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CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILOMESTRADO EM BIOÉTICA
ALEXANDRE RIBEIRO ALCAIDE
CONFLITOS BIOÉTICOS NO ANTENDIMENTO CLÍNICO
DO ATLETA PROFISSIONAL
SÃO PAULO2007
1
CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILOMESTRADO EM BIOÉTICA
ALEXANDRE RIBEIRO ALCAIDE
CONFLITOS BIOÉTICOS NO ANTENDIMENTO CLÍNICO
DO ATLETA PROFISSIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
do Centro Universitário São Camilo para obtenção do título
de Mestre em Bioética
Orientador Prof. Dr. Marcos Almeida
Co-Orientador Profa. Dra. Margareth Priel
São Paulo
2007
2
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Pe. Inocente Radrizzani
3
Alcaide, Alexandre Ribeiro Conflitos bioéticos no atendimento clínico do atleta profissional / Alexandre Ribeiro Alcaide . -- São Paulo : Centro Universitário São Camilo, 2007.
95 p.
Orientação de Marcos Almeida e Margareth Priel
Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário São Camilo, Especialização em Bioética, 2007.
1. Cuidados médicos / ética 2. Esportes 3. Bioética 4. Medicina esportiva I. Almeida, Marcos II. Priel, Margareth III. Centro Universitário São Camilo IV. Título.
CONFLITOS BIOÉTICOS NO ANTENDIMENTO CLÍNICO DO ATLETA
PROFISSIONAL
São Paulo, _____ de _____________ de 2007.
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Almeida - Orientador
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Margareth Priel - Co-Orientador
_____________________________________________________________
Professor(a) Examinador(a) 1
_____________________________________________________________
Professor(a) Examinador(a) 2
4
Dedico este trabalho a minha filha Ana Clara,
por me mostrar através do brilho do seus
olhos, o poder do Amor incondicional.
5
AGRADECIMENTOS
À Deus pela vida .
À minha esposa Débora Gomes, por ter sido sempre a personificação da
Bioética, e por ter me mostrado o caminho. Te amo muito.
Aos meu Pais Carlos e Natália, pelo esforço para que eu pudesse realizar
meus sonhos, e principalmente por ter me ensinado os princípios de uma vida com
dignidade.
À minha Madrinha, Tia Darci, por ter me iluminado sempre, e estado em meus
pensamentos em cada segundo da minha vida.
Aos meus orientadores Prof.Marcos Almeida e Profa Margareth Rose Priel,
pelo incentivo, e por terem acreditado em algo que muitos desacreditaram.
Ao Pe. Christian de Paul de Barchifontaine e ao Pe. Leo Pessini, reitor e vice-
reitor do Centro Universitário São Camilo.
A todos os professores do programa de Mestrado em Bioética do Centro
Universitário São Camilo, foram encontros maravilhosos, tenham certeza que estão
no caminho certo.
Aos meus colegas de Mestrado, principalmente os alunos da segunda turma
do Mestrado em Bioética, conhecê-los foi um presente de Deus, e que todos vocês
que como eu, foram tocados pela Bioética e que querem ajudar a construir uma
sociedade melhor no futuro, espalhem estes conhecimentos pelo mundo.
A meu tio João e meus primos Carlos Eduardo, Rubinho e Aguinaldo, por
todas as horas de discussão e reflexão e também pelo incentivo.
6
A minha cunhada Marisa, minha sogra Aparecida e a Tia Marlene e Tia
Lourdes, por estarem sempre ao nosso lado, e auxiliando nesta difícil ,mas
prazerosa tarefa de ser Pai.
Á todos os meus amigos, e em especial para o Fernando e para o
Schumacker, vocês fazem parte da história da fisioterapia esportiva no Brasil e no
Mundo.
Á meu amigo Marcos Laranjeira, por me mostrar que é possível gerenciar
uma equipe de esporte competitivo, com responsabilidade social e ética.
A todos os meus alunos, do Centro Universitário São Camilo, e da pós-
graduação no CBES e na UMESP, vocês é que nos dão força e nos renovam a cada
dia, a cada momento de conhecimento e esperança que dividimos em nossas aulas,
vocês são o futuro, trabalhem com prazer, com ética, e construam uma sociedade
que ampare melhor os vulneráveis.
Á todos os profissionais da saúde que trabalham no esporte, e que na grande
maioria das vezes não são reconhecidos, não aparecem nas fotos dos jornais que
estampam as conquistas, nem dão entrevistas nas redes de rádio e televisão, mas
que estão ao lado de nossos atletas, e que trabalham para que as conquistam
sejam ainda maiores, mas sempre com ética e respeito.
Á todos os funcionários do Centro Universitário São Camilo, em especial para
aqueles que estão sempre ao nosso lado, nos auxiliando como anjos, no PA, na
biblioteca, no áudio-visual, nos laboratórios, parabéns pelo trabalho que realizam,
são vocês que fazem a alma desta instituição, e são vocês o segredo de todo este
sucesso.
Á todas as pessoas que ainda conseguem ser tocadas pela indignação, todas
as vezes que passam por viadutos e vêem a miséria que nos cerca.
7
METADE
Que a força do medo que tenhoNão me impeça de ver o que anseio;Que a morte de tudo em que acreditoNão me tape os ouvidos e a boca; Porque metade de mim é o que eu grito,Mas a outra metade é silêncio...
Que a música que eu ouço ao longeSeja linda, ainda que tristeza;Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada Mesmo que distante;Porque metade de mim é partidaMas a outra metade é saudade...
Que as palavras que eu faloNão sejam ouvidas como preceE nem repetidas com fervor,Apenas respeitadas como a única coisa que resta A um homem inundado de sentimentos;Porque metade de mim é o que ouçoMas a outra metade é o que calo...
Que essa minha vontade de ir emboraSe transforme na calma e na paz que eu mereço;E que essa tensão que me corrói por dentroSeja um dia recompensada;Porque metade de mim é o que penso Mas a outra metade é um vulcão...
Que o medo da solidão se afasteE que o convívio comigo mesmoSe torne ao menos suportável;Que o espelho reflita em meu rostoUm doce sorriso que me lembro ter dado na infância;Porque metade de mim é a lembrança do que fui,A outra metade eu não sei...
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espíritoE que o teu silêncio me fale cada vez mais;Porque metade de mim é abrigoMas a outra metade é cansaço...
Que a arte nos aponte uma respostaMesmo que ela não saibaE que ninguém a tente complicarPorque é preciso simplicidade para faze-la florescer;Porque metade de mim é platéiaE a outra metade é canção...
E que a minha loucura seja perdoada Porque metade de mim é amorE a outra metade... também. (Oswaldo Montenegro).
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RESUMO
Não é de todo equivocada a afirmação de que o esporte é um dos fenômenos
mais expressivos do século XX – e a prosseguir pelo século XXI. Sem dúvida, o
esporte faz hoje parte, de uma ou de outra forma, da vida da maioria das pessoas
em todo o mundo. Tão rápido e tão “ferozmente” quanto o capitalismo, o esporte
expandiu-se a partir da Europa para o mundo todo e tornou-se a expressão
hegemônica no âmbito da cultura corporal de movimento. Ele é hoje, em
praticamente todas as sociedades, uma das práticas sociais de maior unanimidade
As Olimpíadas continuam a ser a maior celebração do esporte mundial, são disputas
atléticas internacionais entre os povos, mesmo com as mudanças conceituais que
ocorreram através dos anos. Desde o seu inicio na era moderna em 1896 em
Atenas, o esporte vem crescendo muito em termos de interesse. Hoje, mais de um
século após a primeira Olimpíada da era moderna, o esporte foi incorporado à
sociedade, assumindo um papel importante na vida do cidadão. Um reflexo disto é
que na maioria dos paises hoje existe um ministério exclusivo para analisar as
políticas esportivas, dando com isso uma importância política grande ao esporte,
tanto competitivo como o esporte pedagógico.
O crescimento do esporte como espetáculo, fez com que os investimentos
aumentassem de maneira vertiginosa nos últimos anos, elevando atletas ao patamar
de verdadeiras celebridades, e aumento a responsabilidade de atletas, dirigentes e
profissionais da saúde que atuam no esporte.
O presente estudo apresenta como objetivo principal identificar através de
uma revisão da literatura, os principais conflitos bioéticos enfrentados pelos
profissionais da saúde que atuam no atendimento clínico do atleta profissional.É de
extrema importância, que os profissionais da saúde que atuam diretamente no
esporte discutam os problemas encontrados no atendimento prestado ao atleta
profissional, para que possamos minimizar os conflitos bioéticos que possam existir
nesta difícil relação.
Palavras chave - Bioética, Esporte, Fisioterapia, Medicina Esportiva
9
ABSTRACT
It is not of all when the affirmation of which the sport is one of the most
expressive phenomena of the century XX made a mistake – and continuing for the
century XXI. Undoubtedly, the sport does today part, of one or otherwise, from the
life of most of the persons in whole world. So quick and so "cruelly how much the
capitalism, all expanded the sport from Europe for the world and it made the
expression hegemonic in the context of the physical culture of movement. It is today,
in practically all the societies, one of the social practices of bigger unanimity. The
Olympic Games keep on being the biggest celebration of the world-wide sport, they
are athletic international arguments between the people, even with the changes you
conceptualize what took place through the years.
From his beginning in the modern epoch in 1896 in Athens, the sport is
growing very much in terms of interest. Today, more than one century after the first
Olympic Games of the modern epoch, the sport was incorporated to the society,
assuming an important paper in the life of the citizen.
It is a reflex of this that in most of the countries today exists an exclusive
ministry to analyse the sporting politics, giving with that a political big importance to
the sport, so much competitively like the pedagogic sport.
The growth of the sport like show, to do so that the investments increased in
dizzy way in the last years, lifting up athletes to the landing of true celebrities, and I
increase the responsibility of athletes, leaders and professionals of the health who
act in the sport.
The present study presents like identifying principal objective through a
revision of the literature, the principal conflicts bioethics faced by the professionals of
the health who act in the clinical service of the professional athlete.
It is of extreme importance, that the professionals of the health who act
straightly in the sport discuss the problems found in the service been suitable to a
professional athlete, so that we can minimize the conflicts bioethics what could exist
in this difficult relation.
Key Words - Bioethics, Sport, Physiotherapy, Sporting Medicine
10
Introdução..................................................................................... 12
Justificativa................................................................................... 16
Objetivo......................................................................................... 17
Metodologia.................................................................................. 18
Capítulo 1. O Esporte no contexto sociológico........................ 20
Capítulo 2. A equipe de saúde e o atleta................................... 28
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o Principialismo norte americano....................................................................................... 36
3.1. Referenciais da beneficência e da não –maleficência..... 373.2. Referencial da autonomia................................................ 393.3. Referencial da Justiça...................................................... 443.4. Confidencialidade............................................................. 48
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta............................................................................................... 50
4.1. O Estresse no Esporte..................................................... 544.2. O retorno às competições................................................ 584.3. O sigilo profissional e o atleta.......................................... 644.4. O conceito de “cuidar” e o profissional da saúde no
esporte............................................................................ 64
Capítulo 5. Discussão................................................................... 73
Capítulo 6. Conclusão................................................................... 90
Referências Bibliográficas........................................................... 94
11
SUMÁRIO
Introdução
INTRODUÇÃO
A palavra “esporte” provém do francês antigo “desport”, que significa
divertimento, passatempo, e indica ao mesmo tempo competições e exercícios
realizados individualmente ou em grupo, como manifestação esportiva, passatempo
ou para desenvolvimento da força e agilidade do corpo (Sgreccia,1997).
O Esporte Moderno, construído a partir da década de 1820, com as iniciativas
de Thomaz Arnold em Rugby (Inglaterra), logo incorporou o primeiro componente
ético que era o Associacionismo, cultivado pelos ingleses em todas as suas
manifestações. Logo a seguir, com a restauração do Movimento Olímpico, em 1892,
por Pierre de Coubertin, o Esporte recebeu o seu segundo componente ético: o Fair
Play que em português significa “Jogo Limpo”.
O Esporte Moderno entrou no século XX na perspectiva do Ideário Olímpico.
Além do Associacionismo e do Fair Play, a Carta Olímpica não fazia concessões ao
profissionalismo no esporte, o que permite afirmar que este posicionamento
inflexível do Movimento Olímpico trazia uma terceira referência para a Ética
Esportiva, que era o Amadorismo. Foi com o associacionismo, o Fair Play e o
Amadorismo, que o Esporte teve construída sua Ética. É fundamental acrescentar
que o conceito de Esporte vigente nesta Ética construída era o do Esporte de
Rendimento.
O esporte moderno está embasado sobre conceitos extremamente
humanísticos, que tiverem seu auge na Grécia antiga, e suas fundamentações
filosóficas foram resgatadas à modernidade pelo Barão Pierre de Coubertin no fim
do século XIX, tendo início assim o chamado “olimpismo”, movimento que recupera
valores disseminados na Grécia antiga através do esporte. Valores como
solidariedade, consagração, celebração da Paz entre os povos, estavam entre os
principais valores gregos a serem fixados através das disputas olímpicas, e que
foram trazidos para a era moderna.
12
Introdução
Entretanto uso do Esporte e as suas circunstâncias como um palco da Guerra
Fria foi o fato marcante da destruição da Ética Esportiva, que havia sido construída
durante o período de idealização Olímpica.O exemplo de Hitler em Berlim (1936)
que tentou fazer dos jogos um acontecimento a favor de suas teses de supremacia
dos arianos, inspirou os Estados Unidos da América e os países socialistas,
principalmente a União Soviética a tornar o Esporte apenas como uma manifestação
efetiva de superioridade ideológica. Evidentemente que os Jogos Olímpicos
despidos dos preceitos éticos, passaram a representar o "locus" ideal para fatos
político-ideológicos de ressonância mundial como o massacre dos atletas
israelenses nos Jogos de Munique em 1972 entre outras manifestações, mas
também sendo sempre seguido de perto por ideais mais éticos, como o podium dos
americanos nas Olimpíadas de 1968, que denunciava o preconceito contra os
negros nos EUA. Nesta tentativa de destruição da Ética e dos ideais Olímpicos, o
profissionalismo rapidamente substituiu o amadorismo, através de formas
enganosas. Os socialistas criaram a carreira esportiva, na qual as crianças de
talento eram selecionadas e arregimentadas para escolas esportivas, de onde as
melhores saíam para as equipes nacionais para as disputas esportivas
internacionais. Quando encerravam suas carreiras como atletas, recebiam uma
formação pedagógica e voltavam para ser treinadores em suas especialidades. Por
outro lado, os Estados Unidos da América criaram o chamado amadorismo marrom,
onde os atletas, embora estudantes, recebiam apoio financeiro e adequações nas
suas vidas escolares. Na verdade, os atletas já eram profissionais.
Por outro lado, o Associacionismo e o “Fair Play” foram pouco a pouco
destruídos neste período pelo "chauvinismo da vitória" que significava "a vitória a
qualquer custo".
O Esporte, criado para reunir as pessoas, chegava ao final dos anos 80
completamente decadente e com um Movimento Olímpico incerto. Nas olimpíadas
de Moscou 1980, a delegação norte-americana não esteve presente, isso devido a
um boicote político realizado por seu país, e o mesmo ocorreu com a delegação
soviética nas olimpíadas de Los Angeles 1984.
13
Introdução
Além disto vemos, atualmente, ideais olímpicos sendo superados por
interesses econômicos, comerciais, corrupção e muitos outros. Nas últimas décadas
o chamado “olimpismo”, vem procurando restabelecer, através das competições
esportivas, os valores humanistas que alicerçaram o esporte no início da sua
história, procurando maneiras mais éticas de disputa, através de regras mais rígidas
contra o doping, e competições mais próximas aos ideais de celebração da Paz e da
humanidade.
Durante a exacerbação do Esporte Moderno, algumas manifestações
importantes de reação surgiram com o Movimento “Esporte para Todos”, a
Sociologia Esportiva e os chamados Documentos dos Organismos Internacionais. O
Movimento “Esporte para Todos” pedia uma democratização da prática esportiva
estendendo-a a todas as pessoas. Os Organismos Internacionais editaram vários
documentos como o Manifesto do Esporte (CIEPs) Manifesto da Educação Física
(FIEP), Carta Européia do Esporte para Todos (Conselho da Europa) e Manifesto do
Fair Play (CIFP). Todas estas manifestações, de fato, denunciavam o rompimento
da Ética construída anteriormente, o que tornava o Esporte menos saudável,
expressando uma lógica que, na expectativa de vencer como única proposta,
estimulava, inclusive, a chegada dos ilícitos nos confrontos esportivos, entre eles, o
doping. A re-conceituação do Esporte como direito de todos, criando a base do
chamado Esporte Contemporâneo, o qual reconhece na sua abrangência o Esporte-
Educação, o Esporte-Lazer e o Esporte de Rendimento, evidentemente que passou
a exigir uma ética específica para cada uma destas manifestações conceituais. A
busca de um caminho para esta imposição conceitual, levou ao desenvolvimento de
princípios que possam servir de suporte na construção destas éticas, as quais
integradas formam a própria Ética do Esporte Contemporâneo (Tubino 1991).
Nesta linha de pensamento, o Esporte-Educação será referenciado em
princípios sócio-educativos que orientem para uma formação para a cidadania. A
Ética desta manifestação será a da Formação. Nesta Ética, além do respeito ao
crescimento biológico dos jovens, deverá ser levado em conta todas as
possibilidades de preparação para uma vida futura com um estilo de vida saudável e
responsável diante da sociedade que vai atuar. A Ética da Formação, como
14
Introdução
referência no Esporte-Educação é inesgotável no oferecimento de caminhos viáveis
(Tubino 1991).
O Esporte-Lazer, voltado para o bem-estar como uma prática espontânea em
que o Princípio do Prazer é a referência, deve ser orientado para uma Ética de
Convivência que reforce os laços comunitários.
O Esporte de rendimento, por sua vez, compromissado com o espetáculo e o
negócio, e cujos protagonistas devem ser profissionais, regido pelo Princípio da
Superação, deverá também estar referenciado numa Ética de Convivência que não
se assemelha àquela do Esporte-Lazer, pois será uma possibilidade de estabelecer-
se uma rede de relações saudáveis entre profissionais que se preparam para vencer
os adversários. Esta convivência, exposta nos meios de comunicação, quando
obtida, cria uma ambiência extremamente ética e moral, tendo como suporte as
regras e os regulamentos, desenvolvendo nos atletas um espírito esportivo que
certamente servirá de exaltação ao Esporte (Tubino 1991).
15
Justificativa
JUSTIFICATIVA
Nos dias de hoje, o esporte passou a ser um importante meio de
entretenimento, fazendo parte do cotidiano, e estando presente nas mais diferentes
classes sociais.. Atualmente, do ponto de vista acadêmico não é mais considerado
como um meio de alienação do indivíduo na sociedade, sendo hoje considerado
uma grande ferramenta de socialização, e educação, sendo utilizado como uma dos
principais instrumentos, em diversos programas educacionais, tanto por entidades
governamentais, como por iniciativas privadas.
Além disso, o esporte profissional é um importante mercado, do ponto de vista
econômico movimenta milhares de dólares no mundo todo, e,por isso seus principais
praticantes, os atletas profissionais, tornam-se ídolos nacionais e internacionais,
tendo sua imagem reconhecida no mundo todo.
A importância do esporte, e da saúde do atleta, trouxe um novo mercado para
profissionais da saúde, que hoje trabalham intensamente dentro do esporte, como
médicos, fisioterapeutas, psicólogos, entre outros, e são responsáveis tanto pela
saúde do atleta, como por seu rendimento esportivo.
Este meio, por si só já é conflitante para o profissional da saúde, pois muitas
vezes a saúde, e a prática de um esporte em alta-performance na grande maioria
das vezes são antagônicas, o que leva o profissional da saúde a diversos
paradigmas bioéticos.
16
Objetivo Geral
OBJETIVO GERAL
Identificar os principais conflitos bioéticos que ocorrem no cotidiano dos
profissionais da saúde que prestam atendimento a atletas profissionais, frente à
cobrança por melhores rendimentos esportivos, e a prevenção da saúde dos
mesmos. Isso realizado através de uma ampla revisão bibliográfica.
