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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO JOEL CHAVES LIMA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS FORTALEZA 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE DIREITO

JOEL CHAVES LIMA

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS

FORTALEZA

2014

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JOEL CHAVES LIMA

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS

Monografia submetida à aprovação da

coordenação do curso de Direito do

Centro de Ensino Superior do Ceará,

como requisito parcial para obtenção do

título de Bacharel em Direito, sob a

orientação do professor Ms. José Lenho

Silva Diógenes.

FORTALEZA

2014

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JOEL CHAVES LIMA

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores.

Data de aprovação: ____/ ____/ ____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Prof. Ms. Lenho Silva Diógenes (Orientador)

_______________________________________________________________

Prof.a.Esp.Marina Lima Maia Rodrigues (Examinadora)

_______________________________________________________________

Prof. Ms. José Péricles Chaves (Examinador)

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Dedico este trabalho em primeiro lugar a Deus por ter me dado a vida, aos meus país, minha namorada, meu filho e aos meus amigos.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, por ter me proporcionado forças e conhecimento para a

concretização deste trabalho.

A minha família, me dando todo o apoio moral e financeiro para que com ele

eu pudesse chegar até aqui.

A minha namorada pelo apoio, carinho e compreensão.

Aos colegas de graduação, pela parceria de sempre.

Ao meu professor pela paciência na orientação e incentivo.

A todos os professores que contribuíram para a minha formação.

A todos meu muito obrigado.

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“A base de toda a sustentabilidade é o desenvolvimento humano que deve contemplar um melhor relacionamento do homem com os semelhantes e a Natureza”.

Nagib Anderáos Neto

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RESUMO

Este trabalho trata da responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes

ambientais. O texto está estruturado em quatro partes. Na primeira, conceitua-se e

procura-se compreender a responsabilidade penal. Trata-se, aí, dos fatos que

podem gerar responsabilidade penal e as consequências jurídicas próprias do

Direito Penal. Num segundo momento, disserta-se sobre a responsabilidade penal

da pessoa jurídica por crimes ambientais e sobre as teorias que viabilizam essa

responsabilização deste ente jurídico. Na sequência, analise-se a evolução

normativa da tutela jurídica do meio ambiente no Brasil. E, por fim, sobre a lei dos

crimes ambientais, com foco especial nos crimes ambientais. A justificativa da

escolha do tema baseia-se no fato de que, embora o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado esteja previsto na Constituição Federal de 1988 como

um direito ambiental, a legislação ambiental ainda depende de maiores estudo para

sua melhor aplicabilidade. Além disso, é importante compreender o papel das

pessoas jurídicas na busca de um meio ambiente sadio no desenvolvimento de suas

atividades.

Palavras chave: Responsabilidade Penal, Pessoa Jurídica, Crimes Ambientais.

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ABSTRACT

This work deals with the criminal liability of legal entities in environmental crimes. The text is divided into four parts. At first, it defines and seek to understand the criminal liability. It is, then, the facts that can generate criminal liability and own legal consequences of criminal law. Secondly, if lectures on the criminal liability of legal entities for environmental crimes and theories that enable the accountability of this legal entity. Following, look up the rules changes in the legal protection of the environment in Brazil. And finally, on the law of environmental crimes, with special focus on environmental crimes. The justification for the choice of theme is based on the fact that, although the right to an ecologically balanced environment is provided for in the Constitution of 1988 as an environmental law, environmental law still depends on larger study for better applicability. Furthermore, it is important to understand the role of corporations in search of a healthy environment in the development of its activities. Keywords: Criminal Liability, Environmental Law, Corporate, Environmental Crimes.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 RESPONSABILIDADE PENAL ............................................................................. 11

2.1 – Do conceito de Responsabilidade Penal .......................................................... 12

2.2 Fundamentos princípiológicos da responsabilidade penal no Direito contemporâneo ......................................................................................................... 14

2.2.1 Princípio da intervenção mínima. ..................................................................... 15

2.2.2 Princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade ou da proibição do excesso .................................................................................................................................. 16

2.2.3 Princípio da responsabilidade pessoal ou intranscendência da pena .............. 17

2.2.4 Princípio da irretroatividade da lei penal........................................................... 17

2.2.5 Princípio da limitação das penas ou da dignidade da pessoa humana ............ 18

2.2.6 Princípio da culpabilidade ................................................................................. 19

2.2.7 Princípio da adequação social .......................................................................... 20

2.2.8 Princípio da lesividade ou ofensividade............................................................ 21

2.2.9 Princípio Non Bis in Idem ................................................................................. 22

2.2.10 Princípio da legalidade ................................................................................... 22

2.2.11 Princípio da fragmentariedade ....................................................................... 23

2.2.12 Princípio da insignificância ............................................................................. 24

3 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO DIREITO COMPARADO .......................................................................................................... 25

3.1 Teorias sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica ................................ 28

4 A TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL ........................................ 31

4.1 O percurso histórico da tutela jurídica do meio ambiente no Brasil ..................... 32

4.2 A Lei nº 9.605 e os crimes ambientais ................................................................ 35

4.3 As sanções penais a que estão sujeitas pessoas jurídicas ................................ 39

4.4 A duplicidade de sanções ambientais e o princípio do non bis in idem .............. 41

5 A PESSOA JURIDICA E OS CRIMES AMBIENTAIS ........................................... 44

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 47

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 49

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo principal deste trabalho é analisar a produção científica acerca

da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes contra o meio ambiente no

ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, realiza-se uma revisão de literatura sobre

as teorias que descrevem a personalidade da pessoa jurídica e as situações em que

a mesma comete crimes contra o meio ambiente.

A justificativa da escolha do tema baseia-se no fato de que o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado está previsto na Constituição Federal de

1988, sendo reconhecido como um direito fundamental das gerações presentes e

futuras. Todas as pessoas têm direito a esse bem da vida.

Busca-se, pois, desenvolver uma pesquisa que responda ao seguinte

questionamento: quais os limites e as possibilidades jurídicas de cometimento de

crime contra o meio ambiente pelo ente corporativo?

A partir disso, pode-se reconhecer o importante papel exercido pelos

entes coletivos na busca de um meio ambiente sadio no desenvolvimento de suas

atividades bem como, ao mesmo tempo, têm-se como relevante o descuido por

parte de muitas indústrias ou empresas ao sistema denominado meio ambiente.

Assim, o constituinte originário sabendo da possibilidade de ação destrutiva por

parte de muitos entes corporativos resolveu ampliar a tutela penal a eles aplicada.

A responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes contra o meio

ambiente é matéria que gera inúmeras controvérsias. No entanto, sabe-se que a

tutela ambiental já foi discutida e regulamentada pelo ordenamento jurídico

brasileiro. Isto se faz presente no artigo 225, §3º da Constituição Federal de 1988

bem como na Lei nº 9605/98, denominada lei de crimes ambientais.

A Carta Magna destaca que as condutas e atividades consideradas

lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a

sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os

danos causados. A Lei nº 9.605/98, por sua vez, dispõe sobre as sanções penais e

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administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Contudo, essa lei, se limitou a determinar que a pessoa jurídica poderá ser

processada penalmente pela prática de conduta ofensivas ao meio ambiente, sem

contudo, ter criado no sistema penal mecanismos aptos a torná-la viável.

O texto está estruturado em quatro partes. Na primeira, conceitua-se e

procura-se compreender a responsabilidade penal. Trata-se, aí, dos fatos que

podem gerar responsabilidade penal e as consequências jurídicas próprias do

Direito Penal. Num segundo momento, disserta-se sobre a responsabilidade da

pessoa jurídica e sobre as teorias que permitem a responsabilidade penal deste ente

jurídico. Na sequência, analise-se a evolução da tutela jurídica do meio ambiente no

Brasil. E, por fim, sobre a lei dos crimes ambientais, com foco especial nos crimes

ambientais.

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2 RESPONSABILIDADE PENAL

A responsabilidade jurídica pode ter várias formas de incidência, bastando

para tal a prática de conduta que viole normas do ordenamento jurídico por alguém,

que, a partir daí, poderá ser responsabilizado de acordo com as sanções previstas

pelo ramo do direito ao qual pertença a norma violada.

Essa responsabilização por um ato lesivo a terceiros é uma maneira de

coibir a reincidência da prática danosa causadoras de prejuízo. Dado que esse ato

pode ter várias formas e tipos de danos diferentes, há uma dosagem dessa

responsabilidade de acordo com a natureza da infração legal.

A responsabilidade penal ocorre quando há transgressão de uma norma

ligada ao Direito Penal. Neste caso, caracteriza-se a infração legal como crime ou

contravenção penal. E, como este ramo do direito só se ocupa das condutas mais

lesivas aos bens mais importantes para a subsistência da sociedade, estas infrações

legais são consideradas os atos mais lesivos e danosos a sociedade de uma forma

geral, sendo essa a principal justificativa pela qual as normas penais são normas de

direito público (BITENCOURT, 2012).

Nesse ponto convém citar a diferença entre Crime e Contravenção,

baseado na redação dos art. 5º e 6º da Lei das Contravenções Penais, artigo 1º da

Lei de Introdução ao Código Penal sendo pois:

Crime a infração que admite reclusão ou detenção. Já a contravenção penal só admite prisão simples e multa (que não é pena privativa de liberdade). Além disso, o crime pode ser perseguido mediante ação penal pública ou ação penal de iniciativa privada. Já a contravenção penal só é perseguida

mediante ação penal pública incondicionada

Conforme previsto no Código Penal Brasileiro, o delito é o resultado do

ato ou da omissão criminosa, socialmente nociva, sendo considerada, pois, uma

conduta típica, antijurídica e culpável. Um indivíduo adulto, são e consciente deve

ser responsabilizado por suas ações e responder pelos seus atos, diante das leis em

vigor.

