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1 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO JOÃO JEFFERSON CASSEB DA COSTA A LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E A CRIMINALIZAÇÃO DE MOVIMENTOS SOCIAIS FORTALEZA 2014

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1

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE DIREITO

JOÃO JEFFERSON CASSEB DA COSTA

A LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E A CRIMINALIZAÇÃO DE

MOVIMENTOS SOCIAIS

FORTALEZA 2014

2

JOÃO JEFFERSON CASSEB DA COSTA

A LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E A CRIMINALIZAÇÃO DE

MOVIMENTOS SOCIAIS

Monografia submetida à aprovação da

coordenação do curso de Direito do

Centro de Ensino Superior do Ceará,

como requisito parcial para obtenção do

título de Bacharel em Direito, sob a

orientação do professor Ms. José Lenho

Silva Diógenes.

FORTALEZA 2014

3

JOÃO JEFFERSON CASSEB DA COSTA

A LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E A CRIMINALIZAÇÃO DE

MOVIMENTOS SOCIAIS

Monografia apresentada como pré-

requisito para obtenção do título de

Bacharelado em Direito, outorgado pela

Faculdade Cearense – FAC, tendo sido

aprovada pela banca examinadora.

Data de aprovação: ____/ ____/ ____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Prof. Ms. Lenho Silva Diógenes (Orientador)

_______________________________________________________________ Prof.a. Esp. Marina Lima Maia Rodrigues (Examinadora)

_______________________________________________________________ Prof. Ms. José Péricles Chaves (Examinador)

4

Dedico esse trabalho a minha família, que sempre apoiou meus projetos e esteve ao meu lado nos momentos importantes e a Deus que me proporcionou saúde e sabedoria para a finalização desta tarefa.

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu pai, João da Costa Filho, minha mãe, Maria Lucia Bady

Casseb Costa e meus irmãos Virginia Maria Casseb da Costa, João Lucas Casseb

da Costa e João Paulo Duavy da Costa, pelo amor, incentivo e apoio.

A minha namorada Natiele de Almeida Silva, que nesses últimos passos

esteve presente com seu amor e compreensão.

A Deus que me deu forças e permitiu que todas as dificuldade fossem

superadas.

6

A bandeira vermelha se moveu / É um povo tomando posição Deixe o medo de tudo pra depois / Puxe a faca desarme sua mão

Fique muito tranquilo pra lutar / Desamarre a linha da invasão A reforma está vindo devagar / Desembocar no rio da razão

Disparada de vacas e de bois / É o povo tomando posição É o povo tomando direção.

Zé Ramalho

7

RESUMO

Este trabalho trata sobre as mudanças na nova lei de organizações criminosas. O cerne deste trabalho reside na possibilidade ventilada com relação ao enquadramento de manifestações na nova lei das organizações criminosas, dado o teor de algumas ações de vandalismo desencadeadas. Porém é preciso ver este tema com muita prudência, haja vista que a fronteira entre os manifestos legítimos e a baderna é muito tênue na visão dos governantes, e o fato de o Brasil não possuir leis muito claras pode comprometer esse processo que é parte inerente das nações democráticas. Palavras chave: Organizações Criminosas, Protestos, Criminalização de

Manifestações Populares.

8

ABSTRACT This paper deals with the changes in the new law of criminal organizations, which was triggered due to social protest movements occurred in 2013, where vandals infiltrated the movements caused several crimes against persons and against public and private property. The core of this work lies in the possibility ventilated with its frame of demonstrations in the new law of criminal organizations, given the content of some triggered acts of vandalism. But you have to see this issue with great caution, given that the border between the legitimate manifest and the turmoil is very thin in view of the rulers, and the fact that Brazil does not have very clear laws may impair this process that is an inherent part of democratic nations.

Keywords: Criminal Organizations, Protests, Criminalization of Popular Manifestations.

9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ...................... 13

2.1 A Lei Nº. 9.034/95 e a ausência de um conceito jurídico de organização

criminosa ................................................................................................................ 14

2.2 O conceito do Tratado de Palermo e sua incidência no âmbito nacional ......... 18

2.3 A Lei nº 12.694/12 e o conceito legal de organização criminosa ..................... 20

3 A LEI Nº 12.850/13 E AS MUDANÇAS INTRODUZIDAS NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO ........................................................................................... 22

3.1 O novo conceito de organização criminosa ..................................................... 22

3.2 Organização versus associação criminosa: a nova redação do artigo 288 do

CP .......................................................................................................................... 23

3.3 O espírito e os institutos da Lei Nº 12.850/13 ................................................. 26

4 A LEI Nº 12.850/13 E CRIMINALIZAÇÃO DE MOVIMENTOS SOCIAIS ............... 31

4.1 A história das manifestações populares no Brasil ........................................... 32

4.1.1 - Revolta da vacina (1904 ) ........................................................................ 33

4.1.2 - Greves operárias do início do século 20 .................................................. 35

4.1.3 - Passeata dos 100 mil (1968) ................................................................... 37

4.1.4 - Comícios das Diretas Já (1984)............................................................... 39

4.1.5 - Impeachment de Collor (1992) ................................................................ 40

4.2 Os protestos ocorridos em 2013 no Brasil ....................................................... 43

4.3 A lei nº 12.850/13 e os protestos de 2013 ..................................................... 46

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 48

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO ............................................................................ 50

10

1 INTRODUÇÃO

A regulamentação jurídica do crime organizado no Brasil é uma matéria

que passou por recentes modificações. Em agosto de 2013, a lei nº 12.850/13,

denominada lei de organizações criminosas, trouxe importantes inovações para o

combate ao crime organizado. Esta lei, assim como as demais leis em vigor, precisa

ser interpretada à luz dos valores constitucionais para que sua aplicação não

represente uma distorção no ordenamento jurídico brasileiro.

As tentativas de enquadramento na nova lei das organizações criminosas

de pessoas inseridas em protestos ocorridos por todo Brasil no ano de 2013,

atitudes criticadas pela Ordem dos Advogados do Brasil, demonstram como se trata

de uma matéria bastante controvertida no meio jurídico.

Compreende-se que a análise sobre a lei de organização criminosa e a

criminalização de movimentos sociais pode contribuir para lançar novas luzes sobre

esta temática. Neste sentido, o principal objetivo desse trabalho é discutir o

enquadramento de pessoas ligadas a protestos urbanos na nova lei das

organizações criminosas.

Os objetivos específicos desse trabalho serão compreender as principais

mudanças trazidas pela nova lei das organizações criminosas; apresentar as

principais razões apresentadas contra e a favor do enquadramento de pessoas

envolvidas nos protestos na lei de organizações criminosas; e, entender a

criminalização dos protestos urbanos no Brasil nos últimos dois anos.

A pergunta que será norteadora dessa pesquisa é: deve-se ou não

enquadrar, na nova lei de organizações criminosas, os envolvidos em atos de

vandalismo ocorridos durante os protestos ocorridos nos últimos dois anos no

Brasil?

Parte-se do princípio que esse enquadramento deve ser ou não feito

mediante a correta interpretação da lei e na literal leitura dos fatos ocorridos durante

essas manifestações e que resultaram na sinalização, por parte da justiça, de poder

enquadrar essas pessoas em uma lei tão grave.

11

A justificativa para a escolha desse tema deve-se ao fato de que, além de

o autor possuir afinidade com o mesmo tanto na seara acadêmica quanto

profissional, esse é um assunto bastante atual e, em virtude das controvérsias e

polêmicas jurídicas que permeiam esse assunto, torna-se de grande importância

discuti-lo no meio acadêmico para entender melhor as argumentações de quem é a

favor e de quem é contra, baseado na literatura disponível e também na

interpretação das leis existentes.

O Brasil é um país onde os índices de criminalidade são alarmantes. O

número de homicídios, uma taxa de 20,4 homicídios por 100 mil habitantes, mantém

o país com a oitava pior marca entre 100 nações com estatísticas consideradas

relativamente confiáveis sobre o assunto1. Além de homicídios, todos os dias a mídia

veicula casos de roubos, furtos e delitos graves. Não há dúvidas que o chamado

crime organizado, interpretado comumente como organização criminosa, contribui

significativamente para esta realidade social.

Contudo, engana-se quem supõe que o crime organizado tem como

principal foco a violência letal contra a pessoa. Segundo a doutrina

(BITENCOURT,2013), as organizações criminosas são grupos com grande poder de

organização, com comandos bem definidos e que, geralmente, tem como objetivo

maior ganhos financeiros e lucros. Além destes, em casos extremos, organizações

criminosas ligadas ao terrorismo possuem motivação política ou religiosa e

provocam a morte de milhares de pessoas.

Os mais conhecidos tipos de organização criminosa no Brasil

normalmente estão ligados ao tráfico de drogas, porém o crime organizado pode

assumir outras formas, às vezes ainda mais perigosas, influentes e poderosas, com

influência em muitos setores, inclusive internacionalmente.

Outro tipo de organização criminosa bastante conhecida da maioria da

população através da mídia são as chamadas milícias, grupos paramilitares

formados por agentes e ex-agentes da lei, como policiais, bombeiros e demais

profissões relacionadas à segurança, que se organizam para cobrar da população,

1 O Globo. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/mapa-da-violencia-2013-brasil-mantem-taxa-

de-204-homicidios-por-100-mil-habitantes-7755783#ixzz3KxJPkf8y. Acesso em 01.12.2014.

12

principalmente comerciantes, uma taxa para assegurar uma proteção extra para

essas pessoas e seus estabelecimentos.

Mesmo com todo o esforço da sociedade civil organizada, o poder invasivo

das organizações criminosas é muito grande e possui tentáculos em vários setores e

por toda a comunidade, dificultando em muito o trabalho de movimentos counitários

que procuram combater essa realidade, restando como última esperança, a

aplicação de leis que sejam mais eficientes para combater as associações

criminosas, tão prejudiciais à sociedade.

