise, considerar a formação como um remédio para todos os males. Nessa visão, a formação parece pairar acima dos processos concretos ou ficar reduzida ao repasse de informações e conceitos, através de cursos, seminários e palestras. Na prática, essas atividades promovem a erudição, mas não o conhecimento que ajuda na solução das perguntas do cotidiano e da sociedade.

Os tempos pós-modernos e neoliberais acentuaram a formação como um processo de capacitação - adestramento de pessoas para a realização eficiente de políticas pensadas, de cima e de fora. Com isso, os conceitos perdem seu papel transformador e o resultado é a formação de uma militância envergonhada, pouco crítica, comportada e reprodutora da dominação.

Existe também a tentativa de esvaziar a Educação Popular de seu conteúdo classista e reduzi-la a processos de aprendizado cujo centro é o procedimento pedagógico que produz a euforia do participativo. Essa despolitização da educação faz dos educadores simples monitores, peritos em dinâmicas de grupo, e animadores de platéias, vigias na execução de políticas previstas.

Em reação a descaracterização da formação, como processo político e pedagógico, alguns grupos retomaram os manuais e buscam inculcar conceitos e ensinar a teoria a partir de uma concepção e prática autoritária e academicista. Por isso, em seus cursos derramam pacotes predeterminados, ou fazem cursos com a justaposição de temas, sem uma lógica interna. Às vezes, a formação parece ser uma soma de palestras de experts que debulham temas da moda, às vezes contrários e antagônicos à suposta ideologia do grupo.

2. A formação que queremos

A escola que queremos não é um centro de investigação, mas o espaço de uma organização, onde a partir de uma concepção e de uma ideologia, estudar o marxismo, de forma dinâmica, em função da elaboração e aplicação de uma estratégia de poder. A partir daí, dialoga com outras correntes marxistas, busca o encontro com pensamentos e práticas emancipatórias como a teologia da libertação, as contribuições feministas, as afirmações ecologistas, contra os preconceitos raciais, sexuais... e a cosmovisão dos povos indígenas. A escola de formação política é uma crítica e ruptura com as concepções formalistas, academicistas, bancárias, positivistas e condutivistas.

Nossa proposta de formação política propõe uma escola dirigida a sujeitos organizados e com trabalho popular – operários, camponeses, povos originários, movimentos urbanos, jovens e estudantes, agrupações feministas, movimentos de diversidade sexual e cultural e comunidades de base. O objetivo é estudar e intercambiar experiências de luta, pensar coletivamente um projeto de sociedade e um projeto político estratégico, contribuir com a construção de um projeto revolucionário latino-americano.

3. Concepção de Formação Política

Para nós, Formação Política é um processo dialético e coletivo de tradução, reconstrução, criação e socialização do conhecimento que capacita pessoas e grupos a lerem criticamente a realidade sócio/econômica/política/cultural, com a intenção de transformá-la. Por isso, contém um modelo de desenvolvimento social - econômico (prosperidade), político (organização e participação popular) e cultural (ideológico, subjetivo, espiritual...).

Essa formação política, enquanto apropriação crítica dos fenômenos e suas raízes, contribui para o entendimento dos momentos e todo o processo da luta de classes. Pois, só a consciência crítica pode quebrar diferentes formas de alienação e permitir a descoberta do real e sua superação e a criação de uma estratégia, do novo, do futuro. Por isso, o conhecimento permanente da realidade é prioridade na formação de quadros,

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pois, constitui condição para uma elaboração que permita uma inserção social conseqüente.

A formação Política é um instrumento político e pedagógico para: a) tornar comum a causa e a estratégia de uma Organização que tenha o horizonte de um poder alternativo; b) qualificar e capacitar para a luta de classes, elevar o nível de consciência da militância e da massa; c) transformar a informação em conhecimento, em força material para transformar a realidade; d) a apropriação de conteúdos e da metodologia participativa; f) comprometer as pessoas envolvidas na multiplicação criativa do aprendizado.

4. Eixos da formação política

Para organizar o programa sistemático e continuado de formação política de uma organização popular, propomos que ele se estruture em torno de alguns eixos:

a. Conteúdos relacionados à ciência ou a teoria.

Aqui se afirma a necessidade da apropriação dos conhecimentos acumulados da prática social: luta pela sobrevivência, luta de classes e experiências cientificas da sociedade. A luta popular não se reduz a um ato de vontade ou força; baseia-se em fundamentos sólidos e objetivos que lhe dão sustentação. A teoria fornece conceitos, categorias de análise, experiências históricas para ajudar a analisar os desafios do presente e inspirar a projeção de alternativas, no futuro.

