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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL FÁTIMA EVILENE FERREIRA COSTA FAMÍLIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO O DESAFIO DE SE TORNAR CUIDADOR FORTALEZA 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

FÁTIMA EVILENE FERREIRA COSTA

FAMÍLIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO – O DESAFIO DE SE TORNAR CUIDADOR

FORTALEZA 2014

FÁTIMA EVILENE FERREIRA COSTA

FAMÍLIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO – O DESAFIO DE SE TORNAR CUIDADOR

Monografia submetida á aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Graduação sob orientação da Esp. Verbena Paula Sandy

FORTALEZA 2014

Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274

C837f Costa, Fátima Evilene Ferreira

Família e sofrimento psíquico – O desafio de se tornar

cuidador / Fátima Evilene Ferreira Costa. Fortaleza – 2014.

71f. Orientador: Profª. Esp. Verbena Paula Sandy.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade

Cearense, Curso de Serviço Social, 2014.

1. Sofrimento psíquico - Família. 2. Saúde mental. 3.

Reforma psiquiátrica. I. Sandy, Verbena Paula. II. Título

CDU 364

FÁTIMA EVILENE FERREIRA COSTA

FAMÍLIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO – O DESAFIO DE SE TORNAR CUIDADOR

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora compostas pelos professores. Data de aprovação ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________ Professora Esp. Verbena Paula Sandy - Orientadora

_________________________________________________________________

Professora Mestra. Virzângela Paula Sandy Mendes - Examinadora

_________________________________________________________________

Professora Mestra. Mayra Rachel da Silva - Examinadora

Ao meu esposo, Dilson Alexandre, minha filha, Beatriz Costa Bruno, que foram meus alicerces e estímulo para me erguer e seguir em frente.

Àqueles que amo incondicionalmente, meus pais: Everardo Martins Costa e Antonia Jucilene Ferreira da Silva.

Minhas queridas irmãs, Fátima Evaneide Ferreira Costa, e Dayana E’vans Ferreira Costa.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por prover o necessário para a realização dessa pesquisa, por

minha proteção e direcionamento, e por cuidar de minha saúde e saúde da minha família.

A Dilson Alexandre, pelo apoio emocional e financeiro. Sem ele, a realização desse curso

não teria sido possível. Agradeço com todo amor pelo companheirismo. Você é presente

de Deus em minha vida.

A Beatriz Costa Bruno. Por ela cheguei até aqui e por ela seguirei em frente. Agradeço

cada sorriso, cada abraço, cada beijo, eles foram meus combustíveis para a conclusão

desse trabalho.

Aos meus pais e irmãs, em especial minha mãe, por todo amor a mim ofertado. Obrigada

à todos por compreender e aceitar minhas escolhas e consequente ausência. Obrigada

por cuidar do meu bem mais precioso (Beatriz) nesse meu momento de ausência. Amo

vocês.

A minha orientadora, professora, querida Verbena Paula Sandy, obrigada por aceitar

embarcar comigo nesse desafio. Obrigada por cada palavra de apoio e conforto.

As minhas queridas amigas, Francimeire Rodrigues, Lucyana Lima e Ana Beatriz,

amizades conquistadas no decorrer dessa feliz caminhada de curso, preservarei até o

infinito essa nossa amizade, e mesmo que estejamos distantes fisicamente, vocês sempre

estarão comigo, porque uma boa amizade se guarda dentro do coração.

A todos da turma “A LUTA NÃO PÁRA”, em especial Alady Silva, Aritana Kelly, Larissa

França, Jaqueline Freitas, Aline Gomes e Marcelo Michiles, companheiros de luta, motivos

de muito orgulho para mim. Obrigada por toda ajuda, por todo apoio e estimulo. Amo

todos vocês.

Aos professores da Faculdade Cearense, verdadeiros mestres, por contribuir com minha

qualificação profissional. Muito obrigada.

Ao amigo Dr. Torcápio Vieira, Secretário de Saúde de Maracanaú e a Coordenadora do

CAPS Geral, Dra. Diana Muniz, por prontamente autorizar a realização desse trabalho.

A Dra Luciana Auxi e Camila Sá, competentes profissionais de saúde do CAPS Geral, que

estiveram sempre à disposição para me ajudar nos momentos em que precisei. Muito

obrigada pela ajuda e carinho.

A banca examinadora, Verbena Paula Sandy, Virzângela Paula Sandy Mendes e Mayra

Rachel da Silva, pela disponibilidade.

Aos participantes desse estudo, meu carinho e respeito. Obrigada por compartilharem

comigo suas histórias de cuidado na saúde mental. A disponibilidade de cada um de

vocês tornou possível a concretização da minha pesquisa.

A todos que embora não citados, contribuíram de alguma maneira para a realização

desse estudo.

RESUMO

Esta pesquisa tem como título família e sofrimento psíquico, o desafio de se tornar cuidador. O objetivo principal é analisar a vivência – experiência do cuidar pelo familiar da pessoa em sofrimento psíquico, a partir de seus relatos e lembranças. A pesquisa foi realizada no Centro de Atenção Psicossocial, situado no município de Maracanaú (Ceará), por meio de entrevistas semiestruturadas, com quatro familiares de pessoas em sofrimento psíquico atendidos pela instituição. A coleta de dados ocorreu durante os meses de abril e maio de 2014, registradas por meio de gravação, sendo o conteúdo posteriormente transcrito, categorizado e analisado. Nesse contexto, abordam-se aspectos como: as dificuldades encontradas pelo familiar cuidador, na vivência - experiência do cuidar; as mudanças ocorridas na vida deste familiar decorrente da experiência do cuidar de uma pessoa em sofrimento psíquico; assim como este familiar interage com os serviços de saúde – Caps. Esta pesquisa compreende que ainda predomina, em nossa sociedade, uma visão preconceituosa em relação à pacientes em sofrimento psíquico, o que acaba resultando na exclusão, marginalização e banalização afetiva e social de grande parte das pessoas que necessitam de cuidados psicológicos e psiquiátricos. Com a realização da pesquisa, foi possível perceber que os familiares entrevistados ainda não estão preparados para acolher e cuidar de pessoas em sofrimento psíquico. Indica-se como necessário que os serviços de saúde mental busquem, cada vez mais, estratégias para abranger esses familiares durante o tratamento, na perspectiva de que esse grupo se torne parceiro no tratamento da pessoa em tratamento. Palavras-chave: família, sofrimento psíquico, saúde mental, reforma psiquiátrica.

ABSTRACT

This research theme is family and psychological distress, the challenge of being a caregiver. The main objective is to analyze the experience - experience of care by the family of the person in psychological distress from their stories and memories. The survey was conducted in Psychosocial Care Center, located in Maracanaú (Ceará), through semi-structured interviews with four families of people in psychological distress served by the institution. Data collection occurred during the months of April and May 2014, registered by engraving, being content later transcribed, categorized and analyzed. In this context, addressing aspects such as: the difficulties encountered by family caregivers, the experience - experience of care; the changes in the life of this family due to the experience of caring for a person in psychological distress; as well as this family interacts with health services - Caps. This research understands that still prevails in our society, a prejudiced view about psychological distress in patients, which ultimately results in the exclusion, marginalization and trivialization of social and affective most people in need of psychological and psychiatric care. With the research, it was revealed that the interviewed relatives are not ready to welcome and care for people in psychological distress. Indicated as necessary for mental health services seek increasingly strategies to cover these families during treatment, with the expectation that this group becomes a partner in the treatment of the person in treatment. Keywords: family, psychological distress, mental health, psychiatric reform.

.

NTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 11

CAPÍTULO 1 - CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA ......................................................................... 14

1.1 Problematização do objeto ............................................................................................................... 14

1.2 Percursos metodológicos da investigação ....................................................................................... 16

1.2.1 Método ........................................................................................................................................... 16

1.2.2 Local .............................................................................................................................................. 19

1.2.3 Participantes da Pesquisa ............................................................................................................. 20

1.2.4 Aspectos Éticos ............................................................................................................................. 21

1.2.5 Coleta de Dados ............................................................................................................................ 22

1.2.6 Análise dos Dados ........................................................................................................................ 22

CAPÍTULO 2 - CUIDADO DA PESSOA EM SOFRIMENTO PSÍQUICO PELA FAMÍLIA – O DESAFIO DE SE TORNAR CUIDADOR ............................................................................................... 24

2.1 Breve histórico sobre a loucura ........................................................................................................ 24

2.2 A reforma psiquiátrica ...................................................................................................................... 28

2.3 A família no contexto do cuidado da pessoa em sofrimento psíquico. ............................................ 38

2.4 A inserção do serviço social na saúde mental ................................................................................. 43

CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DAS FALAS DOS FAMILIARES CUIDADORES DA PESSOA EM SOFRIMENTO PSÍQUICO EM RELAÇÃO AO CUIDAR. ..................................................................... 47

3.1 Histórias dos familiares e pessoas em sofrimento psíquico. ........................................................... 47

3.2 Análises das falas dos familiares cuidadores de pessoas em sofrimento psíquico. ....................... 52

3.2.1 Perfil do Familiar Entrevistado e da PSP ...................................................................................... 52

3.2.2 A Renúncia ao Trabalho como a principal mudança apontada pelos familiares cuidadores ....... 52

3.2.3 A mulher como cuidadora da pessoa em sofrimento psíquico e as principais dificuldades encontradas no ato do Cuidar. ............................................................................................................... 55

3.2.4 Como o familiar se relaciona com os serviços de saúde (CAPS)................................................. 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................... 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................................... 65

APÊNDICE A .......................................................................................................................................... 68

APÊNDICE B .......................................................................................................................................... 69

ANEXOS

11

INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo geral analisar a vivência – experiência do

cuidar pelo familiar da pessoa em sofrimento psíquico, a partir de seus relatos e

lembranças. Familiares esses de pacientes atendidos no Centro de Atenção

Psicossocial do Município de Maracanaú, e por objetivos específicos: conhecer as

dificuldades encontradas pelo familiar na vivência – experiência do cuidar; descrever as

mudanças ocorridas na vida do familiar decorrente da experiência do cuidar da pessoa

em sofrimento psíquico e, por último, identificar como o familiar interage com os

serviços de saúde mental – CAPS.

O interesse pelo tema surgiu a partir de dois acontecimentos: o primeiro deu-se

a partir da experiência vivenciada no Estágio Curricular Obrigatório do Curso de

Serviço Social da Faculdade Cearense, realizado no Caps de Maracanaú. No período

da realização do estágio, compreendido de 03.09.2012 à 02.09.2013, comecei a

perceber que os familiares das pessoas em tratamento na instituição muitas vezes

procuravam o setor de serviço social para relatar a difícil convivência com a pessoa em

sofrimento psíquico. Nesta ocasião, nos contavam seus medos, suas incertezas, dentre

outros. Até então, no período da realização do estágio, não havia nenhum grupo que

atendesse os familiares desses pacientes. A partir dessas falas, foi possível identificar o

sofrimento decorrente do desgastante convívio com uma pessoa em sofrimento

psíquico, o que despertou o interesse em conhecer a relação entre a família e a pessoa

em sofrimento psíquico.

O segundo acontecimento foi o diagnóstico de transtorno mental de um membro

da minha família. A partir deste diagnóstico, vários fenômenos aconteceram no núcleo

familiar. Como resultado de tudo isso, ocorreu o adoecimento de alguns dos meus

familiares e o núcleo familiar se viu desorientado frente a situação surgida. Esse

acontecimento fez com que aumentasse meu interesse pela temática.

Na tentativa de abranger o universo teórico e metodológico dessa pesquisa, esta

foi subdividida em três capítulos. O primeiro capítulo nos traz todo o percurso

metodológico, esclarecendo aspectos referentes à nossa escolha pela pesquisa

qualitativa, apresentando as técnicas de produção e análise de dados e detalhando os

12

procedimentos realizados nesses processos.

No segundo capítulo, abordamos o referencial teórico. Nele, contextualizamos a

visão que se tinha sobre a loucura, que por muito tempo era entendida como uma

ameaça para a sociedade. Em seguida, abordamos alguns aspectos sobre a Reforma

Psiquiátrica Brasileira, que tinha como objetivo construir um novo espaço social para a

loucura. Fazemos também breves apontamentos sobre a implantação de serviços

substitutivos no município de Maracanaú. Falamos acerca da família no contexto do

cuidado à pessoa em sofrimento psíquico e por último, contextualizamos de forma

sucinta, a inserção do assistente social na saúde mental.

No terceiro capítulo, trazemos a análise das falas dos familiares cuidadores de

pessoas em sofrimento psíquico. A partir disso, foi possível constatar que algumas

famílias ainda não estão preparadas para o desafio de acolher e cuidar de pessoas

portadoras de sofrimento psíquico. Ainda predomina em nossa sociedade uma visão

preconceituosa em relação a pacientes em sofrimento psíquico, o que acaba

resultando na exclusão, marginalização e comprometimento afetivo e social de grande

parte das pessoas que necessitam de cuidados psicológicos e/ou psiquiátricos. Além

disso, após o diagnóstico de transtorno mental na família, muitas vezes, surgem

encargos físicos, econômicos e emocionais.

A presente pesquisa é de abordagem qualitativa, tendo em vista que esta

permite a aproximação do pesquisador com o fenômeno social analisado,

possibilitando o máximo de aproximação deste com a realidade investigada.

O campo destinado para a presente pesquisa foi o Centro de Atenção

Psicossocial de Maracanaú, localizado à Avenida 01, N° 45 – Bairro Jereissati I – no

município de Maracanaú. Os sujeitos pesquisados foram no total de quatro familiares

que após o diagnóstico da doença passaram a ser o cuidador principal da pessoa em

sofrimento psíquico.

Dentre os critérios de inclusão dos sujeitos na pesquisa, foram estabelecidos os

seguintes: os familiares com pelo menos uma pessoa em sofrimento psíquico na

família; familiar que acompanha a pessoa em sofrimento psíquico nos grupos de

terapia ocupacional e que sejam o cuidadores principais da pessoa em sofrimento

psíquico; pessoas com mais de 18 (dezoito) anos e que aceitaram participar da

13

pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

No que concerne ao instrumental utilizado para a coleta de dados, optou-se pela

entrevista semiestruturada e pela história oral temática.

Ao final da pesquisa, apresentamos as considerações finais do estudo realizado.

Esperamos mediante esta pesquisa, poder contribuir para uma melhor efetivação da

Reforma Psiquiátrica e propor algumas direções quanto à relação dos familiares

cuidadores de pessoas em sofrimento psíquico com a pessoa em tratamento, assim

como, a relação desses familiares com os serviços de saúde.

.

14

1 – CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

1.1 PROBLEMATIZAÇÃO DO OBJETO

A saúde mental no Brasil e no mundo foi baseada, por muito tempo, no

isolamento das pessoas que não apresentavam comportamentos tidos como “normais”

pela sociedade em hospitais psiquiátricos, gerando assim, um grande número de

pacientes afastados por um longo tempo do convívio familiar e social.

Historicamente a família foi excluída do tratamento dispensado às pessoas em

sofrimento psíquico, pois era vista pelos trabalhadores de saúde em geral como a

culpada pelo transtorno mental, não podendo contribuir efetivamente durante o

tratamento, constituindo-se como obstáculo no processo terapêutico. As instituições

psiquiátricas afastavam os familiares da pessoa em sofrimento psíquico e se

preocupavam apenas em definir doenças, classificá-las e gerenciá-las. As questões

sociais, psicológicas e culturais da pessoa não eram consideradas e o diagnóstico

assumia o valor semelhante ao de um rótulo.

