c.d.u: 301.185.12(812.1=96) isolados negros … 4(6).pdf · 1 introduçao emmeus estudos etnoge~...
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ISOLADOS NEGROS MARANHENSES
O!avo Correia Lima(l)
C.D.U: 301.185.12(812.1=96)
RESUMO
são estudadas as reminiscências etnoteolõgicas negras dos Isolados Negros Maranhenses.
1 INTRODUçAo
Emmeus estudos etnoge~gráficos maranhenses,que me têmlevado a perambular por todo território maranhense, tenho tidooportunidade de pesquisar as r~miniscências religiosas negrasem muitos de seus Isolados Negros.5
A nossa curiosidade seaguçou mais, ao estudar a difusãodo Rito Nagô, por todo o Estado,quando de minha pesquisa sobre aCasa Nagô.6 Tambémobservei quetais ri tos estão emplena mudançacul tural. De um lado, pela pr~gressiva desculturação deles, àfalta de dedicação de fiéis; deoutro, pela poderosa influência
da Umbanda, religião neo- brasileira, fadada a ser, em breve, aReligião Nacional, com a vital idade tri-híbrida,em consonãnciacom a etnia e a cultura brasileira.
2 CONCEITOS DE ISOLADO NEGRO
Foi este o nome que deiao meu primeiro trabalho sobreos Isolados Negros Maranhenses,de natureza etnogloss01ógica.7
Contudo, a justificativa de titulo ficou a cargo do lingllistacolaborador,que,em novo estudo,esposou outro termo.3 Por isso,quero justificá-Io melhor e as
(1) Professor Titulç.r, Docente-Livre e pesquisador de Antropologia da Universidade Federal do Maranhão.
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sumir inteira paternidade.
Não lhe ficaria bem a a r,
caica denominação de quilomboe,
nem mesmo se lhe quizesse adoçá-
la com injusta adjetivação de
quilombos pacíficos. Não se tra
ta de refúgio de negros fugidos,
Tróias Negras, no dizer pitore~
co de Nina Rodrigues.São grupos
populacionais de descendentes de
escravos, resultantes da disso
lução de nossas fazendas de algQ
dão e engenhos de açúcar, criadas
pelo desastre econômico pós-abQ
licionista.
Comopegados de surpresa,
os escravagistas maranhenses não
souberam enfrentar as mudanças
trabalhistas advindas da Aboli
ção,mesmo contanda, na mais das
vezes, com a boa vontade e paci
ficidade dos ex-escravos.Muitos
abandonaram simplesmente as fa
zendas;outros,deram-nas aos prQ
prios escravos, que também des
cul turados pelo mesmo impacto,
ficaram vegetando, sem saber O"
que fazer com a riqueza que lhes
viera as maos de supetão.
Tiveram de sobreviver
com as distorções aculturativas
sucedidas na fase escravagista.
A solução encontrada foi o isola
mento (como defesa), que a prQ
pria Geografia sugeria, e a cul
tura da coivara (como sobrevivên
60
cia), que já vinha fazendo para
o patrão. Porque ainda magoados
pelas restrições da escravatura,
ficaram os libertos no vazio sus
pei toso de novas dificuldades
iminentes. Entre elas, o esperado
contato com a civilização neo-
brasileira, que fatalmente acele
raria a queda aculturativa, aos
enz imas da liberdade recém- nas
cida.
A natureza sertanej a
lhes criou demes obrigatórios,
que se tornaram' fortalezas iso
ladas. Distãncias imensas dos
• centros mais civilizados; estra
das hípicas abandonadas,ficadas
inacessíveis pela decadência so
brevinda; e mais o insulamento
verdejante de babaçuais intermi
náveis, ainda nao ambicionados
pela cultura lipidica de nossos
dias.
Habituado a criar neolo
gismo para acompanhar os avanços
da Ciência (muitos de minha la
vra), veio-me a lembrança de aprS?
vei tar a expressão isolados, tão
do gosto da Antropogenética. Tam
bém sem pejo antigo, mais preQ
cupado em tomar emprestado de ou
tras ciências, tudo que for antro
pologicamente útil.8
De fato, "um isolado",
dizem Salzano e Freire-Maia ,"pode
ser definido como uma ilha pop~
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lacional dotada, em geral, de limites imprecisos de ordem ge9gráfica, social, religiosa, PQlítica, étnica, cultural,etc;S"Por isolamento", diz Montagu,"entende-se aqui a separaçao deum grupo de todos os outros damesma espécie,de modo que a reprodução ocorra grandemente ou.in+e i.rament.e dentro do isolado" .13"As vezes, o isolamentogeográfico", dizem Mettler eGregg, "nada mais é que uma separaçao pela distância" .12
No caso dos isolados Negros Maranhenses já bastavam asdistâncias. Tomaram eles, ainda,concretas providências para queo isolamento fosse não so oultural, porém, de natureza reprQdutiva. Conforme informação deJoel Soeiro, num dos isolados deCodó, não se admitia a entradade estranhos, havendo apenas ocaso de um branco amasiado comuma das negras. O Isolado Almas(Brejo), ainda afastado das e~tradas de rodagem poucas eprecárias na região), mantémaqueles cuidados, em nossosdias.
E nao se queira que apalavra, aqui e lá, designe s~manticamente um círcu~o de ferro, inquebrantável e estanque.Isto não existe nem em Galáp~
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gos, conforme constatou o VelhoDarw i n , em seus Tentilhões, nosalvores da Teoria Evolucionista ...Basta a ênfase do isolamento.Mesmoassim, não deixam de ser essesIsolados Negrosvite à pesquisalacional.
apaixonante conde Genética Pop~
3 ISOI,ADOS NEGROS MARANHEN
SES MAIS TíPICOS
Mui tos sao os Isolados Negros no Maranhão, todos na iminência de desaparecimento, à forçado contato civilizatório, ultim~mente fortalecido pelas estradasde rodagem. Ninguém resiste às m~danças impostas sorrateiramentepela oultura do caminhão,esse n2vo bandeirante nacional. Não respeitam sequer as agrestes e lam~centas vicinais, por onde tenhoestado com meus alunos, em plenafloresta virgem.
