caso clínico e formulação cognitiva

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Instituto Superior Miguel Torga Formulação de Casos Clinicos I Mestre Alexandra Albuquerque Dr. Marco Ramos

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Page 1: Caso clínico e  formulação cognitiva

Instituto Superior Miguel Torga

Formulação de Casos Clinicos I

Mestre Alexandra Albuquerque

Dr. Marco Ramos

Rita Henriques

Leiria, 23 de Janeiro, 2009

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_________________________Formulação de Casos Clínicos I__________________________

Índice

1 - RESUMO CLÍNICO

2 - FORMULAÇÃO COGNITIVA-COMPORTAMENTAL~

3 - CARACTERÍSTICAS DE DIAGNÓSTICO

4 - MODELO A B C

5 - TERAPIA

5.1 - OBJECTIVOS DA TERAPIA

5.2 -PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO

6 -EPIDEMIOLOGIA DA PERTURBAÇÃO NARCÍSICA DA

PERSONALIDADE

7 - ETIOLOGIA DA PERTURBAÇÃO NARCÍSICA DA PERSONALIDADE

8 - ETIOPATOGENIA DA PERTURBAÇÃO NARCÍSICA DA

PERSONALIDADE

9 - BIBLIOGRAFIA

ANEXO I – CRITÉRIOS DIAGNÓSTICO DAS PERTURBAÇÕES DA PERSONALIDADE (DSM-IV)ANEXO II –CRITÉRIOS DIAGNÓSTICO DA PERTURBAÇÃO NARCÍSICA DA PERSONALIDADE (DSM-IV)ANEXO III – EVOLUÇÃO DA PERTURBAÇÃO NARCÍSICA DA PERSONALIDADE

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Narcisismo pode definir-se, como “amor ou investimento excessivos em si mesmo

com a correspondente incapacidade para amar os outros ou ser empático com as

suas preocupações”.

Fauman

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1 - RESUMO CLÍNICO

NOME: Martim

IDADE: 50 Anos

SEXO: Masculino

ESTADO CIVIL: Casado

PROFISSÃO: Professor de Patologia

HABILITAÇÕES LITERÁRIAS: Doutoramento

NATURALIDADE: Lisboa

AGREGADO FAMILIAR: Esposa (Ana Maria, 45 anos) e Filhos (Bernardo, 18

anos e Sofia, 17 anos).

O Martim foi enviado à consulta de Psicologia pelo Prof. Dr. A. F., o qual consultou

por iniciativa própria depois de ter já recorrido a outros especialista na área da

saúde mental, que segundo o Martim nunca o poderiam ajudar por 2 razões

simples e obvias para ele, 1º ele considera-se uma pessoa “normal”, saudável e

sem qualquer problema, logo não precisa de tratamento e 2º mesmo que

necessitasse de ajuda de especialistas, nenhum dos especialistas anteriormente

consultados lhe apresentaram um currículo digno do que considera ser um bom

especialista e como tal nenhum estava à “altura” da sua pessoa.

O Martim veio sozinho à consulta, ao ser questionado quanto ao motivo da

consulta, falou imenso de si, durante cerca de 30 minutos, dos seus estudos e

pesquisas científicas, de várias descobertas que fez, dos prémios que conquistou,

da enorme mansão que possuí na Quinta da Marinha em Cascais, da quantidade

de empregados que tem a trabalhar para si e de como é difícil, quase impossível

encontrar empregados competentes e capazes de desempenhar as tarefas com

alguma qualidade, acrescentando que é raro o mês que não despede um

empregado por falta de competência, falou das fabulosas viagens que faz

longínquas e luxuosas que prepara minuciosamente e contou ainda algumas

peripécias passadas em Las Vegas com um rol de actores de Hollywood que diz

serem seus amigos.

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Depois de ter falado imenso de si, dos seus feitos, da sua importância, influência e

depois de ter revelado através de resposta a perguntas mais pormenorizadas que

afinal quem organiza as viagens, faz a gestão doméstica, assegura o bem estar

dos filhos, quem possuí nome titulo social, entre outras coisas, é Ana Maria.

