catolico sereno e forte pag · 2014-09-26 · se passa num coração que muda de igreja e no...

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Prefácio

Palavra de PregadorFalo aos católicos porque imagino que outros pastores

falarão aos fiéis do seu rebanho. Mas falo como quem propõe convicção e diálogo. É possível estar convicto da própria fé e ainda assim respeitar a do outro, que também está convicto da sua. Se os dois forem, de fato, serenos e fortes, saberão pensar diferente e amar com igual intensidade.

Não me abala o fato de saber que muitos irmãos meus, que ontem comungavam na mesma fila, olhavam para o mesmo altar e ouviam a palavra que vinha do mesmo púlpito, agora vão a outro templo falar com o mesmo Jesus.

Algum pregador que não eu, também ele chamado de reverendo, crente de outra Igreja, embora tenha lido a mesma Bíblia, e não os outros livros que eu li, os convenceu com um discurso mais envolvente e os chamou para adorar Jesus no templo onde ele prega.

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Moramos na mesma rua do mesmo bairro, mas agora os fiéis param seus carros no fim da avenida, quando antes paravam no começo. O novo templo os encantou, o novo jeito de falar com Jesus e de entendê-lo mexeu com eles.

Se falhei? É bem provável! Tem agora maior responsa-bilidade perante Deus o pregador que os converteu ao seu jeito de crer em Jesus, já que transferiu a planta que crescia em nosso canteiro? É bem provável! Se iremos nós dois, pas-tores cristãos, um dia, prestar contas pelo que dissemos ou não dissemos, fizemos ou não fizemos? É bem provável! Se os pregadores um dia serão julgados pelos irmãos que mu-daram de ângulo de fé? É bem provável! Só Deus sabe o que se passa num coração que muda de Igreja e no coração do pregador que convenceu alguém a mudar de Igreja.

É claro que me preocupo com o fato de que muitos evan-gélicos, ateus, espiritualistas ou pentecostais de hoje sejam ex-católicos. Mas imagino que pregadores dessas Igrejas tam-bém se preocupem com o fato de que muitos, que há pouco iam ouvi-los, também foram embora de seus bancos e poltro-nas e agora ouvem outro pregador e oram de outro jeito.

Sei o que pode a mídia e o marketing. Sei que prega-ções e cultos bem conduzidos atraem multidões sequiosas de águas eternas. Mas sei também que mídia e marketing não seguram esses fiéis quando, depois de um tempo, não ficarem mais satisfeitos com a água oferecida; vão, então, em busca de outros baldes, outros poços, outras marcas de águas eternas. O marketing da fé faz isto: oferece novas marcas, nova distribuidora, águas reprocessadas, e muita gente vai em busca da oferta, do rótulo e do distribuidor.

Depois vem o choque de realidade, o copo fica vazio, e o sedento corre para outra distribuidora e outro interme-diário porque não aprendeu a ir à fonte!

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Este livro pretende, com pinceladas claras, espero eu, que o cristão reflita sobre como é oferecer o copo sem mostrar a fonte!

Jesus e a samaritana servem de exemplo. O evangelista deu a entender que ela aprendeu onde buscar as águas de Jesus. Não montou uma banca para distribuir a nova água do novo poço. Apontou para quem lhe mostrou um outro jeito de matar a sede. Não imagino que ela tenha feito pouco caso do poço onde buscava suas águas. Apenas aprendeu a buscar algo mais, além da água que levava no cântaro.

Considero-me cristão ecumênico e católico, aberto ao que há de bom nos outros cristãos. Sei dos erros daqui e dos de lá. Sei dos meus e dos de outros pregadores. Tento dialogar. Esses dias, num aeroporto, enquanto esperava o meu voo, encontrei dezenas de irmãos de outra Igreja. Foi diálogo alegre, fraterno e feliz. Não bebemos no mesmo copo nem da mesma distribuidora, mas sabemos que são as mesmas águas. As semelhanças nos aproximam e as diferenças não nos separam. Mas não é o que acontece com o grande número de seguidores de Jesus. Muitos ainda não conseguem chamar de irmão em Cristo quem não bebe do mesmo copo.

Vai demorar até que aprendamos a conversar, como fizeram Jesus e a samaritana, à beira do mesmo poço! Temos mais o perfil dos discípulos que estranharam aquela conversa!