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No que tange às pessoas jurídicas, tradicionalmente, a doutrina considera

que elas não podem praticar crimes ou contravenções, tendo em vista que, como a

mesma não pratica a ação a mesma torna-se incapaz penalmente, visto que os

elementos citados são indissociáveis da responsabilização criminal.

Há uma tendência tanto da Doutrina quanto na Jurisprudência da

utilização da teoria da dupla imputação, qual seja que só é possível responsabilizar

a pessoa jurídica penalmente caso a pessoa física seja identificada e

responsabilizada. Em suma, é a responsabilização conjunta da pessoa jurídica com

a física. (PINHEIRO, 2006).

2.1 – Do conceito de Responsabilidade Penal

Segundo entendimento de Constantino (2009) a responsabilidade penal é

uma obrigação jurídica de responder pelo ato delituoso que irá recair sobre o

imputável, ou seja, quando comete uma infração ou delito, será responsabilizado

penalmente pelo mesmo, cumprindo, pois, uma pena correlata a seu ato.

Com relação às espécies de pena, de acordo com a CF/88, art.5º, XLVI:

A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras as seguintes: Privação ou restrição da liberdade; Perda de bens; Multa; Prestação social alternativa Suspensão ou interdição de direitos

Quando comete o delito, considerado como sendo o responsável pelo ato

delituoso o agente é submetido a uma penalidade jurídica prevista em lei de acordo

com o ato cometido. Aquele ente que não for imputável e tiver praticado um fato

típico e ilícito por ser considerado inimputável terá aplicado a si uma medida de

segurança, que tem uma finalidade diversa da pena, consistente em curar o

inimputável (GRECO, 2009).

A medida de segurança é uma forma da justiça responsabilizar porém

com a conotação mais de recuperar e prevenir futuros crimes do que propriamente

de punir. Trata-se de uma sanção penal que tem finalidade curativa. Existem,

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segundo o Código Penal Brasileiro, duas medidas de segurança, conforme

prescreve o artigo 96:

I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial. Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.

Existe uma clara diferença entre a sanção, que é a medida de segurança,

e a pena, sendo esta ultima voltada para a prevenção, repressão e a intimidação,

enquanto que a primeira seria voltada ao fim de recuperação, de não reincidência,

de caráter assistencial.

Deve-se, pois fazer a diferença entre imputabilidade penal e

responsabilidade penal, uma vez que, segundo Constantino (2009), enquanto a

imputabilidade penal é o aglomerado de condições para que um ente seja

responsabilizado pela prática de um delito, a responsabilidade penal é a obrigação

judicial em virtude das consequências de um crime.

Segundo Constantino:

Imputar é o ato de atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa e, define imputabilidade penal, como sendo o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível (...) Responsabilidade penal é a obrigação que alguém tem de arcar com as consequências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato (CONSTANTINO, 2009, p.03).

Para ser responsável penalmente por um delito é necessário que o sujeito

seja imputado pelo crime, e para isso ele precisa atender a três pré-requisitos gerais

que são: ter praticado o delito; ter tido, à época, entendimento do caráter criminoso

da ação; ter sido livre para escolher entre praticar e não praticar a ação.

No caso da responsabilidade penal, por sua característica, somente a

aplicação de uma penalidade que seja intransferível ao infrator, dada a gravidade do

ato cometido por ele, haja vista que essa somente é a forma de cumprir a dupla

finalidade de punição em conjunto com o reestabelecimento da ordem social,

alterada pelo ato delituoso.

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Existem três formas de se responsabilizar penalmente um ente,

lembrando que é o dever jurídico de responder pela ação delituosa que recai sobre o

agente imputável, podendo esta ser uma responsabilidade total, parcial ou nula, de

acordo com a característica do ente, a saber, no entendimento de Constantino:

Total: considera-se o ente capaz de compreender o caráter delituoso de sua ação e de determinar-se totalmente em consonância a esse entendimento, sendo pois a este o ato delituoso imputável e podendo o mesmo ser considerado responsável penalmente. Parcial: ocasião em que o delito passa a ser semi-imputável, podendo o agente ser considerado parcialmente responsável pelo ato, podendo ter sua pena reduzida ou substituída por alguma sanção. Para ser considerado parcialmente responsável, o ente que efetuou o delito deve ser considerado parcialmente capaz da compreensão da criminalidade de seu ato, sendo pois apenas parcialmente capaz de ser imputável. Nula: Caso em que o ente, ainda que tenha praticado o delito, é considerado inimputável por ser considerado, à época do delito, como incapaz de compreender que seu ato possui caráter criminoso ou mesmo totalmente incapaz de determinar-se de acordo com essa compreensão (CONSTANTINO, 2009, P.08).

Na visão jurídica, a responsabilidade exige que tenha agido ou se omitido,

no uso de sua plena capacidade de entendimento de que aquele era um ato

criminoso, sendo, pois também capaz de determinar-se conforme essa

compreensão.

2.2 Fundamentos princípiológicos da responsabilidade penal no Direito

contemporâneo

Os princípios são os norteadores para a aplicação e interpretação correta

da lei, com bases constitucionais corretas, conduzindo toda a normativa jurídica,

sendo, pois, norteadores da correta criação e execução das leis, salvaguardando

todos os direitos e amparos legais de todos os indivíduos.

Os princípios são ordenações que irradiam e imantam os sistemas das normas, sendo um núcleo de condensações, confluindo valores e bens constitucionais, sendo a base das normas jurídicas, constituindo preceitos básicos da organização constitucional. Logo princípios constitucionais são aqueles que guardam valores fundamentais para ordem jurídica (MARCO, 2008, p.04).

Os princípios são de fundamental importância para todas as áreas do

direito, seja nas esferas trabalhistas, administrativas, cíveis e também a penal, que é

o foco desse estudo. Ressaltando a importância dos princípios constitucionais para o

direito penal, Gomes observa que:

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As tipificações penais das condutas ilícitas, necessitam de amparo constitucional, para que não extrapolem o jus puniendi estatal, ou seja, o direito assegurado ao Estado no regramento social, com a prerrogativa de punir os infratores das normas legais. Da mesma forma, cabe considerar que, a correlação entre a Constituição e o Direito Penal na definição dos bens jurídicos mais relevantes, possui suma importância de modo que, este, sempre se baseará nos princípios expressos e implícitos que aquela dispõe, com o intento guiador do legislador, e por meio destes, dispor seus princípios de modo a observar sempre a função normativa dos valores fundamentais preconizados pela Constituição Federal (GOMES,2011, p. 04).

Dessa forma, é fundamental para a compreensão do tema aqui analisado

identificar, nos tópicos a seguir, os princípios informadores do Direito Penal e,

portanto, da responsabilidade penal. Vale ressaltar aqui que somente serão

abordados e estudados os princípios que são inerentes a esse estudo.

2.2.1 Princípio da intervenção mínima.

Segundo esse princípio, em linhas gerais, pode-se afirmar que o direito

penal só deve incidir e amparar bens importantes e essenciais para a convivência

social. Por esse princípio, também conhecido como ultima ratio, é feita a indicação

de bens que são considerados de maior importância e que precisam de maior

atenção do direito penal, servindo ainda para a descriminalização, haja vista que,

por esse princípio, o legislador faz a escolha de bens amparados juridicamente e

que serão tutelados (GRECO, 2009).

Esse princípio traz ainda a percepção de que o Direito Penal deverá ser o

ultimo recurso, após o esgotamento de todos os meios para controlar a situação,

inclusive extra penais para sanções, sendo a criminalização apenas adequada em

casos em que esgotaram-se os outros meios de que dispõe o Estado.

Gomes (2011) e Maia (2005) lembram que, sempre que uma ação estiver

sendo avaliada nessa ótica, devem ser esgotados os modos de intervenção

extrapenal, que possuem um menor custo social e por isso mesmo devem ser

preferidos para a resolução de conflitos, direito penal somente depois do

esgotamento desses recursos.

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Gomes afirma que:

Não bastam apenas os preceitos dispostos pelo princípio da legalidade como supracitado, mas também, outras normas que se possa valer antes da aplicação penal, conforme já elucidado pelo princípio da fragmentariedade decorrente deste. Nessa sistemática, o Direito Penal mostra-se como ultima ratio, conotação essa também atribuída ao princípio em comento, que se aplica na intervenção do Estado na sociedade, tendo caráter subsidiário as normas que visam assegurar os bens jurídico (GOMES,2011, p. 06).

Percebe-se, com base no que até aqui foi exposto, a importância do

princípio em tela para o adequado funcionamento do Direito Penal, uma vez que, de

acordo com o tipo de sociedade, bens diferentes assumem valorações diferentes, o

que gera zonas de conflitos e de consensos diferentes que varia de sociedade para

sociedade, sendo bem aceita em umas e repudiadas veementemente em outras.

2.2.2 Princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade ou da proibição do excesso

Por esse princípio entende-se que toda pena aplicada, só será justificada

quando realmente necessária, após esgotadas as outras possibilidades, quando

estiver realmente adequada para o fim ao qual é proposta, e resguardando-se a

proporcionalidade e equilíbrio na sanção penal.

Ou seja, as penas aplicadas devem refletir a gravidade do ato

infracionário, sendo, pois, condizentes com a seriedade da infração, nem sendo

benevolente demais e nem severa demais, devendo sempre resguardar o bom

senso e a aplicação correta da lei e dos demais princípios penais.

Na constituição, assinala-se no capitulo sobre direitos e deveres

individuais e coletivos, no artigo 5, XLVII, a limitação das penas que podem ser

aplicadas:

XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis

Como visto na lei, esse princípio é também uma garantia de que não

haverá excessos e transgressões aos direitos assegurados pela Constituição, de

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forma que os direitos sejam assegurados, porem que haja a penalização correta e

proporcional ao delito cometido, o que é arbitrado pelo jurista de acordo com a lei.