Finalmente revelou o motivo da consulta. Martim mostrou-se completamente

surpreendido pelo facto de a sua Esposa manifestar vontade de se divorciar,

Martim não entende o porquê, pois segundo ele, sempre deu tanto de si a Ana

Maria, em troca de tão pouco, que parece impossível que ela seja capaz de o

acusar de estar a destruir o casamento. Martim sempre olhou para a mulher como

afortunada por ter cruzado o seu caminho, por ter a seu lado um companheiro tão

perfeito, rico, influente, inteligente, com óptima aparência e ainda por cima um

excelente pai e educador. Martim ficou atónito ao perceber que a sua mulher não

partilha destas suas opiniões e que ainda por cima, pelo contrário, quer terminar o

casamento caso ele não mude. Assim, Ana Maria Deu-lhe a escolher entre

procurar ajuda especializada ou o divórcio. Martim optou por vir `a consulta

apenas para “acalmar os ânimos”, continuando convicto de que nada tem.

Martim não está só a ter dificuldades no relacionamento com Ana Maria, como

também está ter alguns conflitos com os seus filhos. Segundo Martim, os filhos

também não sabem apreciar o seu talento como pai, não entendem que ele

apenas quer o melhor deles e isso apenas significa serem os melhores alunos,

frequentarem os melhores colégios, estarem nas melhores companhias, vestirem

as melhores e mais caras roupas, pois, segundo ele, têm um nome e uma posição

a defender.

Ao ser questionado acerca da vida profissional, Martim diz estar rodeado de

incompetentes, as secretárias não conseguem corresponder às suas expectativas,

os colaboradores são incapazes de se aplicarem com afinco nas pesquisas e até o

porteiro se revela incapaz de desempenhar correctamente as suas funções, já

para não falar dos estagiários que são uns irresponsáveis, nunca terminam o

estágio, simplesmente deixam de comparecer no local e houve até uma vez que

surpreendeu um deles a chamar-lhe “animal insuportável”, por estes motivos

Martim não consegue estabelecer relações inter-pessoais estáveis e duradouras

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no seu local de trabalho, pois não consegue conservar ninguém por mais de 6

meses. Martim mostra-se bastante indignado por este facto, pois segundo ele as

pessoas que têm o privilégio de serem seleccionadas para trabalhar com ele, não

sabem aproveitar a oportunidade, nem tão pouco têm capacidade para apreciar o

seu brilhante e importante trabalho na comunidade científica. Martim acha que

toda a gente à sua volta apenas o inveja.

Numa entrevista posterior, em que Martim concordou fazer-se acompanhar por

Ana Maria, Sofia e Bernardo, foi possível perceber a enorme frustração em que

vivem perante a forma como Martim encara a vida.

Ana Maria, uma mulher muito vistosa, perspicaz e dinâmica, mostra-se

desesperada e desapontada por Martim insistir que ela faça uma face-lift, segundo

ele, a idade não tarda a pesar e ele próprio pensa em faze-lo também, pois, é

pouco digno de uma pessoa da sua estirpe social mostrar alguma fragilidade do

passar dos anos. Ana Maria recusa-se a faze-lo pois considera-se uma mulher

bastante atrente para a sua idade e não sente necessidade de esconder que os

anos passem.

Bernardo, o filho mais velho, não sabe já o que fazer, o pai nunca está satisfeito

com as metas que atinge, contou que no ano lectivo anterior, recebeu uma

medalha de melhor aluno com distinção na sua escola e agrupamento escolar, o

pai reagiu dizendo que “não foi mau, mas bom mesmo era seres reconhecido a

nível nacional ou mundial!” Bernardo sente que nunca poderá satisfazer o pai por

isso, evita conversas com este. Martim até a sua roupa quer controlar.

.

Sofia, a filha mais nova, é também uma excelente aluna, disse que recentemente

se tinha apaixonado por um colega de escola, com quem começou a namorar, o

pai ao saber de que se tratava de o filho de enfermeiro seu conhecido mas que

considerava não pertencer `a sua classe social, proibiu o namoro, tendo mesmo

retirado Sofia daquela escola, colocando-a numa outra longe e enchendo os seus

dias de actividades e controlando-a através do motorista.