A internação psiquiátrica é um ato complexo, envolvendo vários fatores, e do qual participa como força importante a ideologia do isolamento do doente mental. A reversão de tal tendência implica a subversão de um conceito amplo e longamente difundido pela própria psiquiatria (DELGADO, 1994, p. 183).

A psiquiatria, por muito tempo, objetivou o sujeito ao colocar de lado o ser

humano para centrar suas ações sobre a doença. O movimento reformista propõe

justamente o inverso dessa relação, que a doença seja colocada entre parênteses para

que as ações sejam dirigidas ao sujeito, em sua complexidade, peculiaridade e

subjetividade (BASAGLIA, 1985).

A partir do Movimento da Reforma Psiquiátrica, o usuário passou a ser visto

como um ator social importante, com pleno direito à cidadania, à autonomia, ao

acolhimento e a uma assistência de qualidade em serviços de base comunitária.

A principal proposta do movimento era a desinstitucionalização da pessoa

portadora de sofrimento psíquico. Esse movimento buscava não somente a

15

desconstrução do manicômio. Buscava também lançar novos conceitos, práticas e

saberes, tendo como foco principal o sujeito e sua singularidade, e não a doença.

A desinstitucionalização é um trabalho terapêutico, voltado para a reconstituição das pessoas enquanto sujeitos que sofrem. É provável que não se resolva por hora, não se cure agora, mas no entanto seguramente se cuida. Depois de ter descartado a “solução-cura” se descobriu que cuidar significa ocupar-se, aqui e agora, de fazer com que se transformem os modos de viver e sentir o sofrimento do “paciente” e que, ao mesmo tempo, se transforme sua vida concreta e cotidiana, que alimenta este sofrimento (ROTELLI, 1990, p. 33).

A desinstitucionalização propõe o surgimento de novas modalidades de atenção

em saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleos de

Atenção Psicossocial (NAPS), hospitais-dia, residências terapêuticas, entre outros, que

objetivam a reabilitação psicossocial e (re) inserção social da pessoa em sofrimento

psíquico.

A reabilitação nesses novos serviços de saúde é diferente daquela realizada nos

hospitais psiquiátricos, distanciando da concepção moral da disciplina do trabalho,

onde o sujeito é concebido como incapaz. Ela promove o intercâmbio entre paciente,

família, sociedade e trabalho, possibilitando autonomia e liberdade, com resgate da

singularidade e subjetividade do sujeito (OLIVEIRA, 2002).

A partir da Reforma Psiquiátrica, a família assume um papel importante na

reabilitação psicossocial de seu familiar, sendo co-responsável pelo tratamento e

cuidado. É a partir dai que a família começa a ser vista com outro olhar, passando

então a ser uma aliada ao tratamento.

Dessa maneira, no novo contexto de assistência à saúde mental, a imagem e o

papel da família são modificados. Esta passa a ser vista como parceira efetiva nas

estratégias propostas pela reforma psiquiátrica, visto que com os períodos mais curtos

de internação e com os tratamentos em serviços substitutivos como o CAPS, a pessoa

com sofrimento psíquico convive mais tempo com a sua família. Esta por sua vez, deve

ser convidada e estimulada a se inserir nas atividades e nas propostas dos serviços

extra-hospitalares.

Indagamos-nos sobre até que ponto esta família está preparada ou não para

lidar com essa nova realidade. Desta forma, é essencial o reconhecimento da família

como alvo de cuidados que precisa de apoio para a normalização da rotina familiar,

16

pois muitas vezes, a família acaba adoecendo juntamente com pessoa em sofrimento

psíquico.

A família é entendida como parceira no cuidado ao indivíduo que sofre

psiquicamente, mas também necessita receber o suporte adequado para superar

situações, tais como desgaste físico, emocional, mental, psicológico e social, devendo

encontrar junto aos serviços substitutivos em saúde mental o acolhimento de suas

necessidades e apoio para sua reestruturação.

Para que a família possa colaborar de forma efetiva, é importante também que

os serviços de saúde e seus profissionais, reestruturem sua forma de trabalho com a

família. Em geral, o que a família busca é apoio e orientação para que possa

desenvolver maneiras de cuidar e conviver com seu familiar.

1.2 PERCURSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO

1.2.1 MÉTODO

Esta pesquisa é de natureza qualitativa. Sua escolha deu-se por considerar que

há uma relação dinâmica entre o mundo real e o subjetivo, isto é, um vínculo

indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser

traduzida em números. Martinelli explicita que:

Trabalhamos com os fatos de forma a poder aprofundar tanto quanto possível a análise e não para conhecê-los apenas de forma sumária, a partir de uma primeira apresentação. Nesse sentido priorizamos não os fatos épicos, os fatos de grande dimensão, mas aqueles que estão mais próximos do sujeito e que repercutem diretamente na sua vida. (MARTINELLI, 1999, p.22)

A pesquisa qualitativa torna-se também adequada porque esta utiliza como

objeto as situações sociais, compreendendo a subjetividade dos sujeitos e suas

particularidades, possibilitando uma maior profundidade do objeto estudado, o que

oportuniza uma investigação mais estreita da realidade, como destaca Minayo:

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Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. (MINAYO, 1993, p.21)

As técnicas adotadas nesta pesquisa foram a da História Oral e a Entrevista

Semiestruturada. Também realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental.

Optamos pela escolha da história oral por acreditar que para conhecer a vivência dos

atores sociais acerca do tratamento em saúde mental em face de um processo social e

político complexo como é o movimento da reforma psiquiátrica, torna-se imprescindível

dar às famílias que tem um integrante em sofrimento psíquico a oportunidade de se

expressarem.

A História Oral tem-se revelado instrumento importante para possibilitar melhor

compreensão da construção das estratégias de ação e das representações de grupos

ou indivíduos em dada sociedade (FERREIRA, 1994). Ela pode ser entendida como

ferramenta, técnica, método, forma de saber e disciplina. Neste estudo, optamos por

utilizá-la como método, o qual centra sua atenção em torno de entrevistas, pois o maior

interesse está no que é expresso pelo colaborador como ponto fundamental das

análises (MEIHY; HOLANDA, 2007). De acordo com os autores, a História Oral dá:

[...] ênfase aos fenômenos e eventos que permitam através da oralidade, oferecer interpretações qualitativas de processos histórico sociais. Para isso, conta com métodos e técnicas precisas, em que a constituição de fontes e arquivos orais desempenha um papel importante. Desta forma, a história oral, ao se interessar pela oralidade, procura destacar e centrar sua análise na visão e versão que emanam do interior e do mais profundo da experiência dos atores sociais (LOZANO1 1996, citado por MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 84).

A História Oral como método de pesquisa assume três modalidades, de acordo

com a forma e como as entrevista são conduzidas: a) história oral de vida, b) tradição

oral e c) história oral temática. Estas têm como eixo fundamental as narrativas orais, do

indivíduo ou de grupos que se dispõem a serem colaboradores (MEIHY; HOLANDA,

2007). Nesta pesquisa, o método escolhido foi a História Oral Temática, para a qual os

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detalhes da história de vida pessoal do colaborador entrevistado só interessam na

medida em que se revelam aspectos úteis à informação da temática central.

No que se refere à pesquisa bibliográfica, esta é desenvolvida a partir de

material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.

Realizamos o levantamento, seleção, fichamento e arquivamento de diversos textos

publicados sobre a temática abordada nesta pesquisa. Embora em quase todos os

estudos seja exigido algum tipo de trabalho desta natureza, há pesquisas

desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos

exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas (Gil, 2007, p.44).

A pesquisa documental, ainda para o mesmo autor, assemelha-se muito à

pesquisa bibliográfica. A diferença essencial entre elas está na natureza das fontes.

Enquanto nesta se utiliza diversa informação de diversos autores sobre determinado

assunto, a primeira vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento

analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa.

(GIL, 2007, p.45).

Quanto a técnica para coleta de dados, utilizamos a entrevista semiestruturada,

pois compreendemos que é uma conversa entre dois ou mais interlocutores na qual o

objetivo é um contato direto com o indivíduo, percebendo sua livre expressão com o

tema abordado, o que segundo Minayo: “Combina perguntas fechadas e abertas, em

que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se

prender à indagação formulada”. (Minayo, 1993, p.64).

A entrevista semiestruturada é realizada, para Lakatus (2003), através de um

roteiro previamente elaborado, as perguntas realizadas para o objeto pesquisado são

pré-estabelecidas e os entrevistados são selecionados de acordo com um plano. A

entrevista é considerada a técnica mais segura para adquirir algumas informações que

apenas os sujeitos pesquisados podem responder, pois alguns dados importantes não

constam em fontes documentais e outros registros.

Machado (2002) entende que a entrevista semiestruturada sempre gira em torno

de um foco, com formulações antecipadas de algumas questões centrais planejadas e

tem este roteiro como pano de fundo para a entrevista, além de considerar que a cena

da entrevista gera uma relação de intersubjetividade e de reciprocidade, de

19

conhecimento e construção de significados, enriquecendo a investigação.

A realização da pesquisa de campo aconteceu através de aplicação de

entrevistas semiestruturadas, com 04 (quatro) familiares de pessoas em sofrimento

psíquico, no CAPS Geral de Maracanaú, nos meses de Abril e Maio de 2014.

1.2.2 LOCAL

Esta pesquisa foi desenvolvida no Centro de Atenção Psicossocial de

Maracanaú, na região Metropolitana de Fortaleza, e envolveu familiares de pessoas em

sofrimento psíquico atendidos pela referida instituição.

O Centro de Atenção Psicossocial de Maracanaú, caracterizado como sendo

CAPS II – Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para

atendimento em municípios com população entre 70.000 (setenta mil) e 200.000

(duzentos mil) habitantes, é um serviço voltado para a comunidade, preparado para

acolher e cuidar de pessoas com problemas mentais graves e seus familiares,

estimulando a convivência familiar e social, apoiando e incentivando iniciativas de

busca da autonomia através da oferta de atendimento especializado (BRASIL, 2004).

O centro supramencionado tem por objetivos: prestar atendimento a pessoas com

graves problemas psíquicos, diminuindo e evitando internações, bem como realizar a

reinserção desses pacientes ao meio social e familiar, prestar atendimento em regime

de atenção diária, gerenciar projetos terapêuticos, oferecendo cuidado clínico eficiente

e personalizado, promover a inserção social dos usuários através de ações

intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando

estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas (BRASIL, 2004).

O CAPS também tem a responsabilidade de organizar a rede de serviços de

saúde mental de seu território, dar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental

da rede básica, PSF, PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde), regular a

porta de entrada da rede de assistência em saúde mental de sua área e manter

atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para a

saúde mental (BRASIL, 2004), bem como tem por missão prestar atendimento diurno a

pessoas com transtorno mental severo e persistente, num dado território, oferecendo

20

cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial.

As pessoas atendidas pelo CAPS são aquelas que apresentam intenso sofrimento

psíquico, que lhes impossibilita de viver e realizar seus projetos de vida. São,

preferencialmente, pessoas com transtornos mentais severos e/ou persistentes, ou

seja, pessoas com grave comprometimento psíquico. Quanto aos usuários inseridos na

instituição, são cerca de 8.500, divididos em três modalidades: Intensivo, que

frequentam todos os dias, semi-intensivo, atendidos de duas a três vezes por semana e

os não intensivos, que frequentam apenas no dia da consulta.

No CAPS Geral de Maracanaú não existe um organograma formalizado. Há em

cada CAPS do município uma coordenadora e especificamente, no CAPS Geral,

existem cerca de trinta e dois colaboradores, de várias categorias profissionais, dentre

eles, psicólogas, enfermeira, terapeutas ocupacionais, técnica de enfermagem,

estagiárias, assistentes administrativos, dentre outros.

A principal política utilizada pela instituição é a Política de Saúde Mental, apoiada

na Lei 10.216, de 06 de Abril de 2001, que trata dos direitos e proteção às pessoas

acometidas de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde

mental, busca consolidar um modelo de atenção à saúde mental aberto e de base

comunitária, isto é, que garanta a livre circulação das pessoas em sofrimento psíquico

pelos serviços, comunidade e cidade e oferece cuidados com base nos recursos que a

comunidade oferece.

Quanto ao Serviço Social na instituição, ele surgiu com o objetivo de orientar

pacientes e familiares sobre seus direitos e deveres como usuários do serviço, bem

como usufruir os benefícios da previdência social, a concessão do passe livre, dentre

outros. Não há registros em documentos na instituição que comprovem exatamente o

ano em que serviço foi implantado. Atualmente, há duas assistentes sociais

responsáveis pelo setor.

1.2.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA

Nosso objetivo buscou trabalhar com famílias as quais tinham uma longa

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convivência com o adoecimento mental e com as questões dele decorrentes. De

acordo com informações da coordenação da instituição, o Caps de Maracanaú

atualmente atende cerca de 8.500 pacientes. A escolha dos participantes se deu

mediante discussão com os profissionais do CAPS Geral de Maracanaú. Com o intuito

de delimitar a amostra dessa pesquisa, a equipe nos orientou a entrevistar familiares

que acompanhassem a pessoa em sofrimento psíquico nos grupos terapêuticos.

Existem alguns grupos terapêuticos no Caps que são realizados sob a orientação

de psicólogos, enfermeiros, pedagogos e terapeutas ocupacionais. Após ter feito a

análise desses grupos, optamos por trabalhar com o grupo desenvolvido pela

Terapeuta Ocupacional, que prontamente nos esclareceu sobre os objetivos do grupo e

nos disponibilizou os contatos dos participantes deste, para que então, pudéssemos

contactá-los e esclarecê-los sobre o objetivo da pesquisa. Logo em seguida,

procedemos fazendo contato com os mesmos.

Tendo em vista que o Serviço Social da instituição até a presente data não

comanda nenhum grupo terapêutico, a escolha por trabalhar com os familiares que

acompanham a pessoa em sofrimento psíquico aos grupos da terapia ocupacional, se

deu por acreditar que os objetivos deste grupo são os que mais se aproximam dos

objetivos propostos pelo Serviço Social no campo da saúde mental. Acreditamos que a

Terapia Ocupacional assume um papel de extrema importância, viabilizando o processo

de reabilitação e inclusão sócio familiar de pessoas em sofrimento psíquico, e

dimensiona-se pelo uso de atividades grupais.

Desta maneira, foram escolhidos como critérios de inclusão para esta pesquisa:

os familiares com pelo menos uma pessoa em sofrimento psíquico na família; familiar

que acompanha a pessoa em sofrimento psíquico nos grupos de terapia ocupacional e

que acompanha a trajetória de tratamento da PSP; maiores de dezoito anos e que

aceitaram participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido.

Atualmente, dez pacientes comparecem regularmente ao grupo que acontecem

todas as terças-feiras. Destes, quatro são acompanhados por seus familiares, tendo

estes, aceito participar da pesquisa.

Os estudos qualitativos não têm a preocupação com o tamanho da amostra, uma

22

vez que seu objetivo é a compreensão do objeto de investigação e não a

generalização. Os sujeitos são escolhidos de forma não aleatória e em número

suficiente para se fazer compreender o fenômeno que está em estudo (POLIT; BECK;

HUNGLER, 2004).

Avaliamos que a quantidade de famílias entrevistadas não influenciou de forma

negativa na pesquisa. Muito pelo contrário, os dados coletados foram ricos,

contribuindo significativamente para que pudéssemos chegar a uma análise

satisfatória.

1.2.4 ASPECTOS ÉTICOS

Os aspectos éticos nesta pesquisa foram salvaguardados mediante a assinatura

do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme as recomendações da

Resolução n° 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde do

Ministério da Saúde, que dispõe acerca das pesquisas envolvendo seres humanos.