Esse mesmo artigo norteia também o princípio da limitação da pena e da

dignidade humana, que é um princípio complementar a esse, como também os

demais, e que possui correlação direta com o mesmo.

2.2.3 Princípio da responsabilidade pessoal ou intranscendência da pena

O princípio de que trata esse item está, previsto na Constituição Federal,

no artigo 5º, inciso XLV:

Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens serem, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

Esse é o princípio que determina que a pena deve ser aplicada somente

ao condenado, não cabendo pois a transmissão dessa penalidade.

No entanto, isso não isenta os sucessores da obrigatoriedade também

prevista em lei, da reparação dos danos causados pela infração, mas somente até

os limites da herança transferida por aquele que foi condenado com trânsito em

julgado pela infração penal.

O princípio em alusão exige, pois, que o condenado seja passível de

punibilidade, não sendo possível a aplicação deste quando o autor da infração for

considerado inimputável, sem condições de consciência de compreender a ilicitude

do ato ou se este é um sujeito do qual não se pode exigir outro tipo de conduta.

2.2.4 Princípio da irretroatividade da lei penal

A irretroatividade penal é o princípio que estabelece que desde o

momento da promulgação de uma lei, até que a mesma perca sua vigência, esta é a

regente dos fatos para o qual foi destinada, respeitando o chamado princípio tempus

regit actum, ou seja a mesma não possui validade nem antes de sua promulgação e

nem após o final de sua vigência (GRECO, 2009).

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Além disso, conforme lembra Gomes:

Com base nesses princípios, as leis devem ater-se a prever condutas taxativas em suas formas, assegurando as garantias da liberdade pessoal de todo cidadão, de forma a não obstruir os preceitos constitucionais, regulando a aplicação da norma, mantendo por fim, a segurança jurídica na imposição estatal. (GOMES, 2011,p.08)

Isso está em sintonia com o que a própria Constituição federal prevê em

seu artigo 5º inciso XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena

sem prévia cominação legal”. Significa dizer que não há como aplicar sanções se,

quando da prática do ato, não houver uma infração penal legalmente prevista e uma

pena vigente referente ao fato.

2.2.5 Princípio da limitação das penas ou da dignidade da pessoa humana

O princípio em tela significa, conforme o artigo 5º, inciso XLVII, da

Constituição Federal, que existem limitações constitucionais para a imputação de

penas, haja vista que, independente do crime que tenha sido cometido, pena alguma

pode causar ofensa à dignidade humana, sendo esse um princípio básico do Estado

Constitucional e Democrático de Direito. Como também vem esclarecendo o artigo

supracitado:

XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;

Abre-se um parêntese para ressaltar, que esse é um dos princípios

muitas vezes gerador de grande revolta na população em geral. Quando a

penalidade envolve um crime hediondo, as pessoas, muitas vezes são imbuídas por

um instinto de revanchismo e indignação, não aceitando o fato de que, por mais

hediondo e cruel que o crime cometido seja, a Constituição garante a esse infrator,

por esse princípio, que ele deve responder criminalmente nos rigores da lei, porém

sem violação da dignidade da pessoa humana.

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Por esse princípio não poderá haver penas de caráter cruel, degradante

ou que seja considerada desumana nos princípios da lei, uma vez que esse é um

princípio constitucional presente em vários artigos da Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (...) Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (...)

Esse é um princípio que garante a ordem material e social ao passo que

restringe a lei penal ao seu intuito de punibilidade e de reparo do dano causado, sem

poder, contudo, infringir a dignidade do infrator, tendo esse princípio o intuito de

assegurar também os direitos do condenado.

Por mais grave que seja o delito, o legislador, ao sancionar uma lei, deve

levar em conta esse princípio para que ele não venha a incluir no ordenamento

jurídico a tipificação de uma conduta incriminatória ou sanção penal que venha a

ferir a dignidade humana, independente do tipo de crime cometido.

2.2.6 Princípio da culpabilidade

Segundo esse princípio, somente poderá sofrer restrição penal caso o

autor da infração penal caso esse tenha tido a possibilidade de ter comportamento

diferente daquele que gerou a infração e não o fez, tendo pois o conhecimento da

ilicitude de seu ato, sendo pois essa a essência desse princípio.

A culpabilidade configura-se como um princípio que impede a

responsabilidade penal que se abstém da culpa, ou seja, repudiando a chamada

responsabilidade penal objetiva (GRECO, 2009).

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Segundo o artigo 18 do Código Penal Brasileiro, diz-se o crime:

Crime doloso I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; Crime culposo II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente (BRASIL, 1984).

Além desse artigo, outras passagens dentro da Constituição traduzem

legalmente esse princípio que está também diretamente ligado ao chamado a

presunção da inocência, que por sua vez, como oposto ao princípio da culpabilidade.

Esse termo jurídico está exposto claramente no artigo 5 inciso LVII da

Constituição Federal, que afirma que “ninguém será considerado culpado até o

trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, trazendo a tona o argumento

do in dubio pro reo, ou seja, nos casos em que há duvidas tanto na interpretação da

lei quanto do fato ocorrido, adotar-se-á a lei que for favorável ao réu em virtude da

duvida constante dos fatos e argumentos apresentados no processo.

2.2.7 Princípio da adequação social

Por esse princípio, quando uma conduta for considerada socialmente

adequada ou tiver reconhecimento por fazer parte da cultura ou do modo de viver,

mesmo que se subsuma a legalidade, não será considerada como uma prática de

crime. Esse princípio tem como objetivo fazer uma restrição da intervenção da

legislação penal, ficando excluídas da seara penal as ações que forem socialmente

consideradas como licitas, sendo, pois aceitas pelo público de forma geral

(BITENCOURT, 2012).

Além disso, confere também ao legislador a orientação quanto a

imposição ou proibição de condutas, selecionando o que realmente é importante,

bem como para refletir acerca das condutas que já tiveram aceitação plena na

sociedade e por isso mesmo deixam de ser consideradas um ilícito penal, porem é

importante lembrar que esse princípio não dá poderes de revogação dos tipos

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incriminadores, uma vez que esses só poderão sofrer revogação por força de lei,

amparado inclusive no princípio da legalidade (GRECO, 2009).

Gomes lembra a necessidade de não banalização de condutas por

aplicação do princípio em comento:

Embora sirva de norte para o legislador, que deverá ter a sensibilidade de distinguir as condutas consideradas socialmente adequadas daquelas que estão a merecer a reprimenda do Direito Penal, o princípio da adequação social, por si só, não tem o condão de revogar tipos penais incriminadores. Mesmo que sejam constantes as práticas de algumas infrações penais, cujas condutas incriminadas a sociedade já não mais considera perniciosas, não cabe, aqui, a alegação, pelo agente, de que o fato que pratica se encontra, agora, adequado socialmente (GOMES, 2011, p.08).

Segundo o raciocínio deste autor, corroborado por Maia (2005), não se

pode pois considerar licito algo somente porque a sociedade resolveu achar “normal”

ou “comum” a prática de algumas condutas, como por exemplo, a venda de DVD´s

e CD´s pirata, o jogo do bicho, que são práticas que a sociedade já passou a

assumir como sendo normais, mas que não deixam de configurar como ilícito penal.

2.2.8 Princípio da lesividade ou ofensividade

O princípio da lesividade, também conhecido como princípio da

ofensividade, traz a luz do ordenamento jurídico as condutas passiveis de ser

tipificadas como crimes, tendo várias funções, como por exemplo, a proibição da

incriminação de uma atitude interna, como por exemplo, a intenção ou pensamento

de realização do ilícito, sem concretizar essa intenção (GRECO, 2009;

BITENCOURT, 2012).

Outra função desse princípio é coibir a incriminação de condições de

existência, estados físicos ou psicológicos, também de ações que não extrapolem o

âmbito do individuo que agiu e também condutas que, apesar de não condizerem

com condutas consideradas normais, não trazem nenhum tipo de prejuízo para

quaisquer bem jurídico.

Um suicídio ou automutilação, por exemplo, não condiz com as condutas

normais de uma pessoa, porem, dado que não ofendeu a terceiros e nem provocou

prejuízos a outro, não pode ser tipificado como crime.

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Esse princípio corrobora com o princípio da intervenção mínima, ao passo

que pretende limitar a possibilidade e a intenção de aferir punição sobre condutas

que não ofendeu de nenhuma forma um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.

2.2.9 Princípio Non Bis in Idem

Derivada do latim, a expressão por si já explica a essência desse

princípio, ao afirmar que “não deve haver repetição de algo”, ou seja, por via de

regra, um individuo não pode sofrer penalidade dupla sobre um mesmo crime.

Ou seja, ainda que isso não esteja claro na Constituição por não haver

um artigo especifico para tal, fica implícito em várias passagens da mesma que

existe uma proibição por parte do estado de que um indivíduo sofra uma dupla

sanção, ou mesmo um duplo processo, quando em razão do mesmo crime.

(GRECO, 2009; BITENCOURT, 2012)

Baseado nesse princípio, o magistrado pode fazer os cálculos em relação

a pena de acordo com a penalidade incorrida, com o conhecimento de que não

haverá outro tipo de punição, devendo pois aquela pena ser suficiente para reparar o

dano causado, já que não haverá outra forma de punição possível por lei.

2.2.10 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade possui quatro dimensões dentro do

ordenamento jurídico: criminal, penal, processual e execucional, tendo cada um

desses, bases na constituição. (GRECO, 2009; BITENCOURT, 2012)

Na seara criminal, segundo o artigo 1 do Código Penal Brasileiro, “não há

crime sem lei anterior que do defina”. Da mesma forma o princípio é entendido, em

sua dimensão penal, também pelo artigo 1 do Código Penal Brasileiro, que “não há

pena sem prévia cominação legal”.

Da mesma forma, pela dimensão processual, não pode haver um

processo se não houver a lei, ou seja, nenhuma pessoa ou bens de posse da

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mesma podem ter o direito de liberdade cerceado sem que haja o devido processo,

conforme o inciso LIV do artigo 5 da Constituição Federal.