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Sofia, está farta, desistiu de tentar agradar ou entender o pai e apenas pretende

chegar `a maioridade para sair de casa e do país.

A família revela ainda que muitas são as vezes que ficam envergonhados e

embaraçados com as atitudes publicas de Martim. Por vezes recusa-se a estar em

filas de espera, pois sente-se mais importante que os outros, logo deveria passar

à frente de todos, quando vai ao restaurante insiste em ficar com a melhor mesa e

pede sempre o mais caro da lista. Tenta sempre evidenciar a sua grandeza seja

no que for, e esteja onde estiver.

Todas estas situações têm sido alvo de discussões familiares, pois Ana Maria

mostra resistência e discórdia dos pontos de vista de Martim que não entende

nem aceita, continuando a afirmar: “Se peço tão pouco aos outros, porque não

conseguem eles comprazer-me?”

Estas são as motivações que Ana Maria apresenta para se querer divorciar, este

facto coincide com uma notícia saída na imprensa que deixa Martim enraivecido,

pois, é acusado por um dos seus ex-colaboradores, de se ter aproveitado deste

para leccionar as aulas que lhe eram devidas, da cadeira de Patologia da qual é

regente, enquanto acumula cargos governamentais e faz pesquisas no seu

laboratório. Este seu ex-colaborador, acusa-o ainda de ser arrogante, mal-

educado e de acima de tudo não o ter recompensado devidamente. Martim reage

acusando-o de inveja.

Durante as sessões com Martim, foram abordados alguns temas da sua infância,

Martim confessou ser de uma família muito humilde, vivia no interior do país, numa

pequena aldeia hoje deserta, perto de Viseu. Viveu lá até ter conseguido uma

bolsa de estudo que o conduziu à faculdade. Os seus pais eram agricultores de

poucas posses, eram pessoas embrenhadas no trabalho para poderem alimentar

os 5 filhos dos quais Martim é o segundo. Não tinham tempo para dar a atenção

requisitada pelos filhos. Martim cedo começou a levar as ovelhas a pastar, todos

na família tinham que colaborar nas tarefas. Enquanto passeava com as ovelhas

por montes e vales, Martim sonhava com um mundo diferente, com castelos,

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príncipes e princesas, um mundo que nunca vira, apenas imaginava das histórias

da sua avó. Por vezes era surpreendido pelos vizinhos caminhando altivamente

com um manto pelas costas e um cajado na mão, como se de um manto real e um

ceptro se tratasse. Os vizinhos gozavam com ele, diziam que viva no mundo da

lua.

Quando entrou na escola, Martim nunca estava atento `as aulas, continuava a

sonhar com os seus mundos, sofria por isso duros castigos da professora e

consequentemente era o alvo do gozo dos colegas. Sentia-se muito inferiorizado,

pois ninguém queria ser amigo do “cabeça no ar”. Mesmo assim, Martim

conseguiu ser um excelente aluno, tendo aos 17 anos ingressado na faculdade,

onde foi o melhor aluno do seu ano com distinção. Após a conclusão do curso,

Martim tornou-se um jovem calculista, idealista, cínico. Deixou de medir os meios

para atingir os fins. Pouco depois e por intermédio de uns amigos, conheceu Ana

Maria, filha de Senhores da alta sociedade, ainda com titulo nobiliárquico. Casou

com ela e tornou-se o naquilo que é hoje.

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2 - FORMULAÇÃO COGNITIVA-COMPORTAMENTAL

O Paciente apresenta um quadro clínico que preenche os critérios de diagnóstico

de Perturbação da Personalidade, segundo a DSM-IV (Ver ANEXO I). Ainda

segundo este manual podemos afirmar que o doente preenche os critérios

relativos à presença de Perturbações Narcísica da Personalidade (Ver ANEXO II)

No que respeita à classificação Multi-Axial, a Perturbação Narcísica da

Personalidade, enquadra-se, segundo a DSM-IV, no Eixo II (Perturbações de

Personalidade); quanto ao Grupo de Diagnóstico, enquadra-se no Grupo B

(Teatrais, Emotivos e Lábeis).

