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CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO – CTA:
CAMINHOS E TRILHAS EM CONSTRUÇÃO
Sonia Maria Batista da Silva
2004
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Silva, Sonia Maria Batista da. Centro de Testagem e Aconselhamento – CTA: caminhos e trilhas em
construção. – Rio de Janeiro: UFRJ/ NESC, 2004. xii, 130 f Orientador: Kátia Sanches Dissertação (mestrado) – UFRJ / Núcleo de Estudos de Saúde
Coletiva/ Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, 2004. Referências Bibliográficas: f. 118 – 123 1. AIDS. 2. HIV/Aids. 3. Aconselhamento. 4. Prevenção e Promoção
da Saúde. I. Sanches, Katia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva. III. Título.
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CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO – CTA:
CAMINHOS E TRILHAS EM CONSTRUÇÃO
Sonia Maria Batista da Silva
Orientadora: Profª Drª Kátia Sanches
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.
Aprovada por: .............................................................................. Presidente, Prof. ................................................................................................. Prof. ................................................................................................. Prof. ................................................................................................. Prof. ................................................................................................. Prof. ................................................................................................. Prof.
Rio de Janeiro
Setembro, 2004
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DEDICATÓRIA
À minha mãe, Joanita (in memorian),
cuja ausência física não impediu que sua
lembrança se mantivesse viva em meu
coração, durante essa caminhada. Em toda
minha vida, foi a maior lição de força e luta
na construção de valores realmente humanos
e solidários.
À Camila, minha filha tão querida,
a quem tento ensinar a preparar o caminho
da amizade entre as pessoas e a manter
uma eterna luta pela liberdade por um mundo
melhor.
v
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Aos membros da equipe do CTA/HESFA/UFRJ,
por me concederem apoio incondicional,
compreendendo minhas ausências, sendo
solidários e mantendo a qualidade do trabalho
desenvolvido.
Aos entrevistados, por concordarem em
participar da pesquisa, partilhando suas idéias e
o “olhar” sobre o CTA.
vi
AGRADECIMENTOS
À Katia Sanches, minha orientadora, que me ensinou o “caminho das
pedras”. Sua paciência e confiança me ajudaram a seguir em frente.
À Carla Araújo, pela amistosa acolhida e críticas construtivas em vários
momentos da elaboração deste trabalho.
Aos Coordenadores do Projeto Praça Onze, pela “liberação” da minha
carga horária, que tornou possível o sucesso desta caminhada.
Aos professores do NESC/UFRJ, da ENSP/FIOCRUZ e do IMS/UERJ,
cujos ensinamentos e valiosas contribuições impulsionaram o meu crescimento
pessoal e profissional.
À Ana Szapiro, pelas valiosas indicações bibliográficas e pelos
pertinentes comentários que teceu.
Ao Álvaro Matida e à Lílian Lauria, cujas contribuições e articulações
políticas foram decisivas para a implantação do CTA/HESFA/UFRJ.
Aos companheiros da Coordenação de DST/AIDS da Secretaria de
Estado de Saúde do Rio de Janeiro, pela credibilidade e apoio neste momento
da minha vida profissional.
À Margarete, Louise, Kiki, Diva, Débora Fontenelle, Claudia Santos,
Rosane Griep, Angela Abreu, Raquel Figueiró e Marilurde Donato, pelo
constante apoio e incentivo.
À Vera, Lisete e Ziléia, irmãs e amigas sempre presentes, que me
‘ancoraram’ com irrestrita amizade e incondicional torcida .
vii
À Sandra Telles, que compartilha dos meus sonhos no sentido de
construir uma Saúde digna para o nosso País. Suas contribuições permitiram
uma reflexão melhor sobre o CTA.
Ao amigo Antonio Cardoso, eterno cúmplice e encorajador nos meus
momentos mais difíceis.
Aos colegas de turma do Mestrado, pelo companheirismo.
À Jane Nogueira e à Beatriz Sá Leitão, pela atenção, crédito e escuta,
nos momentos em que eu achava que não ia dar conta de tantas atribuições.
À Marisa Medeiros, Kelly Martins e Juliana Pontes, cada uma com sua
tarefa, atuando nos bastidores, colaboraram para a concretização desta
dissertação.
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CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO – CTA: CAMINHOS E TRILHAS EM CONSTRUÇÃO
Sonia Maria Batista da Silva
Orientadora: Profª Drª Katia Sanches
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Saúde Coletiva, Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.
Este estudo descreveu a construção de políticas de saúde voltadas para
a epidemia de Aids abordando a construção e as diretrizes dos Centros de
Testagem e Aconselhamento – CTA, com foco no CTA/HESFA/UFRJ. Dentro
dessa premissa, apontou a coexistência e o entrelaçamento da prevenção e da
promoção à saúde frente ao HIV/Aids; permitiu a imersão no real pelo teor das
entrevistas a partir do “olhar” dos usuários sobre o Serviço. A pesquisa foi do
tipo descritivo, com abordagem qualitativa, tendo como cenário o
CTA/HESFA/UFRJ. Os dados foram obtidos por entrevistas semi-estruturadas,
realizadas com onze usuários, sujeitos do estudo, considerados representativos
de parte do universo real do Serviço. Para tanto, utilizou-se como instrumento
de coleta de dados um roteiro com perguntas previamente elaboradas. Os
relatos oportunizaram a percepção de como as etapas de atenção são
vivenciadas diante da pluralidade de questões observadas, ensejando
indagações e reflexões que apontaram para a necessidade de revisão do
processo de atendimento neste CTA, de modo a garantir sua sustentabilidade
enquanto serviço de saúde do Sistema Único de Saúde. A experiência do
CTA/HESFA/UFRJ evidenciou a relevância do aconselhamento voltado para as
DST/Aids, a humanização do serviço, o respeito aos direitos de cidadania e a
busca de estratégias adequadas que contribuam para a melhoria do acesso e
da qualidade do atendimento.
Palavras-chave : AIDS. HIV/Aids. Aconselhamento. Prevenção e Promoção da
Saúde.
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CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO – CTA: CAMINHOS E TRILHAS EM CONSTRUÇÃO
Sonia Maria Batista da Silva
Orientadora: Profª Drª Katia Sanches
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Saúde Coletiva, Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.
This study has described the constructions of politics of health about the AIDS epidemic approaching the construction and the policies of the Counceling and Testing Center of the São Francisco de Assis School Hospital of the Federal University of Rio de Janeiro. In this premiss, it was pointed the coexistence and the interlacement of the prevention and the promotion to health face to HIV/Aids; it allowed the imertion in the true trough the content of the interviews since of the “look” of the user about the Service. It was a descrive research, with qualitative approach and the scenario was the Counceling and Testint Center of the São Francisco de Assis School Hospital of the Federal University of Rio de Janeiro. The data was collected by interviews half-structured, with eleven users, study’s subjects, that was consider representative about part of the true universe of the Service. Therefor, it was used as data collection instrument a script that was previously elaborated. The reports made possible the perception of how the stages of attention are lived face many question observed, making possible questions and reflexions that point to the necessity of a revision of the atendance process in this Counceling and Testing Center, in a way to assure its sustentability as service of health in the Nos System of Health. The experience of Counceling and Testing Center of the São Francisco de Assis School Hospital of the Federal University of Rio de Janeiro made evident the importance of the counceling faced to the STD / AIDS, the humanization of the service, the respect to the rights as citizen and the search of a right strategy that contributes to the improvement of the access and the quality in the atendance. Keywords : AIDS. HIV/Aids. Counceling. Prevention and Promotion of Health.
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S U M Á R I O
Resumo Abstract Lista de siglas
Viii IX Xii
1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Objeto de Estudo Questão Norteadora Objetivos Justificativa do Estudo Organização do Estudo
1 5 5 6 6 7
2 – A CONTEXTUALIZAÇÃO DA EPIDEMIA DE AIDS
2.1. Aids: a evolução da epidemia 2.2. As Organizações não-Governamentais (ONG) no Enfrentamento da Epidemia do HIV/Aids 2.3. Políticas Públicas e Aids: ações governamentais 2.4.Estratégias de Promoção de Saúde e Prevenção do HIV/Aids 2.5.Políticas de Prevenção do HIV/Aids e Promoção da Saúde
9 9
15 19 24 36
3 − OS CENTROS DE ORIENTAÇÃO E APOIO SOROLÓGICO
(COAS) E O CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO (CTA) NO BRASIL 3.1. Reconstruindo a História 3.2. CTA/HESFA/UFRJ - Breve Histórico
47 47 60
4 – CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
4.1. Natureza do Estudo 4.2. Cenário do Estudo 4.3. Sujeitos do Estudo 4.4. Coleta dos Dados 4.5. Instrumento de Coleta de Dados 4.6. Plano de Análise dos Dados
67 67 69 69 70 72 74
xi
5 – O OLHAR DOS USUÁRIOS ACERCA DO CTA/HESFA/UFRJ
5.1. Caracterização dos Usuários 5.2. Análise dos Dados
� O CTA/HESFA/UFRJ como Serviço de Saúde do SUS � O Objetivo do CTA/HESFA/UFRJ � A Chegada ao HESFA e a Recepção no CTA:
um local de acolhimento? � Aconselhamento Coletivo � Aconselhamento Individual Pré-Teste � A Coleta de Sangue � Aconselhamento Individual Pós-Teste � Lições Aprendidas � Instalações do CTA/HESFA/UFRJ
76 77 78 78 80
83 88 94 99
100 104 107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
120
ANEXOS
126
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LISTA DE SIGLAS
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
CDC Centro de Controle e Prevenção de Doenças
CN-DST/Aids Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente
Transmissíveis / Aids
HESFA Hospital-Escola São Francisco de Assis
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
COAS Centro de Orientação e Apoio Sorológico
CTA Centro de Testagem e Aconselhamento
LACEN Laboratório Central do Estado do Rio de Janeiro
OMS Organização Mundial de Saúde
ONG Organizações não-Governamentais
OPAS Organização Panamericana da Saúde
OSC Organização da Sociedade Civil
PN-DST/Aids Programa Nacional de Doenças Sexualmente
Transmissíveis / Aids
PRD Projeto de Redução de Danos
SUS Sistema Único de Saúde
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNAIDS Programa das Nações Unidas para a Aids
xiii
“A AIDS É UMA EPIDEMIA QUE ATINGE UMA
MULTIDÃO. VIVEMOS UMA HISTÓRIA DESTE
TEMPO.”
HERBERT DANIEL
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1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É objetivo dessa dissertação é refletir sobre as políticas públicas
emanadas pelo Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis /
Aids (PN-DST/Aids) para os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA)
com foco no Centro de Testagem e Aconselhamento do Hospital Escola São
Francisco de Assis da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(CTA/HESFA/UFRJ) quanto ao atendimento das demandas dos usuários que
procuram este serviço.
O aparecimento e o crescimento da epidemia no HIV, no Brasil,
determinaram a necessidade de respostas não só em termos de políticas
públicas e ações governamentais, mas também de organização da sociedade
civil, atenta à epidemia que estava provocando um sério impacto social.
Em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde propôs o
equacionamento do modelo de saúde através da adoção de metas e estratégias
nacionais que colocassem os serviços de saúde ao alcance de toda a
população, em bases igualitárias e de acordo com o ideário de “saúde como
direito de todos”.
Sob a influência dessas idéias, o Ministério da Saúde em 1988 realiza
um treinamento em aconselhamento para o HIV/Aids, do qual participei, visando
qualificar profissionais de saúde para atuar no campo da Aids, dentro de uma
abordagem multidisciplinar, já que a epidemia prenunciava transformações na
área de saúde.
Em 1992, como membro da direção do Hospital-Escola São Francisco de
Assis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HESFA/UFRJ), participei da
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implantação do CTA/HESFA/UFRJ, o primeiro do Estado do Rio de Janeiro,
cujo surgimento ocorreu quatro anos após as diretrizes emanadas daquela
Conferência que, embora insípidas, respondiam aos propósitos de demanda
voluntária, livre acesso, gratuidade e universalidade de atenção à saúde.
Os Centros de Orientação e Apoio Sorológico (COAS) surgem em 1988,
no bojo das modificações decorrentes da Reforma Sanitária, para atender as
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), dentre as quais: capacitar
recursos humanos para a prestação de assistência médica e psicossocial,
organizar serviços de saúde para atender a população, entre eles os que
demandavam a realização dos testes anti-HIV e, ao mesmo tempo, minimizar
os problemas vivenciados na época, a exemplo da discriminação e da exclusão
social. Esses serviços teriam como finalidade oferecer testes sorológicos,
prover educação e aconselhamento, além de desviar a demanda por testes
anti-HIV nos bancos de sangue.
A partir de 1993, assumi a coordenação do CTA/HESFA/UFRJ e, nestes
onze anos, exercendo as funções de coordenadora e aconselhadora, tenho
vivenciado a construção e a consolidação das mudanças ocorridas nesse
serviço, que hoje serve como referência para diferentes níveis hierárquicos do
sistema de saúde vigente, sejam em nível ambulatorial e hospitalar. Esta
trajetória tem sido marcada pelo sentimento e pela certeza de que a Aids ainda
representa um desafio para a saúde pública, reafirmando o meu interesse pelo
enfrentamento da epidemia. Daí a motivação de implantar e estruturar um
serviço de saúde de caráter diferenciado, comprometido com uma doença que,
para além de saberes biológicos, envolve questões de sexualidade, concepções
de prevenção, direitos sociais, luta contra estigmas, enfim, uma diversidade de
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questões sociais, econômicas e culturais que, de fato, eram e ainda são muito
inquietantes e desafiadoras para mim.
Este trabalho expressa minhas preocupações políticas desde o final da
década de 70, época em que os princípios com o público e com o atendimento
à população emolduraram o meu projeto ideológico, consolidando o
entrelaçamento das minhas histórias individual e profissional voltadas para a
construção de um serviço de saúde que consolidasse o modo de pensar e fazer
neste projeto de ideais, sempre presentes em meu cotidiano.
Foi a partir do meu envolvimento no processo de implantação do CTA no
HESFA que pude incorporar o meu compromisso com a Saúde Coletiva, uma
experiência que se tornou um desafio na minha vida, fonte de energia e paixão
permanentes, não só frente às formas de enfrentamento à Aids mas,
especificamente, à organização e ao constante movimento de renovação do
CTA.
Pensar o processo de criação dos COAS/CTA e em particular no
CTA/HESFA/UFRJ não foi tarefa fácil diante do meu envolvimento pessoal, das
motivações ideológica e profissional e da minha implicação direta no serviço
desde a sua fundação, passando também pelo desempenho das funções de
coordenadora.
Escrever sobre este tema implicou na necessidade de distanciamento
emocional e isenção para poder ‘olhar’ e ‘investigar’ as diretrizes
governamentais elaboradas para os CTA, levando em consideração a
percepção dos usuários atendidos pelo serviço. Sendo assim, trata-se de uma
reaproximação, no sentido de conhecer melhor o funcionamento do CTA com
duplo direcionamento, por um lado replanejar concretamente o próprio CTA e,
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por outro, na medida do possível contribuir, futuramente, para o aprimoramento
das diretrizes. Logo, não há pretensão de esgotar o tema.
Durante este percurso, sempre houve uma preocupação constante com
o campo teórico do aconselhamento em DST/HIV/Aids, prática ainda incipiente,
o que levou à necessidade de capacitação da equipe multiprofissional do CTA,
já consolidada, possibilitando melhor qualidade no atendimento cotidiano e no
desenvolvimento dos serviços oferecidos aos usuários.
Mas o sentido prático conferido à prevenção e à política do CTA
modificou-se, de acordo com o perfil da epidemia. Foi uma travessia demarcada
pelas dificuldades dos usuários em relação à prevenção e à possibilidade de
mudança de comportamentos. Nesse sentido, os profissionais do CTA sempre
estiveram presentes, garantindo a interlocução como estratégia de abordagem
pessoal e direta, a fim de identificar fatores que contribuíam para levá-los a
adotar determinadas condutas, e as possibilidades reais de mudá-las.
Tornava-se cada vez mais claro que os desafios impostos pela epidemia
de Aids requeriam da equipe multiprofissional que atuava no CTA um
aprofundamento das questões relacionadas com a prática assistencial, além de
outras questões de igual relevância, como a organização e o planejamento do
serviço, as relações inter-institucionais, profissionais-usuário, e entre os
profissionais e as articulações político-institucionais que envolviam o Ministério
da Saúde através da PN-DST/Aids, Programas Estaduais e Municipais de
DST/Aids do Rio de Janeiro, ONG e outros Programas de Saúde que
garantiam a intersetorialidade.
É pertinente lembrar a importância do percurso vivenciado para o
entendimento da prevenção da doença, como função prioritária do CTA,
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considerada um marco na estrutura do mesmo, a ponto dos profissionais
afirmarem que, na verdade, “o teste era o brinde ao usuário, e que a âncora do
CTA era a estratégia de prevenção, através do aconselhamento”, embora
continuasse como referência para a assistência.
Ademais, é importante resgatar o quanto o trabalho desenvolvido no
CTA/HESFA/UFRJ em relação à cidadania, à dignidade, aos direitos das
pessoas com HIV/Aids e a motivação ao tratamento, evidencia que as questões
culturais, econômicas e políticas são fundamentais para a promoção da saúde,
como será enfatizado no decorrer deste trabalho.
No Brasil, nestes vinte anos de epidemia de Aids, o que já foi construído
através das políticas públicas teve como base os princípios do SUS. Quanto à
concepção de promoção de saúde, vem se consolidando na prática, imprimindo
qualidade ao atendimento aos portadores do HIV/Aids, marcando novos
caminhos nas políticas públicas de saúde.
Assim, a associação entre prevenção e assistência aponta para a
integração das ações de saúde coletiva; também a articulação entre saúde e
direitos humanos e a visão do indivíduo como um ser integral, dentro do
atendimento do CTA/HESFA/UFRJ, expressam a noção de integralidade
preconizada no SUS. O acesso ao diagnóstico e a integralidade de atendimento
são princípios que norteiam a atenção à saúde naquele serviço.
O acolhimento no CTA das pessoas que buscam o teste anti-HIV, das
pessoas que vivem com HIV/Aids e dos grupos mais vulneráveis para a
infecção do HIV/Aids possibilita a inclusão no sistema de saúde dos
continuamente excluídos. Esse processo de inclusão aponta para o
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aperfeiçoamento do exercício, ainda incipiente, do controle social preconizado
pelo SUS, imbricando os sujeitos com a saúde pública.
Sabe-se que há muito o que fazer, mas uma vez que as respostas à
epidemia pautam-se numa perspectiva intersetorial, ainda em construção. Mas,
sem dúvida, existem caminhos e trilhas a percorrer no CTA/HESFA/UFRJ e na
luta por uma saúde digna para a população brasileira.
A partir da premissa de que os serviços oferecidos aos usuários devem
se adequar às suas necessidades, estas por sua vez, respaldadas pelas
políticas de saúde propostas pelo Estado para o controle e prevenção da
epidemia de Aids, surgiu a questão norteadora do estudo: Como os usuários
vivenciam e percebem a assistência desenvolvida pelo CTA/HESFA/UFRJ,
preconizada para os Centros de Testagem e Aconselhamento nas diretrizes
emanadas pelo PN-DTS/Aids?
Foram então traçados os seguintes objetivos:
� Descrever o processo de implantação e funcionamento do
CTA/HESFA/UFRJ.
� Relacionar a atuação do CTA/HESFA/UFRJ dentro da política de
saúde do PN/DST/Aids direcionada aos CTA.
� Discutir, como ocorreu as etapas de assistência prestada pelo
CTA/HESFA/UFRJ, na visão dos usuários.
A escolha do CTA/HESFA/UFRJ para realização deste estudo justificou-
se por ser ele uma unidade de saúde de um Hospital-Escola que, há doze anos,
desenvolve a prática de saúde em relação à Aids, segundo as diretrizes do
Programa Nacional de DST/Aids – (PN/DST/Aids) do Ministério da Saúde.
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Clarear, através da visão dos usuários, se o serviço vem desenvolvendo
a com tempo a complexa missão de acolhimento e aconselhamento, com vistas
à prevenção para a epidemia do HIV, justifica-se na medida em que o
CTA/HESFA/UFRJ atende a cerca de 700/usuários/mês, quantitativo
expressivo, que aponta para a legitimação dos serviços de saúde. Resta saber,
todavia, como ele é compreendido e percebido por essa população que dele
usufrui em diferentes etapas de assistência.
Rever a história e a contextualização das políticas públicas voltadas para
os Centros de Testagem e Aconselhamento foi necessário para evidenciar
como surgem as diretrizes e como o CTA/HESFA/UFRJ se estruturou para
respondê-las, já que tantas diretrizes como as ações de saúde desenvolvidas
no serviço estão voltadas para atender as necessidades da população. Estes
são os propósitos dessa dissertação de mestrado, além destas Considerações
Iniciais (Capítulo 1), abordando os seguintes assuntos.
São apresentadas no Capítulo 2 a abordagem teórica sobre a
“Contextualização da Epidemia de Aids“, com seus desdobramentos: 2.1) Aids;
a evolução da epidemia, 2.2) As Organizações não-Governamentais (ONG) no
Enfretamento da Epidemia do HIV/AIDS, 2.3) Políticas Públicas e Aids: ações
governamentais, 2.4) Estratégias de Promoção de Saúde e Prevenção do
HIV/Aids, 2.5) Políticas de Prevenção do HIV/Aids e Promoção da Saúde, para
tecer bases com intuito de contextualizar políticas voltadas para a epidemia de
Aids. Neste contexto teórico, a intenção é subsidiar as reflexões de políticas de
saúde que contribuíram para as diretrizes dos Centros de Testagem e
Aconselhamento.
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A trajetória da criação dos COAS/CTA, em especial a criação do
CTA/HESFA/UFRJ, foi enfocada no terceiro Capítulo sob o título “Os Centros
de Orientação e Apoio Sorológico (COAS) e o Centro de Testagem e
Aconselhamento (CTA) no Brasil” sendo este subdividido em: 3.1) reconstruindo
a história e 3.2)CTA/HESFA/UFRJ.
As “Considerações Metodológicas” integram o quarto Capítulo, e
descrevem o processo de construção do trabalho, segundo a metodologia
adotada;
A análise central do trabalho é discutida no Capítulo 5 – “Análise dos
Dados – O Olhar dos Usuários acerca do CTA” – a partir das entrevistas
realizadas com os usuários acerca das etapas de atendimento no
CTA/HESFAUFRJ;
Nas “Considerações Finais”, são pontuados os resultados obtidos pela
pesquisadora a partir das entrevistas realizadas com os sujeitos do estudo,
evidenciando sugestões para a melhoria do atendimento no Serviço.
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2- A CONTEXTUALIZAÇÃO DA EPIDEMIA DE AIDS
2.1- Aids: a evolução da epidemia
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) tornou-se uma
realidade mundial a partir da década de 80. Em junho de 1981, o Centro de
Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de Atlanta, nos Estados Unidos,
relatou o primeiro caso de Aids, uma doença que viria a se tornar uma
pandemia. Nos últimos tempos, poucos agravos à saúde geraram tamanho grau
de interesse dos profissionais de saúde, de atividade científica, de enigma e de
preconceito como a Aids. O número de pessoas infectadas pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV), seu modo de transmissão e seu impacto na
sociedade levaram a Aids a adquirir uma grande relevância social (SANCHES,
1999).
Inicialmente, a Aids foi caracterizada como uma doença que acometia,
através da sua transmissão, um grupo social específico – os homossexuais
masculinos. A grande maioria de casos diagnosticados revelava que a principal
categoria de transmissão estava relacionada com o contacto entre os homens
que faziam sexo com homens e, somando-se a esses o “grupo” das prostitutas,
dos usuários de drogas (UDI) e dos indivíduos transfundidos por sangue e
hemoderivados. Portanto, a infecção pelo HIV nasceu vinculada ao campo da
sexualidade, ferindo escolhas e orientações sexuais, abarcando temas
polêmicos como diferenças sexuais, desejos e prazer sexual.
A ênfase em determinados grupos propiciou mobilização, visibilidade e
reivindicações sociais, sobretudo da mídia e das Organizações não-
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Governamentais (ONG), que começaram a se estruturar, apontando para a
dimensão social da epidemia (PARKER, 2003). Com ênfase nesta organização,
ocorreu um avanço de segmentos sociais que lutavam contra o preconceito que
provocou a desconstrução do conceito de “grupos de risco”, gradativamente
substituído pelo conceito de “comportamento de risco”. Esta mudança
apresentou um avanço e maior abertura para se pensar a epidemia, gerando
propostas de ações preventivas e intervenções em saúde relevantes na área de
saúde pública.