Esta pesquisa foi autorizada pelo Secretário Municipal de Saúde do Município de

Maracanaú e pela Coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial, conforme

documentação em anexo.

Os participantes foram informados quanto aos objetivos e a metodologia da

investigação e, após se sentirem esclarecidos a respeito do estudo e que as suas

participações não implicariam em ônus, danos ou prejuízos, e tampouco, remuneração

de qualquer espécie, sendo os ganhos subjetivos, e que todos os custos referentes à

pesquisa seriam de responsabilidade do pesquisador. Foi solicitada ainda a assinatura

do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como a autorização para a

gravação das entrevistas.

Também foi assegurado o sigilo e o anonimato da identidade das pessoas

entrevistadas, mediante codificação para a família, através de nome fictício. Ainda lhes

foi garantido o livre acesso aos dados. Também lhes foi assegurado o direito à

participação voluntária e a desistência do estudo, a qualquer momento.

1.2.5 COLETA DE DADOS

23

Após a realização das entrevistas e das transcrições dos dados coletados,

começamos a analisá-los. A análise é iniciada já no momento das transcrições dos

dados e isso é importante para que tenhamos um conhecimento prévio do material

coletado. Após a transcrição é fundamental que o material seja lido e relido diversas

vezes (POTTER & WHETERELL, 1987).

Segundo Gill (2008), a transcrição é uma fase que requer muito cuidado. Todo e

qualquer detalhe do discurso é importante, se captado e transcrito pelo pesquisador.

A primeira entrevista foi realizada no dia 23/04/2014 com a cuidadora com

codinome Maria, tia de uma pessoa em sofrimento psíquico. Este se tornou cuidadora

principal desde que a pessoa em sofrimento psíquico tinha seis anos de idade. A

entrevista foi realizada no Centro de Atenção Psicossocial. As outras três entrevistas

ocorreram no dia 06/05/2014. Depois de diversas tentativas sem êxito, pois após ter

feito contato com ambas e agendado a entrevista, estas não compareceram na data

marcada.

1.2.6 ANÁLISE DOS DADOS

Após o momento da transcrição, foi iniciada a fase de análise dos dados. Na

primeira etapa da análise, foram inseridas tabelas para organizar as construções

discursivas dos entrevistados, colocando, em cada uma, os nomes dos entrevistados e

seus discursos a respeito das perguntas realizadas ao longo da entrevista.

Posteriormente, após serem lidas, foram destacadas algumas categorias para análise.

Recomenda-se analisar as entrevistas de forma conjunta, considerando que o

reforço dos argumentos ou as divergências em relação a um determinado ponto fazem

com que as narrativas se entrelacem e dialoguem entre si, o interessante é o coletivo, a

totalidade das entrevistas (MEIHY; HOLANDA, 2007).

As entrevistas foram analisadas à luz da Análise Temática de Minayo (2004, p.

234-8), a qual sugere três fases: ordenação dos dados, classificação e análise final.

24

A fase de ordenação dos dados inclui a transcrição de fitas cassetes, releitura do

material, organização dos relatos e dos dados de observação. É nesse momento que o

pesquisador consegue ter uma visão geral de suas descobertas no campo. Assim,

nesta fase, realizamos a transcrição na íntegra das entrevistas gravadas seguida do

processo de textualização e transcrição. Isso resultou em quatro textos que foram

identificados como F1, F2, F3 e F4, para facilitar os repetidos retornos às leituras.

Desse modo, como Minayo (2004) refere que é possível ter uma visão geral dos dados

que emergiram, foi possível perceber que as narrativas eram fartas e ricas em

quantidade e qualidade de material a ser explorado.

Na classificação dos dados, a leitura exaustiva e repetida dos textos permite

captar as ideias centrais. Essa atividade auxilia o pesquisador a elaborar as categorias

específicas. Nesta fase, feitas as leituras exaustivas das entrevistas, me ocupei em

colher a relevância entre as narrativas e as ideias centrais e estabelecer uma

sequência de apresentação que possibilitasse ao leitor acompanhar, a partir da

perspectiva dos colaboradores, quais foram as principais mudanças ocorridas na vida

desse cuidador a partir do momento em que ele se tornou o cuidador principal da

pessoa em sofrimento psíquico e quais a principais dificuldades enfrentadas por ele no

ato do cuidar e como ele (o cuidador) se relaciona com os serviços de saúde.

Na Análise Final, se estabeleceu a articulação entre os dados e a fundamentação

teórica, promovendo o movimento entre o empírico e o teórico, o concreto e abstrato, o

particular e o geral. Esta fase compõe o item a seguir desta pesquisa em que são

apresentados os dados construídos durante o processo, promovendo uma discussão

entre as narrativas e a literatura relacionada com a temática estudada.

25

2 – O CUIDADO DA PESSOA EM SOFRIMENTO PSÍQUICO PELA FAMÍLIA – O

DESAFIO DE SE TORNAR CUIDADOR

A concepção da loucura e do cuidado com a pessoa em sofrimento psíquico vem

sofrendo alterações no decorrer dos tempos. Contextualizamos neste capítulo a visão

que se tinha sobre a loucura, antes, entendida como uma ameaça para a sociedade.

Em seguida, abordamos alguns aspectos sobre a Reforma Psiquiátrica Brasileira, que

tinha como objetivo construir um novo espaço social para a loucura.

Fazemos também breves apontamentos sobre a implantação de serviços

substitutivos no município de Maracanaú. Falamos acerca da família no contexto do

cuidado à pessoa em sofrimento psíquico e por último, contextualizamos, de forma

sucinta, a inserção do assistente social na saúde mental.

2.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A LOUCURA

Ao longo da história, nem sempre a loucura foi compreendida como doença

mental e consequentemente, como objeto de domínio médico. O fato é que,

independentemente das épocas históricas estudadas, os loucos sempre foram um

grupo marginalizado, excluído e estigmatizado.

Segundo Gonçalves, (2007, p.16), na Antiguidade, o louco era focalizado de

formas diferentes, as quais compreendiam que a loucura era um capricho dos deuses,

perda do controle do equilíbrio e de si mesmo, estado de desrazão, de insensatez,

situações estas experimentadas pelo louco como forças que ele não podia conter.

Afirma ainda a citada autora que, na Grécia Antiga, a loucura era vista como algo

divino. Era por meio dela que poderia se julgar a verdade e a mentira, como se um

poder de Deus tomasse conta do corpo carnal. Julgavam a loucura como sendo

consequência de um castigo dado pelos pecados cometidos na Terra. Além dos

pecados, a pessoa que tentasse se igualar aos deuses também seria levada à loucura.

A partir da idade Média – até o final das Cruzadas – os leprosários se

26

multiplicaram por toda a Europa, pois havia grandes focos dessa epidemia infecciosa

no Oriente que se proliferou rapidamente por todo o continente e somente com o fim

das cruzadas houve a ruptura desse contágio. As pessoas com lepra eram isoladas da

sociedade, excluídas e esquecidas, mantidas nesses leprosários. (MILANI e VALENTE,

2007, grifo nosso).

Foucault explica que na Idade Média a lepra domina o imaginário coletivo quanto às representações da morte e da punição divina. Quando essa doença finalmente desaparece, em função do isolamento dos doentes e da ausência de contato com focos da doença no Oriente, após o fim das Cruzadas, sobram centenas de leprosários, lugares de exclusão e isolamento social. O imaginário coletivo elege, então, outra figura de punição e exclusão: a doença venérea. Esta, apesar de ocupar, por um curto espaço de tempo, o mesmo lugar social e institucional do leproso, não pôde assumir o seu lugar como representação da punição divina, porque desde o início era vista como doença médica, apesar das ressonâncias religiosas e moral que suscitava. Assim, do século XIV ao XVII o leprosário terá que esperar uma “nova representação do mal” capaz de ocupá-lo. É, portanto, essa representação de um poder maléfico, ou melhor, esse signo da Queda do Homem, permanentemente presente no horizonte da experiência humana, onde Foucault identifica essa estrutura que será ocupada por conteúdos imaginários diversos, sucessivamente. (GAMA, 2008, p.21)

No período Renascentista, os loucos eram atirados rio abaixo, como cargas

insanas em embarcações que recebiam o nome de Nau dos Loucos. Essas

embarcações dispunham de um valor simbólico, como um ritual que libertava a

sociedade dos doidos. Confiar o louco aos marinheiros era a certeza de evitar que

ficasse vagando nas cidades e também de que ele iria para longe, era torná-lo

prisioneiro de sua própria partida.

Sobre a “Nau do Loucos”, que, para Foucault, encerra um sentido simbólico e, ao

mesmo tempo, descreve uma prática social real, Passos e Barboza relatam que:

As cidades querendo se ver livres de seus loucos, embarcavam-nos, fazendo os percorrer principalmente os rios do norte e leste europeus, e, em cada localidade que aportavam, eram reembarcados. Focault lê nesse gesto, que impige ao louco uma condição de prisioneiro da passagem – isto é, de passageiro eterno, sem destino e de origem ignorada –, uma metáfora do modo ambíguo e prenhe de significações como a loucura é percebida na Renascença. (PASSOS; BARBOZA, 2009, p. 48).

Em meados do século XVII, foram criados os primeiros estabelecimentos para

internação, chamadas de Casas de Internamento, destinados a receber os loucos.

Essas casas eram na realidade, verdadeiros cárceres que aprisionavam vários

indivíduos portadores de doenças venéreas, mendigos, libertinos, os próprios loucos,

27

entre outros. Eram aprisionados nesses locais aqueles que demonstravam fonte de

desordem e desorganização moral, mantidos em condições totalmente desumanas.

Esquirol (1772-1840) foi um importante estudioso destas instituições no século XIX.

Segundo ele, os doentes sofriam castigos e maus tratos maiores que os próprios

criminosos, chegando a vê-los nus, ou vestidos de trapos, estirados no chão,

defendidos da umidade do pavimento apenas por um pouco de palha. Além disso, eram

privados de ar para respirar, de água para matar a sede, e das coisas indispensáveis à

vida. Muitos ficavam em ambientes estreitos, sujos, com falta de ar, de luz,

acorrentados em lugares nos quais se hesitaria até em guardar bestas ferozes, que os

governos, por luxo e com grandes despesas, mantinham nas capitais.

As Casas de Internação foram criadas com o intuito de implantar a prática da

correção e do controle sobre os ociosos, no intuito de proteger a sociedade de

possíveis revoltas (MILANI e VALENTE, 2007).

Em 1656, foi fundado o Hospital Geral, uma estrutura de ordem monárquica e

burguesa. Esse hospital não possuía caráter médico, apenas representava o papel da

polícia e da justiça.

O hospital era uma forma de o Estado exercer controle sobre a população. Sendo

uma medida assistencial, cuidadora daqueles que a sociedade não queria, ou

simplesmente não podia arcar. Estas instituições foram criadas, na verdade, com o

objetivo de suprimir a mendicância e a ociosidade, vistas essas como fontes de

desordem. Essas casas serviam na verdade como casas de trabalho forçado. O

internamento, além de uma prática de exclusão social, era também uma medida de

estímulo a economia, como afirma Frayse-Pereira:

No século XVII, a economia europeia atravessa períodos de crise que geram queda dos salários e desemprego. Nesse contexto, o sentido do internamento oscila. Nos períodos de crise, quando a mendicância aumenta vertiginosamente, prendem-se e os ociosos e a vida social é protegida contra possíveis revoltas. Busca-se controlar a tensão social. Mas fora dos tempos de crise, quando há emprego e altos salários, as casas de internamento oferecem mão de obra barata. (FRAYSE-PEREIRA, 1984, p. 65).

Em 1676, ampliam-se as instituições de internação por toda a França, mediante

uma ordem real, quando foi estabelecido em cada cidade do reino um Hospital Geral,

dando inicio ao período conhecido como a Grande Internação.

28

A grande Internação é o período que compreende o século XVII até o final do século XVIII, momento em que houve uma vertiginosa expansão das casas de internação. O período da “Grande Internação” se encerra com o nascimento da Psiquiatria (final do século XVIII e início do século XIX),o que não quer dizer que as internações deixaram de acontecer, mas apenas que elas passaram a adquirir um status científico conferido pela incipiente psiquiatria. Após o fim o período da Grande Internação, inicia-se o período da clínica psiquiátrica (RIBEIRO e PINTO, 2011, p. 6).

Retornando ao que se diz sobre as internações, Gama (2008, p. 24) diz que “as

oscilações do capitalismo marcam uma maior ou menor quantidade de pessoas

internadas”. “Constituíam-se os internos de indivíduos com problemas diversos, mas

unidos pela exclusão social e econômica.” (GAMA, 2008, p.25). “Portanto, os loucos

passam a ser internados no século XVII, independente de qualquer concepção de

tratamento ou cura. Eles fazem parte de uma parcela discernível da sociedade, aqueles

que não trabalhavam ou perturbavam a ordem pública.” (GAMA, 2008, p.25).

Neste cenário, a loucura se tornou parte da economia, de modo que os loucos e

os pobres tornaram-se importantes para a riqueza e retornaram à comunidade da qual

haviam sido excluídos. No entanto, o retorno do louco à comunidade fez com que ele

fosse submetido a outro tipo de confinamento – o confinamento familiar.

O louco visto como um perigo foi confinado à família. Cada família mantinha em casa o seu louco, enquanto aquele que nada possuía restava vagar pelo campo ou cidade, sobrevivendo da caridade ou da realização de pequenos trabalhos. Então, como medida de proteção para maior segurança da sociedade, articulou-se a mesma ação utilizada contra os animais daninhos. Decretou-se uma sanção penal que incidia sobre aquelas famílias que deixassem seus loucos vagarem livremente pela cidade, perturbando a ordem. (RIBEIRO e PINTO, 2011, p.8).

Esse confinamento no interior da família não perdurou por muito tempo e logo a

ideia da criação de asilos foi se configurando, e no final do século XIX, o internamento

passa a ter valor terapêutico e a loucura é elevada à categoria de doença mental.

2.2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA

Como visto no tópico anterior, o mundo da loucura se tornou o mundo da exclusão

social durante o século XVII, no período da chamada “grande internação”, quando se

construíram por toda a Europa, várias casas de internamento, constituindo-se de

espaços de acolhimento, correção e reclusão.

29

A partir da segunda metade do século XX, impulsionada principalmente por

Franco Basaglia1, inicia-se uma radical crítica e transformação do saber, do tratamento

e das instituições psiquiátricas. Esse movimento teve início na Itália, mas repercutiu em

todo mundo, particularmente no Brasil.

Embora contemporâneo da Reforma Sanitária, o processo de Reforma

Psiquiátrica Brasileira tem uma história própria, inscrita num contexto internacional de

mudanças pela superação da violência asilar. Fundado ao final dos anos setenta, na

crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, por um lado, e na

eclosão, por outro, dos esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes

psiquiátricos, o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira é maior do que a sanção de

novas leis e normas e maior do que o conjunto de mudanças nas políticas

governamentais e nos serviços de saúde. (BRASIL, 2005).

A Reforma Psiquiátrica é processo político e social complexo, composto de

atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos,

nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos

serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com

transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do

imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de

transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida

das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma

Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (BRASIL,

2005).

O processo da Reforma Psiquiátrica divide-se em duas fases: a primeira, de 1978

a 1991, compreende uma crítica ao modelo hospitalocêntrico, enquanto a segunda, de

1992 aos dias atuais, destaca-se pela implantação de uma rede de serviços extra-

hospitalares.