17
Metodologia
METODOLOGIA
Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, sendo a busca
realizada nas bases de dados que estão disponíveis para pesquisa no site
www.bireme.br. Foram considerados os artigos publicado no período de 1966 até o
ano de 2006. Foram encontradas referencias apenas nas bases Medline (Literatura
Internacional em Ciências da Saúde) e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde).
Também foram realizadas pesquisas na base de dados Scielo (Scientific
Eletronic Library Online) e nos bancos de dados Google , Pubmed e Medscape, para
obter-se um estudo mais amplo sobre o tema.
.Para a busca, inicialmente foram utilizadas palavras-chave livres para
pesquisa nas bases de dados, utilizando-se a lógica Booleana AND para:
-Bioética AND Esporte
-Ética AND Esporte
-Ethics AND Sport
-Bioethics AND Sport
Também foi realizada pesquisa utilizando-se livros, que contemplem o tema
sobre bioética e ou, história do esporte e sociologia do esporte.
Apenas foram selecionados os trabalhos que tinham por objetivo a discussão
dos conflitos bioéticos no atendimento clínico do atleta, sendo excluídos os trabalhos
que tinham por objetivo discutir situações como doping e análise ética de alguma
modalidade esportiva.
18
Metodologia
Foram encontrados 304 artigos, sendo:
Lilacs = 1
Med Line= 20
PubMed= 283
Após avaliação dos resumos, foram selecionados 12 artigos, pois estes
cumpriram todos os critérios de inclusão e exclusão já descritos.
19
Capítulo 1. O Esporte No contexto sociológico
Capítulo 1
20
“Para o triunfo do mal só é preciso que os bons homens cruzem os braços.”
Edmund Burke
Capítulo 1. O Esporte No contexto sociológico
O ESPORTE NO CONTEXTO SOCIOLÓGICO
Não é de todo equivocada a afirmação de que o esporte é um dos fenômenos
mais expressivos do século XX – e a prosseguir pelo século XXI. Sem dúvida, o
esporte faz hoje parte, de uma ou de outra forma, da vida da maioria das pessoas
em todo o mundo. Tão rápido e tão “ferozmente” quanto o capitalismo, o esporte
expandiu-se a partir da Europa para o mundo todo e tornou-se a expressão
hegemônica no âmbito da cultura corporal de movimento. Ele é hoje, em
praticamente todas as sociedades, uma das práticas sociais de maior unanimidade
quanto a sua legitimidade social (Bracht 2003).
As Olimpíadas continuam a ser a maior celebração do esporte mundial, são
disputas atléticas internacionais entre os povos, mesmo com as mudanças
conceituais que ocorreram através dos anos. Desde o seu inicio na era moderna em
1896 em Atenas, o esporte vem crescendo muito em termos de interesse. Como
descrito pelo filósofo Paul Weiss, da universidade de Yale, “Quer tomemos parte
nele, quer estejamos apreciando, o esporte age rápido sobre as emoções, conquista
logo as emoções das pessoas, muitas vezes com uma intensidade que mais nada é
capaz de provocar” (Sgreccia 1997)
Segundo Coleman citado por Sgreccia:
“A arte, a ciência e a filosofia oferecem à cultura contribuições certamente maiores que o esporte. A agricultura, a indústria e o comércio têm um papel bem maior em nossa economia do que seria possível ao esporte, embora este, naturalmente, tenha hoje uma grande importância econômica. Mas raramente esses outros empreendimentos do homem são parte tão freqüente de suas conversas cotidianas ou exigem tanta fidelidade como o esporte. É o esporte que polariza o interesse e faz surgir a dedicação dos jovens e idosos, dos sábios e dos desprovidos, de quem tem uma educação e de quem não tem”. (Coleman apud Sgreccia 1997).
21
Capítulo 1. O Esporte No contexto sociológico
Existem portanto muitas dimensões encontradas na história do esporte. As 3
dimensões principais que, hora se sucedem, hora se intercalam são:
Dimensão clássica: de tipo mítico vivida, sobretudo na Antiguidade.
Dimensão pedagógica: na qual não se considera mais o mito nem a
divindade, mas se quer exaltar os valores agnósticos, civis, a relação supranacional,
como se quis com a retomada das Olimpíadas.
Dimensão das massas mais recente, na qual prevalece, incentivada pela
mídia, a participação das massas, que é quase universal e também possuí um apelo
fortemente emotivo. Como conseqüências desta última dimensão temos a violência,
os empreendimentos financeiros, que transformam hoje o esporte em muito mais
que um jogo, ou uma ferramenta pedagógica (Sgreccia 1997).
As Olimpíadas antigas tiveram início no ano de 776aC, junto ao santuário de
Júpiter, em Olímpia, nas Elidas (costa leste do Peloponeso), e eram disputadas por
atletas que provinham de várias polis, de cultura grega. Elas tinham um significado
político e religioso, pois evidenciavam os vínculos culturais das várias cidades-
Estado da Grécia antiga, que reafirmavam nestas ocasiões, as relações de Paz e
cooperação.
Hoje, mais de um século após a primeira Olimpíada da era moderna, o
esporte foi incorporado à sociedade, assumindo um papel importante na vida do
cidadão. Um reflexo disto é que na maioria dos paises hoje existe um ministério
exclusivo para analisar as políticas esportivas, dando com isso uma importância
política grande ao esporte, tanto competitivo como o esporte pedagógico. Países
comunistas do leste europeu investiam fortemente na descoberta, e no treinamento
de novos atletas, e esta política foi utilizada ideologicamente como uma forma de
massificar os ideais comunistas em contraposição ao mundo capitalista.
As histórias do esporte e das Olimpíadas são bastante entrelaçadas, contudo
não podemos de forma alguma pensar em esporte, somente no ambiente olímpico,
ou somente como uma “ferramenta” pedagógica. Nos dias de hoje o esporte está
22
Capítulo 1. O Esporte No contexto sociológico
presente em todas as culturas, e é hoje um negócio que movimenta somente nos
EUA, cerca de 3bilhões de dólares, e aproximadamente 8 bilhões em todo o mundo,
o que transforma o ambiente esportivo em um meio pleno de conflitos de interesses,
principalmente para os atletas, patrocinadores, investidores, dirigentes e
profissionais que nele atuam.
Há alguns anos atrás, a definição do espírito esportivo era intimamente ligada
ao profissionalismo do atleta, se o atleta recebia algum tipo de pagamento para
exercer sua atividade esportiva, tanto do poder publico como de um clube ou
patrocinadores, era aquele considerado um atleta profissional. Em torno desse atleta
era encontrada uma organização econômica e administrativa, que faziam com que
este atleta sobrevivesse integralmente de sua pratica esportiva. Essa organização
insere esse atleta, em um grupo de atletas que são ligados ao esporte que praticam
tanto de maneira afetiva como econômica.
Ao lado desse atleta, chamado de profissional, existem praticantes de
esportes, que mantêm uma prática competitiva, mas somente ligados ao emocional.
São atletas apaixonados por algumas modalidades esportivas específicas, mas que
não recebem nenhum tipo de compensação financeira, ou retribuição de outro tipo
para continuarem exercendo sua função esportiva. Esses atletas são chamados de
atletas amadores, aqueles que somente praticam sua modalidade por “amor” ao
esporte, por extremo “espírito de competição”.
Inevitavelmente, o esporte foi ganhando interesse em todo o mundo, sendo
hoje as Olimpíadas, o evento visto por maior número de pessoas no globo. O
crescimento do interesse pelas competições esportivas fez com que o esporte se
tornasse mais racional, sendo assim, introduzido no esporte uma razão mais
profissional, o ganho de interesse do público, foi proporcionalmente aumentando o
interesse de patrocinadores, e empresários ligados, fazendo com que hoje, esteja
quase que praticamente extinto, o chamado esporte amador. Restam os atletas
profissionais, que empenham para melhorar sua performance a todo o custo, pois
assim conseguem melhores patrocínios, melhores remunerações, além de uma
estrutura profissional mais adequada, que permita a este atleta melhorar ainda mais
seu desempenho.
23
Capítulo 1. O Esporte No contexto sociológico
O “antigo” esporte amador, hoje é praticado por atletas que não visam
primordialmente à melhoria de seus índices e performance atlética, e sim apenas o
lazer, ou meramente uma manutenção ou melhora do condicionamento físico tendo
pouca responsabilidade competitiva.
No profissionalismo em que o esporte mergulhou, o lazer deu lugar à busca
de metas e melhora de performance, tendo o atleta, uma responsabilidade muito
maior. Ele faz de seu corpo, o principal meio de chegada ao sucesso profissional,
sendo assim submetido a treinamentos cada vez mais intensos, o que trás em
contrapartida de aumento no número de lesões ligadas a prática de seu esporte
específico.
Esta transformação ocorrida através dos tempos, afastando o esporte de seu
eixo norteador, trouxe inúmeras conseqüências para atletas e para os profissionais
da saúde que atuam no esporte, como médicos, fisioterapeutas, educadores físicos,
psicólogos, entre outros, pois esses profissionais passaram a sofrer a cobrança por
melhores resultados, quebra de recordes, conquista de campeonatos. Isto faz com
que o desempenho do atleta seja hoje o objetivo, tanto do atleta como dos
profissionais que lhe prestam serviços, deixando muitas vezes a saúde e a
longevidade esportiva, em segundo plano.
Segundo Sgreccia (1999), “a ética no esporte não se refere apenas aos
atletas, mas a todos os componentes que lhes giram ao redor, bem como a todas as
implicações socioeconômicas que o esporte põe em movimento”. A prática esportiva
visando o lazer deve sempre ser reafirmada, tendo como principais objetivos à
educação e a saúde, e uma orientação buscando valores positivos, como cidadania,
inclusão social, convivência em grupo, controle da agressividade. Estes valores não
podem de maneira nenhuma ser renegado a um segundo plano, como ocorre com o
esporte profissional, pois certamente a disputa no âmbito esportivo pode ocorrer
paralelamente com exaltação destes valores.
A igreja católica tem insistido na busca dos valores éticos ligados ao esporte,
pela própria voz de seus pontífices, principalmente Pio XII que era praticante de
alpinismo, e João Paulo II, adepto do futebol e do esqui. Pio XII desenvolveu muitos
24
Capítulo 1. O Esporte No contexto sociológico
ensinamentos sobre os valores do esporte, principalmente os valores morais, que
são ligados à prática esportiva como lealdade, coragem, respeito ao adversário. Nos
discursos proferidos por João Paulo II, o esporte é visto como uma ligação pacífica
entre os povos, como ocorre nos mundiais de várias modalidades esportivas e nas
Olimpíadas.
Como valores positivos, ligados à prática esportiva, pode-se ressaltar a
relação fraterna entre os homens de diferentes condições sociais, políticas e
religiosas. Já os chamados valores ilícitos presentes cada vez mais no esporte,
estão geralmente ligados aos compromissos financeiros e ao dito “esporte-
espetáculo”, como ocorre no esporte profissional.
Atletas e profissionais da saúde estão cada vez mais ligados às fraudes
farmacológicas chamadas de doping, que visa obter sucesso mais seguro e rápido
com a utilização de substancias ou métodos que aumentam o desempenho
esportivo. Cada vez mais o doping merece atenção dos organizadores, e
profissionais da saúde ligados ao esporte. O Conselho da Europa, órgão ligado ao
Comitê Olímpico Internacional, e responsável pelo termo define, doping como “a
administração e o uso de substâncias, sob qualquer forma, estranhas ao organismo,
ou de substancias fisiológicas em quantidades exageradas, e por via anômala, por
parte de pessoas sadias, com finalidade exclusiva de obter um artificial e desleal
aumento do rendimento em uma competição”.
O controle antidoping representa uma grande dificuldade, pois os meios e os
medicamentos utilizados são múltiplos. Entre os mais usuais, estão as anfetaminas,
aminas simpaticomiméticas (efedrina), analgésicos narcóticos (morfina), esteróides
anabolizantes, entre outros. A ilicitude do doping baseia-se no fato de alterar o
resultados de competições que se pressupõe fundamentada nas qualidades naturais
dos competidores, e muitas destas substancias, são causadoras de doenças ou de
dependência por parte dos usuários.
Mas o doping não é a único motivo de discussão bioética presente no
ambiente esportivo, existem muitas outras formas de cultuar valores ilícitos no
esporte, apesar do doping ser hoje o responsável pela maioria de debates em
25
Capítulo 1. O Esporte No contexto sociológico
congressos ligados aos profissionais da saúde que militam no esporte e o principal
tema abordado nas revistas científicas.
A exaltação do atleta, como se fosse um deus, é considerada um fator
contrário ao sentido de igualdade e de valorização moral das pessoas. O profissional
do esporte continua sendo um homem com deveres e limites humanos, e incensá-lo,
pode comprometer sua humanidade e a de todos seres humanos (Sgreccia 1999).
A especulação financeira e econômica ligadas ao esporte faz com que muitas
vezes os atletas de diversas modalidades corram riscos desnecessários.O risco
pode vir de duas fontes diferentes: de fatores extrínsecos ao emprego de certas
técnicas, (em nosso caso a prática de determinados esportes), ou da natureza da
atividade do esporte em questão. Por exemplo, no automobilismo, o risco é
extrínseco no caso da chuva, que pode tornar as pistas escorregadias, ou no caso
de um defeito imprevisível no veículo, exatamente como pode ocorrer com qualquer
carro. Mas por exemplo em uma luta de Box, o risco do pugilista ter atingido sua
cabeça é intrínseco, pois os golpes fazem parte do objetivo, da técnica da própria
modalidade( Sgreccia 1999).
Nos dias de hoje, o esporte se tornou muitíssimo popular entre as diferentes
culturas mundiais, tornando-se assim importante para a sociedade, pois as
realizações nas arenas esportivas são motivos de orgulho nacional. Isso faz com
que o atleta, receba uma grande pressão, pois além de ter a possibilidade de se
tornar herói nacional e até ser internacionalmente reconhecido, recebe a pressão
financeira, de muitos ganhos através da comercialização de sua imagem. Essa
pressão exercida pela sociedade, e também pelos ganhos financeiros, mídia e
patrocinadores, se refletem nos profissionais que com ele trabalham, o que
facilmente nos leva a compreender, os desvios de conduta existentes nos
profissionais da saúde esportiva (Betti 1993).
Muitos profissionais que trabalham diretamente no esporte acabam por se
deparar com este tipo de pressão, e também o que é muito comum, os chamados
conflitos de interesse. A quebra da confidencialidade por parte do profissional, por
exigência de dirigentes de equipe é muito comum em saúde esportiva, pois muitos
26
Capítulo 1. O Esporte No contexto sociológico
profissionais ligados diretamente ao desempenho do atleta, acabam por revelar
segredos obtidos durante a execução do seu trabalho, alegando serem funcionários
do clube, da equipe e não do atleta em questão.
Nos últimos anos, vem crescendo muito o número de publicações científicas
abordando problemas éticos existentes no relacionamento entre profissionais da
área de saúde e atletas, e a grande maioria destes trabalhos apontam o respeito a
confidencilidade, e a autonomia dos atletas, como os principais temas geradores de
conflitos bioéticos. A necessidade de se discutir a bioética relacionada ao ambiente
esportivo é gritante, face ao crescente interesse pelo esporte em todo o mundo, há
igualmente a exigência de que o esporte possa continuar sua escalada como
negócio, fixando-se cada vez mais como o maior espetáculo comercializado pelo
mercado de entretenimento, mas sem perder as suas características iniciais, e os
seus valores humanísticos.
27
Capítulo 2. A equipe de saúde e o atleta
Capítulo 2
“Se você é capaz de tremer de indignação cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”.
Ernesto Che Guevara
28
Capítulo 2. A equipe de saúde e o atleta
A EQUIPE DE SAÚDE E O ATLETA
No Brasil e no mundo vivemos na área da saúde esportiva, uma incessante
busca pela melhora do desempenho, sem aumento do risco de lesões para seus
praticantes. Portanto o esporte profissional viu nos últimos anos uma grande
migração de profissionais ligado à saúde para o que antes era denominado de
“medicina esportiva”, pois somente o médico dentre os profissionais da saúde,
atuavam diretamente com os atletas.
A necessidade de um melhor desempenho físico e psicológico, para atingir os
objetivos profissionais de um atleta ou de uma equipe específica, foi fazendo com
que houvesse a entrada progressiva de vários profissionais na equipe,
transformando a área do esporte em uma equipe multidisciplinar, incorporando o
psicólogo, o fisioterapeuta, o nutricionista, o fisiologista, o educador físico. É esta
equipe de profissionais que responde pelo desempenho do atleta, e cada um deles é
responsável, tanto por sua performance atlética, como por sua saúde clínica. Esta
situação, é para muitos um grande conflito de interesses, pois muitas vezes o nível
de trabalho a que é submetido um atleta profissional, não é compatível com uma
vida saudável do ponto de vista clínico.
No futebol, esporte de maior visibilidade no mundo e maior gerador de receita
para patrocinadores e clubes, o preparador físico tem importância fundamental,
inclusive descrita na literatura especializada. Segundo Mazzei, citado por Gonçalves
(1998) os objetivos do preparador físico no futebol são:
- Planejar, educar, dirigir e supervisionar o programa de condicionamento físico
(atlético e fisiológico) dos jogadores, relacionado com o planejamento semanal,
mensal e anual.
- Planejar, educar, dirigir e supervisionar o aquecimento durante as sessões de
treinamento (técnica ou tática) e jogos;
- Auxiliar o técnico quando requisitado durante as sessões técnicas e táticas
29
Capítulo 2. A equipe de saúde e o atleta
- Estabelecer e orientar um programa especial de condicionamento físico para
os atletas lesionados ou que estão em reabilitação, em conjunto com o médico e o
departamento de fisioterapia;
- Fornecer um programa de atividades semanais, verificando os melhores
aspectos para o desenvolvimento de cada atleta;
- Dar opiniões sobre a importância ou não, da quantidade e qualidade dos
jogos amistosos de nível regional, nacional ou internacional;
- Manter um arquivo de controle com os dados e informações que poderão ser
importantes para o desenvolvimento das atividades no planejamento do próximo ano;
- Organizar e dirigir avaliações físicas para os jogadores;
- Participar de seminários, cursos, simpósios e licenças que poderiam introduzir
novas técnicas, sistemas e métodos de treinamento;
- Fornecer aos jogadores os resultados de suas avaliações físicas e
performances em jogos e, advertir sobre os problemas de comportamento fora do
campo e como poderão influenciar no seu desempenho físico;
- Analisar com os jogadores a frase do fisiologista francês M. Baquet (1976)
“Você anda com suas pernas, galopa com seus pulmões, corre com seu coração, mas
somente alcança seu destino com sua mente”, que demonstra a importância da
competência emocional e do prepara psicológico para o atleta profissional nos dias de
hoje.
No entanto, como já foi discutido anteriormente, o esporte de alto rendimento,
passou a ser um negócio onde dirigentes, empresários e clubes visam lucros, que
muitas vezes chegam à casa dos milhões de dólares, e por isso, como em todo
negócio, existem políticas de retenção de custos. Ocorre que não são em todas as
equipes, ou não são todos os atletas de esportes individuais, que possuem um staff
de profissionais da saúde tão completo. Sendo assim, a grande maioria das equipes
possuem somente um fisioterapeuta, e ou um médico, que, nestes casos, acabam
30
Capítulo 2. A equipe de saúde e o atleta
sendo aqueles com a maior parte da responsabilidade sobre as condições clínicas
dos atletas. No Brasil, são raros equipes e atletas que possuam uma equipe de
saúde com todos os profissionais citados anteriormente. Isto ocorre somente nas
grandes equipes de futebol profissional, as equipes de elite, que fazem parte da
primeira divisão do futebol brasileiro. Em outras equipes e em outros esportes,
muitas vezes não há a presença de nenhum profissional da saúde, o que acaba
criando, uma situação que torna os atletas mais vulneráveis.