Como complementação, cita-se a ultima dimensão do princípio, que é a

de execução, baseada na lei de execução penal em seu artigo 2, que diz que “A

jurisdição penal dos juízes ou tribunais da justiça ordinária, em todo o território

nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta lei e do

código de processo penal”.

Por esse princípio, aplicam-se outros como o princípio da irretroatividade

penal e o princípio da adequação social, que são concomitantes com este princípio,

devendo pois serem lidos em conjunto.

2.2.11 Princípio da fragmentariedade

Esse é um princípio intimamente ligado com os princípios de lesividade e

de adequação social, trazendo a luz do Direito Penal o caráter fragmentário ao

afirma que, dado que os bens fundamentais amparados juridicamente sendo

escolhidos, havendo comprovadamente a lesividade do ato e da inadequação da

ação, caracterizando o ilícito, os bens passam a ser parte de um grupo seleto de

todos os bens que possuem proteção do Direito Penal, ou seja, apenas um

fragmento de todos os bens existentes. (GRECO, 2009; BITENCOURT, 2012)

Em suma, o Direito Penal, sendo caracterizado como recurso em última

ratio não fará a tutela de tudo, somente aquelas que não possuem sanções extra

penais e nem são aceitas pela sociedade como sendo condutas passiveis de

aceitação e que não geram desordem material.

Ou seja, a tutela penal sobre os bens é feito somente sobre a parte dos

bens de maior importância e valor para o funcionamento da sociedade, sendo porem

apenas parte dos bens, mas a parte mais significativa para a convivência entre os

seres.

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2.2.12 Princípio da insignificância

O princípio da insignificância, como o próprio nome trata, traz a questão

condutas classificadas como ilícitas, porem com pouca significância frente a outros

ilícitos cometidos, dada a amplitude da legislação e da seriedade de outros tipos de

ilícito, não devendo pois o sistema jurídico ser ocupado por ações insignificantes, em

virtude inclusive do princípio da fragmentariedade. (GRECO, 2009; BITENCOURT,

2012).

O princípio da insignificância, ou também chamado crime de bagatela próprio, ocorre quando uma ação tipificada como crime, praticada por determinada pessoa, é irrelevante, não causando qualquer lesão à sociedade, ao ordenamento jurídico ou à própria vítima. Aqui não se discute se a conduta praticada é crime ou não, pois é caso de excludente de tipicidade do fato, diante do desvalor e desproporção do resultado, no caso, insignificante, onde a atuação estatal com a incidência de um processo e de uma pena seria injusto (TEIXEIRA, 2009,p.01)

Esse princípio visa a exclusão de certas tipificações de algumas condutas por

caracterizar-se como lesão ínfima de alguns bens jurídicos, não devendo pois ser

tratado como os ilícitos de maior gravidade e amplitude.

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3 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO DIREITO

COMPARADO

O meio ambiente é reconhecido mundialmente como um bem de grande

valor para a humanidade e as intervenções do homem estão sendo cada vez mais

controladas e analisadas em sua essência para que se possa fazer uma proteção

mais efetiva desse valoroso e essencial bem da humanidade de forma geral.

Conforme lembra Irineu (2012), após a segunda guerra mundial, existe

uma tendência maior em nível mundial da opção pela responsabilidade penal da

pessoa jurídica nos casos em que ações do ente jurídico acarretem prejuízos ao

meio ambiente.

A autora cita como exemplo desses esforços, os congressos que

abordavam esses assuntos sobre várias óticas, como o Congresso de Budapeste,

em 1929, que nesse momento ainda não abordou diretamente o tema da

responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas que definiu algumas medidas

protetivas contra a pessoa jurídica e em favor do meio ambiente.

Anos depois, em 1945, em Hamburgo, durante a realização do XII

Congresso Internacional de Direito Penal, após a criação do Tribunal Militar através

do acordo de Londres, que julgava os crimes de Guerra, apontou-se que havia uma

latente necessidade de penalização das chamadas pessoas morais, que eram as

pessoas jurídicas publicas e privadas, sob a ameaça de sanções administrativas e

também civis, sendo esse pois um importante passo para a responsabilização penal

da pessoa jurídica nos crimes ambientais em âmbito mundial (IRINEU, 2012).

No ano de 1980, através da realização do VI Congresso para Prevenção

do Delito e Tratamento do Delinquente, realizado em Caracas, na Venezuela, as

Nações Unidas passaram a reconhecer a responsabilização penal da pessoa

jurídica. No Brasil, através da realização do XV Congresso Internacional de Direito

Penal, no ano de 1994, foi citada e aceita a responsabilização penal da pessoa

jurídica pelos crimes ambientais (IDEM).

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Irineu (2012) afirma que, com relação a responsabilização penal da

pessoa jurídica em relação aos crimes ambientais existem três correntes de

pensamento sobre o tema, dividindo-se em países que adotam a Common Law1,

que afirmam de forma bastante enfática, que há sim responsabilização penal da

pessoa jurídica, que são, segundo a autora, a Austrália, Canadá, EUA, Holanda,

Noruega, Reino Unido.

Existe também o conjunto de países que não aceita de forma alguma a

responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes contra o meio ambiente,

sendo enfaticamente contra essa conduta, sendo pois esses países formados por

países da chamada Europa Continental, que são a Itália e as antigas repúblicas

Socialistas (IRINEU, 2012).

Existe ainda o terceiro grupo de países, uma categoria que possui uma

compreensão um tanto intermediária, ou seja, apenas em algumas situações,

expressas claramente na lei, é que admitem a responsabilização penal da pessoa

jurídica nos crimes contra o meio ambiente, entre eles o Brasil, junto com

Dinamarca, França e Portugal (IDEM).

Com relação aos sistemas jurídicos comparados, pode-se afirmar que

existem países que adotam e também os que não adotam sanções penais para

pessoas jurídicas. No sistema de responsabilidade penal francês, por exemplo,

desde 1992 as pessoas jurídicas possuem a denominação de “pessoas morais”

sendo pois passiveis de responsabilização penal (PINHEIRO E DANTAS, 2006)

A exceção desse sistema é com relação ao Estado, que, segundo

afirmam Pinheiro e Dantas (2006), só pode ser responsabilizado por ações, quando

essas forem executadas:

No exercício de atividades suscetíveis de ser objeto de convenção ou delegação de serviço público”, seguindo prerrogativas distintas obedecendo as distinções fixadas “no próprio Código (arts. 121-4 a 121-) e em lei ou regulamento, pelas infrações praticadas por sua conta, pelos seus órgãos ou representantes”. Não excluindo a responsabilidade dos autores ou partícipes do fato (PINHEIRO E DANTAS 2006,P.49)

1 Do inglês "direito comum" é o direito que se desenvolveu em certos países por meio das decisões

dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos – fonte: www.jusnavigandi.com

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Segundo Pinheiro e Dantas (2006), no sistema jurídico Alemão não são

admitidas penalidades para as pessoas jurídicas porque, segundo sua legislação, as

penas são atribuídas somente a pessoas humanas e, dado que as pessoas jurídicas

não possuem essência psíquico-espiritual não poderiam também serem

responsabilizadas penalmente pelos crimes ambientais.

Com relação ao ordenamento jurídico da Espanha, conforme as autoras

supracitadas são admitidas para as pessoas jurídicas apenas medidas repressivas

listadas na legislação, buscando-se, pois uma responsabilização da pessoa, ou seja,

um sócio administrador por exemplo.

A Inglaterra, até inicio do século XIX não admitia a responsabilidade penal

da pessoa jurídica pelos crimes ambientais. Contudo, devido ao surto de

industrialização e o crescimento dos grandes conglomerados industriais,

proporcionado pela Revolução Industrial, passou a responsabilizar penalmente as

pessoas jurídicas que causem dano ao meio ambiente. Como lembra Irineu:

Integrante da Common Law, na Inglaterra era adotado o princípio da irresponsabilidade penal, porém, no início do Século XIX, o grande crescimento das corporações levou ao reconhecimento da capacidade penal das pessoas jurídicas. A princípio punia-se em casos de omissão e depois por atos omissos. Hoje, é admitida a punição dos entes coletivos tanto por infrações leves, quanto graves, podendo ainda a responsabilidade ser classificada como objetiva ou por fato de outrem (IRINEU, 2012, p.17).

Nos Estados Unidos, ainda que a regra geral seja pela admissão da

responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos casos de infrações contra o meio

ambiente, ainda existem estados que não aplicam a legislação. As penalidades são

bastante amplas e envolvem multas e também a inabilitação das empresas, inclusive

em caso de sindicatos (IRINEU, 2012).

A Holanda é outro país que corrobora com a punibilidade da pessoa

jurídica nos casos de infrações ambientais desde 1976, quando da alteração de seu

código penal que vigora até hoje (IDEM).

Na Dinamarca, ainda que em seu ordenamento jurídico não haja nada

explicito em relação ao tema, existem leis especificas que tanto impõem punições

para a pessoa física quanto para a pessoa jurídica (IDEM).

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Esse aumento da preocupação, a nível mundial, com a conservação

ambiental demonstra que há um reconhecimento pela humanidade de que o meio

ambiente é considerado um bem de interesse coletivo independente de cultura ou de

país.

As mudanças na legislação tendem a acompanhar esse movimento,

sendo, pois, alguns países mais lentos outros mais rápidos no entendimento da

gravidade dessas infrações e da necessária punição das empresas como entes

infratores bem como fazer com que sejam sancionadas leis mais severas visando

também a conservação ambiental e não só a correção de danos causados por ações

que trouxeram prejuízos, muitos deles irreparáveis, para a fauna e a flora.