O conceito de vulnerabilidade, especialmente aplicado em saúde pública,
resultou de um processo entre ativismo frente à epidemia de Aids e do
movimento de direitos humanos. O discurso da vulnerabilidade na saúde
pública permite entender mais amplamente questões relacionadas a
desigualdades, estigma, discriminação e violência (PARKER, 2000). No plano
individual, relaciona-se a comportamentos e atributos pessoais que
condicionam a possibilidade de prevenção da infecção. Estes comportamentos
estão necessariamente relacionados ao meio social em que emergem e se
reproduzem, ao grau de consciência que os indivíduos têm sobre eles e ao
potencial poder de transformação que estes indivíduos tenham sobre sua
conduta (BRASIL, 2003a).
Estimativas publicadas pelo Programa de HIV/Aids das Nações Unidas
indicam que, até 2003, 38 milhões de indivíduos viviam com HIV/Aids, e que
aproximadamente 95% das pessoas infectadas vivem em países
subdesenvolvidos, onde a pobreza, a precariedade do sistema de saúde e os
parcos recursos para prevenção e assistência obstaculizam o controle da
epidemia.
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No Brasil, os primeiros casos de Aids foram identificados em 1982. Até
31 de dezembro de 2003 foram notificados 310.310 casos sendo que, desse
total, 220.783 em homens e 89.527 em mulheres (BRASIL, 2003b). Nos
homens, a faixa etária mais acometida encontrava-se entre 25 e 49 anos; nas
mulheres, entre 20 e 49 anos, período considerado de grande fertilidade.
Nestes vinte anos, a epidemia de Aids no Brasil assumiu diferentes faces que
apontam para uma dinâmica complexa, conjugando determinantes relacionados
a: saúde, condições de vida, desigualdades sociais, questões de gênero,
étnicas, etárias e de comportamento, entre outras (PARKER, 2003).
Como resultado das profundas desigualdades da sociedade brasileira, a
propagação da infecção pelo HIV revela uma epidemia de múltiplas dimensões
que vem, ao longo do tempo, sofrendo transformações significativas em seu
perfil epidemiológico (BRITO et al, 2001). Hoje assistimos a uma progressão da
doença que vem atingindo, de forma crescente, setores econômicos e
socialmente desprivilegiados, com tendência a se disseminar entre a dita
“população geral”, principalmente entre aqueles com menor renda e/ou nível
educacional, não se restringindo mais aos grupos de riscos.
Atualmente, a principal forma de expansão desta epidemia se dá através
das relações heterossexuais desprotegidas, pelo contato íntimo entre as
pessoas (mediado pelo sangue, sêmen e líquido vaginal) (PARKER, 1997).
Outros fatores que favorecem a disseminação da epidemia de Aids são:
migração populacional, urbanização, dificuldade de acesso aos serviços de
saúde, declínio da economia, uso injetável de drogas, situação de
vulnerabilidade das mulheres e doenças sexualmente transmissíveis (DST)
(LIMA, 1996).
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Além destes aspectos, a epidemia segue com tendências de
interiorização e regionalização, observando-se que sua expansão já atinge
inúmeros municípios brasileiros. Inicialmente restritos a São Paulo e Rio de
Janeiro, expandiram-se rapidamente para as regiões Nordeste, Centro-Oeste,
Norte e Sul (CASTILHO e CHEQUER, 1997) e, a partir de 1992, chama a
atenção o crescimento acentuado da doença nas regiões Norte e Sul do País
(BARREIRA, 2002, p. 23).
Em conseqüência da expansão da infecção em mulheres, novas
discussões acerca das tendências epidemiológicas, bem como de respostas de
políticas públicas, passaram a ser necessárias. A razão homem:mulher que no
período de 1984/86 era de 25:1, em 2000 passou para 2:1 (BRASIL, 2001).
Com isso, aumentou a complexidade dos aspectos relacionados à transmissão
do HIV nas mulheres.
O crescente aumento de casos em mulheres levantou surpreendentes
aspectos da vulnerabilidade frente à Aids. O perfil epidemiológico da epidemia
que, anteriormente, vinculava a transmissão feminina a parcerias com usuários
de drogas, bissexuais, homens HIV positivos e parceiros com múltiplas
parceiras remeteu, também, à evidência de que muitas mulheres infectadas
pelo HIV eram donas de casa ou domésticas, geralmente monogâmicas,
infectadas por seus parceiros fixos, não se reconhendo no contexto epidêmico
(PARKER, 2003).
Estudos realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro evidenciaram o
grande número de mortes por Aids ou doenças relacionadas em mulheres com
idade entre 20 e 49 anos, sugerindo que o diagnóstico da Aids em mulheres era
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realizado tardiamente, se comparado ao dos homens, e que os sintomas
relatados por elas não eram atribuídos à infecção pelo HIV (PARKER, 2003).
Devido à complexidade de alguns fatores sociais e culturais responsáveis
pelo aumento de caso de Aids neste segmento, programas voltados para as
mulheres tiveram prioridade e o desenvolvimento de estratégias para prevenção
do HIV tornou-se urgente. Observa-se a instituição do exame anti-HIV na
rotina do pré-natal, que diz respeito à transmissão perinatal (transmissão do
HIV da mãe para o bebê, durante a gestação, parto e/ou amamentação)
registrada inicialmente em 1995, encaminhando a outras medidas, inclusive o
uso da terapia anti-retroviral, esquema de tratamento garantido pelo Ministério
da Saúde, especialmente preconizado para diminuir a chance de infecção de
conceptos.
Essas diretrizes oficiais informam a mulher sobre a decisão de ter ou não
filhos, orientam sobre reprodução assistida, exames que monitoram a chance
de engravidar, aconselhamento para o teste anti-HIV, uso dos preservativos
feminino e masculino e uso de medidas para as gestantes e seus filhos,
iniciativas que permitiram a redução desta forma de transmissão, estimulando
a interrelação entre programas de saúde governamentais e incentivando a
indissociabilidade entre ações preventivas e assistenciais.
Há um crescimento significativo de casos de Aids diagnosticados na
população mais pobre, que sofre com desemprego, violência, baixa renda ou
má remuneração. Esses fatores aumentam a vulnerabilidade frente à epidemia,
comprometendo as estratégias de prevenção e o entendimento dos cidadãos
quanto à adesão ao tratamento. Estes processos socioeconômicos e culturais
produzem desigualdade e discriminação, expondo mais os cidadãos a vários
14
agravos de saúde, inclusive ao HIV. Nesse sentido, as mazelas de uma
sociedade se espelham nos mais frágeis, marginalizados e desassistidos,
limitando a eficácia das políticas públicas, trazendo a necessidade de repensar
os problemas da população brasileira, buscando estratégias de integração
intersetorial com outras políticas públicas e a interface entre prevenção e
assistência (MATIDA, 2003).
Mann (1993) ressalta que a exclusão social e/ou a discriminação com
base em raça/etnia, nacionalidade, religião, sexo e/ou orientações sexuais,
também contribuem significativamente para o aumento do risco da infecção
pelo HIV. Do ponto de vista prático, a discriminação foi considerada uma
ameaça à saúde pública devido ao rápido crescimento do número de casos da
doença. Atualmente, os casos não se limitam a grupos ou pacientes com
comportamentos “diferenciados”, inicialmente estigmatizados como grupos de
risco; hoje a epidemia representa um risco real para toda a população (THULER
et al, 1998).
Neste cenário, destacam-se os esforços realizados para controlar o
crescimento dos casos de Aids. A conjugação das análises epidemiológicas,
dos avanços no campo da assistência e do monitoramento da epidemia, das
políticas preventivas, das pesquisas científicas, das lutas contra estigmas
desenvolvem, através de uma relação dialética, renovados compromissos em
defesa da promoção e do direito à saúde voltados, sobretudo, para a resolução
de um dos maiores problemas de saúde da população brasileira.
A dinâmica da epidemia acentuou os aspectos relacionados à
deterioração da economia e da qualidade de vida, ao crescente movimento
migratório, à ascensão do mercado de drogas e da criminalidade, à
15
feminilização, à estrutura da relação de poder entre gêneros, à dificuldade de
negociação de práticas seguras em todas as relações sexuais, permeada pela
subjetividade que envolve os relacionamentos entre pares e seres humanos.
Essa realidade faz emergir o entendimento de que homens e mulheres sejam
vistos como sujeitos históricos, inseridos na vida social, sublinhando-se a
relação de poder entre gêneros e as questões socioeconômicas.
Essas considerações sobre o perfil epidemiológico levam a reflexões e
desafios, conforme referido por Barreira (2002, p. 24):
Tal como no século XIX, quando profundas transformações sociais tiveram nas epidemias emergentes da época seu espelho e imagem, as epidemias de Aids e de outras DST, por estarem referidas a práticas, concepções e valores sociais relativos à saúde, ao corpo e à sexualidade, colocam para nós o desafio (e a necessidade) de, a um só tempo, com o nosso conhecimento, experiência e criatividade, enfrentar fragilidades e conflitos inerentes às formas de sociabilidade contemporânea.
2.2- As Organizações não-Governamentais (ONG) no Enfrentamento da Epidemia do HIV/Aids
Para entender a dinâmica da epidemia da Aids, é relevante observar as
tendências da política brasileira, das políticas públicas de saúde, da influência
da sociedade civil e das Organizações não-Governamentais (ONG), algumas
denominadas Organizações da Sociedade Civil (OSC), associadas ao contexto
social e às respostas à Aids.
No Brasil, a prática do aconselhamento surgiu voltada para o HIV/Aids,
inicialmente no âmbito das ONG, a partir de trabalhos voluntários isolados e de
grupos de apoio entre pares e pessoas infectadas pelo HIV/Aids (MIRIM e
PASSARELLI, 1998, p. 7).
16
A identificação dos primeiros casos de HIV/Aids, a partir do diagnóstico
sorológico, das doenças oportunistas, das mortes física e civil vinculadas
inicialmente à sexualidade, em especial à homossexualidade, trouxe cenas e
representações sociais que apontavam para a necessidade de enfocar a
epidemia pela ótica dos Direitos Humanos. Nessa linha de pensamento,
salienta-se a preocupação com o conceito de solidariedade e a importância
dada a atitudes de inclusão social dos cidadãos, que se tornaram princípios
norteadores e identitários no enfrentamento da epidemia da Aids.
Entendidos como violação dos Direitos Humanos, a discriminação, o
preconceito e o estigma relacionados ao HIV/Aids ampliaram a dimensão da
epidemia, voltando o olhar para os cidadãos como sujeitos de direitos. Mas, o
cenário imposto por ela envolveu diferentes atores sociais, que cumpriram um
papel relevante na formulação de políticas públicas para o seu enfrentamento.
É neste contexto que surgem as primeiras ONG voltadas diretamente para
o enfrentamento da Aids (ONG/Aids) com a finalidade de discutir os papéis do
Estado e da sociedade frente à doença, desenvolvendo, assim, um campo
privilegiado de questionamento do sistema de saúde e acarretando,
conseqüentemente, novas formas de atuação frente ao fenômeno endêmico.
Marcadas pela grande importância de mobilização da opinião pública em torno
de questões vitais para o combate e assistência à epidemia, as ONG/Aids
visavam assegurar interlocuções com instâncias governamentais,
especialmente na área da saúde, colocando uma série de desafios entre os
quais organizar, planejar e implementar ações de saúde, articulando assistência
médica, prevenção e direitos humanos e, desta forma, conferindo à saúde o
estatuto universal sustentado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
17
No período de 1985 a 1989, surgiram ONG/Aids que assumiram a
epidemia como fenômeno político-social, descentralizando o enfoque que a
circunscrevia somente como questão de saúde pública. As ONG/Aids
apresentavam características diferenciadas, pois eram formadas por segmentos
da sociedade civil, tendo em seus quadros, inicialmente, pessoas que
trabalhavam voluntariamente, objetivando o bem-estar dos cidadãos e a
promoção de justiça social. Também desencadearam uma diversidade de
iniciativas, dentre as quais campanhas voltadas para a consciência pública,
desenvolvimento de projetos de inclusão dos cidadãos no sistema de saúde
reivindicando melhores condições de tratamento, implantação e implementação
de políticas de prevenção, marcando um dos períodos mais significativos da
história da Aids no Brasil (GALVÃO, 2000).
O ativismo das ONG/Aids foi decisivo nas negociações entre os setores
governamentais e as organizações da sociedade civil, que acabaram por
impulsionar a revisão das políticas públicas em saúde, conferindo um sentido
ampliado à epidemia em que prevaleceram eixos fundamentais como resgate
da ética, da dignidade e dos direitos dos portadores do HIV.
As ONG/Aids propiciaram respostas ao nível da assistência, do
tratamento e da prevenção, desencadeando o exercício de políticas inovadoras
em que determinantes sociais, como as desigualdades entre as classes,
passaram a ser vistos como fatores que interferiam na vulnerabilidade frente à
infecção do HIV/Aids. Neste enfoque, a Aids ganha uma dimensão ampliada,
aproximando-se de questões socioculturais, políticas, econômicas e de justiça.
O entrelaçamento desses aspectos imprimiu novos compromissos e
diretrizes à epidemia, favoreceram ações intersetoriais e fortaleceram o caráter
18
social e integrador das políticas de controle da Aids, reafirmando a defesa do
direito à saúde e à vida.
Ressalta-se que, na trajetória da epidemia do HIV/Aids, as ONG/Aids no
Brasil consagraram sua importância e multiplicaram-se dentro de diversas
linhas de atuação, com destaque para projetos de intervenção e
sustentabilidade, colocando em pauta novos atores e formas de ação,
estabelecendo novas ordens de relacionamento e cooperação e
circunscrevendo a atuação e o campo de trabalho das ONG civis frente à
epidemia (GALVÃO, 2000).
O crescimento da epidemia do HIV/Aids no Brasil vem acompanhando
mudanças significativas das ONG/Aids, no tocante à atuação e
institucionalização destas entidades na prestação de serviços e projetos de
intervenção diversificados. A expansão da epidemia acarreta agendas de
trabalho em cooperação com as organizações governamentais estabelecendo,
então, estratégias de diminuição da infecção pelo HIV e políticas gerais para a
epidemia.
É fundamental assinalar que, neste inevitável processo de acertos e
desacertos, a criatividade, a mobilização social e a experiência exitosa das
ONG contribuíram para o amadurecimento das políticas relacionadas à Aids, ao
longo do percurso. Assim, em parcerias, viabilizaram políticas públicas
assertivas, a despeito de algumas dificuldades naturais evidentes, traçando
compromissos inovadores numa visão ampliada de respostas sociais,
assistenciais, de tratamento, prevenção e controle da epidemia.
Neste aspecto, é preciso lembrar que a sustentabilidade da resposta
brasileira frente à Aids depende da política e da pressão constante da
19
sociedade civil e de ações, sejam de prevenção ou de assistência ao
tratamento, além do aprofundamento constante da conscientização da
cidadania e da democracia (PARKER, 1997, p.9).
2.3- Políticas Públicas e Aids: ações governamenta is
Conforme referido anteriormente, a década de 80 foi marcada por
significativas modificações na sociedade brasileira. O período de transição
social vivido era carregado de esperanças no processo de redemocratização,
quando o diálogo e a possibilidade de responder as preocupações da
sociedade começavam a ser tecidos.
As políticas públicas encaminhavam proposições que visavam atender os
interesses sociais coletivos, transformando os impasses sociopolíticos em
ações institucionalizadas, e implementando essas ações através de traços
democráticos.
As propostas para uma nova política de saúde no cenário nacional, na
primeira metade dos anos 80, evidenciavam mudanças estruturais através do
movimento da Reforma Sanitária, que enfatizava a importância da atenção e da
participação comunitária na saúde.
Essa questão contribuiu para transformar a política de saúde num
elemento inaugural e fundamental no novo contexto sociopolítico no Brasil. Foi
considerado um tema prioritário na discussão das políticas públicas que
abordaram questões relevantes quanto à finalidades, diretrizes, métodos e
ações de saúde, culminando com a realização da VIII Conferência Nacional de
Saúde, em 1986, e com a proposta de criação do Sistema Único de Saúde
(SUS), cujos objetivos eram alterar a situação de desigualdade na assistência à
20
saúde da população, universalizando o acesso ao atendimento, tornando-o
obrigatório e gratuito a qualquer cidadão brasileiro.
A epidemia de Aids surge neste contexto e aproxima o tema e a doença
ao desenvolvimento de política e direitos sociais e cidadania, associando-os
aos princípios do SUS.
A notificação dos casos de Aids, no início da década de 80, apontava
para a evidência do crescimento da epidemia no País. E seu confrontamento
implicou na mobilização de grupos afetados pela detecção dos casos
diagnosticados, por setores da sociedade civil e pela competência e
responsabilidade das instituições governamentais e dos profissionais de saúde,
que buscaram construir um modelo em saúde mais adequado para assistir,
prevenir e tratar a epidemia que se alastrava.
Refletindo o momento histórico e a dimensão da epidemia na
sociedade brasileira, em 1983 foi criado em São Paulo, o primeiro Programa de
Aids no Brasil, “um exemplo da combinação de um governo democrático com a
crescente mobilização de setores da sociedade civil e com o efetivo aumento do
número de casos de pessoas HIV positivas em São Paulo” (GALVÃO, 2000, p.
58). A esse respeito, assim se pronunciou Teixeira (1997, p.44):
Em 1983, um grupo de militantes do Movimento pelos
Direitos dos Homossexuais do Estado de São Paulo procurou a
Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo (SES) para cobrar
uma posição diante de um problema novo e inquietante, detectado
em nosso meio e já então veiculado pelos meios de comunicação: a
ocorrência de casos de Aids. A resposta da Secretaria veio através
da constituição de um grupo de trabalho composto por técnicos de
diversas áreas da instituição.
21
O estabelecimento da notificação compulsória, a criação de um serviço de
informações por telefone e a participação da comunidade foram medidas
propostas e implementadas. O período ficou marcado pela mobilização de
militantes da luta contra a Aids, pela criação de ONG voltadas para essa
questão e pela pressão social exercida sobre os setores governamentais. O
trabalho de informação sobre transmissão e prevenção à doença começou a
tomar corpo, assim como o redirecionamento das abordagens médico-
terapêuticas ampliando, então, o diálogo para outras categorias profissionais e
possibilitando uma diversidade de iniciativas, composições e questionamentos
importantes para o enfrentamento da doença.
Com o avanço da epidemia, diversos estados brasileiros construíram
Programas de Aids em suas respectivas Secretarias de Saúde e, em 02 maio
de 1985, através da Portaria 236 do Ministério da Saúde, o então Ministro
Carlos Correa de Menezes Sant'Anna estabeleceu as diretrizes do Programa
Nacional de Aids (PN-DST/Aids) a nível federal, vinculando a sua coordenação
à Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária da Secretaria Nacional de
Programas Especiais de Saúde (TEIXEIRA, 1997).
Na justificativa do Programa, o então Ministro referiu-se ao significativo
aumento do número de casos, à alta taxa de mortalidade, à escassez de recur-
sos terapêuticos e à necessidade de hospitalização dos pacientes com Aids,
por longo tempo.
A responsabilidade do PN-DST/Aids envolveu, inicialmente, ações de
vigilância epidemiológica e medidas de prevenção. Aos serviços de saúde
coube a responsabilidade de implementar medidas de educação sanitária junto
22
aos grupos de riscos. As orientações deveriam seguir princípios que
preconizavam: abandono do uso de drogas, atividade sexual restrita a um único
parceiro, controle da doação de sangue dos grupos de risco e oferecimento de
assistência pelos Serviços de Saúde em caso de suspeita da doença.
O Ministério da Saúde assume a organização institucional das atividades
de controle e prevenção da Aids e, ainda em 1985, o Estado do Rio de Janeiro
passa a ter uma instância dentro da Secretaria de Estado de Saúde,
responsável pela Vigilância Epidemiológica dos casos de DST/Aids. Este setor
vai adquirindo, aos poucos, a identidade de Programa, mesmo sem qualquer
formalização no seu organograma, o que só ocorrerá em 1991, ensejando a
institucionalização do Programa também no Município do Rio de Janeiro
(ROCHA, 1999).
Os serviços estaduais para o tratamento da Aids, em especial os do Rio
de Janeiro e os de São Paulo, foram designados como Centros de Referência
Regional através da Portaria 726, de 5/11/1995, do Ministério da Saúde
(TEIXEIRA, 1997, p.56). Esses centros formadores desenvolveram inúmeros
treinamentos para equipes multidisciplinares nos Estados que ainda não tinham
estruturado os Programas de DST/Aids, e para aqueles que iniciavam as
atividades de controle e assistência à Aids. Com isso, o PN-DST/Aids do
Ministério da Saúde passa a ter expressão pública e legitimação.
Os primeiros anos de funcionamento do PN-DST/Aids também
asseguraram direitos e garantias aos portadores de Aids e seus familiares,
dentro de referenciais éticos, sócio-políticos e trabalhistas, conforme referido
por Teixeira (1997, p.58):
Destaca-se a garantia do acesso à informação adequada sobre
medidas de prevenção, a criação de locais para orientação
23
diagnóstica ou sorológica e o tratamento dos casos de Aids. O teste
anti-HIV só seria efetivado sob orientação médica e mediante sigilo
laboratorial e consentimento individual.
Segundo o autor, havia garantia de atendimento aos portadores do HIV,
a nível médico, social, de assistência judicial gratuita e a indicação de serviços
de orientação diagnóstica.
Essas diretrizes do PN-DST/Aids configuravam a Aids como um
problema coletivo e de abrangência nacional, com ênfase na prevenção
primária, no aconselhamento, na referência para assistência integrada, no
diagnóstico sorológico, sobretudo com investimentos para suporte laboratorial,
capacitação profissional e controle do sangue, além de programas e projetos de
prevenção.
O PN-DST/Aids, através do seu fortalecimento institucional, da
cooperação com as ONG e de diversas parcerias com instituições nacionais e
internacionais, entre elas as agências da Organização Mundial de Saúde
(OMS), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e do Banco Mundial,
recebeu recursos financeiros destinados a linhas de atuação significativas de
sustentabilidade às ações de saúde, dinamizando as respostas brasileiras à
epidemia. Estes financiamentos expressavam as preocupações mais urgentes
acerca da questão, principalmente as dificuldades de infra-estrutura do sistema
de saúde pública relacionados a assistência, diagnóstico e prevenção.
É importante assinalar que os debates científicos produzidos em Confe-
rências Internacionais influenciaram a expansão dessas respostas, contribuindo
assertivamente para a distribuição de antiretrovirais na rede pública, também
conhecidos como “coquetel”, fazendo com que a Aids passasse a ser vista
24
como uma doença “tratável”, revitalizando e dando credibilidade ao cenário
nacional em relação à mesma.
Assim, a resposta brasileira à epidemia, a partir de uma percepção
integrada do Governo, da mobilização das ONG, da divulgação e/ou denúncias
da mídia, da pressão e do compromisso dos profissionais de saúde, formalizou
a necessidade da compra de medicamentos antiretrovirais, disponibilizando-os
para os serviços públicos de saúde. Esta medida de acesso universal aos
medicamentos pelos pacientes portadores de HIV/Aids resultou na evidente
queda de mortalidade pela doença.
Cabe ressaltar que o acesso aos medicamentos e, posteriormente, a
produção local dos genéricos, a negociação de preços e a quebra de patentes,
associados à intensa política de prevenção nos serviços de saúde e nas
comunidades, traz novamente a foco a questão dos direitos humanos à saúde,
garantindo melhoria na qualidade de assistência.
Também é notório o papel executado pelos indivíduos afetados pelo
HIV/Aids e seus familiares, que aproximaram o entendimento da saúde coletiva
à questão da solidariedade, construindo um movimento em prol do acesso
universal aos serviços de saúde e aos direitos trabalhistas, evitando a
discriminação dos cidadãos e favorecendo a prevenção contínua.
Essas ações e a política de cooperação e interlocução
internacional, acrescidas de ações intersetoriais, fizeram com que o Brasil
assumisse responsabilidades e adotasse atitudes exemplares, contribuindo
para o fortalecimento e a sustentabilidade do programa brasileiro frente à
epidemia da Aids.
25
É importante sublinhar que a integralidade das ações de saúde, ao lado
da gestão descentralizada, do controle social e da articulação entre saúde e
direitos humanos, são princípios norteadores das políticas de Aids no País.
Para atendê-los, é fundamental formular uma agenda política dinâmica que
discuta o papel do Estado, o desenvolvimento do SUS, a qualidade e a garantia
do que construímos.
26
2.4- ESTRATÉGIAS DE PROMOÇÃO DE SAÚDE E PREVENÇÃO DO HIV /Aids
O campo da saúde pública teve sua origem no final do século XVIII,
marcado por uma ação política da medicina, bem como por uma dimensão
social das enfermidades.
A concepção de saúde coletiva constituiu-se a partir de uma crítica ao
caráter pretensamente universalista e naturalista do saber médico. Para ela, a
problemática da saúde é mais abrangente e complexa que a leitura realizada
pela medicina, considerando que categorias como “normal”, “anormal” e
“patológico”, dentre outras, estão imbuídas de valores. Conforme observou
Birman (1991, p.9),
A saúde é marcada num corpo que é simbólico, onde está
inscrita uma regulação cultural sobre o prazer e a dor, bem como ideais estéticos e religiosos. Destacando assim, nas diversas sociedades, o corpo simbólico, as representações da vida e da morte, do normal e do anormal, as práticas sanitárias não podem silenciar sobre o tecido social, marcado pelas diferenças. O reconhecimento do caráter simbólico do corpo impede a sua representação como apenas uma máquina anátomo-funcional, constituída por mecanismos bioquímicos e imunológicos.