1 Franco Basaglia construiu novos espaços e desenvolveu novas formas de lidar com a “loucura”, e

esses novos espaços e novas formas de lidar com a doença mental, influenciaram os idealizadores do projeto da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

30

Nos anos setenta, temos dois movimentos considerados marcos importantes para

o processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira: O Movimento Sanitário, que reivindicava

uma

[...] mudança nos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, na defesa da saúde coletiva, na equidade da oferta dos serviços, e na participação dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidados (BRASIL, 2005).

No final da mesma década, aconteceu o Movimento de Trabalhadores em Saúde

Mental (MTSM). O MTSM surge com a crise da DINSAM (Divisão Nacional de Saúde

Mental), responsável pela formulação das políticas de saúde do subsetor de saúde

mental. Em 1978, os profissionais de quatro unidades da DINSAM deflagram greve,

seguido de demissão de 260 estagiários e profissionais (AMARANTE, 1998, p.51).

Também para Amarante, (1998), o MTSM é considerado o ator e o sujeito político

fundamental no projeto da Reforma Psiquiátrica Brasileira. É sobretudo este

Movimento, através de variados campos de luta, que passa a protagonizar e a

construir, a partir deste período, a denúncia da violência dos manicômios, da

mercantilização da loucura, da hegemonia de uma rede privada de assistência e a

construir coletivamente uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo

hospitalocêntrico2 na assistência às pessoas com transtornos mentais (BRASIL, 2005).

Tanto o Movimento Sanitarista quanto o Movimento dos Trabalhadores em Saúde

Mental lutavam pela transformação do sistema de atenção à saúde, pois a crise do

setor era vista como reflexo da situação política do país – uma política privatizante da

saúde, vista como prática de controle e reprodução das desigualdades.

No ano de 1978, aconteceu em Bauru-SP, o II Congresso Nacional do MTSM, que

levantou a bandeira “Por uma sociedade sem manicômios”. Em 1987, foi realizada a I

Conferência Nacional de Saúde Mental, no Rio de Janeiro, onde foi discutida a

necessidade de superação do modelo assistencial então denominado hospitalocêntrico

e baseado no modelo psiquiátrico, considerado violador dos direitos fundamentais.

2 Hospitalocêntrico é o modelo de tratamento em hospitais psiquiátricos, muitas vezes de asilamento e

reclusão.

31

É importante destacar que nesse mesmo período, surge o primeiro CAPS no

Brasil, na cidade de São Paulo, e dá-se o início de um processo de intervenção, em

1989, da Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP) em um hospital psiquiátrico, a

Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes.

Nesse mesmo período, “são implantados no município de Santos Núcleos de

Atenção Psicossocial (NAPS) que funcionam 24 horas, são criadas cooperativas,

residências3 para os egressos do hospital e associações”. (BRASIL, 2005).

Outro marco importante desse período foi a criação, pela Constituição Federal, do

Sistema Único de Saúde4, em 1988, instituído pelas Leis Federais nº 8.080/1990 e nº

8.142/1990.

No ano de 1989, enunciava-se pela primeira vez no campo legislativo a

necessidade de transformação da regulamentação da assistência psiquiátrica. Nesse

ano, é impetrado, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº. 3657/89, de autoria do

deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da

pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. É o

início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e

normativo. Porém, cabe enfatizar que é somente no ano de 2001, após doze anos de

tramitação no Congresso Nacional, a Lei Paulo Delgado finalmente é aprovada no

país. A concordância, no entanto, é uma emenda do Projeto de Lei original, que traz

alterações importantes no texto normativo.

Em 06 de Abril de 2001, o projeto de lei supramencionado foi aprovado e deu

origem a Lei Federal nº 10.216/01. Conhecida por Lei Paulo Delgado, essa lei

direcionou a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento

em serviços de base comunitária, dispôs sobre a proteção e os direitos das pessoas

em sofrimento mental, mas não instituiu mecanismos claros para a progressão da

extinção dos hospitais psiquiátricos. (TRENTINI, 2010).

Assim, respaldada pela Lei nº 10.216/01, e pelas diversas portarias exaradas pelo

3 Residências Terapêuticas: são moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade,

destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e que viabilizem sua inserção social (BRASIL, 2004a, p. 100)

4 O Sistema Único de Saúde tem o horizonte do Estado democrático e de cidadania plena como determinante de uma “saúde como direito de todos e dever do Estado” previsto pela Constituição Federal de 1988.

32

Ministério da Saúde, a Reforma Psiquiátrica foi formulada como uma política pública de

Estado.

A partir disso:

Linhas específicas de financiamento são criadas pelo Ministério da Saúde para os serviços abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico e novos mecanismos são criados para a fiscalização, gestão e redução programada de leitos psiquiátricos no país. A partir deste ponto, a rede de atenção diária à saúde mental experimenta uma importante expansão, passando a alcançar regiões de grande tradição hospitalar, onde a assistência comunitária em saúde mental era praticamente inexistente. Neste mesmo período, o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente internadas é impulsionado, com a criação do Programa “De Volta para Casa5”. Uma política de recursos humanos para a Reforma Psiquiátrica é construída, e é traçada a política para a questão do álcool e de outras drogas, incorporando a estratégia de redução de danos. Realiza-se, em 2004, o primeiro Congresso Brasileiro de Centros de Atenção Psicossocial, em São Paulo, reunindo dois mil trabalhadores e usuários de CAPS. (BRASIL, 2004)

Merece destaque a realização, ao final do ano de 2001, em Brasília, da III

Conferência Nacional de Saúde Mental. Dispositivo fundamental de participação e de

controle social, a III Conferência Nacional de Saúde Mental é convocada logo após a

promulgação da Lei nº 10.216, e sua etapa nacional é realizada no mesmo ano, em

dezembro de 2001. As etapas municipal e estadual envolvem cerca de 23.000 (vinte e

três mil) pessoas, com a presença ativa de usuários dos serviços de saúde e de seus

familiares, e a etapa nacional conta com 1.480 (mil quatrocentos e oitenta) delegados,

entre representantes de usuários, familiares, movimentos sociais e profissionais de

saúde. (BRASIL, 2005).

[…] a III Conferência consolida a Reforma Psiquiátrica como política de governo, confere aos CAPS o valor estratégico para a mudança do modelo de assistência, defende a construção de uma política de saúde mental para os usuários de álcool e outras drogas, e estabelece o controle social como a garantia do avanço da Reforma Psiquiátrica no Brasil. É a III Conferência Nacional de Saúde Mental, com ampla participação dos movimentos sociais, de usuários e de seus familiares, que fornece os substratos políticos e teóricos para a política de saúde mental no Brasil. (BRASIL, 2005).

5 O Programa de Volta para Casa foi instituído pelo Presidente Lula, por meio da assinatura da Lei

Federal 10.708 de 31 de julho de 2003 e dispõe sobre a regulamentação do auxílio-reabilitação psicossocial a pacientes que tenham permanecido em longas internações psiquiátricas. O objetivo deste programa é contribuir efetivamente para o processo de inserção social dessas pessoas, incentivando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do convívio social, capaz de assegurar o bem-estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos civis, políticos e de cidadania.

33

Com a Reforma Psiquiátrica, o tratamento da pessoa em sofrimento psíquico, que

anteriormente acontecia somente no manicômio, passou a acontecer de forma

simultânea no ambiente doméstico e nos serviços substitutivos, sendo ele feito uma

parte dentro da instituição e outra parte, dentro de casa. Esta reforma significa a

mudança do modelo de tratamento da pessoa com transtorno mental: no lugar de ser

isolada, esta é estimulada ao convívio com a família e a comunidade.

Com a implantação da Reforma Psiquiátrica e consequentemente, o apelo

antimanicomial atrelado a ela, os CAPS surgem como rede alternativa aos hospitais

psiquiátricos, com outra perspectiva no que se diz o cuidar do portador de transtorno

mental.

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), entre todos os dispositivos de

atenção à saúde mental, têm valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira. É

com o surgimento destes serviços que passa a ser demonstrada a possibilidade de

organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país. É função dos

CAPS: prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando assim as

internações em hospitais psiquiátricos; promover a inserção social das pessoas com

transtornos mentais através de ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede

de assistência em saúde mental na sua área de atuação e dar suporte à atenção à

saúde mental na rede básica. É função, portanto, e por excelência, dos CAPS

organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios. Os

CAPS são os articuladores estratégicos desta rede e da política de saúde mental num

determinado território (BRASIL, 2005).

Os CAPS se diferenciam como CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad, de

acordo com os tipos de demanda dos usuários atendidos, da capacidade de

atendimento, do tamanho do equipamento, profissionais e diversidade nas atividades

terapêuticas.

Os CAPS I oferecem atendimento a municípios com população entre 20 mil e 50

mil habitantes (19% dos municípios brasileiros, onde residem aproximadamente 17%

da população do país), tendo uma equipe mínima de nove profissionais de nível médio

e superior. O foco são usuários adultos com transtornos mentais graves e persistentes,

transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Pode acompanhar por volta

de 240 pessoas por mês, de segunda a sexta-feira, funcionando das 8 às 18 horas.

34

Os CAPS II oferecem atendimento a municípios com mais de 50.000 habitantes

(equivalente a 10% dos municípios, onde residem aproximadamente 65% da população

brasileira). O público-alvo são adultos com transtornos mentais persistentes. Opera

com uma equipe mínima de doze profissionais, com nível médio e superior, tendo um

suporte para acompanhar cerca de 360 indivíduos por mês, de segunda a sexta-feira,

com horário de funcionamento das 8 às 18 horas – pode oferecer um terceiro período,

funcionando até às 21 horas.

Os CAPS III são CAPS para atendimento diário e noturno de adultos, durante sete

dias da semana, atendendo à população de referência com transtornos mentais

severos e persistentes, com capacidade operacional para atendimento em municípios

com população acima de 200.000 (duzentos mil) habitantes.

Os CAPSi são CAPS com tipo de serviço especializado em atender crianças e

adolescentes com transtornos mentais e se operacionaliza em municípios com

população acima de 200.000 (duzentos mil) habitantes. O funcionamento acontece de

segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas, podendo também ter um terceiro período,

funcionando até as 21 horas. O trabalho é realizado com uma equipe mínima de onze

profissionais com instrução entre nível médio e superior, com capacidade média de

realizar cento e oitenta acompanhamentos.

Os CAPSad focam o atendimento a pessoas que fazem uso do álcool de maneira

prejudicial e outras drogas, em cidades com mais de 200.000 (duzentos mil) habitantes,

ou aquelas que estejam nas fronteiras, ou ainda, as que façam rota de tráfico de

drogas e possuem relevantes cenários epistemológicos, que precisem deste tipo de

serviço para responder de forma eficaz à demanda da saúde mental.

É composta por uma equipe mínima de treze profissionais, entre nível médio e

superior, e pode realizar 240 atendimentos por mês, de segunda a sexta-feira, podendo

ter um terceiro período, funcionando até às 21 horas. O objetivo desses centros é

oferecer atendimento gratuito à população e buscar a reinserção dos pacientes na

sociedade, o que ocorre através do incentivo à autonomia do paciente e

responsabilização do usuário e de sua família sobre os resultados do tratamento.

35

Podem ser atendidas nessas instituições pessoas que apresentam intenso

sofrimento psíquico que lhes impossibilite de viver e realizar seus projetos de vida. São

preferencialmente, pessoas com transtornos mentais severos e/ou persistentes,

incluindo transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas e crianças e

adolescentes.

Os tipos de atendimento são definidos como Intensivo – trata-se de atendimento

diário, oferecido quando a pessoa se encontra com grave sofrimento psíquico, em

situação de crise ou dificuldade intensiva no convívio social e familiar, precisando de

atenção contínua. Semi-intensivo – o usuário pode ser atendido até 12 dias no mês.

Esse tipo de atendimento é oferecido quando o sofrimento e a desestruturação

psíquica da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de relacionamento, mas

a pessoa ainda necessita de atenção direta da equipe para se estruturar e recuperar

sua autonomia. Não-intensivo – oferecido quando a pessoa não necessita de suporte

contínuo da equipe para realizar suas atividades podendo ser atendido até três dias ao

mês.

O objetivo desses centros é oferecer atendimento gratuito à população e buscar

promover a reinserção dos pacientes na sociedade, o que ocorre através do incentivo à

autonomia do paciente e responsabilização do usuário e de sua família sobre os

resultados do tratamento.

Outro objetivo do CAPS é incentivar a participação das famílias da melhor forma

possível do cotidiano dos serviços. Os familiares são, muitas vezes, o elo mais próximo

que os usuários têm com o mundo e por isso são pessoas importantes, consideradas

parceiras no tratamento. Ela é responsável por promover o contato entre o doente e os

serviços de saúde existentes. Além disso, cabe a esta elaborar e redimensionar valores

e expectativas relacionadas ao cotidiano e ao futuro de seu familiar com sofrimento

psíquico. No entanto, existe a necessidade dos profissionais em não ficarem centrados

apenas na pessoa doente, mas em toda a estrutura da sociedade em que esta se

insere.

É importante salientar que a partir dos anos noventa, vem ocorrendo a redução de

leitos em hospitais psiquiátricos e a desinstitucionalização de pessoas com longo

histórico de internação. A partir de 2002, este processo avançou significativamente,

sobretudo, através da instituição pelo Ministério da Saúde de mecanismos seguros

36

para a redução de leitos no país e a expansão de serviços substitutivos aos hospital

psiquiátrico. O Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria

(PNASH/Psiquiatria), o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar

Psiquiátrica no SUS (PRH), assim como a instituição do Programa de Volta para Casa

e a expansão de serviços como os Centros de Atenção Psicossocial e as Residências

Terapêuticas, vem permitindo a redução de milhares de leitos psiquiátricos no país e o

fechamento de vários hospitais psiquiátricos. (BRASIL, 2005).

Apesar dos inúmeros avanços na política de saúde mental, ainda há uma grande

fragilidade no sistema de atendimento à pessoa em sofrimento psíquico. É no cotidiano

da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da

Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios. É

preciso buscar condições que afirmem a inserção social da pessoa em sofrimento

psíquico, pois todos devem ter sua dignidade respeitada. Deve-se romper

cotidianamente com os mecanismos de segregação pelos quais as pessoas em

sofrimento psíquico são apartadas, discriminadas e excluídas.

2.3 A FAMÍLIA NO CONTEXTO DO CUIDADO DA PESSOA EM SOFRIMENTO

PSÍQUICO.

Ao longo da história a família vem sofrendo transformações na sua configuração,

no modo de ser conceituada e no estabelecimento das relações de poder, de forma

mais efetiva a partir dos anos 60 do século XX. As mudanças dizem respeito a sua

organização e a forma de conviver em razão da nova dimensão nas relações entre a

mulher e o homem e destes com os filhos e a divisão dos papéis familiares (SARTI,

2003; ROMANELLI, 2003).

Patrício (1994, p. 97) se refere à família como um:

[...] sistema interpessoal formado por pessoas que interagem por variados motivos, tais como afetividade e reprodução dentro de um processo histórico de vida, mesmo sem habitar o mesmo espaço físico. É uma relação social dinâmica que durante todo o seu processo de desenvolvimento, assume formas, tarefas e sentidos elaborados a partir de um sistema de crenças, valores e normas.

37

Para Penna (1993), a família é dinâmica, pode ser conceituada como unidade em

constante movimento, constituída não apenas por aqueles que mantêm uma união

pelos laços de sangue, mas por todos que se percebem como família, unidos por afeto,

que convivem organizados em determinado tempo e visam o alcance de objetivos

comuns. Ainda, para as autoras é função da família assistir os seus membros, atender

suas necessidades e prover meios adequados de crescimento e desenvolvimento; é

um espaço de conflitos e contradições que influencia e é influenciado pelo ambiente em

que vive.