O Brasil em especial precisa ter atenção a essa legislação pela riqueza de

seu meio ambiente e pela utilização demasiada de vários de seus recursos naturais,

principalmente a água que, nos dias atuais, é matéria constante dos meios de

comunicação em massa, com reportagens que deixam muito claro para todos o

quão é importante a conservação ambiental, o que deve ser feito principalmente com

a regulamentação de leis mais severas e abrangentes.

3.1 Teorias sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica

Mesmo diante da possibilidade jurídica de aplicação de sanções penais

ao ente coletivo diante de condutas que prejudicam o meio ambiente, há

doutrinadores que preferem destituir a pessoa jurídica dessa responsabilidade. Por

outro lado, é possível vislumbrar parte da doutrina favorável à responsabilização

penal do ente corporativo em crimes contra o meio ambiente.

Assim, uma parte da doutrina tem se apegado a teoria da ficção que

considera o ente jurídico como irreal, abstrato, incapaz de praticar crime por não

possuir capacidade volitiva. Para esta corrente, consequentemente, deve o delito ser

imputado somente à pessoa física (PINHEIRO, 2006).

Outra parte significativa da doutrina é adepta a teoria da realidade que se

baseia em pressupostos totalmente diversos, considerando a pessoa jurídica como

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um ente real, vivo, ativo, independentemente da pessoa natural, sujeita de direito e

deveres, inclusive no âmbito penal (GOMES, 2014).

Quanto à teoria da ficção ainda se faz presente a discussão sobre a

possibilidade da concessão do remédio constitucional do habeas corpus caso haja

condenação do ente corporativo. O Supremo Tribunal Federal entende não ser

possível pelo fato do writ proteger a liberdade de locomoção, isto é, vige o princípio

do “societas delinquere non potest”, segundo o qual, é inadmissível a punibilidade

penal dos entes coletivos, incorrendo apenas nas esferas civil e administrativa

(GOMES, 2014).

Segundo Gomes (2014), duas são as teorias existentes sobre a

personalidade da pessoa jurídica: da ficção e da realidade ou orgânica. A primeira

entende que somente o ser humano é titular de direitos e deveres. É o único dotado

de real vontade e capacidade de ação. Não haveria sentido, portanto, estabelecer a

possibilidade do cometimento de um ato ilícito por parte do ente coletivo que se

destina à realização de um fim lícito. Já para a teoria da realidade ou orgânica, a

vontade dos instituidores do ente coletivo seria o núcleo de surgimento da pessoa

jurídica sendo capaz de criar um novo sujeito de direitos e obrigações.

Além disso, as descrições das condutas praticadas pelo ente corporativo

que implicam no cometimento de crime ambiental estão presentes na Lei 9605/98

(Lei de Crimes Ambientais). Por exemplo, pode-se citar os crimes contra a fauna que

estão dispostos nos artigos 29 ao 37 e os crimes contra a flora, delineados nos

artigos 38 ao 53 da citada lei.

No que tange a Ação Penal, as infrações previstas na lei de Crimes

Ambientais, art. 26, são de Ação Penal Pública Incondicionada. O titular da denúncia

é o Ministério Público e a mesma deve ser pormenorizada, ou seja, deve-se indicar o

possível autor do delito, a infração penal e as devidas provas conforme o art. 41 do

Código de Processo Penal. É sabido, também, que para se instaurar uma ação

penal, o ente coletivo precisa praticar as condutas descritas em norma penal

incriminadora.

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De acordo com o capítulo V, seção I, da lei dos crimes ambientais, estão

definidos os crimes contra o meio ambiente, crimes contra a fauna (artigos 29 ao

37), crimes contra a flora (artigos 38 ao 53), crimes ambientais (artigos 54 ao 61),

crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (artigos 62 ao 65),

crimes contra a administração ambiental (artigos 66 ao 69-A). Estes dispositivos

legais serão analisados na seção seguinte.

É possível destacar ainda que a maioria dos crimes previstos na Lei

9605/98 é de menor potencial ofensivo. A pena cominada é de até dois anos e são

julgados e processados nos Juizados Especiais Criminais. Assim, a prisão em

flagrante será lavrada em termo circunstanciado de ocorrência, conforme a Lei nº

9.099/95. O Ministério Público, para tanto, poderá propor a suspensão do processo,

desde que preenchidos os requisitos de ordem subjetiva e objetiva. Todavia, uma

vez preenchido os requisitos, a suspensão torna-se um direito subjetivo do réu.

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4 A TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE NO BRASIL

O meio ambiente é considerado um bem coletivo, que se liga aos bens

individuais, tanto das presentes como das futuras gerações, o que o torna um bem

coletivo com destaque frente aos demais bens que sejam relacionados nessa

categoria.

As discussões sobre a preservação do meio ambiente estão cada dia

mais presentes na vida de todos, uma vez que, conforme analisamos na seção

anterior, hoje existe uma consciência muito maior em relação a conservação dos

recursos naturais do que havia em anos anteriores a década de 1990,

principalmente no Brasil.

Essa preocupação com o meio ambiente mais voltada para o bem estar e

a qualidade de vida do que propriamente por vê-lo como um bem ao qual se atribui

valor monetário é recente, e tem sua principal base no artigo 225 da Constituição.

Nesse sentido, esclarecem Langoni e Carneiro:

A conservação do meio ambiente e a realização de um desenvolvimento sustentável são imprescindíveis à sadia qualidade de vida e à própria preservação do planeta e da raça humana. Diante do mandato expresso de criminalização estampado no art. 225 da Constituição Federal, no qual o legislador constituinte determinou a obrigatória tutela penal do meio ambiente, tanto em relação às pessoas físicas quanto às jurídicas que venham a lesionar referido bem jurídico, faz-se de suma importância promover uma adequação da conjuntura esperada para a proteção desse interesse, refazendo-se os critérios normativos necessários para uma atuação penal legítima (LANGONI E CARNEIRO 2013, p.02).

Entretanto, essa visão do meio ambiente como bem essencial para a

manutenção da qualidade de vida e para a continuidade da raça humana é

consoante aos movimentos de cunho conservacionista que ganharam espaço na

mídia mundial desde os anos de 1990, com maior ênfase no Brasil após a realização

da ECO92, evento no qual o Brasil entrou de vez no circuito mundial da luta pela

preservação do meio ambiente (LANGONI E CARNEIRO, 2013)

Diante da imensa riqueza de fauna e flora que o Brasil possui, foi de certa

forma até bastante atrasado a postura mais proativa do país na defesa do meio

ambiente, uma vez que já havia em alguns lugares o risco de iminente extinção de

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algumas espécies causado por anos e anos de agressões indiscriminadas ao meio

ambiente, em especial por empresas poluidoras ou extratoras de matéria prima.

Entretanto, dadas às inúmeras riquezas naturais citadas o Brasil sempre

foi bastante visado, inclusive por outras nações, como uma fonte bastante rica de

extração de recursos naturais dos mais diversos, seja por parte das madeireiras,

seja por parte da indústria farmacêutica, tendo por isso mesmo sendo explorado

pelas metrópoles.

4.1 O percurso histórico da tutela jurídica do meio ambiente no Brasil

No Brasil, as primeiras leis de conservação ambiental são oriundas de

Portugal e são anteriores ao ano de 1.500. Quando do descobrimento do Brasil, já

havia na legislação portuguesa previsão de normas protetoras do meio ambiente. De

acordo com Langoni e Carneiro:

Um dos primeiros tipos penais que se tem conhecimento consistia na proibição do corte ilegal de árvores, que desde 1446, nas Ordenações do Reino determinadas por D. Afonso IV, era considerado “crime de injúria ao rei”. Notadamente, o caráter penal dessa intervenção se devia à grande preocupação da Coroa em punir mais severamente àqueles que atentassem contra as riquezas florestais, já que a madeira era importante aos projetos de navegação dos portugueses (LANGONI E CARNEIRO, 2013, p.02).

Ainda no período próximo a data da chegada dos portugueses, por volta

de 1521, outro marco da legislação ambiental entrou em vigor com a promulgação,

por parte da coroa portuguesa, da proibição da caça de alguns tipos de animais

comestíveis bem como do corte ou extração de alguns tipos de arvore, de forma a

garantir que os alimentos e gêneros que fossem escassos em Portugal pudessem

ser supridos pela colônia (LANGONI E CARNEIRO, 2013).

Essas expressões rudimentares de uma legislação ambiental ainda

tinham pouca sistematicidade e não eram precisas, pelo contrario, eram marcadas

pela dispersão tanto nas ideias quanto nas regras e aplicação de penas,

principalmente pelo tamanho continental do território.

Porém, para efeitos da época, alguns juristas e estudiosos do assunto,

como WAJNER (1993), consideram que, mesmo que de forma tímida e bastante

restrita, os decretos reais promulgados nessa época representaram certa evolução

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no tocante a expansão das possibilidades de proteção e também da diversificação

dos tipos de “delitos” que poderiam ser passiveis de algum tipo de sanção para os

infratores à época, já podendo ser considerada a primeira evolução da legislação

ambiental brasileira, frente a primeira lei identificada, datada de 1446.

Aliás, estava o Rei preocupado, entre outras coisas em perpetuar seu nome numa compilação. Por essa razão, ordenou fosse realizada tal empreitada, cujo término oficial ocorreu em It de março de 1521, sob a denominação de Ordenações do Senhor Rey Dom Manoel. As leis extravagantes decretadas, no período entre 1446 (término da compilação das Ordenações Afonsinas) e 1521, foram em grande maioria incorporadas às novas Ordenações. A estrutura -- permanece a compilação em cinco livros _ e a ordem na sistemática adotadas no novo Código em quase nada diferem das Ordenações Afonsinas. Mas no tocante à legislação ambiental, houve uma proteção mais detalhada e moderna. A tal ponto que foi proibida a caça de determinados animais com instrumentos capazes de causar-lhes a morte com dor e sofrimento. (WAJNER,1993, p.07)

Ocorre porem que, dado que o Brasil era colônia de Portugal à época, fica

claro que a intenção nessa proteção ambiental não era o conservacionismo ou a

sustentabilidade do meio ambiente, mas sim uma clara preocupação com um

possível desabastecimento da metrópole.