É devido a isso que a construção de um discurso teórico da saúde
coletiva precisa, necessariamente, conter elementos teóricos das Ciências
Humanas. É o que se tem observado no mais recente discurso da
epidemiologia, considerando tanto os saberes biológicos quanto os sociais,
sobretudo no que diz respeito à sexualidade humana. Em função dessa nova
dimensão da saúde, no discurso da saúde coletiva é que se realizou uma
verdadeira inflexão no conceito de saúde.
27
Face à consideração de que o conceito de saúde implica não apenas
aspectos biológicos, mas também humanos simbólicos, históricos e sociais, o
discurso da saúde coletiva adotou um caráter multidisciplinar que, por sua vez,
levou a uma mudança da própria problemática da saúde, de apenas “boas
condições biológicas” para a saúde em relação com a natureza e a cultura
(BIRMAN, op cit., p.10).
A idéia de saúde coletiva constituiu-se num processo histórico, desde as
campanhas sanitárias do final do século XIX e início do século XX, quando se
registrou uma expansão das doenças infecto-contagiosas, levando ao
desenvolvimento de esforços no sentido de uma sistematização teórica do
conceito de “risco”. Das campanhas sanitárias da época aos sistemas de
vigilância epidemiológica propostos em meados dos anos 70, chegou-se à
atualidade, com o debate sobre a “integração” entre vigilância epidemiológica e
vigilância sanitária.
Nos anos 80, com o Sistema Único Descentralizado de Saúde (SUDS), o
debate sobre a ampliação do objeto da vigilância epidemiológica sofreu uma
intensificação a partir de uma reflexão sobre a fragilidade dos órgãos federais e
estaduais nessa ação. A Constituição de 1988 incorporou mudanças quanto ao
papel do Estado na questão da saúde, estabelecendo nos Artigos 196 e 200
que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, instituindo, a seguir, o
Sistema Único de Saúde (SUS).
Na seqüência, discute-se uma das diretrizes básicas do SUS, a
integralidade, caracterizada como uma forma de atendimento que deve ser
incorporada ao cotidiano dos serviços de saúde. A esse respeito, resgata-se o
pensamento de Mattos (2003, p.41):
28
Em uma perspectiva mais teórica, pode-se dizer que integralidade não é apenas uma diretriz do SUS definida constitucionalmente. Ela é uma “bandeira de luta”, parte de uma “imagem objetivo”, um enunciado de certas características do sistema de saúde, de suas instituições e de suas práticas. A integralidade tenta falar de um conjunto de valores pelos quais vale lutar, por se relacionarem ao ideal de uma sociedade mais justa e mais solidária.
Segundo Mattos (2003), quando se compara a integralidade com uma
imagem objetiva, tem-se em mente a direção que se quer imprimir à
transformação da realidade, que parte de um pensamento crítico que se recusa
a reduzir a realidade ao que ‘existe’, que se indigna com algumas
características do que ‘existe’, e almeja superá-las não sendo, no entanto,
nunca detalhada, pois não se trata de um projeto especificado a priori.
Um primeiro aspecto de integralidade relaciona-se com a idéia de
medicina integral. Segundo esta, o conhecimento médico deve evitar a
especialização ao extremo, que leva a uma prática tanto fragmentária quanto
reducionista. É nesse sentido que o movimento de medicina integral tem
procurado propor reformas curriculares, transformar o aprendizado em sua
acepção do que é básico, seja na introdução de conhecimentos relativos ao
adoecimento, seja na relação médico-paciente, bem como os relativos à
sociedade e aos contextos culturais.
Mattos (2003, p.46) afirma:
Portanto, para a medicina integral, integralidade teria a ver com uma atitude dos médicos que seria desejável, que se caracterizaria pela recusa em reduzir o paciente ao aparelho ou sistema biológico que supostamente produz o sofrimento e, portanto, a queixa desse paciente.
No entanto, no Brasil, a medicina integral associou-se ao movimento da
medicina preventiva, locus privilegiado de resistência à ditadura militar,
29
concomitante com o nascimento da Saúde Coletiva, propiciando uma
significativa renovação teórica. De fato, em sua crítica à saúde pública
tradicional, acabou “reconfigurando o eixo de interpretação típico da medicina
integral” (op cit, p. 46). O autor (op.cit., p.49) complementa afirmando que:
A atitude do médico que, diante de um encontro com o paciente motivado por algum sofrimento, aproveita o encontro para apreciar fatores de risco de outras doenças que não as envolvidas no sofrimento concreto daquele paciente, e/ou investigar a presença de doenças que ainda não se expressaram em sofrimento, ilustra um dos sentidos de integralidade.
Um segundo aspecto da integralidade está associado à organização dos
serviços de saúde. A integralidade realiza uma crítica à forma dicotomizada do
sistema de saúde anterior ao SUS, em que os técnicos da Previdência
processavam a demanda por atendimento médico, buscando viabilizá-lo, e o
Ministério da Saúde definia as estratégias de enfrentamento dos problemas
relativos à saúde pública. Da crítica à organização do sistema de saúde surgiu
uma concepção de programação dos serviços de saúde de forma horizontal.
Nesse sentido, integralidade também consiste num “modo de organizar o
processo de trabalho de modo a otimizar o seu impacto epidemiológico”
(MATTOS, 2003, p.56). Nessa linha de raciocínio, e de acordo com o autor,
a equipe de serviços definia para segmentos da população (geralmente divididos em faixas etárias) quais seriam as atividades a serem programadas, priorizando algumas doenças e agravos freqüentes na população e passíveis de ações preventivas e/ou de controle. As diretrizes deveriam guiar o trabalho dos diversos profissionais e incidiam sobre a recepção da unidade, sobre o agendamento de atividades, sobre o elenco das atividades realizadas e sobre o protocolo de realização de atividades.
Um outro aspecto da integralidade está relacionado ao que se denomina
“políticas especiais”. Tais políticas consistem em ações visando a solução de
30
um problema específico de saúde que atinge um grupo populacional. Um
exemplo desse tipo de política pode ser observado na saúde da mulher,
pensada dentro de sua perspectiva de vida: passou a haver uma preocupação
com a sua saúde, tendo em vista um útero grávido ou não, desprendendo a
figura da mulher de sua imagem maternal uma vez que, na sociedade
contemporânea, segundo Mattos (2003), a maternidade não é prioritária para a
mulher e, sendo assim, cada vez mais tem decrescido o índice de natalidade.
No Brasil, a política que mais se aproximou do princípio de integralidade
foi a de combate à Aids e, nesse sentido, conforme observou o autor (op.cit.,
p.60),
a resposta governamental brasileira destoou de uma série de recomendações emanadas das agências internacionais, como o Banco Mundial, sobre as políticas frente à Aids. Em geral, tais recomendações defendiam que os governos deveriam se empenhar na oferta de intervenções preventivas, consideradas altamente eficazes em termos de custo, deixando de financiar ou prover algumas intervenções como o uso de antiretrovirais. A resposta brasileira, entretanto, norteou-se pelo princípio da integralidade, de modo que o governo assumiu a responsabilidade de distribuir gratuitamente os antiretrovirais aos pacientes com a doença, sem descuidar das práticas preventivas.
O acolhimento é também uma forma de atenção à saúde do usuário nos
sistemas públicos de saúde, entendido como uma abertura para a demanda, e
de responsabilidade por todos os problemas de saúde de uma dada região.
Segundo Merhy (1994, p. 141), o acolhimento prevê:
1. Atender a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde, garantindo-lhes acessibilidade universal; 2. Reorganizar o processo de trabalho, de forma a que equipe multidisciplinar se encarregue de escutar o usuário, comprometendo-se a resolver o seu problema de saúde; 3. Qualificar a relação do profissional-usuário, que deve se pautar por parâmetros humanitários, de solidariedade e de cidadania.
31
Nesse sentido, o acolhimento apresenta-se como possibilidade de
verificar como se desenvolve a relação usuário / serviço no que diz respeito à
acessibilidade, considerando que o acolhimento somente é possível numa
gestão participativa, onde vigorem princípios democráticos e interativos,
indispensáveis para que o usuário adquira confiança e respeito pela equipe de
saúde e pelo serviço. Eis as palavras de Campos (1994, p.50-51) alusivas ao
exposto:
As instituições de saúde deveriam existir tanto para ajudar cada cliente a melhor utilizar os recursos próprios, partindo sempre do reconhecimento da vontade e desejo de cura de cada um, como par oferecer recursos instituicionais também voltados par melhorar as condições individuais e coletivas de resistência a doença. Desse sentido todo esforço voltado para aumentar a capacidade da autonomia do paciente para melhorar seu entendimento do próprio corpo, da sua doença, das suas relações com o meio social e, em consequência, da capacidade de cada um instituir normas que lhe ampliem as possibilidades de sobrevivência e a qualidade de vida ... urgiria trazer par o rotineiro espaço da prática clínica a valorização da fala e da escuta.
O acolhimento leva diretamente ao aconselhamento, entendido como um
diálogo centrado no usuário, baseado numa relação dinâmica de ‘estar com’
(ROGERS, 1942). Visa proporcionar à pessoa, através de um processo de
escuta e reflexão, a capacidade de percepção e avaliação dos próprios riscos e,
nesse processo, resgatar os recursos internos que lhe possibilitem reconhecer-
se como sujeito da própria saúde e da sua transformação. Para tanto, torna-se
importante que ela reflita e adote maneiras realistas de enfrentar seus
problemas relacionados ao HIV/Aids.
A epidemia do HIV/Aids propiciou um terreno fértil para a aplicação da
técnica do aconselhamento, determinando modos de intervenção pautados na
reflexão individual e na responsabilidade individual e coletiva, tornando-se uma
estratégia relevante na prevenção e no tratamento da doença. No início, países
32
como a Inglaterra e os Estados Unidos já dispunham de serviços de
aconselhamento destinados a grupos minoritários, dentre os quais homens que
faziam sexo com homens e usuários de drogas. Com a expansão da epidemia,
essas ações ampliaram-se, incorporando o apoio psicológico às pessoas
afetadas pelo HIV/Aids como suporte emocional para o diagnóstico,
manifestações de doenças oportunistas e adesão às terapias medicamentosas,
além de atendimento aos seus familiares.
O aconselhamento está embasado em teorias e técnicas da Psicologia,
compreendendo-se que os indivíduos possuem capacidades e potencialidades
passíveis de serem desenvolvidas mediante processo reflexivo e dialógico.
Segundo Rogers (1942, p. 5), objetiva “oferecer assistência [ao usuário] na
modificação de suas atitudes e comportamento”, numa relação de ajuda.
No Brasil, o aconselhamento ganhou força dentro da prática de
psicologia clínica. Na proposta de Rogers, o aconselhamento é um processo
que necessita de uma duração certa, de várias sessões, podendo ocorrer tanto
individualmente como em grupos (MIRIM e PASSARELLI, 1998, p.7).
Consultando Scheffer (1986, p. 14), verificamos que a autora define o
aconselhamento como “uma relação face a face de duas pessoas, na qual uma
delas é ajudada a resolver dificuldades de ordem educacional, profissional, vital,
e a utilizar melhor os seus recursos pessoais”.
O Ministério da Saúde (BRASIL, 1997, p. 41) utiliza a seguinte definição
para aconselhamento:
É um processo de escuta ativa, individualizado e centrado no cliente. Pressupõe a capacidade de estabelecer uma relação de confiança entre os interlocutores, visando o resgate interno do cliente, para que ele mesmo tenha possibilidade de reconhecer-se como sujeito da sua própria saúde e transformação.
33
Segundo Freire (1999, p. 145), “escutar o Outro não é só ouvir os sons
emitidos. É ouvir a voz de dor e das necessidades, recolhê-la, entendê-la,
comparti-la, e devolvê-la”.
Em se tratando de aconselhamento em HIV/Aids, trata-se de um
processo dinâmico entre profissional e usuário, em que a escuta é privilegiada,
servindo para identificar, refletir e analisar situações de exposição ao risco de
adquirir o HIV, buscando soluções para a redução de riscos.
Na fase da testagem realizada no CTA, o aconselhamento é visto como
uma oportunidade de atuar junto a indivíduos e/ou grupos, divulgando as
informações contextuais e circunscritas à transmissão e prevenção do HIV/Aids.
É evidente que a prática do aconselhamento no CTA não pode ser
compreendida como psicoterapia, já que a composição das equipes desses
serviços é multiprofissional, embora se reconheça a relevância da atuação do
psicólogo junto ao portador da infecção pelo HIV.
Na rotina do CTA, a decisão de submeter-se a um exame anti-HIV
mobiliza diversos conteúdos da história do indivíduo, trazendo à tona seus
medos relacionados a comportamentos e atitudes adotados ao longo da vida,
agora considerados como de risco.
Assim sendo, incluir o aconselhamento como estratégia de percepção,
avaliação, prevenção e redução de risco leva a compreendê-lo como
possibilidade de encontro do sujeito com a sua história e de resignificação de
comportamentos. E o papel do profissional no aconselhamento é o de ouvir as
preocupações do indivíduo, propor questões que facilitem a sua reflexão e a
superação de bloqueios, prover informação, apoio emocional e ajudá-lo a se
decidir por medidas preventivas na busca de melhor qualidade de vida
34
(BRASIL, 2003). Neste processo educativo e reflexivo, o indivíduo passa a ser
entendido como sujeito promotor da própria saúde.
Estão descritas, a seguir, as diversas etapas de aconselhamento previs-
tas para os CTA, segundo o Manual de Aconselhamento do PN-DST/HIV/Aids.
� Aconselhamento Coletivo
Trata-se de um momento predominantemente informativo, que também
deve ser considerado como uma oportunidade de acolhimento e
estabelecimento de vínculo entre o cliente e o serviço de saúde. Sempre será
garantido o espaço do usuário para que ele exponha seus conhecimentos e
dúvidas. Durante a realização do aconselhamento coletivo (BRASIL, 1997,
p.15), o profissional de saúde deverá:
� Resguardar a privacidade de cada membro do grupo;
� Identificar e acolher a demanda do grupo;
� Utilizar linguagem compatível com a cultura dos participantes;
� Trocar informações sobre o sistema de teste e janela imunológica;
� Trocar com o grupo informações sobre o significado dos possíveis
resultados do teste;
� Considerar com o grupo o impacto dos possíveis resultados do teste;
� Reforçar a diferença entre HIV e Aids;
� Reforçar a necessidade de adoção de práticas seguras frente ao HIV
e outras DST;
� Estimular o grupo a ponderar a realização ou não do teste;
� Considerar com o grupo possíveis reações emocionais que venham a
ocorrer durante o período de espera do resultado do teste;
� Explicar os benefícios do uso exclusivo de equipamentos para o
consumo de drogas injetáveis e demonstrar o método correto de
limpeza e desinfecção de seringas e agulhas.
35
� Aconselhamento Individual
Este tipo de aconselhamento pode ocorrer em dois momentos distintos:
antes da realização do teste anti-HIV, ou após, quando o cliente retorna ao
serviço para receber o resultado do exame. Muitas vezes, entre a incerteza de
fazer ou não o teste e frente à dúvida da condição sorológica, emergem
sentimentos e questionamentos sobre situações e experiências sexuais
vivenciadas.
De acordo com o atual Manual de Aconselhamento (BRASIL, 1997, p. 14-
18), os conteúdos dividem-se em: procedimentos gerais, pré-teste e pós-teste
diante de resultados negativo, positivo ou indeterminado. A seguir, a descrição
de cada conteúdo:
� Procedimentos Gerais
� Reafirmar o caráter confidencial e o sigilo das informações
prestadas;
� Identificar com certeza a demanda do cliente;
� Prestar apoio emocional ao cliente;
� Facilitar ao cliente a expressão de sentimentos;
� Identificar as crenças e valores do cliente acerca de DST/HIV/Aids;
� Utilizar linguagem compatível com a cultura do cliente;
� Trocar informações sobre DST e HIV/Aids, suas formas de
transmissão, prevenção e tratamento, com ênfase para as situações
de risco do cliente;
� Ajudar o cliente avaliar e a perceber seus riscos de infecção pelo HIV
e outras DST;
� Identificar barreiras para a mudança das situações de risco;
� Contribuir para a elaboração de um plano viável de redução de
riscos;
� Explicar o benefício do uso correto do preservativo e demonstra-lo;
36
� Avaliar possíveis dificuldades quanto ao uso do preservativo e sua
superação;
� Avaliar e recomendar a possibilidade de outras práticas sexuais
seguras;
� Ajudar o cliente a reconhecer suas responsabilidades e
possibilidades de lidar com seu problema;
� Lembrar que o consumo de álcool e outras drogas, lícitas e ilícitas,
pode alterar a percepção de risco;
� Estimular a auto-estima e a auto confiança do cliente;
� Favorecer o fim de estigmas, mitos e preconceitos relacionados com
DST e HIV/Aids;
� Estimular a disseminação das orientações recebidas;
� Encaminhar o cliente para outros serviços de assistência, incluindo
grupos comunitários de apoio, quando necessário.
� Pré-teste
� Reafirmar o caráter voluntário e confidencial da testagem;
� Identificar o motivo da testagem;
� Verificar histórico anterior de testagem e riscos;
� Trocar informações sobre o sistema de teste e janela
imunológica;
� Trocar com o cliente informações sobre o significado dos
possíveis resultados do teste;
� Reforçar para o cliente a diferença entre HIV e Aids;
� Considerar com o cliente o impacto em sua vida dos
possíveis resultados do teste;
� Sondar qual o apoio emocional e social disponível ao
cliente (família, parceiros, amigos, trabalho e outros);
� Avaliar com o cliente a realização ou não do teste;
� Considerar com o cliente possíveis reações emocionais
que venham a ocorrer durante de espera do resultado do teste;
� Reforçar a necessidade de adoção de práticas seguras frente ao
HIV, também nesse período.
37
� Pós-teste
Diante de Resultado Negativo
� Lembrar que um resultado negativo significa que a pessoa não está
infectada ou está infectada tão recentemente que não produziu
anticorpos necessários para a detecção do teste;
� Lembrar que um resultado negativo não significa imunidade;
� Avaliar a possibilidade de o cliente estar em janela imunológica e a
necessidade de retestagem;
� Reforçar as práticas seguras já dotadas ou a serem adotadas pelo
cliente frente ao HIV;
� Reforçar o benefício do uso correto do preservativo e demonstrá-lo;
� Reforçar os benefícios do uso exclusivo de equipamentos para o
consumo de drogas injetáveis e demonstrar o método correta de
limpeza e desinfecção de seringas e agulhas, caso seja necessário.
Diante de Resultado Positivo
� Permitir ao cliente o tempo necessário para assimilar o impacto do
diagnóstico e expressar seus sentimentos;
� Conversar sobre sentimentos e dúvidas, prestando o apoio
emocional necessário; estar atento para o manejo adequado de
sentimentos comuns, tais como raiva, ansiedade, depressão, medo,
negação e outros;
� Desmistificar sentimentos que associam HIV/Aids à culpa, à punição,
à degenerescência, à morte e a outros;
� Lembrar que um resultado positivo significa que a pessoa é
portadora do vírus, podendo ou não estar com a doença
desenvolvida;
� Enfatizar que, mesmo sendo um portador assintomático, o cliente
pode transmitir o vírus para outros;
� Reforçar a importância de acompanhamento médico, ressaltando
que a infecção é tratável;
38
� Reforçar a necessidade de adoção de práticas seguras para a
redução de riscos de reinfecção pelo HIV e por outras DST;
� Reforçar o benefício do uso correto do preservativo e demonstra-lo;
� Reforçar os benefícios do uso exclusivo de equipamentos para
o consumo de drogas injetáveis e demonstrar o método correto de
limpeza e desinfecção de seringas e agulhas, caso seja necessário;
� Enfatizar a necessidade de o resultado ser comunicado ao(s)
parceiro(s) atual (is), oferecendo ajuda, caso seja solicitada;
� Orientar quanto à necessidade de o(s) parceiro(s) atual(is)
realizar(em) teste anti-HIV;
� Definir com o cliente os serviços de assistência necessários,
incluindo grupos comunitários de apoio.
Diante de Resultado Indeterminado
� Lembrar que o resultado indeterminado significa (1) um falso positivo
devido a razões biológicas ou (2) um verdadeiro positivo infectado
recentemente, cujos anticorpos não estão plenamente
desenvolvidos.
� Reforçar a adoção de práticas seguras de riscos de infecção
pelo HIV e por outras DST.
� Reforçar o benefício do uso correto do preservativo e
demonstrá-lo.
� Reforçar os benefícios do uso exclusivo de equipamentos para
o consumo de drogas injetáveis e demonstrar o método correto de
limpeza e desinfecção de seringas e agulhas, caso seja necessário.
� Orientar a realização de nova coleta para retestagem, no
período definido pelo laboratório.
� Considerar com o cliente possíveis reações emocionais que venham
a ocorrer durante o período de espera do resultado do teste e
encaminhá-lo par apoio psicológico, se necessário.
39
Importa destacar situações específicas como o aconselhamento e a
prevenção das DST para usuários de drogas injetáveis; para mulheres, acerca
da saúde sexual e reprodutiva; para mulheres que fazem sexo com mulheres;
para mulheres soropositivas visando a prevenção da transmissão vertical; para
homens com questões específicas, para homens que fazem sexo com homens;
para homens e mulheres em situação de parceria fixa; para parcerias fixas com
parceiros eventuais e multiplicidade de parceria; para casais sorodiscordantes;
para situações de qualquer tipo de violência e outras questões que permeiam o
ciclo de vida das pessoas.
2.5 - Políticas de Prevenção do HIV/Aids
e Promoção da Saúde
O ideal da saúde pública de redirecionar as práticas de saúde, nas duas
últimas décadas, articula-se em torno da idéia de prevenção e promoção da
saúde. Sabe-se que a promoção da saúde é um dos elementos primários em
medicina preventiva; visa resgatar, com um novo discurso, o pensamento
médico-social do século XIX, expresso nas obras de autores como Virchow,
Villermée e Chardwick, dentre outros, que afirmam a relação entre saúde e
condições de vida (BUSS apud CZERESNIA, 2003, p.39).
Atualmente, dentro do contexto das sociedades capitalistas neoliberais,
surge o discurso de promoção da saúde pública, cujo eixo básico é o
fortalecimento da idéia de autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais em
40
relação à própria saúde com qualidade de vida. A perspectiva conservadora da
promoção da saúde reforça a tendência de diminuição do papel do Estado,
delegando aos sujeitos a responsabilidade sobre si mesmos.
Outra dimensão do discurso de promoção de saúde é ressaltar a
elaboração de políticas públicas intersetoriais, enfatizando as condições de vida
e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de saúde
(CZERESNIA, 2003). Com isso, a promoção da saúde alcança uma
abrangência muito maior do que a que circunscreve o campo específico da
saúde, incorporando para além das questões biológicas, as psicológicas e as
sociais.
Segundo Sabrosa apud Czeresnia (2003, p.40), a saúde pública é
definida como campo de conhecimento e de práticas institucionais orientadas à
promoção da saúde das populações. São práticas que se organizam em torno
de conceitos de doença, mas não levam em conta que esses são uma
construção mental do adoecer como experiência de vida. As palavras de
Czeresnia (2003, p.42), transcritas abaixo, confirmam o que foi dito:
A saúde e o adoecer são formas pelas quais a vida se manifesta. Correspondem a experiências singulares e subjetivas impossíveis de serem reconhecidas e significadas integralmente pela palavra. Contudo, é pela palavra que o doente expressa seu mal- estar, da mesma forma que o médico dá significação às queixas do paciente. É na relação entre a ocorrência do fenômeno concreto do adoecer ,a palavra do paciente e a do profissional de saúde, que ocorre a tensão remetida à questão que se destaca aqui. Esta situa-se entre a subjetividade da experiência da doença e a objetividade dos conceitos que lhe dão sentido e propõe intervenções para lidar com semelhante vivência.
41
Para saber o que diferencia a promoção da prevenção de saúde, é
preciso conhecer o contexto de transformações contemporâneas do discurso
da saúde pública. Estas transformações, internas à lógica do discurso, também
repensam os limites e os sentidos do conhecimento produzido nas práticas de
saúde.
O termo “prevenir” significa “preparar, chegar antes de” (FERREIRA,
1985, p.1133). Sendo assim, e de acordo com Leavell & Clarck apud Buss
(2003, p. 17-18), a prevenção em saúde exige uma ação antecipada, baseada
no conhecimento da história natural do paciente, a fim de tornar improvável o
progresso da doença. Daí serem as ações preventivas definidas como
intervenções orientadas para evitar o surgimento de doenças específicas, ao
reduzir sua incidência e prevalência nas populações.