O fisioterapeuta é sem duvida nenhuma o profissional da saúde mais atuante
no esporte. Ele é responsável pelo tratamento da maioria das lesões esportivas, e
esta presente em todas as instancias de acompanhamento do atleta, no aspecto
curativo, utilizando recursos eletrotermoterapêuticos, exercícios, recursos manuais,
visando à diminuição do tempo de afastamento do atleta de suas atividades
esportivas, e manutenção do condicionamento físico do atleta durante o tratamento.
Portanto na grande maioria das equipes multidisciplinares que atuam no esporte, é o
fisioterapeuta, juntamente com o médico, o responsável pelo afastamento do atleta
de suas atividades (como treinos físicos e competições), e também pelo retorno
deste atleta às atividades, o que aumenta e muito o conflito de interesses, com
dirigentes, técnicos, e empresários, pois sempre existe uma grande pressão para o
retorno do atleta o mais rapidamente possível.
Durante o tratamento de uma lesão, o atleta muitas vezes fica afastado das
atividades físicas e técnicas, o que diminui a sua capacidade atlética. Quando é
necessário um afastamento também das competições, o prejuízo para a equipe é
incalculável, pois o atleta em questão pode ser fundamental para o sucesso da
equipe. Também se reflete em prejuízos financeiros, uma vez que muitos atletas
despertam uma curiosidade do público e, por isto atraem a mídia aos treinos e as
competições da equipe, o que traz uma maior rentabilidade para os patrocinadores e
conseqüentemente para a equipe.
Exemplos não faltam, a seleção brasileira de futebol, recebe uma cota por
amistoso quando têm em campo seus principais atletas, e outro bem menor quando
atua com um selecionado sem os astros internacionais. Muitas vezes os fabricantes
de materiais esportivos também exigem a presença de determinados atletas nas
31
Capítulo 2. A equipe de saúde e o atleta
partidas mais importantes, sendo que a maioria destes atletas tem contrato com
estas empresas, e recebem uma bonificação mensal, pelo número de partidas que
atuaram na seleção de seus países.
Além da pressão financeira, existe também a pressão dos torcedores, que
querem ver seus ídolos em excelente forma, nos campos ou quadras, atuando,
dando o melhor de si, em nome das cores do clube que idolatram. Existem também
as competições internacionais como os mundiais, a copa do mundo de futebol, e as
olimpíadas, onde os torcedores se unem em busca de um objetivo comum, que é o
de levar uma nação ao ponto mais alto do podium. Vários sociólogos descreveram o
chamado “complexo de vira-lata” que era comum entre o povo brasileiro na década
de 60. Muitos intelectuais da época , relacionaram, as vitórias conquistadas pela
seleção brasileira de futebol, à melhora da auto-estima do povo brasileiro. As vitórias
do campo desportivo, também aproximaram os brasileiros dos símbolos de sua
Pátria, como o hino nacional e a bandeira, que hoje fazem parte do cotidiano
nacional em época de disputas esportivas.
Waddington e cols (2001), realizaram um trabalho na Inglaterra onde foram
entrevistados 12 médicos de clubes, 10 fisioterapeutas e 27 atletas, entre
aposentados e atletas ainda na ativa, todos ligados ao futebol profissional. Também
foram emitidos 90 questionários a varias equipes de todas as divisões do futebol
inglês, onde somente 58 retornaram. Como resultado obtiveram a informação de
quase 95 % dos médicos e fisioterapeutas das equipes, não tinha passado por
nenhum tipo de teste, nem nenhuma entrevista, para serem contratados. Quase que
a totalidade dos médicos e fisioterapeutas entrevistados, por gravação ou pelo
questionário, haviam sido contratados por intermédio único e exclusivo do gerente
da equipe.
Desta forma fica mais clara a dependência dos profissionais da saúde, sejam
eles médicos ou fisioterapeutas, da direção dos clubes em que trabalham, deixando
assim os atletas muito mais vulneráveis, e os profissionais da saúde mais
suscetíveis a todos os conflitos existentes na relação entre o médico do esporte e o
atleta, e entre fisioterapeuta do esporte e atleta.(Waddington e cols 2001)
32
Capítulo 2. A equipe de saúde e o atleta
Sem duvida são incontáveis as formas de pressão que surgem tanto para o
atleta quanto para o fisioterapeuta durante o tratamento de uma lesão incapacitante,
que fazem com que o fisioterapeuta sinta-se na obrigação de recuperar rapidamente
este atleta, para que ele retorne às arenas esportivas, para cumprirem os seus
deveres como atleta contratado, como garoto-propaganda e muitas vezes como
herói nacional. Apesar de todos estes fatores é essencialmente importante lembrar
que o atleta é acima de tudo um ser humano que necessita de tempo para
recuperar-se de uma lesão, mesmo tendo todo um aparato tecnológico e humano
para ampará-lo.
Além das atribuições durante a cura da lesão em si, o fisioterapeuta também
possuí a função de prevenir lesões esportivas, tanto as lesões traumatológicas
quanto as causadas por mecanismos repetitivos. Para isso o profissional da
fisioterapia acompanha os atletas em todas as suas atividades de treinamento e
competições, pois a grande maioria das lesões ligadas à prática de esportes ocorre
durante os treinos, tanto físicos quanto técnicos e táticos.
A função do fisioterapeuta é avaliar individualmente cada atleta durante o
início da temporada esportiva, identificar problemas posturais, que possam ser
desencadeantes de lesões, como, por exemplo, um calcâneo supinado, que
passaria como quase normal para um indivíduo comum. A necessidade de prevenir
uma lesão esportiva surge face ao grande prejuízo técnico e financeiro, já
mencionado anteriormente. Com certeza, é muito mais importante para o
profissional da saúde, prevenir uma lesão em um atleta de elite, do que trata-lo
posteriormente.
Sendo de tal importância para os atletas, tanto na parte cura, como também
na prevenção de lesões comuns ao esporte praticado, o fisioterapeuta torna-se
imprescindível em todas as atividades do atleta, ou de uma equipe. Isso faz com que
a maioria dos fisioterapeutas contratados na área esportiva, sejam funcionários do
clube em tempo integral, isto é, o vínculo empregatício que este mantêm com a
equipe ou com atleta, é sem dúvida o vínculo único profissional e financeiramente, o
que o deixa muito mais vulnerável às exigências feitas pelos dirigentes e
patrocinadores da equipe.
33
Capítulo 2. A equipe de saúde e o atleta
A realidade que ocorre na maioria das equipes que mantém uma equipe
multiprofissional de saúde, é que a maioria das atividades que podem culminar com
problemas físico, são supervisionadas apenas pelo técnico, preparador físico e pelo
fisioterapeuta. O médico visita os atletas apenas em um período, e somente
acompanha os atletas que estão lesionados, ou com algum outro problema que
requeira seus cuidados. Isto faz com que o profissional médico esteja em menor
contato direto com os atletas, o que com certeza cria um vínculo maior entre o
fisioterapeuta e o atleta. Portanto o fisioterapeuta é o profissional geralmente
escolhido para discussões e consultas dos assuntos mais polêmicos que envolvem o
profissional da saúde no esporte, como doping, dependência química por álcool ou
drogas ilícitas, ou qualquer outro problema que reflita diretamente nas atividades
esportivas e no desempenho do atleta.
As discussões sobre confidencialidade dentro do ambiente esportivo
envolvem todos os profissionais da saúde, que são regidos por um código de
conduta “ética” em sua profissão. Estes profissionais discutem diariamente
problemas relacionados à saúde dos atletas e, geralmente estes assuntos são
importantes nas relações profissionais dos atletas com os patrocinadores, dirigentes,
além de serem assuntos muito procurados pela mídia esportiva. Muitas informações
são divulgadas para a imprensa especializada, ou para dirigentes esportivos e
patrocinadores, à revelia do atleta, e muitas destas informações são responsáveis
por quebras de contrato de trabalho, ou negociações envolvendo o atleta e uma
outra equipe.
É um fenômeno mundial o aumento do número de veículos de imprensa
ligados ao esporte em todo o mundo. Tanto que no Brasil os grandes clubes de
futebol, e muitos atletas de elite, possuem assessoria de imprensa, e até locais
especializados somente para o atendimento à imprensa. A procura por informações
sobre o estado clínico, físico e psicológico dos atletas é incansável e, diariamente
tanto atletas como os membros das comissões técnicas passam por inúmeras
entrevistas aos vários representantes da mídia escrita, falada e televisiva. Essa
importância está intimamente ligada ao crescimento do interesse dos consumidores
no esporte em geral, e ao interesse dos patrocinadores em divulgarem suas marcas
cada vez mais através da imprensa, pois é ela que leva ao consumidor a marca dos
34
Capítulo 2. A equipe de saúde e o atleta
investidores do esporte. Essa relação se torna cada vez mais estreita, pois a
imprensa necessita de notícias, e com isso tentam ter acesso às informações sobre
exames físicos e clínicos dos atletas. Mas a quem pertence esta informação? Ao
clube, aos médicos ou simplesmente aos atletas?
Durante a preparação da seleção brasileira de futebol para a disputa da copa
do mundo de 2006, a imprensa criticou constantemente os profissionais da saúde
que atuavam pelo selecionado brasileiro, pois estes se recusaram a divulgar os
resultados dos exames físicos e clínicos dos atletas. Ronaldo foi considerado acima
do peso por toda a imprensa mesmo esta não tendo acesso aos resultados dos seus
exames.
Será que houve um abuso por parte dos profissionais da seleção brasileira,
ou será que os próprios atletas não queriam compartilhar estes resultados com a
mídia em geral?
35
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
Capítulo 3
“Nenhum homem é bastante bom para governar ao outro sem seu consentimento”.
Abraham Lincoln
36
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
REFERENCIAIS BIOÉTICOS E O PRINCIPIALISMO NORTE-AMERICANO
Como observar o esporte sob a ótica da bioética? O princípios ou referenciais
da bioética são úteis para serem utilizados nas reflexões no âmbito da medicina do
esporte? Se partirmos da premissa que a bioética é uma ciência que estuda o
homem, juntamente com suas atitudes perante a sociedade, e ao meio em que vive,
a resposta é afirmativa. O estudo da biética na medicina do esporte, deve levar em
conta princípios e valores básicos que são comuns aos meios esportivos, como os
desafios, regras do esporte e os resultados (Grinberg e Accorsi 2005).
Dentre as correntes existentes na bioética, a corrente principialista se tornou
uma abordagem clássica, onde a bioética centra-se, sobretudo em alguns princípios
cuja aplicação supostamente leva à solução dos dilemas éticos na saúde.
Autonomia, beneficência, não maleficência, justiça, confidencialidade (Durand 2003).
Quando levamos em conta o pluralismo da sociedade atual, face a
interminável miscelânea cultural em que vivemos, este tipo de abordagem torna-se
muitas vezes frágil e muitas vezes incapaz de direcionar profissionais da saúde em
seu exercício profissional diário. A bioética deve ser alicerçada em pensamentos
puramente éticos, e não a enunciados que nada se diferenciam aos dogmas
encontrados a moral social comum. O que a corrente pricipialista chama de
“princípios bioéticos” na verdade devem apenas servir como referenciais, para a
elaboração de um pensamento ético autônomo.
3.1. Referenciais da beneficência e da não –maleficência
Em 1978/1979, elaborou-se o Relatório Belmont. Uma comissão de onze
profissionais de áreas e disciplinas diversas, que na época nos Estados Unidos,
eram membros da Comissão Nacional para Proteção dos Sujeitos Humanos da
Pesquisa Biomédica, responsabilizou-se pela sua redação. Neste relatório
37
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
encontrava-se 3 princípios, (1) o respeito às pessoas; (2) princípio da beneficência;
(3) princípio da justiça. Mas esse relatório apresentado à sociedade por esta
comissão, somente tratava de problemas relacionados à experimentação científica
que envolvia seres humanos, deixando de lado o atendimento clínico, a prática
clínica e assistencial. Foi vislumbrando este horizonte que Tom Beauchamp e James
F. Childress publicaram o livro “ Principles of Biomedical Ethics em 1979, com o
objetivo de analisar princípios morais que deveriam ser aplicados à biomedicina. Os
autores discutiram quatro princípios”:
1- Respeito à autonomia
2- Não maleficência
3- Beneficência
4- Justiça
Os autores defenderam na obra uma visão claramente pricipialista, onde a
ética biomédica era tratada de maneira sistemática, onde os princípios eram
aplicados aos problemas da prática médica assistencial. Para muitos estudiosos
esta sistematização do modo bioético de pensar e agir é valida, mas não se encaixa
em todas as situações e em todas as pessoas de maneira uniforme, a ótica
principialista é valida, mas é uma maneira parcial de ver e analisar uma determinada
situação.(Urban 2003)
O princípio da beneficência é uma ação que se realiza visando o benefício do
outro. No contexto do relacionamento médico-paciente, que se estende aos demais
profissionais da saúde, é operacionalizado no sentido de fazer ao paciente, agindo
sempre no interesse dele. Desde a criação do relatório de Belmont, existe uma
diferenciação entre beneficência e não-maleficência. O princípio da não-maleficência
visa à premissa inicial de não causar danos, nem físicos, nem psicológicos,
enquanto o princípio da beneficência visa à obrigação do profissional em retirar os
danos e promover o bem, além de prevenir os danos que podem ser causados ao
paciente.(Beauchamp e Childress 2002). Portanto, enquanto a não maleficência
38
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
envolve a abstenção, a beneficência requer a ação, justamente por isso qualquer
pessoa tem por obrigação não fazer o mal, enquanto a prática de fazer o bem é um
pouco menos abrangente.
Principalmente nos países ou locais em desenvolvimento, os profissionais da
saúde podem em seu exercício, utilizar uma atitude paternalista justificada nesses
dois princípios. O paternalismo é um comportamento impositivo que ocorre durante a
prática profissional, e é de difícil discussão de quanto ou quando pode ser
justificado, portanto é o cerne de vários problemas éticos, que ocorrem na relação
médico-paciente.(Segre e Cohen 1999). Uma determinada ação somente pode ser
considerada paternalista, quando o indivíduo visa somente o benefício do outro. Se
um médico opta em deixar o paciente se posicionar por uma cesariana, apenas para
benefício do próprio médico, esta ação não pode ser chamada de paternalista, pois
em nenhum momento ela visou o benefício apenas do paciente. Atitudes
semelhantes são descritas por atletas e vivenciadas por profissionais que atuam no
esporte. Médicos e ou fisioterapeutas muitas vezes levam um atleta a optar por um
tratamento que irá encurtar seu tempo de inatividade, não descrevendo os
benefícios de outros tratamentos. E em muitos casos estes profissionais pensam
somente em si neste momento, em o quanto será benéfico para suas carreiras se
determinado atleta ficar pouco tempo afastado de suas atividades, mesmo que o
tratamento seja lesivo em longo prazo. Estas atitudes não podem ser descritas como
paternalistas, pois não visam primordialmente os benefícios do paciente, alias esta
postura somente podem ser chamadas de egoísticas.
3.2. Referencial da autonomia
Alguns pesquisadores e estudiosos da bioética situam como o verdadeiro ato
de nascimento da bioética, o julgamento do tribunal de Nurenberg, em 19 de agosto
de 1947. Durante este julgamento foi concebida uma ligação indissolúvel entre a
ética biomédica e os direitos do homem. Tratava-se precisamente de avaliar a
conduta de médicos e pesquisadores nazistas que usaram prisioneiros de guerra e
deportados como cobaias humanas, sendo este julgamento a primeira decisão
ocorrida de forma oficial e solene que afirmou a exigência de um consentimento livre
39
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
e esclarecido de qualquer ser humano submetido à pesquisa. Esta norma foi
repetida posteriormente e adotada como um princípio bioético (Urban 2003).
A autonomia se opõe na teoria ao que se denomina heteronomia, pela qual
um indivíduo ou um grupo recebe sua norma do exterior. Kant mencionou como
princípios heteronômicos da moralidade os fatores distintivos do conceito de lei em
geral. Dentro desta concepção descrita por Kant temos a educação, a legislação
civil, a constituição, até a vontade de Deus. A autonomia exprime, segundo a ética
de Kant a capacidade de uma pessoa ser autora da norma moral que ela acha
correta seguir. O filósofo Immanuel Kant foi o primeiro a ampliar a visão de
autonomia governamental, isto é de um Estado em relação ao outro, que foi
concebida pelos filósofos gregos e retomada através do pensamento filosófico de
Rousseau. A autonomia (do grego auto- nomos: dar a si mesmo as próprias leis), é
propriedade do agente racional, que só se determina em virtude de sua própria
lei(Durand 2003).
A idéia fundamental é que sempre antes de executar uma ação, não devemos
elaborar, debatendo a prudência desta ação com a finalidade de saber se esta ação
é a forma mais apropriada para a obtenção do fim desejado, e também determinar
se esta ação é justa, ética. O pensamento autônomo opõe-se tanto a servidão em
relação às leis externas (políticas ou morais) como à submissão em relação aos
próprios desejos e caprichos individuais, subjetivos. Para Kant, o princípio de
autonomia exige que “sempre se faça à escolha de tal modo que as máximas de
nossa escolha sejam compreendidas ao mesmo tempo como leis universais”.
Portanto remete a capacidade, ou melhor, à responsabilidade de buscar o que
constitui o bem, o que é racionalmente ético. Para Kant, a autonomia não é somente
um atributo da pessoa, ela é um dever uma responsabilidade (Durand 2003).
Em um pensamento muito próximo ao pensamento racionalista de Kant, Gilles
Voyer citado por Durand (2003) define “autonomia“, como, o pleno desenvolvimento
da capacidade humana de fazer o bem, sendo o bem determinado de acordo com
três referencias: a si, ao outro singular e aos outros em geral.O princípio da
autonomia não da ao indivíduo uma liberdade absoluta, pois ele é condicionado aos
40
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
princípios de beneficência e não maleficência, e principalmente à dignidade da
pessoa humana (Durand 2003, Segre e Cohen 2002).
É muito importante lembrar que a autonomia é intimamente ligada a
capacidade do paciente compreender o mal que o aflige, e as opções existentes de
tratamento para este mal. Justamente por esta necessidade de liberdade para
escolha estar ligada ao esclarecimento do problema e de seu remédio, a autonomia
é impossível na veterinária, e diminuta em pediatria. Guy Durand descreve “as
informações devem esclarecer a natureza do tratamento, suas conseqüências
previsíveis, riscos eventuais e existência de alternativas. Essas informações devem
ser comunicadas em uma linguagem acessível e compreensível para o paciente ou
para o sujeito. O consentimento deve ser autêntico e livre, isto sem coerção ou
fraude” (Durand 2003, Urban 2003).
Durante milênios a deontologia médica foi dominada pelo princípio da
beneficência que foi reforçado pela Igreja Católica. Hoje o que se observa, através
da analise das produções científicas e literárias em bioética, é que atualmente o
princípio da autonomia é a idéia dominante entre os estudiosos em bioética clínica.
Isto mostra uma evolução no pensamento filosófico, pois demonstra que evoluiu-se
de uma concepção espontânea, comunitária e solidária a vida humana, para uma
concepção mais individual, analisando melhor o paciente em si e os seus problemas
como ser humano único e indissolúvel da sociedade. Passamos também da análise
problemática do dever de cada um para uma problemática dos direitos, isto é , do
dever de todos, principalmente os profissionais da saúde em relação aos seus
pacientes (Urban 2003).
Nas últimas décadas observamos atentamente o declínio das ideologias
político-sociais coletivistas, apesar de quase que na sua totalidade acompanhadas
por ditaduras intransponíveis, e o crescimento do chamado associacionismo, que
vem assumindo os papéis do Estado em diversas faces da sociedade, florescendo
assim as chamadas ONGs e associações que tentam prover os menos favorecidos.
A evolução do capitalismo veio salientar que o progresso coletivo depende da
liberdade criativa, a qual carrega na essência da individualidade (Urban 2003).
41
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
Segundo Kant “ apenas o homem detém o poder de se propor algo como fim”, não
sendo lícito usar outro ser humano “apenas como meio”.