A origem histórica do Narcisismo, tem a sua origem na mitologia Grega. Narciso é

um termo que significa “auto-admirador”. Segundo esta, Narciso era famoso pela

sua beleza e orgulho, era um jovem que manifestava e alimentava um grande

amor por si próprio, de tal forma que se apaixonou pela sua própria beleza.

Narciso, passava os dias admirando a sua imagem reflectida num lago. Era

egoísta e indiferente aos sentimentos alheios. Acabou por morrer consumindo a

sua imagem.

3 - CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

Os indivíduos com esta perturbação possuem um sentimento grandioso da sua

própria importância, considerando-se especiais, esperando assim um tratamento

especial. (O Martim acha-se importante demais para ter de esperar nas filas, acho

que é uma pessoa notável e distinta e que como tal deve ser reconhecido por isso

e ser atendido primeiro que todos)

São incapazes de demonstrar empatia ou consideração pelas outras pessoas,

fingem ser solidários apenas para alcançarem os seus objectivos egoístas. Agem

conforme a própria vontade e são frequentemente ambiciosos. A exploração nas

relações pessoais é muito comum. (Martim é acusado publicamente de se ter

aproveitado do seu assistente para trabalhar por si enquanto acumulava cargos)

Têm relacionamentos frágeis, deixando muitas vezes os outros furiosos porque se

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recusam a obedecer às regras convencionais de comportamento (Martim não

consegue manter uma relação saudável com os seus filhos, impondo-lhes regras

exageradas, o que os deixa furiosos e muitas vezes envergonhados com o

comportamento do pai, por exemplo quando proíbe Sofia de namorar o filho de um

enfermeiro, tomando a atitude drástica de a mudar de escola). Os indivíduos com

esta perturbação da Personalidade, facilmente atribuem a origem dos seus

problemas a pessoas que acreditam não gostar deles, que não os apoiam ou que

não se curvam diante deles (Martim acusa todos os seus funcionários de

incompetentes, culpando-os de grande parte dos seus problemas diários, como

por exemplo acha que os seus relacionamentos profissionais nunca dão certo

porque todos têm inveja de si). A vulnerabilidade da auto-estima destes indivíduos,

torna-os sensíveis a críticas ou derrotas (quaisquer sugestões provocam raiva ou

desdém), tendo assim tendência para deprimirem(Martim ficou enraivecido ao ver

na imprensa uma notícia a denegri-lo, sugerindo mais uma vez que era pura

inveja) A escala de valores para estes indivíduo funciona em extremos, tudo ou

nada, não admitindo os meios-termos (o melhor ou o pior, um sucesso ou um

fracasso). (Os filhos de Martim têm que ser os melhores do pais ou do mundo)

Como a auto-estima é bastante frágil, existe a necessidade de comparação com

os outros, sofrendo muito com os êxitos alheios, pois isso significa para eles um

grande fracasso pessoal.

Estes indivíduos, têm um intenso pavor de depender das outras pessoas, pois

para eles isso significa odiar, invejar, expor-se ao perigo de ser explorado e

frustrado, isto pode ser um entrave à terapia, pois o indivíduo mobilizará defesas

contra uma suposta dependência com o terapeuta. Numa perspectiva dinâmica,

pode dizer-se que o terapeuta é visto como uma extensão do paciente, então o

terapeuta é desvalorizado, o paciente evita reconhecer o valor do terapeuta,

evitando assim experiencias de inveja, negando assim uma dependência.

A forma como os pacientes narcísicos interagem com o terapeuta, oferece

importantes informações. Por vezes, em casos mais óbvios, descrevem-se a si

próprios como orgulhosos, convencidos e arrogantes; enfatizam a sua posição

elevada, o notável nome de família ou a posição de celebridade, esperando com

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isso tratamento especial e admiração. Muitas vezes estes pacientes tentam

manipular o terapeuta para que apoie o seu sentimento de grandiosidade. É

comum estes pacientes, questionarem as qualificações do terapeuta, tentarem

persistentemente negociar honorários e horários.