Pe. Zezinho, SCJ

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Capítulo 1

O ouvir e o ver

Em todos os tempos, a religião valorizou os atos de ouvir e ver. Os profetas falavam e o povo ouvia. O povo não sabia ler, mas os gestos e os sinais que viam nos templos contribuíam para o aumento da fé. Também as esculturas e todos os trabalhos de ornamentação do templo serviam para esse fim.

Com o advento do Cristianismo não foi diferente. As estátuas pagãs foram sendo substituídas por imagens de heróis da fé, e as Igrejas foram, com o tempo, enchendo-se de símbolos bíblicos no lugar dos símbolos mitológicos gregos ou latinos.

De certa forma, símbolos, desenhos, pinturas, imagens e frases coladas ao longo das paredes dos templos e nos telhados representavam a maneira do povo de ver Jesus. Muitos que não sabiam ler viam, por meio desses símbolos, a presença do Livro Santo e, nele, a presença de Jesus. Era toda uma Igreja educada para o visual e para o auditivo – a maioria das pessoas nem sequer imaginava ser possível ler.

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A alfabetização em massa, que só ocorreu nos últimos séculos, e a disseminação da escola tornaram possível a lei-tura dos livros santos e, com ela, o hábito de ler. Os cristãos não apenas viam Jesus por meio dos símbolos, pinturas e imagens, mas agora liam a palavra de Deus pessoalmente, enquanto também ouviam sua explicação. Já viviam a expe-riência de ver, ler e ouvir.

Com o advento do telefone fixo, da telefonia móvel e da televisão, o fiel pôde ler, ver, ouvir, interagir e tornar a palavra de Deus uma experiência do cotidiano. Assim também aconteceu com a internet. A palavra de Deus está lá no meio virtual. Todo fiel pode se tornar um evangelizador em grande escala se souber utilizá-la.

Se por um lado isso facilita a evangelização, por outro a submete a riscos ainda maiores do que no tempo dos hereges e heresiarcas dos séculos III, IV, V, que desafiavam a formulação de um código de doutrinas católico. Imagino que, se Montano, Ário, Nestório, Donato e centenas de outros disseminadores de doutrinas pessoais tivessem acesso à internet, à televisão e ao rádio, praticamente não teríamos tido o desenrolar do cristianismo. Seria um Cristo visto de maneira ariana, nestoriana, montanista ou donatista.

Aqui e acolá teimosamente subsistem os resquícios infiltrados nas Igrejas através de novos profetas e novos revelados, que, de certa forma, repetem suas teses e ideias. A heresia é disfarçada, mas ela continua!

Estamos repletos de cátaros e de circunceliões, de cristãos que se proclamam mais puros e se creem chamados a renovar a Igreja de Cristo, enquanto se mostram intolerantes no diálogo, incapazes de voltar atrás e seguros de que Deus está dizendo toda a verdade apenas para sua pequena Igreja

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ou ao seu pequeno grupo. São exclusivistas, excludentes e, o que é pior, acham que estão vendo além...

Quando a Igreja propõe que os fiéis vivam o “quere-mos ver Jesus”, está propondo uma linguagem transversal e ampla, porque “ver Jesus” é mais do que ouvi-lo e ouvir sobre ele. Detectar a presença dele no mundo, sobretudo nos outros, é fundamental para se viver a fé cristã.

Se não sou capaz de ler nas entrelinhas, se não sou ca-paz de interpretar os sinais do Céu e do mundo, se não sou capaz de ver a graça de Jesus agindo no outro, certamente não sou capaz de ver Jesus em ação. E, sendo incapaz de ver a ação de Jesus, dificilmente verei Jesus em meu coração ou em minha mente.

“Queremos ver Jesus” é mais um chamado à solidarie-dade e à importância de conviver com o outro, em quem Jesus se manifesta. Seus sinais estão por toda parte, e, se eu rejeitar os sinais que estão nos pobres, nos ricos misericor-diosos, nos pecadores, nos irmãos que pensam diferente, então estarei rejeitando o próprio Jesus. Ele deixou bem claro em Mt 7,21-28 que não reconheceria como seus os que não fossem capazes de ler e praticar os sinais da sua presença.

A era visualA nossa é uma era voltada fortemente para os olhos.

O pecado nos dias de hoje entra muito mais pelos olhos do que pelas leituras e pelo ouvido. A televisão, os livros, as revistas, os outdoors se tornam onipresentes e quase que onipotentes. É quase impossível sair de casa sem se deparar com algum retrato de moça nua, de corpos nus, de provo-cação ao sexo, de exacerbação da libido em cada banca de revista, em cada outdoor que vemos, até sem querer ver.