Um novo fio de esperança surgiu quando da promulgação, em 02 de agosto

de 2013, da nova lei das organizações criminosas, que traz mudanças e inovações

muito importantes, alterando, pois, o código penal e revogando em definitivo a Lei nº

9.034 que foi promulgada há quase 20 anos, em 1995. Nossa meta nesta

monografia é lançar luzes sobre o tema, revendo a evolução normativa sobre o

conceito de organização criminosa e os limites de possibilidades de aplicação deste

conceito jurídico a movimentos sociais.

A metodologia usada para esse trabalho é a pesquisa bibliográfica, onde

serão analisados textos de livros, publicações feitas na internet, artigos em revistas,

jornais de circulação que veicularam notícias e opiniões a respeito do tema, bem

como opiniões veiculadas em redes sociais por pessoas formadoras de opinião do

meio jurídico.

O trabalho está estruturado em três partes. Na primeira, procura-se

compreender a evolução do tratamento jurídico do conceito de organização

criminosa. Em seguida, analisam-se as mudanças introduzidas no ordenamento

jurídico brasileiro pela lei nº 12.850/13. E, por fim, procura-se compreender a

criminalização de movimentos sociais à luz do novo estatuto jurídico das

organizações criminosas.

13

2 CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

O crime organizado, em formato parecido com o que é conhecido

atualmente, faz parte da vida em sociedade há pelo menos trezentos anos, tendo

sido identificado pela primeira vez, segundo Pereira e Silva (2013), com uma gangue

liderada por um jovem chamado Jonathan Wild, e cujo objetivo principal eram furtos e

saques, realizados na capital da Inglaterra no século XVII.

Pereira e Silva (2013) lembram ainda que, nos Estados Unidos, durante as

décadas de 1920 e 1930, dada a existência de uma lei que proibia tanto a fabricação quanto

o consumo de álcool em todo país, lei esta conhecida como Volstead Act, surgiu um grupo

de gangsters chefiados pelo famoso Al Capone, que era responsável por contrabandear

bebidas alcoólicas, especialmente oriundas do Canadá.

As espécies de denominação adotadas para denominar as diversas formas de

criminalidade organizada costumam variar conforme o país em que estão inseridos os

criminosos,. Sobre o tema, Pereira e Silva (2013, p.04) lembra que:

Em cada país ou região o crime organizado recebe nomenclatura diferenciada. Na Itália, costumam chamar de Maffia os grupos que compõem o crimine organizzato. No oriente, denomina-se Tríade na China; e Yakuza no Japão. Em países como Colômbia e México são tratados como Cartel. Na Rússia são conhecidos como Bratvas. Em nosso país, os Comandos (ex. PCC, Comando Vermelho e Terceiro Comando) dominam grande parte das organizações criminosas nacionais, tendo como pilar de sustentação o tráfico de drogas. Denominações estas que não excluem, por óbvio, outras organizações, em especial as formadas pelos “colarinhos brancos”, geralmente inominadas, mas que representam perigo igual, se não pior, à coletividade e à ordem jurídica posta.

Nas décadas de 1940, 1950 e desse período até os dias atuais, o foco do

crime organizado foi sendo modificado. No Brasil, houve uma evolução de

contravenções por jogos ilícitos, prostituição, até chegar, ainda nos anos 70, ao

trafico de drogas, sendo pois esse o tipo de organização criminosa mais conhecido

da população em geral por estarem constantemente nas mídias de massa e por

terem ultrapassado as fronteiras da divisão social, afetando pois a realidade de

todas as classes sociais, de todos os gêneros e de todas as idades.

14

De certa forma, aos olhos do público em geral, essa parece ser a forma

mais violenta e danosa à sociedade de organização criminosa, porém o crime

organizado possui vários tipos de atuação, de várias formas e todas são muito

graves e representam um grande risco para o bom andamento da sociedade de uma

forma geral.

Existem as milícias, as organizações criminosas do chamado “colarinho

branco”, as organizações de tráfico de pessoas, de tráfico de órgãos, e mais uma

série de agrupamentos que se encaixam na denominação de organização criminosa

utilizada na atualidade.

Na atualidade, o crime organizado tem demonstrado grandioso poder de

organização, de eficiência, de capilaridade e principalmente de influência em todos

os segmentos da sociedade, deixando muito atrás as legislações que, a todo custo e

de forma desproporcionalmente inferior, o tentam coibir. Pereira e Silva (2013, p.04)

citam uma fala do cineasta, escritor e roteirista norte-americano Woody Allen sobre o

assunto, onde ele diz que:

O crime organizado na América rende 40 bilhões de dólares. É muito dinheiro, principalmente quando se considera que a Máfia quase não tem despesas de escritório”. São, portanto, verdadeiras empresas, atuando de forma globalizada, refinadamente, aliciando – por vezes – detentores de altas patentes do serviço público, hierarquizando formalmente as operações, atuando por trás de empresas de fachada ou até mesmo de companhias fantasmas. Agem em conjunto com o poder público, sorrateiramente, ou com grupos de criminosos privados, ostensivos e violentos, mas que, de uma forma ou de outra, tem como objetivo final a obtenção de vantagem financeira ilícita. São um verdadeiro “câncer” na sociedade.

Nesse sentido, tendo em consideração a importância de se delimitar de

forma clara o conceito de organização criminosa, este capítulo destina-se a analisar

a evolução deste conceito no ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, analisa-

se, nas seções seguintes, a Lei nº. 9.034/95, o Tratado de Palermo e a Lei nº

12.694/12.

2.1 A Lei Nº. 9.034/95 e a ausência de um conceito de organização criminosa

A lei nº 9.034, promulgada em 03 de maio de 1995 e já revogada pela

entrada em vigor da lei 12.850, promulgada em agosto de 2013, tratava das

15

disposições acerca da utilização de meios operacionais para a prevenção e

repressão de ações praticadas por organizações criminosas. A despeito da

finalidade desta lei, não há nela uma definição do que seja organização criminosa.

Essa lei trazia em sua composição três capítulos distintos. O primeiro

capítulo trazia a definição de ação praticada por organizações criminosas e dos

meios operacionais de investigação e prova. O segundo tratava da preservação do

sigilo constitucional. E, o terceiro, dispunha sobre as disposições gerais da lei

(BRASIL, 1995).

Conforme se nota pela redação dos artigos primeiro e segundo da lei,

além de não explicar em que consiste uma organização criminosa, o texto legal dá

margem para confusão entre as noções de quadrilha ou bando e organização

criminosa. O texto original da lei dizia o seguinte:

Art. 1º Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando. Art 2º Em qualquer fase de persecução criminal que verse sobre ação praticada por organizações criminosas são permitidos, além dos já previstos na lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: I - (Vetado). II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações; III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.

Pode-se observar que a lei fala a respeito dos meios de prova e dos

procedimentos acerca da investigação e o acesso às informações, mas não traz

nenhum tipo de conceituação ou, ainda que de forma superficial, alguma forma de

entendimento sobre o que vem a se caracterizar a organização criminosa. Além

disso, em 2001, a lei nº 10.217 de 11 de abril deu nova redação ao artigo primeiro,

que passou a fazer menção a “ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha

ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”.

Conforme observa Nucci, essa generalização incluída na parte final do

artigo pela lei 10.2217, traduzida na expressão “associação criminosa de qualquer

tipo”, podia ensejar a conclusão de que “um mero concurso de pessoas é uma

16

associação criminosa, motivo pelo qual já seria suficiente, em tese, para a aplicação

das normas rígidas previstas na Lei 9.034/1995” (NUCCI, 2009, p. 280-281).

O artigo terceiro da Lei 9034/95, com seus cinco parágrafos, estabelecia

que, em relação ao crime organizado, as diligências que pudessem de violar o sigilo

preservado pela Constituição deveria será realizada pessoalmente pelo juiz e as

formalidade relativas a esse tipo de diligência. Mais uma vez no texto da lei não foi

feita nenhuma menção sobre a conceituação de organização criminosa.

Por ser essa uma lei de texto relativamente pequeno em comparação a

outras leis, restando apenas o capitulo que versa sobre as disposições gerais, é

possível dizer que, já na leitura desse segundo capitulo pode-se identificar a

problemática da ausência desse conceito na lei de uma forma geral, o que dificulta

bastante o trabalho dos juristas e da correta interpretação que se deve fazer em

relação às situações fáticas que poderiam ser enquadradas como sendo uma

organização criminosa.

Aliás, conforme registra Gomes (2002), o Supremo Tribunal Federal

decidiu, ao julgar a ação penal 470, o chamado mensalão, que não existia no

ordenamento jurídico brasileiro uma definição legal de organização criminosa.

Essa ausência de um conceito claro de organização criminosa colocou

em risco, inclusive, a aplicabilidade das medidas previstas na lei 9034/95, haja vista

a remissão que os outros dispositivos legais faziam a essa noção, conforme se nota

na redação dos artigos 4º, 5º, 6º, 7º e 10, respectivamente:

Art. 4º Os órgãos da polícia judiciária estruturarão setores e equipes de policiais especializados no combate à ação praticada por organizações criminosas. Art. 5º A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil. Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria. Art. 7º Não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa. [...] Art. 10 Os condenados por crime decorrentes de organização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado (BRASIL, 1995).

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A ausência dessa tipificação de forma clara, explicitando o seu

conceito, abriu margem para inúmeras interpretações acerca da aplicação dessa lei

nos casos em que ela poderia ser aplicada. Isso se revelou prejudicial ao próprio

cumprimento da lei e até mesmo às interpretações dos juristas. Nesse sentido

ensina Gomes:

Ao legislador incumbe a tarefa urgente de definir, em lei, o que devemos entender por ela. Enquanto isso não ocorrer, como vimos, boa parte da Lei 9.034/95 passou a ser letra morta. A não ser que algum magistrado venha a usurpar a tarefa do legislador e diga do que se trata. Mas até onde vão os limites da Constituição vigente, não se vislumbra a mínima possibilidade de qualquer juiz desempenhar esse anômalo papel (2002, p. 2).