A liberdade é inseparável, no ser humano, da responsabilidade, isto é, da
moralidade como capacidade e obrigação de escolha entre o bem e o mal. A
dignidade humana converge sempre a um pensamento da pessoa como centro
consciente, livre e responsável do seu agir. Muitos observam hoje a emersão de um
indivíduo “reivindicador do seu individualismo identidário, um indivíduo que cada vez
mais se recusa mergulhar de maneira anônima,em um pensamento coletivo de uma
massa globalizada (Urban 2003)
Cada vez mais nos dias de hoje vemos um indivíduo consciente e interado de
sua individualidade, ele reivindica seus diretos à escolha , como opção sexual,
ostenta seu regionalismo, sua etnicidade,de forma cada vez mais autônoma, e
indiferente ao bem comum, mas ressaltando a importância de seus direitos e
deveres individuais.
Em se tratando de liberdade de escolha de um tratamento na área de saúde,
o respeito a autonomia do paciente vem crescendo em todos as ramificações e
profissões da saúde. No esporte, os profissionais da saúde que trabalham com
atletas de competição e alto rendimento, tem dificuldades de aceitar que o paciente
deve participar inteiramente do seu próprio tratamento, sendo esclarecido sobre
cuidados durante o tratamento, prognóstico, adaptação de treinamento durante o
tratamento, e inclusive ser ouvido sobre qual tratamento deve ser realizado,
principalmente nos casos em que as opções sejam um tratamento cirúrgico ou um
tratamento conservador.
Existe hoje uma necessidade crescente que os profissionais da saúde que
atuam diretamente no esporte, se dêem conta que quando lidam com atletas, lidam
na esmagadora maioria dos casos com pessoas adultas, e portanto capazes de
decidir sobre suas vidas, do ponto de vista filosófico e do ponto de vista jurídico.
Basta apenas que o profissional da saúde esclareça ao atleta de maneira clara e
adaptada, que tipo de disfunção ele possuí, quais são as opções de tratamento, os
prognósticos de cada tratamento, e permita então ao paciente decidir qual o melhor
42
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
caminho, claro que a opinião do profissional será levada em conta pelo paciente,
mas é necessário permitir que ele decida qual caminho prefere seguir.
Se o paciente desfruta os benefícios da autonomia, o profissional não deve
ser despojado da sua própria autonomia. O profissional da saúde também tem uma
consciência respeitável, e a priori não menos respeitável do que a do paciente, esta
parceria, profissional da saúde e paciente, funciona da forma mais comum possível,
onde cada um responde pela própria atuação, ou negligência, e com eventual
responsabilidade penal (Beauchamp e Childress 2002).
Ser autônomo não é o mesmo que ser respeitado como um agente autônomo.
Respeitar um agente autônomo é, no mínimo, reconhecer o direito desta pessoa de
ter opiniões, fazer suas escolhas e agir com base em valores e crenças pessoais.
Para o profissional da saúde, isto também significa agregar ao seu tratamento mais
uma responsabilidade, e não se eximir de muitas como pensam alguns profissionais.
O respeito a autonomia do paciente consiste em agir de maneira ética com ele e
com a própria consciência do profissional, pois este deve primeiramente capacitar o
paciente a agir de maneira autônoma. Segundo Kant, o respeito a autonomia
origina-se do reconhecimento de que todas as pessoas tem valor incondicional, e de
que todas tem capacidade para determinar o próprio destino.Quando um profissional
da saúde, viola a autonomia de um atleta, ele trata deste individuo como se ele fosse
apenas um meio, de acordo com os objetivos de outros, sem levar em conta os
objetivos pessoais. (Beauchamp e Childress 2002). Isto ocorre de maneira
corriqueira no esporte, principalmente nos esportes coletivos, devido aos objetivos
do grupo, muitas vezes serem mais importantes do que os objetivos pessoais de
cada atleta. O profissional da saúde envolvido neste contexto, acaba também por
hipervalorizar os objetivos da equipe, como a luta por uma conquista de
campeonato, e por isso é levado muitas vezes a atender o atleta de maneira
paternalista, decidindo por seu tratamento ou pelo seu retorno ao esporte.
O que ocorre muitas vezes é que o profissional não decide pura e
simplesmente de maneira autoritária, ele usa de seu conhecimento e da confiança
do atleta para direcioná-lo em sua escolha, o que torna este ato tão antiético e de
não respeito à autonomia quanto o de escolher de forma autoritária.
43
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
O principio de respeito á autonomia é ligado ao respeito, à confidencialidade e
a privacidade do paciente, pois quando se respeita um indivíduo integralmente, se
respeita sua privacidade e seus segredos. Esse respeito deve permitir uma grande
reflexão aos profissionais e com isto leva-los a revelar informações, verificar e
assegurar o esclarecimento e a voluntariedade, e encorajar a tomada de decisão
mais adequada por parte do paciente. “A exigência de que tratemos os outros como
fins requer que assistimos as pessoas para que alcancem seus fins e que
encorajemos suas capacidades como agentes, e não meramente evitemos tratá-las
inteiramente como meios para nossos fins”.
È muito importante lembrar que até mesmo os mais fervorosos defensores do
respeito à autonomia na ética biomédica, defendem a idéia que existem pacientes
não autônomos, como os viciados em drogas, por exemplo.(Beauchamp e Childress
2002).
Sempre, em qualquer área da saúde, existe a tentação de usar a autoridade
do papel de médico, de fisioterapeuta, ou seja qual profissional for, para fomentar ou
perpetuar a dependência dos pacientes, em vez de promover sua autonomia. O
cumprimento do respeito à autonomia baseia-se em fazer com que o paciente
supere a necessidade de dependência e assim obtenha uma decisão mais fiel aos
seus valores morais e espirituais. Respeitar o outro significa encoraja-lo a produzir
opinião sobre seus próprios interesses.
3.3. Referencial da Justiça
As desigualdades sociais, na distribuição de renda, no acesso à assistência à
saúde e aos seguros-saúde, juntamente com o aumento desenfreado nos custos
dos serviços de saúde, alimentaram debates a respeito da justiça social, nos EUA e
em muitos outros países do mundo. Os termos “eqüidade”, “merecimento” e
“prerrogativa”, foram empregados por vários filósofos na tentativa de explicar o que é
justiça. Todas as concepções filosóficas de justiça levam em consideração o
tratamento justo e eqüitativo que a sociedade da aos seus indivíduos, levando em
consideração os seus direitos como membros desta sociedade, cidadãos e acima de
44
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
tudo seres humanos. Portanto quando adjetivamos uma situação como injusta, nós
deixamos claros que existe algo errado, e que algo que é de direito esta sendo
negado. Este fato pos fim a uma eqüidade social, e com isso tornou injusta a
situação.
Quando nos referimos à justiça distributiva, nos referimos a uma distribuição
justa, eqüitativa e apropriada no interior da sociedade, distribuição esta que foi
determinada por normas justificadas que estruturam os termos da cooperação
social. Desta forma, incluímos políticas que dividem entre os membros de uma
sociedade benefícios e encargos, como propriedades, recursos, taxas, privilégios, e
oportunidades (Beauchamp e Childress 2002) .
“A justiça é uma busca; pertence à ordem das coisas que se procura fazer
justamente porque não existem. Ela poderá existir na prática, em nossas ações; ela
é a finalidade e o horizonte de todas as virtudes. A justiça é aquilo sem o que os
valores deixariam de ser valores, ou não valeriam nada” (Comte A 1995).
Analisando as palavras de André Comte, vemos que a justiça não existe em
seu estado natural, ela só existe na medida em que é idealizada, e que assim os
homens passam a buscá-la. Não existe justiça sem sociedade,, sem cultura,
entretanto a lei não exprime o verdadeiro sentido de justiça. A justiça é sempre
prioridade, ela precede, e é através do conceito de justiça que podemos reconhecer
o que é prioridade ao homem como liberdade, dignidade, qualidade de vida, entre
outras. A lei deveria ser um reflexo da justiça, uma expressão da vontade da maioria
de um povo, mas na prática isto não ocorre. O poder normativo apenas traduz a
vontade da maioria dominante, da elite econômica, o que leva a sociedade a ser
uma vitrine de injustiças.
“Ao cidadão cabe lutar, alias é seu dever lutar, mesmo que desobedecendo a
lei quando injusta, pois a justiça não pertence a ninguém, a nenhum partido político,
regime de estado, lei ou código. Ela somente pode ser materializada através do
cidadão que a defende e no espírito justo dos que o fazem” dominante (Filho B.E.C
apud Urban 2003).
45
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
Na sociedade primitiva o homem era avaliado pelo que possuía, e a sociedade era
dividida em proprietários e não proprietários, isto fazia com os interesses entre os
homens fossem totalmente divergentes. Através do iluminismo que foi um
movimento custeado pela burguesia, que detinha o poder econômico, mas que era
destituída de poder político, houve um aumento da busca pelo progresso social,
político e científico, pois a idéia principal era buscar uma sociedade mais justa
através do desenvolvimento intelectual, contrapondo-se ao poder dominante na
época o absolutismo, que mantinha a sociedade distante da evolução, para assim
impor seus interesses. O Iluminismo transformou essas relações, garantindo o
acesso ao poder de “todos”, mas tão somente a todos aqueles que detivessem o
poder econômico. Com isso a grande mudança em termos de justiça social, e
equidade, foi que o poder não era mais ligado a aqueles que nasceram em famílias
reais e sim àqueles que nasciam ou ficavam ricos. Assim cria-se o Estado, o Direito,
para que garantam a harmonia social, mas na prática, a justiça continua sendo
utopia, pois a função primordial do Estado é fortalecer a classe dominante (Filho
B.E.C apud Urban 2003).
A bioética baseia-se nos seus referenciais, e objetiva ajudar a humanidade na
participação racional e cautelosa no processo de evolução biológica, cultural, nas
novas conquistas tecnológicas, e no estudo das atividades clínicas de profissionais
que lidam com a saúde e com a pesquisa científica, utilizando seres humanos e
outros animais em seu processo de trabalho.
O Código de Ética médica e de outros profissionais, sistematizam as normas
de condutas no exercício da profissão, atuando de forma repressora sobre os
profissionais, impondo comportamentos e deveres que se infringidos, implicam na
caracterização de ilícitos éticos, denominados infrações éticas (Filho B.E.C apud
Urban 2003).
Se é um dever do cidadão lutar pela justiça, mesmo que contrarie a lei, porque a
justiça não pertence a um Estado, ou a um código, podemos supor que existe
situações em que um profissional tenha divergências com normas de seu código de
ética, pois “seu conceito de ética, de buscar a justiça para aquele determinado caso,
não esta de acordo com seu código de ética profissional, e assim este profissional tem
46
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
o dever de buscar a justiça para o seu paciente, refletindo de forma autônoma à
situação conflitante que esta vivendo, e não simplesmente seguindo um código, como
se fosse um manual para a execução do seus atos profissionais.
Será justo impedir um atleta adulto, consciente e esclarecido, de participar de
uma final Olímpica contra a sua vontade, porque na visão do profissional, médico ou
fisioterapeuta, ele pode estar agravando a sua lesão? Será justo para um atleta que
um profissional que não viveu os seus problemas pessoais, suas dificuldades para se
tornar atleta, a dura busca de um patrocinador, a falta de recursos financeiros para
continuar praticando o seu esporte, um profissional que não esteve presente dia após
dia ao seu lado durante os treinamentos, por quinze ou vinte anos, sonhando em
chegar a este momento de glória, será justo este profissional decidir por este atleta?
O conceito de justiça, na prática clinica de qualquer profissão, esta na
hierarquização de valores, na reflexão ética destes valores, em parceria com o
paciente, atleta ou não, uma reflexão ética de maneira autônoma, livre de conceitos
normativos criados pelo estado ou por uma elite dominante, e assim chagar a um
veredicto final, buscando sempre o melhor para o paciente.
No ambiente esportivo, é muito conflitante para o fisioterapeuta, o que é mais
justo, pois muitas vezes ele pensa em retirar um atleta de uma competição, porque
existem riscos para a saúde deste atleta, mas o atleta deseja participar, e manifesta
isso. Neste caso o que seria mais justo? Impedir a participação do atleta, impedindo-
o de exercer sua autonomia, ou deixá-lo participar, esclarecendo todos os riscos
existentes?
Na bioética clínica é imprescindível, analisar de maneira justa todos os pontos
a serem observados, buscando à chamada Ética de Reflexão Autônoma (Segre
2006).
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Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
3.4. Confidencialidade
A confidencialidade é a garantia para o paciente que tudo que ele disser ao
médico, e tudo que o médico verificar durante a avaliação, seja durante o exame
físico ou pelos exames complementares, bem como toda a terapêutica instituída,
nada será divulgado.Todos os profissionais das áreas da saúde tem obrigações com
a manutenção do sigilo, pois estes profissionais investigam a vida do paciente,
examinam seus corpos e coletam suas confidencias, tudo isso em busca de
determinar o diagnóstico e o melhor tratamento.(Martins G Z apud Urban 2003).
Durante muitas décadas, os profissionais da saúde, principalmente os
médicos, mantinham com seus pacientes vínculos muito estreitos, pois atendiam
seus pacientes em casa, e portanto o vínculo profissional e afetivo formado era
muito forte. Nos dias de hoje a maioria dos atendimentos na área da saúde são
muito impessoais, pois ocorrem em clínicas, hospitais, onde a grande demanda de
pacientes, transformou a consulta dos profissionais da saúde em um contato
relâmpago, crescendo assim a dependência dos exames complementares para a
descoberta da doença e a terapêutica. Devido a estas mudanças, principalmente o
médico perdeu contato com o seus pacientes, e grande parte deste contato foi
absorvido por outros profissionais da saúde, entre eles o fisioterapeuta.
O tratamento fisioterápico tem usualmente longa duração seja pela
necessidade da repetição de série de exercícios ou de repetidas aplicações de
recursos tecnológicos, favorecendo a criação do vínculo afetivo e de confiança entre
o profissional e seu paciente. No esporte, a estrutura montada nas equipes de
competição, não é diferente desta realidade.O médico, avalia o atleta, para obter o
diagnóstico, e o encaminha ao setor de fisioterapia, onde ele o mesmo será tratado
por dias, e no caso do paciente atleta, durante várias horas por dia, geralmente nos
períodos da manhã, tarde e noite.
O que ocorre é que o grande contato com o paciente é mantido pelo
fisioterapeuta, que passa muitas horas, durante vários dias, com os atletas
lesionados, sendo inevitável a criação de um vínculo de confiança.A legislação
48
Capítulo 3. Referenciais Bioéticos e o principialismo norte-americano
brasileira, tanto profissional, como civil e penal, e rigorosa e clara sobre o assunto, e
neste diapasão transcreve-se todo o conjunto de normas sobre a matéria.
No código de ética da fisioterapia, o inciso VIII, do artigo 7, coloca como
dever do fisioterapeuta “manter segredo sobre fato sigiloso de que tenha
conhecimento em razão de sua atividade profissional e exigir o mesmo
comportamento do pessoal sob sua direção”
Os códigos de ética profissionais da saúde, são todos baseados no código de
ética médica, que descreve a obrigação do médico quanto ao sigilo de informações
do paciente, em vários artigos. No artigo 11 o código descreve que “o médico deve
manter sigilo, quanto às informações confidenciais de que tiver conhecimento, no
desempenho de suas funções. O mesmo se aplica ao trabalho em empresas, exceto
nos casos em que seu silêncio prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhador
e da comunidade”.
Já o artigo 102 descreve que é vedado ao médico, “revelar fato de que tenha
conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever
legal ou autorização expressa do paciente’. Em parágrafo único permanece esta
proibição, pois é descrito que mesmo que o fato seja de conhecimento público, ou
que o paciente tenha falecido, e que quando depoente como testemunha, o médico
comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.. No artigo 103
continua explícita a preocupação do código com a confidencialidade, ele descreve
“revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus
pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu
problema e conduzir-se por seus próprios maior para solucioná-los, salvo quando a
não revelação possa acarretar danos ao paciente”.
Além dos códigos de ética medica e da fisioterapia, todos os outros códigos
das profissões da saúde reservam artigos exclusivos para explicitar o veto à
divulgação do segredo profissional. Também é descrito na Constituição Federativa
do Brasil, no Código de Processo Penal, no Código de Processo Penal e no Código
de Processo Civil, artigo específico quanto ao dever de guardar fatos e segredos,
que foi conhecido atreves do exercício profissional.
49
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
Capítulo 4
50
“Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã.”
Victor Hugo
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
QUESTÕES CONFLITANTES ENTRE A EQUIPE DE SAÚDE E O ATLETA
Existem no meio esportivo, diversos objetivos almejados por equipes e
atletas. Campeonatos importantes com grandes premiações, e com grande
repercussão na mídia, fazem com que as equipes se sustentem. Fazer um bom
papel nestas competições é primordial para a saúde financeira de uma equipe. Os
times de futebol brasileiros por exemplo, lutam e se planejam para estarem
presentes na disputa do campeonato sul-americano de times, ou copa Libertadores
da América. As equipes que conseguem se classificar para esta disputa, tem
geralmente assegurado um superávit financeiro para o ano, pois a importância desta
competição, traz dividendos para o clube, através de exposição na mídia, exposição
dos patrocinadores, venda de ingressos, e de materiais ligados a logomarca da
equipe. Tudo vai bem na maioria das vezes, fora do campo, quando a equipe esta
bem dentro dele.
Estes objetivos acabam sendo incorporados por todos os profissionais que
atuam junto a uma equipe. Durante a temporada, os objetivos a serem alcançados
são descritos, e toda planificação de trabalho é discutida entre os profissionais
ligados ao desempenho, e aqueles ligados à saúde dos atletas.
Este planejamento visando cada temporada de competições é muito comum,
principalmente entre as grandes equipes do futebol brasileiro.É neste momento em
que é realizada a periodização do treinamento físico. “O planejamento de um
treinamento é um procedimento de previsão sistemática orientado para obtenção de
um objetivo e do desempenho individual, que permite a estruturação, a longo prazo,
do processo de treinamento” (Starischka apud Weineck 2001).
Neste momento de planejamento de metas e distribuição de trabalhos, entre os
profissionais, surgem os primeiros conflitos ligados à saúde esportiva. Técnico e
preparador físico descrevem as competições mais importantes, aquelas que são
prioridades, e assim exigem uma planificação de trabalho visando estes objetivos.
51
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
Estes profissionais têm como objetivos, durante o planejamento, somente alcançar as
metas esportivas que são prioridades para a equipe durante a temporada. O que é
pesado neste momento são as metas da equipe, não os objetivos individualizados de
cada um dos integrantes da equipe.
Em muitas equipes, o período de descanso dos atletas, que deveria ser de no
mínimo de 30 dias, não é respeitado, pois as datas entre o inicio das competições e o
término das férias dos atletas “não permitem” que estes gozem normalmente do
descanso anual para posteriormente iniciarem seus ciclos de treinamento. Na maioria
das equipes de futebol profissional isto é freqüente, e mais tarde dentro da temporada
o atleta é cobrado por resultados físicos primorosos que podem não estar sendo
alcançados por falta de um maior períodos de descanso.
É freqüente a verificação que atletas em geral, e mesmo aqueles de alto nível,
que ficam as vezes 4 anos sem férias, ou tendo apenas um período de descanso
inferior a 10 dias por ano, que é comprovadamente um período ineficaz de descanso
físico para o atleta. Para a maioria dos pesquisadores na área de treinamento
esportivo, o período de descanso, também chamado de período transitório é tão
importante para que o atleta atinja o auge de sua preparação física quanto os outros
períodos de treinamento (Weineck 2001).
Durante o planejamento, a participação da comissão técnica (técnico,
preparador físico) juntamente com o departamento de saúde (médico, fisioterapeuta,
principalmente) é de sumária importância para o andamento da equipe, tanto para que
os atletas atinjam seu ápice dentro da performance atlética, de maneira planejada,
dentro das competições mais importantes, quanto para a que este ápice seja atingido
sem um grande número de lesões, principalmente do aparelho locomotor.