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E, se ligarmos a televisão de manhã, de tarde ou de noite, haverá sempre uma cena de alcova ou de nudez.

O convite para o pecado carnal e para o prazer sem res-ponsabilidade é permanente. Depois, há os convites para gastar, comprar, endividar-se. Há a tentação do dinheiro, do luxo, da riqueza, que não podemos sequer adquirir, quanto menos ostentar. E estão lá convidando também para a festa da vida e, praticamente, nos ensinando a rejeitar a cruz.

Não faltam as Igrejas que, com seu visual e pregação, quase nos fazem esquecer os pobres, os miseráveis e os mendigos. E não faltam os pregadores capazes de omitir a dor do mundo, preocupados apenas em exaltar e louvar ao Senhor. Mas está aí o visual para quem quiser ver.

Se eu limitar meu trajeto pelos outdoors cheios de mo-ças nuas ou pelos programas de televisão, terei uma visão de quem não vê Jesus; mas se meus olhos forem comigo aonde se sofre, nos lugares onde há pobres, crianças e en-fermos, se eu levar meus olhos a creches, asilos, hospitais e bairros de periferia, talvez eu veja outro espetáculo – e ali estarei também vendo Jesus –, dessa vez de maneira muito mais profunda e pura. Ele nos dirá: O que fizerdes a um desses pequeninos, a mim é que o fareis.

A Igreja, agora que tem em mãos a televisão e excelen-tes revistas, além de toda uma possibilidade de encher suas igrejas de outdoors, tem também uma grande oportunida-de de mostrar, para os olhos do povo, a realidade da palavra de Deus. Certamente os católicos poderão ver muito mais Jesus a partir do momento em que transformarmos nossa mídia em veículo da fé.

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Capítulo 2

A fé que passa pelos olhos

Eu disse no capítulo anterior que hoje o pecado entra mais pelos olhos do que pelo ouvido. Reafirmo essa decla-ração e assino embaixo. Nosso tempo tornou-se a era do deleite dos olhos: as praias, a indústria da moda, as lojas, os outdoors, a televisão, as revistas. Todos trabalham com formas e sugestões. O estético superou o ético.

Nudez que dá lucroOuvimos a toda hora artistas dizendo que posaram

nuas em função da estética, atores, atrizes e modelos a dizer que o corpo é instrumento de trabalho e com ele ganham seu dinheiro. Não faltam as que afirmam ter comprado um apartamento para a mãe, quando posaram nuas para revistas masculinas.

Voltamos à era de superexaltação do corpo, como ocorreu na Era Renascentista, ao tempo em que a idola-tria do corpo era obsessão. Essa obsessão se manifesta hoje nas academias de ginástica, onde mulheres e homens

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desesperados desejam estar em forma. E por que desejam estar em forma? Porque um corpo bonito é objeto de con-quista e até de favorecimento de emprego.

Feito para os olhosNosso tempo se tornou a era do visual. É preciso ser

elegante, atraente, bonito, metrossexual. Tudo na medida do belo, do estético, do sedutor. É questão de sobrevivên-cia. Não há lugar para aqueles cujas formas corpóreas não agradem. Para conquistar seus lugares, estes terão que ser muito inteligentes e especiais. O cidadão comum perderá muitas chances se não for esteticamente apresentável e não agradar aos olhos dos outros.

Beleza que leva ao sucessoA outra parte também, infelizmente, é verdade. Em

alguns casos basta ser bonito para se conseguir o emprego, mesmo que a pessoa não tenha outras qualificações. Na era da superexaltação do corpo, o corpo é em si mesmo uma qualificação. “Sou bonita, logo conseguirei este emprego, mesmo que não seja capacitada.” “Sou bonito e tenho mais chance de conseguir esse emprego, mesmo que não tenha a capacidade dos outros.” As empresas olham também a apa-rência. Novos deuses transitam pela mídia, pela televisão, em outdoors e em revistas, ostentando aquilo que constitui seu único apanágio: um corpo para ser admirado!

Beleza que dá lucroUma moça extraordinariamente linda e inteligente,

que trabalhava como inspetora de qualidade numa firma exportadora, sofreu o constrangimento de ter sido convidada para entreter e agradar o dono de uma firma espanhola

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que viera estudar a compra daqueles produtos. Ao reagir indignada, negando o pedido, recebeu o recado de que ti-nha sido contratada pela beleza e não por outros atributos. A partir daquele momento complicaram tanto sua vida que ela pediu demissão.