A base do discurso preventivo é o conhecimento epidemiológico
moderno, e seus objetivos são controlar a transmissão de doenças infecciosas
e reduzir o risco de doenças degenerativas ou outros agravos específicos. A
prevenção e a educação em saúde estruturam-se mediante a divulgação de
informações científicas e recomendações normativas de mudanças de hábitos.
“Promover” tem o significado de “dar impulso, fomentar, originar, gerar”
(FERREIRA, 1985, p. 1145). Promoção em saúde diz respeito a medidas para
aumentar e garantir plena saúde e bem-estar aos indivíduos, articuladas à
qualidade de vida e ao direito à saúde, além de solidariedade e eqüidade,
dentro de uma lógica que envolva questões econômicas, sociais e políticas,
demandando uma abordagem intersetorial. A amplitude da saúde assumiu
destaque na VIII Conferência Nacional de Saúde (BRASIL, 1988), como se vê a
seguir:
42
Direito à Saúde significa a garantia pelo Estado de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção proteção e recuperação de saúde, em todos os seus níveis a todos os habitantes do território nacional levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade.
Infere-se que promover a saúde em suas múltiplas esferas envolve tanto
as ações de âmbito global do Estado, como a singularidade e a autonomia dos
sujeitos, o que não pode ser atribuído somente à responsabilidade de uma área
de conhecimento ou prática. O conhecimento científico e a possibilidade
operativa das técnicas, nas práticas de saúde, precisam ser empregados sem
provocar a desconexão da sensibilidade em relação aos corpos doentes.
Os projetos de promoção de saúde usam conceitos clássicos que
orientam a produção do conhecimento específico em saúde (doença,
transmissão e risco), cuja racionalidade é a mesma do discurso preventivo.
A idéia de promoção envolve o fortalecimento das capacidades
individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da
saúde. A promoção vai além da aplicação técnica e normativa, mas é preciso
aceitar o fato de que não basta conhecer o funcionamento das doenças e
encontrar mecanismos para seu controle.
A expressão “promoção da saúde” surgiu na metade dos anos 40, com
Sigerist, ao definir as quatro tarefas maiores da medicina: promoção da saúde,
prevenção da doença, recuperação do enfermo e reabilitação (BUSS apud
CZERESNIA, 2003, p. 17). Quanto ao movimento de promoção da saúde,
surgiu no Canadá, em 1974, com a divulgação do Informe Lafonde (BUSS apud
CZERESNIA, 2003, p.22), cuja motivação central
43
parece ter sido política, técnica e econômica pois visava enfrentar os custos crescentes da assistência médica ao mesmo tempo em que se apoiava no questionamento da abordagem exclusivamente médica para as doenças crônicas devido aos resultados pouco significativos que aquela apresentava, tendo como motivação central o enfrentamento dos custos crescentes da assistência médica.
Na década de 80, com a crise da saúde pública, a promoção da saúde
passou a se constituir na espinha dorsal da nova saúde pública. Esta crise
surgiu, por um lado, das limitações financeiras de um Estado provedor, e do
fato de a sociedade precisar suportar, por tempo indefinido, o aumento dos
custos da atenção médica; e por outro lado, diante da constatação de que este
tipo de atendimento seria incapaz de prover as necessidades individuais e
coletivas, de modo a resultar em maior bem-estar e aumento da produtividade
social.
Para um grupo de estudiosos, a promoção da saúde restringe-se às
atividades direcionadas à transformação do comportamento e do estilo de vida
dos indivíduos, concentrando-se em programas cujo enfoque é evitar riscos que
estejam, mesmo que parcialmente, sob controle dos próprios indivíduos. Nessa
ótica, a saúde é vista como um recurso para o cotidiano, cabendo à promoção
da saúde contribuir para que eles possam desenvolver habilidades que lhes
permitam alcançar seu potencial e responder positivamente aos desafios da
vida.
Para outro grupo, a promoção da saúde não apenas possibilita o
desenvolvimento de habilidades individuais e comunitárias, mas também uma
intervenção ambiental através de um amplo conjunto de meios políticos,
legislativos, fiscais e administrativos, os quais devem ser intersetorialmente
44
mais integrados, focando uma articulação maior da saúde com vários outros
domínios de conhecimento, mediante constante diálogo entre eles.
Nesta conceituação, a promoção da saúde está ligada ao coletivo e aos
indivíduos, em uma perspectiva ampla, incluindo não só o físico, o social, mas
também o político, o econômico e o cultural. Quanto às estratégias de
promoção da saúde, devem ser adotadas de acordo com as políticas públicas
vigentes, e dentro de condições favoráveis ao desenvolvimento da saúde
(BUSS, 2000, p.33). Modernamente, o que vem a qualificar a promoção da
saúde é a constatação do papel protagônico dos determinantes gerais sobre as
condições de saúde.
Ainda segundo Buss (op.cit.), o enfoque à promoção à saúde é mais
amplo e abrangente, procurando identificar e enfrentar os macrodeterminantes
do processo saúde-doença, buscando transformá-los favoravelmente. Assim,
fortalece-se a saúde por meio da construção de capacidades de escolha, a
partir do conhecimento sobre riscos e doenças, atentando para as diferenças e
singularidades dos indivíduos. A esse respeito, transcreve-se a opinião de
Czeresnia (2003, p.50):
O desenvolvimento dos estudos de risco esteve vinculado a um processo cultural construtor de um homem individualista, que enfrentou a necessidade de lidar com as forças desagregadoras da natureza e da sociedade por intermédio da lógica da ordem e da proteção, ao passo que pouco investiu no amadurecimento das relações com o outro mediante o fortalecimento de sua vitalidade e autonomia.
Promover saúde envolve uma escolha que não está só na esfera do
conhecimento, e termos como vulnerabilidade vêm sendo desenvolvidos e
utilizados, com freqüência, no contexto de propostas de promoção de saúde.
45
Vulnerabilidade engloba a articulação de três componentes: o individual, que
envolve a qualidade de informação que os indivíduos dispõem sobre o
problema; o social, que se refere à obtenção de informações, possibilidades de
metabolizá-las e poder de incorporá-las a mudanças práticas, o que não
depende só dos indivíduos, mas de aspectos como acesso aos meios de
comunicação, escolarização, disponibilidade de recursos materiais, poder de
influenciar decisões políticas, possibilidade de enfrentar barreiras culturais,
estar livre de coerções ou poder defender-se delas; e o programático, que se
refere aos recursos disponíveis destinados aos indivíduos, de forma efetiva e
democrática, ajudando-os a não se exporem às doenças. Portanto, quanto
maiores o grau e a qualidade do compromisso, dos recursos, da gerência e do
monitoramento de programas nacionais, regionais ou locais de promoção e
cuidado com a saúde, maiores serão as chances de otimizar o seu uso e de
identificar a necessidade de novos recursos e, desta maneira, ajudar os
indivíduos a ficarem menos vulneráveis diante da epidemia (AIRES et al. apud
CZERESNIA, 2003, p.122).
O surgimento da epidemia de Aids, no início da década de 80, como
descrito anteriormente, tem características culturais e sociodemográficas que
assumem diferentes faces nas diversas populações. As atividades de
prevenção do HIV/Aids envolvem não somente evitar o surgimento de novos
casos de infecção pelo vírus, mas também a reinfecção de soropositivos, o
impedimento da ocorrência de infecções oportunistas, o retardamento do
desenvolvimento da imunodeficiência e o combate à discriminação e à restrição
dos direitos humanos e de cidadania.
46
As formas de transmissão do HIV com maior importância epidemiológica,
tais como relações sexuais não protegidas ou compartilhamento de seringas,
dependem de ações de indivíduos para que se concretizem. Porém, não é fácil
reduzir essas modalidades de transmissão, por falta de uma educação
conscientizadora da população.
Sendo assim, um programa de prevenção que não seja acompanhado de
medidas de cuidado direcionadas aos portadores de HIV/Aids para evitar o
crescimento da epidemia, corre o risco de ineficácia e, neste caso, o programa
de prevenção brasileiro é modelar.
As propostas de educação em saúde para a prevenção do HIV/Aids
que devem orientar as práticas, permanecem sujeitas a algumas premissas
da psicologia comportamentalista. Teorias de comportamento disponíveis
para educadores e profissionais de saúde, incluindo os aconselhadores para
o HIV/Aids, enfocam constantemente o processo de mudança. No Brasil,
essa tendência tem embasado as práticas de prevenção e aconselhamento,
tornando-se visível nos movimentos sociais e de saúde. Trata-se de uma
atividade dinâmica, sempre discutida à luz das recomendações da PN-
DST/Aids.
Caminhos que responsabilizam os indivíduos em relação ao cuidar da
própria saúde têm sido considerados, a exemplo do uso do preservativo nas
relações sexuais, das negociações com as parcerias, do uso não
compartilhado de drogas injetáveis, sempre entendendo o contexto pessoal e
social de cada um, além da experiência viva das pessoas. Portanto, o seu
desenvolvimento para tornar-se sujeito da própria saúde, mantendo relações
conscientes e negociadas, considerando valores individuais, familiares e
47
sociais, é percurso imprescindível para alcançar a cidadania, a prevenção e a
promoção da saúde (PAIVA, 1998).
No caso específico da epidemia do HIV, onde as pessoas têm que se
tornar não só sujeitos da sua saúde, mas garantir a sua cidadania, foram
necessárias mudanças no âmbito das pesquisas sociais, como afirma Parker
(1996, p.529):
Houve mudanças nos paradigmas das pesquisas sociais e comportamentais voltadas para o controle da epidemia com a ênfase nas dimensões sociais, política e econômica na análise das causas relacionadas à transmissão do HIV. Gradualmente, as abordagens educativas centradas na informação e na responsabilidade social foram sendo substituídas por modelos multidimensionais, orientados pela concepção de mobilização comunitária e empoderamento coletivo.
Torna-se claro que para as pessoas responderem à transformação das
práticas, é preciso que ajam como sujeitos sociais, agentes da esfera pública da
vida social. Assim sendo, intervenção estrutural, organização comunitária,
construção de cidadania, ativismo político, ação jurídica, direitos humanos,
passam a ser entendidos como partes indissociáveis das ações de educação e
prevenção. Isto porque a exposição ao vírus não é homogênea na população
em geral, e as possibilidades de mudança de práticas sociais não dependem
apenas da vontade individual, mas do contexto em que essas individualidades
se manifestam.
As políticas formuladas de controle do HIV/Aids sempre atribuíram ao
campo da prevenção um papel de destaque, justificando-se esta medida pelo
fato de inexistirem possibilidades mágicas na área biológica capazes de conter
o avanço desta epidemia.
48
A questão do impacto sócio-econômico da epidemia constituiu-se em
outro argumento utilizado durante muito tempo no sentido de priorizar a
prevenção que, nesta área, teria um custo bem inferior aos demandados pelo
setor assistencial. Em outras palavras, representaria um gasto menor, se
comparada com os custos indiretos da doença – redução do potencial de anos
de vida com qualidade, e a perda de vidas humanas para as Nações. Logo, o
investimento em prevenção se justifica não somente por razões humanitárias,
mas também por ser um atributo da racionalidade econômica e da elevação da
produtividade sistêmica de um país.
Dentro desta perspectiva, foi gestada a política de prevenção à Aids no
Brasil, como elemento central da estratégia delineada, cujos objetivos para a
implantação de programas nacionais de Aids foram: prevenir a transmissão do
vírus, reduzir o impacto social e pessoal relativo ao HIV/Aids e unificar esforços
nacionais e internacionais contra a doença.
Para uma aproximação à análise do programa de prevenção, utilizaremos
a proposta concebida por Mann (1993), que foi um dos primeiros esforços para
o entendimento dos programas de prevenção, contemplando a existência de
três eixos na estruturação de programas de prevenção ao HIV/Aids, a saber:
- a informação, que ocupa um lugar privilegiado no processo de
desenvolvimento do Programa, tendo como fontes básicas para a
disseminação dessa estratégia os meios de comunicação de massa,
através das campanhas de caráter nacional com ênfase na questão
comportamental;
- a questão do comportamento individual, reforçada através da inclusão
de estratégias de abordagens do tipo ‘corpo a corpo’ identificando,
neste processo, os fatores que levariam à adoção de determinados
comportamentos, com a preocupação de integrar os esforços de
49
outras instituições, além do setor da saúde, para melhor sustentar a
mudança de comportamento desejada.
- o modelo de redução de risco utilizado na política de prevenção da
Aids, que enfoca as vulnerabilidades, a percepção de risco, o
compromisso com a mudança e a realização e manutenção da ação
protetora.
Deste modo, as políticas preventivas relativizam a responsabilidade
individual, apontando que diferentes grupos sociais compartilhem valores
culturais e tenham, para isto, condições materiais de existência, o que implica
em propostas de saúde e educação. Assim, é fundamental a integração
intersetorial com outras políticas públicas.
A prevenção da saúde parte de uma concepção do processo saúde-
doença e de seus determinantes, refletindo uma reação à crescente
medicalização da vida social. Como resposta setorial articuladora de diversos
recursos técnicos e de posições ideológicas, a prevenção da saúde busca
integrar saberes técnicos e populares, além de mobilizar recursos institucionais
e comunitários, públicos e privados, para o enfrentamento do HIV/Aids.
Em relação à promoção da saúde na epidemia da Aids, a idéia é
fortalecer a autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais, visando a conquista
dos direitos básicos de cidadania e oportunizando aos variados segmentos
sociais a diminuição de doenças, e com isso, gerando melhoria da qualidade de
vida.
Todos os esforços no sentido da prevenção da doença e da promoção da
saúde estão relacionados com a superação das desigualdades e das injustiças
sociais por meio de ações intersetoriais. Portanto, devem priorizar a formulação
de políticas públicas, reorientando os serviços para ampliarem suas ações e
50
parcerias com outros programas de saúde, setores governamentais e da
sociedade civil.
51
3 - OS CENTROS DE ORIENTAÇÃO E APOIO
SOROLÓGICO (COAS) E O CENTRO DE TESTAGEM E
ACONSELHAMENTO (CTA) NO BRASIL
3.1- Reconstruindo a História
Os COAS/CTA foram implantados no País no final da década de 80, pelo
Ministério da Saúde, através do Programa Nacional de DST/Aids, em resposta
ao avanço da epidemia e à indisponibilidade, na época, de serviços de saúde
preparados para receber a população que buscava realizar o teste anti-HIV.
Estes serviços têm papel fundamental na promoção da saúde, na prevenção e
no diagnóstico precoce do HIV/Aids.
Seguindo a construção da políticas para o enfrentamento da epidemia do
HIV/Aids, as primeiras recomendações técnicas e políticas necessárias à
implantação de um sistema de controle de qualidade do sangue transfundido
vêm de São Paulo, e datam de 1986, caracterizando uma medida de triagem
sorológica para o HIV. A propósito, resgata-se o relato de Teixeira (1997, p. 53):
Em junho de 1986, a Assembléia Legislativa de São Paulo
aprovou a Lei n.º 5/90 de 20/06/1986 que tornava obrigatória a
Triagem Sorológica para o HIV, de todo o sangue a ser transfundido,
no estado de São Paulo. A partir de 1997, a Secretaria de Vigilância
Sanitária da Secretaria de Saúde de São Paulo, propõe ações efetivas
de fiscalização dos procedimentos à triagem sorológica nos bancos
de sangue.
52
Ressalta-se que, naquela época, as ações governamentais tinham como
foco apenas a vigilância epidemiológica, a assistência médica, as ações de não
discriminação e as de inclusão social dos indivíduos afetados pela infecção do
HIV. Mas, diante do crescimento da epidemia, consolidaram-se as diretrizes
implementadas no País, no sentido da obrigatoriedade da triagem sorológica
previstas na Lei nº 7.649, de 25/01/88 (TEIXEIRA, 1987, p.59).
As dimensões sociais, éticas e políticas da doença acentuavam-se,
alcançando a magnitude de uma epidemia. As questões da exclusão social, da
violação dos direitos humanos dos cidadãos e da moralidade tornavam-se cada
vez mais agudas, causando sério impacto na sociedade brasileira, exigindo do
Estado desdobramento assistenciais, jurídicos e psicossociais. É neste contexto
epidêmico que se desenvolvem ações judiciais em defesa da vida, já que a Aids
estava socialmente relacionada à população marginalizada e à morte civil. Este
cenário confirmou a necessidade da criação de políticas públicas e sociais
voltadas para o controle e prevenção da epidemia, em consonância com o
compromisso de promoção e de defesa do direito à saúde.
Um dos principais desafios na política de prevenção era rever os
conceitos e preconceitos da sociedade quanto à sexualidade humana. Todavia,
com base em evidências epidemiológicas, a partir da notificação oficial dos
casos de Aids, houve a imperiosa necessidade de adoção de medidas
preventivas como parte das inúmeras medidas de enfrentamento da epidemia,
a exemplo da difusão de informações sobre os modos de transmissão do HIV,
sobre o estímulo à adoção de práticas sexuais seguras e a realização de testes
sorológicos acompanhados de aconselhamento, estratégias que mereceram
grande destaque. Mesmo assim, a complexidade e a diversidade dos
53
problemas desencadeados pela epidemia da Aids tornou obrigatória a oferta de
testes sorológicos para detecção da infecção pelo HIV, com aconselhamento
pré e pós-teste como medidas de prevenção e controle, realizados nos serviços
púbicos de saúde e clínicas de DST (BRASIL, 1993).
Nesse sentido, a materialização do referencial técnico para a
implantação de Centro de Orientação e Apoio Sorológico – COAS, em 1988,
através do 10º Boletim Epidemiológico do PN-DST/Aids do Ministério da Saúde,
ratificou tais iniciativas, em especial no caso dos indivíduos sob risco de
infecção pelo HIV e segundo a realidade de cada estado da Federação.
Estes serviços de saúde, designados e conhecidos inicialmente pela
sigla COAS, constituíram-se em modalidade alternativa de atenção primária à
saúde, oferecendo a possibilidade de realização gratuita da sorologia para o
HIV, garantindo a confidencialidade, o sigilo e o anonimato do teste. A
realização do teste anti-HIV, nestes serviços de saúde relacionava-se à questão
de direitos humanos.
Na organização do serviço, o processo de educação para a saúde,
através de informações relacionadas à infecção pelo HIV e do aconselhamento,
foi destacado como importante e compatível com as necessidades da
população. Era urgente a indicação da adoção de práticas sexuais e de
comportamentos sociais mais seguros, no sentido de evitar a infecção e o
crescimento da epidemia. Com a implantação dos COAS pretendia-se, também,
redirecionar a demanda de indivíduos que buscavam os bancos de sangue para
conhecer a sua sorologia.
Os COAS foram estruturados nos serviços de saúde já existentes,
preferencialmente nos que dispunham de ambulatórios ou clínicas de DST,
54
desde que fornecessem aos usuários uma entrada especial e um espaço nas
instalações físicas que lhes assegurasse ao máximo o anonimato.
A existência desses serviços de saúde constituiu-se numa modalidade de
atenção simplificada, em que o oferecimento gratuito da sorologia anti-HIV
visava o esclarecimento precoce de indivíduos infectados ou não, prestando
também informações a respeito das formas de transmissão e prevenção da
doença, mediante auto-avaliação sobre o risco de infecção.
As etapas de atendimento propostas para os COAS preconizavam que o
primeiro contato com os usuários ocorresse numa sala de recepção acolhedora,
com a inclusão dos sujeitos sem discriminação e com base em informações
precisas, aplacando o medo e a ansiedade frente ao diagnóstico do HIV,
seguido de um atendimento em grupo, denominado aconselhamento coletivo.
Essa sessão poderia ser desenvolvida através da apresentação de um vídeo
educativo, monitorado por profissional de saúde de nível superior ou
aconselhador treinado em dinâmica coletiva, abordando aspectos de
transmissão/prevenção e do significado do teste sorológico e de suas
implicações. Neste aconselhamento coletivo, os profissionais problematizavam
informações relevantes sobre a epidemia, esclarecendo dúvidas e estimulando
o compartilhamento de experiências cotidianas entre os usuários.
Em salas de entrevistas individuais, ocorria o aconselhamento individual
pré-teste, personalizado, após o usuário decidir-se pela realização do teste
anti-HIV. Esta etapa consistia na percepção e avaliação de risco, mediante
obtenção de informações sobre as condições de exposição ao risco,
compreensão e promoção de práticas sexuais mais seguras relacionadas à
infecção pelo HIV, configurando-se como um espaço reflexivo, favorável à
55
percepção dos usuários em relação à prevenção do HIV. Cada usuário recebia
um código numérico que lhe assegurava o anonimato.
O procedimento de coleta de sangue também recebia um código
numérico, e a amostra sangüínea era enviada a um laboratório previamente
definido. Os testes ELISA e de Imunofluorescência direta eram utilizados,
respectivamente, para triagem e confirmação diagnóstica, mas o teste Western
Blot também poderia ser realizado.
Finalmente, após trinta dias, o indivíduo retornava aos COAS para o
aconselhamento pós-teste. Os resultados do exame, sempre fornecidos
individualmente, eram seguidos de aconselhamento pós-teste, base para
reforçar e problematizar aspectos culturais e intersubjetivos, recuperando o
enfoque preventivo articulado com a proposta de comportamentos sexuais mais
seguros e de um plano viável para redução de riscos. Este aconselhamento
pós-teste também incluía o encaminhamento aos serviços de referência para
tratamento, quando necessário.
O aconselhamento pós-teste era visto como possibilidade de construção
de uma nova mentalidade, voltada para a adesão aos programas de tratamento,
confirmando que prevenção e promoção deviam caminhar juntas em todas as
etapas do tratamento, assegurando a preservação da vida do usuário e da
qualidade da mesma.
Mediante esta proposta organizacional, em 1988, funda-se em Porto
Alegre (RS), o primeiro Centro de Orientação e Apoio Sorológico - COAS (hoje
denominado CTA), um serviço de saúde voltado para a orientação, acesso a
informações sobre transmissão, medidas de prevenção, diagnóstico e
referência para tratamento do HIV.
56
Em 1993, com estas diretrizes, e a partir da liberação de recursos do
Banco Mundial para o controle da epidemia da Aids, foram implantados no país
dez COAS. O PN/DST/Aids indicou alguns deles como referência nacional,
assegurando-lhes competência técnica para treinar profissionais oriundos de
diversos estados brasileiros com a missão de implantar estes serviços nas suas
regiões de origem, pela importância dos serviços que poderiam prestar às
respectivas populações locais.
O PN-DST/Aids, preocupado também com a sistematização da prática
desenvolvida pelos COAS, publica o primeiro Manual sobre o assunto, intitulado
"Normas de Organização e Funcionamento dos Centros de Orientação e Apoio
Sorológico" (BRASIL, 1993), e institui um grupo técnico formado pelos
coordenadores dos primeiros COAS (Porto Alegre, RS; Rio de Janeiro, RJ; São
Paulo, SP; Curitiba, PR; Recife, PE) com o objetivo de elaborar um currículo
mínimo para o treinamento daqueles multiplicadores (BRASIL, 1996a).
A partir desta experiência, outros estados brasileiros optaram por
implantar COAS, principalmente nos municípios mais importantes do ponto de
vista epidemiológico, seguindo orientação da então PN-DST/Aids, que
estimulou a realização de parcerias com as Secretarias Estaduais e Municipais
de Saúde nesse sentido, atendendo a diretriz de descentralização preconizada
pelo SUS, uma forma de organização que daria aos municípios o direito de
administrar os serviços de saúde locais. Neste processo, os estados, por meio
das respectivas Secretarias de Saúde, coordenavam a prestação da assistência
na sua área de abrangência, e prestavam cooperação técnica aos seus
municípios, a fim de garantir o bom desempenho destes serviços.
57
Em 1996, o PN-DST/Aids mudou a sigla e o enfoque do Serviço: de
COAS para CTA - CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO. Este fato
determinou o agendamento de reuniões regionais com os coordenadores de
todos os CTA que funcionavam no País, com o objetivo de rediscutir e reavaliar
estes serviços. A partir deste acontecimento, foram formuladas diversas
propostas de mudanças nos serviços prestados, dentre as quais o indicativo de
flexibilização do anonimato, considerada uma questão relevante, visto que
possibilitar a identificação do sujeito que buscava o diagnóstico, significava
acolher sua condição e disposição ao enfrentamento, tratamento e a
ressignificação da representação social da doença.
A flexibilização do anonimato e da extensão do aconselhamento com
conteúdos mais subjetivos evidenciou uma ampla variedade de possibilidades
de intervenções do CTA que, se por um lado redimensionavam sua atenção de
forma a garantir a orientação para reduzir o risco da transmissão materno-
infantil, prevenir as DST, estimular o diagnóstico das parcerias sexuais e a
adesão aos tratamentos antiretrovirais, por outro lado, extrapolava seus limites
físicos, apontando para o desenvolvimento de novas ações de prevenção com
base nos direitos humanos, de cidadania e de inclusão social junto aos sujeitos
com situações de risco acrescido (BRASIL, 1996b).