Nesta etapa de planejamento, os profissionais da saúde envolvidos diretamente
no esporte, já passam por grande conflito ético. O que é mais importante, durante este
planejamento? Os interesses esportivos da equipe? Os interesses esportivos de cada
atleta, individualmente? Ou a saúde de cada indivíduo, que participa desta equipe?
52
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
Com a mais absoluta certeza na afirmação, são objetivos muitas vezes
antagônicos a se iniciar pelo período de descanso dos atletas, já citado anteriormente.
Também é motivo de conflito entre saúde e desempenho, a forma com que este
treinamento é muitas vezes desenvolvido. No planejamento do treinamento esportivo
é realizado a escolha de competições esportivas a serem privilegiadas. Quando a
competição tem seu inicio no primeiro semestre, próximo de quando a equipe retornou
aos treinamentos, é muito comum que a carga de treinamento aumente para que o
ápice físico seja atingido mais precocemente. Neste tipo de periodização de
treinamento, ou quando o pico de performance é perto de início dos treinamentos, é
muito comum que os atletas que não tiveram um descanso ideal, ou aqueles de idade
mais avançada e os que possuem histórico anterior de lesões articulares graves não
suportarem o ritmo de treinamento imposto pela comissão técnica e lesionem-se
(Cohen; Abdala e cols 1997)
Neste ambiente conflitante, a equipe de saúde na maioria das vezes acaba
optando pelo rendimento esportivo em detrimento da saúde do atleta. Como dito
anteriormente, o esporte profissional exige, nos dias de hoje, uma preparação física
muito intensa e estressante para o atleta, tanto do ponto de vista físico como
psicológico.
4.1. O Estresse no Esporte
No esporte atual, cresce cada vez mais a importância do estudo dos múltiplos
fatores causais de uma boa performance. A importância da competência emocional
vem sendo mais estudada a cada dia, visando a melhora do desempenho esportivo ,e
em segundo plano a redução do estresse negativo do atleta.
A importância do estudo de estresse, da ansiedade e de outros fatores
emocionais e de personalidade no esporte competitivo é reconhecida há muitos anos,
porém, os estudos sistematizados com profissionais em Psicologia do Esporte
tomaram impulso a partir dos anos 60. A mensuração do estresse do atleta,
principalmente frente as incontáveis situações existentes nas competições
53
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
profissionais são registradas por vários pesquisadores. Brandão, fala sobre estresse
no atleta profissional de futebol.
“Do ponto de vista da psicologia cognitiva, estresse e ansiedade são fenômenos inter-relacionados que consistem basicamente de 4 elementos: a situação estressora, a cognição ou pensamento, a reação emocional e as suas conseqüências. Assim, a ansiedade é uma reação emociona resultante de uma interpretação cognitiva ou pensamento, que pode ser negativo ou positivo relacionado com determinada situação geradora de estresse. Esta reação pode, então, facilitar ou dificultar um determinado desempenho” (BRANDÃO, 2000).
Especialmente no futebol, o estudo de estresse tem um papel relevante uma
vez que os atletas, inclusive os do futebol amador, são submetidos a pressões
constantes. Neste esporte, o atleta almeja um lugar na equipe e uma vez atingido esta
posição, ela deve ser defendida e mantida. O rendimento é uma preocupação
constante e a queda de produção, até mesmo em uma única partida, pode resultar em
não ser titular na partida seguinte. Para atender o que se espera dele o atleta precisa
enfrentar adequadamente as expectativas do treinador, de seus companheiros de
equipe, dos seus familiares, dos amigos e dos meios de comunicação para poder
render corretamente (APISTZSCH,1994).
Como diminuir o estresse negativo sobre o atleta, se a própria comissão
técnica sofre também as cobranças por resultados? O profissional da psicologia, que
hoje em muitos clubes acompanha de perto os atletas, sofre também com os
conflitantes caminhos do esporte, onde as constantes cobranças exercidas pelos
dirigentes, patrocinadores, mídia, fazem parte do estresse acumulado no dia-á-dia de
atletas, comissão técnica e departamento de saúde.
Enquanto a prática esportiva não competitiva é estimulada como um ambiente
de relaxamento, onde o estresse acumulado no dia-à-dia profissional e familiar pode
ser esquecido e até tratado de forma objetiva, os atletas e outros profissionais que
trabalham no esporte competitivo são expostos a cada vez mais cobranças por melhor
desempenho e resultados. Na ultima olimpíada, disputada em 2004, em Atenas na
54
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
Grécia, a obrigatoriedade da realização do exame anti-dopagem, fez com que um
atleta grego tenta-se suicídio.
O uso de substâncias ergogênicas, para melhorar a performance esportiva,
esta na maioria das vezes ligadas às cobranças por melhores resultados. Sem duvida
esta é uma das explicações que fazem com que um atleta orientado e ciente das
contra-indicações e efeitos deletérios que acompanham a utilização destas
substâncias, faça uso delas, arriscando a própria vida em busca de resultados
melhores em seu esporte.
Os fatores causais do estresse no atleta são ligados à performance esportiva.
Qualquer atleta profissional, nos dias de hoje, depende de seu rendimento para poder
obter uma vida melhor, através de melhores contratos com a equipe e com seus
patrocinadores pessoais. A pressão para que este atleta seja um vencedor dentro nas
arenas esportivas vem de todos os lados possíveis: patrocinadores, equipe,
dirigentes, dos outros atletas envolvidos na mesma modalidade, e principalmente dá
família.
No Brasil, um país em desenvolvimento econômico mas com problemas sociais
graves, e onde o desemprego afeta boa parte da população, o esporte é um dos
únicos meios de ascensão social nas camadas mais pobres da população. Quando
um membro desta camada social consegue um certo destaque através do esporte e
começa a melhorar sua vida financeira, é comum ter famílias inteiras atreladas a este
atleta e dependentes diretamente dele para sobreviver.
No futebol, que é sem duvida no Brasil o esporte mais assistido, fazendo parte
da cultura popular, e que tem como grande maioria dos seus praticantes, vindos das
camadas sociais mais vulneráveis, é muito comum encontrarmos atletas que logo no
início da carreira, estão sendo arrimo familiar para os pais, irmãos e primos, e vários
outros familiares.
Esta dependência, traz uma obrigação muito grande, aliada a uma auto-
cobrança para o jovem atleta, ainda em ascensão, como seu o futebol fosse o único
55
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
caminho para que ele possa contribuir com a melhora da vida de seus pais e parentes
diretos.
Se voltarmos um pouco no tempo, veremos que muitos autores remetem ao
futebol, um papel de muita importância na sociedade brasileira, a introdução do negro
na sociedade. Mário Rodrigues Filho, em sua obra “O negro no futebol brasileiro”
(1964) relata.
“Através da ascensão deste esporte tornou-se possível a sublimação do homem brasileiro, algo que anteriormente só se conseguia através de feitos heróicos, ou ações admiráveis que o exército, a Marinha e as Revoluções mais ou menos patrióticas abriam aos brasileiros brancos e, principalmente, mestiços ou de cor. O futebol tem na sociedade brasileira, em grande parte formada por elementos primitivos da cultura, uma importância toda especial que demorou muito tempo para ser estudada. Este esporte assumiu uma expressão contrária à moralidade dominante em nosso meio. O desenvolvimento do futebol, não num esporte como os outros, mas numa verdadeira instituição brasileira, tornou possível a sublimação de vários daqueles elementos irracionais de nossa formação social e irracional (por exemplo o samba e a capoeira, elementos presentes no estilo de jogo do brasileiro), o que possibilitou que o futebol brasileiro saísse do estilo original britânico e se tornasse uma dança cheia de surpresas irracionais e variações como é”. (Rodrigues Filho 1964).
Em uma época não muito distante onde o negro e o mulato, mesmo sendo
maioria em nossa sociedade, era ainda mais discriminado, a moral vigente era
justamente tratar os negros e seus descendentes como inferiores, foi o esporte, no
Brasil mais especificamente o futebol, um dos principais meios de divulgação dos
feitos dos negros brasileiros, que acabaram por ressoar de maneira heróica dentro de
uma sociedade hipócrita e altamente segregada. Na bela obra de Mario Filho, fica
claro a participação decisiva do esporte na democratização racial brasileira.
Hoje, sessenta anos depois da publicação da obra de Mario Filho, o que vemos
é o esporte servindo mais uma vez como veículo de democratização, mas agora de
uma democratização sócio-econômica, onde os privilegiados, que nascem com dons
56
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
físicos e emocionais para a prática do esporte de alto-rendimento, nascem em sua
maioria nas camadas menos abastadas de nossa sociedade.
É importante também ressaltar, a participação das universidades neste papel
de ascensão social do esporte. Muitas universidades, no Brasil e em muitos outros
paises, selecionam jovens atletas e os atraem para suas fileiras através do
oferecimento de bolsas de estudo, exigindo apenas que o atleta dispute as
competições universitárias com suas cores.
Como fica a cabeça de um atleta que usufrui de uma bolsa de estudos integral,
e que não possui recursos próprios para estudar, frente a uma lesão que o retire de
uma competição importante para ele e para a universidade? Com certeza esta
situação é excepcionalmente estressante, tanto para ele como para os profissionais
da saúde que o tratam, e que com certeza sofrem inúmeras pressões externas para
que este atleta dispute a competição.
4.2. O retorno às competições
O retorno do atleta às competições esportivas, é outro problema gerador de
conflitos entre a saúde dos atletas e suas ambições no esporte. É comum no esporte,
principalmente nos dias de hoje, onde a performance física esta cada vez mais
próxima ao limites do ser humano, que atletas sejam submetidos a uma carga de
treinamento sobre-humana, visando assim o melhor desempenho possível dentro das
competições.
A importância atribuída ao esporte-espetáculo, e toda as conseqüências
econômico-financeiras trazidas com ele, faz com que o aumento da competitividade
no esporte tenha aumentado demasiadamente nos últimos anos. Vemos que
atualmente a grande maioria dos esportes não é somente um jogo. Como já discutido
anteriormente, o esporte tem importante papel sócio-econômico na vida de atletas e
de profissionais que trabalham direta ou indiretamente com o esporte espetáculo.
57
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
Gabriel de Rose e colaboradores (2006) escreveram.
(...)‘As lesões podem ser consideradas como o principal fator de afastamento de atletas de sua modalidade esportiva. Esse afastamento é prejudicial, pois influencia diretamente no seu desempenho físico e técnico, além dos possíveis prejuízos psicológicos, já que a recuperação pode ser demorada, exigindo dele muita paciência e cautela para voltar à atividade, conseqüentemente a equipe também é prejudicada.
As lesões, muitas vezes, acabam acontecendo em momentos importantes de suas carreiras, afastando-os de competições, tirando-os de seleções e, em alguns casos, provocando o abandono precoce da carreira.Cada esporte tem suas características próprias de espaço, tempo, dinâmica e exigências físicas, o que pode caracterizar o tipo de lesão mais freqüente em cada um deles. Por exemplo: a natação, que é um esporte onde não há nenhum tipo de contado físico com o adversário terá, certamente, diferentes lesões do que o boxe, onde o contato físico é predominante. Modalidades esportivas coletivas (basquetebol, futebol, futsal e handebol) têm suas lesões especificas, considerando-se que os atletas mantém um contato físico constante. Incluindo-se a elas o voleibol, podem-se também considerar as lesões decorrentes dos constantes deslocamentos, saltos e movimentos brusco”(...) ( De Rose e cols 2006).
As lesões esportivas podem atrapalhar o rendimento do atleta, ou por produzir
incapacidade funcional, ou mesmo por impedir que o atleta mantenha sua rotina de
treinamento, seguindo a periodização pré-estabelecida no inicio da temporada.
Estas lesões são na verdade acidentes de trabalho, e ocorrem como conseqüência
da prática esportiva e do treinamento esportivo do atleta. Segundo Buceta (1996) as
lesões esportivas são classificadas da seguinte maneira.
1-Supõe uma disfunção do organismo que produz dor, restringe as possibilidades de funcionamento e pode aumentar o risco de disfunções maiores.
2-Levam a interrupção ou limitação da atividade esportiva durante algum tempo ou até permanente;
58
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
3-Levam a interrupção ou limitação das atividades não esportivas como, por exemplo: atividades escolares para quem não é profissional ou outras atividades que, devido à lesão, não poderão realizá-las de nenhuma forma, ou da mesma maneira que antes;
4-Implicam, em geral, em mudanças na vida pessoal e familiar como conseqüência das restrições que a lesão impõe sobre a pessoa e as novas necessidades que derivam da própria lesão;
5-A reabilitação requer tempo, esforço, dedicação e, em algumas ocasiões, resistência a dor e também a frustração;
6-Podem ser acompanhadas de experiências psicológicas que afetam o bem-estar da pessoa lesionada e de todos que estão a sua volta. (Buceta 1996)
Desta maneira podemos entender o quanto é difícil, tanto para o atleta quanto
para a equipe de saúde, o afastamento das atividades esportivas. Vários atletas são
muitas vezes dispensados de uma equipe, por serem seguidamente afetados por
lesões esportivas. A mídia, os dirigentes, os torcedores todos cobram o atleta para
que este seja sempre um “super-homem”, seja um indivíduo capaz de enfrentar um
treinamento desgastante, competições seguidas, excesso de jogos e, acima de tudo,
a pressão pela vitória sem nenhum desgaste físico, sem se lesionar e ter um tempo
de recuperação adequado, pois fisiologicamente, o atendimento realizado pela
equipe de saúde em uma equipe esportiva, principalmente pelo médico e pelo
fisioterapeuta, pode acelerar o retorno do atleta ao esporte, pode inclusive melhorar
seu desempenho após o retorno, minimizar os danos físicos causados pelo
destreinamento, mas não pode superar a barreira de um tempo mínimo para sua
recuperação.
O atleta, por mais bem assistido que esteja, por melhor que seja a equipe de
saúde na qual ele esteja sendo amparado, possui um tempo mínimo de retorno ao
esporte. Este tempo é variável e não pode, a grosso modo, ser comparado entre
indivíduos. Alguns se recuperam mais rápido e sem grandes problemas, outros
demoram um pouco mais, e por isso necessitam de melhor atenção, de maior
assistência, mas todos seguem um tempo mínimo, que fisiologicamente é o
59
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
adequado para sua recuperação. Isto significa que as pressões para o retorno do
atleta lesionado ao esporte, somente atrapalham sua recuperação. Mas as pressões
existem, e são comuns no dia a dia dos profissionais da saúde , e dos atletas que se
recuperam de lesão.
É o fisioterapeuta, o principal responsável pela recuperação do atleta
lesionado. Ele desenvolve todo o tratamento através da utilização de meios físicos
como a crioterapia (terapia pelo frio), a hipertermoterapia (terapia pelo calor), a
eletroterapia (terapia à partir das correntes elétricas), e principalmente da
cinesioterapia (terapia por exercícios). Com a utilização destes recursos o
fisioterapeuta é o responsável pelo retorno do atleta ao esporte, sendo que a maior
parte das pressões externas e internas (do próprio atleta) recaem sobre esse
profissional.
A realidade da profissão fisioterapeuta no Brasil é muitíssimo delicada,
principalmente na área esportiva. O que vemos com maior freqüência ,são jovens,
que sonham com a possibilidade de atuar dentro do esporte, muitas vezes mau-
remunerados, pois os dirigentes se aproveitam do excesso de mão-de-obra
existente no país, que são submetidos às pressões de re-inserir o atleta ao esporte
em tempo recorde, pois em sua visão, é a velocidade de reabilitação deste atleta,
que esta sendo avaliada por seus empregadores, os dirigentes esportivos.
Os dirigentes do esporte, são os avaliadores do trabalho de toda a equipe de
saúde, e quase em sua totalidade, são indivíduos, sem nenhum conhecimento da
área de saúde e treinamento esportivo, muitas vezes tendo sua formação apenas na
área de marketing ou em gestão esportiva, e são estes profissionais que tem por
responsabilidade, gerir toda a equipe esportiva, e os profissionais que trabalham
com ela. Estes profissionais, não estão aptos a serem gestores em saúde, pois não
entendem dos problemas que envolvem o tratamento médico e fisioterapêutico em
atletas ou não. Alias este é um dos principais problemas existentes no tratamento do
atleta profissional, esquecermos que o atleta é antes de tudo um ser humano,
passível de erros e acertos, que passa por várias etapas psicofísicas durante a
recuperação de uma lesão, como qualquer outro ser humano.
60
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
A pressão exercida pela mídia, pelos torcedores e pelos dirigentes, faz com
que o bom profissional da fisioterapia esportiva seja aquele que recupera o atleta em
um tempo mais curto, muitas vezes expondo o atleta a um risco de recidiva da lesão
ou lesões secundárias, como as lesões musculares causadas em atletas pós
ligamentoplastia do ligamento cruzado anterior, isto ocorre devido ao desequilíbrio
muscular causado pela inatividade pós- cirúrgica. Toda esta logística encontrada nas
equipes esportivas, principalmente em esportes coletivos como vôlei, basquete e
principalmente o futebol, pois este possui uma imensa cobertura da mídia trazendo o
dia à dia de atletas e membros da comissão técnica diretamente através dos meios
de comunicação aos torcedores, faz com que os conflitos de interesses no
tratamento das lesões esportivas e na relação profissional da saúde- atleta sejam
cada vez mais numerosos.
Para o dirigente esportivo, o atleta fora da equipe, isto é em tratamento,
representa um grande prejuízo, pois ele continua a receber salários e não
desenvolve no campo ou na quadra o papel para que foi contratado. Para os
patrocinadores, o atleta lesionado não pode ser explorado como garoto-propaganda,
e a imagem deste atleta não pode mais ser incessantemente veiculada nos meios de
comunicação, o que também gera inúmeros prejuízos financeiros. Já para os
torcedores em geral, simpatizantes da equipe, a inatividade de determinado atleta
gera prejuízos esportivos para a equipe e também gera conflitos. As cobranças para
um tempo curto de inatividade do atleta recaem todas para o departamento de
saúde, para todos os profissionais que tratam diretamente deste atleta e
principalmente para os fisioterapeutas.
Os fisioterapeutas da equipe acabam por sofrer uma enorme pressão, muitas
vezes envolvendo até sua permanência no cargo, o que gera um enorme conflito.
Liberar o atleta somente quando este estiver com 100% das suas condições clínicas
e físicas para o retorno a pratica esportiva? Ou liberá-lo de maneira muitas vezes
prematura, mas contentar dirigentes e patrocinadores mesmo que arriscando o
desempenho do atleta, sua imagem vencedora, e até em alguns casos a
continuidade de sua carreira esportiva.
61
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
Como já foi dito anteriormente, o atleta torna-se o lado mais vulnerável desta
cadeia de profissionais. Ele é vulnerável do ponto de vista científico, pois não detém
o conhecimento sobre o ponto de vista médico ou fisioterapêutico, para com isso
poder discutir os rumos do seu tratamento, as melhores opções quanto ao um
tratamento ou outro. Existem vários casos em que um tipo de tratamento mais
acelerado pode ser aplicado, diminuindo a inatividade do atleta, mas muitas vezes
aumentando o risco de agravamento de lesões ou de lesões secundarias que podem
determinar o encerramento precoce de sua carreira profissional. Por outro lado,
existe o caminho mais longo, onde o tempo de inatividade pode ser muito maior,
mas diminuindo de visivelmente os riscos do atleta. Quem deve optar por um
tratamento ou outro? O médico, o dirigente, o fisioterapeuta, o patrocinador ou o
próprio atleta?
O importante durante esta relação profissional da saúde e atleta é,dentro da
prática clínica, que o atleta se torna um cliente, e o profissional da saúde deve zelar
por seus interesses, acima dos interesses da equipe e os do próprio profissional. O
que ocorre na prática não é bem isso. Na maioria das vezes a política empregada
pelos profissionais da saúde é inversa, onde o interesse da equipe está em primeiro
plano, bem acima dos interesses do atleta. Os atletas neste momento em que estão
mais vulneráveis, são submetidos a tratamentos e condutas sem o mínimo de
respeito à autonomia.