De fato, muitos eram os magistrados que, antes mesmo da promulgação

da nova lei das organizações criminosas, já defendiam que era necessária a criação

de uma nova lei para tornar esta sem efeito dado que a definição de organização

criminosa era então incumbência do magistrado, o que poderia ferir gravemente os

princípios de legalidade e segurança do ordenamento jurídico.

Essa situação de lacuna na lei que, ainda que em seu título trouxesse

claramente a expressão “organizações criminosas”, não citava o conceito em

nenhum de seus artigos, ensejou que uma corrente de pensadores, passasse a

defender que, para conferir a complementação do que a lei 9034/95 não trazia em

seu texto, era bastante utilizar-se do artigo 2882 do Código Penal Brasileiro, sendo

pois atribuída apenas a conceituação de quadrilha ou de bando, não achando pois

esses magistrados necessária uma modificação da lei. (BITENCOURT,2013)

Outro grupo de pensadores, sabedores da sofisticação alcançada pelas

organizações criminosas, não corroboravam com a ideia de que organização

criminosa era apenas uma quadrilha ou bando e que, por isso necessitaria de uma

visão mais apropriada e completa, o que só viria a acontecer anos depois, em 2013,

com o advento da lei 12.850, que será abordada em tópicos posteriores desta

monografia. (CUNHA,2013)

2 À época da promulgação dessa lei, o artigo dizia em seu texto que: Art. 288 - Associarem-se mais

de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.

18

2.2 O conceito do Tratado de Palermo e sua incidência no âmbito nacional

O chamado Tratado de Palermo, também conhecido como Convenção

das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional teve grande

importância para o ordenamento jurídico a nível mundial, em especial para o Brasil,

que começava a dar passos maiores em relação a repressão ao crime organizado

no país. Para alguns juristas, esse tratado internacional é considerado como a

principal ferramenta de combate ao chamado crime organizado em nível

transnacional, tendo sido aprovado em uma assembleia geral da Organização das

Nações Unidas tendo sido colocada aberta para assinatura dos Estados membros

em dezembro de 2000 na cidade de Palermo na Itália e, posteriormente, na sede da

ONU, localizada em Nova York, nos Estados Unidos, até dezembro de 2002, tendo

pois entrado em vigor no ano seguinte, em 2003 (DE MOURA,2010).

Essa convenção representa um passo importante na luta conta as

organizações criminosas de cunho transnacional, sendo, pois, o marco do

reconhecimento dos países que fazem parte da ONU, a fim de promover uma

cooperação forte e concisa o suficiente para combater o crime organizado

internacional de forma realmente eficaz e com rapidez, em vistas da gravidade do

problema e também da necessária cooperação entre países.

No Brasil a convenção foi aceita e colocada em vigor através da

promulgação do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, e entrou em vigor para o

país apenas em 28 de fevereiro de 2004 devendo, segundo consta do texto do

decreto, ser executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém. Entre

outras igualmente importantes, deve-se, pois destacar uma das passagens

interessantes de ser citadas diz respeito ao artigo 2, letra a da referida Convenção,

que diz o seguinte:

Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

19

Dentre os 41 artigos existentes no texto da Convenção das Nações

Unidas contra o crime organizado transnacional, esse artigo traz a definição do que

seria um grupo criminoso organizado o que, segundo as leis existentes até então,

não existiam de forma realmente clara, sendo essa, pois uma definição que veio a

influenciar fortemente a legislação e o ordenamento jurídico nacional, vindo, pois, a

ser defendido por alguns juristas que esse conceito fosse adotado. (CUNHA,2013)

Por outro lado, nessa mesma questão, existiram muitos juristas que

defendiam justamente o oposto, que não se poderia trazer esse conceito explanado

na Convenção de Palermo a luz do ordenamento jurídico brasileiro haja vista que

não era de forma alguma tolerável que o papel do legislador, importante figura do

sistema, fosse minimizado ou ignorado. (PEREIRA E SILVA, 2013)

Conforme lembram Pereira e Silva:

Para boa parte da doutrina nacional, este deveria ser então o conceito a ser adotado pela ordem jurídica brasileira, aplicando-se os dispositivos previstos, sobretudo, na Lei 9.034/95. No entanto, contrariando esse entendimento, decidiu o Supremo Tribunal Federal, enfrentando o HC nº 96.007/SP, que o conceito trazido pela Convenção não deveria ser adotado para regular os procedimentos dispostos na Lei 9.034/95. Asseverou, na ocasião, o Ministro Marco Aurélio que “a definição emprestada de organização criminosa seria acrescentar à norma penal elementos inexistentes, o que seria uma intolerável tentativa de substituir o legislador, que não se expressou nesse sentido(2013, p.02):.

Outro argumento levantado pelos juristas que não aceitavam a aplicação

do conceito do Tratado de Palermo diz respeito à autonomia do direito interno na

relação do ordenamento jurídico local com o direito internacional, ao afirmarem que

o conceito produzido na convenção é típico do direito internacional com o qual o

ordenamento jurídico local se relaciona, porém não possui relações com o direito

penal local (DE MOURA, 2010).

Outra afirmação que corroborava com a rejeição da adoção do conceito

presente no tratado de Palermo, ainda seguindo essa linha de pensamento, era que

os tratados internacionais trazem definições que não podem reger o direito penal

local, em virtude do chamado princípio da democracia(IDEM).

No entanto não se pode ignorar que a Convenção das Nações Unidas

contra o Crime Organizado Transnacional trouxe um novo olhar sobre a seriedade e

a gravidade do crime organizado, em especial com relação ao tráfico de drogas e

20

tráfico de pessoas, sendo, pois, uma grande influencia para a escrita e promulgação

de leis que vieram posteriores a sua aceitação pelo então presidente Luiz Inácio Lula

da Silva no ano de 2004, conforme o decreto citado.

2.3 A Lei nº 12.694/12 e o conceito legal de organização criminosa

A Lei Nº 12.694, promulgada em 24 de julho de 2012 dispõe sobre o

processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes

praticados por organizações criminosas e traz, em seu artigo segundo, uma

definição de organização criminosa que veio a suprir de forma melhorada, mas não

suficiente, a ausência de conceitos anteriores mais claros sobre o que realmente

vem a ser uma organização criminosa para o ordenamento jurídico brasileiro.

Nos termos do artigo 2º desta lei, o conceito de organização criminosa

seria o seguinte:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Essa foi considerada na legislação brasileira como sendo a primeira real

definição de organização criminosa, sendo claramente expresso no artigo segundo,

conforme citado anteriormente, logo após citar a criação da possibilidade de

julgamento colegiado em primeiro grau no seu primeiro artigo (GOMES, 2014).

Uma das interessantes afirmações identificadas na literatura analisada

para a elaboração do referencial teórico contido nesse trabalho lembra que não

houve criação de nenhuma forma de sanção de cunho penal, portanto é preciso

deixar claro que o crime organizado não foi criado através dessa lei, essa apenas

conceituou, dentro de fins puramente processuais, o que vem a ser organização

criminosa, não havendo criado o crime em si.(IDEM)

Outra afirmação feita por juristas consultados para a elaboração deste

trabalho é a de que, mesmo que tenha sido superado esse conceito trazido pela lei

nº 12.694/12 quando da promulgação da lei nº 12.850/13, permaneceu ainda a

21

possibilidade de ocorrência do julgamento colegiado em primeiro grau, embora o o

conceito adotado deva ser o da nova lei a partir da sua entrada em vigor no

ordenamento jurídico brasileiro.(IDEM)

É bastante clara a influência da Convenção das Nações Unidas contra o

Crime Organizado Transnacional sobre a conceituação de organização criminosa

trazida por esta lei, no entanto o legislador buscou fazer algumas modificações sutis

de grande importância para a compreensão, quando, por exemplo, incluiu todas as

naturezas de obtenção de vantagens, inclusive as não econômicas, indo além do

conceito trazido pela convenção, que só considerava as ações de obtenção de

vantagens de natureza econômica ou benefícios materiais.

Outra mudança importante se deu com relação à lista de delitos sobre os

quais incidiriam a tipificação de crime organizado, sendo considerados apenas os de

natureza transnacional ou aqueles cuja pena seja igual ou superior a quatro anos,

enquanto o antigo conceito englobava quaisquer infração penal ou contravenções

com igual tempo de pena ou previstas na convenção.

22

3 A LEI Nº 12.850/13 E AS MUDANÇAS INTRODUZIDAS NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Dado que as organizações criminosas estão cada vez mais organizadas e

influentes na sociedade brasileira, é de certa forma bastante animador saber que o

Estado passará a contar com novas formas de trabalhar contra o crime organizado,

tendo a sua disposição instrumentos que podem vir a ser bem mais eficazes do que

os que existiam até então.

Uma das grandes e mais festejadas inovações que essa nova lei

apresenta é a instituição da chamada “colaboração premiada”, ocasião na qual o

criminoso que aceitar, mediante acordo, colaborar com a justiça, poderá ter sua

pena extinta, diminuída em 2/3 ou mesmo substituída por outro tipo de penalidade,

bem mais branda.

Essa é uma forma de trazer o bandido para o lado da lei e fazê-lo então

colaborar com a justiça, contra seus comparsas, o que é algo polêmico dentro da

literatura jurídica existente, sendo bastante defendida por uns e igualmente

condenada por outros juristas estudiosos desse assunto e do direito penal como um

todo.

Outra vantagem trazida pela nova lei diz respeito ao acesso de delegados

e membros do Ministério Público a dados do criminoso, sem a necessidade de

autorização judicial, facilitando assim o acesso a dados importantes de empresas

telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de

cartão de crédito.

De fato, um novo fio de esperança surgiu quando da promulgação, em 02

de agosto de 2013, da nova lei das organizações criminosas, que traz mudanças e

inovações muito importantes, alterando, pois, o código penal e revogando em

definitivo a Lei nº 9.034 que foi promulgada há quase 20 anos, em 1995. Nesse

sentido, procuraremos compreender, neste capítulo, as mudanças introduzidas por

esta lei na matéria objeto de nosso estudo.