Como se vê, meu conceitoetnogeográfico de isolado coincide com o genético (deme), naonecessi tando de outro nome ou conceituação, a exemplo de Comunid~de, centro, núcleo, etc.
são estudados aqui os Isolados Negros mais expressivos.Muitos outros existem e foram visitados, em perspectiva etnogeográfica. Tal é a coincidência nosachados etnoideiaciológicos, que
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deixei os demais para outro es
tudo,mais amplo,que englobe to
do o espectro e t.noceo Lôq í.co dos
ri tos religiosos negros mara
nhenses.
Os selecionados foram:
Santo Antônio dos Pretos (Codó) ,
Bom Jesus (Pedreiras), Cruzeiro
(D.Pedro), Almas (Brejo), Monte
Cristo (Cururupu).
4 ESTUDOSANTERIORES
De todos esses Isolados
Negros, apenas o Santo Antônio
dos Pretos foi estudado anterior
mente por antropólogo. Otávio da
Costa Eduardo lá esteve numa
epoca em que as estradas de ro
dagem mal saíam dos Perises. Na
turalmente,viajou de trem para
Codó. Daí, foi a cavalo, quase
um dia de viagem}O
Apesar de haver lá ido,
cerca de meio século antes de
mim,já o encontrou muito desca
racterizado.Tais estudos foram
aprovei tados posteriormente por
Bastide .4
Infelizmente, Nina Ro
drigues, deslocado para a Bahia,
pouco estudou os africanos no M~
ranhão.9 Fróes de Abreu chamou
atenção para a importância das
sobrevivências negras maranhe~.ses, principalmente pelo isol~
mento em que se encontravam.l
Só recentemente, foram
feitas pesquisas a respeito, p~
rém apenas na Ilha, por Correia
Lopes,ll Oneyda Alvarenga,2Nunes
pereira,14 Pierre Werger,16e Bas
tide. 4
5 O QUE CONSTATEI
Ninguém pode ter ilusão:
as mudanças sâo inexoráveis e já
se haviam antecipado mesmo à Ab~
lição. Não se espere encontrar
um pedaço d I África nos babaçuais
ou baixadas maran-henses.A escra
vidão já havia dado o seu golpe
de foice ...
Mas,sabemos da resistên
cia consuetudinária dos ritos re
ligiosos às mudanças culturais.
Os Isolados Negros não podiam f~
zer exceção. De fato, lá ainda
encontrei a guna, traço caract~
rístico do rito daomeana. Lindeiro
de madeira, fincado ao meio do s~
Lão de dança, a esgueirar-se a Lt~
neiro para o teto, para ajudar a
sustentar profanamente o peso da
cumieira. No sopé dela, ao der
redor, os círios voti vos iluminam,
bruxoleantes, símbolos mágicos,
espalhados enigmaticamente pelo
châo. A dança se fazia em derr~
dor dela, da esquerda para a di
rei ta, como se quizesse confirmar
a eternidade do tempo .
Atrás,ergue-se o altar,
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com seu costumeiro sincretismodaomeano-católico-ameríndio.
De lado,próximo à parede,quase escondida, a Mãe-Boa,gaiatoeufemismo ling{lísticocomo se denomina a pedra de castigar osfaltosos. Quando atuados, pelosoguns ou encantados, palmeiamviolentamente o lítico quadrado,à vontade sádica do santo, semque fiquem com as mãos inchadase doloridas .•.
Os tambores tocam em pe,com as mãos, fazendo as suas notas altissonantes o backgroundda orquestra sacra.
Os oguns e encantadosbaixam,um a um, pelo modo corriqueiro, em seus cavalos, que a~sim atuados, se sacodem ritmicamente, adentrando-se pela madr~gada, sem mostrar aparente de sf alecimento. Uma mistura de ogunse encantados. Também de homens emulheres dançarinos.
Cada vez mais se tornadifícil a pleni tude ritualística,à falta de fiéis devidamente treinados e de recursos para f i nanciar o festejo. Há terreiros d~sativados à mingua de dedicação.Não mais o dedo em riste do escravagista; nem a anatomizaçãoda políticajmas a desculturaçãoem mudança ... que afugenta o e~pecialista ,esvanescea iniciação,
esfacela a estrutura cultural dorito.
6 AS VARIANTES
Que importam as variantes?
No Terreiro de Bom Jesus,a Mãe-Boa é uma famigerada pa Imatória, para as horas do castigoastral.Em Cruzeiro,que se modernizava com realizações de PedroJames,levantava-se um terreiro.Ainda em construção, deixava vera guna, no meio do salão, indi~farsável e etnognomõnica. Em Sa~to Antônio dos Pretos, so existiam dois terreiros. Um deles,dirigido por foragido de Pedreiras, com inovações umbandistas.
SUMMARY
ARE STUDIED THE ETNOTHEOLOGICALNEGRO REMINISCENCES OF THEISOLETED MARANHENSES NEGROS.
Hier werden die Etnologisch-theologischen Neger{l-berlieferungen der "IsoliertenNegersiedlungen" von Maranhão.
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ENDEREÇO DO AUTOR
OLAVO CORREIA LIMARua Antonio Raiol, 24165.000 são Luís-Maranhão-Brasi1
64 Cad. Pesq. são Luís, 4 (1): 59 - 64, jan./jun. 1988