O belo e o ético Numa era como esta, o que pode e deve fazer uma

Igreja que se diz cristã e anuncia o corpo consagrado do Cristo, também massacrado e crucificado? O que faz uma Igreja diante de tantos corpos mutilados e feridos, sem es-tética? E o que ela pode fazer por aqueles que, mesmo não tendo corpos de deuses humanos, têm um coração extraor-dinariamente bonito e humano?

Educar para a verdadeira belezaEm primeiro lugar, a Igreja precisa educar em direção a

um correto visual e formar seus fiéis na convicção plena de que não basta o estético. É preciso ver além das aparências. Quando a Igreja deu o grito de “queremos ver Jesus”, estava dizendo tudo isso nas entrelinhas.

Nas feições dos pobres, dos negros, dos índios, dos pe-quenos, dos grandes, dos corpos desajeitados, na festa de Corpus Christi, na festa da Eucaristia, o que a Igreja ensina é que corpos feridos e mutilados ressuscitam e que pessoas massacradas têm beleza extraordinária, porque é preciso ver além das aparências.

O bonito que ficou feioComo levaremos nosso discurso de que aquilo que a so-

ciedade considera feio é, na verdade, bonito? De que aquilo que a sociedade considera bonito nem sempre é bonito – muitas

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vezes é horrorosamente feio –, porque vem acompanhado de egoísmo e até de drogas e outras violências? Como convencer uma sociedade como a nossa de que o estético não pode vir em primeiro lugar, embora seja importante?

Jesus talvez não fosse bonitoA palavra de Deus nos ilumina quanto a isso, anun-

ciando como seria o messias: um verme, não um homem; massacrado, destituído de beleza. Era o profeta Isaías prevendo uma era incapaz de ver Jesus, porque estaria à espera de um senhor glorioso, bonito, translúcido, e ele não seria exatamente isso. Ou, se fosse, iria esconder sua beleza para se igualar ao ser humano comum. De fato, muitos que o procuraram não o distinguiram; foi preciso Lucas indicar Jesus a uma comitiva de gregos para que estes soubessem quem ele era.

Rosto comumJesus não se destacava pela aparência como, às vezes,

pintores, artistas e até pregadores querem fazer parecer. Se Judas precisou traí-lo com um beijo para dar o sinal de quem seria ele, é porque não era tão fácil distinguir Jesus naquela noite. Se escapou algumas vezes na multidão quando quiseram prendê-lo, é porque certamente o rosto dele era muito parecido com o dos homens de seu tempo.

Reimaginemos JesusHoje, pintamos um Jesus de olhar meigo, maravilhoso,

um homem bonito, mas talvez ele não tenha sido um homem tão bonito. Não temos provas! Ninguém jamais o descreveu como um homem bonito, e as descrições, hoje veiculadas, não gozam de veracidade. Nenhum dos quatro evangelistas

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e nenhuma das epístolas ocupou seu tempo para descrever a estética, a beleza e a forma de Jesus. Não lhes pareceu importante. A depender deles jamais saberíamos a altura, o tipo físico, a cor do cabelo e dos olhos de Jesus. Nunca nos contaram a esse respeito. E há o detalhe de que os evange-lhos foram escritos em comunidades ainda recentes. Muita gente tinha conhecido Jesus.

Ir além do visualEducar-nos, portanto, para ir além das aparências e

descobrir beleza além do que nossos olhos veem é fun-damental para a fé cristã. O cristão vê beleza onde nem sempre ela aparece. Por sua fé pode tornar as coisas belas porque vai a fundo no conceito de Kalós, que é mais do que ostentar formas agradáveis. Beleza tem a ver com um conteúdo próximo do pleno e do perfeito. A beleza física aponta à única forma de perfeição. Aponta para ela, mas não é ela. De que adiantaria a visão de uma maçã mara-vilhosa, se na primeira dentada descobríssemos que não tem sabor ou que esconde uma parte podre? Maçãs não foram feitas para se ver, mas para se comer, e, se não têm sabor, não adianta serem bonitas. Talvez aquela nem tão bonita seja a mais saborosa.