Nessa perspectiva, se entende família como verdadeira unidade básica de saúde,

capaz de resolver os problemas do viver cotidiano. Contudo, para desempenhar o

papel de provedora de cuidado, ela necessita de uma rede social ampla e resolutiva, de

preparo, acolhimento, apoio e orientação por parte dos profissionais (PEREIRA;

PEREIRA JR, 2003).

No modelo hospitalocêntrico, conforme Melman (2001), a psiquiatria insistia em

afastar o paciente do ambiente familiar. Com isso, acontecia o isolamento sócio-

familiar. Justificava-se tal procedimento com o objetivo de proteger a família e a

sociedade. Havia também outra justificativa, a de que o isolamento era necessário

porque acreditava-se que a família poderia ser a procriadora do adoecimento mental.

Atualmente, a família passou a ser protagonista desse novo modelo de atendimento

psiquiátrico à pessoa em sofrimento psíquico, a partir das novas legislações7.

Com a Constituição Federal de 1988 e a promulgação da Lei Orgânica da

Assistência Social (LOAS) em 1993, percebe-se a centralidade da família nas políticas

públicas.

É necessário lembrar, neste momento, que não foi esta a primeira vez que o

tratamento da pessoa em sofrimento psíquico, no tocante ao Brasil, se referiu à

atuação da família. Em outros tempos, já existia a menção da família em outros

documentos que regulavam assistência à pessoa em sofrimento psíquico. Porém, o

7 Na Portaria N° 336/2002, é previsto como assistência prestada ao CAPS: atendimento à família;

atividades comunitárias enfocando a integração do doente mental na comunidade e sua inserção familiar e social, e a Lei N° 10.216/2001, no art. 3°, refere-se a participação da sociedade e da família no desenvolvimento da política de saúde mental e na assistência e promoção de ações de saúde para as pessoas em sofrimento mental.

38

que há de novo é que agora a família não ocuparia mais um lugar de penalização – em

que a família era posta como responsável pela retirada do louco do tratamento, sendo

responsabilizada pelas consequências disso.

Nesse novo contexto, à família não caberia mais o castigo de lidar com as

consequências de se retirar o louco do hospício, ela tornou-se, portanto, um

instrumento eficaz para auxiliar no processo de inclusão – e de controle – do cidadão

portador de sofrimento psíquico na sociedade. (DUARTE, 2008, grifo nosso).

No âmbito da saúde mental, o agora discurso antimanicomial passou a defender o

fim das instituições manicomiais e sua substituição por um conjunto de serviços

abertos, cuja modalidade assistencial passou a ser baseada na reinserção sócio-

familiar do doente, convocando a participação da família no processo de inclusão social

desse sujeito que passou a ter status de cidadão. Ou seja, não se tratava apenas da

inclusão social do doente, era necessário que houvesse também a inclusão deste na

família.

Mas como se deu a chamada da família a participar do processo de tratamento da

pessoa em sofrimento psíquico? Com o fechamento gradativo dos hospitais

psiquiátricos e a criação do CAPS, o cuidado no tocante à pessoa em sofrimento

psíquico foi remanejado dos hospitais para os familiares e profissionais que trabalham

com saúde mental na atual perspectiva de assistência psiquiátrica, pois como dito

anteriormente, os cuidados eram realizados dentro das instituições psiquiátricas, sem a

participação da família quanto ao manejo terapêutico.

Neste novo cenário, com novos atores e protagonistas – as famílias cuidadoras –

a questão “gênero” emergiu de forma marcante em relação ao “cuidar” em saúde

mental (TRENTINI, 2010).

Utilizando o conceito de Sena (2006, p. 26), entende-se por cuidador:

[…] aquele que assume a responsabilidade de cuidar, dar suporte, ou assistir as necessidades da pessoa cuidada, tendo em vista a melhoria de sua saúde e de sua qualidade de vida. O cuidador é definido como informal ou profissional. Entendendo-se por cuidador o membro da família ou a ela aliado, sem formação específica na área da saúde, que passa a ser responsável pelo desenvolvimento das ações cuidadoras. O cuidador profissional é a pessoa com formação específica na área da saúde […].

39

O ato do cuidar é uma atividade compreendida como feminina, tanto em

ambientes institucionalizados como no âmbito doméstico, é um ato “naturalizado”,

como sendo do universo feminino.

Para Sena, (2006), o cuidado é exercido por mulheres em uma dimensão

temporal tão antiga que acaba parecendo algo natural, porém o cuidado realizado por

mulheres é fruto de uma construção histórica e social, relacionada com a divisão sexual

das tarefas do lar e perpetuada pelos modos de produção e acumulação do trabalho.

Com isso, consideramos que esse papel “naturalizado” da mulher cuidadora não

deixa de ser uma representação social, um padrão cultural impregnado na sociedade

desde as sociedades primitivas, onde o cuidado da casa, dos filhos, dos doentes, era

de sua responsabilidade, enquanto o homem saia para caçar, guerrear e ampliar o seu

território.

Para Lopes (2005, p. 109), a função de cuidadora “coexiste com o cuidado

doméstico destinado às crianças, aos doentes e aos velhos, associado à figura da

mulher mãe que desde sempre foi curandeira e detentora de um saber informal de

práticas de saúde, transmitindo de mulher para mulher...” Ou seja, a mulher é

naturalizada como a pessoa ideal para prover o cuidado, possuidora de qualidades

naturais no que se refere ao cuidar.

Faz-se necessário ressaltar a problemática do “cuidar domiciliar” no que se refere

à complexidade do entorno do sofrimento mental. Com a retirada do Estado do

processo do “cuidado” no âmbito institucional e com o fechamento gradativo dos

hospitais psiquiátricos, a família foi forçada a cuidar do seu familiar doente. Com isso,

nos questionamos se a família da pessoa em sofrimento psíquico está ou não

preparada para assumir as responsabilidades enquanto parte integrante da rede de

atenção em saúde mental.

Para Melman (2001), a sociedade contemporânea não está devidamente

preparada para o desafio do cuidado às pessoas em sofrimento psíquico. Ainda para o

mesmo autor, o conhecimento da realidade cotidiana do cuidador familiar em saúde

mental é relevante e necessita de pesquisas teóricas e empíricas, isso porque o fato de

cuidar gera uma ruptura nas atividades rotineiras dos cuidadores.

40

Entre críticas feitas ao Movimento de Reforma Psiquiátrica, segundo Botega e

Delgalarrondo (1997), está o fato do aumento da sobrecarga familiar pelo peso que

representam os cuidados com a pessoa em sofrimento mental. Este peso decorre de

vários fatores, tais como a falta de informação sobre a doença, de preparação para

lidar com os sintomas do paciente, além de gastos financeiros e de falta de políticas

públicas que auxiliem os familiares cuidadores em suas necessidades subjetivas e

materiais.

É comum perceber, principalmente no membro que se apresenta como cuidador,

as consequências resultantes do preconceito, despreparo e desinformação que se

manifestam pelo próprio isolamento e pelo distanciamento de amigos e familiares.

Enfim, comprometem-se as relações sociais, muitas vezes por opção do indivíduo que

prefere evitar possíveis situações e/ou comentários vexatórios que venham a ocorrer.

Tendo em vista tal fato, Pereira (2000, p.254) relaciona as fragilidades descritas

pela família cuidadora do Portador de Transtorno Mental e a atuação que o assistente

social deve ter diante dessa questão:

É importante que os profissionais da área de saúde mental, de modo especial os assistentes sociais em sua intervenção junto à família, atentem para esta realidade, para que propiciem àquela, possibilidades de superar as dificuldades vividas no convívio com o membro portador de transtorno mental, dividindo com eles o tempo de cuidar, através da oferta de serviços de atenção psicossocial diário, oferecendo-lhe o apoio necessário dos serviços para lidar com o estresse do cuidado e convidando-o a participar da elaboração dos serviços e de sua avaliação (e aqui não só a família, como também os próprios usuários).

Ainda que a família seja o ponto principal para a efetivação das atuais propostas

da Reforma Psiquiátrica, ela permanece muito esquecida nos serviços de saúde, sendo

vista, muitas vezes, apenas como um elo entre o paciente e a instituição de tratamento.

O trabalho do assistente social junto às famílias dos Portadores de Transtornos

Mentais deverá estar direcionado ao fortalecimento dos laços para com o membro que

necessita de atenção e cuidados especiais e também na luta contra o estigma social

pelo qual os portadores de transtornos mentais e suas famílias são submetidos

(SNOPP, 2012).

41

Para Bisneto, (2007, p. 45), é necessário que o assistente social supere

determinadas fragilidades ainda presentes no campo da saúde mental:

É necessário ao assistente social reconhecer seu próprio valor, saber o que está fazendo, criar um discurso profissional, publicar ideias, lutar por seus princípios, fazer alianças, se expor profissionalmente em Saúde Mental. É claro que o profissional de campo precisa contar com a colaboração de seus colegas de academia: a universidade também deve desenvolver esse discurso profissional com pesquisas, aulas, extensão, publicações, conferências entre outros recursos.

Os assistentes sociais precisam reconhecer que eles possuem um espaço

legítimo na saúde mental. As demandas postas à profissão ao longo da política de

saúde mental podem ampliar os espaços de reconhecimento destas no atendimento às

necessidades sociais explicitadas pelos usuários da saúde mental.

Devido à abertura de novos espaços de atuação nessa área, cada vez mais se

exige do assistente social um conhecimento acerca da construção da política de saúde

mental e dos diferentes elementos que a perpassam, possibilitando assim, sua efetiva

contribuição na construção e ampliação de novos espaços reconhecedores e

garantidores dos usuários da saúde mental como sujeitos de direitos.

2.4 A INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE MENTAL

No Brasil, o Serviço Social começou como assistência aos trabalhadores para

“amenizar” a relação entre capital e trabalho, através da intervenção nas refrações

mais imediatas da “questão social”, tais como fábricas, previdência, assistência social

(Iamamoto e Carvalho, 1998).

O serviço social imediatamente entrou na área da saúde, porém, não constituindo

a Psiquiatria como um campo de atuação separado no Serviço Social, em razão

também ao pequeno número de assistentes sociais trabalhando exclusivamente com o

problema da loucura (BISNETO, 2011).

Conforme Resende (1990 apud BISNETO, p.21):

42

Nos primeiros trinta anos de existência de Serviço Social no Brasil não havia muitos assistentes sociais trabalhando na área psiquiátrica em clínicas, hospitais ou manicômios simplesmente porque o número desses profissionais era reduzido até os anos 1960 (ainda não ocorrera a “privatização” dos serviços públicos de saúde). Havia hospícios estatais nas principais capitais do Brasil [...].

Historicamente, a inserção do assistente social em saúde mental no Brasil tem

início em 1946, a partir do trabalho em instituições voltadas para a infância. Nesses

espaços, os assistentes sociais eram designados para desempenhar as seguintes

atribuições: estudo de caso da família, da criança e do adolescente, a fim de “prevenir”

o aparecimento das neuroses da infância.

Segundo Vasconcelos (2000) as escolas de Serviço Social, após a formação dos

primeiros assistentes sociais, procuraram inserir os profissionais nos hospitais

psiquiátricos para desempenhar as funções voltadas para a área da assistência social.

Em seguida o assistente social é incorporado aos hospitais psiquiátricos, atuando na

“porta de entrada e saída” dos serviços, como informa Vasconcelos (2007).

aos médicos, e à direção da instituição, atendendo prioritariamente as suas demandas por levantamentos de dados sociais e familiares dos pacientes e/ou de contatos com os familiares para preparação para alta, de confecção de atestados sociais e de realização de encaminhamentos, em um tipo de prática semelhante, porém mais burocratizada e massificada [...] (VASCONCELOS, 2000, p. 187).

Percebe-se que o trabalho do assistente social era nessa época, um trabalho

superficial e meramente assistencialista. O trabalho profissional não tinha por objetivos

pensar nas condições subjetivas de reabilitação do sujeito. O trabalho do assistente

social não reconstruía as mediações entre a dimensão objetiva e subjetiva do sujeito, e

por isso, não passava de uma ação burocratizada cujo objetivo centrava-se na

legitimação dos interesses da medicina mercantilizada, legitimando práticas

manicomializantes.

Bisneto (2009) ressalta que “em termos teóricos, essas práticas iniciais guardam

uma distância muito grande em relação ao Serviço Social atual, uma vez que àquela

época predominavam abordagens de cunho eugênico e da higiene mental”. (BISNETO,

2009: p.22). Assim, fica claro que as primeiras intervenções não possuíam o arcabouço

43

teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo que atualmente a profissão se

propõe a ter em suas intervenções.

As práticas profissionais não colocavam como objetivo a mudança de concepção, do contexto e da prática profissionais dentro da instituição como um todo, nem tinham uma proposta de reabilitação psicossocial efetiva que abrangesse o conjunto das dimensões existenciais e sociais do usuário. (VASCONCELOS, 2000, p. 188).

A ampliação do Serviço Social no Brasil ocorreu ao final da Segunda Grande

Guerra Mundial (1945), configurando como uma profissão pautada às exigências do

capitalismo e suas mais diversas crises, mas foi com o desenvolvimentismo proposto

pela ditadura militar (1964 – 1985) que se ampliou efetivamente, no que concerne ao

atendimento a serviços previdenciários dos institucionalizados em manicômios:

A ampliação do Serviço Social no Brasil ocorreu ao final da Segunda Grande Guerra Mundial (1945), configurando como uma profissão pautada às exigências do capitalismo e suas mais diversas crises, mas foi com o desenvolvimentismo proposto pela ditadura militar (1964–1985) que se ampliou efetivamente, no que concerne o atendimento a serviços previdenciários dos institucionalizados em manicômios: ou benéficos para a lógica dos manicômios a fim de legitimá-los na situação de pobreza dos pacientes” (BISNETO 2005, p. 112-113).

Durante a ditadura militar o maior problema apresentado ao governo era a

pobreza que precisava ser controlada, pois poderia gerar contestações da sociedade,

principalmente com a incorporação na rede previdenciária, através do atendimento aos

trabalhadores e seus dependentes. Sendo assim, o assistente social foi demandado

pelo Estado ditatorial para atuar como executor de políticas sociais na área da saúde

mental.

Uma grande quantidade de assistentes sociais passou a trabalhar na saúde mental por demanda do governo da ditadura, para legitimá-lo através de políticas sociais dúbias no atendimento ao trabalhador e para abafar as contradições no sistema manicomial, mais sem o apoio de referenciais teóricos para guiar a profissão, caindo a atuação numa definição pratica e teórica (BISNETO, 2001).

No Brasil, Bisneto (2005) afirma que apenas na década de 1990, esta estrutura de

44

tratamento com Assistentes Sociais do pós-64, é reaproveitada pelo Movimento de

Reforma Psiquiátrica Brasileira, mas que a exigência de um profissional de Serviço

Social em hospitais psiquiátricos acontece apenas em 1970, como reivindicação

obrigatória do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).

Elementos como a elaboração do Projeto da Reforma Sanitária, o avanço que se

deu com a construção da Carta Magna (1988) e a criação do Sistema Único de Saúde

(SUS), fizeram com que o Serviço Social brasileiro conquistasse um espaço maior na

política de saúde, tornando-a em um grande empregador de assistentes sociais,

conforme afirma BRAVO:

A área da saúde é tomada como referência por ser um dos setores significativos na atuação do Serviço Social, tendo concentrado historicamente um grande quantitativo de profissionais, situação que permanece até os dias correntes. (BRAVO 2007, p.25).

