celan, paul - poemas selecionados

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Poemas de Paul Celan Fala Também Tu (Sprich auch du) Fala também tu, fala em último lugar, diz a tua sentença. Fala — Mas não separes o Não do Sim. Dá à tua sentença igualmente o sentido: dá-lhe a sombra. Dá-lhe sombra bastante, dá-lhe tanta quanta exista à tua volta repartida entre a meia-noite e o meio-dia e a meia-noite. Olha em redor: como tudo revive à tua volta! — Pela morte! Revive! Fala verdade quem diz sombra. Mas agora reduz o lugar onde te encontras: Para onde agora, oh despido de sombra, para onde? Sobe. Tacteia no ar. Tornas-te cada vez mais delgado, irreconhecível, subtil! Mais subtil: um fio, por onde a estrela quer descer: para em baixo nadar, em baixo, onde pode ver-se a cintilar: na ondulação das palavras errantes. (Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno)

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Paul Celan

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Page 1: CELAN, Paul - Poemas Selecionados

Poemas de Paul Celan

Fala Também Tu (Sprich auch du)

Fala também tu, fala em último lugar, diz a tua sentença. 

Fala — Mas não separes o Não do Sim. Dá à tua sentença igualmente o sentido: dá-lhe a sombra. 

Dá-lhe sombra bastante, dá-lhe tanta quanta exista à tua volta repartida entre a meia-noite e o meio-dia e a meia-noite. 

Olha em redor: como tudo revive à tua volta! — Pela morte! Revive! Fala verdade quem diz sombra. 

Mas agora reduz o lugar onde te encontras: Para onde agora, oh despido de sombra, para onde? 

Sobe. Tacteia no ar. Tornas-te cada vez mais delgado, irreconhecível, subtil! Mais subtil: um fio, por onde a estrela quer descer: para em baixo nadar, em baixo, onde pode ver-se a cintilar: na ondulação das palavras errantes. 

(Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno)

Page 2: CELAN, Paul - Poemas Selecionados

Grelha de Linguagem (Sprachgitter)

O círculo dos olhos entre as barras.

Animal vibrátil a pálpebrarema para cima,descobre um olhar.

Iris, nadadora, sem sonhos, e turva:o céu, cinzento-coração, deve estar perto.

Oblíqua, no bico de ferro,a apara fumegante.Pelo sentido da luzadivinhas a alma.

(Fosse eu como tu. Fosses tu como eu.Não estivemos nóssob uma mesma monção?Somos estranhos.)

Os ladrilhos. Sobre eles,bem juntas, as duaspoças cinzento-coração:duasbocas cheias de silêncio.

(Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno)

Page 3: CELAN, Paul - Poemas Selecionados

Havia terra neles, ecavavam.

Cavavam e cavavam, assim passavao seu dia, a sua noite. E não louvavam a Deus,que, segundo ouviam, queria tudo isto,que, segundo ouviam, sabia tudo isto.

Cavavam e não ouviam mais nada;não se tornavam sábios, não inventavam nenhuma canção,não imaginavam qualquer espécie de linguagem.Cavavam.

Veio um silêncio, veio também uma tempestade,vieram os mares todos.Eu cavo, tu cavas, e o verme cava também,e aquilo que ali canta diz: eles cavam.

Oh um, oh nenhum, oh ninguém, oh tu:para onde íamos que não fomos para lado nenhum?Oh tu cavas e eu cavo, cavo-me para chegar a ti,e no dedo acorda-nos o anel.

(Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno)

Page 4: CELAN, Paul - Poemas Selecionados

SALMO

Ninguém nos moldará de novo em terra e barro,ninguém animará pela palavra o nosso pó.Ninguém.

Louvado sejas, Ninguém.Por amor de ti queremos florir.Em direcção a ti.

Um Nadafomos, somos continuaremosa ser, florescendo:a rosa do Nada, ade Ninguém.

Como estilete claro-de-alma,o estame ermo-de-céu,a corola vermelhada purpúrea palavra que cantámossobre, oh sobreo espinho.

(tradução de Yvette Centeno e João Barrento)

Page 5: CELAN, Paul - Poemas Selecionados

TÜBINGEN, JANEIRO

Olhos con-

vertidos à cegueira.

A sua - "são

um enigma as puras

origens" - , a sua

memória de

torres de Holderlin flutuando no esvoaçar

de gaivotas.

Marceneiros afogados visitando

estas

palavras a afundarem-se:

Se viesse,

se viesse um homem,

se viesse um homem ao mundo, hoje, com

a barba de luz dos

patriarcas: só poderia,

se falasse deste

tempo, só

poderia

balbuciar, balbuciar

sempre, sempre,

só só.

("Pallaksch. Pallaksch.")