4 - CARACTERÍSTICAS DE DIAGNÓSTICO

A Perturbação Narcísica da Personalidade, nem sempre constou na DSM, apenas

a partir da DSM-III (1980), o Narcisismo passou a fazer parte deste manual.(Ver

ANEXO III)

A Perturbação Narcísica da Personalidade, é caracterizada essencialmente por

um padrão global de grandiosidade, necessidade de admiração e ausência de

empatia, com o começo no início da idade adulta e presente numa variedade de

contextos.

Os indivíduos com esta perturbação, são caracterizados por fantasias irreais de

sucesso, sentimento de serem únicos e especiais, hipersensibilidade à avaliação

dos outros, sentimentos de autoridade e esperam tratamento especial.

Frequentemente, surgem nestes indivíduos sentimentos de superioridade, exagero

das suas capacidades e talentos, necessidade de atenção, arrogância e

comportamentos auto-referentes.

Exibem um exagerado ego-centrismo, geralmente acompanhado de uma

adaptação superficialmente eficaz, adaptam-se às exigências morais do ambiente

como preço a pagar pela admiração, no entanto têm grandes distorções nas suas

relações com o outro.

Importa distinguir o Narcisismo Normal do Narcisismo Patológico. Pode

considerar-se um Narcisismo Normal, em termos gerais, a auto-estima que

necessitamos para a nossa sobrevivência. Esta deriva de um investimento

emocional dos pais e cuidadores na criança, que depois é seguido por um

investimento da própria pessoa em si mesma. No Narcisismo Patológico, este

processo ocorre de forma exagerada.

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5 - MODELO A B C

A B C

Antecedentes Pensamentos Consequências

Martim quer que Ana faça

um lift-face

Ela não me valoriza, não

me dá a devida

importância

Ana Maria quer divorciar-

se de Martim

6 -TERAPIA

6.1OBJECTIVOS DA TERAPIA

1 – Manter uma boa cooperação terapêutica

2 – Minimizar os efeitos penosos associados aos julgamentos negativos dos

outros, alargar o registo cognitivo, tomar conciencia dos cambiantes nos

pensamentos

3 – Desenvolver as capacidades de empatia e minorar oscomportamentos de

exploração dos outros

6.2PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO

Estabelecimento de uma boa relação terapêutica com o doente. identificação dos pensamentos disfuncionais em situações de interacção e

criação de pensamentos alternativos, mais funcionais.

Utilização de técnicas cognitivas que consistem na determinação das

situações problemáticas.

Fazer registo diário das sucessões situações/ emoções/ cognições/

comportamentos, como objectivo de estabelecer uma lista de problemas

concretos aos quais se deve voltar frequentemente

Reenquadramento cognitivo, isto é, enfraquecer sentimentos de

superioridade, imaginando crenças alternativas, que contribuem para

tranquilizar doentes narcísicos acerca da sua auto-estima

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Debate acerca da sua rigidez e das vantagens de se tornar mais flexível.

Inversão de papeis, como prova da realidade, que contribui para activar os

mecanismos de compreensão dos julgamentos dos outros e para melhorar

a sua tolerância progressivamente

Elaboração de um diário em forma de questionário em que regista

diariamente as vantagens e inconvenientes associados à prática dos

comportamentos d exploração dos outros.

Avaliação repetitiva desse diário

Intervenções comportamentais, no sentido de modificar os comportamentos

problemáticos, de forma aligeirar o sofrimento do próprio e das pessoas que

o rodeiam.

Envolver na terapia os que rodeiam o paciente, quer em terapia cognitiva

de casal, quer através de um trabalho como co-terapeuta.

7- Epidemiologia da Perturbação Narcísica da Personalidade

Estimativas de prevalência do transtorno variam de 2 a 16 % na população clínica

e menos de 1% na população geral. É mais comum em homens do que em

mulheres, sendo que os homens perfazem cerca de 50 a 75% dos indivíduos

diagnosticados. Pode existir um maior risco nos filhos de pais com este transtorno,

pois transmitem um sentimento irrealista de grandiosidade, beleza, talento, etc.

Os adolescentes são por natureza egocêntricos, assim, a presença de traços

narcísicos nesta população não indicam necessariamente uma Perturbação da

Personalidade Narcísica.

Os indivíduos com esta perturbação, normalmente têm dificuldade na adaptação

às limitações físicas e ocupacionais inerentes ao processo de envelhecimento,

podendo assim, tornarem-se mais depressivos e exigentes durante a quarta e

quinta década de vida.