23

3.1 O novo conceito de organização criminosa

Conforme destacamos anteriormente, com a promulgação, em agosto de

2013, da lei nº 12.850/13 importantes inovações foram introduzidas na legislação de

combate ao crime organizado. Mesmo com a promulgação dessa lei, ainda há muito que se

avançar para conseguir efetividade no intento de dizimar essas organizações que são

bastante danosas a sociedade.

Contudo, segundo o artigo 1° da Lei 12.850/2013:

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Na atualidade o crime organizado tem demonstrado grandioso poder de

organização, de eficiência, de capilaridade e principalmente d influencia em todos os

segmentos da sociedade, deixando muito atrás as legislações que, a todo custo e de

forma desproporcionalmente inferior, o tentam coibir.

Do outro lado, tem-se uma legislação falha e necessitando muito de uma

melhoria para acompanhar esse crescimento e desenvolvimento tão significativo das

organizações criminosas no Brasil, isso sem contar com um sistema judiciário com

graves falhas aliado a instituições sucateadas e sem aparato necessário para

combater essas organizações criminosas que estão vários anos a frente do poder

público que tem tentado, ainda sem muito sucesso, frear o seu crescimento dentro

da sociedade.

3.2 Organização versus associação criminosa: a nova redação do artigo 288

do CP

Os textos que legislam sobre uma infração muitas vezes não são muito

claros e podem restar dúvidas para o legislador e para o jurista quando comparadas.

No caso em questão, está-se trazendo a luz da discussão a diferença entre uma

organização criminosa e uma associação criminosa.

24

O próprio sentido das palavras traz a diferença, ainda que sutil, mas

bastante significativa diante de seu conceito, do que vem a ser uma associação e do

que vem a ser uma organização.

Associar-se, no ato ou efeito de unir-se em torno de um interesse comum,

reunir-se, da a ideia apenas de grupamento, sem que haja necessariamente uma

articulação ou planejamento, é a junção para a execução de algo.

Já organizar-se pressupõe um conceito mais rebuscado, de algo mais

ligado a planejamento, a ordenamento, algo que ocorre de forma bem definida,

sendo pois também uma forma de associação, porém com um teor mais complexo,

dado que organizar-se tem uma conotação mais de ordenamento, de junção de

forma ordenada.

Ao comparar-se esses dois conceitos pode-se ter uma ideia do que a

nova lei das organizações criminosas tenta passar, haja vista que a organização

criminosa é algo muito mais complexo e difícil de ser combatido justamente por seu

poder de organização, pelo planejamento que cerca suas investidas, pela forma

ordenada que atua nas mais diferentes esferas da sociedade.

De acordo com o texto original do código penal brasileiro, a luz do

decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, traz o seguinte:

Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

No caso do primeiro texto, a definição ainda estava muito vaga em virtude do

fato de que em nenhum momento era explicita a palavra crime ou criminoso no texto

dado pela redação desse artigo.

Outra observação que se deve fazer é que, o texto dado pela legislação ainda

em 1940 era adequado para a realidade social da época, porém a necessidade de

adequar a lei aos novos conceitos e as novas formas de convivência social passam

principalmente pelo código penal.

25

Pode notar-se inclusive certa primitividade tanto no conceito como na forma de

identificação do crime na primeira versão do artigo, haja vista que ainda usa de

conceitos primários, inclusive com relação ao uso de armas. Esse mesmo Decreto-

lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, foi alterado em 2013, por conta da redação

dada pela Lei nº 12.850, de 2013, que culminou com a publicação do seguinte artigo

reformulado:

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. Constituição de milícia privada Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.

Nesse segundo texto, a reformulação do artigo consta justamente do fato de se

ter explicitado o fim criminoso dessa associação, haja vista a publicação da nova lei

de organizações criminosas. Ainda que esse texto tenha sido reformulado, identifica-

se porém na própria lei que há uma distinção entre a associação criminosa e a

organização criminosa. Entende-se por exemplo que a pessoa pode associar-se a

outras 3 ou mais, com o intuito de praticar crimes, sendo pois uma associação

criminosa. O texto da lei 12.850 de 02 de agosto de 2013 mostra em seu primeiro

capitulo, que traz a nova concepção de organização criminosa, que os conceitos

divergem pela complexidade, tendo-se pois na legislação a publicação do seguinte

texto na nova lei:

Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. § 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. § 2o Esta Lei se aplica também: I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

26

Quando o texto explicita que a organização criminosa pressupõe uma junção

de pessoas de forma estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de

tarefas indiretamente ou propositalmente, não há como saber a intenção do

legislador de forma clara, este classificou a organização criminosa em um nível

acima, como uma forma mais ordenada e portanto mais danosa para a sociedade.

A organização criminosa está cada vez mais organizada e influencia cada vez

mais as várias esferas da sociedade no qual ela atua, tendo pois cada dia

mecanismos mais modernos e sofisticados para a pratica dos crimes, sendo pois

essa a principal motivação do legislador para que este coloque em vigor medidas

cada vez mais severas e abrangentes, como forma de acompanhar a evolução e

promover um combate eficiente aos meios utilizados por essas organizações,

minimizando sua influencia e seus impactos sobre a sociedade.

Esse foi um dos motivos que levou o legislador e o ordenamento jurídico de

uma forma geral a editar a nova lei de organizações criminosas, de forma que a lei

pudesse acompanhar essa evolução e desse maior poder de inibição e punição a

essas práticas.

3.3 O espírito e os institutos da Lei Nº 12.850/13

O instituto da lei 12.850/13 no ordenamento jurídico brasileiro trouxe um maior

alento às autoridades responsáveis pelo combate e repressão ao crime organizado

no Brasil.

Isso porque a nova Lei, ainda trazendo influências positivas da Convenção das

Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, alterou a forma como a

legislação brasileira encarava o crime organizado, por muitos anos ignorando seu

poder de influência negativa na sociedade, bem como a sofisticação de seus meios

de atuação, haja vista que sequer havia um conceito dentro da lei que realmente

definisse organização criminosa ou crime organizado.

Com o advento dessa nova lei, as demais legislações anteriores existente

perderam a validade, tendo pois a lei 9.034/95 sido totalmente revogada em virtude

27

da nova lei, e modificando profundamente a lei 12.694/12, ambas que tratavam

desse mesmo tema.

As mudanças mais significativas trazidas pela lei iniciam-se em relação a

quantidade de pessoas envolvidas, que passou de 3 pessoas como previa a lei

anterior, para ser de no mínimo 4 pessoas para que se considere a possibilidade de

enquadramento como organização criminosa.

Outra mudança importante trazida pela lei é a de que não mais apenas as

ações tipificadas como crime serão punidas com a lei, mas também contravenções e

crimes previstos no código penal e também as infrações punidas com tempo

superior a 4 anos de reclusão, como consta em parágrafo específico e já citado em

momento anterior nesse trabalho.

Deixam de ser enquadrados nessa tipificação, os rimes cujas penas não

chegam a serem superiores a 4 (quatro) anos de reclusão, conforme lembram

Pereira e Silva (2013,p.08):

A prática de crimes com pena máxima igual a 4 (quatro) anos, que incluem o furto simples (art. 155, CP), a receptação (art. 180, CP), a fraude à licitação (art. 90, Lei 8.666/90), restaram afastados da possibilidade de incidirem como crime organizado pelo novo conceito legal. Embora o contrabando e o descaminho (art. 318, CP) tenham pena máxima igual a 4 anos, estes são essencialmente transnacionais, razão pelo qual não estão excluídos na nova conceituação legal.

Esses crimes, ainda que sejam contravenções legais, não se enquadram como

sendo crime organizado porque, do ponto de vista prático, as organizações

criminosas não se ocupam de crimes tão sem importância, sendo pois as suas áreas

de atuação bem mais rentáveis e também mais danosas à sociedade.

Além disso, outra inovação trazida pela lei foi a abranger também os delitos

que estão presentes em tratados internacionais, desde que possuam a

internacionalidade como característica, e também por ter abrangido os grupos que

praticarem algum tipo de terrorismo internacional.

Uma das inovações instituídas pela Lei 12.850/13 mais citada e também mais

criticada diz respeito à delação premiada, algo que já era instituído por lei mas que

foi profundamente modificado com o advento da lei.

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Ainda que já existisse anteriormente a promulgação da Lei e já fosse inclusive

praticada em vários casos na legislação, a nova lei das organizações criminosas

trouxe uma nova configuração para a chamada delação premiada, que passou a ser

chamada de colaboração premiada, e que possui um capitulo inteiro dedicado a ela

no instituto da lei 12.850/13.

Em principio, essa parte da lei foi duramente criticada por vários juristas,

inclusive sob a acusação de possuir textos que feriam gravemente a constituição e o

ordenamento jurídico como um todo, por conta da forma como a colaboração

premiada poderia ser aplicada e por quem a definiria dentro do processo.

Para um melhor entendimento desse instituto da lei, que é um tanto

controverso na visão de alguns autores consultados e que compuseram a

bibliografia para esse trabalho e que veem com bastante cautela essa parte da lei,

em especifico.

Porém, para efeitos de melhor compreensão, entenda-se a redação do capitulo

iniciando-se pelo artigo 4º:

Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

A colaboração premiada continua sendo um instrumento de redução de pena

quando o criminoso resolve colaborar com a justiça no intuito de auxiliar as

autoridades a desmantelar o bando ou a ação criminosa que está ocorrendo e do

qual ele participava direta ou indiretamente.

Até esse momento a lei não traz grandes inovações e por isso mesmo não vira

alvo de grandes especulações em relação a sua redação, no entanto, a partir do

primeiro parágrafo a lei segue um viés que, para muitos, é inconstitucional:

29

§ 1o Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. § 2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). § 3o O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.

Nota-se que, em vistas da nova abordagem da colaboração premiada eis que

surge a figura do delegado de polícia como sendo requerente ou mesmo

representante do juiz na concessão do pedido judicial.