Este foi também um momento de consolidação das parcerias entre ONG,
Serviços de Saúde e Programas Estaduais e Municipais de DST/Aids, visando a
implementação dos princípios do SUS, reafirmando o ideal de Integralidade de
que este atendimento era uma forma de assistência que privilegiava a saúde, e
não a doença, e sendo assim, os serviços de saúde deviam funcionar
58
atendendo ao indivíduo como ser humano integral, submetido às mais
diferentes situações de vida e trabalho que o levavam a adoecer e morrer.
Em 13 de novembro de 1996, foi promulgada a Lei Federal nº 9.313,
dispondo sobre a obrigatoriedade de acesso universal e gratuito aos
medicamentos antiretrovirais no sistema público de saúde (BRASIL, 1996),
medida que evidenciou o real impacto da epidemia, uma vez que a
possibilidade de aumento da expectativa e da qualidade de vida dos portadores
do HIV repercutiu no imaginário social como motivação para buscar
esclarecimento diagnóstico e enfrentamento de problemas dele decorrentes.
Em 1997 o PN-DST/Aids, agora com o nome de Coordenação Nacional
de DST/Aids (CN-DST/Aids), elaborou e publicou o “Manual de
Aconselhamento em DST/HIV/Aids – Diretrizes e Procedimentos Básicos”,
considerando o aconselhamento como uma prática em saúde a ser utilizada em
todos os serviços que desenvolvessem estratégias de prevenção para o
HIV/Aids. Em 2003, a CN-DST/Aids retoma a denominação de PN-DST/Aids.
O documento visava efetivar a implementação da prática do
aconselhamento nos serviços de saúde que prestavam assistência a pessoas
portadoras de DST e HIV/Aids, nos Centros de Testagem e Aconselhamento,
nos serviços de pré-natal, nas Organizações não-Governamentais e nos
projetos de prevenção junto a populações específicas. Os CTA passaram a
utilizar o “Manual de Aconselhamento em DST/HIV/Aids” com a finalidade de
auxiliar os trabalhadores de saúde que atuavam neste contexto.
A PN-DST/Aids propôs, então, a avaliação das ações de
aconselhamento em alguns serviços de saúde: Centros de Testagem e
Aconselhamento (CTA), Serviços de Assistência Especializada em HIV/Aids
59
(SAE) e Serviços de Saúde que atendiam indivíduos portadores de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST). O objetivo de tal avaliação pressupunha a
análise qualitativa do desenvolvimento prático, da definição de limites e
possibilidades, da qualificação da percepção de profissionais e usuários sobre o
aconselhamento, bem como das condições institucionais para a sua realização
e a proposição do redirecionamento de ações, se necessário. Neste contexto,
como conclusão do processo de avaliação, o PN-DST/Aids lançou uma
publicação intitulada "Aconselhamento: Um Desafio para a Prática em Saúde"
(BRASIL, 1999b).
A trajetória de construção dos CTA leva o PN-DST/Aids à demarcação
de novas normas de organização e funcionamento com a elaboração do Manual
"Diretrizes dos Centros de Testagem e Aconselhamento", editado em 1999
(BRASIL, 1999a), que estabeleceu para os CTA os seguintes objetivos:
� Expandir o acesso ao diagnóstico da infecção pelo HIV.
� Contribuir para a redução dos riscos de transmissão do HIV.
� Estimular a adoção de práticas seguras.
� Encaminhar as pessoas HIV-positivas para os serviços de referência,
auxiliando os usuários no processo de adesão aos tratamentos
antiretrovirais.
� Absorver a demanda por testes sorológicos nos bancos de sangue.
� Estimular o diagnóstico das parcerias sexuais.
� Auxiliar os serviços de pré-natal para a testagem sorológica de
mulheres gestantes.
� Levar informações sobre prevenção das DST/HIV/aids e do uso
indevido de drogas para grupos específicos.
60
Quanto às normas organizacionais, vistas neste Manual de “Diretrizes
dos Centros de Testagem e Aconselhamento” alguns princípios foram
ratificados e outros, reformulados:
� Acessibilidade e Gratuidade: serviços com localização acessível para a
população em geral, de base gratuita, respondendo à demanda espontânea e
encaminhada.
� Anonimato flexível e Confidencialidade: testes realizados de forma anônima ou
identificados (a confidencialidade é um princípio assegurado pelos Códigos de
Ética profissionais).
� Agilidade e Resolutividade: encaminhamento interno rápido e redução do prazo
para entrega de resultado.
� Aconselhamento adequado e não pontual: processo de escuta ativa levando o
sujeito à reflexão de sua história frente aos riscos de exposição à infecção pelo
HIV/DST, com vistas à busca de alternativas de mudanças comportamentais. A
partir daí, o aconselhamento não se restringe mais aos atendimentos pontuais
pré e pós-teste.
� Referência e contra-referência: garantia de encaminhamento aos serviços de
assistência especializada, oferecendo acesso ao tratamento e monitoramento
da infecção pelo HIV (uma rede de referência assistencial deverá dar suporte à
demanda gerada).
� Equipe Interdisciplinar: tendo o CTA a missão de compreender o processo de
saúde e doença, a interface, a parceria, a cumplicidade e a
complementariedade estão presentes, compartilhando diversos saberes
profissionais para o enfrentamento da assistência no cotidiano da prática de
saúde.
Neste documento, define-se o trabalho em comunidades (inclusive o
teste anti-HIV e o aconselhamento) como "Atividades Extra-Muros", a serem
desenvolvidas pelo CTA com o propósito de expandir o acesso ao diagnóstico
61
da infecção pelo HIV, mediante capacitação técnica e recursos humanos
específicos.
Também o desenvolvimento das estratégias de redução de danos em
áreas com cenas de uso de drogas injetáveis têm sido destacadas e
implementadas objetivando, através da orientação, distribuição de insumos e
troca de seringas em situações de risco direto, a redução da transmissão do
HIV e de hepatites, além da prevenção às DST, considerando o risco indireto a
que estão submetidos os usuários de drogas.
Compreende-se que a ampliação destas ações de saúde impõe uma
atenção continuada aos diversos grupos populacionais com maior
vulnerabilidade, e propõe maior poder de alcance na articulação com a
sociedade civil, englobando outros programas de saúde e permitindo maior
visibilidade em relação à atuação do CTA.
Seguindo as orientações do “Manual de Diretrizes dos Centros de
Testagem e Aconselhamento”, o PN-DST/Aids oficializou o fluxograma para o
diagnóstico do HIV (Anexo 1), nos termos da Portaria n.º 488, de 17 de junho de
1988, da Secretaria de Saúde de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde,
como forma de garantir a uniformidade e a confiabilidade dos procedimentos
para emissão de laudos dos testes para detecção anti-HIV.
A partir do segundo semestre de 1999, o PN/DST/Aids impulsionou a
realização de reuniões dos profissionais de saúde dos CTA, organizadas por
regiões do País, com vistas a assegurar discussões para implementar ações
concernentes à ampliação das estratégias de redução de risco, no sentido de
intervir na cadeia de transmissão do HIV, reforçando a atuação do CTA como
um serviço mediador entre prevenção e assistência.E foi nesse universo de
62
intervenções diversificadas e enfrentamentos desafiadores que ocorreu, em
2000, a segunda reunião dos profissionais de saúde dos CTA, por regiões, com
o objetivo de sistematizar as atividades contínuas de prevenção. Nestas
reuniões, a PN-DST/Aids, a partir de uma experiência de informatização do
CTA municipal de Curitiba (PR), iniciada em 1996, lançou a proposta de um
Sistema de Informação Unificado (SI/CTA) para a totalidade dos CTA
brasileiros.
Em 2001, a proposta do SI-CTA foi implantada apenas por alguns CTA
que dispunham de equipamentos e de recursos materiais e humanos. Somente
em 2002, após a terceira etapa de reuniões regionais, a PN-DST/Aids
instrumentalizou técnicos, gestores destes serviços e representantes das
Coordenações Estaduais e Municipais de DST/Aids para utilização do SI/CTA
(SI-CTA, Manual 2002), com os seguintes objetivos:
� facilitar a organização do processo de trabalho nos CTA;
� facilitar a produção de indicadores da disponibilidade e distribuição
dos recursos de saúde (perfil da oferta de serviços), de produção /
produtividade e sua cobertura populacional;
� facilitar a produção de indicadores do perfil da demanda atendida
(espontânea e identificada por busca ativa, mediante atividades extra-
muros);
� compor o sistema de vigilância epidemiológica do HIV e propiciar a
realização de investigações científicas especiais.
Deve-se ressaltar que, desde a construção das políticas públicas que
originaram os COAS/CTA, esses serviços vêm desenvolvendo suas atividades,
durante mais de duas décadas, segundo as diretrizes preconizadas, sempre
observando as diferenças regionais.
63
Sendo o CTA um espaço onde o aconselhamento privilegia as premissas
do acolhimento, as ações educativas e o compromisso ético-político, sua
importância é reconhecida pelos diversos setores institucionais, levando a
novos desafios que estimulam o repensar das ações de saúde para responder
suas demandas e contribuir no combate na epidemia do HIV.
Nestes doze anos de funcionamento do CTA/HESFA/UFRJ, o diálogo, a
ética, a transparência das ações de saúde desenvolvidas legitimou seus
serviços junto à população brasileira, mas é necessário continuar a combater a
epidemia de Aids, reduzindo sua incidência em segmentos populacionais de
risco e maior vulnerabilidade, com destaque para a população de baixa renda;
implantar o acesso ao diagnóstico das Hepatites Virais (B e C); garantir os
direitos de cidadania e melhorar a qualidade de vida dos sujeitos afetados pelo
HIV/Aids e seus familiares, além de preparar os usuários que se consideram em
risco de contrair a infecção pelo HIV informando-os, permanentemente, sobre
cuidados e promoção da saúde e da cidadania, sempre em consonância com
os princípios do SUS.
A orientação do Ministério da Saúde aponta para algumas prioridades, a
exemplo da garantia do acesso às ações de saúde na atenção básica, mediante
atendimento embasado na promoção à saúde e na perspectiva da integralidade
do SUS, medidas que devem continuar a ser potencializadas. Dentro das
políticas públicas vigentes, essas propostas reafirmam o compromisso com a
população e, conseqüentemente, com o controle da epidemia da Aids, tendo
como desafio a manutenção da qualidade da assistência que vem sendo
desenvolvida pelos CTA. Portanto, o momento atual deve ser visto como
oportunidade de criar estratégias para descentralizar o acesso à testagem anti-
64
HIV e articular ações de saúde com gestores, com múltiplos Programas das
Unidades Básicas de Saúde (UBS), com profissionais de Saúde e técnicos de
laboratórios e da vigilância epidemiológicas das Secretarias de Saúde
Estaduais e Municipais.
A inclusão do aconselhamento e do diagnóstico do HIV nas rotinas dos
serviços da rede básica de saúde vai contribuir, de forma significativa, para
redimensionar o perfil social e epidemiológico do HIV/Aids, inserindo o usuário
no processo de promoção, prevenção e assistência à saúde. Para tanto,
produzir um guia de recomendações para aconselhar em HIV/Aids no contexto
da atenção básica, capacitar os profissionais e desencadear uma campanha de
comunicação de massa sobre a importância da ampliação da testagem e
implementar a Portaria nº 59, de 28 de janeiro de 2003, que objetiva normatizar
a rede de laboratórios do Programa Nacional de DST/Aids, são propostas
fundamentais (Anexo 2).
3.2- CTA/HESFA/UFRJ – Breve Histórico
O Hospital-Escola São Francisco de Assis (HESFA) é um órgão
suplementar do Centro de Ciências de Saúde (CCS), integrando-se ao
complexo hospitalar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
prestando assistência primária e secundária à saúde. Tem como visão
estratégica ser um centro de referência na assistência primária, viabilizando a
qualidade de vida de seus usuários, envolvendo sua família e criando condições
para o auto-cuidado.
O HESFA desenvolve programas de ensino, pesquisa e extensão no
65
âmbito da reabilitação biopsicossocial. Integra-se ao Sistema Nacional de
Saúde prestando assistência de excelência de baixa e média complexidade,
funcionando de forma articulada com as demais Unidades da UFRJ,
observando a nova filosofia das gestões atuais do Hospital e da Universidade.
Esta filosofia prioriza as atividades de Extensão, fortalecendo os eixos de
Ensino e Pesquisa para alcançar eficiência e efetividade na assistência
prestada à população, reforçando o conceito de interdisciplinaridade, tanto na
elaboração quanto na execução dos Programas e Projetos.
O HESFA tem como objetivos principais o Ensino, a Pesquisa e a
Assistência na área de reabilitação biopsicossocial, em consonância com a
função social da Universidade; e como diretriz, o fortalecimento do SUS, de
modo a garantir a saúde como direito de todos e dever do Estado.
A interdisciplinaridade, marco de referência para o desenvolvimento dos
trabalhos realizados no HESFA, permite que Programas e Projetos elaborados
por profissionais de várias áreas de atuação ofereçam abordagens diversas a
um dado problema, juntando-se à comunidade num esforço comum de
organização, a partir da intercomunicação contínua. Esta proposta de trabalho
inclui o desenvolvimento de novas modalidades assistenciais que contemplem
variadas possibilidades de acesso a serviços preventivos e curativos, bem
como facilidades de informação sobre questões de saúde e de educação em
geral.
Considerando a Aids como um problema de Saúde Coletiva e
colocando-a na agenda das políticas de saúde, surgiu a proposta pioneira de
criação e implantação do COAS/CTA/HESFA/UFRJ, elaborada no final da
década de 80 por um grupo de técnicos do Núcleo de Estudos em Saúde
66
Coletiva (NESC) com a participação da Faculdade de Medicina, ambos da
UFRJ, em cumprimento às diretrizes traçadas pelo PN-DST/Aids, com os
objetivos de oferecer diagnóstico sorológico para o HIV/Aids e desenvolver um
programa de educação em saúde com foco na epidemia de Aids, na prevenção
e no controle epidemiológico da doença.
Entretanto, essa primeira iniciativa foi obstaculizada por interesses
políticos vigentes à época, no Estado do Rio de Janeiro, fazendo com que este
serviço só fosse efetivamente criado em 1992, contando com a parceria da
UFRJ através de recursos humanos e espaço físico, com representantes da
Secretaria Estadual de Saúde, através do Laboratório Central do Estado
(LACEN), e com a Secretaria Municipal de Saúde, que cederam recursos
materiais e equipamentos necessários ao funcionamento do serviço.
Este serviço de saúde, na época denominado COAS, estruturou-se para
ser ‘porta de entrada’ para as questões biológicas e psicossociais da epidemia,
tornando-se uma das unidades de saúde do HESFA. Hoje atende a população
do Grande Rio através de ações de saúde, diagnóstico, prevenção e referência.
O serviço está estruturado em convênio firmado entre as Secretarias de Saúde
do Estado e do Município do Rio de Janeiro, UFRJ e HESFA, e vem se
desenvolvendo de acordo com as fundamentações teórico-técnicas e políticas
da PN-DST/Aids.
Implantado em abril de 1992 no referido Hospital-Escola, foi o primeiro
CTA do Rio de Janeiro, instalado em local de fácil acesso à população carioca,
por onde circulam linhas de ônibus de diferentes localidades do Rio de Janeiro
e dos municípios da Baixada Fluminense. Situa-se no bairro denominado Praça
67
Onze, próximo à Central do Brasil, estação ferroviária que liga vários bairros da
cidade, e também das estações Praça Onze e Estácio do Metrô.
O CTA, definido como um serviço de saúde de atenção primária que faz
uma intermediação significativa entre a prevenção e a assistência, desempenha
um importante papel nos processos de controle e prevenção do HIV/Aids. É
porta de entrada no sistema público de saúde, responsabilizando-se pelo
diagnóstico da infecção pelo HIV dos sujeitos que se percebem mais
vulneráveis, e também referência para assistência aos diagnosticados como
soropositivos. Utiliza como abordagem o aconselhamento pré e pós-teste, a
partir de uma relação dialógica de troca e acolhimento, em que o aprendizado
fundamental é apenas uma das dimensões do processo educativo. Nesta visão
do aconselhamento, estão presentes questões que envolvem cidadania,
direitos, subjetividade, afetividade, relações amorosas, humanas e culturais.
Os princípios e objetivos organizacionais dos CTA definem seu perfil de
acordo com as orientações da PN-DST/Aids (BRASIL, 1999a):
� Oferecimento de diagnóstico sorológico para o HIV, com base gratuita,
confidencial e anônima;
� Aconselhamento e educação em saúde como estratégia de prevenção, para
propor mudanças nos comportamentos de risco;
� Unidades de saúde com demandas voluntárias, estruturadas a partir de
parcerias com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
O CTA/HESFA/UFRJ promove sua rotina de atendimento realizando o
aconselhamento pré-teste coletivo e individual, e o pós-teste individual,
vivenciados pela população como uma relação profissional-usuário
humanizada, garantindo o acolhimento diante do estresse de saber o
diagnóstico sorológico para o HIV.
68
O primeiro turno de atendimento ocorre pela manhã, a partir das 08:00
horas, mas, devido à crescente demanda, em 1997 foi instalado o turno da noite
visando acolher a população que trabalha até 17:00 horas. Em 1998 foi criado o
turno da tarde, passando o serviço a funcionar das 08:00 às 20:00 horas, e
sempre com atendimento multiprofissional.
Em 1993, em parceria com o CTA Municipal Rocha Maia, situado na
zona sul do município do Rio de Janeiro, tornou-se Centro Treinador para
capacitação de profissionais visando a implantação de serviços similares no
País. Esse fato constituiu uma alavanca para disseminar a ampliação da rede
de COAS / CTA no território brasileiro. Estes dois CTA realizaram doze
treinamentos até 1998, com a participação de 121 profissionais atuantes em 54
municípios. Deve-se ressaltar que, nesses treinamentos, foram capacitados
profissionais africanos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe.
Como resultado, os profissionais implantaram os serviços de saúde em
53 municípios. No total, o CTA / HESFA / UFRJ foi protagonista da capacitação
de 35% dos serviços implantados no País naquele período, e continua
desenvolvendo junto às Secretarias de Saúde Estadual e Municipal do Rio de
Janeiro, através das respectivas Coordenações de DST/Aids, inúmeros
treinamentos para equipes multiprofissionais que atuarão em aconselhamento e
testagem anti-HIV.
Os exames anti-HIV que, anteriormente, eram realizados no Laboratório
Central do Estado do Rio de Janeiro (LACEN), a partir de julho de 1998
passaram a ser feitos no laboratório do próprio hospital, uma medida pioneira
na época, adotada por outros CTA para facilitar a resolutividade dos serviços.
69
Como já foi dito ao longo do trabalho, o CTA/HESFA/UFRJ dispõe de
uma equipe multiprofissional para atender aos usuários do serviço, o que
permite a troca de saberes e experiências e possibilita dispensar melhor
atenção ao público. Como resultado dessa composição profissional, foi
possível uma aproximação maior às demais instituições de saúde de formação
superior, tornando-se também um campo de estágio.
Hoje, na UFRJ, esse estágio tem característica de estágio curricular,
permitindo aos estudantes que nele se inscrevem, contabilizar as horas
prestadas na assistência, de acordo com as exigências formais das respectivas
Instituições de Ensino Superior, para fins de colação de grau. Além disso, o
estágio fortalece, no Rio de Janeiro, a capacitação de profissionais habilitados a
respeito de questões de políticas públicas para o HIV/Aids e do tratamento das
pessoas afetadas pelo vírus, possibilitando-lhes o desenvolvimento de ações de
saúde comprometidas com um processo de acolhimento mais humanizado aos
usuários.
Já no âmbito universitário, o CTA/HESFA/UFRJ consolida sua dimensão
extensionista através de diversos projetos, ressaltando-se o Projeto Extra-
Muros e o Projeto de Redução de Danos. O primeiro inclui o atendimento à
comunidade, ONG, escolas, cursos de graduação, associações de moradores,
clubes esportistas, empresas (através das Comissões Internas de Prevenção
de Acidentes – CIPA) e a participação em outros eventos que solicitam a
participação do CTA em ações educativas e no incentivo à testagem.
Estas experiências têm caráter preventivo, visando tanto o entendimento
da vulnerabilidade face à epidemia da Aids, como a motivação das pessoas
para o processo de educação em saúde, face à infecção pelo HIV e outras
70
DST. São intervenções pontuais que ocorrem fora do espaço físico do CTA,
ampliando os níveis de entendimento coletivo e individual em relação ao
assunto, através de informações, discussões sobre transmissão, prevenção e
diagnóstico do HIV/Aids. Essas intervenções têm sido realizadas com o objetivo
de capacitar agentes de saúde entre lideranças comunitárias, estudantes,
trabalhadores e outros interessados na busca de soluções coletivas e
individuais para a epidemia, valendo-se de procedimentos como palestras,
discussões em grupo, aconselhamento coletivo e individual, distribuição de
preservativos masculinos e femininos, material informativo, cartazes e folhetos
ilustrativos.
O segundo projeto, que se inscreve no âmbito das políticas públicas
voltadas à promoção e prevenção à saúde, é o Projeto de Redução de Danos
(PRD), desenvolvido no CTA/HESFA/UFRJ desde 2001. Sua inclusão neste
CTA justifica-se na medida em que se sabe que uma das formas de infecção
pelo HIV é o compartilhamento de seringas e agulhas, quando do uso de
drogas injetáveis. Esse projeto é desenvolvido internamente e nas comunidades
circunvizinhas ao CTA. Objetiva ações para o auto-cuidado e redução da
transmissão do HIV pelo uso de drogas, em especial as injetáveis. Há
distribuição de insumos, tais como preservativos, seringas descartáveis,
canudos individuais e materiais educativos. Associados a estes, tem-se o
aconselhamento e a referência para serviços especializados para tratamento de
dependência química, disponibilizados para os sujeitos que demonstrem
interesse em diminuir o consumo de drogas ou abster-se do seu uso.
Outra característica deste CTA é estar em parceria permanente com
Projetos de pesquisa, enquanto campo de investigação e recrutamento. As
71
ações já desenvolvidas têm sempre contemplado o livre consentimento dos
usuários, através de informações sobre pesquisas científicas e do recrutamento
para a participação nos diversos estudos científicos empreendidos, em especial
pelo Projeto Praça Onze, que desenvolve pesquisas relacionadas à infecção
pelo HIV/Aids.
72
4 - CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
4.1 – Natureza do Estudo
É uma pesquisa de natureza social, do tipo exploratório-descritivo com
abordagem qualitativa.
Minayo (1996, p.21-22) afirma que a natureza social de uma
pesquisa baseia-se no fato de o sujeito ser considerado “gente, em determinada
condição social, pertencente a determinado grupo social ou classe, com suas
crenças, valores e significados”.
Em relação ao seu caráter exploratório, Ruiz (1980, p.50)
esclarece que “existem diversas espécies de pesquisa científica”, e que o
objetivo da pesquisa exploratória é a caracterização inicial, do problema; logo, é
o “primeiro estágio de toda pesquisa científica”.
No entendimento de Minayo (1996, p.89), a fase exploratória da pesquisa
compreende “a etapa de escolha do tópico de investigação, de delimitação do
problema, de definição do objeto e dos objetivos, de construção do marco
teórico conceitual, dos instrumentos de coleta de dados e da exploração do
campo”. Esta fase acaba com a entrada do pesquisador no campo onde o
estudo será realizado.
A propósito, Minayo (2000, p.55-56) alerta para o fato de que “às vezes,
o pesquisador entra em campo considerando que tudo que vai encontrar serve
para confirmar o que ele considera já saber, ao invés de compreender o campo
como possibilidade de novas revelações”. Para a autora, trata-se de um
comportamento que pode dificultar um diálogo efetivo com os envolvidos na
pesquisa, como conseqüência de “posicionamentos de superioridade e de
73
inferioridade frente ao saber que se busca entender". Ao evitá-lo, o pesquisador
garantirá que não surjam falsos depoimentos e defesa de idéias e valores do
grupo pesquisado, o que poderia prejudicar os resultados do seu estudo,
porque “os fenômenos referentes à Saúde são complexos e o reconhecimento
da sua complexidade dinâmica é requisito indispensável para pensá-los
cientificamente” (MINAYO, 1996, p.251).
A pesquisa descritiva “está interessada em descobrir e observar
fenômenos, procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los” (RUDIO,
1986, p.56). O autor complementa seu pensamento lembrando que uma de
suas formas é a pesquisa para análise de trabalho, cuja finalidade é “identificar
deficiências, elaborar programas de capacitação, distribuir tarefas, determinar
normas, etc” (Op.cit., p.57).
Para Triviños (1995), o estudo descritivo pretende descrever fatos e
fenômenos acerca de uma determinada realidade. Então, retratar e descrever
uma experiência são etapas importantes para a modificação da realidade.