Nas décadas de 1980 e 1990, com as transformações operadas pela Reforma

Psiquiátrica, que alterou o modelo de assistência, a área da saúde mental exigiu

abordagens mais comprometidas teórico e politicamente, principalmente pela proposta

de desinstitucionalização, de retirada da atenção em saúde mental do âmbito do

manicômio, atribuindo ao doente mental a condição de sujeito portador de transtorno

mental, digno de receber uma atenção baseada em direitos sociais (SILVA e SILVA,

2007).

Ainda para os mesmos autores, SILVA e SILVA, (2007), o novo Modelo de

Assistência em Saúde Mental propõe um desafio atual dos trabalhadores dessa área

(dentre eles o assistente social), o manuseio de novas técnicas e a adoção de novas

perspectivas teóricas e éticas. A realidade vivenciada pelo usuário dos serviços de

atenção em saúde mental exige uma intervenção profissional crítica e competente, que

só poderá se concretizar através de uma análise crítica da realidade e compromissada

com a democracia e a cidadania contempladas pelo projeto ético-político.

A definição e ampliação dos direitos para os portadores de transtornos mentais,

assim como a possibilidade de acionamento de recursos e dispositivos legais (Lei nº

10.216 – Lei Paulo Delgado) – implicam em um processo de articulação de novos

preceitos e paradigmas que posicionam e sustentam novas frentes de trabalho para o

45

profissional de Serviço Social. A Lei nº 10.216 redireciona o modelo da assistência

psiquiátrica. Sendo assim, podemos identificar em diversas legislações criadas nesse

período, a inserção do assistente social nas equipes de saúde mental e em todas as

áreas que tangem à saúde mental.

Em face da caracterização do novo modelo de assistência em saúde mental que

se contrapõe aos manicômios, o assistente social tem garantido seu espaço, uma vez

que esse profissional é capacitado para intervir a favor da garantia dos direitos sociais

e promoção da cidadania.

46

3 ANÁLISE DAS FALAS DOS FAMILIARES CUIDADORES DA PESSOA EM

SOFRIMENTO PSÍQUICO EM RELAÇÃO AO CUIDAR

O presente capítulo trará uma reflexão de aspectos relacionados ao cuidar de

uma pessoa em sofrimento psíquico, a partir dos dados coletados nas entrevistas

semiestruturadas com familiares cuidadores de pessoas em sofrimento psíquico,

fazendo paralelamente, um diálogo com autores que abordam a mesma temática.

Faz-se necessário esclarecer, antes de iniciarmos a análise dos dados

propriamente dita, que buscando manter uma postura ética em relação aos nossos

sujeitos da pesquisa, os mesmos não terão seus nomes verdadeiros expostos no texto.

Sendo assim, substituiremos os nomes dos sujeitos pesquisados por nomes fictícios,

sendo eles respectivamente, Maria, Ana, Joana e Laura.

3.1 HISTÓRIAS DOS FAMILIARES E PESSOAS EM SOFRIMENTO PSÍQUICO

A HISTÓRIA DE MARIA E DE SEU FAMILIAR EM SOFRIMENTO PSÍQUICO

Maria tem 71 anos, sexo feminino, cursou o ensino fundamental completo.

Aposentada, cuida da pessoa em sofrimento psíquico desde bebezinho, quando tinha

apenas dois meses de vida. A mãe da criança apresentava problemas psiquiátricos, e

por conta disso, o pai da pessoa em sofrimento psíquico sempre o deixava sob os

cuidados de sua tia, Maria. Quando este tinha seis anos de idade, foi deixado

definitivamente com a mesma. Atualmente, a pessoa em sofrimento psíquico tem 36

anos, sexo masculino, cursou o ensino médio completo, nunca trabalhou.

Ao ser indagada sobre quando surgiram os primeiros sintomas da doença, Maria

nos relatou que desde novinho ela sabia que ele não era “normal”. Segundo ela: “Ele

era muito parecido com a mãe dele, ela não dizia coisa com coisa. Ele sempre foi muito

agitado, desde a infância ele se isolava, não conversava com ninguém” (SIC).

Seu esposo, segundo os relatos de Maria, sempre foi muito ciumento, pois

achava que ela cuidava mais do sobrinho do que dele. Os outros membros da família

lidaram com normalidade quando perceberam os primeiros sintomas da doença.

47

Ao perguntar se ela optou por cuidar do sobrinho, Maria nos falou que acha que

nasceu para isso, pois cuidou de seu pai, já falecido, que tinha problemas psiquiátricos,

cuidou de seu esposo, alcoolista e por fim, seu sobrinho.

Seu irmão, ao separar da mãe da pessoa em sofrimento psíquico, o levou pra

casa dela e lá o deixou. Ela diz não achar ruim ter de cuidar dele, mas que para ela, o

mais difícil é a preocupação que ela sente, pois quando ele está em surto, ele some.

Quando perguntamos se ela sabe o diagnóstico da doença de seu familiar e se

ela entende o que isso significa, Maria nos respondeu que sim, “sei sim, o médico disse

que é uma doença da cabeça” (SIC).

A pessoa em sofrimento psíquico em questão não sai de casa, passa a maior

parte do tempo isolado, dentro do quarto, não conversa, nunca trabalhou. Sobre o

tratamento do CAPS, Maria fala que nunca teve dificuldades em levá-lo ao médico, fala

com muito entusiasmo sobre o tratamento ofertado pela instituição. “Ave-Maria, mulher,

se não fosse esse tratamento aqui eu já tinha era morrido, quando eu venho aqui eles

me tratam muito bem” (SIC).

Quando indagada sobre o setor de serviço social, ela informa que já procurou a

assistente social para solicitar informações sobre benefício social, mas nos relatou que

nunca conseguiu. Perguntamos se ela tinha conhecimento sobre a Lei nº 10.216, ela

nos respondeu que não conhece, e mostrou-se desacreditada com as leis, ao dizer:

“Eu não conheço não, mas essas leis não funcionam de verdade” (SIC).

A HISTÓRIA DE ANA F2 E DE SEU FAMILIAR EM SOFRIMENTO PSÍQUICO

Ana tem 49 anos, sexo feminino, não trabalha, cursou o ensino fundamental

completo. Cuida da pessoa em sofrimento psíquico, sua irmã, desde que sua mãe

faleceu. A pessoa em sofrimento psíquico tem 55 anos, é do sexo feminino, não

alfabetizada, nunca trabalhou.

Segundo relatos de Ana, sua irmã desde pequena apresenta comportamentos

diferentes. Moravam no interior, não sabiam o que era um médico. Sua mãe dizia

quando viva que sua irmã já nasceu apresentando alguns problemas.

48

A mãe dizia que ela dava muito trabalho desde pequena, minha mãe disse que ela teve doença de criança, eu não sei o que é isso. Hoje, a perturbação dela é ficar repetindo as coisas, se você disser uma coisa pra ela, ela fica repetindo 100 vezes (SIC).

Ana nos contou que o ato de levar a irmã ao médico sempre é um momento muito

difícil, pois a irmã não aceita o fato de estar doente. “Trazer ela no médico é sempre

muito difícil, ela não gosta, diz que não é doida, bota o maior boneco pra vir pra cá, ela

não gosta de sair de casa não”(SIC).

Nos relatou também que não teve opção em ser a cuidadora principal, pois só há

ela de irmã. Sente-se cansada, estressada, e que há momentos em que lhe falta

paciência para lidar com a situação.

Tem horas que eu perco a paciência, eu já tive depressão, cuidei dos meus pais sozinha e agora dela, se eu não tivesse ela eu poderia trabalhar, mas foi o jeito eu cuidar dela, ela é mesmo que uma criança (SIC).

Retardo mental e esquizofrenia, esse foi o diagnóstico dito por Ana quando

indagamos se ela sabia qual era o diagnóstico de sua irmã, mas o fato de dizer o nome

do problema de saúde não significa dizer que haja uma compreensão do que seja a

doença. Ela completou dizendo que “A Dra. botou isso no prontuário dela, mas eu não

entendo o que é isso não, os médicos aqui não conversa com ninguém, só faz passar o

remédio e pronto” (SIC).

A pessoa em sofrimento psíquico também não sai de casa, fica isolada, assistindo

televisão. Sua cuidadora diz que a convida para sair, mas ela nunca aceita, ela não

quer sair de casa, fica isolada, calada, não gosta muito de conversar.

Para Ana, as principais dificuldades em relação ao cuidar de uma pessoa em

sofrimento psíquico é o cansaço. Ela sente-se triste e teme ser agredida pela irmã.

“Tem dias que ela tá meio perturbada, se eu pedir uma coisa pra ela, tem dias que ela

nem responde, se eu insistir, ela fica aborrecida” (SIC).

Ao falar do que acha do tratamento oferecido pelo CAPS, Ana relatou que

percebe a melhora de sua irmã, fez elogio a instituição, e reconheceu a melhora que

49

sua irmã está apresentando após ter iniciado o tratamento.

Eu gosto daqui, depois que ela passou a fazer o tratamento, eu vejo que ela tá melhorando mais um pouquinho. Todos aqui me tratam muito bem, eu gosto de todas as doutoras, elas sempre me acolheram bem (SIC).

Quando indagada se já tinha procurado o Serviço Social para algum tipo de

atendimento, Ana relatou que procurou atendimento no setor de serviço social apenas

uma vez, para solicitar informações sobre benefício social. Perguntamos se ela tinha

conhecimento da existência da Lei 10.216, mas ela nos informou que nunca ouviu falar

sobre a lei.

HISTÓRIA DE JOANA E DE SEU FAMILIAR EM SOFRIMENTO PSÍQUICO

Joana tem 58 anos, sexo feminino, possui ensino fundamental incompleto. Nunca

trabalhou. Desde que seu filho nasceu, não pôde trabalhar. É a cuidadora principal de

seu filho que tem 26 anos, sexo masculino, não alfabetizado, nunca trabalhou.

Seu filho desde pequeno foi acompanhado por neurologistas. Com cerca de dois

anos de vida ele começou a falar e de repente não falava mais. Só retornou a dizer

algumas palavras aos 12 anos de idade. “De primeiro ele era muito agressivo, agitado”

(SIC).

Para Joana, “como mãe dele, eu tinha que cuidar dele, eu sempre fui a cuidadora

principal” (SIC). As outras pessoas da casa se relacionam bem com ele, mas “É muito

difícil lutar com esse menino, viu? A gente luta porque a gente é mãe né? A gente não

vai botar o filho da gente no lixo. Não adianta a gente reclamar não, a gente tem mais é

que aceitar” (SIC).

Quando perguntamos a Joana se ela sabia o diagnóstico de seu filho e se ela

entendia o que isso significava, foi possível perceber que diante de nós estava mais um

familiar que como muitos outros não tinham conhecimento sobre a doença de seu

familiar. Ela nos respondeu: “Vixe, eu não sei não, mas tem anotado no cartão dele lá

em casa, eu tenho o atestado dele” (SIC).

A pessoa em sofrimento psíquico, também apresenta as mesmas características

das pessoas em sofrimento psíquico anteriores: não tem convívio com a comunidade,

50

não se relaciona com ninguém da rua, não sai pra fora de casa, a não ser nos dias de

consulta. Por fim, passa a maior parte do tempo em seu quarto.

Ele não se entrosa não, eu queria que ele pelo menos ficasse na calçada um pouquinho, mas ele não procura ficar pertinho de ninguém, meu problema mais é esse ai, ele só fica perto de mim (SIC).

Para Joana, a maior dificuldade enfrentada em cuidar de uma pessoa em

sofrimento psíquico é o fato das pessoas não entenderem a doença do filho, e, nos fala

também do cansaço que sente, dizendo que as pessoas da casa até ajudam um pouco,

mas ela é quem assume o cuidado com a pessoa em sofrimento psíquico. “A gente fica

cansada, estressada, mas é assim mesmo” (SIC).

Sobre os serviços de saúde, Joana diz que gosta muito de todos do Caps, faz

elogio ao médico, dizendo que ele é muito bom, que gosta muito da instituição. Ela

nunca precisou ser atendida pelo setor de serviço social, ela também não conhece a

Lei nº 10.216, diz já ter ouvido falar mas nunca procurou saber do trata a lei.

A HISTÓRIA DE LAURA E DOS FAMILIARES EM SOFRIMENTO PSÍQUICO

Laura tem 52 anos, sexo feminino, cursou o ensino fundamental incompleto,

possui uma lanchonete, mas quem toma conta são dois funcionários contratados, pois

ela não consegue ficar muito tempo fora de casa. É a cuidadora principal de sua filha e

esposo, ambos apresentam sofrimento psíquico, sua filha tem 29 anos, cursou o

segundo grau completo, nunca trabalhou. Desde a infância passa a maior parte do

tempo isolada, não se relacionava com ninguém. Laura preferiu participar da entrevista

falando sobre o ato de cuidar da filha. Por conta disso, não traremos muitos dados

sobre seu esposo.

Aos 21 anos sua filha teve a primeira crise convulsiva. Desde esse

acontecimento, começou a apresentar episódios de agressividade, e passou a se isolar

cada vez mais. Após a primeira crise, Laura procurou ajuda médica imediatamente,

mas relatou que sua filha, assim como várias outras pessoas em sofrimento psíquico,

não aceita fazer o tratamento. “Ela diz que não vai ao médico, que não é doida” (SIC).

Quando indagada se ela era a cuidadora principal, Laura respondeu ser a mãe

51

dela e que não pode abandoná-la, fala de seu marido, dizendo que ele é seu principal

problema.

O esposo de Laura tem 53 anos, possui o ensino fundamental incompleto. Não

trabalha, diagnóstico de Distonia. Há seis meses não sai de casa. Vive totalmente

isolado, sem contato com a comunidade, e pouco diálogo com a família.

Para Laura, o fato de cuidar de duas pessoas em sofrimento psíquico fez mudar

toda a rua rotina. Ela nos relatou que não consegue mais trabalhar, relatando também

estar cansada, estressada, e que se sente triste, mas a principal dificuldade é o

cansaço mental.

Mudou minha rotina totalmente, ela é altamente infantil, ela só consegue se relacionar com crianças. Às vezes por ela ter esse lado infantil, tem gente que tem medo de ver o filho perto dela, medo dela machucar, isso me entristece. Meu marido é totalmente dependente de mim, só come se eu der, só toma água se eu mandar, e ele sismou, depois que ele adoeceu, que ela não é filha dele, daí ele não gosta dela, diz que eu tenho que cuidar é dele (SIC).

Laura diz que se sente bem informada quanto ao tratamento de seus familiares,

não por ser informada e esclarecida pela instituição de tratamento, mas por buscar por

iniciativa própria informações sobre as doenças de seus familiares. “Eu procuro ser pra

poder saber como lidar com a situação. Eu gosto do tratamento daqui, me sinto

acolhida” (SIC).

Quanto ao setor de saúde mental, Laura informou que já foi atendida no setor de

serviço social, buscou atendimento com a assistente social para conversar, queria

desabafar. Falou também que nunca ouviu falar da Lei nº 10.216.

3.2 ANÁLISES DAS FALAS DOS FAMILIARES CUIDADORES DE PESSOAS EM

SOFRIMENTO PSÍQUICO

3.2.1 PERFIL DO FAMILIAR ENTREVISTADO E DA PESSOA EM SOFRIMENTO

PSÍQUICO

52

GRAU DE

PARENTESCO

IDADE ESCOLARIDADE TRABALHA? IDADE

DA PSP

ESCOLARIDADE DIAGNÓSTICO

CID 10

Tia 71a Fund. Incompleto Não 36a Ensino Médio F 20

Irmã 49a Fund. Incompleto Não 55a Não Alfabetizado F 20

Mãe 58a Fund. Incompleto Não 26a Não Alfabetizado F 70

Mãe 52a Fund. Incompleto Não 29a Ensino Médio G 40.9 e F70

Quanto à idade do cuidador, a faixa etária teve a variação entre 49 e 71 anos,

todas do sexo feminino, cujo parentesco com a pessoa em sofrimento psíquico era

respectivamente, uma tia, uma irmã e duas mães.