A visão à época, bem diferente da que transforma o meio ambiente em

um bem coletivo com as características atuais, era apenas a visão financeira e de

conveniência do problema, haja vista que, no final das contas, a preocupação era o

atendimento das necessidades de Portugal e não a preservação da fauna e da flora

brasileiras.

A preocupação Real com a proteção das riquezas florestais estava motivada pela necessidade premente do emprego das madeiras para o impulso da almejada expansão ultramarina portuguesa. O corte deliberado das árvores frutíferas – considerado como ato de crime de injúria ao rei, tamanha a preocupação ambiental – foi proibido pela Ordenação do rei D. Afonso IV, em 12/03/1393. A preocupação com os animais e aves era ainda mais antiga, tendo originado uma previsão pelo rei D. Diniz em 09/11/1326, na qual equiparava o furto de aves – para efeito criminal – a qualquer outra espécie de furto. Saliente-se o caráter precursor dessa norma legal, em termos de responsabilidade civil, que previa o pagamento de um quantum pelo infrator, a fim de reparar, materialmente, o proprietário pela perda do animal, a ponto de se terem valores distintos para as aves, tais como o gavião e o falcão. (SILVA 2014, p.01)

Esse tipo de pensamento, e esse tipo de regulamentação, perdurou no

Brasil durante toda a fase em que o Brasil colônia foi explorado pela coroa

portuguesa, havendo sempre o foco sobre a extração de riquezas para envio a corte

portuguesa na Europa, o que causou grandes impactos ao meio ambiente até então

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apenas explorado pelos índios, cuja motivação e postura de extrativismo eram

bastante diferentes uma da outra. O cuidado da coroa portuguesa era bastante

especial com as madeiras, em especial com o pau Brasil, o que fez inclusive com

que, em 1605, fosse criado um regimento especifico para esse espécime, que era

bastante apreciado pelos portugueses. Conforme lembra Silva:

Em 12/12/1605, foi criada a primeira lei protecionista florestal brasileira – Regimento sobre o Pau-Brasil – o qual proibia, entre outras coisas, o corte do mesmo, sem expressa licença real, aplicando penas severas aos infratores e realizando investigações nos solicitantes das licenças. Este Regimento foi inserido no Regimento da Relação e Casa do Brasil em março de 1609, que foi o primeiro Tribunal brasileiro instalado na cidade de Salvador, com jurisdição em toda a colônia.Neste sentido, salientamos a legislação florestal de 08/05/1773, na qual D. Maria I ordena ao Vice-Rei do Estado do Brasil, cuidado especial com as madeiras cortadas nas matas e arvoredos, especialmente naquelas que tivessem árvores de pau-brasil. (SILVA 2014, p.03)

Complementar a esse código florestal, já mais de 100 anos depois, mais

precisamente em 1773, a própria D. Maria I faz uma recomendação de dar atenção

as madeiras que eram cortadas, com ênfase especial ao pau-brasil. A elaboração do

código penal de 1830 foi a evolução seguinte a essa ultima, mais de 200 anos

depois da criação desse código florestal de 1605. Sendo, pois, influenciado pela

chegada da família real portuguesa, foi acrescentada a este, em 1850, a chamada

Lei das Terras, que trazia em seu texto penalidades para os delitos que envolviam a

derrubada de arvores e as queimadas.

No Código Penal de 1830, influenciado pela vinda da família portuguesa ao Brasil em 1806, dispunha crimes contra o corte ilegal de árvores e ao patrimônio cultural. Em 1850, a Lei das Terras trouxe disposições penais sobre derrubada de matas e queimadas. Contudo, somente a partir de uma nova Constituição Democrática, como foi a de 1934, é que se foi possível editar a primeira legislação brasileira que trouxe aspectos específicos de tutela penal ambiental – o Código Florestal –, instituído pelo Dec. 23.793/1934 e, no mesmo ano, editou-se também o Código de Caça (Dec. 24.645/1934). Nessas legislações eram trazidos crimes e contravenções penais contra abusos na utilização de florestas e de espécimes animais. . (LANGONI E CARNEIRO 2013, p.16)

Como lembram os autores, ainda houve uma lacuna de mais 100 anos

até que a primeira legislação de tutela ambiental pudesse tomar corpo no Brasil,

com a promulgação da Constituição de 1934. Esta trouxe capítulos mais específicos

e abrangentes sobre os delitos ambientais. Além disso, os preceitos do código

florestal instituído pelo decreto 23.793/1934, foi complementado no mesmo ano pelo

código de caça, promulgado através do decreto 24.645/1934.

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De acordo com Langoni e Carneiro (2013, p.50):

As Constituições que seguiram à de 1934 também trouxeram algumas inovações acerca do tema. Por exemplo, tanto nas Cartas Magnas de 1937 (arts. 16, XIV; 18 a e e; e 134); de 1946 (em seu art. 175), de 1967 (arts. 8.º, XVII, h; 172, parágrafo único) e até na outorgada pela Junta Militar de 1969 (arts. 172 e 180, parágrafo único), havia normas para a defesa do patrimônio histórico, paísagístico e cultural, bem como havia delimitada a competência da União para legislar sobre normas riquezas minerais, águas, florestas, caça e pesca etc. . (LANGONI E CARNEIRO 2013, p.50)

A legislação ambiental evoluiu de acordo com um despertar internacional

crescente sobre a importância do meio ambiente para a sobrevivência da espécie

humana, saindo da esfera puramente de valor comercial para uma questão mais

profunda de conservação da fauna e da flora como uma forma de manter o equilíbrio

natural do planeta.

Essa visão, que chegou tardiamente ao Brasil, visto que, quando a

legislação brasileira passou a adotar uma legislação mais ampla e severa sobre o

tema, já estávamos anos atrás de outras culturas, em especial na Europa, onde o

impacto ambiental dos crimes contra a natureza surgiram também antes.

Conforme citam Langoni e Carneiro (2013, p.04):

No âmbito internacional, o meio ambiente também foi consagrado como direito fundamental em outros ordenamentos, tais quais: a Lei Fundamental Alémã (1949, com a reforma de 1994), a Constituição Portuguesa de 1976, a Constituição Espanhola de 1978, a Francesa de 1958 (com a incorporação da Carta do Meio Ambiente de 2004) etc. Na América do Sul, as Constituições: da Argentina de 1994, a Peruana de 1979, e mais recentemente, as Constituições Equatoriana (2008) e Boliviana (2009) (cf. SARLET, 2012, p. 36). . (LANGONI E CARNEIRO 2013, p.04)

Ao passo que a legislação foi sendo mais bem escrita e tornou-se mais

complexa e fundamentada, a definição de crimes ambientais e suas sanções

também foram ficando mais especifica e será tema de discussão no próximo tópico.

4.2 A Lei nº 9.605 e os crimes ambientais

O meio ambiente, após ser considerado como um bem coletivo, passível

de proteção por ser essencial para a sobrevivência e a continuidade da espécie

humana, ganhou leis mais especificas e amplas para assegurar a sua conservação.

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Com a promulgação da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, os

crimes ambientais receberam uma classificação mais especifica e detalhada. Os

artigos específicos, do artigo 29 até o artigo 69 da referida lei, podem ser ilustrados,

em linhas gerais da seguinte forma.

Os crimes contra a fauna: as agressões contra animais nativos, silvestres

ou que estejam e rota migratória. Entende-se por agressão a pesca, a caça, o

transporte e comercialização desautorizadas, maus tratos, uso destes como cobaias

para experiências dolorosas ou cruéis, agressão ao habitat natural desses animais,

seja modificação, dano ou destruição, de ninhos ou abrigos. A morte de espécimes

devido a poluição também é considerado crime ambiental (BRASIL, 1998).

Crimes contra a flora: o ato de causar dano ou destruir vegetações tanto

de áreas de preservação permanente 2 quanto de unidades de conservação3; ser o

causador de incêndio em floresta ou mata, soltar, fabricar, transportar ou vender

balões; aquisição, venda, corte, ou extração de lenha, madeira, carvão e quaisquer

outros tipos de produtos cuja origem é vegetal e que ou não possui ou está invalida

a sua autorização.

È ainda crime fazer a extração, em ambiente de floresta de domínio

publico ou de preservação permanente, quaisquer tipo de minerais, incluso pedras,

cal, areia e outros; comercializar ou usar motosserras sem autorização devida e

ainda; danificar, lesar, maltratar ou destruir plantas que ornamentem propriedade

privada alheia ou de áreas públicas (BRASIL, 1998).

Com relação a poluição torna-se necessário esclarecer que, na

atualidade, é impossível não haver poluição, visto que todas as atividades realizadas

pelo homem geram resíduos poluentes portanto a poluição por si só é crime se

estiver sendo realizada além dos limites que a lei estabelece para tal. Além disso,

práticas que podem disseminar pragas, doenças ou espécimes que podem danificar

2 Segundo o atual Código Florestal, Lei nº12.651/12: Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por:(...) II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paísagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; 3 É a denominação dada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) (Lei nº 9.985, de 18 de

julho de 2000) às áreas naturais passíveis de proteção por suas características especiais. São "espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção da lei" (art. 1º, I).

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seriamente a agricultura, a pecuária, e a flora e fauna de maneira geral, é também

considerado crime ambiental. Poluição que causa danos a saúde de homens e

animais, bem como destruição da flora, poluição de rios e a não adoção de medidas

que previnam dano ambiental também se encaixam nessa modalidade de crime

ambiental (BRASIL, 1998).