Há flores medicinais bem menos bonitas do que uma rosa ou uma orquídea, mas muito mais salvadoras e liber-tadoras. Há pessoas lindas e maravilhosas que nos levam à perdição, e há pessoas nem tão encantadoras que de fato nos encantam e nos levam a Deus. Madre Teresa de Calcutá não era uma mulher bonita, mas era extraordinariamente linda de alma e de coração. Era impossível não ver essa beleza. Até os ateus se sentiam tocados pela ética dessa mulher que não era bonita externamente.

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O belo no lugar erradoDesde os antigos gregos buscamos a beleza no lugar

errado. Canonizamos formas e, hoje em dia, submetemos milhões de mulheres a imensos sacrifícios porque cano-nizamos uma forma artificial. Decretou-se que magro é bonito e que uns poucos quilos a mais é feiura. Pior: de-cretou-se que gordo é feio, quando na verdade há muitas pessoas gordas bonitas. Se o motivo for o cuidado com a saúde, compreende-se. Se for apenas o desejo de agradar, é questionável, porque muitas pessoas de corpos maiores ou até limitados são lindas e maravilhosas! E há pessoas magras nem tão lindas nem tão maravilhosas. O ser hu-mano é muito mais por dentro do que é por fora, assim como a semente vale muito mais pelo seu interior do que pelo seu formato.

A chance dos cristãosTemos uma excelente oportunidade de mostrar nos-

so conceito de beleza e estética e de educar para além da aparência, começando pelos nossos cristãos colocados em programas de televisão ou à frente de multidões. Não precisam necessariamente ser engraçadinhos nem estar maravilhosamente bem-arrumados. Apenas limpos e vesti-dos decentemente. Há que haver um equilíbrio.

No passadoOs filósofos milésios, isto é, Tales de Mileto, Anaximandro

e Anaxímedes, ensinavam que o princípio é água (Tales), in-finito (Anaximandro) e ar (Anaxímedes). Não faltou quem dissesse que o princípio é a beleza. Zenão ensinava que o real não é necessariamente o que é constatável pelos olhos ou pelos sentidos, mas sim o que é demonstrável pela razão,

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uma vez que os sentidos podem nos enganar. Parmênides lembrava o tempo todo que os sentidos enganam. A doutri-na do “ser” não pode ser julgada pela sensação, mas pela reflexão, pela lógica.

Ter não é ser nem parecerHoje, um mundo dominado pela televisão nos quer

convencer de que ser é o mesmo que ter ou parecer bonito. Despreparados, às vezes, os eleitores escolhem o presiden-te pela beleza e não pelo conteúdo, como já aconteceu no Brasil. Votam em candidatos bonitos e simpáticos, em vez de votar em candidatos donos de uma proposta ética e de conteúdo. Parecem todos estar elegendo um mister ou uma miss no lugar de um ser humano com competência e capa-cidade, tudo porque a onipresença da mídia supervaloriza o que os olhos veem e não dá muita importância ao que a inteligência e o coração possam ver.

A Igreja tem o que dizerA Igreja pode mudar isso, se quiser! Nossos santos ensi-

naram isso de maneira profunda e corajosa. Tomas Merton, um inspirado monge do século passado e escritor muito co-nhecido, diz isso de maneira magistral nas obras Sementes de Contemplação, Novas Sementes de Contemplação, Homem Algum é uma Ilha e A Montanha dos Sete Patamares. Ao ensinar a contemplação e a paz interior como formas de enfrentar o materialismo grosseiro, até mesmo na vida re-ligiosa, Tomas Merton alerta para o fato de que existe uma beleza que não é valorizada: é a beleza do pensar e do ir ao encontro da parte mais profunda do ser humano! Ele era um crítico da sociedade de consumo que se assentava na estética e nas aparências, não na realidade.

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É magistral o texto da página 55 de Novas Sementes de Contemplação. Transcrevo-o para quem ainda não possui o livro:

Para tornar-me eu mesmo, tenho de deixar de ser aquilo que sempre pensei que eu queria ser; e para encontrar a mim mesmo, tenho de sair de mim; e para viver tenho de morrer. A razão disso é que nasci no egoísmo e, portanto, meus esforços naturais para tornar-me mais real fazem-me menos real e menos eu mesmo, porque giro em torno de uma mentira.Pessoas que nada sabem de Deus, cujas vidas estão concentradas em si mesmas, imaginam que só po-dem se encontrar ao firmar seus próprios desejos, ambições e apetites numa luta contra o resto da hu-manidade. Tentam se tornar reais impondo-se aos demais e apropriando-se de uma parte da limitada quantidade de bens criados, realçando assim a di-ferença entre elas e aquele que possui menos, ou mesmo nada. Só podem conceber um modo de se tornar reais: separando-se dos outros, construindo uma barreira de contrastes e distinções. Não sabem que a reali-dade deve ser procurada não no que divide, e sim no que une, pois somos membros uns dos outros.Eu tenho o que você não tem, eu sou o que você não é, eu tomei o que você não conseguiu tomar. Eu me apoderei daquilo que você jamais pode obter. Daí você sofre e eu sou feliz. Daí por que você é despre-zado, e eu, elogiado; você morre, e eu vivo. Tanto mais eu sou, menos você é, e assim passo minha vida admirando a distância entre mim e você. Às vezes isso me ajuda a esquecer os que têm o que eu não tenho, aqueles que se apoderaram do que eu demorei para agarrar e conseguiram o que estava

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além do meu alcance; estes serão louvados como jamais poderei ser. Eles vivem da minha morte... Quem vive dividido, vive na morte, não pode se encontrar porque está perdido: deixou de ser uma realidade. A pessoa na qual ele se crê é apenas um mau sonho. Quando morrer, descobrirá que há mui-to deixou de existir. Deus, que é realidade infinita e em cuja visão se encontra o ser de tudo o que existe, dirá a ele: “não te conheço”.

Uma Igreja que aponte para o serPara Tomas Merton e muitos outros pensadores lúci-

dos do século passado e do nosso tempo, buscar a estética como forma de autoafirmação é buscar a mentira. Ela não traduz a realidade de um ser humano. É apenas o chantili do bolo, a sobremesa da refeição. Pouquíssimas pessoas vivem de sobremesa ou chantili, mas se o fizerem terão problemas de saúde!

Vive-se do alimento sólido e do bolo! A beleza é apenas um enfeite e nada mais do que isso. Não chega a ser nem apa-nágio. Talvez tenhamos de nos debruçar sobre esses valores, já que temos meios de comunicação para ensiná-los. Não é que a televisão não deva mostrar o bonito e o estético. Mas deve dar espaço para gente sábia, jovens, adultos e anciãos que talvez não encham os olhos do telespectador, quem sabe nem o segurem naquele canal, mas depois de algum tempo, com outros recursos de imagens, encham sua alma.

Souberam agradarMuitos apresentadores de televisão, que sabiam que

não eram bonitos, cercaram-se de um cenário chamativo,

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de pessoas bonitas, de bons músicos, de bons redatores de texto e conseguiram manter a liderança na televisão ame-ricana por muitos e muitos anos. Tinham o conteúdo a seu favor, e as cores, as pessoas e as formas a coadjuvá-los.

A televisão pode ajudarSe a televisão fosse criada apenas para mostrar a be-

leza externa, então seria melhor que ela não fosse criada. Os quadros de Anita Malfati, Di Cavalcanti, Miró, Picasso e de milhares de outros pintores, que não possuem uma estética convencional, nem sempre arrastam olhares. Mas uma leitura atenta descobrirá muito mais do que se vê. Se o comprador não perceber isso, talvez ache que tem em casa um quadro interessante, mas não necessariamente uma obra-prima.

Ir além dos limites da visão é melhor do que ficar ape-nas no imediato e na aparência: “Olhei, gostei e fui embora”; “Olhei, não entendi, procurei entender, aprofundei e agora entendo”. Esta última deve ser a atitude do espectador. A te-levisão deve facilitar isso. Porém, como é um veículo rápido, oferece beleza para consumo. Muitas vezes promove uma cantora de corpo escultural e rosto bonito, mas desafinada e sem ritmo, ou apresenta um grupo seminu com música de baixíssima qualidade, outra vez privilegiando a estética em vez da ética e da harmonia.

Arte que educaToda e qualquer forma de arte precisa ir além da apa-

rência, assim como toda e qualquer religião precisa ir além do rito. Somos capazes de entender isso? Se somos, ensi-nemos aos nossos fiéis! Anunciar Jesus em tempos de crise supõe essa maturidade. Baseados nesses conceitos, é preciso

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melhorar nossas canções e as programações de nossas rádios e televisões. Há diretores de televisão conscientes disso. Conheço alguns. Se tiverem chance de chegar aonde querem, em poucos anos a televisão católica terá outro ros-to. O povo verá Jesus retratado no cotidiano do povo.