Continua a lei nos demais parágrafos:

§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: I - não for o líder da organização criminosa; II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo. § 5o Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos. § 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor. § 7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. § 8o O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.

Essa possibilidade de o delegado de polícia, que é uma autoridade policial, não

judiciária, fazer acordos e até mesmo conceder perdão ao colaborador é um dos

motivos pelos quais o instituto vem sofrendo criticas recorrentes por parte de juristas

e até mesmo de outros legisladores contrários a lei.

Além disso, como inclusive defendem alguns teóricos como Pereira e Silva

(2013), o fato de conceder punições diferentes, por conta da colaboração premiada,

para crimes de igual teor, é uma afronta direta ao principio da proporcionalidade, já

30

que as pessoas envolvidas com o crime, ao passo que uma se beneficia delatando a

outra, terão diferenciação de pena.

Segundo os juristas, é possível observar de forma bastante clara que a delação

ou colaboração premiada só se mostra realmente possível e aplicável com êxito

quando o individuo que aceita colaborar, ou possui algum tipo de desacordo com um

dos envolvidos, ou quando é deixado de lado por um de seus antigos comparsas, ou

quando se sente prejudicado em relação ao papel que realmente ele diz possuir no

delito.

Por estimular uma traição, mesmo sendo entre pessoas que apresentam

comportamentos infratores, esse instituto da lei é criticado por andar na contramão

do conceito da ética, haja vista que, para se beneficiar, é preciso trair um comparsa.

Ocorre porém que, mesmo que o objetivo da lei seja o de que o individuo

colabore por se sentir seriamente arrependido do ocorrido, não se pode afirmar que

não haja, em momento algum, apenas um interesse em diminuir sua pena, e não o

arrependimento legitimo.

Como lembra Prado (2013,p.06):

A polêmica em torno do instituto da “delação premiada” continuará existindo, seja pelo âmbito ético, seja pela sua má utilização ou, até mesmo, pela falta de uma normatização adequada. Aos operadores e estudiosos do Direito, incumbe o dever de utilizá-la cum grano salis, notadamente em razão da ausência de adequada regulamentação e unidade em seu regramento. Ela não pode ser um fim em si mesma, MAS UM MEIO que, se for somado aos demais meios legais postos à mão da autoridade incumbida da persecução penal, levará à tão salutar busca da VERDADE REAL no Processo Penal e à indispensável JUSTIÇA!

O fato é que essa lei representou realmente um grande salto em relação ao

combate e a repressão do crime organizado no Brasil, no entanto, é preciso que

essa evolução na legislação seja continua, no intuito de que as leis estejam sempre

acompanhando a evolução da sociedade e não se torne obsoleta diante da

gravidade e da recorrência das infrações à lei.

31

4 A LEI Nº 12.850/13 E CRIMINALIZAÇÃO DE MOVIMENTOS SOCIAIS

Em toda a história da humanidade, em qualquer tempo e em qualquer

cultura, sempre que existe um descontentamento generalizado por parte do povo

para com o governo, os conflitos nas ruas são inevitáveis, pois são a forma que o

povo encontra, de mais imediato, de terem as atenções de todos os olhos do

governo voltados às ruas reivindicações.

Ocorre porém que, em muitos casos esses protestos nem sempre são

pacíficos, e muitas vezes os manifestantes, ou inflamados por um sentimento de

indignação, ou respondendo a uma reprimenda mais severa das autoridades inicia

um enfrentamento físico, que culmina quase sempre em muitas prisões, feridos,

depredações de patrimônio público e privado e, muitas vezes, em morte, tanto do

lado opositor quanto do lado das forças de contenção.

Conforme Do Bem (2006, p.01):

Os movimentos sociais são os indicadores mais expressivos para a análise do funcionamento das sociedades. Traduzem o permanente movimento das forças sociais, permitindo identificar as tensões entre os diferentes grupos de interesses e expondo as veias abertas dos complexos mecanismos de desenvolvimento das sociedades. Em cada momento histórico, são os movimentos sociais que revelam, como um sismógrafo, as áreas de carência estrutural, os focos de insatisfação, os desejos coletivos, permitindo a realização de uma verdadeira topografia das relações sociais. Tanto sua forma como seu conteúdo são condicionados pela específica constelação histórica, razão pela qual não se pode compreendê-los sem remissão direta às determinações históricas macroestruturais. Os movimentos sociais deixam entrever mais do que puras carências percebidas e demandas interpostas; eles permitem, de fato, o conhecimento do modelo de sociedade dentro da qual se articulam, cujas feridas se tornam, por intermédio deles, materialmente visíveis.

No ano de 2013 o Brasil presenciou, pela primeira vez após a globalização, o

advento da Internet e das redes sociais, uma grande manifestação, com articulações

a nível nacional, totalmente apartidária, organizada pelo povo, levando milhares de

pessoas às ruas e sendo podendo ser acompanhada em tempo real, pela rapidez

com que as informações agora são compartilhadas, por todo o mundo.

32

Alem de acompanhar essas manifestações, as redes sociais e as mídias de

todas as espécies eram transformadas em fóruns de debate, em meios de

conclamar o povo a vir as ruas, em registro documental e jornalístico, enfim, nunca

antes uma manifestação dessa proporção e dessa natureza pode ser acompanhada

com tanta veracidade de imagens, de narrações, de depoimentos e por isso muito se

pode extrair do material produzido sobre esse evento.

Infelizmente, em eventos de igual proporção e natureza já vivenciados pelo

Brasil em anos anteriores, conforme será visto em tópicos a seguir, não era possível

retratar a realidade de forma completa, muitas informações se perderam e muitas

outras eram distorcidas no intuito de invalidar essas manifestações, legando-as à

marginalização da criminalização dos atos de pessoas que, ao lutarem

legitimamente por seus direitos, eram ainda assim taxadas de baderneiras e

criminosas.

As manifestações populares que se iniciaram em junho de 2013 também

tiveram capítulos bastante controversos, onde pessoas alheias ao movimento

legitimo, os denominados “black blocks”, se infiltravam nos movimentos com o intuito

de promover a desordem, a baderna e a destruição do patrimônio publico e privado,

com o intuito de, segundo alguns jornalistas, desacreditar o movimento e fazê-lo

perder força.

Porém antes disso o Brasil assistiu a alguns grandes movimentos populares de

igual importância, os quais infelizmente não se tem a grande quantidade de

informações como se tem dos protestos de 2013, porém foram registrados na

história do país através do legado de historiadores que documentaram os

acontecimentos.

4.1 A história das manifestações populares no Brasil

Até o período da proclamação da República, o Brasil vivia sob a tutela severa

de Portugal, cuja corte coibia veementemente e violentamente quaisquer tipo de

movimentos que pudessem ir de encontro aos interesses do Império e dessa

maneira não existem relatos de grandes manifestações populares a essa época,

mesmo porque o monarca era absoluto, não concedia o beneficio da contestação de

33

suas ordens para o povo, e por isso mesmo não haviam articulações populares a

essa época.

Do Bem (2006, p.03) corrobora com os argumentos apresentados afirmando

em seu artigo que:

Os levantes e insurreições ocorridos na primeira metade do século XIX, embora registrados pela historiografia oficial como fatos isolados e sem maiores implicações, foram, fundamentais para a construção da cidadania sociopolítica do país. Cabe ressaltar que os movimentos sociais do período constituíam motins caóticos, sem uma plataforma político-ideológica bem delineada e giravam em torno da construção de espaços nacionais, diferentemente dos movimentos sociais no século XX, que irão se concentrar em torno das lutas de classes sociais específicas e serão organizados a partir de paradigmas teóricos e político-ideológicos claramente definidos.

No entendimento de Santos (2011) após a proclamação da República, o país

experimentou pela primeira vez o inicio da descentralização do poder, seguido de

uma migração em massa para os grandes centros urbanos, e com isso o povo

começou a entender que, mesmo em meio ao domínio das oligarquias e dos

grandes latifundiários, algo começava a despertar e não precisariam mais se

submeter, sem chance de questionarem e se oporem, aos desígnios

governamentais e com isso passaram, a partir da primeira década de 1900, a

protagonizarem uma série de manifestações populares, ainda que espaçadas por

longos períodos entre elas, que visavam atender aos seus anseios, conforme segue

nos tópicos em sequência.

4.1.1 - Revolta da vacina (1904 )

A primeira manifestação popular considerada como protesto, ou movimento

social de revolta contra o governo ocorreu ainda no inicio do século XX, em virtude

da política sanitarista vigente à época.

No entendimento da obra de Sevcenko (1984), ainda que o Rio de Janeiro

fosse a Capital Federal no inicio do século XX, vários eram os problemas urbanos

enfrentados pela população da cidade.

Apesar de possuir um conjunto de sobrados, palacetes e solares de grande

imponência, tinha também problemas graves de saneamento básico, de

34

abastecimento de água, de destinação de esgotos, precariedade na coleta e

destinação do lixo urbano, além de contar com os chamados “cortiços” que viviam

superlotados dado o intenso fluxo migratório rural-urbano.

Obvio que em um ambiente insalubre como esse a probabilidade de

proliferação das doenças era iminente, e inevitavelmente, como lembra o autor,

doenças como febre tifoide, hanseníase, sarampo e a temida tuberculose acabavam

por contaminar muitas dessas pessoas.

Além disso, continua o autor, as grandes e graves epidemias da época, que

eram a febre amarela, a varíola e a peste bubônica dizimavam muitas vidas e

chegou a patamares insustentáveis.

Foi quando o então presidente da época, Rodrigues Alves, conferiu todos os

poderes necessários ao então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Pereira Passos,

e o médico sanitarista Dr Oswaldo Cruz, para combater essas epidemias e liderar o

movimento sanitarista que tinha como principal meta a demolição dos velhos

cortiços para a construção de grandes edifícios e jardins, além da pavimentação e

construção de grandes avenidas, desalojando milhares de pessoas que viviam na

extrema pobreza e foram forçadas a buscar a periferia e os morros para se

reinstalarem longe do centro urbano.