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8 - Etiologia da Perturbação Narcísica da Personalidade

A falta de interesse e atenção dos pais pelas realizações da criança, ou pelo

contrário o excesso de atenção às realizações, pode levar a criança à busca

contínua de adoração.

O termo “narcisismo”, como anteriormente referido, tem origem no mito Grego do

Narciso, um jovem que se apaixona pela própria imagem reflectida num lago. A

primeira referência a este mito na literatura Psicológica apareceu num relato de

um caso feito por Havelock Ellis (1898) em que descrevia as práticas

masturbatórias ou de “auto-erotismo” de um rapaz. Posteriormente, Freud aplicou

o termo narcisismo aos primeiros ensaios teóricos sobre o desenvolvimento

psicossexual e, mais tarde, desenvolveu ideias sobre o narcisismo como sendo

uma fase intermédia e necessária entre o auto-erotismo e o amor objectal da

criança em desenvolvimento. No entanto, o conceito torna-se alvo de estudo mais

aprofundado, nas últimas décadas. Kohut (1971) acreditava que os indivíduos com

perturbações narcísicas estão presos a um estádio de desenvolvimento em que

existe a necessidade de respostas específicas das pessoas e do ambiente. Ainda

segundo ele, estes indivíduos apresentam tendência a uma grande frustração,

como resultado da falta de empatia por parte dos pais, que não respondem às

necessidades emocionais da criança. Kernberg (1984) vê as características:

grandiosidade e exploração do narcisista, como evidência de “raiva oral”, devido à

privação emocional causada por uma mãe cronicamente indiferente ou

veladamente maldosa. Ao mesmo tempo, algum talento em oferecer à criança um

sentimento de ser especial.

9 - Etiopatogenia da Perturbação Narcísica da Personalidade

A Etiopatogenia da Perturbação Narcisica da Personalidade, tem sido alvo de

algumas discórdias. Segundo Kernberg (1979), trata-se de uma patologia situada

no “nível inferior de organização” da patologia de carácter, cuja terapêutica exige

ajustamentos técnicos tão directivos como para as personalidades estado-limite.

Já Kohut (1971) é mais indulgente e descobre em certas das suas pulsões

exibicionistas um “narcisismo saudável” que convém distinguir do patológico,

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auxiliando o “si” a reestruturar-se. Para Millon (1981), numa perspectiva

radicalmente comportamental, coloca a tónica nos factores educativos e nos

reforços positivos inapropriados emitidos pelos pais ou familiares durante a

primeira infância: quando os pais respondem ao filho com uma admiração

exagerada estão a perturbar a percepção do seu próprio valor em vista da

realidade. Trata-se para este autor, de uma disturção da imagem de si, muitas

vezes acentuada por “modelagem social” a partir da própria enfatuação dos pais.

A pertinência clínica da teoria proposta por Frances (1985) é mais satisfatória:

nem todos os filhos únicos ou estragados se tornam forçosamente narcísicos,

muito pelo contrário. Em contrapartida, certas crianças desfavorecidas ou

“especiais”, devido a um estatuto diferente (étnico, económico, incapacidade),

torna-se facilmente narcísicas. Elas desenvolvem sentimentos de inferioridade e

de inveja que compensam por meio de fantasias grandiosas e pela ligação a

personalidades impertinantes ou cínicas que são reverenciadas ou imitidas. Certas

experiências de humilhações precosses por ocasião das primeiras experiências

afectivas ou escolares podem ter um papel determinante e focar toda a

organização ulterior da personalidade em redor de relações de superioridade-

inferioridade e dominação-submissão.

Todas estas conclusões advêm de estudos de casos individuais pouco numerosos

e como tal não podem ser extrapolados ao conjunto e à diversidade das

personalidades narcísicas.

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10 - Bibliografia

Bergeret, Jean. (2000). A Personalidade Normal e Patológica. Manuais

Universitários. 1ª edição, Edições Climepsi. Lisboa.

Bernaud, Jean-Luc. (2000).Métodos de Avaliação da Personalidade. 1ªedição,

Edições Climepsi. Lisboa.