Além dos fundamentos científicos, próprios de cada campo de luta (agronomia, medicina, informática, psicologia, pedagogia...) é necessário, estudar filosofia, economia política, história... Para isso, será preciso conhecer os clássicos marxistas, de várias nacionalidades e de diferentes momentos e experiências. Entre os temas estão: Estado, poder, lutas sociais, capitalismo, teoria de dependência, socialismo, classes sociais, revolução...

Como o marxismo é uma visão de mundo e um método de conhecer o mundo para transformá-lo, os conceitos não podem ser estudados de forma acadêmica, mas sempre ligados ao

momento e ao nível das pessoas participantes. Igualmente será preciso evitar o dogmatismo que se apresenta como algo pronto e imutável e o relativismo que é o abandono de qualquer sistema lógico de pensamento.

b. Conteúdos relacionados à elaboração política.

O processo de formação deve ajudar a militância a responder como se formula uma resposta, em forma de projeto, tendo diante de si os desafios do presente, bem como a inspiração da teoria e a experiência da prática social. Refere-se, portanto, ao fazer política, elaborar estratégias, propor táticas apropriadas, fazer programas, organizar e fazer a luta de classes, cuidar da política de alianças, pensar na (auto)sustentação e proteção da militância... Por isso, além dos cursos sistemáticos, são indispensável as leituras, a produção de material, participação em seminários, intercâmbios, viagens...

c. Conteúdos relacionados à prática pedagógica.

São os temas que se relacionam com o “como trabalhar com o povo”. Não basta dominar os conceitos, propor planos estratégicos... será preciso divulgar e realizar o convencimento do povo. A tarefa, então, é contatar o povo, animá-lo, convencê-lo, mobilizá-lo, organizá-lo e, junto, ir à luta por seus interesses cotidianos e de longo prazo. Os temas aparecem como metodologia, trabalho de base, história do Movimento, relações de gênero, comunicação e expressão, dinâmicas de grupo...

d. Conteúdos relacionados à mística da organização.

Esses temas tratam do espírito que animam a militância. São temas transversais que devem estar inseridos, em todos os momentos do processo de formação. Eles falam da postura e atitude, pessoal e coletiva, expressas em princípios e valores: ética de classe, simplicidade, comportamento não utilitarista, espírito de humildade, de sacrifício, de superação, de solidariedade, de companheirismo, de amor pelo povo... e, sobretudo, na pedagogia do exemplo. Muita gente que resiste, com heroísmo, às balas de chumbo, não raro, é derrotada por

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balas de açúcar. A mística se expressa nas atitudes, testemunhos e gestos de beleza, alegria, garra, festa.... São práticas que feitas de forma individual e coletiva, ajudam a alimentar as convicções.

5. Níveis de formação

Um programa de formação destina-se às pessoas que já estão ou pretendem aderir a um processo legítimo de luta de libertação. O conteúdo, dentro de um processo de formação, deve ser igual para toda pessoa que participa, levando-se em conta os diferentes níveis de incorporação e de consciência. A atenção é sobre a dose necessária para cada público, em determinada situação. Ainda que não existam limites exatos, costuma-se dividir o público em base, militantes, dirigentes.

O objetivo da formação básica é desatrofiar as pessoas (no seu corpo, mente e coração) e animar seu engajamento. O acento está na compreensão da exploração, no resgate de sua identidade e pertença, na construção da confiança, no incentivo ao intercâmbio de experiências. A formação de Militantes tem como objetivo resgatar e reconstruir conceitos enquanto instrumento de análise para ler a realidade da exploração e projetar saídas. Entre os temas estão: trabalho, história da sociedade, luta econômica, luta política, organicidade. A formação de Dirigentes tem como objetivo a elaboração e constante adequação da estratégia da Organização, à luz do conhecimento da realidade, do conhecimento da teoria e do ânimo do povo.

6. Método e Metodologia da Formação Enquanto filosofia, adotamos a concepção dialética que

considera o presente, inspira-se na ciência (teoria, história) e projeta o futuro. Na atividade formativa, conforme o momento do grupo, às vezes parte do real, do biográfico para o geral, utilizamos o método indutivo - que olha as partes e, por um processo de síntese, sistematiza, percebe a lógica, apreende o todo. Outras vezes, vai do geral ao particular – método dedutivo - que parte do geral e, por um processo de análise, entende as

influências do global. Nos processos de luta e organização, defendemos a concentração dos esforços sobre um grupo que, em ondas, possa irradiar a sua prática. Em todos os casos, o caminho deve ser participativo porque a metodologia popular se caracteriza pela incorporação das pessoas como protagonistas.