Devemos lembrar que na conduta clínica, existem duas formas de desrespeito
à autonomia do paciente. Uma delas é quando o profissional da saúde, seja ele qual
for, trata do atleta sem esclarecer os detalhes do tratamento ao principal
interessado, que é o próprio atleta. Ele prescreve o tratamento sem pedir opinião do
atleta, somente colocando que é a melhor opção, e muitas vezes colocando de uma
maneira que para o atleta, que não detém as informações médicas, pareça a única
opção. A outra maneira, que é tão comum quanto a primeira, é o profissional que
esclarece o atleta das opções, mas o conduz para que pense da mesma maneira,
ocultando informações essenciais para que o paciente escolha o melhor caminho
terapêutico a seguir. Na primeira o profissional impõe sua opinião sobre o paciente,
não permitindo escolha, na segunda ele conduz a escolha, coloca a situação de
maneira a fazer com que o paciente se sinta autônomo, mas a decisão do
62
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
tratamento esta explicita antes mesmo do profissional submetê-la a decisão do
atleta.
Nas duas situações o profissional pode achar que esta escolhendo a melhor
opção para o atleta, ou ainda pior, estar ciente que o caminho terapêutico proposto
ao paciente não é o melhor para o atleta, mas sim o melhor para a equipe, e
conseqüentemente, para o profissional.
4.3. O sigilo profissional e o atleta
Outra situação muitas vezes conflitante para atletas e profissionais da saúde
é como o profissional da saúde deve administrar à confidencialidade dentro de uma
equipe esportiva. Em geral não são incomuns situações em que o profissional da
saúde é colocado em xeque devido a problemas particulares contados por atletas
durante o exercício de sua profissão, que podem influir diretamente no rendimento e
na performance esportiva deste atleta, e muitas vezes até em sua recuperação.
Não são incomuns situações em que atletas que se recuperam de lesões
esportivas, e que necessitam de repouso, estarem envolvidos em atividades sociais
noturnas, onde muitas vezes ocorre o consumo de álcool, que,aliado à falta de
descanso podem prejudicar sua recuperação. O que fazer neste tipo de situação?
Levar aos dirigentes informações sobre o estilo de vida do atleta, deixando-lhes
claro que este tipo de atitude prejudica a recuperação da lesão? Ou proteger as
informações do atleta quando este não quer que estas sejam reveladas, em
detrimento da equipe, e da recuperação do próprio atleta envolvido
4.4. O conceito de “cuidar” e o profissional da saúde no esporte
O conceito de “cuidado” é essencial para a relação profissional da saúde-
paciente. A principal atitude que os profissionais da saúde devem manter durante
seus atendimentos, em qualquer tipo de especialidade, é o objetivo de cuidar do
paciente. No momento da lesão, por menor que seja, os indivíduos mais fortes,
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Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
aqueles que simbolizam a força e a dedicação aos objetivos, como os atletas,
também tornam-se frágeis e vulneráveis.
Neste momento, a única atitude responsável do profissional da saúde,
perante as incertezas e ansiedades do atleta é o cuidado. O cuidado estava
presente na antiga literatura romana na palavra latina cura,que se pode traduzir por
cuidado, atenção, interesse. Na tradição estóica, o cuidado é entendido como
sollicitudo (solicitude) (REICH, 1995 apud JUNGUES, 2006. p. 75).
Boff (1999), enfatiza que cuidar é a essência do humano, más o humano não
é só sua essência. Por isso todo profissional da saúde deve orientar sua prática pelo
compromisso de cuidado e guiar seu agir por uma ética além da consciência
profissional, e além dos códigos de ética profissionais existentes em todas as
profissões da saúde.
Com o filósofo Martin Heidegger (1988), o cuidado recebe uma
fundamentação antropológica. Não é um conceito ao lado de outros, más um ponto
central de seu sistema filosófico.
“O cuidado como sendo a preocupação com as necessidades e carências do outro, em inglês (taking care of) e também o cuidado identificando-se com a solicitude pelas pessoas, por grupos humanos, pela natureza, etc, em inglês (care for). Percebendo que o primeiro nos remete à sobrevivência e à finitude do ser humano; o segundo supera e transcende a ansiedade da preocupação, desenvolvendo as potencialidades da solicitude que caracteriza o ser humano” (REICH, 1995 apud JUNGUES, 2006. p. 75).
A fundamentação antropológica do cuidado abriu a perspectiva para a
constituição de uma ética do cuidado, nunca antes formulada pela história da ética
ocidental. Só em 1982, com a publicação da obra de Carol Gilligam In a Diffetrent
Voice (Uma voz diferente), emergiu a perspectiva do cuidado na ética com o estudo
sobre o desenvolvimento moral das mulheres (JUNGUES, 2006).
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Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
Mesmo no atendimento ao atleta profissional, o cuidado deve ser o principal
objetivo do profissional da saúde que o assiste. Pelo efeito devastador que pode ter
uma lesão na vida do atleta, é importante melhorar o conhecimento da variáveis
psicológicas que interferem na lesão e as alternativas que a psicologia oferece para
auxiliar na prevenção e reabilitação das mesmas. As reações emocionais do atleta
lesionado são iguais ou em alguns casos até mais intensas que as pessoas comuns.
Muitos pesquisadores referem que a ocorrência de uma lesão física num atleta pode
levar ao aparecimento de ansiedade, depressão e prejuizos na sua auto-estima,
chegando mesmo a proporções clínicas significativas. Dessa forma é importante
identificar as mudanças emocionais que estão associadas às lesões do
esporte. (BECKER, 2000).
Weiss & Troxell apud BECKER, B., & SAMULSKI, D (1998) parecem ter sido
os primeiros investigadores a estudar as reações emocionais dos atletas frente às
lesões. Numa abordagem qualitativa, ele entrevistou 10 atletas de elite (3 homens e
7 mulheres), verificando como eles lidavam com as suas lesões. Os atletas
referiram, medo, tensão, fadiga, incredulidade, depressão e queixas somáticas
(enjoo, perda do apetite, insonia e etc.). Os autores também verificaram que os
atletas expressaram sua incapacidade de conviver com o período longo de
reabilitação, a restrição da atividade e a sensação de ser dominado pela lesão.
Alguns estudos avaliaram as emoções e auto-percepções de atletas
lesionados. Chan e Grossman (1988), por exemplo, verificaram que corredores
lesionados, nos pés ou pernas, apresentavam mais ansiedade, depressão, confusão
e baixa auto-estima do que corredores não lesionados. Smith e colegas (1990),
investigaram a presença, tipo, magnitude e duração das emoções, de 72 atletas de
recreação, desde a ocorrência das lesões até a reabilitação e retorno dos mesmos à
competição. Logo após as lesões os atletas mostravam elevados níveis de
frustação, depressão e raiva (BECKER, B., & SAMULSKI, D 1998)
Esses sentimentos permaneceram imutáveis até durante um mês para o
atleta que se lesionou mais severamente. Pearson & Jones verificaram o impacto
das lesões sobre sobre a área emocional do atleta comparando 61 atletas
lesionados com 61 não lesionados. Os lesionados mostraram maior depressão,
65
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
tensão, agressividade, confusão e fadiga do que os não lesionados (BECKER,
2000).
Todos estes estudos nos mostram, que o profissional da saúde no esporte,
não esta tratando com deuses gregos, imbatíveis e infalíveis, e sim com seres
humanos comuns, que são privilegiados fisicamente, e até em alguns casos
mentalmente, mas que se tornam vulneráveis durante a incerteza causada por uma
lesão que o afaste das atividades competitivas e dos treinamentos.
Atualmente, dentro da Bioética estão caracterizados os pilares da ética
moderna que traduz a autonomia como condição, a universalidade como critério e a
pessoa humana considerada fim em si mesma como conteúdo. Portanto o critério da
ética é a universalidade, e o conteúdo é a dignidade da pessoa, que deveria ser
muito respeitado durante a vulnerabilidade. A ética do cuidado concentra-se mais na
atitude ou no caráter da pessoa do que em seu comportamento ou ato correto,
sendo assim o cuidado não é uma teoria, isto é, um conjunto de proposições e
argumentações, mas uma orientação ética que enfatiza mais preocupações e
discernimento, hábitos e tendências de interpretação, seletividade de habilidades e
destrezas (JUNGUES, 2006).
A vulnerabilidade é a condição de possibilidade de cuidado. Se o ser humano
fosse totalmente autônomo e autárquico, não necessitaria de cuidado. Como ele é
quebradiço e vulnerável, precisa de cuidado. Essa é a base do cuidado, más é
igualmente o seu limite, porque em cuida também é vulnerável. Por isso é preciso
recuperar a fragilidade como princípio de compreensão do ser humano, construir
uma antropologia da vulnerabilidade como pressuposto filosófico e condição
indispensável para o surgimento e a consolidação de um paradigma do cuidado para
ética (TORRALBA I ROSELLÓ 1998, apud JUNGUES, 2006.)
O processo de cuidar é um diálogo, não de idéias, mas de vidas, em que a
paixão, e não tanto a razão, é o elemento central. No processo de cuidar de seres
vulneráveis, o diálogo é essencial, onde os elementos não-verbais, os gestos tem
uma importância transcendental. Assim, o processo de cuidar é um diálogo de
presenças, o encontro de dois seres que se dispõem a falar, a olhar-se, a aceitar-se
e enriquecer-se mutuamente. O processo de cuidar é delimitado e determinado em
66
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
seu desenvolvimento pela vulnerabilidade. Cuidar de alguém é deixá-lo expressar
sua vulnerabilidade, é dar-lhe instrumentos de análise para interpretar sua situação
(JUNGUES, 2006).
Justamente por isso, o cuidar de outro ser humano, situação inerente a
profissão ligada a saúde, é ajudá-lo em sua edificação, ou melhor na sua
reedificação. Como observados nos trabalhos que descrevem o perfil psicológico do
atleta frente as lesões, principalmente as mais graves, que afasta o atleta de suas
atividades profissionais, do seu treinamento e por conseqüência dos seus sonhos e
objetivos, são experiências altamente frustrantes e dolorosas, que acabam por
desestruturar emocionalmente o sujeito. Ele acaba por sofrer um processo de
desconstrução, e erosão na integração das diferentes dimensões e relações, e é
necessário, recolher os fragmentos existenciais para reedificar a interioridade,
redimensionando assim sos sonhos e os objetivos, tanto pessoais quanto
profissionais. O cuidar é exatamente isso, é oferecer os recursos para esta
reconstrução. Edificar uma pessoa afetada pela fragilidade gerada por uma lesão,é
ajudá-la a recompor seu interior, e reconstruir sua identidade pessoal (JUNGUES,
2006).
No processo de cuidar existente no tratamento de um atleta profissional, todo
este processo é muitíssimo semelhante. Como descrito em vários trabalhos, o atleta
lesionado, esta diante de um processo muito além da lesão física existente, ele esta
diante de um processo de degradação emocional, causada pelo afastamento do
esporte em que praticae pelo distanciamentos dos seus objetivos pessoais e
profissionais. O profissional da saúde que o assiste neste momento, deve se atentar
a todo o processo emocional e espiritual que vive o atleta neste determinado
momento, para desta maneira promover um cuidado de maneira mais ética e
conseqüentemente humanizado.
JUNGUES descreve alguns princípios que profissionais da saúde devem
respeitar quando exercem seus cuidados em indivíduos vulneráveis.
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Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
1-“Ter sempre presente a visão integral do ser humano
em suas diferentes dimensões e relações como horizonte de
compreensão que fornece as “pedras angulares” para a
edificação;estar atento às circunstâncias pessoais de cada um,
que são o solo sobre o qual se vai construir a indentidade
pessoal.”
2-“O cuidado deverá levar em consideração a
idiossincrasia particular de cada um se quiser ajudar a
enfrentar a experiência de fragilidade, mas ao mesmo tempo,
deverá estar atento à inserção comunitária do sujeito a ser
cuidado. É necessário ajudá-lo tanto a singularizar suas
dificuldades como superar a tendência ao encapsulamento pela
abertura às inter-relações. A prática é um processo de
singularização e uma reconfiguração comunitária e social ao
sujeito vulnerável
3-“Cuidar é uma ação esperançosa que abre
perspectivas de futuro para quem esta sem horizonte. Desperta
a atitude de esperança, porque faz olhar para a frente e a
pensar em novas possibilidades. Anima, suscitando
expectativas. Mas por outro lado, precisa ajudar também a
olhar para o passado, interpretar experiências dolorosas, voltar
às suas fontes e retomar a tradição. O cuidado deve ter um
olhar esperançoso para frente e um olhar interpretador para
trás”.
4-“O cuidado é antes de mais nada , um ato de
beneficência. Cuidar é querer o bem e proporcionar bem,
afastando toda a ameaça de males e fazendo acontecer todo
bem estar possível ao outro. Esse bem deve ser entendido em
sentido integral englobando os aspectos somático, psíquico e
espiritual. Para que a beneficência não seja uma imposição e
uma limitação da iniciativa, ela deve ser temperada com
autonomia de quem recebe ajuda. A prática do cuidado,
mesmo com a intenção de ajudar e produzir o bem, não deve
ser uma ação paternalista. A aceitação do cuidado, deve fruto
68
Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
de uma decisão livre. Assim cuidar de alguém é também cuidar
de sua liberdade, ajudando-o a recobrar a autonomia e a
independência possíveis. Reconstruir a autonomia é auxiliar a
recuperar o centro pessoal a responsabilidade e o poder de
decisão.
5- A prática do cuidado, exige tanto responsabilizar-se
por quem é cuidado, como torná-lo responsável por uma
situação. Responsabilidade é o cuidado de outro ser,
reconhecido como dever, cuidado que dada a ameaça da
vulnerabilidade, se converte em preocupação. Responsabilizar-
se, é caminhar com o outro partilhando seus medos,
preocupações, expectativas e angustias. Cuidar é ajudar a
levar a carga de vida de alguém, aliviando seu peso. Cuidar é
ajudar a pessoa a se tornar responsável pela própria situação,
enfrentando e não eludindo o problema.(Junges 2006)
Será que quando se trata de cuidar de atletas profissionais, aqueles que
mechem com nossos sonhos, que são idealizados pela sociedade como verdadeiros
super-heróis, que em alguns poucos casos mechem com a emoção de uma nação,
que torce por eles, cuidamos desta forma descritas por Junges? São inúmeros as
publicações, e os filmes que nos contam histórias inspiradoras sobre verdadeiros
super-homens, que através do seu esporte, inspiraram nações inteiras a superarem
problemas. Histórias como a do lutador James J. Braddok, conhecido como homem
Cinderela, que lutou pelo titulo mundial em Nova York 1929, e foi derrotado por
nocaute. Depois da luta teve dificuldade de sobreviver, onde passou fome durante a
depressão economica norte americana. Voltou ao boxe para alimentar a família, e se
sagrou campeão mundial em 1935. Dizia que ganhou força, pois aprendeu que
agora “lutava por comida”. Sua força de vontade, superou uma fratura na mão, e
toda a tragédia econômica que acontecia em todo E.U.A naquela época. Por isso ele
foi fonte de inspiração, para pessoas que perderam tudo durante na depressão da
bolsa de Nova York, mas que como Braddok poderiam recomeçar do zero e obter
sucesso. Ele se tornou herói. Histórias como estas, e muitas outras, nos fazem
acreditar que atletas são na verdade super-humanos também. Mas a ciência vem
demonstrando que não são, que são seres-humanos, que sofrem e que necessitam
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Capítulo 4. Questões conflitantes entre equipe de saúde e atleta
de muito mais do que um cuidado apenas físico. Eles necessitam de um cuidado
mais amplo, abrangente, como o descrito do Jungles, e de alguém que durante uma
lesão, durante uma situação de estresse, saiba identificar a vulnerabilidade que ele
possa estar passando, e ajudá-lo assim a decidir sobre o melhor tratamento, para
que sua carreira prossiga com sucesso, e para que ele possa ter a oportunidade de
atingir seus objetivos. Por isso é importante saber que não podemos ajudar ninguém
a distancia, sem sequer se imaginar dentro daquela determinada situação. Junges
descreve:
“A prática do cuidado é um exercício de proximidade no sentido ético. Exige disponibilidade, preocupação pelo outro e sensibilidade pela sua dor. Não se pode ajudar alguém a distância. Porém quem cuida não pode estar tão próximo que tome o lugar do outro e responda por ele”(Junges 2006). O cuidado é uma modalidade comunicativa em que a linguagem não verbal ocupa um lugar central. Não existe cuidado sem comunicação. É necessário saber articular bem a linguagem não-verbal, porque a pessoa fragilizada é muito sensível a esse modo de comunicação. O sujeito vulnerável fala mais por gestos e olhares do que por palavras. Assim, existem situações em que o silêncio é muito comunicativo, e quem cuida deve saber compreender e interpretar esses momentos. Dessa forma cuidar é, essencialmente, escutar e estar atento as necessidades e solicitações de quem necessita de ajuda (Junges 2006).
Cuidar de alguém é dar a ele tempo, atenção, simpatia e qualquer auxílio que
possa tornar a situação suportável. É no cuidado que se expressa a solidariedade
para com os outros. Este é um componente importante no respeito e valor pela
dignidade humana e sobre ele, todo o resto deve ser construído (PESSINI, 2006). O
respeito a dignidade humana, deve ser referencia para todos os profissionais da
saúde, trabalhem eles com atletas, empresas, clubes ou onde quer que seja, a
realidade, é que as profissões ligadas à saúde nasceram para dar assistência e
cuidados aos seres humanos.
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Capítulo 5. Discussão
Capítulo 5
“A grandeza não consiste em receber honras, mas sim em merecê-las”.
Aristóteles
71
Capítulo 5. Discussão
DISCUSSÃO
O primeiro aspecto relevante obtido após a analise dos trabalhos encontrados
é o pouquíssimo número de estudos que avaliam os conflitos bioéticos ocorridos
durante à prática clínica dos vários profissionais da saúde envolvidos em uma
equipe multidisciplinar que trabalha com atletas. Tanto nas modalidades individuais,
como nos esportes coletivos, fica clara, através do grande número de publicações, a
preocupação dos profissionais da saúde durante os estudo da bioética dentro do
ambiente esportivo, com o assunto dopping.
O primeiro trabalho que analisa os aspectos bioéticos da atuação clínica do
profissional da saúde durante o tratamento de atletas profissionais foi publicado em
1993 por Sim.
SIM (1993), analisou através de casos clínicos hipotéticos, aspectos
pertinentes aos principais conflitos bioéticos encontrados a relação entre o médico
do esporte e o atleta. O autor discute primeiramente, aspectos referenciais do
principialismo norte-americano e analisa condutas clínicas pelo prisma do
paternalismo e da autonomia. O autor conclui que a ética na medicina do esporte
deve ser analisada por vários ângulos, e que o médico do esporte, deve respeitar
critérios éticos comuns a medicina comum. Esta conclusão é, em nossa opinião a
base para uma análise bioética dos conflitos existentes no atendimento clínico do
atleta profissional, pois apesar da sociedade analisar o atleta como um super-
homem, ele é um ser humano comum, que acima de tudo necessita de atitudes
éticas e humanas de qualquer profissional que trabalhe ao seu lado. A análise de
SIM (1993) sobre a ética na medicina do esporte ter como princípio, uma análise de
vários ângulos, vem ao encontro da idéia de Segre (2005), que defende a idéia de
que toda atitude verdadeiramente Ética, deve partir de uma análise totalmente
desprovida de ideais políticos, religiosos, entre outros, é a chamada Ética de
Reflexão Autônoma, onde o indivíduo, que esta sob conflito, analisa de uma maneira
desprendida de valores morais, as opções terapêuticas pensando somente no
melhor para seu paciente.
72
Capítulo 5. Discussão
Bernstein e cols (2000) relatam que a ética biomédica trata de assuntos muito
polêmicos, como a clonagem humana, e a determinação de quando é aceitável
retirar o suporte de vida de um ser humano sem possibilidades terapêuticas.
Entretanto, é importante ressaltar que a medicina esportiva não esta distante de
problemas éticos e polêmicos, somente porque trata com indivíduos robustos e
saudáveis. Os conflitos bioéticos são freqüentes no atendimento clínico do atleta,
principalmente no ambiente profissional, onde tanto o atleta quanto o profissional da
saúde, estão exercendo suas profissões.