Debray , Quentin e Nollete , Daniel. (2004). As Personalidades Patológicas.

Manuais Universitários. 1ª edição, Edições Climepsi. Lisboa

Hansenne, Michel. (2004). Psicologia da Personalidade. 1ª edição, Edições

Climepsi. Lisboa.

Holmes, Jeremy. (2002). Narcisismo. 1ª edição, Edições Almedina. Coimbra.

H. Barlow D.; Durand, V. Mark; Montorio, I. e Morand ,D. (2003). Psicopatologia. 3ª Edição, Edições de Cengage Learning Editores

Toy, C. E. e Klamen, D. (2005).Casos Clínicos em Psiquiatria.1ª Edição,

Edições Artmed.Porto Alegre

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_________________________Formulação de Casos Clínicos I__________________________

(ANEXO I)

Caracterização das Perturbações da Personalidade (DSM-IV)

As Perturbações da Personalidade, segundo os critérios da DSM-IV, distinguem-

se essencialmente pela presença de um “padrão global e duradouro de

comportamentos, respostas e processos de pensamento, desadaptativos

espontâneos, que começam no início da idade adulta e frequentemente interferem

com as relações interpessoais, e provocam um défice funcional ou mal-estar

subjectivo”.

Critérios de diagnóstico aplicáveis a todas as Perturbações da

Personalidade (DSM- IV)

A. Um padrão duradoiro de experiência interna e de comportamento que se desvia

marcadamente do esperado na cultura em que o indivíduo se insere. Este padrão

é expresso em duas (ou mais) das seguintes áreas:

1. cognição (e.g., formas de percepção e interpretação de si próprio, dos outros e

dos acontecimentos)

2. afectividade (e.g., variedade, intensidade, labilidade e adequação da resposta

emocional)

3. funcionamento interpessoal

4. controlo de impulsos.

B. O padrão duradoiro é inflexível e global numa grande variedade de situações

pessoais e sociais.

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C. O padrão origina sofrimento clinicamente significativo ou defice na vida social e

profissional ou noutras àreas importantes de funcionamento.

D. O padrão é estável, de longa duração e o seu começo ocorre o mais tardar na

adolescência ou no início da idade adulta.

E. O padrão persistente não é melhor explicado por manifestação ou

consequência de outra perturbação mental.

F. O padrão duradoiro não é devido a efeitos fisiológicos directos de uma

substância (e.g., abuso de drogas, medicacamentos) ou a uma condição médica

geral (e.g., traumatismo craniano).

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ANEXO II

Critérios de diagnóstico para (301.81) a Perturbação Narcísica da

Personalidade [f60.8], segundo a DSM-IV-TR

Padrão Global de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade de

admiração e ausência de empatia, com começo no início da idade adulta e

presente numa variedade de contextos, como indicado por 5 (ou mais) dos

seguintes itens:

1 – Sentimento grandioso de auto-importância

2 – Preocupação com fantasias de êxito ilimitado, poder, brilhantismo, beleza ou

amor ideal

3 – Crenças de que se é “especial” e único, e que por isso só se pode ser

compreendido por, ou estar associado com, pessoas (ou instituições) especiais e

de elevado estatuto;

4 – Necessidade de admiração excessiva

5 – Sentimento de ser reverenciado

6 – Exploração das situações interpessoais

7 – Ausência de empatia: relutância em reconhecer ou identificar-se com as

necessidades das outras pessoas

8 – Inveja frequente das outras pessoas ou crença de que estas o invejam

9 – Demonstração de arrogância, comportamento ou atitudes altivas.