Os dados coletados nos possibilitaram constatar que das quatro pessoas em

sofrimento psíquico, nenhuma delas estão inseridas no mercado de trabalho.

Solicitaram um benefício social junto ao INSS, mas não obtiveram êxito. Uma delas

passou a receber uma aposentadoria após o falecimento de seu pai.

Em geral, os pacientes psiquiátricos apresentam grandes obstáculos para produzir economicamente, o que implica uma situação de dependência da família. São altos os custos com medicação, tratamento, alimentação, vestuário, transporte, mesmo quando fazem uso de serviço público de saúde. Frequentemente, um familiar precisa ficar cuidando da pessoa adoecida, o que impossibilita seu acesso ao trabalho […] (MELMAN, 1959, p.80).

A dificuldade da pessoa em sofrimento psíquico em conseguir inserir-se no

mercado de trabalho está muito próxima da questão do preconceito. Quando consegue

ter direito a um benefício social, este pode minimizar os problemas gerados pela

impossibilidade de trabalhar. Salienta-se, então, a importância dos serviços

substitutivos como os CAPS e das iniciativas de oficina de geração de renda, uma vez

que estas resgatam a autoestima dos usuários, mostrando que são capazes de

aprender e produzir.

3.2.2 A RENÚNCIA AO TRABALHO COMO A PRINCIPAL MUDANÇA APONTADA

PELOS FAMILIARES CUIDADORES

Os depoimentos obtidos apresentaram evidências de que o cotidiano dos

familiares cuidadores de pessoas em sofrimento psíquico fica bastante afetado devido

a presença de um membro doente, uma vez que o próprio ato de cuidar exige tempo

disponível para fazê-lo, o que acaba, por vezes, comprometendo a possibilidade de

53

geração de renda por parte dos familiares. Das quatro pessoas entrevistadas, uma está

aposentada e as outras três tiveram que interromper suas atividades profissionais após

tornarem-se cuidadoras da pessoa em sofrimento psíquico.

Se eu não tivesse ela, eu poderia trabalhar. Ela é mesmo que uma criança, tem que ajudar ela em tudo. Eu não consigo nem sair pra fazer as faxinas, ela atrapalha muito a minha vida, mas eu não queria nem dizer isso não, deus não quer que eu fale assim. Ana.

Eu deixei de trabalhar quando ele nasceu, era pra eu estar trabalhando ainda, mas não adianta a gente reclamar, eu tenho é mais que aceitar. Joana.

Mudou a minha rotina totalmente [...] eu tenho uma lanchonete, tenho dois funcionários, mas eu não consigo cuidar do meu negócio, tenho que pagar outras pessoas pra cuidar. Laura.

Como podemos observar nas falas das pessoas entrevistadas, nenhuma das

cuidadoras exercem alguma atividade remunerada, tendo a família uma renda mensal

com a variação de dois salários-mínimos, a menos de um salário-mínimo por mês. A

renúncia ao trabalho foi a principal mudança que ocorreu na vida das entrevistadas

relatadas por elas. Ao terem que assumir o papel de cuidadora principal, suas vidas

passaram a girar em torno da pessoa em tratamento.

O familiar cuidador acaba direcionando toda a sua atenção a pessoa em

sofrimento psíquico, sendo ele, o tema central de suas vidas. Isso acaba causando

grandes impactos econômicos como: a dificuldade para comprar alimentos, produtos

de higiene, roupas, medicamentos, dentre outros.

Sobre o surgimento dos primeiros sintomas da doença, verificamos em todas as

falas dos familiares cuidadores das pessoas em sofrimento psíquico, que estes

surgiram muito cedo. Desde criança, os familiares já percebiam comportamentos

considerados “anormais” para a faixa etária de cada uma. Comportamentos como

agitação, isolamento social, agressividade, dependência, foram citados pelos familiares

cuidadores. Muitos deles eram comuns entre os relatos destas.

Desde novinho eu já sabia que ele não era normal, ele era muito parecido com a mãe dele, ela não dizia coisa com coisa, ele sempre foi muito agitado, desde a infância ele se isolava, não conversava com ninguém. (Maria).

Mulher a minha irmã é assim desde pequena, desde que ela nasceu minha mãe conta que ela já nasceu problematicazinha, ela custou a andar, a falar, mas a gente morava no interior, não sabia nem o que era médico. A mãe dizia

54

que ela dava muito trabalho desde pequena, tomava o choro, minha mãe disse que ela teve doença de criança, eu não sei o que é isso, ela só queria ficar nos braços. A perturbação dela agora é assim, ela fica repetindo as coisas, se você disser uma coisa pra ela, ela fica repetindo 100 vezes. (Ana).

Eu percebi logo, ele tinha uns dois anos e meio, ele começou a falar e deixou de falar, ai ele começou a falar de novo com 12 anos. De primeiro ele era muito agressivo, agitado, mas agora ele melhorou. (Joana).

Quando ela tinha 21 anos, ela teve uma crise convulsiva, ai a partir daí ela passou a tomar medicação, mas desde criança ela sempre foi muito diferente das outras crianças. Ela chorava muito, não se relacionava com ninguém, ela sempre foi muito dependente de mim, ela não conseguia fazer suas próprias escolhas. (Laura).

Frequentemente, o transtorno mental surge como um evento imprevisto, que

impacta, produz um resultado (Cohen, 1993). O impacto abrange um amplo espectro, e

seus desdobramentos variam de um grupo familiar a outro, em virtude de sua

localização na estrutura social e de sua singularidade, de sua biografia particular.

(ROSA, 2011).

Após o surgimento dos primeiros sintomas, podemos observar nas falas a partir

das entrevistas que todos os familiares procuraram ajuda de imediato. Das quatro

pessoas em sofrimento psíquico, três delas apresentam, até os dias de hoje, certa

resistência em aceitar o tratamento médico. Uma delas procurou ajuda por conta

própria.

Não procuramos ajuda, ele mesmo por conta própria quando se sentia mal, saia procurando os hospitais, até que ele achou esse lugar aqui, ele mesmo se consultou e chegou em casa com um saco de remédio, mas disse que não ia tomar porque aquilo era droga. (Maria). Uma vez uma vizinha tentou levar ela no médico, mas ela disse que não ia porque não era doida. Toda vez que tem consulta é um sacrifício, ela bota o maior boneco pra ir pra consulta. (Ana). Não, logo eu levei ele na neurologista e quando ele cresceu, ele veio para o Caps, mas ele não gosta não de vir pra cá. Mas eu trago né? Ele sabe que tem que vir para o Caps, mas ele não gosta. (Joana). Assim que ela teve a crise eu procurei ajuda médica, primeiro ela foi consultada com a neurologista, depois ela veio para o CAPS, mas ela não aceita, ela diz que não é doida. (Laura).

Segundo Vasconcelos (2002, p.270), a pessoa em sofrimento psíquico quase

55

nunca se reconhece como um “doente”, apesar de sofrer psiquicamente, tornando

assim imposta a sua condição de “paciente” que necessita de tratamento.

O reconhecer e aceitar a doença faz a diferença, pois o tratamento é entendido

como essencial e necessário para melhora da qualidade de vida do paciente e de seus

familiares. Contudo, o sucesso do tratamento está diretamente relacionado ao modo de

como paciente compreende sua doença.

O cuidar da pessoa em sofrimento psíquico representa para a família um desafio,

pois esta precisa trabalhar com os sentimentos intrínsecos à vivência de um

acontecimento imprevisto e com seus próprios preconceitos em relação à doença, o

que implica em modificar a forma de ver a pessoa com transtorno mental. Perceber o

ser humano como um ser de possibilidades, capacidades e potencialidades, é perceber

a pessoa muito além das limitações impostas por sua enfermidade (SCHRANK;

OLSCHOWSKY, 2008).

3.2.3 A MULHER COMO CUIDADORA DA PSP E AS PRINCIPAIS DIFICULDADES

ENCONTRADAS NO ATO DO CUIDAR.

Nos chama a atenção o fato de todas as cuidadoras serem do sexo feminino. O

fato descrito nos remete ao que vimos no capítulo anterior desta pesquisa, onde

pontuamos que, em boa parte da história da humanidade, a cultura e a tradição

tenderam a responsabilizar a mulher pela execução de tarefas e atividades voltadas

para o interior do lar. O que se pode interpretar dessas informações é que o cuidado é

majoritariamente um encargo da família de origem e é um trabalho feminino.

A necessidade de prover cuidado ao portador de transtorno mental esteve

historicamente associada, de um lado, à função que o hospital psiquiátrico tem

cumprido nas respostas do Estado à questão social, e de outro, às funções

“naturalizadas” na esfera da reprodução social que a família tem exercido. Mas também

tem um componente de gênero, pois majoritariamente é um encargo atribuído e

assumido pela mulher. (ROSA, 2011).

Das quatro cuidadoras entrevistadas, duas são mães, e ao perguntar se elas se

tornaram as cuidadoras principais por opção, as duas responderam como se o fato de

56

serem as mães das pessoas em sofrimento psíquico a obrigassem a ser também as

cuidadoras principais. Observa-se nesse sentido, a dificuldade que há em se

desencantar a relação mãe-filho que persiste no imaginário social como um mito. A

mãe tanto é pressionada socialmente para assumir o provimento de cuidado, como

bem expresso no dito popular “quem pariu Mateus que balance”, quanto tem

internalizado como um encargo que lhe é devido porque “A gente não vai botar o filho

da gente no lixo” (Joana) (SIC).

As outras pessoas entrevistadas também não se tornaram as cuidadoras

principais por opção, o fato aconteceu como uma consequência em suas vidas.

Desde que ele tinha dois meses de vida, o pai dele, meu irmão, trazia ele aqui pra casa, porque a mãe dele vivia sendo internada, mas ele passou a morar de vez comigo quando tinha uns 6, 7 anos, meu irmão trouxe ele pra cá e pronto, não fui eu que pedi pra cuidar não. (Maria).

Minha mãe era quem cuidava dela, mas desde que a minha mãe faleceu, eu fiquei cuidando dela. Só somos nós duas, só tinha eu pra cuidar dela, foi o jeito eu cuidar né? (Ana).

Sempre fui a cuidadora principal dele, como a mãe dele, eu é que tinha de cuidar dele né? (Joana).

Ela já foi casada, mas sofreu muito nesse casamento, ela era violentada, o marido dela tacava a cabeça dela na parede, mas eu sempre cuidei e acompanhei ela. Eu sou a mãe dela né minha filha, não posso abandonar ela. (Laura).

Podemos observar pontos comuns quanto às principais dificuldades encontradas

no ato do cuidar de uma pessoa em sofrimento psíquico relatados nas entrevistas.

Sentimentos como: preocupação, cansaço físico e mental, estresse, tristeza, angústia,

repetia-se nas falas das entrevistadas.

Pra mim, o mais difícil é a preocupação que a gente sente. Às vezes quando ele sumia, era muito ruim, eu não conseguia dormir. Eu chorava, ficava preocupada, triste. (Maria).

Tem dias que ela tá meio perturbada. Eu me sinto muito cansada, é muita responsabilidade ter que cuidar dela. (Ana).

A maior dificuldade é as pessoas não entenderem o problema de saúde dele. A gente fica tão sentida. Eu fico triste com isso. A gente também fica cansada, estressada, mas é assim mesmo. (Joana).

A principal dificuldade é o cansaço mental que a gente sente, porque a gente fica cansada, é difícil lidar com uma pessoa assim. Às vezes eu fico triste também. (Laura).

57

Quando um integrante da família adoece, é impossível omitir que esse fato surte

efeito na convivência diária da família, ocasionando ansiedade e preocupação. O

adoecer constitui-se evento imprevisto que desorganiza o modo de funcionamento

familiar, o trabalho e o estudo de seus integrantes. As relações pessoais já

estabelecidas dentro do universo familiar precisam de novo ajuste à doença e ao seu

enfrentamento (SCHRANK, 2006).

A convivência com o transtorno mental implica em sobrecarga familiar

caracterizada por dificuldades como: problemas no relacionamento com o familiar,

estresse por conviverem com o humor instável e a dependência da pessoa em

sofrimento psíquico, medo das recaídas e do comportamento do familiar doente no

período de crise (WAIDMAN, 2004).

É importante que a equipe de saúde mental atente para esta realidade,

considerando as condições reais da família, a fim de propiciarem oportunidades de

superar dificuldades vividas e minimizar a sobrecarga. A intervenção junto aos

familiares visa não apenas rotulá-los como cuidadores, mas como pessoas que

também precisam de cuidados.

Além de todo o desgaste familiar que os depoimentos coletados manifestaram,

sabemos que o grande investimento de tempo na assistência a pessoa em sofrimento

psíquico tem como consequência a falta de tempo para realização de outras atividades

de lazer, cultura e socialização do grupo familiar. Assim, tal situação se configura em

redução considerável das relações sociais e até ruptura delas, comprometendo a

interação da família com outros setores do social.

Vale salientar, que não é só a interação social da família com outros setores

sociais que está comprometida, as pessoas em sofrimento psíquico das quais trata

essa pesquisa, também estão com suas relações sociais bastante afetadas. Ao serem

indagadas sobre se a pessoa em sofrimento psíquico interage com a sociedade,

obtivemos as seguintes respostas:

Não, ele não sai de casa sozinho não, ele fica o tempo todo dentro de casa. (Maria). Ela só fica em casa, ela não gosta de sair, ela em casa fica na dela, não gosta de conversar. (Ana). Ele não se entrosa não, não procura ficar pertinho de outras pessoas não, ele

58

fica em casa o tempo todo. (Joana). Na verdade, ela gosta mais de conversar com crianças e tem gente que tem um certo receito de deixar a criança perto dela, acho que tem medo dela machucar, isso me deixa triste, ela fica mais é em casa mesmo. (Laura).

Devemos considerar que as pessoas em sofrimento psíquico são seres humanos

iguais a qualquer outra pessoa, com habilidades e capacidades humanas e que não

podem ter suas vidas estigmatizadas pela “loucura”, deixando de ser obrigadas a

exercer atividades cotidianas.

É preciso que a sociedade vença as barreiras que os leva a ver a pessoa em

sofrimento psíquico ainda como aberração, ou como alguém que vem perturbar o

“normal funcionamento das coisas”. A partir disso, nos questionamos sobre de que

forma os serviços substitutivos vêm trabalhando com essas famílias na tentativa de

instruí-las sobre, de que maneira, essas pessoas podem ser reinseridas na sociedade.

Considerando a reinserção social como possibilidade de convívio do portador de

sofrimento psíquico com seus familiares, pares, amigos e demais membros da

sociedade através da circulação e ocupação dos espaços sociais, o estudo aponta que

os usuários entrevistados não estão plenamente reinseridos na sociedade, pois o

CAPS é o único local de socialização desses sujeitos e ainda existe um grande

preconceito direcionado a esse público por frequentar um local de assistência

psiquiátrica. Além disso, de forma geral, os usuários do serviço não estão inseridos no

mercado de trabalho, o que conta como mais um ponto de invisibilidade social.

Na verdade, o fato é que essas pessoas deixaram de serem reféns dos muros

hospitalares e passaram a serem reféns dos muros de suas próprias casas. Uma das

propostas da Reforma Psiquiátrica é buscar a socialização para as pessoas em

sofrimento psíquico, com vista a transformar a realidade vivenciada pelos mesmos e

modificar as concepções da sociedade acerca da loucura. No entanto, isso não será

possível enquanto estes continuarem a viver uma discriminação silenciosa, dentro dos

quatro cantos da parede de seus quartos, em suas casas.