Os outros crimes ambientais relacionados são relacionados a extração,

lavra ou manipulação de recursos minerais sem autorização ou em desacordo desta,

bem como não recuperar a área explorada. Ainda, a operação de empreendimentos

com potencial polidor sem a devida licença ambiental o em desacordo com a

mesma. Por ultimo, mas não menos importante, transporte, armazenamento, guarda,

processamento, embalagem, importação, exportação, comercialização,

fornecimento, a produção, abandono ou uso de substâncias tóxicas, perigosas ou

nocivas a saúde humana ou em desacordo com as leis (BRASIL, 1998).

Com relação aos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio

cultural, previstos, do art. 62 ao 65, fica evidente que o conceito de ambiente não se

limita apenas aqueles elementos ligados à natureza, havendo também a inclusão

dos espaços construídos e modificados pelo homem, numa fusão de meio ambiente

natural, com artificial somado aos aspectos culturais, que propiciam o equilíbrio no

desenvolvimento da vida, sendo pois considerados os delitos ligados a esses

aspectos como uma violação do direito do meio ambiente, um crime ambiental

(BRASIL, 1998).

No que tange aos crimes contra a administração ambiental, segundo os

artigos 66 até 69, consistem em atos de dificultar ou impedir que o Poder Público, de

acordo com a esfera onde esteja situado, possa exercer uma função tanto protetora

quanto fiscalizadora do meio ambiente.

Quando o ato é cometido por funcionário público, deve-se saber

notadamente que é considerado crime ambiental a afirmação falsa, a omissão da

verdade, a sonegação de dados técnicos ou informações com ligação aos

procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental, ou mesmo o que se

utiliza de sua posição para conceder autorizações, permissões ou licenças em

desacordo com as normas do meio ambiente. Comete também crime ambiental a

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pessoa que não cumprir obrigações de interesse ambiental quando do dever legal

de fazê-lo (BRASIL, 1998).

Mesmo com os avanços da legislação, alguns autores ainda consideram

que ainda é muito escassa a quantidade de lacunas de normas que deixa margem

para erros ou interpretações duvidosas que podem levar a uma proteção falha, visto

que não consegue efetivamente coibir os crimes ambientais.

Outra característica marcante nos crimes ambientais é a presença exorbitante de normas penais em branco, quais sejam aquelas em que a descrição da conduta é incompleta ou lacunosa, necessitando de complementação por outro dispositivo. Há de se ressaltar também que, a maioria dos tipos penais voltados à proteção do meio ambiente possui elementos normativos que remetem o intérprete ao Direito Administrativo. Tais elementos, como ensina Miguel Reale Júnior, possuem “conteúdo variável, aferidos a partir de outras normas jurídicas, ou extrajurídicas, quando da aplicação do tipo ao fato concreto”. Renato de Mello Jorge Silveira, no entanto, adverte, sobre a proliferação da atuação na seara penal. Segundo o autor, resta saber os limites de atuação do Estado nesse campo legal, pois é inegável que a preocupação penal ambiental ganhou espaço em todo o mundo a ponto de, mais recentemente, diversas incoerências estarem sendo notadas. Silveira assinala que a Lei ambiental brasileira, nesse aspecto, foi profundamente criticada, já que, na sua visão, vários pontos necessitam de pormenor atenção. (LANGONI E CARNEIRO 2013, p.06)

O problema dos crimes ambientais no Brasil datado de séculos de

impunidade e descaso torna-se mais grave com essas inconsistências e brechas

que os infratores encontram na lei, além, é claro, das maneiras ilícitas de se fugir de

uma fiscalização e consequente penalização.

O grande problema dos crimes ambientais é a proporção em que ocorrem

em relação à penalidade que é imposta. Por exemplo, o poder poluidor e danoso ao

meio ambiente de uma pessoa física é bastante inferior se comparada a uma pessoa

jurídica do ramo industrial por exemplo. Porem, pela forma como a lei brasileira é

composta, até pouco tempo era mais fácil penalizar uma pessoa física por um crime

ambiental do que imputar culpabilidade e penalidades a uma pessoa jurídica.

Sabe-se que alguns segmentos são mais propensos a cometer crimes

ambientais por sua natureza de atividade, como construtoras, mineradoras,

indústrias químicas, entre outras cujas ações podem trazer sérios riscos ao meio

ambiente e que precisam ser fiscalizadas e penalizadas nos rigores da lei, o que é

feito de forma que será explicitada no tópico seguinte.

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4.3 As sanções penais a que estão sujeitas pessoas jurídicas

Conforme visto em tópicos anteriores, a responsabilidade penal da

pessoa jurídica no Brasil é algo relativamente novo, pois está presente apenas a

vinte anos no ordenamento jurídico do país. De acordo com a lei n 9.605/98, que

dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e

atividades lesivas ao meio ambiente, nos artigos 2º e 3º, respectivamente:

Art. 2º. Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la. Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato (BRASIL, 1998).

Ainda que a legislação traga essa menção, como dito no tópico anterior, o

Brasil adota uma postura intermediaria em relação a responsabilidade penal da

pessoa jurídica pelas infrações ambientais, sendo esse ainda um ponto de muitas

controvérsias dentro do ordenamento jurídico, visto que alguns juristas querem

basear-se na não existência de uma conduta humana, o que para muitos seriam

uma prerrogativa para que se cometa um crime.

No que concerne a citação da pessoa jurídica, alguns juristas apontam

que a inexistência de normas mais claras sobre a culpabilidade e mesmo sobre o

processo em si, é um fator complicador para a correta aplicação das sanções

imputadas. As sanções as quais as empresas estão sujeitas, previstas na lei

9605/98, são as seguintes:

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I - multa; II - restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade.

A infração contra o meio ambiente deve ser cometida pelo representante

legal da empresa, ou por representante contratual, desde que esses estejam agindo

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em beneficio ou no claro interesse da organização, sendo essas passiveis de

sanções penais e administrativas (IRINEU, 2012).

Além disso, considera a legislação que é considerado ato criminoso

aquele no qual o representante da empresa ou seu órgão colegiado negligencia a

tomada de medidas de conservação do meio ambiente, como por exemplo, o correto

descarte dos materiais que são destinados a refugo. Com relação a multa, o artigo

18 da lei 9605/98 diz o seguinte:

Art. 18. A multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida.

Complementar a essa informação, tem-se ainda o artigo 49 do Código

Penal Brasileiro, que diz o seguinte:

A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. § 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário. § 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.”

Alguns autores, como Gomes (2011) e Irineu (2012), defendem que a

aplicação da multa, por si só, não é suficiente para que a empresa deixe de cometer

o crime e muito menos repara o dano causado pela infração cometida, haja vista que

a multa é destinada a um fundo que nada tem a ver com o dano causado. Existe

ainda as restrições de direito que são citadas no artigo 22, já mencionado

anteriormente, quais sejam:

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. § 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. § 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. § 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

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No caso da suspensão parcial ou total das atividades essas mostram-se

necessárias, por exemplo, quando a infração está sendo cometida, seja contra a

saúde humana, seja contra a vida animal ou vegetal. Essa suspensão, de acordo

com a gravidade da infração, pode se estender por mais ou menos dias, por mais ou

menos setores da empresa.

Com relação à interdição temporária do estabelecimento, obra ou

atividade, também conhecida como embargos, esse possui o intuito de fazer com

que a empresa que sofreu a sanção somente possa começar ou continuar com a

execução das atividades se conseguir se adaptar à legislação ambiental, devendo

pois ter uma autorização judicial para isso (BRASIL, 1998).

A proibição de contratar com o poder publico, bem como dele obter

subsídios, subvenções ou doações afeta especialmente ás empresas que trabalham

com licitação, ou mesmo sem, através de contratação direta, não podendo pois o

poder publico repassar nenhum tipo de recursos a quem infringir as leis.

Com relação a prestação de serviços à comunidade, pela pessoa jurídica,

tem-se sua legitimação no Art. 23:

A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Quaisquer dessas sanções devem levar em contra os custos envolvidos e

sua proporcionalidade com a infração cometida pela empresa, o que exige do jurista

uma visão bastante ampla da legislação ambiental e seu entendimento em relação a

importância do meio ambiente enquanto bem jurídico de interesse coletivo e de

grande importância.

4.4 A duplicidade de sanções ambientais e o princípio do non bis in idem

A duplicidade de sanções ambientais é matéria de discussão sobre o fato

de, em havendo responsabilidade penal e administrativa, ou seja, duas sanções

conjuntas, se isso incorreria em transgressão do princípio de non bis in idem, isto é,

punição duas vezes pelo mesma infração. Segundo Carvalho et.al. (2013, p.01):

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A falta de delimitação entre ilícitos penais e administrativos em matéria ambiental, acompanhada pela total equiparação entre ambos – tal como se depreende do conteúdo dos principais diplomas normativos orientados à proteção do ambiente no plano administrativo e penal –, pode implicar em autêntico bis in idem. (CARVALHO et.al. 2013, p.1)

O fato de a lei brasileira ser sempre passível de interpretações diferentes

por abrir margem a duvidas em vários tópicos, especialmente pela falta de clareza

em algumas normas, faz com que, a princípio, se enxergue a duplicidade de

sanções como sendo uma infração bis in idem, porém, alguns fatos precisam ser

considerados e analisados para tal afirmação.

Baseado no que diz Carvalho et.al. (2013) entende-se que, segundo o

princípio de non bis in idem, não admite que haja dupla sanção de um mesmo fato,

porem não cita o fato de poder haver uma possível dupla tipificação, no caso em

âmbito administrativo e também no âmbito penal.

No entanto, os autores corroboram com a visão afirmando que esse

princípio, se analisado através da perspectiva material, poderia vir a rechaçar uma

dupla sanção, mesmo sendo uma de cunho penal e a outra de cunho administrativo.

Porém o legislador não é claro em relação a essa questão, o que abre

margem para interpretações diversas, como por exemplo, a que cita Carvalho et.al.