Existem perturbações que podem ser confundidas com a Perturbação Narcísica

da Personalidade, pois têm características comuns. Assim torna-se importante

distinguir estas perturbações com base nas diferenças das suas características

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típicas, ou seja, deve fazer-se o Diagnóstico Diferencial. No entanto, se uma

pessoa apresentar características de personalidade que preencham critérios para

uma ou mais Perturbações da Personalidade, para além da Perturbação Narcísica

da Personalidade, todas podem ser diagnosticadas. Cintando a DSM-IV, “A

característica mais importante na discriminação da Perturbação Narcísica da

Personalidade das Perturbações Histriónica, Anti-Social e Estado Limite da

Personalidade, cujos estilos interactivos são respectivamente, sedutor, insensível

e dependente é a grandiosidade característica da Perturbação Narcísica da

Personalidade. A relativa estabilidade da auto-imagem, assim como a ausência

relativa da auto-destrutividade, impulsividade e preocupação de abandono,

distinguem a Perturbação Narcísica da Perturbação Estado-Limite da

Personalidade. O excessivo orgulho nas suas realizações, a relativa ausência de

manifestação emocional e o desdém pela sensibilidade alheia ajudam a distinguir

a Perturbação Narcísica da Perturbação Histrionica da Personalidade. Apesar de

as pessoas com Perturbação Estado-Limite, Histriónica e Narcísica da

Personalidade poderem exigir maior atenção para si própria, as Pessoas com

Perturbação Narcísica necessitam que a atenção seja especificamente do tipo

admiração. Os sujeitos com Perturbação Anti-Social e Narcísica da Personalidade

partilham a tendência para serem inflexíveis, volúveis, superficiais, exploradores e

não empáticos. Contudo, a Perturbação Narcísica da Personalidade não inclui

características de impulsividade, agressão e dolo. Além disso, as pessoas com

Perturbações Anti-Social da Personalidade não necessitam tanto da admiração e

inveja dos outros e as Pessoas com Perturbação Narcísica da Personalidade

habitualmente não têm história infantil de Perturbação do comportamento ou

comportamentos criminosos enquanto adultas. Tanto na Perturbação Narcísica

como na Perturbação Obsessivo-Compulsiva da Personalidade os sujeitos

partilham tendência para o perfeccionismo e acreditam que os outros não fazem

as coisas tão bem. Em contraste coma a auto-critica sistemática das pessoas com

Perturbação Obsessivo-Compulsiva da Personalidade, as pessoas com

Perturbação Narcísica da Personalidade acredita mais que atingiram a perfeição.

A desconfiança e o evitamento social habitualmente distinguem os sujeitos com

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Page 21: Caso clínico e  formulação cognitiva

_________________________Formulação de Casos Clínicos I__________________________

Perturbação Esquizotípica ou Paranóide da Personalidade daqueles com

Perturbação Narcísica da Personalidade. Quando estas qualidades estão

presentes nas pessoas com Perturbação Narcísica da Personalidade, são

consequências primariamente dos medos de verem reveladas falhas e

imperfeições. A grandiosidade pode emergir nos episódios Maníacos ou

Hipomaniacos mas a associação com alteração do Humor ou défice funcional

ajudam a distinguir estes episódios da Perturbação Narcísica da Personalidade. A

Perturbação Narcísica da Personalidade deve também ser distinguida dos

sintomas que se podem desenvolver em associação com o uso crónico de

substâncias (por exemplo, perturbação associada à cocaína, sem outra

espessificação). Muitas pessoas de grande êxito demonstram traços de

Personalidade que se consideram Narcísicos. Somente quando estes traços forem

inflexíveis, desadaptativos, persistentes e causarem significativa incapacidade

funcional ou sofrimento subjectivo é que constituem Perturbação Narcísica da

Personalidade.”

Toda a actividade psíquica das personalidades narcísicas é monopolizada

por temas de grandiosidade, invadida por devaneios grandiosos.

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Page 22: Caso clínico e  formulação cognitiva

_________________________Formulação de Casos Clínicos I__________________________

ANEXOIII

O doente foi enviado à consulta pelo Dr. A. G., o qual consultou por

inicitiva própria. Este profissional aconselhou-o a recorrer ao nosso serviço por

apresentar perturbações caracteristicas de um distúrbio obsessivo-compulsivo.

Apresentou-se nas consultas sózinho, com uma postura adequada,

revelando, por vezes, ansiedade (tremor nas mãos, voz trémula), embora com

um discurso coerente .

Ao ser questionado quanto ao motivo da consulta demonstra dificuldade

em descrever o seu problema, dando respostas evasivas e subjectivas. No

entanto, quando aprofundada esta questão, apercebemo-nos da existência de

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