A pesquisa qualitativa, de acordo com Minayo et al. (2000, p.21),
“responde a questões muito particulares”, trabalhando com o universo de
significados, aspirações, crenças, valores e atitudes, preocupando-se com o
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos de uma
realidade não quantificável.
Esta abordagem oferece a possibilidade de um estudo onde a
observação e a fala dos envolvidos sejam instrumentos de trabalho, permitindo
o aprofundamento e a compreensão do fenômeno que está sendo enfocado,
incorporando a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos
74
atos, às relações e às estruturas sociais (MINAYO, 1996).
4.2 – Cenário do Estudo
O CTA/HESFA/UFRJ é o “ambiente político, socioeconômico e cultural”
(Rea & Parker, 2002, p.40) onde foi desenvolvido o estudo porque, para este
local se dirigem os usuários que desejam realizar o teste anti-HIV. A sua
localização geográfica facilita o acesso ao serviço de saúde, à esquerda da
porta de entrada principal do HESFA. É composto de uma sala de espera (onde
há um balcão para recepção e informações), uma sala para o aconselhamento
coletivo, seis salas para o aconselhamento individual, uma sala de coleta de
material, além de outras dependências que fazem parte do CTA, sendo estas:
uma sala de coordenação e uma sala de arquivo e de informática.
4.3 – Sujeitos do Estudo
Segundo Minayo (2000, p.57), são aqueles que “vivenciam uma
determinada realidade que está sendo focalizada”. São também designados
pelo termo “população”, representando “a totalidade de indivíduos que possuem
as mesmas características definidas para um determinado estudo” (RUDIO,
1986, p.49).
Nesta pesquisa, os sujeitos foram os usuários do CTA/HESFA/UFRJ.
Homens e mulheres na faixa etária entre 22 e 45 anos, independentemente de
raça, situação social, escolaridade e ocupação. Foram entrevistados onze
usuários durante 15 dias úteis do mês de junho do ano em curso, contados a
75
partir do dia 07 daquele mês. No decorrer do processo das entrevistas,
observou-se que os conteúdos das respostas dos usuários passaram a ser
repetitivos. A discussão sobre a temática por sua vez, obteve as mesmas
respostas e significados, apontando que nesta investigação qualitativa, já havia
a consolidação das percepções e das opiniões.
Tal medida ratifica o pensamento de Minayo (1996, p.102) no sentido de
que, na abordagem qualitativa, deve-se buscar “um critério de
representatividade numérica que possibilite a generalização dos conceitos
teóricos que se quer testar”. Ainda segundo Minayo, “numa busca qualitativa
preocupamo-nos menos com a generalização e mais com o aprofundamento e
a abrangência da compreensão. Seu critério, portanto, não é numérico”.
Podemos considerar que uma amostra ideal é aquela capaz de refletir a
totalidade nas suas múltiplas dimensões.
4.4 – Coleta de dados
Os dados foram obtidos mediante entrevista com os usuários do
CTA/HESFA/UFRJ. De acordo com Minayo (op.cit., p.107), no sentido estrito,
entrevista é a “colheita de informações sobre determinado tema científico”. Para
viabilizar o procedimento, foi encaminhada ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Escola de Enfermagem Anna Nery / HESFA / UFRJ, carta assinada pela
Professora responsável pela orientação do estudo, tendo em anexo a cópia do
projeto de pesquisa a ser realizada no âmbito da referida Instituição (Anexo 3),
para emissão de parecer atendendo a resolução 196/96, do Conselho Nacional
de Saúde.
76
A coleta de dados observou as seguintes etapas:
- Os usuários do CTA/HESFA/UFRJ foram aleatoriamente abordados pela
pesquisadora, na sala de espera, depois do aconselhamento pós-teste
(recebimento do resultado do exame), etapa que o usuário já vivenciou todo
o processo de atendimento. A finalidade desta abordagem foi prestar
esclarecimentos sobre o assunto porque, segundo Rea & Parker (2002,
p.42), “é mais provável que os entrevistados em potencial participem
quando eles percebem que as constatações do estudo terão um impacto
direto sobre o seu bem-estar”.
- Caso algum usuário demonstrasse intenção de colaborar, de imediato era
encaminhado a outra sala onde, numa linguagem acessível, recebia novos
esclarecimentos da pesquisadora acerca dos objetivos e da finalidade do
estudo. Uma vez confirmado o seu interesse, a pesquisadora enfatizava que
sua participação seria valorizada e dava-lhe garantia de sigilo e anonimato
em relação ao que fosse dito durante a entrevista. Este procedimento
atendeu ao disposto na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,
que trata de pesquisa envolvendo seres humanos.
- Não restando nenhuma dúvida sobre o assunto, o usuário assinava o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 4), cabendo à pesquisadora
ratificar a informação de que a participação dele não era obrigatória e que
ele poderia desistir a qualquer momento, sem nenhum prejuízo para a
pesquisa ou para a sua relação com o CTA/HESFA/UFRJ.
O encontro com os usuários para a realização das entrevistas foi privado,
informal e ocorreu em uma sala de entrevistas no CTA, local previamente
determinado para este fim. As entrevistas, realizadas pela pesquisadora com o
77
apoio dos aconselhadores e da equipe técnica do CTA/HESFA/UFRJ, foram
gravadas em fita magnética, mediante prévia autorização dos entrevistados,
considerando que a gravação visava garantir a fidedignidade daquilo que fosse
dito. Para tanto, as fitas foram transcritas pela pesquisadora. Cada um deles
recebeu um nome fictício, objetivando preservar-lhe a identidade. O tempo
destinado à realização de cada entrevista foi de, no mínimo, 30 minutos;
todavia, não ultrapassou os 60 minutos.
4.5 – Instrumento de Coleta de dados
Foi adotada a técnica da entrevista para a obtenção dos dados que
viabilizaram o estudo. Tendo sido elaborado um roteiro de entrevista semi-
estruturada com questões abertas (Anexo 5) e perguntas fundamentais que, no
enfoque qualitativo, não nascem a priori, mas resultam da teoria que alimenta a
ação do pesquisador, e também de toda a informação já recolhida por ele sobre
o fenômeno social que interessa, não sendo menos importantes seus contatos,
inclusive os realizados na escolha das pessoas a serem entrevistadas.
Na entrevista, segundo Minayo (1996, p.108), o pesquisador pode
conseguir dados “que se referem diretamente ao indivíduo entrevistado, isto é,
suas atitudes valores e opiniões”. No caso da entrevista semi-estruturada, é
indispensável a elaboração de um roteiro contendo questões sobre o
atendimento oferecido no CTA, possibilitando que o entrevistado discorra mais
livremente sobre o tema enfocado. O pesquisador deve estar ciente, porém,
que nenhum roteiro poderá conter todas as informações necessárias a um
estudo (REA & PARKER, 2002, p.39). Portanto, na opinião dos autores, no
78
processo de elaboração do roteiro, é preciso que o pesquisador use de
experiência e critério profissional na construção de uma série de perguntas que
maximizem as vantagens e minimizem as desvantagens em potencial do roteiro
que pretende utilizar.
Neste estudo, o instrumento de coleta de dados foi pré-testado pela
pesquisadora junto a uma usuária do CTA/HESFA/UFRJ que se dispôs
voluntariamente a colaborar nesse sentido, ensejando a validação e/ou o ajuste
do seu conteúdo ao contexto do estudo.
Após as primeiras entrevistas, foram necessárias algumas adequações
no modo de indagar e na seqüência das perguntas, já que algumas respostas
se mesclavam com outras. Basicamente, em algumas entrevistas as perguntas
foram reordenadas. A temática sobre acolhimento, que envolve a relação
profissional de saúde-usuário e a continência para escutar, aliviar,
compreender, dar suporte ao entrevistado diante da demanda de realizar o
teste anti-HIV, teve que ser inserida já que apareceram sentimentos de
ansiedade, tanto na decisão de fazer o teste no CTA, como em relação à
espera pelos Aconselhamentos coletivo e individual e pelo resultado sorológico
do HIV.
As entrevistas semi-estruturadas realizadas com os usuários do
CTA/HESFA/UFRJ levaram em consideração a abordagem qualitativa, e
tiveram como foco as vivências e/ou experiências das ações desenvolvidas
naquela unidade de saúde, ações estas preconizadas para os Centros de
Testagem e Aconselhamento, permitindo que suas respostas expressassem
suas opiniões sobre o processo de trabalho da mesma. O roteiro foi estruturado
79
a partir de dados que favorecessem a caracterização dos sujeitos envolvidos no
estudo tais como faixa etária, sexo e profissão.
As entrevistas objetivaram alcançar a percepção dos usuários
envolvidos nas etapas de atendimento do serviço, a saber: objetivo do CTA;
atendimento na porta de entrada do Hospital e na recepção do CTA;
Aconselhamento Coletivo e/ou palestra; Aconselhamento Individual Pré- e Pós-
teste; Coleta de sangue; Tempo de espera para resultado; Lições aprendidas;
Instalações do CTA. Convém esclarecer que estas foram consideradas na
construção das categorias durante o instrumental de análise.
4.6 – Plano de Análise dos Dados
Concluída a fase de coleta de dados, teve início a análise temática dos
dados obtidos, para identificar os núcleos de sentido das falas que, por sua vez,
deram origem às Unidades de Significação ou Categorias, cuja freqüência ou
presença definiram o caráter do discurso. Antes, foi traçado o perfil dos
entrevistados com o objetivo de melhor caracterizá-los.
A análise de conteúdo foi realizada à luz dos conceitos de Bardin (1977).
Segundo a autora, consiste em organizar os indicadores a partir de recortes das
entrevistas dos usuários. Recorta-se de cada entrevista os registros a serem
referenciados por temas. Desses recortes, após a transcrição na íntegra, foram
subtraídos trechos que inevitavelmente implicaram em interpretação destes que
tem a denominação de ‘categorias’. Segundo Bardin (1977, p. 120), “uma
categoria é considerada pertinente quando está adaptada ao material de
análise escolhido e quando pertence ao quadro teórico definido”. A dimensão
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de conteúdo das categorias deve informar a vinculação do sujeito com a
realidade investigada. Certamente, a análise de algumas dimensões de
conteúdo servirão de contribuição e fundamento para a avaliação de
programas, propostas de planejamento, mudanças institucionais e outras
possibilidades, a serem implementadas no futuro.
As categorias refletiram as especificidades dos temas-perguntas,
ensejando o surgimento das seguintes categorias: CTA/HESFA no Serviço de
Saúde do SUS, O Objetivo do Centro de Testagem e Aconselhamento, A
Chegada ao HESFA, a Recepção do CTA – Um local de Acolhimento?,
Aconselhamento Coletivo, Aconselhamento Individual Pré-teste, A Coleta de
Sangue, Aconselhamento Individual Pós-teste, Lições Aprendidas, Instalações
do CTA/HESFA/UFRJ. A interpretação das falas teve o intuito de atender ao
objetivo do estudo, refletindo a intenção da investigação que foi verificar como
os usuários vivenciam o modelo assistencial do CTA.
81
5 - O OLHAR DOS USUÁRIOS ACERCA DO CTA/HESFA/UFRJ
Este capítulo traz a discussão sobre atuação do CTA dentro da política
de saúde, ancorada na análise da visão dos usuários sobre as etapas da
assistência prestada pelo CTA/HESFA/UFRJ.
Mesclando as opiniões dos usuários acerca do CTA/HESFA/UFRJ com
os aspectos descritivos e organizacionais do serviço, tem-se a compreensão da
prática de saúde que os orienta.
Nessa linha de trabalho, foram abordadas dimensões do conteúdo das
entrevistas realizadas, de acordo com o tema-pergunta e, posteriormente,
selecionadas para análise dos dados, envolvendo reflexões sobre as respostas
obtidas. Esta análise forneceu elementos para a melhor compreensão do
modelo assistencial do CTA.
Segundo Buber apud Araújo (2003, p.149),
a finalidade da análise é extrair temas e obter um entendimento profundo dos valores e crenças que guiam as ações dos indivíduos. Isto envolve um pensar e re-pensar sobre o que as pessoas dizem e fazem e sobre a consistência entre aquilo que dizem e realmente fazem e o significado das ações no contexto, onde atividades e interações ocorrem.
Sendo assim, apresenta-se a seguir a caracterização do perfil dos
entrevistados, e alguns dados coletados nas entrevistas realizadas com os
sujeitos do estudo.
82
5. 1 - Caracterização dos Usuários
No total, foram realizadas onze entrevistas, sendo sete com pessoas do
sexo masculino e quatro do sexo feminino.
Dos sete homens entrevistados, quatro (José, Fábio, André e Pedro) têm
nível de escolaridade correspondente ao ensino fundamental incompleto; um
(Paulo) não completou o ensino médio; um (Mauro) completou o ensino médio;
e um (Carlos) concluiu o nível superior. Todos estão na faixa etária entre 22 e
43 anos. Quanto à ocupação, José está desempregado, Fábio é autônomo,
André trabalha como despachante e Pedro atua como bordador; Paulo é
serigrafista, Mauro é patologista e professor do ensino médio, e Carlos é
professor e membro de uma ONG que trabalha com a temática Aids.
Do total das mulheres entrevistadas, uma (Carolina) tem o curso
fundamental incompleto, uma (Maria) não completou o ensino médio; uma
(Rosa) concluiu o ensino médio e uma (Eduarda) tem nível superior completo.
Todas estão na faixa etária entre 22 e 45 anos. Quanto à ocupação, Carolina
está desempregada, Maria é cobradora de ônibus, Rosa é dona de casa e
Eduarda é publicitária, mas não trabalha no momento.
Neste estudo, observou-se baixa renda e baixa escolaridade no grupo
entrevistado. Em razão disso, estes sujeitos buscaram os serviços públicos, em
especial o CTA/HESFA/UFRJ, quando perceberam a necessidade de cuidados
de saúde. Este interesse pelo atendimento foi confirmado pelas palavras de
dois entrevistados que, anteriormente, já tinham procurado um serviço privado
de cuidados de saúde:
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... Eu já tinha um teste anti-hiv em laboratório particular e deu a maior confusão com os resultados ... procurei aqui por ser justamente do Governo. É mais correto, mais garantido. (Eduarda)
Após esta breve caracterização dos sujeitos do estudo, dá-se início à
análise das categorias temáticas que emergiram das entrevistas.
5.2 - O CTA/HESFA/UFRJ como Serviço de Saúde do SUS
O serviço prestado pelo CTA/HESFA/UFRJ sendo ele uma unidade do
SUS, volta-se para a concepção de saúde como um direito de todos e de
cidadania, numa visão de saúde coletiva, percebendo os sujeitos como seres
humanos integrais; portanto, atendidos com o sentido da prática da
integralidade, na perspectiva do diagnóstico, da promoção, da prevenção e da
referência para o tratamento.
A organização desse Serviço visa atender a população, levando em
conta a sua localização geográfica e o acesso ao diagnóstico.
A garantia da demanda voluntária e/ou do encaminhamento ao
CTA/HESFA/UFRJ, como já citado, decorre de um preceito básico
constitucional no sentido de que ao Estado cabe garantir ao usuário o acesso
ao serviço de saúde e formular políticas públicas para viabilizá-lo.
O conceito de acesso ao CTA dentro do SUS está pautado na eqüidade
e na universalidade de atendimento para os cidadãos que, apesar do medo e
do estigma em relação ao HIV, têm necessidade de realizar o teste para fins de
diagnóstico, mediante orientações, aconselhamentos e referência para
unidades de tratamento, aos níveis de atenção secundária e terciária.
84
A visão integral do indivíduo, mediante acesso ao atendimento igualitário
e gratuito, objetiva reconhecer a demanda dos usuários que buscam atenção e
cuidados à saúde, dentro de uma apreensão que se pauta no enfrentamento da
epidemia de Aids. Para viabilizar o acesso e garantir o atendimento do usuário,
o CTA/HESFA/UFRJ ampliou seus turnos de trabalho, e divulgou na mídia e
junto à população usuária o número do Disc-Aids, um serviço implantado em
1993, que funciona com atendentes e/ou secretária eletrônica no horário de 8 h
às 17 h , visando dar informações sobre o fluxo do atendimento, os resultados,
bem como questões relativas à doença, ao vírus, aos direitos sociais e
referências para tratamento.
Esta medida tem possibilitado o atendimento de um maior número de
pessoas, apesar de ainda ser longo o tempo de espera entre os turnos, para a
realização do exame. Este aspecto é relatado a seguir:
... eu cheguei às 8 da manhã. Não tinha mais número. Vou ter que esperar até as 11 para pegar a senha da tarde? De repente, eu tenho que trabalhar ... de repente, precisa de uma flexibilização das normas .... (Carlos)
... eu vim às 6 horas da manhã para conseguir pegar um número menor e ser atendido rápido... (André)
A propósito do Disc-Aids, Carlos falou que o atendimento via secretária
eletrônica não é ‘humanizado’, daí ele ser contrário a essa forma de atender,
como relatou:
... a questão do disque Aids é que ... não atende o problema das pessoas. A gente (os profissionais de saúde) se esconde do problema do usuário, do cliente ou da população .... O telefone existe para orientar as pessoas ....Que atendimento dá uma secretária eletrônica? Que acolhimento dá? O telefone existe para
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de dar uma satisfação. Você como pessoa não gosta de uma satisfação? (Carlos)
5.3 - O Objetivo do CTA/HESFA/UFRJ
Partindo das diretrizes do Ministério da Saúde, PN-DST/Aids, a missão
do CTA é oferecer o aconselhamento, incluindo o teste anti-HIV, como
importante estratégia para a prevenção do HIV/Aids. A prática de
aconselhamento no contexto da epidemia do HIV contempla o processo de
reflexão e educação, contribuindo para a promoção efetiva da saúde do Ser
humano a partir de avaliação e planejamento para redução de risco, apoio
emocional e adoção de práticas sexuais mais seguras.
A epidemia do HIV/Aids trouxe demandas da população, levando os
profissionais de saúde, inclusive os do CTA/HESFA/UFRJ, a se organizarem e
capacitarem-se para tentar respondê-las.
Mattos (1999, p. 27-28), em documento divulgado pela Associação
Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), esclarece que:
Os CTA se inscrevem dentro das perspectivas políticas complementárias: a primeira fala a respeito do acesso aos pacientes diagnosticados soropositivos, e, por conseguinte as instituições e serviços que possam assegurar apoio aos que necessitam, e a segunda é aquela diretamente ligada a redução da incidência, que se desdobra em ações que pretendem modificar comportamentos dos portadores do HIV e dos que não estão infectados pelo vírus.
Os recortes de depoimentos apresentados a seguir revelam a percepção
dos usuários acerca do serviço e de seus objetivos:
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... é orientar as pessoas, fazer com que tomem
cuidado, quer dizer, se prevenirem, né? (José)
... procurar fazer com que as pessoas estejam informadas se têm o vírus ou não, né? Se tiver, já é uma forma de vir se tratar ... as pessoas são orientadas sobre riscos que podem correr. Os profissionais passam tranqüilidade, segurança e informação . (André)
... o objetivo é identificar os portadores, chegar ao
número de portadores que não são reconhecidos, né? Também os que são ... quer dizer, a finalidade é essa: existe uma estatística de 600 milhões de portadores, 400 milhões são conhecidos e 200 não. É por aí ... pessoal a ser encaminhado para o tratamento, né? ... procurar fazer com que as pessoas estejam informadas e saber se é portador do vírus ou não, né? Se tiver, já é uma forma de vir se tratar. (Paulo)
... é a capacidade de tratar o ser humano, mesmo que o resultado seja positivo ou negativo. (Fábio)
... que todo mundo tem que se prevenir, fazer o teste e se tratar, se precisar .... (Eduarda)
Pressupõe-se que todos têm clara noção dos objetivos inerentes ao
serviço, identificando-se com o que lhes é oferecido.
Esses recortes de entrevistas destacam a importância do diagnóstico ao
nível de indicadores e da referência para tratamento que, atualmente, no País,
é uma ação afirmativa de direito com o acesso aos medicamentos anti-
retrovirais.
Com estas percepções, os usuários referem-se ao CTA/HESFA/UFRJ
observando uma concepção de direito social vinculado à saúde, que orienta os
portadores do vírus a buscarem tratamento antes da ocorrência de doenças
oportunistas e da Aids. A propósito dessa garantia, um entrevistado referiu-se à
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sua experiência anterior em relação ao diagnóstico anti-HIV, realizado em
caráter particular, cujo resultado causou-lhe desconforto e problemas
emocionais:
... Aqui no CTA eu fui bem orientado. Antes eu fiz o teste em laboratório particular, estava com medo e assustado, achava que as pessoas iam ficar me olhando. Não foi assim. Vou seguir todas as instruções em matéria de palestras, medicações, exames para ter uma vida normal. (Mauro)
Nesse sentido, confirma-se a necessidade de formulação de políticas
públicas corretas e eficazes, que levem à compreensão de que o Estado deve
responder as demandas da sociedade que anseia por credibilidade, gratuidade
de acesso a serviços de diagnóstico, tratamento e medicamentos, apesar do
sucateamento dos serviços públicos de saúde.
A maioria dos entrevistados entendeu que o CTA/HESFA/UFRJ tem um
atendimento humanizado, com uma relação profissional-usuário acolhedora.
Para ilustrar, seguem-se três recortes de depoimentos a respeito, considerados
expressivos:
... se uma pessoa se estiver desesperada, ela vai
poder chegar... ela vai poder conversar. (José)
... Aconteceu comigo, eu pedi para uma médica solicitar exames e fiz em laboratório particular ... você pede ao médico para te passar o exame, você vai fazer o exame, depois você mesmo pega o resultado e vai embora, quer dizer, se de repente tiver um problema, não tem um aconselhamento, não tem ninguém para conversar com você. (Mauro)
... Ela conversou comigo, conseguiu me aliviar e me acolher. (Rosa)
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... eu identifiquei sempre uma intenção da pessoa te escutar, de melhorar a atenção ... apesar de no serviço público, a primeira coisa que se vê é só o negativo, mas tem gente séria tentando melhorar o serviço, tentando te atender o mais rápido possível ... eu acho que isso humaniza, isso trás você para o serviço, esses pequenos detalhes. (Carlos)
Em contrapartida, a entrevistada Carolina alegou que
“... o atendimento não foi mau, ela não me tratou
com ignorância, mas também não me tratou às mil
maravilhas ...”,
levando a inferir que foi atendida de forma impessoal.
Essas falas expressam características do serviço observadas por
diferentes ângulos: para uns, o serviço apresentou-se de forma humanizada,
enquanto para uma pareceu impessoal. É importante considerar as opiniões
sobre a recepção no CTA/HESFAUFRJ, que podem contribuir para o
entendimento da análise desse serviço, que é o assunto abordado a seguir.
5.4 - A chegada ao HESFA e a recepção no CTA: um lo cal de acolhimento?
O cliente passa pela triagem do hospital, é atendido e depois é
encaminhado ao CTA, onde existe uma recepção.
O Manual de Diretrizes dos CTA (Brasil, 1999a, p. 11) prevê que
“todo CTA deve dispor de recepção acolhedora, encaminhamento interno rápido
e tempo mínimo de espera”. Eis a visão de três dos onze entrevistados a
respeito:
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... Acho que o atendimento na porta de entrada é o primeiro. Acho que esse atendimento é fundamental. Fui tratado com educação e orientado quanto aos turnos de atendimento no CTA. (Carlos)
... O primeiro atendimento é o do porteiro (atendido na recepção do HESFA) e dos seguranças ....Eles me orientaram, porque a gente fica meio perdido em todo o hospital. Eles foram amáveis e atenciosos. (Mauro)
... Eu fui bem recebida. Ela não me tratou mal (enfermeira da triagem do HESFA), não tenho reclamação de nada, ela me mostrou onde fica o CTA. (Carolina)
Para Teixeira (2003, p.103), “o acolhimento põe em relevo, antes de
tudo, o caráter de acolhimento moral do usuário do serviço e de suas demandas
(o que pode envolver, muitas vezes, um sofrimento importante)”.
A acolhida é a base da relação entre o usuário e o serviço de saúde.
Citando Fontenelle (1998, p.140), tem-se que:
o acolhimento pretende: melhorar o acesso dos usuários ao serviço de saúde; ... humanizar as relações entre profissionais de saúde e usuários em especial no que tange a forma de receber esses usuários e de escutar seus problemas e as demandas, numa abordagem que contemple não apenas a dimensão biológica, mas também a psicológica, a social e a cultural.
Ainda citando Merhy (1998, p.138) sobre acolhida e relações de vínculos,
eis o pensamento do autor:
Criar vínculos implica em ter relações tão próximas e tão claras que nós nos sensibilizamos com todo sofrimento daquele outro, daquela população. É permitir a constituição de um processo de transferência entre o usuário e o trabalhador que possa servir à construção da autonomia do próprio usuário. É sentir-se responsável pela vida e pela morte do paciente dentro de uma dada possibilidade de intervenção, nem burocratizada, nem impessoal. E ter relação, integrar-se com a comunidade
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em seu território, em seu serviço, no consultório, nos grupos, e se tornar referência para o usuário, individual ou coletiva.