O fato curioso desse episódio é que, apesar de esta ser uma medida abrupta,

severa e até mesmo desumana para com as milhares de pessoas que foram

expulsas de suas casas, famílias inteiras desalojadas e relegadas a própria sorte,

não foi essa a motivação da revolta popular, o que por si já poderia ser um grande

motivo para tal.

O que desencadeou a revolta popular, onde a população em geral acabou por

unir-se aos militares nesse movimento, sendo pois um movimento de dupla

interação, foi que, o plano auxiliar ao combate dessas epidemias consistia em

obrigar as pessoas a serem vacinadas contra essas doenças, a fim de evitar a

contaminação e também a proliferação da epidemia em proporções ainda maiores

dos que a que já estavam enfrentando. Na argumentação de Sevcenko (1984,p.06):

O fator imediatamente deflagrador da Revolta da Vacina foi a publicação, no dia 9 de novembro de 1904, do plano de regulamentação da

35

aplicação da vacina obrigatória contra a varíola. O projeto de lei que instituía a obrigatoriedade da vacinação tinha sido apresentado cerca de quatro meses antes no Congresso, pelo senador alagoano Manuel José Duarte. Desde então se desencadeara um debate exaltado, que transpôs as dimensões do Legislativo, para empolgar com fervor as páginas da imprensa e a população da Capital Federal.

Ao convencer o Congresso a aprovar a obrigatoriedade da vacina para

erradicar a varíola, o que incluía o direito que as brigadas sanitaristas e a policia

tinham de entrar nas casas a fim de aplicar a vacina à força, o sanitarista Oswaldo

Cruz talvez não imaginasse que estaria desencadeando tamanha revolta.

E o grande motivo dessa revolta, que seria totalmente justificado se fosse já o

fato relatado em relação à expulsão das famílias, na verdade passou a ser algo de

cunho mais moral e cultural do que propriamente em relação a vacinação em si.

Ocorre que, segundo Sevcenko (1984), pela lei era permitido à brigada

sanitarista invadir as casas, pegar as pessoas a força, fossem homens ou mulheres,

levantar-lhes os braços ou as pernas e aplicar a vacina, com um forma diferente de

estilete – já que não era feita com seringa como nos dias de hoje – sendo

considerada, na sociedade da época, como um atentado violento ao pudor,

principalmente se considerar que em muitas famílias, moças e mulheres de família

ficavam sozinhas em casa e os maridos e pais não queriam ir trabalhar e deixar sua

família a mercê de tal ato.

O resultado foi então desastroso. A resistência popular levou o estado de

guerra ao centro do Rio de Janeiro. Houve muitos tiros, o comércio ficou

completamente fechado, bondes eram assaltados e queimados, fachadas de

edifícios, tanto públicos quanto privados foram destruídos e o saldo foi de quase 50

pessoas mortas e mais de uma centena de feridos, caracterizando-se pois essa a

primeira grande manifestação social de revolta popular no Brasil, levando inclusive o

Governo Federal a declarar estado de sítio e suspender imediatamente a campanha.

4.1.2 - Greves operárias do início do século 20

Conforme entendimento da literatura escrita por Nogueira (2010), quando do

inicio do século XX, ainda pouco tempo pós-abolição da escravatura, apesar de

36

possuir todos os trabalhadores livres desde então, o pais ainda não tinha nenhum

tipo de direito trabalhista bem definido.

As condições de trabalho eram muito ruins. Havia uma jornada de trabalho

descomunal, as vezes com até 16 horas diárias, muita utilização de mão de obra

infantil, até mesmo por conta da grande miséria na qual viviam algumas famílias,

além de os salários serem muito baixos, conforme pode ser reafirmado através de

Nogueira (2010, p.14):

As jornadas de trabalho eram de 14 ou 16 horas diárias, existia grande exploração da força de trabalho de mulheres e crianças. Os salários eram extremamente baixos e uma das formas de castigo e punição é que os operários ainda podiam sofrer reduções salariais. Até então, não existia nenhum tipo de proteção legal. A chegada dos imigrantes europeus trouxe experiência de luta mais avançada do que até então se desenvolvia no Brasil e foi a partir dessas experiências que se organizou o anarquismo e de fato se iniciou os primeiros passos de experiências sindicais no Brasil.

Em contrapartida, havia uma grande quantidade de trabalhadores europeus

que imigraram para o Brasil, engrossando o exercito de mão de obra e, devido a

influencias anarquistas e comunistas trazidas em sua bagagem cultural,

influenciaram fortemente a massa trabalhadora brasileira, de modo que em 1905

houve a criação da Federação Operária de São Paulo e, pouco mais de 2 anos após

o inicio dos trabalhos, em 1907, deflagrou-se a primeira grande greve no Brasil.

Como esperado em virtude da política da época, a reprimenda a esse

movimento foi feita com bastante violência pelas autoridades, entretanto, pela falta

de relatos históricos da época não se tem maiores detalhes sobre mortos ou feridos,

apenas que esse movimento que durou mais de um mês conseguiu a redução da

jornada de trabalho para oito horas diárias.

Anda segundo a autora, outra greve geral eclodiu dez anos depois, em virtude

da crise mundial gerada pela primeira Grande Guerra, houve intenso arrocho

salarial, acompanhado por escassez no abastecimento de alguns produtos e

consequente aumento dos preços, além do gradual aumento da jornada de trabalho

novamente imposta aos operários.

Antes da greve propriamente dita, houve manifestações onde a policia

novamente reprimiu com bastante violência, culminando com o assassinato de um

37

trabalhador, o que gerou uma revolta ainda maior, levando a uma paralisação de

praticamente 90% dos operários, algo em torno de 45 mil pessoas, conforme

Nogueira (2010).

Os jornais da época noticiavam esses movimentos como tendo um teor de

anarquismo, enquanto que os donos das empresas, juntamente com as elites da

época, classificavam o movimento na orbita da criminalização, o que gerou

abordagens policiais e revistas em toda a população que circulava pelas ruas,

mesmo sem estarem se manifestando ou reivindicando coisa alguma.

Por outro lado, esse movimento serviu para mostrar aos patrões a verdadeira

força das massas organizadas, o que levou a uma mudança de postura por parte

dos empregadores, que passaram a considerar os movimentos e levando-os a

negociarem com os trabalhadores a fim de evitar novos conflitos.

4.1.3 - Passeata dos 100 mil (1968)

O contexto no qual aconteceu o movimento popular conhecido como a

passeata dos cem mil era nada menos que o inicio da Ditadura Militar. No

entendimento de Morais (2001), nos anos iniciais do governo militar o Brasil, em

especial a juventude, sofreu demasiadamente com as arbitrariedades traduzidas por

tortura, violência, prisões e mortes de muitas pessoas.

Segundo esse autor, o ápice desses desmandos ocorreu no ano de 1968,

quando um restaurante universitário no Rio de Janeiro foi invadido e um estudante

foi assassinado com um tiro a queima roupa pelos policiais, sem nem mesmo ter tido

a chance de se defender, além de vários outros estudantes terem ficado feridos.

Esse mesmo autor lembra ainda que mesmo nos momentos de maior

consternação, a revolta falava mais alto e, tanto durante o velório quando a missa de

sétimo dia havia conflitos envolvendo até mesmo os padres que estavam presentes

no ato, celebrando a cerimonia.

Em virtude disso os ânimos começaram a se tornar mais exaltados e, no inicio

do segundo semestre de 1968 os movimentos estudantis da época passaram a se

organizar em números cada vez mais expressivos de manifestações públicas, todas

38

bastante conflituosas e violentas, com dura repressão policial, culminando na

manifestação ocorrida em frente a embaixada dos Estados Unidos, na cidade do Rio

de Janeiro, que foi reprimida com extrema violência, trazendo um saldo de milhares

de feridos, além de 28 pessoas mortas e inúmeros casos de depredação de

patrimônio, tendo inclusive a destruição de 15 viaturas.

Conforme o entendimento de Morais (2001):

As importantes mobilizações de massa de 1968, impulsionadas principalmente pelos estudantes, obedeceram a fatores preponderantemente internos, assim como as primeiras ações armadas urbanas ocorridas em São Paulo no mesmo momento (março-abril de 1968). Embora não estejam casualmente concatenadas, as passeatas estudantis e os grupos guerrilheiros remetem à mesma causa histórica, o golpe de Estado de 1964 e a ditadura militar. Constituíram, nesta medida formas distintas de resistência democrática. Nem por isso se pode perder de vista a dimensão internacional dos acontecimentos de 1968 no Brasil, que é particularmente evidente nas concepções teóricas sobre a estratégia revolucionária da guerrilha rural.

Em virtude do ocorrido, conhecido como “sexta-feira sangrenta” e no

noticiamento do fato em todos os meios de comunicação da época, inclusive até

mesmo pela imprensa internacional, como forma de minimizar os estragos à imagem

da ditadura ocasionados por tamanha violência a cúpula militar permitiu que fosse

feita uma manifestação estudantil no dia 26 de junho, porém, com uma força policial

de 10 mil homens em prontidão para entrar em ação imediatamente caso

necessário.

Esse movimento iniciou-se pela manhã na Cinelândia, bairro do Rio de Janeiro,

contando com um numero expressivo de 50 mil pessoas já em suas primeiras horas,

chegando ao ápice com o avultoso numero de 100 mil pessoas aproximadamente,

tendo inclusive participação importante dos intelectuais e artistas da época, bem

como de vários outros setores além dos estudantes, sendo pois uma das mais

importantes e expressivas manifestações de cunho social que a história do Brasil já

presenciou, sendo superada em numero por outros protestos posteriores, mas em

importância e mobilização das bases da sociedade foi sem precedentes e

dificilmente comparada a outras manifestações, dado todo o contexto do movimento.

Um parêntese que precisa ser dado aqui é que, em virtude da conjuntura

politica da época, claramente essas manifestações não só eram criminalizadas

39

como também eram reprimidas com extrema violência, o que acirrava ainda mais os

ânimos, gerando perdas não só materiais, mas de inúmeras vidas humanas.