59

3.2.3 COMO O FAMILIAR SE RELACIONA COM OS SERVIÇOS DE SAÚDE (CAPS)

O modelo de atenção psicossocial oferecido a pessoa em sofrimento psíquico,

preconizado pela reforma psiquiátrica brasileira em vigência tem como ponto central a

reinserção do paciente em seu meio sócio-familiar de origem.

O adoecimento de um membro da família representa, em geral, um forte abalo.

Para a maioria das pessoas a enfermidade significa uma grande ruptura na trajetória

existencial […]. Muitos familiares não estão preparados para enfrentar os problemas,

não sabem como agir. (MELMAN, 1959, p. 20).

Muitos médicos não dão informações detalhadas acerca da ação dos fármacos e

de seus possíveis efeitos colaterais. Não explicam o significado de um determinado

diagnóstico, não explicam os motivos dos procedimentos terapêuticos. (MELMAN,

1959, p. 91).

Podemos constatar essa realidade nas falas dos familiares entrevistados, quando

indagados sobre se tinham conhecimento do diagnóstico de seus familiares e se

compreendiam o seu significado.

Nos dias de consulta, o doutor entra na sala, pergunta como ele está, eu respondo, ele passa o remédio e pronto, não conversa muito com a gente não. (Maria). A Dra botou isso no prontuário dela, mas eu não entendo o que é isso não, os médicos aqui não conversa com ninguém, só faz passar o remédio e pronto. (Ana). Vixe, eu não sei não, mas tem anotado no cartão dele lá em casa, eu tenho o atestado dele. (Joana). Ela tem epilepsia e retardo mental leve. A assistente social andou explicando um pouco pra mim, eu consigo assimilar. (Laura).

A relação que a família mantém com as instituições de saúde, é de fundamental

importância para o tratamento da pessoa em sofrimento psíquico. No entanto,

identificamos uma fragilidade na comunicação entre familiar e instituição de

atendimento. Há a carência de informações/explicações dos profissionais de saúde

mental sobre o que é e o que significa o diagnóstico das pessoas que são atendidas

pela instituição.

60

A Lei nº 10.216, em seu Artigo 2°, Parágrafo VII, diz que “é direito da pessoa

portadora de transtorno mental, receber o maior número de informações a respeito de

sua doença e de seu tratamento”, e percebemos, a partir das falas dos familiares

entrevistados, que há limitações no cumprimento desta lei, especificamente neste

parágrafo, onde esse direito não está sendo garantido.

O serviço acaba se voltando apenas para a remissão do quadro sintomatológico,

ignorando que a família deve e precisa ser capacitada para lidar com a pessoa em

sofrimento psíquico. Isso pode se dá também pelo fato de que, existe um grande

número de pessoas em tratamento na instituição para um número limitado de

profissionais para prestar atendimento. Com isso, esses profissionais ficam

impossibilitados a dedicar mais tempo aos pacientes em suas consultas.

Ao mesmo tempo, ao serem indagadas sobre o que acham do tratamento

oferecido pelo CAPS e se elas se sentem acolhidas pela instituição, as participantes

fizeram elogios à instituição, demonstrando gratidão por seus familiares estarem sendo

atendidos. Porém, não têm a noção e o esclarecimento de que esse serviço é um

direito do usuário, estando previsto na Lei nº 10.216, onde a pessoa em sofrimento

psíquico deve ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de

beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no

trabalho e na comunidade.

Ave Maria, mulher, se não fosse esse tratamento aqui, ou eu já tinha morrido. Quando eu venho aqui eles me tratam bem. (Maria).

Eu gosto daqui, depois que ela passou a fazer o tratamento eu vejo que ela tá melhorando mais um pouquinho. Aqui todos me tratam bem, eu gosto de todas as doutoras, sempre me acolheram bem. (Ana).

Eu gosto muito daqui, às vezes as meninas botam ele na frente, eu nem preciso esperar muito. Eu gosto muito de todo mundo daqui. (Joana).

Eu gosto do atendimento daqui, me sinto acolhida, eu nunca senti nenhuma dificuldade aqui no CAPS. (Laura).

Quanto ao Serviço Social, foi possível observar que duas das pessoas

entrevistadas procuraram o serviço apenas para solicitar informações/documentações

para dar entrada no benefício social. Das outras entrevistadas, a terceira pessoa, ao

menos sabia aonde se localizava a sala do Serviço Social, quão menos as atribuições

desse setor na instituição. Por último, a quarta entrevistada nos relatou ter procurado a

61

assistente social para conversar, contar o que lhe passava no momento, na tentativa de

encontrar no assistente social, uma pessoa disposta a lhe ouvir e aconselhar.

Sim, eu fui lá pra saber do benefício, fui no médico também, mas eles dão um atestado ruim, não explica direito o que a pessoa tem, ai no INSS não aceita. E essa lei eu não conheço não, mas essas leis não funcionam de verdade. (Maria).

Sim, eu fui lá na doutora pra pegar o atestado pra levar pro INSS, pra tentar o benefício pra ela. E sobre a lei, eu nunca ouvi falar nessa lei não. (Ana).

Nunca fui atendida no serviço social não, não sei nem aonde é a sala. E já ouvi falar dessa lei, mas eu nunca procurei saber o que é não. (Joana).

Procurei a assistente social pra conversar, pedir pra ela me ajudar. E essa lei que você tá falando, eu ainda não tinha escutado falar dessa lei não. (Laura).

Para encerrar, as pessoas entrevistadas deixaram mensagens para aqueles que

também vivenciam o cuidar de uma pessoa em sofrimento psíquico:

Eu diria pra elas ter muita paciência minha filha porque lidar com essa situação não é nada fácil, é muito difícil pra gente. Maria

Eu diria assim pras pessoas, é muito difícil, você precisa ter muita fé em deus e pedir muito a deus força e saúde mental, porque elas deixam a gente doente também, e pedir muita paciência. Ana

Eu diria pras pessoas não rejeitar essas pessoas, elas são seres humanos igual às outras. Joana

Eu diria pra pedir a Deus muita paciência, só quem dá isso é deus, não é a psicóloga, não é a assistente social, não é o psiquiatra que vai dar não, eles ajudam, mas a paciência vem lá de cima. Laura

Os profissionais de saúde devem refletir sobre suas intervenções junto a pessoa

em sofrimento psíquico e seus familiares e identificar as necessidades deste grupo, é

preciso que também cuidemos daqueles que cuidam.

62

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo objetivou fazer uma discussão sobre a vivência – experiência do

cuidar pelo familiar da pessoa em sofrimento psíquico, a partir de seus relatos e

lembranças. Nesse sentido, longe de concluir quaisquer questões, pretendemos nesse

momento traçar indagações e impressões sobre o que estudamos.

A realização desse trabalho nos permitiu apresentar algumas considerações

aproximativas. Em relação ao familiar da pessoa em sofrimento psíquico, podemos

verificar que por muito tempo, este foi mantido afastado da pessoa em sofrimento

psíquico. Muitas vezes, o familiar era visto até mesmo como o causador da doença.

Isso acarretou sérios prejuízos, ocasionando um grande número de moradores em

hospitais psiquiátricos, e a partir da Reforma Psiquiátrica, este familiar passou a ser um

aliado ao tratamento.

Verificou-se no campo de pesquisa que ainda predomina em nossa sociedade,

uma visão preconceituosa em relação à pacientes em sofrimento psíquico, o que acaba

resultando na exclusão, marginalização e banalização afetiva e social de grande parte

das pessoas que necessitam de cuidados psicológicos e psiquiátricos. Essas pessoas

deixaram de ocupar os hospitais psiquiátricos e continuam presas aos muros de suas

próprias residências.

Constatamos também que mesmo sendo prevista na Reforma Psiquiátrica a

participação da família, esta não foi efetivamente incorporada no cotidiano dos serviços

de saúde mental. No Município de Maracanaú, o Centro de Atenção psicossocial vem

buscando estabelecer um bom atendimento em saúde mental, mas ainda faz-se

necessário que se busque cada vez mais estratégias para abranger esses familiares

durante o tratamento, na perspectiva de que esse grupo se torne parceiro no

tratamento da pessoa em sofrimento psíquico, tendo em vista que ele também precisa

de cuidados.

Para isto, é necessário que a equipe profissional não a veja somente como

suporte deste, pois frente à enfermidade ela também é fragilizada e necessitada de

cuidado. Deste modo, a atuação das equipes ao longo do tratamento não deve estar

restrita ao usuário, é preciso incluir ações que envolvam diretamente a atenção aos

63

familiares.

Alguns desafios ainda precisam ser vencidos para que a política de saúde mental

possa de fato, garantir os direitos de seus usuários, esta política precisa ser fortalecida.

Faz-se necessário consolidar e ampliar a rede de atenção de base comunitária, e

adotar a implementação de uma política de saúde mental eficaz no atendimento a

essas pessoas que sofrem com a crise social, com a violência e o desemprego.

Desinstitucionalizar não é apenas desospitalizar. Os serviços de saúde devem

acolher esses familiares para que eles também sejam cuidados, e consequentemente,

se tornem parceiros no tratamento da pessoa em sofrimento psíquico. Todavia, esse

familiar também deve fazer-se presente, participando e ajudando ativamente na

reintegração da pessoa em tratamento, junto à sociedade, colaborando com a

promoção de seus laços sociais.

Verificamos que ainda falta esclarecimento dos usuários dos serviços de saúde

mental sobre os serviços ofertados pela instituição, e qual a finalidade de cada serviço.

Esta, muitas vezes, acaba resumindo-se em um local onde os pacientes comparecem

apenas para a realização de suas consultas, sendo que a instituição vai além do

consultório médico. Ela visa promover a inserção social dos usuários através de ações

intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando

estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas.

A partir dessas falas nas entrevistas ficamos a nos perguntar: de que maneira

estão sendo realizadas essas ações, que vão para além dos consultórios médicos.

Qual o papel do assistente social na instituição num cenário em que há usuários do

serviço que ao menos sabem da existência do setor e qual o seu papel dentro do

CAPS?

Também se faz necessário que esses usuários sejam esclarecidos sobre seus

direitos e deveres como usuários do Sistema Único de Saúde. Eles não conseguem

perceber que existe algo a mais que precisa ser feito, que o que lhes é proporcionado,

por meio da assistência dos serviços de saúde, ainda deixa a desejar.

É preciso que a sociedade participe ativamente das discussões sobre os serviços

de saúde mental. Os usuários devem ser incentivados a criar suas associações, onde

possam, através da organização, discutir seus problemas comuns e buscar soluções

64

coletivas para questões sociais e de direitos essenciais, que ultrapassam as

possibilidades de atuação dos CAPS.

A experiência vivenciada dentro do CAPS a partir da realização dessa pesquisa

trouxe, além de conhecimentos inúmeros, a percepção de como muitas vezes, ações

tão pequenas resultem em grandes conquistas, melhoria do atendimento e,

consequentemente, na qualidade de vida do usuário. A realização deste estudo foi de

grande importância para amadurecimento intelectual e profissional. Através deste pude

aprofundar meus conhecimentos teóricos, através da bibliografia e, assim, aproximar

com a discussão proposta no trabalho.

65

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) a participar, como sujeito colaborador, da pesquisa FAMÍLIA E SOFRIMENTO PSÍQUICO: O DESAFIO DE SE TORNAR CUIDADOR. Este estudo está sendo desenvolvido pela pesquisadora FÁTIMA EVILENE FERREIRA COSTA, aluna do Curso de Graduação em Serviço Social da Faculdade Cearense, sob a orientação da Assistente Social Verbena Paula Sandy. O estudo tem por objetivo analisar a vivência – experiência do cuidar pelo familiar da pessoa em sofrimento psíquico, a partir de seus relatos e lembranças.

Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento.

Sua participação, voluntária, se dará por meio de história de vida e entrevistas semi-estruturadas, podendo ser utilizada a gravação em áudio. Todos os procedimentos e resultados da pesquisa seguirão estritamente padrões científicos e éticos, sem prejuízo ou dano para seus participantes.

Eu, ___________________________________________________Doc. nº. ____________,

abaixo assinado, concordo em participar voluntariamente do estudo em questão como sujeito pesquisado. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pela pesquisadora Fátima Evilene Ferreira Costa sobre a pesquisa, seus objetivos e os procedimentos nela envolvidos.

Estou ciente de que esta pesquisa não tem fins lucrativos e de que não terei direito a nenhuma remuneração referente à mesma, também fui informado (a) que todos os custos da pesquisa serão arcados pela pesquisadora. Os resultados serão divulgados na defesa da monografia, fruto deste trabalho e também poderão ser cientificamente divulgados em eventos, revistas e artigos, científicos e na internet.

Fui informado(a) de que meu nome não será divulgado e de que as gravações em áudio serão utilizadas apenas como banco de dados para análise. Fui informado(a) também de que os dados serão utilizados visando uma melhor compreensão da relação família e saúde mental.

Estou ciente de que tenho o direito, em qualquer tempo e por qualquer motivo, de retirar-me da pesquisa, bem como de solicitar toda informação a ela relacionada.

Maracanaú, ___________ de _____________________ de 2014.

_____________________________________________________

Assinatura

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APÊNDECE B

ROTEIRO PARA ENTREVISTA

DATA DA ENTREVISTA:

NOME DO ENTREVISTADO:

HORA DO INÍCIO:

HORA DO TÉRMINO:

DADOS DO FAMILIAR/CUIDADOR

SEXO:

IDADE:

GRAU DE PARENTESCO:

ESCOLARIDADE:

TRABALHA?

RENDA FAMILIAR:

É O CUIDADOR PRINCIPAL?

DADOS DA PESSOA EM SOFRIMENTO PSÍQUICO

SEXO:

IDADE:

ESCOLARIDADE:

TRABALHA?

COM QUEM MORA?

DIAGNÓSTICO (CID):

RECEBE BENEFÍCIO?

HISTÓRICO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO NA FAMÍLIA

1. Com que idade surgiram os primeiros sintomas? Que tipos de comportamentos foram apresentados nesse período? Houve resistência em procurar os serviços de saúde?

2. A pessoa em sofrimento psíquico já foi internada em hospital psiquiátrico? Quantas vezes?

3. Qual foi o motivo da internação? Quanto tempo durou a internação?

Como a família lida com a doença

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4. Como a família lida com esse acontecimento?

5. A partir de que momento você se tornou o cuidador principal? Foi escolha sua? Como você se sente?

6. Você sabe o diagnóstico da doença do seu familiar e entende o que significa?

7. Houve mudanças no cotidiano familiar após o diagnóstico da doença? Quais?

8. A família já sofreu ou sofre discriminação/ preconceito por ter uma pessoa em sofrimento psíquico na família?

9. Ele se relaciona com as pessoas da comunidade?

10. Para o senhor (a), quais são as principais dificuldades em relação ao cuidado da pessoa em sofrimento psíquico?

Relação com os serviços de saúde

11. Você sente que é bem informado quanto ao tratamento do seu familiar?

12 o que você acha do tratamento oferecido pelo caps? Como familiar da pessoa em sofrimento psíquico, você se sente acolhido pelo serviço de saúde mental? Por quê?

13. Você já foi atendido alguma vez pelo serviço social da instituição? O que o levou a procurar o serviço social?

14. Você conhece ou já ouviu falar na lei nº 10.216? Conhece quais são os direitos da pessoa em sofrimento psíquico estabelecidos por essa lei?

15. Você gostaria de deixar alguma mensagem para as pessoas que também cuidam de familiares em sofrimento psíquico?

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ANEXOS