Alguns princípios metodológicos norteiam nossa pedagogia da formação política. Entre esses, alguns são prioritários, por exemplo: a) que toda pessoa é capaz; b) que só a classe oprimida pode ter interesse numa proposta de libertação; c) que só quem está no processo produtivo tem potencial e condições objetivas de fazer a transformação; d) que só as pessoas que se dispõem a um processo de mudança devem ser incluídas em um programa de formação.

7. Metodologia da Educação Popular

No esforço de superar o endoutrinamento é preciso garantir o envolvimento co-responsável dos participantes, no decorrer de todo o processo. Por isso, para uma participação ativa das pessoas buscamos a interação de quatro balizas básicas: O querer dos educadores, sua visão de mundo, opção de

vida e o acúmulo de conhecimento da prática social (teoria). As necessidades da classe trabalhadora manifestadas em

demandas, anseios e reivindicações e ligadas a seu cotidiano. O contexto do processo, pois, as pessoas são situadas e

mergulhadas numa teia de relações econômicas, históricas, culturais, religiosas, interpessoais, políticas e sociais...

A postura do intercâmbio onde as partes se portam como protagonistas, mesmo exercendo papéis específicos de parturiente e/ ou parteira, em intensa interação e tensão e alertas para o voluntarismo, o possibilismo e o basismo.

8. Observações sobre a formação.

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Os processos de formação sistemática necessitam de cuidados para garantir sua eficiência e sua eficácia. Entre esses cuidados, apontamos:

a. Quando e como começar a formação A necessidade concreta, a possibilidade de ter conquistas

ou de perder direitos, leva a classe trabalhadora a lutar e até a vislumbrar a raiz da exploração e a necessidade de participar. A formação vem para desvelar as razões dos fenômenos e despertar a consciência de classe. A tomada de consciência leva as pessoas para um salto na organização e na dignidade de ser sujeito. A luta, a organização, a incorporação de novos militantes leva a conquistas importantes... e aumenta a demanda por profundidade na formação política. Este seria o caminho ‘desejável’ do processo de formação. Mas, muitas vezes, é a formação que desperta para luta e, para ser eficaz, segue uma ordem que se ajusta ao grupo acompanhado.

b. Atividade de formação e assessoriaExistem diversas atividades de formação – cursos, leituras,

debates, elaborações... A própria luta, as articulações, acertos, negociações... fazem parte do processo de formação. Mas, costuma-se falar de formação quando existe uma programação mais sistemática, com conteúdos mais elaborados e previstos.

Assessoria são as atividades de formação, realizadas junto às direções, em forma de acompanhamento da trajetória do grupo. Essa atividade formativa só é possível quando se cria uma esfera de confiança e cumplicidade. Seu conteúdo pode ser uma análise de conjuntura, elaboração de uma proposta política, formulação de uma visão estratégica e tática, além da permanente avaliação e planejamento das atividades.

c. Corpo de colaboradoresA formação política, ainda que profundamente crítica,

precisa ter intencionalidade. Portanto, deve escolher uma lista de formadores cuja característica é a disposição de colocar-se a serviço dos movimentos/organizações. Não se trata de levar a classe trabalhadora aos centros acadêmicos que continuam importantes como centros de pesquisa e elaboração de conhecimentos. Trata-se de agrupar intelectuais e educadores

que, a partir da sua competência, se acheguem e contribuam nos espaços populares de formação, como intelectuais orgânicos,

d. Formação de formadoresAs organizações populares precisam preparar pessoas,

oriundas de suas organizações, com habilidade e gosto pessoal, no campo pedagógico, para que sejam formadoras. Na vida das organizações, sua missão prioritária é traduzir, recolher e repassar os conteúdos e experiências que interessam à luta e organização popular. Além de dominar os conteúdos, necessitam especializar-se no domínio da metodologia participativa.

e. LeiturasAlém das leituras relacionadas aos temas das atividades

de formação, é importante listar uma literatura significativa que inclua poemas, romances, artigos, sites, desenhos...

Conteúdos Base Militantes Dirigentes

1. Ciência - teoria, filosofia, história...

1. Elaboração Política estratégia e tática

2. Como trabalhar com o povo - Pedagogia, metodologia

3. Mística - princípios e valores

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