Mesmo que o movimento não tenha saído vitorioso, é considerado por vários

historiadores como sendo um marco ideológico e modelo de luta e levante popular,

inspirador de todo o processo de redemocratização que viria nos anos posteriores

até a completa deposição do governo militar.

4.1.4 - Comícios das Diretas Já (1984)

Os protestos populares encabeçados pelos estudantes, aliados ao próprio

desgaste do regime militar e do paulatino, mas conciso aumento da consciência

politica dos brasileiros, levou o país a assistir a uma das mais importantes e mais

numerosas mobilizações sociais ao qual o país já assistiu, sendo pois sem

precedentes na história.

Conforme Oliveira e Da Cunha (2012) no ano de 1984 comícios grandiosos

foram realizados em todo o país, sendo que os dois de maior destaque ocorreram no

Rio de Janeiro e em São Paulo, reunindo um numero estimado de hum milhão de

pessoas no primeiro e hum milhão e meio de pessoas no de São Paulo.

Concomitante a esses comícios ocorreu ainda um terceiro, com menor porém

expressivo numero de participantes em torno de quatrocentas mil pessoas, todas

mobilizadas pedindo para que as eleições diretas passassem a ser uma realidade no

Brasil.

Conforme Oliveira e Da Cunha (2012), um dos momentos mais marcantes

desses movimentos, justamente esse comício ocorrido na Praça da Sé, com a

presença em palanque de importantes lideranças da época, entre elas Fernando

Henrique Cardoso, Leonel Brizola e o então presidente do PT, Luiz Inácio Lula da

Silva, além de intelectuais e artistas como Gilberto Gil, Chico Buarque, Alceu

Valença, Fernanda Montenegro, entre outras personalidades conhecidas

nacionalmente, foi quando o idealizador do evento, o então governador Franco

Montoro falou à multidão: “Me perguntaram se aqui estão 300 ou 400 mil pessoas.

Mas a resposta é outra: aqui estão presentes as esperanças de 130 milhões de

brasileiros”. Segundo Oliveira e Da Cunha (2012,p.02):

40

A convergência numérica e a tomada do espaço público fizeram surgir o sujeito coletivo com visibilidade pública. Na praça, o lugar no qual o povo assume a voz que canta, surge a multidão, uma realidade viva, forte, surpreendente, assustadora, deslumbrante. Os comícios tornaram-se a principal forma de demonstração da vontade popular e a participação ativa nesses eventos configurou-se como elemento de pressão da sociedade pela aprovação da emenda Dante de Oliveira. Contrário às afirmações desabonadoras em torno dos comícios, o que se via era uma campanha ordeira e disciplinada. Seus desdobramentos preocupavam os grupos dirigentes pela maturidade e envolvimento social inesperados; não se tratava de um movimento desprovido de consciência política.

O mais interessante desse movimento é que não havia o enfrentamento e os

conflitos como nos movimentos anteriores. A população estava organizada,

articulada e consciente de seu importante papel, totalmente pacifico e sem conflitos

de grandes proporções apesar do grandioso numero de pessoas e da intensa carga

emocional envolvida, como lembram Oliveira e Da Cunha (2012).

Dessa vez não houve repressões severas pois o povo mostrou maturidade,

organização e articulação suficientes para que a força do movimento fossem as

ideias e não a violência, típica das manifestações de todo o regime militar.

Ainda que o resultado não tenha sido o esperado, esse foi um movimento de

grandiosa importância para a historia politica do país, e também para o registro da

força da mobilização do povo em prol de um ideal, do poder popular de se

manifestar, de se organizar e de, mesmo de forma pacifica e organizada, chegar a

tamanha expressividade e contando com a adesão de milhares de pessoas de todas

as classes sociais.

4.1.5 - Impeachment de Collor (1992)

O ultimo grande protesto registrado antes dos protestos ocorridos em 2013

ocorreram 21 anos antes, justamente quando finalmente após conseguirem eleger o

primeiro presidente de forma direta, este sofre um processo de impeachment por

corrupção.

Como lembra Dias, as denuncias que envolviam o então presidente

Fernando Collor de Melo estouravam a todo instante na mídia e isso só fez com que

o mandato, que já estava extremamente desgastado pelo plano econômico

implantado que ia de encontro ao interesse de muitos partidos e levou a economia a

41

uma severa recessão, além de a inflação atingir absurdos 4.853% no primeiro ano, o

confisco das poupanças, que atingiu fortemente a elite brasileira, ou seja, ao passo

que todos os holofotes se viraram para o presidente pelas denuncias de corrupção,

todos os brasileiros se viraram conta o governo pela situação de extrema gravidade

em que a economia se encontrava.

Por conta disso, o povo resolveu novamente se articular em grandes

manifestações para pedir o impeachment do presidente, encabeçado principalmente

por jovens e estudantes de todas as classes sociais e de todos os lugares do país.

De acordo com Dias (2008, p.06):

Em 13 de agosto de 1992, o presidente Collor, já acuado pelas denúncias, decidindo colocar em jogo sua popularidade fez um apelo público aos seus eleitores: que saíssem, no domingo, às ruas vestidos de verde e amarelo. Em Brasília, não mais de 300 pessoas compareceram à Casa da Dinda vestidas de verde e amarelo. Em contrapartida, as ruas acabaram sendo tomadas por manifestantes vestidos de preto que exigiam o fim do governo Collor. Estima-se que somente em Brasília mais de 100 mil pessoas concentraram-se em frente ao Palácio do Planalto para pedir a renúncia de Collor. A partir deste momento, o movimento começou a crescer e ganhou novas cores. Menos de duas semanas após o pronunciamento e apelo público de apoio, feito pelo presidente Collor, o país estava tomado por manifestações pró-impeachment.

A partir dai o movimento que pedia a deposição do presidente Fernando

Collor só aumentava, chegando a manifestações somente em São Paulo, ocorrida

no dia 18 de setembro, a reunir quase 800 mil pessoas.

Da mesma forma como ocorreu no movimento Diretas Já, essas manifestações

também não foram combatidas com veemência porque, além de serem pacificas e

organizadas, era muito difícil encontrar alguém, até mesmo do lado dos militares e

do governo, que também não fosse a favor do impeachment, mesmo que essa

vontade fosse ocultada pela posição que ocupavam.

No dia 29 de setembro do corrente ano foi votado e aprovado o processo de

impeachment, que contou com um comparecimento sem precedentes de pessoas no

vale do Anhangabaú em São Paulo, onde haviam milhões de pessoas, cujas

estatísticas, nem as oficiais e nem as não oficiais, não chegaram a contabilização

nem aproximada desse numero, tamanha a quantidade de pessoas, que pintaram os

rostos de verde e amarelo e comemoravam a certa saída do presidente do poder.

42

Nesse mesmo dia, no intuito de poder preservar seus direitos políticos o

presidente Collor renunciou. Porém, o objetivo maior de todos os protestos havia se

cumprido e, de uma forma tranquila, o movimento se dissipou com a certeza de

dever cumprido.

Todos esses movimentos ocorridos durante a historia fizeram com que o Brasil

fosse varias vezes testemunha do poder das massas quando estas se unem em

torno de um objetivo comum. Vale ressaltar que, os protestos ocorridos durante o

golpe militar, independente de terem uma caracterização criminosa ou não, já seriam

assim classificados por conta da própria característica do regime.

Os outros movimentos posteriores a estes ocorridos durante a ditadura não

foram severamente reprimidos e também não foram criminalizados tanto por ser

considerado um movimento pacifico, mas também porque refletia os interesses não

só da parte da população menos favorecida, mas também de todas as classes,

inclusive as autoridades que poderiam vir a reprimir de forma mais austera esses

movimentos sociais.

Pela leitura dos textos que compuseram o referencial teórico desse capitulo, o

uso da força e da violência muitas vezes mostrou-se necessário para inibir os

manifestantes e coibir a depredação do patrimônio publico e privado, porém muitas

vezes tanto os manifestantes sofrem os ataques e revidam por instinto ou mesmo

para que o movimento seja realmente sufocado e silenciado.

Até 20 anos atrás era realmente difícil ter uma opinião formada a respeito da

criminalização ou não desses movimentos porque não existiam tantos registros dos

ocorridos e, os registros oficiais, muitas vezes eram enviesados e refletiam a

realidade que deveria ser mostrada e não a que realmente ocorreu.

No entanto, com o advento da Internet, da expansão das mídias de massa, do

acesso ilimitado e irrestrito de informações e da liberdade de imprensa, pode-se ter

um novo olhar, mais completo, sobre os acontecimentos que envolveram os

protestos ocorridos em 2013, sendo esse pois o tema do próximo tópico.

43

4.2 Os protestos ocorridos em 2013 no Brasil

O ano de 2013 se mostrou bastante atípico para os brasileiros. Isso porque,

após 20 anos, parafraseando as frases usadas nas ruas, o “gigante acordou” e as

pessoas voltaram às ruas para manifestar-se contra aquilo que traz insatisfação para

muitos brasileiros, que é a postura do atual governo frente a serviços essenciais.

Conforme lembram Pujol et.al. (2014) o movimento que ficou conhecido como

Movimento Passe Livre, ao contrario do que muitos possam pensar, não surgiu

somente em 2013, mas ainda em 2005 durante o Fórum Social Mundial,

organizando militantes que já protestavam pedindo tarifa zero de forma isolada em

alguns municípios brasileiros.

Porém, em 2013 varias prefeituras sinalizaram que haveria um aumento nos

preços das passagens, o que levou a vários protestos em diversas capitais. O

movimento ainda não tinha ganho força porém, segundo os autores, após

identificarem que estava havendo uma forte e desmedida repressão policial, a

situação começou a tomar ares vultuosos.

Protestos anteriores, em São Paulo, já tinham um histórico de repressão

policial, porém o do dia 13 de junho foi considerado o mais violentamente reprimido

de todos com mais de 200 pessoas presas e mais de uma centena de feridos, sendo

que, deste total, 2 presos e mais de 20 feridos eram jornalistas que cobriam as

manifestações.