(2013, p.14):

Diante desse equivocado panorama legal, cabe questionar se a duplicidade sancionadora implicaria em bis in idem. E, além disso, se esse bis seria tolerado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Pois bem, a resposta a esse questionamento inicial deve ser negativa. O princípio non bis in idem não proíbe a previsão abstrata de infrações penais com idêntico conteúdo de injusto. Veda, isso sim, a imposição cumulativa de sanções penais e administrativas quando se confere ao citado princípio um sentido amplo. Entretanto, conforme se depreende do exame da legislação e da doutrina nacionais, só há bis quando se constata cumulação entre sanções penais. (CARVALHO et.al. 2013, p.14)

Como pode ser visto pelo que dizem os autores, o princípio relata a

duplicidade de sanção penal, como sendo indicativa de bis in idem, o que gera uma

possibilidade de interpretação de que, como as sanções ocorrem em esferas

diferentes, e que uma pena seria complementar a outra, também existe a

possibilidade de se aventar não existência de bis in idem nesses casos.

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Outra indicação de que o bis in idem pode não ser aplicado nesses casos

é o fato de que a própria legislação, no artigo 225 §3°, já citados anteriormente

nesse trabalho, que afirma que as pessoas tanto físicas quanto jurídicas

responderão administrativa, civil e penalmente pelas condutas e atividades lesivas

ao meio ambiente, negando pois o bis in idem em sua essência.

Ocorre porém que, no entendimento de Carvalho et.al. (2013, p.17), ao se

conceber como sendo uma unidade o ordenamento jurídico, baseado e reiterado

através do jus puniendi, torna o bis in idem bastante claro em sua vertente material.

Pelo entendimento dos autores, o bis in idem da dupla sanção precisa ser

melhor embasado e entendido dentro do próprio ordenamento jurídico pelos

legisladores, pois a confusão de conceitos e a falta de clareza em alguns aspectos

da legislação, torna essa argumentação sem muita consistência, dependendo mais

da interpretação do que propriamente da essência da lei.

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5 A PESSOA JURIDICA E OS CRIMES AMBIENTAIS

O bem de uso comum do povo e essencial a vida. Resta ao Poder Público

e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo vislumbrando sempre as

presentes e futuras gerações.

Meio ambiente segundo José Afonso da Silva (2004, p. 2) se conceitua:

O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos recursos naturais e culturais. (SILVA 2004, P. 2)

Sabe-se que o direito ao meio ambiente é um direito humano de terceira

dimensão e, ainda assim, há quem explore os recursos que o mesmo oferece

desfavorecendo a vida no planeta. A violação desse bem jurídico na esfera penal

enseja a responsabilidade criminal, que tem em contrapartida a punição do autor do

delito para defesa da sociedade.

É preciso lembrar que só cabe ao direito penal a tutela dos bens jurídicos

mais importantes, como por exemplo, a vida e a honra. De acordo com Rogério

Greco (2009, p. 48), pelo princípio da intervenção mínima compete ao direito penal a

proteção dos bens que os demais ramos não foram capazes de atingir, isto é, só

será instaurado um processo criminal em ultima ratio. Moacir Martini de Araújo

(2007, p. 88) ilustra a peculiaridade do bem ambiental ao afirmar:

A natureza jurídica diferenciada do bem ambiental leva ainda a um pequeno reparo: não é o meio ambiente um direito de que se possa dispor na acepção da palavra. Trata-se de bem jurídico que, por ser dirigido a todos, conforme reza o próprio caput do art. 224 da Constituição Federal de 1988, deve ser meramente gozado por todos, não podendo ninguém, individual ou coletivamente, impedir esse gozo, dele apropriando-se indevidamente, quer diretamente, impedindo que outros venham dele se beneficiar quer diretamente, quer indiretamente, por meio de degradação que prejudique as

suas funções essenciais. (ARAÚJO 2007, P. 88)

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a justificação da

responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais se faz como uma

escolha política que serve para ampliar a proteção ao meio ambiente e também

necessária pela dificuldade de determinação da autoria na consecução desses

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delitos. Desta forma, punir o ente corporativo que se beneficiou do ilícito é uma

forma de garantir que o crime não permaneça sem punição (STJ, Recurso Especial

nº 564.960, 2005).

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, em um

julgamento de um Recurso Especial destaca que devido à impossibilidade de aplicar

a teoria do delito tradicional ao ente coletivo, defende ser necessária uma

modificação no nosso sistema jurídico para plena aplicação da responsabilidade

penal de entes morais (STJ, Recurso Especial nº 610.114, 2005). Ressalta-se o

entendimento de que o direito, em especial o penal, é dinâmico e deve acompanhar

o momento histórico e a nova Constituição.

No dia 6 de agosto de 2012, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão que constitui importante precedente no que se refere à imputação de prática de crime ambiental à pessoa jurídica, contrariando, inclusive, maciço posicionamento que até então emanava do Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de caso envolvendo o derramamento de cerca de quatro milhões de litros de óleo cru em dois rios situados no Paraná. Todavia – e segundo divulgado –, não foi possível apurar quem teria sido a pessoa (ou as pessoas) diretamente responsável pelas atividades que desencadearam o acidente ambiental. É importante destacar que, antes da referida decisão do STF, a atribuição de responsabilidade penal à pessoa jurídica estava direta e inarredavelmente vinculada à constatação da prática de um crime contra o meio ambiente em que se tivesse constatado, de forma efetiva, a atuação de um ou mais agentes ligados à empresa, consoante a denominada teoria da dupla imputação. Dito de outra forma, somente haveria a possibilidade de instauração de ação penal em face da pessoa jurídica nas hipóteses em que fosse possível apurar a efetiva participação de um ou mais agentes na prática do crime ambiental. Caso contrário, a pessoa jurídica nem mesmo poderia ser processada. (CONJUR 2013, p.01).

É elementar, portanto, que os Tribunais Superiores estão a uniformizar

suas jurisprudências no tocante a responsabilidade penal da pessoa jurídica,

aplicando assim a teoria da dupla imputação. É requisito imprescindível, então, a

imputação da pessoa física para responsabilizar o ente coletivo.

Em suma, é plenamente possível a responsabilização penal da pessoa

jurídica quando se está diante de um crime contra o meio ambiente. Os autores

terão que ser apontados e devidamente processados se assegurando sempre o

contraditório e a ampla defesa.

De acordo com Langenegger (2009, p. 07) a Lei nº 9.605/98 determinou

em seu artigo 3° que a pessoa jurídica poderá responder penalmente pela prática de

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crimes ambientais, e nos artigos 21, 22, 23 e 24 elencou as penas que lhe serão

aplicadas, conforme já citado.

A imputação conjunta da pessoa jurídica e de seu representante legal

segundo o Superior Tribunal de Justiça é condição indispensável para imputar o

ente coletivo, de acordo com o art. 3º, parágrafo único da Lei nº 9.605/98. A dupla

imputação tem como objetivo punir tanto a pessoa física que pratica efetivamente a

infração quanto à pessoa jurídica que se beneficia da conduta criminosa, cuja

responsabilidade é denominada social ou coletiva (STJ, Habeas Corpus nº 43.751,

2005).

O Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 92.921-

4 de 2008 se insere na discussão sobre a possibilidade ou não da responsabilidade

penal da pessoa jurídica no cometimento de crimes ambientais. Neste acórdão, a

Corte Suprema entende ser possível a responsabilização penal da pessoa jurídica,

desde que, conjuntamente seja responsabilizada a pessoa física, corroborando

assim a necessidade do sistema da dupla imputação.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto no tópico sobre os sistemas jurídicos comparados, a

legislação de todo o mundo tende a ser mais severa para com os crimes ambientais

cometidos por pessoas jurídicas, em alguns casos inclusive trazendo sanções

severas e sem margem para interpretações que possam permitir impunidade ou

abrandamento da lei.

Ocorre porem que no ordenamento jurídico brasileiro ainda existem

muitas leis que possuem uma escrita tão abrangente que dificulta a aplicação das

mesmas, abrindo margem para interpretações equivocadas ou que possam servir

como margem a abrandamento de punições que poderiam e deveriam ter maior grau

de incidência e de severidade.

No caso dos crimes ambientais e a responsabilização da pessoa jurídica,

o próprio modelo abre margem para objeções, haja vista que o modelo de

ordenamento jurídico e a responsabilização penal da pessoa jurídica em função de

prática de crimes ambientais segue um padrão chamado intermediário, ou seja, não

há uma definição consolidada em relação ao tema.

Essa posição, a princípio incisiva em alguns pontos, evasiva em outros, é

bastante prejudicial à finalidade da lei, que é a conservação do meio ambiente, haja

vista que, enquanto a legislação mostra sinais de fragilidade, além da morosidade

com a qual já é prejudicado, o meio ambiente vai sofrendo intervenções negativas e

com isso os danos causados, muitas vezes irreversíveis, tornam-se números cada

vez mais avultosos e igualmente preocupantes.

Não se pode pois esquecer que o meio ambiente é, antes de mais nada,

um bem jurídico de grande interesse social, e inclusive sendo um bem considerado

essencial para a sobrevivência tanto das gerações presentes quanto das gerações

futuras, que precisam ter sua garantia de preservação de meio ambiente amparado

em leis mais rígidas e incisivas.

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O fato é que o ordenamento jurídico brasileiro precisa ser mais objetivo e

direto em relação a responsabilização penal da pessoa jurídica em função de prática

de crimes ambientais, haja vista que muitas empresas, por seu tamanho e

intensidade de atividades, podem causar danos de grandes proporções, além de

serem danos em muitos casos irreparáveis, como as atividades que podem levar a

total extinção de espécies de flora e de fauna, o que é considerado um dano

permanente e irreparável.

É preciso que as empresas possam sofrer punições mais severas, com

leis cujas sanções sejam mais bem definidas, de forma que os juristas não possam

encontrar brechas legais para fazer com que as empresas sejam punidas

brandamente, o que representa hoje uma falha grave na coibição tanto da prática do

crime quanto de uma possível reincidência.

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