A temática do acolhimento nos serviços de saúde, em especial no
CTA/HESFA/UFRJ, é uma proposta assistencial de fundamental importância. A
discussão do acolhimento perpassa pelo dispositivo organizacional do Serviço,
desde a chegada do usuário à recepção, migrando para as etapas e práticas de
atendimento que sinalizam um foco de tensão dele frente à perspectiva do
diagnóstico anti-HIV. Portanto, o acolhimento é uma atenção que põe em
relevo o sentido receptivo, estabelecendo com o(s) usuário(s) o diálogo e a
técnica de conversa desde a chegada, passando por eles mesmos, pelos
profissionais e até por outros usuários.
De acordo com as entrevistas, foi possível identificar que na chegada ao
CTA/HESFA/UFRJ os usuários, em sua maioria, encontram-se nervosos e
angustiados em relação ao diagnóstico. Então, enquanto esperam o
atendimento coletivo e/ou individual, costumam conversar com os outros que
também buscam o serviço, sendo esta iniciativa considerada uma ‘válvula de
escape’ para amenizar a ansiedade contida. A esse respeito, dos onze
entrevistados, pelo menos dois referiram-se a essa espera, ressaltando a
comunicação entre eles e a importância do acolhimento:
... ah!... foi legal! Enquanto eu esperava, eu
conversei e até tirei dúvidas. (Mauro)
... dependendo do dia, existe a demora e então, conversar com os outros é importante até mesmo para quando a gente vai fazer uma coisa, a gente lembra de um caso que ouvimos aqui dentro. (André)
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Sabe-se que a decisão de vir ao CTA para realizar o exame anti-HIV
gera expectativa, dúvida e medo. Um acolhimento adequado na recepção pode
minimizar este mosaico de sentimentos, de caráter sabidamente ansiogênicos.
Coloca-se a necessidade de repensar o atendimento da recepção aos usuários,
neste setor.
Esta postura de acolhimento, de bom senso e de boas normas, pauta-se
no atendimento às necessidades básicas do sujeito, significando um
encaminhamento assertivo, com observância dos horários / turnos de
atendimento do serviço e dos profissionais. Deve-se considerar as opiniões e
sugestões de quatro usuários, que apontaram a questão da operacionalidade
na recepção do CTA/HESFA/UFRJ, e a flexibilidade de atendimento nos turnos
conforme descrito a seguir:
... para pegar meu resultado hoje, não demorei nem 20
minutos. (André)
... eu conversei com as pessoas que pegaram o
resultado no período da tarde, e eles disseram que o
atendimento no período da tarde é muito mais rápido do que
no período da manhã. (Fábio)
... eu não tenho grande queixas, mas você vem de
manha, aí tem que voltar à tarde, e aí esgota os números e tem que voltar à noite ... eu acho que o porteiro tem que flexibilizar as normas ... cheguei de manhã, não poderia dar a senha pra tarde? Pra tarde, tem que ser depois de um determinado horário ... ‘o senhor pode voltar outro dia? O senhor tem outra coisa para fazer?’ E aí, conforme forem as respostas, por exemplo, eu não sei, oferece a senha já ... tentar flexibilizar de alguma forma. (Carlos)
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Nessa linha de raciocínio, o entrevistado sugeriu que ao sair, a
recepcionista deixasse alguém em seu lugar, ou seja, o serviço necessita de
mais recursos humanos:
... se ela é uma recepcionista, não pode deixar a recepção vazia; tem que deixar alguém responsável pelo setor ... alguém está chegando e tem que ser recebido ... ela não pode abandonar a recepção, é a mesma coisa que o médico abandonar uma cirurgia. (Mauro)
Carlos, a respeito do mesmo tema, disse que um maior envolvimento da
equipe poderia contribuir para a melhoria da recepção, e fez uma crítica:
... ninguém te pergunta nada, só vemos pessoas
passando prá lá e prá cá. E a gente pensa: tá todo mundo ocupado e não estão nem aí para nada! Dane-se, entendeu?
Carlos tem a mesma opinião e sugestão que Mauro, quanto ao aumento
do número de profissionais, sob a justificativa de possibilitar o atendimento de
dois grupos distintos de usuários: aqueles que vêm pela primeira vez, e os que
buscam o atendimento pós-teste.
Como foi verbalizado por alguns entrevistados, existem dificuldades no
CTA relativos a recepção, direcionadas ao não atendimento à campainha que
fica numa bancada, e à ausência da recepcionista no setor. Essas questões
foram relatadas da seguinte maneira por três entrevistados, ao passo que os
demais não deram tanta importância ao fato:
... a gente fica ‘p’ da vida por causa do tempo de demora aqui ... que acolhimento se dá? (Carlos)
... todas as vezes que eu cheguei, umas três vezes, não tinha ninguém na recepção ... tem que ter alguém para recepcionar isto não está acontecendo. (Fábio)
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... eu tocava a campainha, tocava, e ninguém respondia. (Paulo)
A questão da recepção no CTA trouxe, por parte dos entrevistados,
aspectos importantes relacionados à sala de espera, que valem mencionar,
ainda que nem todos tenham se referido àquele local. A esse respeito,
destacamos três depoimentos:
... Nesse momento que você espera pra ser
chamado é um momento de convívio social, onde são
conversadas coisas do serviço que traz algum
conhecimento. (Mauro)
... A espera aumenta a ansiedade, as pessoas do
meu lado também sentiram isso. (Rosa)
... Eu me constrangi um pouco por estar com outras
pessoas que às vezes falam de HIV/AIDS. (Maria)
A sala de espera é percebida como um local que favorece o intercâmbio
pessoal e a rede de conversas, embora não impeça a ansiedade frente ao
atendimento. Assim, o que se desenrola naquele local pode trazer alívio, mas
também constrangimento, e até medo de ser identificado pelo outro como
alguém que está ali por conta do risco a que se expôs. Esta situação cria
fantasias sobre estar ou não infectado pelo vírus, tais como medo do
diagnóstico e de ser reconhecido como quem tem o HIV. Uma vez ultrapassada
a fase inicial da recepção, o usuário é encaminhado para o aconselhamento
coletivo, assunto abordado em seqüência.
94
5.5 - Aconselhamento Coletivo
Trata-se de proposta de trabalho que visa abrir um espaço de inclusão
da população no CTA, com o objetivo de estabelecer informações sobre a
epidemia e a troca de saberes entre usuários e profissionais responsáveis pelos
respectivos grupos de aconselhamento coletivo. Este partilhar de saberes pode
desencadear processos de reflexão, a partir da construção de conceitos e
desconstrução de pré-conceitos em relação ao HIV/Aids. Nessa linha de
pensamento, Schall et al. (1995, p. 85) afirmam que:
O processo de construção de um novo saber, reside, não apenas no conhecimento formal, mas na capacidade do indivíduo se reconhecer nos elementos da situação relacionadas à transmissão e/ou risco de adquirir o HIV, ou seja, na percepção de risco.
Sendo assim, na visão dos autores (op.cit., p.86 ),
o processo pedagógico pressupõe o relacionamento humano e o crescimento/desenvolvimento do indivíduo e, portanto, os elementos afetivos e cognitivos são inerentes à sua dinâmica – a dimensão humana.
A maioria dos entrevistados referiu-se ao aconselhamento coletivo, sem
maiores detalhes. Destes, cinco compreenderam o processo e o conteúdo de
informações discutidos na ocasião como muito importantes. A seguir, suas
considerações a respeito:
... achei a palestra muito importante para a gente
aprender a se cuidar. Do jeito que o mundo está, precisamos
nos cuidar mais, ter mais responsabilidade com a nossa
vida. (José)
... foi bem, foi uma coisa que deu muita
informação...orientou a todos. (Rosa)
95
... assisti a palestra, foi muito boa. Foi
interessante porque orientou ... muita coisa que eu nem
tinha noção. (Eduarda)
... os esclarecimentos que são fornecidos na palestra coletiva são para pensar e botar em uso, com certeza] (Fábio)
... na palestra a moça orientou a todos. Ela conversou e esclareceu para a gente aprender a se cuidar. (Paulo)
Vale ressaltar que o aconselhamento coletivo fundamenta-se nas
informações necessárias à prevenção do HIV/Aids. Encoraja os indivíduos a
terem cuidado com a própria saúde. No contexto desta prática, a CN-DST/Aids
chama atenção para um processo de ações educacionais no campo das
DST/HIV/Aids que reside na praxis educativa, onde a troca de experiências e a
construção de um novo saber se destacam, contribuindo para a promoção
efetiva do Ser humano.
Dentre os componentes da ação educativa, trocar informações de
maneira dinâmica sobre DST/HIV/Aids entre os participantes do grupo e o
aconselhador; informar sobre a diferença entre HIV e Aids, suas formas de
transmissão, prevenção e tratamento, com ênfase nas situações de risco sexual
e uso de drogas; identificar maneiras e/ou dificuldades de negociação para o
uso do preservativo, demonstrando seu uso correto; evitar o compartilhamento
de seringas e outros, explicando os benefícios do uso exclusivo de
equipamentos para o consumo de drogas injetáveis; incentivar a percepção e a
avaliação de risco; trocar informações sobre os testes que serão realizados e o
96
período da janela imunológica, são temas abordados durante o aconselhamento
coletivo.
Ademais, busca-se acessar aspectos culturais e coletivos diferenciados,
permitindo aos usuários reconhecerem suas dúvidas, compartilhando-as com
os outros e, assim, esclarecendo que todos estão numa situação de igualdade
em que a troca de saberes pode facilitar o entendimento coletivo sobre
prevenção e transmissão do HIV.
A propósito, a valorização de esclarecimentos coletivos para problemas
que são vividos no âmbito particular, pessoal, como importantes, perceber a
singularidade de cada um refletida nos outros e o envolvimento de todos no
contexto da prevenção e no controle do HIV/Aids. Por estas razões, o
aconselhamento coletivo é um espaço privilegiado para a compreensão de
novos conhecimentos, que implicam na construção de práticas sócio-culturais
mais solidárias e preventivas frente à epidemia do HIV/Aids.
Segundo Freire (1996, p.127),
Se na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fossemos os portadores da verdade a ser transmitido aos demais, que aprendemos a escutar, mas é, escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro fala com ele mesmo que em certas condições precise de falar a ele.
Quanto ao aconselhamento coletivo, quatro usuários, dentre os onze
entrevistados, relataram com detalhes suas experiências:
... uma palestra que algumas pessoas também deveriam escutar.Não é à toa que tem um montão de pessoas pegando doença. (Paulo)
97
... as pessoas participaram, tiraram dúvidas, fizeram perguntas e ela (a aconselhadora) foi respondendo. ... foi uma escola pra gente aprender a se cuidar, a manter nossa vida, manter nosso valor da nossa vida porque devido ao mundo de hoje em dia, do jeito que está hoje em dia, a gente tem que ter mais cuidado, mais responsabilidade com a nossa vida. (José)
... puxa, eu vou pra lá e tudo que ela falar eu já vou
saber ... veio desmontar essa coisa de que eu já sabia
tudo... nossa, cada vez mais eu aprendo. Mesmo falando
de prevenção cada um fala do seu modo, a gente não fala
das mesmas coisas porque às vezes não dá tempo, mas
tá falando das mesmas coisas assim com palavras
diferentes que te dão reflexões diferentes, que te dão
caminhos de reflexões diferentes. (Carlos)
As frases relatadas mostram os benefícios que uma proposta de
aconselhamento coletivo podem promover na vida das pessoas.
Muitos relatos sobre aconselhamento coletivo valorizam esta etapa do
trabalho desenvolvido pelo CTA, considerando a possibilidade de informações
novas e esclarecimentos necessários pertinentes às dinâmicas dos grupos.
Podemos deduzir que a partir do aconselhamento coletivo os usuários podem
tornar-se mais questionadores e reflexivos. Todavia, a construção de uma
consciência sobre prevenção do HIV/Aids não deve e nem pode ser pontual.
Significa que os usuários precisam de um espaço que lhes permita compartilhar
seus conhecimentos, possibilitando mudanças no processo de cuidados com
sua saúde e com a dos outros.
Araújo apud Buber (2003, p.137), “as pessoas com quem interagimos no
exercício profissional, nunca podem ser colocadas na condição de objetos; ao
98
contrário, o aconselhador deve estar aberto neste processo de ensinar e
aprender”.
Infere-se que as informações constantes sobre DST/HIV/Aids
(transmissão, prevenção e tratamento) veiculadas pela mídia, ou nas conversas
cotidianas, nos diversos serviços de saúde e no aconselhamento coletivo, são
relevantes para a promoção de mudanças significativas de comportamento.
Segundo Minayo (1999, p. 10) acerca da Avaliação dos COAS da Região
Nordeste do Brasil:
O aconselhamento coletivo foi considerado eficaz para tirar dúvidas e trazer informações até então desconhecidas e o uso de recursos visuais foi bastante valorizado pelos usuários. O constrangimento inicial em revelar aspectos da intimidade é parcialmente vencido quando o usuário percebe a segurança e profissionalismo do conselheiro .... Esta relação delicada por natureza precisa ser preservada e exige um trabalho constante de atualização. O nível de confiança que é depositado pelos usuários aos profissionais é imenso, e seu interesse nas informações também.
Considerando a informação como um dos aspectos mais importantes na
prevenção da epidemia do HIV/Aids, há que se levar em conta na ação
educativa do aconselhamento coletivo, a construção de conceitos que
conduzam à valorização da vida, à promoção da saúde e à responsabilidade
social. Nas palavras de Monteiro (2002, p.15):
... as políticas de prevenção ao HIV/Aids, dominantes nos anos que se seguiram à descoberta da doença, são orientadas pela ênfase na transmissão de informações, na responsabilidade individual e no enfoque epidemiológico de risco, modelos cognitivos de mudança de comportamento para explicar as ações individuais de risco. Priorizar o processo cognitivo, a decisão individual e o controle das ações pelo sujeito, estabelecendo uma relação direta entre o conhecimento e a prática nas situações percebidas como ameaçadoras.
99
Concluída a etapa de aconselhamento coletivo, ocorre o aconselhamento
individual pré-teste, descrito abaixo.
5.6 - Aconselhamento Individual Pré-Teste
Neste aconselhamento, reafirma-se o caráter confidencial e o sigilo das
informações preconizados pela PN-DST/Aids, mediante apresentação do
significado dos possíveis resultados dos testes realizados, bem como o impacto
dos mesmos na vida de cada usuário; considera-se com o indivíduo as
possíveis reações emocionais que venham a ocorrer durante o período de
espera do resultado do teste, e pontuam-se as medidas de prevenção em
relação às DST/HIV/Aids; conversa-se sobre estilo de vida, percepção e
avaliação de risco diante de possibilidades de exposição ao HIV, explorando
aspectos íntimos da sexualidade e/ou uso de drogas, acidentes com fluidos
sanguíneo e/ou transfusão de sangue; leva-se em conta, também, as
estratégias para a redução de riscos, adoção de práticas sexuais mais seguras,
promoção da saúde e qualidade de vida, explorando o apoio emocional e social
disponível; enfatiza-se a relação entre DST/HIV/Aids e reforça-se a importância
do diagnóstico e do tratamento do(s) parceiro(s) sexual(ais).
É um espaço para a problematização da singularidade dos sujeitos
afetados direta ou indiretamente pela epidemia do HIV/Aids. No
aconselhamento individual destacam-se as vulnerabilidades dos gêneros
masculino e feminino, as orientações sexuais, a percepção e a avaliação de
risco, bem como a implicação dos sujeitos no processo de prevenção e
planejamento sobre alternativas para adoção de práticas sexuais mais seguras.
100
O processo de aconselhamento pressupõe a visão da integralidade do
sujeito, o exercício do acolhimento, a facilitação da reflexão sobre os riscos e
redução de danos à saúde, expectativas quanto ao resultado do exame, apoio,
suporte emocional e orientação sobre prevenção, adoção de práticas
preventivas e adesão ao tratamento para a melhoria da qualidade de vida.
Em qualquer ação de aconselhamento é de fundamental importância o
acolhimento, a possibilidade de escutar o usuário, propiciando uma relação de
confiança e respeito. A relação de troca deve ser ancorada na conversa,
facilitando que aconselhador e usuário se olhem e falem sobre as angústias e
os medos deste último. A esse respeito, Buber (1982, p.27) cita que:
A conversação se realiza em sua essência, entre parceiros que verdadeiramente voltaram-se um-para-o-outro, que se expressam com franqueza e que estão livres de toda vontade de parecer, produz-se uma memorável e comum fecundidade que não é encontrada em nenhum outro lugar. A palavra nasce substancialmente, vez após vez, entre homens que, nas suas profundidades, são captados e abertos pela dinâmica de um elementar estar-juntos. O inter-humano propicia aqui uma abertura àquilo que de outra maneira permanece fechado.
Aconselhadores e usuários constróem juntos a comunicação dialógica, a
conversa, buscando integrar o sujeito àquela ação de saúde. Segundo Teixeira
apud Mattos (2003, p.90),
na relação trabalhador-usuário que se dá nos serviços, a integração é mais do que a construção de um vínculo/responsabilização, mas trata-se de uma efetiva ‘mudança na relação técnico-usuário’. No cotidiano do CTA e nas diretrizes emanadas para o diagnóstico do HIV/Aids, a integralidade do sujeito, entendendo-o como um ser ‘biopsicossocial’ é um conceito que deve ser seguido.
Esta temática ganha importância crescente nos CTA existentes, e é vista
como processo de humanização do serviço, sendo a base para o
101
aconselhamento, pois a conversa permite enfocar o universo íntimo do usuário,
desde que o diálogo aconteça.
Neste sentido, promover um ambiente acolhedor e integrador favorece a
implementação do processo do aconselhamento, que não deve ocorrer de
forma inquisidora, deixando o usuário à vontade para falar de intimidades
sexuais com um profissional que ele não conhece.
Considerando o exposto, no CTA/HESFA/UFRJ procura-se, na medida
do possível, que os diferentes momentos do aconselhamento sejam conduzidos
pelo mesmo aconselhador, uma das formas de garantir a privacidade do
usuário, reforçando o vínculo com ele estabelecido.
Estes usuários, manifestaram-se sobre o aconselhamento individual pré-
teste:
... Fiquei com vergonha no começo ... porque são várias perguntas íntimas e eu não sabia que ela ia perguntar tanta coisa ... mas ao mesmo tempo que ela pergunta, ela é bem discreta. (Eduarda)
... Ela me levou a uma reflexão na hora que me fez essa pergunta ... eu até fiquei refletindo sozinha porque eu dei uma resposta que não era ... ela me perguntou quantos parceiros eu tinha tido ... eu menti um pouquinho. (Maria)
Falar sobre intimidade e sexualidade com quem não se conhece, sem
dúvida é constrangedor, visto que as orientações e as práticas sexuais são
componentes absolutamente pessoais e ainda cercados de julgamentos e
preconceitos.
Refletindo sobre a escuta durante a conversa, tem-se a concepção
freireana (Freire, 1996, p. 135 ) transcrita a seguir:
102
Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro.
Segundo o Manual de Diretrizes para os CTA, da CN-DST/Aids, o
aconselhamento pré-teste tem caráter opcional; entretanto o CTA/HESFA/UFRJ
compreende que a sua realização faz parte das etapas do serviço, para os que
decidem saber seu diagnóstico para o HIV. Esta compreensão baseia-se na
argumentação de que é um espaço de preparação para um futuro resultado,
que pode aliviar tensões frente ao exame, que é um momento de se vincular ao
serviço, de refletir e conversar individualmente com o aconselhador sobre riscos
e medos, e de receber orientações quanto ao período da janela imunológica do
exame e às medidas de prevenção.
A esse respeito, assim se pronunciaram os entrevistados:
... ela me aconselhou que eu me prevenisse durante 3 meses pelo menos, né? E depois voltasse aqui para fazer o exame. (Mauro)
... eu acho fundamental. Os esclarecimentos sobre risco são importantes. Agora, mudar comportamento, fazer prevenção, isso eu não sei. É aquela coisa de beija-flor... jogar água numa floresta em chamas.(Carlos)
... eu acho que tem que explorar mais as dificuldades individuais na prevenção, saber identificar as dificuldades das pessoas. Cada relação com um ser humano é diferente. (André)
... passam que a Aids não é um bicho de sete cabeças, dizem assim: você tem que ser cuidar, as pessoas hoje não morrem rápido de Aids, tem tratamento e tem prevenção. Então, se der positivo, vou me cuidar. Se der negativo, não vou fazer mais. (Pedro)
103
É durante o aconselhamento individual pré-teste que se conversa sobre
vulnerabilidades, levando o indivíduo à percepção e avaliação de risco frente ao
HIV; é também quando se pretende construir ações de prevenção e promoção à
saúde, buscando recursos pessoais e sociais para torná-las possíveis.
Segundo Czeresnia (2003, p.41), a prevenção em saúde
tem o significado de ‘preparar’, dispor de maneira que evite (danos ou mal). As ações preventivas definem-se como intervenções orientadas a evitar o surgimento de doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência nas populações.
Ressalta-se outra característica do CTA, qual seja, a de que os usuários
enquanto cidadãos, podem optar pela identificação do exame ou pelo seu
anonimato no aconselhamento individual pré-teste. A esse respeito, seguem-se
as opiniões de dois usuários, os únicos dentre os onze entrevistados que se
manifestaram a respeito:
... as pessoas sempre procuram a tranqüilidade do anonimato. O CTA deixa a critério se a pessoa quer ou não se identificar. Então, nesse sentido, você fica mais tranqüilo. Porque na primeira vez que você vem, sempre vem com aquele fantasma do HIV. Tem toda essa coisa do preconceito. Nesse sentido, te dá uma tranqüilidade maior você vir buscar o exame aqui. Eu acho que ajuda a enfrentar o preconceito do próximo. (Fabio)
... eu vim fazer o teste porque meu parceiro é soropositivo. Eu fiquei meio assustado e resolvi procurar saber se eu tinha ou não. O fato de poder escolher se queria fazer anônimo ou não é importante. Ajuda, naquele momento de angústia. (Pedro)
Convém assinalar que o resultado de um exame identificado é essencial
para o acesso ao tratamento e às medicações, e também para pleitear direitos
sociais e trabalhistas. Os aconselhadores utilizam um formulário no qual fazem
104
registros acerca do histórico do usuário. Estes registros ficam arquivados em
prontuários, que recebem um código numérico idêntico aos dos tubos para a
coleta de sangue, do cartão e da folha de resultado.
No aconselhamento, uma valiosa contribuição é oferecida ao usuário,
sobre a possibilidade de cuidar de si e do(s) outro(s) com quem mantém
relações sexuais. O depoimento de Maria, transcrito a seguir, foi considerado
relevante dentre os onze realizados:
... eu penso assim: desde o momento em que eu recebi um
“conselho” e gostei da idéia, eu fiquei bem mais leve, digamos
assim, bem mais descansada ... a gente fala bastante da questão
da negociação ... vou negociar sempre o preservativo com ele.
A próxima etapa é a que se refere à coleta de sangue.
5.7 - A Coleta de Sangue
Após o aconselhamento individual pré-teste, os indivíduos decidem se
querem fazer o teste; em caso positivo, são encaminhados à sala de coleta de
sangue. Dos onze entrevistados, destacam-se dois relatos significativos sobre o
momento da coleta, considerado uma etapa imprescindível da rotina:
... eu fiquei meio nervoso, apesar dela mostrar que o
instrumento é descartável, tudo esterilizado, tudo direitinho,
os números conferidos e os dados também. (Mauro)
... ela deixa a gente super à vontade, quando ela
espeta o braço da gente, a gente nem vê, e quando vê, ela já tirou o sangue. (André)
Porém, houve uma crítica a respeito do atendimento recebido:
105
... eu acho que a gente precisa criticar a fim de
melhorar. Achei a coletadora um pouco calada, falou só
coisas técnicas, tipo fecha a mão ... dez minutos com o
braço assim ... pensando em humanizar mais, em dar mais
atenção, a técnica de conversa, de distrair puxando papo,
pode ajudar. (Carlos)
A etapa da coleta é importante, mas demanda cerca de vinte e
cinco dias para a divulgação do resultado, que ocorre durante o
aconselhamento individual pós-teste, cujo procedimento é descrito a seguir.
5.8 - Aconselhamento Individual Pós-teste
No aconselhamento individual pós-teste, os conteúdos já trabalhados são
resgatados e novamente enfatizados quanto às medidas de prevenção,
promoção à saúde e avaliação de recursos pessoais e sociais que contribuam
para a adesão ao tratamento, e na definição de planos de redução de riscos,
baseados nas questões de gênero, vulnerabilidade para o HIV, diversidade
sexual, uso de drogas e planejamento familiar.