O detalhe curioso é que até então a imprensa, de uma forma geral, apoiava a

intervenção policial para conter as manifestações, o que foi revertido a partir desse

acontecimento.

Os números foram crescendo e, no dia 17 de junho de 2013 mais um protesto

em São Paulo reuniu mais de cem mil pessoas, e os números foram crescendo e

espalhando a ideologia por todo o país, onde praticamente todas as capitais tiveram

protestos.

Apesar da recuada do governo em muitos municípios em relação ao preço das

passagens, os protestos continuaram porque a pauta de reinvindicações passou a

44

mudar. Não existia mais uma reinvindicação centralizada, como no caso das tarifas

de ônibus, havia sim um descontentamento generalizado para com o governo em

várias áreas criticas.

Conforme afirma Pujol et.al. (2014, p.05):

A ausência de lideranças de movimentos sociais ou agremiações partidárias na orquestração dos protestos explica, em parte, a agenda pulverizada dos pleitos que caracterizaram as manifestações seguintes às de luta pela redução do valor da tarifa de transporte em São Paulo. De maneira geral, esses pleitos estiveram concentrados na exposição de temas centrais da cena política do país naquele momento: o julgamento de políticos e ex-ministros de Estado por corrupção; os trabalhos da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e a Proposta da “Cura Gay”, um projeto de lei que pretendia autorizar psicólogos a oferecer tratamento para a homossexualidade [sic]; o debate sobre os recursos públicos aplicados em obras a fim de viabilizar a ocorrência de megaeventos esportivos no país nos próximos dois anos, além do Projeto de Emenda Complementar Trinta e Sete (PEC37), a qual pretendia desautorizar o Ministério Público a realizar investigações criminais.

O mais interessante é que os próprios manifestantes eram veementes contra a

quaisquer tipo de intervenção politica ou o levantamento de quaisquer tipos de

bandeiras que pudessem de alguma forma atrelar o movimento a algum partido

politico ou a alguma instituição.

Os protestos passaram a ser manifestações contra a corrupção, contra o caos

na saúde pública, contra a violência e a insegurança nos centros urbanos, com a

precariedade na educação, enfim, as motivações passaram a ser variadas mas a

motivação ainda era a mesma: grande descontentamento com a situação atual do

país.

Milhões de pessoas foram às ruas em todo Brasil e até no exterior3 para se

manifestarem por uma enorme gama de motivos, trazendo intensa repercussão,

3 Segundo o Jornal Opera Mundi, publicado em 14 de junho de 2013, brasileiros e estrangeiros de

países como França, Alemanha, Portugal e Canadá terão protestos em solidariedade aos

manifestantes de SP. Segundo o jornal, as manifestações eram principalmente em oposição a

postura do então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, por incentivar a repressão policial da

45

inclusive internacional, ventilando-se até a possibilidade, ainda que remota, de que o

país não teria condições de sediar a Copa do Mundo que ocorreu no ano seguinte.

As maiores manifestações foram registradas no Rio de Janeiro (300 mil

pessoas), Vitória (100 mil pessoas), São Paulo (100 mil pessoas) e Manaus (100 mil

pessoas).

Como resultado o Governo Federal precisou agir com rapidez a fim de diminuir

os impactos negativos causados por protestos sucessivos ocorridos em mais de 120

cidades, capitais e interior, anunciando medidas da chamada “agenda positiva”,

aprovando, por exemplo, a classificação de corrupção como crime hediondo e o

arquivamento da chamada PEC 37, que traria a proibição de investigações pelo

Ministério Público.

Por conta de alguns manifestantes mais exaltados, ou simplesmente vândalos

infiltrados é que uma mancha ficará sobre essas manifestações, que é a da violência

e a da repressão, muitas vezes desproporcional e inclusive rechaçada por grande

parte dos manifestantes, que faziam os protestos inclusive pedindo paz e solicitando

aos mais exaltados que não efetuassem atos de vandalismo.

Porém o vandalismo ocorreu, e também depredações do patrimônio público e

privado, assim como prisões, uso de gás lacrimogênio, balas de borracha, pessoas

foram feridas e algumas vieram a óbito, ou seja, todas as variáveis que fazem com

que essas manifestações tenham virado, em muitas ocasiões, verdadeiros cenários

de guerra.

Ainda que a maioria quisesse e estivesse fazendo um protesto pacifico, haviam

pessoas infiltradas ao movimento ou não, os chamados black blocs, que promoviam

quebra-quebra e faziam arruaça e atos de vandalismo durante os protestos, o que

não pode ser confundido com a atitude dos demais, pois essas pessoas realmente

não estavam se manifestando de maneira legitima, mas usando um movimento

legitimo, onde pessoas se manifestavam de forma consciente e pacifica, para

promover vandalismos, sendo pois considerado por alguns como criminosos, o que

forma como foi feita, bem como a Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, por sua recusa em

dialogar e negociar.

46

será discutido no próximo item a luz da nova lei de organizações criminosas, onde

alguns juristas tentaram enquadra-los.

4.3 A lei nº 12.850/13 e os protestos de 2013

Trazendo novamente o texto da lei 12.850 de 02 de agosto de 2013, em seu

primeiro capitulo que traz a nova concepção de organização criminosa, tem-se o

seguinte:

Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. § 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. § 2o Esta Lei se aplica também: I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

Essa lei foi aplicada como base para a prisão de vários manifestantes durante

os protestos de 2013 em todo país. Muitas autoridades se valeram dos atos dos

chamados black blocs para a aplicação dessa lei em virtude da depredação do

patrimônio público, no entanto, o amparo legal e a constituição de provas para tal

mostra-se insuficiente do ponto de vista legal.

Em primeiro lugar existe uma grande dificuldade em se identificarem as

pessoas que estavam protestando pacificamente das que estavam fazendo arruaça,

das que estavam simplesmente passando e correram para não se verem pegas em

meio a confusão.

Na maioria dos casos os black blocs usam máscaras e não são reconhecidos

por conta disso, o que aumenta ainda mais a probabilidade de que, no caso de

prisões efetuadas de forma arbitrária, uma pessoa ser confundida e enquadrada em

uma lei severa sem a menor necessidade.

47

A aplicação dessa lei exige discernimento e cautela por parte dos juristas, por

ser uma lei bastante complexa, de crimes considerados graves e com bastante peso

dentro do código penal, o que poderia trazer graves e irremediáveis problemas para

as pessoas que nela fossem enquadradas de forma errada.

Além disso, há que se fazer uma ressalva quanto ao bom senso. Considerar

pessoas que praticam atos de vandalismo ou mesmo destruição de patrimônio como

delinquentes de infrações equivalentes a um traficante por exemplo, é usar pesos

muito distintos para classificação de um crime.

Além disso, qualificar as provas para considerar tal tipificação é algo bastante

difícil, tanto pela quantidade de pessoas envolvidas, quanto pela intensa carga

emocional que cerca esses movimentos e também pela subjetividade dos fatos

envolvendo as manifestações.

O fato é que é opinião de muitos juristas, advogados, magistrados e de várias

personalidades do meio jurídico que não se pode e nem se deve criminalizar as

manifestações de 2013, muito menos se utilizando de uma lei tão pesada como

essa, não devendo, pois ser tolerados os atos de vandalismo, mas tendo sempre o

cuidado de fazer com que a lei cumpra o seu papel de punir o real culpado conforme

a culpabilidade que lhe for imputada com base em provas.

48

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historicamente o Brasil é um pais que passou por alguns conflitos internos

bastante significativos para a construção de sua democracia, que ainda é bastante

nova frente a outros regimes democráticos que existem por todo o mundo,

principalmente se comparados à Europa.

Até mesmo por conta do contexto politico em que estavam inseridos, os

movimentos sociais brasileiros, ainda que totalmente legítimos, sempre foram

marginalizados e, especialmente na época da ditatura militar, foram criminalizados e

duramente reprimidos pelas autoridades.

Ocorre, porém que, com o passar dos anos e o amadurecimento do

pensamento popular, os movimentos sociais foram se organizando e ganhando mais

corpo ideológico, como mostra o histórico feito dos movimentos sociais que levaram

o país às eleições diretas e ao Impeachment de Fernando Collor de Melo.

Marginalizar e até mesmo criminalizar esses movimentos legítimos, como os

que ocorreram em 2013, é algo de muito risco para a democracia, haja vista que,

especialmente nos casos de 2013, claramente se tinha uma parcela insignificante de

manifestantes que queria a baderna ao passo que outra parcela, muito maior, pedi a

paz.

Além disso, como pode ser visto ao revisitar a lei recentemente promulgada em

relação às organizações criminosas, entende-se como certo exagero, haja vista que,

como visto ao longo do texto, as organizações criminosas são estruturas muito bem

organizadas e enraizadas em diversos setores da sociedade, com uma abrangência

e complexidades consideráveis, sendo por isso um exagero considerar que os casos

de vandalismo ocorridos em 2013 durante as manifestações possam vir a ser

classificadas como atos de organização criminosa.

Como em todos os casos, deve prevalecer o bom senso e a interpretação da lei

utilizando-se de prerrogativas que validem a aplicação da lei, sem exageros nem

concessões que abrandem os fatos.

49

O que a literatura utilizada nesse trabalho tem demonstrado é que, ao

passo que o crime organizado cresce, se organiza e se infiltra cada vez mais em

setores importantes da sociedade, corrompendo inclusive as instituições que

deveriam combate-la.

Do outro lado, tem-se uma legislação falha e necessitando muito de uma

melhoria para acompanhar esse crescimento e desenvolvimento tão significativo das

organizações criminosas no Brasil, isso sem contar com um sistema judiciário com

graves falhas aliado a instituições sucateadas e sem aparato necessário para

combater essas organizações criminosas que estão vários anos a frente do poder

público que tem tentado, ainda sem muito sucesso, frear o seu crescimento dentro

da sociedade.

50

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