Merode (1996) também concorda com a idéia de que o médico do esporte
deve ser um profissional que acima de quaisquer valores comerciais ou esportivos,
deve agir baseado em princípios éticos, como em qualquer outro campo da
medicina. Há trinta anos atrás, as equipes nada mais tinham, do que um médico,
responsável pelos exames e pelo tratamento das contusões dos atletas. Nos últimos
anos o que vemos é um extraordinário aumento da performance humana,
principalmente no caso da mulher. Hoje a ação do comitê medico do COI é baseada
em três princípios básicos, que são defender a ética na medicina do esporte,
proteger a saúde dos atletas e a condição de igualdade para eles. O movimento
Olímpico, que realçou o CITIUS, ALTIUS e FORTIUS, procura exaltar hoje as
capacidades físicas dos atletas, sem causar riscos a sua integridades física. Mas
como exercer a busca do aumento da performance, sem aumentar os riscos de
lesões? ( Merode, 1996)
Dentro os vários conflitos bioéticos possíveis dentro deste ambiente, onde a
saúde do atleta é totalmente incompatível com as cargas de treinamento a que estes
são submetidos para poderem seguir suas carreiras profissionais e serem
competitivos dentro dos seus respectivos esportes, os mais comuns observados
após a avaliação dos estudos encontrados sem dúvida nenhuma são a autonomia
do atleta, e a confidencialidade.
Vários autores abordam em seus trabalhos a importância da
confidencialidade, e a dificuldades de manter em sigilo informações importantes para
os clubes, para a mídia e principalmente para os atletas. Vários autores mostraram
as dificuldades enfrentadas por profissionais da saúde que atuam no esporte em
73
Capítulo 5. Discussão
manter sigilo de informações obtidas durante o exercício de suas profissões. O
ambiente do esporte, as competições e os interesses financeiros são altamente
geradores de conflitos de interesses quando o assunto é a confidencialidade.
Collins e cols (1999) descrevem atitudes de desrespeito à confidencialidade
de atletas em equipes de competição, após entrevistas com fisioterapeutas. Neste
trabalho são descritas frases como:
“..eu tenho responsabilidades com o técnico e diretores, eles pagam meu salário... me contratando, assumo minhas condições profissionais...liberar um atleta quando este não tem condições não esta em meu vocabulário... também tenho responsabilidades com telespectadores...”
Collins e cols (1999), ainda como resposta o fato do atleta em uma equipe
não ter direito ao sigilo de informações, que são dadas aos profissionais da saúde
como médico e fisioterapeuta. A justificativa vem do fato em que o atleta tem
responsabilidade com o grupo e, com os outros atletas que esperam dele a melhor
condição e a melhor “performance” possível. O autor deixa claro que os códigos de
ética de cada especialidade devem ser respeitados e cumpridos a risca, como já foi
citado por Merode (1996) e J.SIM (1993).
Macauley (1999), levanta a discussão sobre a erosão da confidencialidade.
Segundo o próprio autor, nos dias de hoje, os problemas de saúde dos atletas
profissionais são debatidos abertamente pela mídia e por milhões de pessoas. Os
jornalistas se aproveitam do fato dos atletas interessarem muito ao público, pois
tornam-se heróis nacionais. Tornar público qualquer problema que esteja
acontecendo com o atleta, resulta em alterações em sua vida particular, no
marketing e no valor comercial do mesmo, pois informações dos profissionais de
saúde que assistem atletas de alto-rendimento podem valer milhões de dólares para
os patrocinadores em uma renovação de contrato.
Os profissionais de saúde que trabalham com este tipo de atleta, devem ser
responsáveis pelas informações obtidas durante o exercício profissional, e devem ter
74
Capítulo 5. Discussão
cuidado ao conversar com amigos, parentes e até em locais públicos, pois estão
tratando de pessoas públicas, e onde qualquer informação interessa muitíssimo a
mídia. Um termo de livre consentimento tem extrema importância para facilitar a
discussão de informações obtidas durante o exercício da profissão. Pois se o atleta
libera a informação para o profissional, no caso de um estudo de caso a ser
apresentado em um Congresso, por exemplo, deve estar totalmente ciente, do
objetivo em que suas informações vão servir, e o profissional deve descrever
claramente quais são suas intenções. (Macauley 1999).
Segundo Orchard (2002), um dos principais princípios éticos, na relação
médico paciente, é o privilégio da confidencialidade. Na teoria, o médico não deve
repassar informações sobre o estado físico do atleta a nenhuma instituição, ou
pessoa, sem o consentimento do atleta envolvido. Segundo o mesmo autor na
prática não é bem isto que acontece, e a prática é tão comum que se torna banal.
Os atletas profissionais são celebridades, e trabalham em um segmento da industria
de entretenimento, por isso quando o atleta esta lesionado, é parte do
entretenimento das pessoas saber como aconteceu, porque aconteceu, e quando
ele poderá voltar. É comum atletas mentirem sobre suas lesões, em entrevistas,
para que seus adversários não se aproveitam da sua fragilidade, ou então para
conseguirem estar presente em uma competição, principalmente se esta competição
depende de uma convocação, como ocorre com atletas em uma Copa do Mundo da
FIFA.
Mas ainda segundo Orchard (2002), existem atletas que fazem o inverso e
inventam falsas contusões, para criar uma preocupação entre seus fãs, e com isso
estar em maior destaque nos noticiários e na mídia em geral. Existe uma procura tão
grande da mídia por informações médicas sobre atletas, que nos E.U.A, existem
mais de 13 sites especializados em informações sobre lesões de atletas, isto
somente na NBA, que é a liga de Basquetebol norte-americana profissional. Nestes
sites, qualquer informação sobre a participação ou não de um atleta em uma partida
por contusão é de extrema relevância. Após verificação dos sites, foi relatado que
em 82% dos casos de contusões em atletas profissionais da NBA, que estavam no
site, possuíam diagnóstico médico específico, com informações que somente
75
Capítulo 5. Discussão
poderiam ter sido relatadas por um profissional da saúde ligado ao clube ou aos
atletas (Orchard 2002),
O autor relata sua experiência na Liga Australiana de Football (AFL), que o
ajudou a conduzir vários estudos sobre lesões esportivas. A liga e sua junta médica,
disponibilizava as informações sobre as lesões dos atletas, e os tratamentos a que
estes estavam sendo submetidos, tudo para realização de estudos a serem
publicados, gerando com isto benefícios claros para todos os atletas, e sempre
respeitando o comitê de ética, que avaliava cada estudo e cada informação para que
não ocorressem transgressões na publicação dos dados. Diante do próprio comitê
de ética o atleta assinava um termo de livre e esclarecido, permitindo a utilização
das informações para a criação deste banco de dados. (Orchard 2002).
O autor enfatiza que os dados não seriam utilizados para criar um ranking de
qual equipe possuía mais atletas lesionados, nem as lesões mais freqüentes em
determinadas equipes, justamente para impedir o sensacionalismo que poderia ser
criado em cima de uma determinada equipe ou de um atleta especificamente. Por
isso o nome dos atletas também não era divulgado. É importante que as pesquisas
na área de saúde cresçam, mas o mais importante é sabermos que a privacidade e
a confiança são bases de toda e qualquer pesquisa e tratamento”(Orchard 2002).
Waddington e Roderick (2002) publicaram um estudo, onde o objetivo era
analisar como a confidencialidade era tratada na relação entre médicos,
fisioterapeutas e atletas de futebol profissional da Inglaterra. A metodologia utilizada
foi a analise do discurso coletivo, por intermédio de entrevistas gravadas com 12
médicos que atuavam em equipes de futebol, 10 fisioterapeutas, 27 atletas. Além
disso, foram emitidos 90 questionários à médicos e fisioterapeutas de clubes, onde
58 retornaram. Através da analise dos dados coletados, concluíram que as questões
confidenciais dos atletas enquanto pacientes, não são respeitadas pelos médicos e
fisioterapeutas avaliados. Tanto médicos como os fisioterapeutas avaliados,
acreditam que não tem responsabilidade ética sobre os segredos do paciente, pois
são contratados dos clubes, e por isso possuem responsabilidades com os
dirigentes que os contrataram.
76
Capítulo 5. Discussão
Os autores também concluíram que os fisioterapeutas respeitam menos a
questão da confidencialidade, se comparados com os médicos avaliados. Esta
opinião foi dada tanto por médicos, como pelos atletas, pois muitos referiram terem
tido problemas ligados ao sigilo de informações com os profissionais da fisioterapia.
Isto foi relacionado pelos atletas como um problema, pois enquanto em muitos dos
clubes avaliados, os médicos não estão disponíveis para os atletas durante todo o
dia, os fisioterapeutas passam toda sua jornada de trabalho ao lado dos atletas,
facilitando o acesso a informações privilegiadas, incluindo a vida particular dos
jogadores. Um dos fisioterapeutas avaliados,confirma a tese dizendo que “o
fisioterapeuta sabe mais sobre os atletas, do que qualquer outro dentro da equipe”,
Este mesmo profissional confirma que se soubesse que um atleta estivesse
bebendo em demasia, ou usando algum tipo de droga, relataria o fato aos dirigentes,
mesmo sem o consentimento do atleta envolvido( Waddington e Roderick, 2002)
Os autores discutem a importância de manter sigilo sobre as informações
obtidas durante o exercício da profissão, tanto para s médicos, como para os
fisioterapeutas. Relatam também as diretrizes da Associação Olímpica Inglesa
quanto a confidencialidade, que mostra que todos os profissionais da saúde devem
ter por responsabilidade ética e legal, sobe quaisquer informações obtidas durante o
exercício da profissão. Também relata que a relação entre os profissionais da saúde
avaliados e os atletas devem ser constantemente avaliada pelas entidades que
regem os esportes e as profissões (Waddington e Roderick 2002).
Em 2001 , Waddington e cols, publicam um outro estudo que avaliava a forma
de contratação de médicos do esporte e fisioterapeutas em equipes de futebol
profissional da Inglaterra. O Estudo se dividiu em duas formas. Na primeira etapa,
foram avaliados 12 médicos e 10 fisioterapeutas, além de 27 atletas, através do
método de analise do discurso coletivo, onde as entrevistam eram gravadas e
avaliadas posteriormente. Na segunda etapa, foram distribuídos 90 questionários
aos médicos de clubes, onde somente 58 questionários retornaram para avaliação
dos pesquisadores.
Os resultados mostraram que na grande maioria dos clubes de futebol da
Inglaterra avaliados possuem métodos informais de contratação de médicos e
77
Capítulo 5. Discussão
fisioterapeutas. Na maioria dos clubes, estes profissionais são contratados sem
nenhum tipo de avaliação ou entrevista prévia. Estes profissionais, em sua maioria,
também não apresentavam experiências anteriores ligadas ao esporte, ou uma
formação acadêmica ligada ao esporte (Waddington e cols, 2001).
O estudo também encontrou uma fraca ligação no vinculo de contratação dos
fisioterapeutas, onde os médicos não opinam na contratação destes profissionais.
Indicação fica a cargo de dirigentes esportivos ligados ao clube, que geralmente
não possuem formação na área da saúde, o que informaliza ainda mais essa
contratação, pois esses profissionais não conseguem avaliar a capacidade dos
fisioterapeutas que irão atender os seus atletas. Quase 50 % dos clubes
entrevistados, não possuiam fisioterapeutas contratados. Este quadro de vinculo
empregatício tênue, deixa ainda mais vulnerável esses profissionais da saúde, o que
ameaça a autonomia clínica desses profissionais, frente aos conflitos de interesses
que ocorrem no tratamento do atletas profissionais (Waddington e cols, 2001).
Segundo o mesmo autor, todo o processo de contratação de médicos e
fisioterapeutas pelas equipes de futebol profissional da Inglaterra, deve ser revistos
imediatamente. A forma de contratação informal desses profissionais, que na
maioria das vezes não possuem formação no esporte, e muito menos experiência no
cuidado de atletas profissionais, faz com que a relação entre esses e os atletas
fiquem ainda mais sujeita a desvios de conduta, no ponto de vista ético. O autor
também avalia que os fisioterapeutas que são contratados pelos clubes, possuem
uma formação melhor e maior experiência no esporte, se comparados com os
fisioterapeutas que prestam serviço para os clubes mas não possuem vínculo
empregatício com os mesmos (Waddington e cols. 2001).
Outro problema verificado elo estudo é a quantidade de ex-atletas que hoje
exercem a função de fisioterapeuta, tendo como única experiência dentro da área de
saúde esportiva, sua vivencia como paciente. Estes profissionais se tornam ainda
mais vulneráveis aos desvios de conduta éticos, pois carregam consigo uma
experiência de atleta, que muitas vezes se mostra uma experiência deturpada. Os
profissionais da área da fisioterapia que não foram atletas possuem mais
experiência na área da saúde, o que muitas vezes é determinante na hora da
78
Capítulo 5. Discussão
contratação pelos dirigentes de clubes, que acabam optando pelos ex-atletas
(Waddington e cols. 2001).
Estas formas de contratações que são realizadas pelas equipes avaliadas no
estudo, não ocorrem apenas na Inglaterra, ou somente no futebol profissional. Os
clubes brasileiros, em sua quase totalidade, também contratam os profissionais da
saúde que irão atuar em suas equipes da mesma maneira informal. Este método de
recrutamento, aliado a crise econômica que vive o Brasil hoje, aliada a dificuldade de
se obter emprego na área da saúde, como em outras áreas, faz com que o sigilo de
informações seja ainda mais difícil. É importante considerar que os profissionais da
saúde têm medo de perderem seus empregos, quando alegam impossibilidade ética
de dar informações sobre os atletas, para dirigentes de equipes e empresários. Este
ambiente determina, em nossa opinião, uma amplificação da falta respeito a
confidencialidade no atendimento de atletas profissionais de futebol, como foi
verificado nas equipes inglesas por Waddington e cols (2002).
Grinberg e Accorsi (2005) ressaltam em um trabalho publicado no Brasil, após
acontecimentos de mortes súbitas em atletas profissionais terem ocorrido no país,
que o médico não pode permitir que o direito a privacidade e ao sigilo de
informações coletadas durante o exercício da profissão seja quebrado. Somente
informações que sejam autorizadas pelo próprio atleta, podem ser divulgadas, tanto
para mídia, quanto para os dirigentes de equipes. Quando o médico esta atuando
para uma equipe, ele assume a responsabilidade sobre os atletas, da mesma forma
que assume a responsabilidade sobre todos os profissionais que com ele atuam
(Grinberg e Accorsi 2005).
Esta citação traz importantes reflexões, pois os profissionais da saúde não só
tem responsabilidade sobre as informações sobre a saúde e o tratamento dos
atletas, como também possuem responsabilidade sobre toda equipe de trabalho que
os assistem, isto é massagistas, assistentes de campo, recepcionistas entre outros.
Os autores Grinberg e Accorsi em (2005) iniciaram as publicações do
pensamento bioético em medicina esportiva na língua portuguesa. Os autores
realizam uma análise reflexiva sobre a atuação do médico no esporte, e as relações
79
Capítulo 5. Discussão
entre ele e os atletas e dirigentes esportivos. Segundo Grinberg e Accorsi, o atleta
que se vê e é visto como um indivíduo saudável, tem seu mundo distorcido quando o
médico lhe comunica que ele será transferido da beira do campo, para a beira do
leito. As estatísticas de morte súbita em atletas jovens vem aumentando muito nos
últimos anos, e a bioética deve analisar os riscos sociais e humanos de atitudes em
que o atleta renega a sua saúde em segundo plano.
“O esporte é a arte do drible no basquete, ou da condução de um carro a mais de 300Km/h, ou a beleza e um nado sincronizado. A medicina do esporte, deve ser vista como a arte que se serve da ciência a beira do campo. Práticas de sobrevivência tornaram-se esporte no mundo moderno, como arco- e flecha o remo e a natação, e os esportes hoje são meios de sobrevivência, em meio a graus distintos de pofissionalismo, inclusive para os médicos” (Grinberg e Accorsi) 2005.
Outro conflito que foi amplamente discutido nos trabalhos consultados foi a
questão da autonomia do paciente. Vários autores colocam o desrespeito a
autonomia, um dos principais conflitos bioéticos encontrados na prática clínica dos
profissionais da saúde quando se deparam com o paciente atleta. Este desrespeito a
autonomia do paciente atleta é agravado quando o profissional da saúde tem vínculo
empregatício com o clube que detêm os direitos federativos do atleta. Neste caso os
conflitos de interesses já mencionados, com dirigentes esportivos, mídia, torcedores
e patrocinadores, levam médicos e fisioterapeutas a optar por uma decisão
paternalista, e a direcionar o atleta para um tratamento que permita que este retorne
rapidamente as competições, mesmo que este tratamento possa trazer problemas
futuros ao paciente.
Orchard (2001) relata que muitos médicos evitam discutir, de maneira aberta,
a utilização de anestésicos locais em atletas profissionais de futebol americano.
Segundo o autor, ou se assume a prática, ou o procedimento deve ser banido do
esporte em questão. Na opinião do autor, o ato de banir a utilização fará com que
vários atletas não consigam realizar o número de partidas que estão habituados, o
que traria prejuízo aos clubes e aos atletas. Além disso, a suspensão de tal
80
Capítulo 5. Discussão
procedimento pelo médico não garantiria a ausência da auto-aplicação pelo atleta,
ou mesmo a busca por profissionais menos qualificados para a execução da
técnica, como ocorre com o dopping, expondo os atletas a um risco ainda maior.
Também não é pertinente, em sua visão, que os médicos atuantes em clubes de
futebol Americano simplesmente determinem que os atletas não possam fazer uso
de anestésicos locais antes de uma partida importante, pois segundo o autor os
médicos nunca disputaram uma partida profissional e por isso não sabem os
benefícios que uma boa atuação em uma partida decisiva pode fazer para a careira
de um atleta profissional. Se os benefícios superam os riscos, e o atleta segundo
ele, esta ciente dos riscos e quer fazer uso dos anestésicos, por que não utiliza-los?
Frente a um jogador que após uma lesão ligamentar, pede para o médico injetar
anestésico, para que ele atleta jogue sem dor, qual a atitude tomar? Dizer que a
utilização do medicamento pode trazer problemas degenerativos ao atleta no final de
sua carreira? Sim, mas o que dizer para aquele que responde que ao final da
carreira , se ele atuar sem dor em uma partida importante, terá tantos bens que não
precisará trabalhar? (Orchard 2001).
Na grande maioria das vezes o atleta prefere o risco de uma partida, mesmo
com uma lesão que acarrete uma dor muito forte, do que abrir mão de sua
independência financeira, e de todos objetivos que ele traçou para sua carreira,
desde criança, quando começou a prática do esporte. O atleta julga que o médico é
culpado por não ter aplicado uma injeção que diminua suas dores, que permita que
exerça sua função, e que assim possa renovar seus contratos com clubes e
patrocinadores (Orchard 2001).
Bernstein e cols (2000) relatam uma série de casos clínicos onde existem
“armadilhas éticas”, e onde o objetivo principal é elevar os níveis de consciência dos
profissionais que militam dentro do esporte. Neste trabalho o ponto de vista dos
autores sobre a autonomia é idêntico ao discutido por Orchard (2001). Bernstein e
cols (2000) discutem em uma série de casos o assunto autonomia. Os autores
relatam o caso de um atleta que tem como diagnóstico uma ruptura meniscal. O
médico identificou dois tipos de tratamento mais apoiados na literatura: a sutura
meniscal e a meniscectomia. A meniscectomia poderia requerer uma reabilitação
mínima, e quase que garantiria a participação do paciente nos jogos de pré-
81
Capítulo 5. Discussão
temporada. Mas em contrapartida ela aumentaria muito o risco do atleta sofrer de
osteartrose em seu joelho depois de 10 anos do pós-cirúrgico. Já o reparo meniscal,
fornece ao atleta a oportunidade de não retirada do menisco, o que diminuiria muito
o risco da osteoartrose, mas exigiria uma reabilitação longa, onde o atleta teria que
se afastar de muitas partidas, permanecendo um longo tempo inativo, longe dos
treinos, o que acarretaria prejuízos fiscos, técnicos e psicológicos ao paciente.