Um dia, alguém chegou até mim, todo sorriso e elo-gios. Queria porque queria que eu cantasse e gravasse uma canção que escrevera. Li o texto. Fraquíssimo, tinha pelo menos uns trinta erros de português. A melodia também era muito fraca.

Pediu que eu lhe desse uma chance. Gentilmente, pedi desculpas dizendo que não o faria porque não era meu tipo de melodia e letra.

Aí mudou a cara abruptamente e disse: “Só porque é famoso e tem sucesso não precisa me humilhar. Eu já sabia que você era orgulhoso”.

Tudo o que eu dissera é que não era meu estilo nem meu tipo de melodia e letra.

Fazer o quê, quando alguém quer sucesso a qualquer preço?

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Capítulo 3

Fé e louvor

Orar é essencial. É impossível ter fé e não sentir dese-jo de falar com o Criador do Universo. Aqui e acolá pode acontecer de o filho não se sentir disposto a conversar com seu pai. Mas não conversar nunca demonstra ruptura nas relações de ambos.

Falar com Deus é como respirar. Muito tempo sem respirar direito faz mal para os pulmões. Também a alma respira mal quando não procura Deus.

Mas Jesus deixa claro que há algo importante além do louvor e da oferta. É a paz. Ele manda deixar a oferta no al-tar e ir primeiro falar com o irmão de coração machucado, e só depois prosseguir o louvor.

Se outra pessoa nos dissesse que há coisas mais impor-tantes do que orar, duvidaríamos. Mas quem disse isso foi Jesus. Então, a caridade está acima do rito e do louvor. Deus é mais louvado no perdão do que na festa.

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Simular sacramentosFazer de conta que batizamos alguém, sem nenhuma

intenção de batizá-lo, é simular um sacramento. Nenhum padre ou leigo deve brincar com algo tão sério.

A Igreja tem sanções severas contra quem simula um sacramento. Depende do bispo aplicá-las ou não contra o padre ou leigo que fingiu que batizava alguém.

Eucaristia, Maria e os santosUm católico poderá assistir a três missas no mesmo dia

e comungar três vezes.Não sentimos fome de novo e não nos alimentamos

também três vezes ao dia?Se for possível, por que deixar de recebê-lo? Só porque

já estivemos com Ele antes?A Eucaristia é um encontro do discípulo com o mestre,

do fiel com seu formador, do crente com o Cristo que disse que estaria naquele pão e naquele gesto.

Alguns católicos andam sugerindo que é possível co-mungar o Espírito Santo ou Maria na mesa da comunhão.

Qualquer que seja a explicação, eles estão enganados.A Igreja crê que na comunhão eucarística nós recebemos

Jesus Cristo. Deve-se procurar outra forma de estabelecer diálogo com o Espírito Santo e com Maria e os santos que Jesus salvou.

Quero “ela” mesmo assim... Foi em Teresina, capital do Piauí. Mostrei aos mais de

10 mil presentes no estádio uma rosa que estaria quebrada no “pé”, no “joelho”, na “nuca” e na “cabeça”.

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Eu quebrava o “pé”, o “joelho” e a “nuca” da rosa, e a cada gesto, eles respondiam: “Continua linda. Não deixou de ser rosa!”.

Em certo momento uma senhora gritou: “Está quebra-da, mas mesmo assim eu quero ela”.

Aproveitei a deixa para lembrar que deviam fazer o mesmo com os familiares “quebrados” pela vida.

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Capítulo 4

Verdade e credibilidade

Tempos atrás fui acometido de violenta gripe com direito a pneumonia, tonturas e complicações agudas, da-quelas que nos deixam de cama sem dó nem piedade.

Tive que cancelar por ordem médica severa os cinco shows marcados para os próximos sete dias.

Acreditem ou não, duas comunidades cancelaram sem problemas, uma aceitou que meus cantores fossem em meu nome e duas outras exigiram por fax um atestado médico.

Mostraram-se dispostos a crer mais num médico de que nunca ouviram falar do que no padre que há 48 anos faz shows em benefício de obras sociais e que jamais fugiu de uma pregação. Leem meus artigos e livros, cantam meus cantos na missa, mas foram capazes de crer que eu não quis ir por causa das queimadas e do pó na região – muitos cantores fazem isso.

Fiquei triste. Será que tudo o que sobra de 48 anos anun-ciando Jesus Cristo é isto? Vale mais uma assinatura do médico desconhecido do que a palavra de um padre conhecido?