A referência para os serviços especializados para tratamento e
assistência, quando necessários, incluindo as ONG, ressaltam a importância do
acompanhamento jurídico, médico e psicossocial para a qualidade de vida. É
preciso ratificar que, no caso de um resultado negativo, este não significa que
haja imunidade total frente ao HIV, cabendo avaliar a janela imunológica e a
necessidade de retestagem. Diante de um resultado positivo, prestar apoio
emocional, ressaltando que a infecção é tratável, orientar e propor ajuda para
comunicação aos parceiros. A seguir, indicar o exame confirmatório e a
necessidade de uso do preservativo, do não compartilhamento de agulhas e
106
seringas, lembrando a necessidade de redução de riscos de reinfecção e
transmissão para os outros e a importância da adesão ao tratamento.
No caso de um resultado indeterminado, considerar as reações
emocionais do usuário e agendar para uma nova amostra de sangue a ser
coletada após 30 dias da emissão do resultado da primeira amostra, reforçando
a adoção de práticas seguras para redução de risco de infecção pelo HIV e por
outras DST.
A maioria dos entrevistados não verbalizou seu pensamento sobre o
tempo destinado à entrega do resultado, em torno de 25 dias; entretanto, dos
onze entrevistados, dois falaram que a expectativa do resultado do exame foi
significativa:
... o dia do resultado causa muita ansiedade. É como se tivesse abandonado num baú, o dia do resultado, mas chega o dia e aí a gente fica nervoso e a espera para pegar o resultado é angustiante. (André)
... não sei se era porque era o meu resultado, mas demorou um pouco e foi uma ansiedade mesmo. (Maria)
Apenas um entrevistado comentou ter recebido seu resultado antes do
previsto:
... saí daqui com um cartão amarelinho, marcando para voltar em 25 dias, liguei para o disque Aids e soube que tinha chegado antes, e vim aqui buscar em 15 dias. (Paulo)
Os resultados dos exames geram tensão. Os dois relatos sobre a
expectativa do resultado revelam sentimentos de angústia e ansiedade, comuns
à maioria dos entrevistados, ainda que não verbalizados.
É preciso compreender a delicadeza do momento da entrega do
resultado e o sentimento de urgência individual de saber o resultado de um
107
teste que pode mudar vidas, pois está associado a uma doença estigmatizante,
percebida ainda hoje como grave e mortal. Sendo assim, torna-se necessário
repensar algumas questões e abreviar ao máximo o tempo para entrega dos
resultados.
Vale ressaltar o sentimento referido por um entrevistado:
... eu senti muita angústia para saber meu resultado. Eu só queria ter uma resposta e achei que demorou muito. Eu fiquei numa ansiedade enorme naquele momento de espera. (Pedro)
Como já evidenciado, trata-se de um momento extremamente
peculiar na vida dos usuários no CTA, que os deixa estressados e ansiosos.
Isto acontece porque “receber um resultado de um exame coloca na mesa algo
que nem a própria pessoa é capaz de admitir”, como afirma Araújo (2003,
p.159).
Esta fase foi citada por grande número de usuários, sob diversos
aspectos. Destacam-se nove recortes de depoimentos que falam a respeito das
suas impressões sobre o pós-teste. Os dois primeiros revelam angústia e
interesse pelo resultado:
... fiquei um pouco ansioso, né? A gente está com a cabeça meio problemática. (Maria)
... fiz uma série de perguntas para saber se entendi. (Eduarda)
Quanto ao recorte de depoimento seguinte, revela alívio diante do
resultado recebido. Suas palavras remetem à idéia de promoção à saúde,
fortalecendo a autonomia dos sujeitos, a quem cabe a responsabilidade pela
melhoria da sua qualidade de vida:
108
... eu fiquei tranqüilo, graças a Deus ... o resultado foi o
melhor para mim. Serviu de lição de vida, serviu para dar
mais valor à minha vida. (José)
Dois usuários disseram ainda que:
... o atendimento do CTA, especialmente no pós-teste,
tem a intenção de dar atenção ao indivíduo no momento do
diagnóstico. Isto humaniza o resultado, pois alivia a
confirmação do mesmo naquele momento. (Carlos)
... eu penso assim: desde o momento que eu recebi o
resultado, eu acho que vou estar me protegendo e
negociando o preservativo sempre. (Pedro)
Os entrevistados foram abordados após o recebimento do resultado do
exame. A maioria (09) confirmou ser soronegativo, o que certamente lhes
trouxe alívio. Porém, dois usuários tiveram resultados reativos para o HIV. Um
deles já conhecia esse resultado e veio ao CTA para obtê-lo por escrito, formali-
zado, com a finalidade de dar entrada no pedido de liberação do FGTS, e como
é membro de ONG, também quis participar da entrevista. Eis sua justificativa:
... hoje eu recebi meu resultado e faz quase três meses que estou aqui só esperando uma confirmação. Eu já sabia do resultado do meu teste. Só vim refazer para dar entrada no FGTS. (Carlos)
O outro foi encaminhado ao CTA para confirmação diagnóstica após ter
realizado um exame em laboratório particular e, ao participar da entrevista,
disse:
... Eu vim na esperança que meu exame não desse igual ao primeiro, que fosse negativo. Mas me preparei e vou fazer o terceiro exame aqui. Antes se morria logo de
109
Aids. Hoje só morre de Aids quem quer. Uma pessoa por mais ignorante que seja, se ela procurar informações, é só cuidar, ela sobrevive um bom tempo. (Mauro)
Fica claro, então, que o momento da revelação diagnóstica no
aconselhamento pós-teste auxilia as pessoas, garante-lhes apoio emocional e
alivia a tensão frente ao resultado, propiciando uma reavaliação de riscos,
reflexão sobre atitudes e condutas de cuidados e de prevenção, incluindo
estratégias de redução de riscos e adesão ao tratamento, se for o caso. Para
incentivar as medidas de prevenção, o CTA fornece um cartão para distribuição
de preservativo que dá direito a obter seis preservativos por mês,
gratuitamente. Esta medida não foi referida pela maioria dos entrevistados.
Todavia, um usuário (Pedro) alegou que
“...não vale a pena pagar a passagem para ganhar apenas seis
preservativos ..."
, e sugeriu o aumento desse quantitativo.
Do exposto, percebe-se que os entrevistados entendem e acatam os
serviços oferecidos pelo CTA/HESFA/UFRJ, mesmo com certas reservas. Daí,
vale destacar algumas lições aprendidas por eles, a partir do seu olhar.
5.9 - Lições Aprendidas
Considerando que o processo de atendimento no CTA/HESFA/UFRJ é
ancorado na prevenção e no diagnóstico do HIV/Aids, os usuários foram
indagados acerca de eventuais “lições aprendidas” após a vivência das etapas
do atendimento. Dentre os entrevistados, três ressaltaram que as orientações
sobre prevenção e transmissão da infecção pelo HIV trouxeram maior
110
responsabilidade individual e, conseqüentemente, reflexões sobre o risco de
contrair o HIV e de prevenir-se:
... eu acho que vou tentar explorar muito mais as possibilidades da prevenção. (José)
... agora eu vou ter mais responsabilidade, só não sei se vou me proteger com o atual, que é um homem extremamente ciumento, mas é um homem sério .... Eu penso que eu recebi um “conselho”, entendi e vou ficar mais descansada se eu puder usar o preservativo com ele também. Por que não? Vou tentar conversar com ele. (Rosa)
... aprendi que nunca mais transo sem camisinha na minha vida. Eu e meu namorado já usávamos, às vezes não, mas agora eu conversei com ele e nunca mais vamos deixar de usar. (Maria)
Estas reflexões desenvolvem-se em torno da prevenção baseada em
ações comportamentais e estilo de vida pessoal, contribuindo para evitar o
crescimento da epidemia. Algumas até contribuem para que eles se tornem
multiplicadores de informações em suas relações sociais, como foi o caso de
Pedro:
... o que eu fiquei sabendo aqui, eu comecei a passar para outras pessoas, para passar que não era nada daquilo que as pessoas acham, que não é um bicho de sete cabeças ... eu não levei as informações só para mim, mas para outras pessoas também . (Pedro)
A fala a seguir remete à idéia de promoção da saúde, que fortalece a
autonomia dos sujeitos e aponta para a melhora da qualidade de vida das
pessoas através do aconselhamento:
... no aconselhamento, eu vi que tenho uma chance de ter uma vida normal, e é muito importante com certeza ... então, não é porque de repente tem uma determinada doença que você vai se entregar para o mundo e acabou.
111
Ao contrário, dali em diante, você vai tentar tudo da melhor forma possível porque enquanto tiver forças e esperança, há vida. (Mauro)
Trilhar caminhos para respostas de prevenção a Aids impõe uma série
de desafios; há que se conjugar aspectos individuais e subjetivos, culturais e de
gênero, econômicos e sociais para o desenvolvimento desse processo, a fim de
que se tenha uma perspectiva de consciência sobre possíveis riscos e
necessidade de mudanças de comportamento.
Esta pesquisa pretendeu obter informações também quanto às
instalações do CTA/HESFA/UFRJ, para saber se as condições ambientais eram
prejudiciais ao atendimento dos usuários. Eis as respostas obtidas:
5.10- Instalações do CTA/HESFA/UFRJ
O prédio do HESFA é tombado, encontrando-se em condições muito
precárias, necessitando de reforma especializada e bastante custosa do ponto
de vista financeiro e técnico.
Consultados acerca das instalações físicas do HESFA/UFRJ e, em
especial do CTA, todos emitiram opiniões que demonstraram surpresa em
relação a estas, pois acreditavam que estariam em condições inadequadas, tal
como a aparência externa do prédio. E exemplificaram:
... eu me surpreendi um pouco. Olhando aquela sacada, parece que está caindo. (Paulo)
... eu confesso que aqui dentro, entendeu? Aqui dentro tá bom, mas do lado de fora precisa de uma reforma, pintura, janelas e portas. (José)
... eu achei boa. Tem ventilador, bebedouro, é limpo, tem banco pra todo mundo. (Eduarda)
112
Os depoimentos acima mostram que a visão dos usuários acerca
dessas instalações não acarreta nenhum prejuízo ao atendimento que lhes é
prestado.
Diante dos relatos obtidos, tem-se a certeza de que os usuários do
CTA/HESFA/UFRJ buscam o serviço por entenderam a importância do
diagnóstico anti-HIV/Aids em seu processo de vida, considerando o acolhimento
/ aconselhamento como cruciais para ajudá-los num momento especial de suas
vidas.
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abordar questões relacionadas à Aids é sempre muito instigante,
especialmente quando a epidemia entra em sua terceira década. Durante este
período o Estado brasileiro vem se empenhando em estabelecer diretrizes para
estancar o avanço da epidemia, visando a saúde coletiva e o bem-estar social.
O Ministério da Saúde, através da PN-DST/Aids tem sido responsável pelo
desenvolvimento em diversas áreas de conhecimento técnico-científico em
HIV/Aids e na proposição e efetividade de ações de prevenção, assistência,
controle da infecção, na produção, distribuição e disponibilização universal e
gratuita de medicamentos antiretrovirais e profiláticos.
Com relação aos serviços de saúde, a epidemia evidenciou problemas,
especialmente nas condições de acesso, na assistência, na integração e
atenção ao usuário por parte dos profissionais, na referência e resolutividade,
entre tantos outros.
A Aids levou à revisão do cotidiano dos serviços de saúde, dos hábitos
culturais e ideológicos que perpassam a relação profissional com o usuário e a
definição de políticas públicas na área da saúde.
A política de prevenção ocupa um lugar relevante junto com a
promoção à saúde. A prevenção vem construindo e desenvolvendo estratégias
e tecnologias específicas afinadas com a promoção à saúde, que incorporam
diálogos interdisciplinares nas cenas do campo prático para atuarem em
testagem e aconselhamento, redução de risco, práticas de sexo mais seguro e
redução de danos, entre outros.
114
Do ponto de vista das políticas públicas, as diretrizes para implantação
dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) tiveram como propósito
facilitar o acesso da população ao diagnóstico sorológico para o HIV dentro de
critérios de sigilo, confidencialidade e anonimato, desenvolvendo no
aconselhamento o processo de prevenção e orientação aos usuários.
Nesta dissertação, procurei discutir como as políticas públicas em
relação a Aids emanadas das diretrizes do PN-DST/Aids para os CTA são
vivenciadas na visão dos usuários atendidos no CTA/HESFA/UFRJ.
Sintetizar a riqueza dessas experiências a partir do olhar dos usuários é
uma tarefa difícil e certamente incompleta. A abordagem qualitativa através das
entrevistas semi-estruturadas pareceu adequada, favorecendo as reflexões dos
usuários e a minha sobre a realidade do serviço.
A necessidade e os cuidados para implantar e organizar os CTA segundo
aquelas diretrizes parecem defensáveis e justificáveis, haja vista a grande
procura do CTA pela população legitimando, então, a importância do serviço de
saúde.
O serviço público de saúde, em geral, é desqualificado e desacreditado
pela população que o procura, salvo algumas exceções. O volume da procura
por atendimento que vem, ao longo dos anos, ocorrendo no CTA/HESFA/UFRJ
sinalizava que a população conferia uma credibilidae ao Serviço, o que parece
se confirmar nessa pesquisa qualitativa que foi desenvolvida.
Considerando a complexidade do sistema de saúde brasileiro e a
dificuldade de implantar o SUS como sistema de saúde que atenda aos nossos
anseios, temos que levar em conta a complexidade das políticas de saúde, as
relações sociais dominantes, as relações institucionalizadas envolvendo esferas
115
das Secretarias de Saúde dos governos estadual e municipal, a UFRJ e o
HESFA dentro deste contexto.
A questão do acesso ao serviço e a integralidade enquanto parte dos
princípios que norteiam a atenção á saúde através do SUS, foram destacados
neste trabalho. O desafio de integrar o CTA de forma cada vez mais efetiva ao
SUS, garantindo mecanismos que valorizem suas ações, devem ser
acompanhados de compromissos federais, estaduais e municipais que
permitam a sustentabilidade e constante qualificação do atendimento.
O CTA tem sido reafirmado como serviço diferenciado e “porta de
entrada” da população nos serviços que tratam do HIV/Aids objetivando o
diagnóstico anti-HIV. Considerando a complexidade singular dos sujeitos que
vêm em busca do teste, o CTA oferece acolhida pautada na visão integrada do
Ser humano onde o biológico, o social, o psicológico se entrelaçam nos
aconselhamentos pré e pós-teste.
Nas entrevistas verificou-se que os usuários compreendem o que é o
objetivo do CTA. Percebem, também, que o serviço contribui através das
orientações fornecidas para reflexões e mudanças de estilo de vida nas
relações sócio-afetivas, na elaboração de planos de redução de riscos e danos
à saúde a quem está sujeito à infecção pelo HIV.
No cenário investigado, a chegada ao HESFA e a recepção do CTA,
deve ter a acolhida como base, pois o acolhimento delinea todo o processo de
diagnóstico no serviço. A forma como o usuário é recebido vai alicerçar as
relações de confiança, credibilidade que serão estabelecidas com os
profissionais que irão atendê-lo.
116
Alguns entrevistados explicitaram críticas, que obstacularizaram o
acolhimento, em especial na recepção do CTA. A recepcionista, ora ausente,
ora indiferente segundo eles, não contribui para a humanização que se propõe
o CTA. É inegável que a percepção dessas atitudes por parte da recepção,
indica a necessidade de rever esta etapa do trabalho, entendendo-a enquanto
suporte social e comunicacional, importante para o processo de diagnóstico
anti-HIV.
O estudo aponta também para um maior envolvimento por parte da
equipe, desfazendo a impressão que todos estão ocupados e nem ligam para
quem espera. Este tempo para o atendimento, como foi verbalizado pelos
usuários, aumenta a ansiedade frente as etapas de assistência do CTA e
refletem sobre aspectos que necessitam ser reorganizados.
É possível falar de acolhimento, de humanização, quando existe uma
relação percebida pelos usuários como descaso no CTA? Diante disto, como
construir uma relação baseada nestes fatores que contribua para o processo de
inclusão no serviço de promoção a saúde dos usuários? Parece que é a partir
do acolhimento e do aconselhamento que o serviço dá suporte e ancora o
usuário que vem realizar o exame anti-HIV. Se queremos trabalhar com a
prevenção e promoção a saúde, com a construção da autonomia dos sujeitos, é
importante estabelecer relações neste território que dê referências individuais e
coletivas.
Também está implicada a questão da resolutividade do serviço e do
acolhimento, disponibilizando para os usuários informações necessárias para
atender as suas necessidades e desdobramentos cabíveis, a abordagem
integral e a humanização são fundamentais para o processo de criação de
117
vínculo dos usuários com o CTA, pois é quando o usuário se percebe
respeitado em suas necessidades, podendo tornar-se autônomo e ativo no seu
processo de diagnóstico anti-HIV.
Tomando o ponto de vista dos usuários e o seu “olhar” sobre o
aconselhamento coletivo, de uma forma geral, esta etapa de atendimento,
importante elo entre o serviço e os usuários, já que é o primeiro momento de
contato que marca um momento informativo de troca e significa também o
primeiro encontro do profissional que deve minimizar a ansiedade dos usuários
frente ao teste anti-HIV e também a entrada efetiva no processo de diagnóstico.
Na fala dos entrevistados o aconselhamento coletivo foi percebido como
uma etapa de orientação e informação significativa porque para além do
conteúdo apresentado e dialogado propicia a escuta das pessoas que
compõem o grupo, oportunizando o esclarecimento de dúvidas.
O aconselhamento coletivo envolve o processo de prevenção à Aids e, a
partir da informação, sensibilizar os usuários a reflexão sobre a epidemia, os
testes, riscos e adoção de medidas preventivas diferenciadas e mais seguras.
Portanto, é necessário que os formuladores de políticas públicas
viabilizem constantes qualificações que contemplem a adequação e a
atualização dos conteúdos, assim como metodologias que apontem para a
construção da cidadania.
É interessante assinalar nos relatos dos usuários a importância do
encontro deles com os profissionais, durante os aconselhamentos pré e pós-
teste.
A comunicação dialógica que leva os usuários a um universo íntimo,
singular, implica-os num processo de percepção, reflexão, avaliação de riscos
118
por vezes constrangedor. É notória a importância de uma relação acolhedora,
de troca, que traz no seu desenvolvimento a possibilidade do usuário tornar-se
sujeito de sua própria saúde.
Apesar do roteiro a ser seguido, o profissional torna-se referência para o
usuário, convidando-o a falar de suas questões individuais, estas carregadas de
sentimentos que às vezes se traduzem por angústia, medo e/ou culpa.
É pertinente observar que às vezes a pressão do fluxo do atendimento,
especialmente quando a sala de espera está cheia, pressiona os profissionais
naturalmente, interferindo nos aconselhamentos. Parece que o aconselhador
deve manter a delicadeza e a perspicácia no seu atendimento, privilegiando a
escuta, a acolhida e o tempo do usuário.
Fica a indagação: será que isso é possível? Isso acontece no dia-a-dia?
Devemos nos interrogar constantemente sobre esta prática complexa
que é o aconselhamento pré e pós-teste, um momento especial para os
usuários. É necessário agregar a peculiaridade dos profissionais
aconselhadores às necessidades específicas dos usuários e o fluxo de
atendimento do serviço. Sendo assim, tentando aproximar estas questões e
ampliando e interrogando sobre a atuação e organização do
CTA/HESFA/UFRJ.
Com relação à prática do aconselhamento pós-teste, cumpre ressaltar
que é um momento muito especial, tanto para o profissional como para o
usuário. Considerando a peculiaridade desta etapa de atendimento no CTA, e a
espera para o resultado de 25/30 dias, a orientação filosófica do serviço
preconiza minimizar a ansiedade frente ao resultado dentro de uma atitude
respeitosa, acolhedora e transparente. Essa etapa de rotina deve ser
119
problematizada para os objetivos do serviço sejam garantidos.
A ética, a escuta, o reconhecimento do sofrimento do usuário frente ao
momento do resultado são fundamentais no aconselhamento pós-teste, pois no
imaginário dos sujeitos há a possibilidade de estarem infectados com o vírus
HIV e também pressões sociais em distintos níveis, desd0e a discriminação
social ao nível individual, quanto a transmissão do vírus para outras pessoas.
O oferecimento de suporte, apoio emocional e social (tanto para o soronegativo
quanto para o soropositivo), a referência para os serviços de tratamento são
imprescindíveis. Destaca-se críticas ao serviço quanto ao intervalo de tempo
entre a realização do exame e o resultado do mesmo.
O custo dos Kits para exame e a precariedade de recursos humanos e
materiais impedem o abreviamento da entrega dos resultados e interfere na
qualificação do CTA trazendo conseqüências para clientela. Ressalta-se que
nos primeiros anos deste CTA, os resultados eram fornecidos após 60 a 90 dias
da coleta de sangue. Desde 1998 houve um aperfeiçoamento na
operacionalização, contemplando as reivindicações dos usuários porém, o
tempo de espera do resultado ainda é considerado excessivo.
A questão da comunicação dos resultados aponta para a reflexão sobre
o cuidado e a proteção pessoal extensiva a quebra da cadeia de transmissão.
No momento do resultado, ou seja, no aconselhamento pós-teste, o indivíduo
percebe-se com maiores chances de aproximar as orientações recebidas no
aconselhamento à mudanças de atitude no seu estilo de vida. Assim, o
resultado em si pode ampliar as chances de proteção e de cuidado para
qualquer que seja o resultado. Diante disto, é de suma importância o
replanejamento das questões governamentais, utilizando não só novas
120
tecnologias como a adoção do teste rápido, assim que cientificamente
comprovado, reduzindo o tempo de espera para o resultado, mas também
incorporando fatores humanos e materiais para a testagem na rede básica de
saúde.
Quanto a distribuição mensal de preservativos aos usuários houve
críticas em relação a quantidade disponibilizada destes insumos. Se há um
projeto do governo de proporcionar atitudes de prevenção, baseada no sexo
seguro, as unidades de saúde deveriam receber um quantitativo maior de
preservativos a serem disponibilizados aos usuários. Este CTA deverá se
estruturar melhor para incorporar ações educativas com flexibilização de cotas
de preservativo. Sabemos que as unidades de saúde não vão suprir todas as
necessidades das pessoas nem a cobertura total das ações protetoras quanto a
adoção de relações sexuais com maior segurança. A distribuição destes deve
ser previsto no planejamento do CTA e articulada junto as secretarias de saúde
do município e do estado, possibilitando o cuidado individual e contínuo.
No recorte das lições aprendidas, os usuários referem maior
responsabilidade individual e atitudes de prevenção e promoção à saúde que
apontam para melhor qualidade de vida.
O processo de aconselhamento, seja coletivo ou individual, implica na
construção de saberes, na reflexão e problematização de mudanças de
atitudes, fundamentadas numa proposta de atenção a uma vida mais saudável
e na tentativa de diminuir riscos de infecção pelo HIV.
É preciso trazer questões inovadoras para a prevenção que integrem as
dimensões da vulnerabilidade e subjetividade dos sujeitos, pois estas são
forças motrizes que devem ser acionadas nos usuários. Além disso, é
121
necessário resgatar o processo de promoção à saúde que ocorre durante o
aconselhamento que, para além do risco do HIV, contempla uma complexidade
de questões que passam por fatores tais como emprego, relações de gênero,
educação, violência, planejamento familiar, entre outros.
A lógica da atenção do CTA trabalha com acolhimento, com a escuta
diferenciada, com a reflexão sobre riscos, com a autonomia, compreendendo os
sujeitos na sua integralidade, historicidade e no respeito às diferenças. Faz
parte da política do CTA trabalhar na perspectiva de saúde com a manutenção
da vida saudável, potencializando o compromisso com a vida.
Em síntese, o trabalho desenvolvido no CTA traz inúmeros desafios,
entre eles, o entrelaçamento indissociável da prevenção, promoção e
assistência. Também a capacitação constante dos profissionais do Serviço,
com especial atenção à educação em saúde, o acolhimento e o
aconselhamento que lidam com questões coletivas e individuais, tais como
sexualidade, preconceitos, direitos humanos e sociais. Também há que se
estabelecer caminhos de reorganização do Serviço frente à minimização e
resolutividade do tempo de espera do resultado. Chama atenção a ausência de
avaliação do serviço, com o intuito de manter a qualidade da assistência
prestada por este CTA.
A retomada do trabalho de redução de danos com distribuição de
insumos específicos é de vital importância, assim como o preparo dos
profissionais do CTA para o oferecimento de exames de Hepatite B e C, ora
preconizados pelo Ministério da Saúde através de políticas específicas para os
CTA.
Assim, para os caminhos futuros do CTA, serão necessárias novas
122
estratégias em que as questões de prevenção e promoção da saúde,
envolvidas pela humanização, sejam rigorosamente observadas em todas as
etapas do Serviço, garantindo ao usuário autonomia e poder de decisão sobre a
própria saúde frente à epidemia do HIV/Aids.
123
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