Diante deste caso o médico prefere o reparo meniscal e o atleta a meniscectomia
(Bernstein e cols, 2000).
Em outras áreas da medicina, um paciente através de sua autonomia, pode
rejeitar uma transfusão de sangue que pode salvar sua vida, ou ainda arriscar sua
vida com o risco de uma intervenção cirúrgica em uma lipoaspiração, visando ter um
corpo mais belo. Da mesma maneira, a decisão do atleta de arriscar sua saúde
articular no futuro, visando os seus objetivos imediatos devem ser respeitados.
Somente o atleta pode analisar a situação de maneira a buscar a melhor saída para
si mesmo, pois é ele que esta vivenciando a situação, que sabe quanto vale o
esporte para ele, e o quanto pode abrir mão para realizar suas ambições esportivas
(Bernstein e cols 2000).
Segundo o autor, a responsabilidade do médico neste caso, é somente
ressaltar para o paciente, todos os riscos de cada um dos dois procedimentos, e
também os benefícios que podem ser alcançados através dos tratamentos. Somente
os valores do paciente podem guiar o processo terapêutico e a tomada de decisão.
Os custos e benefícios do médico também não podem ser analisados de forma
alguma, nem no parâmetro pessoal, nem no âmbito esportivo. O médico deve
assegurar que o paciente tenha compreendido todos os riscos e benefícios de cada
um dos tratamentos propostos, e o termo de consentimento informado, ressalta que
todo este processo foi respeitado. (Bernstein e cols 2000).
No mesmo trabalho, os autores ressaltam a importância do tema autonomia
durante o atendimento clinico do atleta, voltando novamente a esta discussão em
outro caso clínico apresentado. Um atleta de futebol do colégio que convivia com
muitas dores na articulação do joelho, foi submetido a uma cirurgia, onde teve o
quadro álgico diminuído durante um tempo. Quando o atleta retornou aos treinos
82
Capítulo 5. Discussão
mais específicos, os sintomas dolorosos voltaram a incomodar e o atleta então
procura o médico da equipe para receber uma injeção de esteróides intra-articular,
pois segundo amigos e treinadores consultados, era um método novo que poderia
ajudá-lo a estender um pouco a sua carreira de atleta. O médico achava que as
injeções de esteróides poderiam ser prejudiciais e explicou sua opinião ao atleta,
que mesmo assim pedia o tratamento. (Bernstein e cols 2000).
É importante lembrar que muitos atletas, principalmente no inicio de suas
carreiras esportivas, possuem dificuldades de analisar o futuro, pois vislumbrar
somente o hoje, e o que a carreira pode lhe fornecer de benefícios imediatos. No
caso clínico reportado, a opinião não expressa a opinião livre e esclarecida do atleta,
e sim de amigos e membros da comissão técnica. A pressão externa exercida pela
comissão técnica e pelo próprio ambiente esportivo, podem estar influenciando a
decisão do atleta. O médico deve buscar uma autorização esclarecida do atleta,
antes de realizar um tratamento como este. Na opinião do autor, isto pode ser
complicado, mas possível. O médico tem por obrigação ética com seus princípios e
com seu paciente, ter certeza que o paciente esta ciente dos riscos, e que toma a
decisão por si mesmo, e não por influencia do meio esportivo que o cerca. O autor
lembra que as informações pertinentes ao caso, devem ser trocadas com o paciente
e não recitadas apenas. Contudo, depois de esclarecidos todos os riscos e
benefícios, a autonomia do paciente prevalece sobre a vontade do médico
(Bernstein e cols 2000).
Nesta discussão sobre a autonomia o autor ressalta a importância que os
profissionais da saúde tem em procurar demonstrar ao paciente todos os riscos e os
benefícios de cada tipo de tratamento, tendo como responsabilidade adicional o fato
de saber que a opinião do atleta esta alicerçada em seus valores pessoais e não em
pressões externas, como ocorrem em muitas ocasiões. No Brasil, atletas de futebol
profissional que se originam em sua grande maioria das camadas mais pobres da
sociedade, e que por isso possuem toda responsabilidade de serem muitas vezes a
única opção de suas famílias para uma vida melhor. Esta pressão somada as
pressões vindas de dirigentes e patrocinadores por si só, podem fazer com que o
atleta lesionado tome uma decisão pensando mais nos valores e necessidades de
sua família, deixando seus valores e necessidades em segundo ou terceiro plano.
83
Capítulo 5. Discussão
No próximo caso apresentado pelo autor, ele invoca mais uma vez a
autonomia do paciente, mas o caso tem agora como protagonista uma atleta menor
de idade. Uma atleta de basquetebol de 15 anos de idade que se lesionou fora da
temporada, praticando esqui ela lesionou o braço. Nos exames complementares, foi
diagnosticado uma lesão da Bankart, e o médico apresenta como opções de
tratamento a cirurgia, que permite um bom prognóstico inclusive com excelentes
perspectivas de retorno ao esporte. E a segunda opção é o tratamento fisioterápico,
onde o médico recomenda afastamento do esporte competitivo. A atleta que além de
ser uma ótima atleta, é também uma boa estudante, e possuí perspectivas fora do
esporte, e vê a situação como um sinal para parar de jogar e se dedicar unicamente
aos estudos. Mas seu pai desaprova a escolha da filha, ele que foi atleta
profissional, insiste no tratamento operatório, com a esperança de que a filha tenha
um retorno satisfatório ao esporte. (Bernstein e cols 2000).
Neste caso, juridicamente a decisão deve ser tomada por seu responsável
legal. Entretanto, do posto de vista ético a atleta possui idade e maturidade
suficiente para decidir sobre o seu tratamento. O autor relata sua opinião dizendo
que não é a idade arbitrária da paciente que lhe fornece subsídios para escolher o
melhor tratamento para sua vida. As decisões médicas devem ser tomadas de
maneira que se baseiem em competências de decisões do paciente, que possui
maturidade emocional e cognitiva para isto (Bernstein e cols 2000).
A analise destes casos e da grande gama de conflitos bioéticos que podem
ser encontrados no atendimento clínico do atleta, reforçam a afirmação de
Waddington e cols (2001) que ao analisar a forma de contratações de médicos e
fisioterapeutas nas equipes de futebol profissional da Inglaterra, deixa claro que em
sua opinião que os mecanismos de contratação destes profissionais deixa ainda
mais vulneráveis os profissionais e os atletas que necesitam dos cuidados destes
profissionais.
Os resultados mostram que na grande maioria dos clubes de futebol da
Inglaterra avaliados possuem métodos informais de contratação de médicos e
fisioterapeutas. Na maioria dos clubes, estes profissionais são contratados sem
nenhum tipo de avaliação ou entrevista prévia. Estes profissionais também na
84
Capítulo 5. Discussão
grande maioria não apresentavam experiências anteriores ligadas ao esporte, ou
uma formação acadêmica ligada ao esporte (Waddington e cols 2001). Como pode
um profissional da saúde dar autonomia ao paciente de decidir sobre sua vida, seu
tratamento e seu futuro como atleta e como cidadão, se o próprio profissional
trabalha com a pressão de manter um vínculo empregatício tênue e que pode ser
quebrado a qualquer momento por um dirigente que se sinta prejudicado por uma
opção de tratamento escolhida por um atleta que não atenda integralmente aos seus
interesses.
Bernstein e cols (2004) publicaram um estudo que teve por objetivo,
confrontar as opiniões de médicos do esporte que atuam em equipes filiadas as ligas
norte-americanas de futebol e hóquei, e boieticistas, sobre questões de conflito
éticos existentes no atendimento clínico do atleta. Para a realização do estudo foi
confeccionado um questionário contendo 6 casos clínicos hipotéticos, onde haviam
juntamente com cada caso clínico, de 3 a 6 afirmações sobre caso, e os médicos e
bioeticistas avaliados deveriam responder o concordavam ou discordavam destas
afirmações. Foi utilizado uma forma de mensuração através de uma escala visual
análoga, que variava de zero (0) para discordância total e cem (100) para
concordância total. O documento foi enviado para profissionais da área acadêmica
que trabalham com pesquisa e ensino da ética em faculdades e centros de Bioética
norte-americanos, e também enviados a todos os membros do grupo médico das
ligas esportivas supracitadas. Participaram do estudo 31 bioeticistas de 50 que
receberam o questionário, e 131 médicos do esporte, de 253 que receberam o
questionário.
Dentre os seis casos clínicos hipotéticos descritos pelos autores, dois se
referiam diretamente à analise da autonomia do paciente atleta em relação ao
tratamento proposto pela equipe de saúde, e um dos casos siscutia diretamente a
confidencialidade. Após a análise dos questionários com as respostas de médicos
do esporte e bioeticistas, ambos os grupos foram a favor da autonomia do paciente,
comentando nos dois casos que o paciente, mesmo que menor de idade, desde que
seja capaz de analisar os tipos de tratamento e decidir o que é melhor para ele, o
paciente deve ter o direito de decidir sobre qual o tratamento a ser seguido
(Bernstein e cols 2004).
85
Capítulo 5. Discussão
No caso que analisa a discussão da confidencialidade dentro do ambiente
esportivo, tanto bioeticistas quanto os médicos concordam com a afrimação de que
embora o médico seja contratado pela equipe, deve manter em sigilo informações do
paciente, e é proibido de retransmitir quaisquer informações a qualquer outra pessoa
sem autorização expressa do atleta. Ambos os grupos também concordam que
quando o médico esta em posição de examinar um atleta que pode ser contratado
pela equipe, e esta contratação depende do aval do médico, este deve deixar
extremamente claro para o atleta a sua posição como avaliador, e que neste
momento não é medico particular do atleta (Bernstein e cols 2004)
Piantanida e cols (2004) comentaram a dificuldade da tomada de decisão do
médico, frente a um risco de morte súbita do atleta. Os autores relatam a
responsabilidade de permitir o retorno às atividades competitivas, para um atleta
com risco de morte súbita. Mas esta tomada de decisão deve ser realizada, através
da avaliação ética da questão, pois os valores éticos, não podem estar afastados de
uma decisão tão importante. Os autores relatam os referenciais éticos como a
beneficência, a não-maleficência, e a autonomia, como os principais referenciais nos
quais o médico que esta frente a este conflito deve se basear para resolvê-lo de uma
maneira ética. Em nossa opinião é difícil imaginar que um profissional da saúde
possa realizar uma ação benéfica a um paciente que tem todas as condições psico-
emocionais e culturais para decidir sobre seu futuro, tomando uma decisão
estritamente paternalista.
Grinberg e Accorsi 2005 ressaltam em um trabalho pioneiro publicado no
Brasil que um atleta portador de uma cardiopatia assintomática, que pode trazer
riscos para sua vida se continuar a praticar o esporte profissionalmente, deve ter
autonomia para decidir, mas legalmente, as responsabilidades do médico neste
caso, serão diferentes das responsabilidades éticas, “médico deve ter cuidado neste
momento para aplicar conceitos que aplicaria a beira do leito, na beira do campo”,
fica ressaltado o pensamento do poeta e educador Herry Wadsworth Longflow
(1807-1882) “...nós nos julgamos pelo que nos propomos a fazer, os outros nos
julgam pelo que fizemos”, portanto muitas vezes o profissional pode estar frente a
frente com uma situação onde a atitude mais ética, pode ser também ilegal , isto é
permitir que um atleta de prosseguimento a sua carreira, mesmo correndo riscos
86
Capítulo 5. Discussão
importantes do ponto de vista cardiológico (Grinberg e Accorsi 2005). Em nossa
opinião, este é o conflito bioético que possa ser enfrentado por um profissional da
área da saúde no antendimento do atleta profissional. Permitir que um atleta de
prosseguimento a sua carreira, baseando-se na autonomia, quando este corre risco
de vida pro algum problema, como uma miocardiopatia, ou um traumatismo craniano
repetido em uma mesma temporada. Dados do COI (Comitê Olímpico Internacional),
mostram que desde 1966 até o anos de 2006 , 1101 atletas morreram durante a
prática esportiva. Trinta por cento destes são do futebol, vinte e cinco por cento do
basquete, e quinze por cento do atletismo.
Como reagir a um atleta, que mesmo correndo risco de vida ao prosseguir
com os treinamentos e com sua carreira, escolhe correr este risco. Permitir que um
atleta possa vir a morrer durante uma partida de futebol, ou um treino de sua equipe,
após ter sido diagnosticado um problema que imponha ao atleta este risco, pode ser
julgado como ilegal, e trazer conseqüências legais para o médico, como a perda do
direito de exercer sua profissão.
Após a análise destes trabalhos, fica claro que existem muitos conflitos
bioéticos que permeiam o exercício profissional dos profissionais da saúde que
trabalham no atendimento clínico do atleta profissional. Diversos fatores colaboram
com estes conflitos, como a pressão de torcedores, da imprensa, dos
patrocinadores, e até dos familiares dos atletas, podem prejudicar a decisão clínica
de um profissional da saúde, sobre o melhor tratamento a ser adotado, ou sobre
como proceder sobre as informações que foram obtidas a partir do exercício
profissional. Sem dúvida alguma, deixando de lado o doping, e seus aspectos éticos
ou não éticos, a confidencialidade e o respeito a autonomia do atleta, são as
principais preocupações dos profissionais que da saúde que atuam dentro do
esporte profissional.
Outra grande preocupação é a forma de contratação destes profissonais da
saúde, pois a maneira que ocorrem hoje, deixam ainda mais vulneráveis os atletas,
pois permitem que os conflitos de interessas entre dirigentes, patrocinadores e
profissionais da saúde se evidenciem . Além disso, é importante ressaltar que alguns
trabalhos, relatam que segundo os próprios atletas, o profissional que mais quebra a
87
Capítulo 5. Discussão
confidencialidade dentro do ambiente esportivo é o fisioterapeuta, justamente aquele
que deveria possuir mais vínculo afetivo com os atletas, pois passa mais tempo no
convívio com estes atletas.
88
Capítulo 6. Conclusão
Capítulo 6
"A justiça não consiste em ser neutro entre o certo e o errado, mas em descobrir o certo e sustentá-lo, onde quer que ele se encontre, contra o errado."
Theodore Roosevelt
89
Capítulo 6. Conclusão
CONCLUSÃO
Através da analise da literatura e dos pensamentos publicados sobre a
bioética e o esporte, fica claro que a grande preocupação da maioria dos autores é
analisar os contextos éticos que cercam a utilização de substancias ou meios
ergogênicos, para assim produzirem um melhor desempenho esportivo, e assim
produzir um desempenho acima daquele que conseguiriam sem a utilização da
substancias ou recurso dopante. É muito claro que a utilização destas substancias,
retiram a naturalidade do esporte, pois alteram sem nenhuma duvida o resultado de
uma partida, ou de um recorde mundial, o que torna a atitude além de ilícita, anti-
ética. Mas a bioética não pode nos auxiliar em outras questões pertinentes ao
esporte, e as pessoas que nele trabalham? Com certeza sim, e a bioética como a
ciência que estuda a ética relacionada à vida, deve também analisar questões
conflitantes, como as que existem no relacionamento de profissionais da saúde e
atletas profissionais.
A literatura demonstra que os profissionais com maior contato com os atletas,
e portanto mais sujeitos a estarem expostos aos conflitos bioéticos são o médico e o
fisioterapeuta. A grande preocupação se concentra no respeito a confidencialidade,
onde estes profissionais da saúde ficam muito expostos a serem pressionados pela
mídia, e principalmente por dirigentes dos clubes, a estarem divulgando informações
sobres os atletas, suas lesões, contratos, e toda a vida intima que apesar de ocorrer
fora dos campos, e das arenas esportivas, estão ligadas a suas atuações dentro
delas. Estas informações, que circulam dentro do departamento médico de um
clube, são muito valiosas, não só para mídia esportiva, mas também para
patrocinadores,e em alguns paises até para apostadores.
Todos estes fatores,exercem uma demasiada pressão em todos os
profissionais que prestam serviços diretamente aos atletas. É justamente por estes
motivos, que a forma de contratação destes profissionais da saúde, principalmente
médicos e fisioterapeutas, devem ser revistas, para que o atleta esteja menos
vulnerável, e que suas informações pessoais, ligadas a sua performance física,
sejam respeitadas, como é de direito de qualquer paciente, pelos profissionais que
90
Capítulo 6. Conclusão
necessitam de confiança para poderem exercer de forma correta seu trabalho. Se
atletas perderem a confiança de poderem expor seus problemas aos profissionais
que o tratam enquanto estão lesionados, todo o tratamento de médicos e
fisioterapeutas, podem ficar prejudicados. É de suma importância que o paciente
siba que suas informações estão seguras com estes profissionais,para que eles
tenham a segurança de poder contar informações que são de extrema relevância ao
tratamento. Se um atleta esta com dificuldades de se recuperar de uma lesão
muscular, mesmo estando em tratamento intensivo na fisioterapia, devido a um
problema ligado aos seus hábitos sociais noturnos, e a utilização de álcool durante
suas horas de folga, situação que esta impedindo-lhe de repousar e dormir bem a
noite, ele necessita de muita confiança nos profissionais que o estão tratando, para
poder contar-lhes sobre este problema. A confiança no sigilo de informações que o
paciente não deseja expor,é uma etapa importante da terapêutica de qualquer
profissional da saúde, e deve ser mantida.
Outro problema que está relatado, na maioria da literatura que trata de
conflitos bioéticos no atendimento clínico ao atleta, é o respeito à autonomia. O
atleta, apesar de ser fisicamente um indivíduo privilegiado, muitas vezes tem
dificuldades de compreender riscos e benefícios de um tratamento médico para sua
carreira, e para seu futuro depois que deixar o esporte. Portanto é um dever do
profissional refletir de maneira ética, relacionando sempre a autonomia do paciente,
com a vulnerabilidade do paciente que neste momento necessita que o profissional
da saúde responsável pela sua saúde, lhe explique de maneira inteligível, todas as
opções de tratamento, riscos e benefícios de cada terapêutica possível, e com isto,
permitir que ele decida sobre seu futuro. É o atleta que muitas vezes treinou durante
20 anos, sonhando chegar em uma competição importante, como as Olimpíadas, e
portanto somente ele pode saber o que é sepultar este sonho, em prol de uma vida
com mais saúde após o término de sua carreira ou é lê que deve ser responsável
pelo risco de um problema futuro, mas um presente onde ele possa ter a
oportunidade de chegar ao podium. Nenhum profissional da saúde pode se colocar
na situação do paciente para justificar uma ação paternalista, portanto a forma mais
justa, é que ao paciente seja dada a oportunidade de decidir sobre a terapêutica a
ser seguida, pois devemos lembrar que a justiça,é exatamente “dar ao indivíduo o
que lhe é de direito” e o dever da justiça, é assegurar que os direitos dos mais
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Capítulo 6. Conclusão
vulneráveis sejam respeitados, e neste momento, se apreensão diante de uma lesão
que pode levar um atleta a abrir mão dos seus maiores sonos profissionais, ele com
certeza é o ele mais fraco desta corrente.
É dever da bioética, analisar os conflitos de interesses que são comumente
vistos no esporte, e com isso também ocorrem no atendimento clínico do atleta
profissional, que muitas vezes é tratado pela midi e por dirigentes esportivos e
empresários, com uma mercadoria, sem poder de decisão sobre a própria vida e a
própria carreira. Cabe aos profissionais da saúde, a obrigação de através de uma
reflexão ética autônoma, avaliar a situação clínica em que o atleta se encontra, e
agir na contramão das relações existentes no esporte, isto é, permitindo que o atleta
seja um indivíduo capaz de decidir sobre seu futuro. O profissional da saúde deve
ter como base referenciais éticos, e realizar uma hierarquia de valores, permitindo-
se estar ao lado de seu paciente, em uma parceria, que trás às profissões da saúde,
uma dignidade e um sentido de justiça, que nos dias de hoje são essencialmente
necessários, visando que as relações humanas sejam cada vez mais alicerçadas na
bioética.
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