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O perdãoO papel do padre no confessionário não é o de juiz

nem de perdoador. Quem perdoa é Jesus, quem reconcilia é a Igreja. O padre é quem, em nome de Jesus e da Igreja, oficializa, sacramenta esse perdão.

Se você não estiver arrependido, tudo o que o padre fizer não vai valer. A confissão passa pelo padre, mas o perdão depende do nosso arrependimento.

Muita gente abandonou a confissão por culpa de algum sacerdote que não soube acolher um coração à procura de perdão e paz.

Padres erram e devem se penitenciar também.Ninguém está acima desse sacramento, nem o papa,

nem os bispos, nem o padre.

MadalenaMadalena tornou-se injustamente a mulher mais calu-

niada nas Igrejas.Frequentemente padres e pastores a ela se referem

como pecadora pública ou prostituta convertida. Pobre Madalena! Tudo o que os evangelhos dizem é

que Jesus tirou dela sete demônios. Sofrida e atormentada, sim. Pecadora e prostituta, não há provas.

Usar o nome de Deus em vãoCitar Jesus de maneira superficial ou usar seu nome

em vão é desrespeito.Ouve-se muito nas Igrejas: “Jesus me disse esta noite!”;

“Jesus lhe mandou este recado!”; “Jesus está falando com você!”.

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É até possível que Jesus se manifeste claramente a um ou outro, mas a grande maioria dos que assim se expres-sam não viu, não ouviu e não foi revelado. Inventou.

É blasfêmia e abuso contra o segundo mandamento quando comediantes de programas humorísticos usam o nome de Deus nas piadas e dizem, sem nenhuma razão, “juro por Deus”.

Em algumas religiões seriam presos ou açoitados.

A EucaristiaA mensagem de Jesus está estreitamente ligada ao pão.

Nasceu em Belém (Bet Lehem), que significa “casa do pão”. Pelo menos duas vezes fez o milagre da multiplicação dos pães para quem tinha fome.

Disse, com clareza, que ele era o pão vivo descido do céu.Na última ceia disse que o gesto de repartir o pão seria

memória de sua presença na Igreja. Deixou na Eucaristia a partilha do pão e da palavra como sinal de seu novo grupo e do Reino de Deus.

Foi reconhecido pelos discípulos de Emaús ao partir o pão.A Igreja Católica tem o pão repartido como um dos

seus sinais mais característicos.Eucaristia quer dizer a prática do melhor dom. Eu-

charis-tia: bom-graça-atitude.Para nós católicos, receber o pão do céu e falar sobre

Jesus são a melhor parte. Jesus disse a Marta que, ao ficar perto dele, Maria escolhera a melhor parte. Ele não a man-daria para a cozinha. A ideia de Eucaristia é esta: ficar à mesa com Jesus escolhendo a melhor parte da vida.

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Capítulo 5

Direções opostas

No aeroporto de Toronto, Canadá, dois grupos cató-licos ocupavam o mesmo corredor. Ambos vestidos como no século XIII. Alguns franciscanos, de vestes rudes, barba crescida e sandálias simples, testemunhavam o jeito po-bre de Francisco de estar entre o povo. Ao lado deles, os Arautos do Evangelho, com roupas bonitas de cores chama-tivas, cabelos cuidados, gestos militares, botas escuras bem lustradas e correntes brilhantes, lembravam os cruzados e cavaleiros da época de Francisco.

Os dois grupos querem dizer alguma coisa ao nosso tempo. Um diz que a Igreja deve parecer pobre, ser pobre e se misturar com os pobres. O outro, que ela deve brilhar, chamar a atenção e partir para a conquista.

Não sei para onde foram. Não embarcaram na mesma companhia.

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O ecumenismo e o diálogo com o irmãoQuando um evangélico ou um católico rejeita o ecume-

nismo, rejeita o diálogo com o irmão.Seria o mesmo que dizer: “Ele não tem nada a me

ensinar”. Perde com isso o direito de ensinar sua verdade. Jesus conversou com Nicodemos, com a samaritana, com o Centurião romano, com a cananeia e até com Pilatos. Eles tinham outra fé, mas Jesus aceitou dialogar com eles. Se Jesus, o santo, ouviu e dialogou com quem não acreditava em Deus do jeito certo, que direito temos nós de nos fe-charmos aos que não creem nem oram como nós?