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Caso 6 Cumpre saber se o negócio jurídico celebrado entre António e Carlos é um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços. Tendo em conta a definição dada pelo CT, no art. 11º, concluímos que um contrato de trabalho carece de três elementos, a saber: actividade laboral, remunerada e com subordinação jurídica. Há, desta forma, uma obrigação de meios e não de resultado, como acontece, por regra, no contrato de prestação de serviços. Por sua vez, este, pode ser gratuito (art. 1154.º CC), ao passo que aquele é sempre oneroso (art. 11.º). No que respeita à actividade laboral, sendo esta uma prestação de facto positiva, verifica-se que este assume- se como um critério de mera prevalência uma vez que a actividade é prevalente no contrato de trabalho para o empregador, sendo o resultado prevalente, na prestação de serviços. Porém, tendo em conta que todo o trabalho conduz a um resultado, não este existe sem aquele torna-se difícil qualificar a situação em análise como um contrato de trabalho através deste elemento. Na verdade, António foi contratado para tratar da quinta de Carlos. Não podemos dizer que apenas está em causa o resultado, isto é, a quinta está bem ou mal tratada, sendo que esta o estará, ou não, dependendo da actividade efectuada pelo quinteiro. Por outro lado, também não parece ser de afirmar que Carlos apenas tinha em consideração a actividade de António, para fim do cumprimento do negócio celebrado, sem que se verificasse um resultado. Assim se percebe que, aos fins-de-semana, o Carlos dirigia-se à quinta para verificar se a casa e os animais estavam bem tratados. Hoje, a ideia do conteúdo da obrigação (meios ou resultado) foi abandonada porque uma actividade pressupõe um resultado e um resultado pressupõe uma actividade. A doutrina evoluiu para o risco. Se o risco corre por conta do empregador, é prestação de serviços, se não correr, é contrato de trabalho. Este critério, contudo, não resolve o problema de qualificação.

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Caso 6

Cumpre saber se o negócio jurídico celebrado entre António e Carlos é um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços.

Tendo em conta a definição dada pelo CT, no art. 11º, concluímos que um contrato de trabalho carece de três elementos, a saber: actividade laboral, remunerada e com subordinação jurídica. Há, desta forma, uma obrigação de meios e não de resultado, como acontece, por regra, no contrato de prestação de serviços. Por sua vez, este, pode ser gratuito (art. 1154.º CC), ao passo que aquele é sempre oneroso (art. 11.º).

No que respeita à actividade laboral, sendo esta uma prestação de facto positiva, verifica-se que este assume-se como um critério de mera prevalência uma vez que a actividade é prevalente no contrato de trabalho para o empregador, sendo o resultado prevalente, na prestação de serviços. Porém, tendo em conta que todo o trabalho conduz a um resultado, não este existe sem aquele torna-se difícil qualificar a situação em análise como um contrato de trabalho através deste elemento. Na verdade, António foi contratado para tratar da quinta de Carlos. Não podemos dizer que apenas está em causa o resultado, isto é, a quinta está bem ou mal tratada, sendo que esta o estará, ou não, dependendo da actividade efectuada pelo quinteiro. Por outro lado, também não parece ser de afirmar que Carlos apenas tinha em consideração a actividade de António, para fim do cumprimento do negócio celebrado, sem que se verificasse um resultado. Assim se percebe que, aos fins-de-semana, o Carlos dirigia-se à quinta para verificar se a casa e os animais estavam bem tratados.

Hoje, a ideia do conteúdo da obrigação (meios ou resultado) foi abandonada porque uma actividade pressupõe um resultado e um resultado pressupõe uma actividade. A doutrina evoluiu para o risco. Se o risco corre por conta do empregador, é prestação de serviços, se não correr, é contrato de trabalho. Este critério, contudo, não resolve o problema de qualificação.

Quanto à retribuição, afere-se dos factos provados que a actividade era remunerada, sendo um quantia certa (art. 276.º, n.º 1 CT - 650 €) e periódica (art. 258.º, n.º2 CT mensalmente). Mas como o contrato de prestação de serviços também pode ser remunerado, mais uma vez, teremos de procurar novos elementos para qualificar o negocio em causa.

À luz do art. 11.º, e tendo em conta a expressão utilizada pela jurisprudência e por alguma doutrina, resta saber se existia subordinação jurídica, isto é, se o trabalhador estava sob autoridade do empregador (i.e, se existia poder de direcção e disciplinar).

Dos factos, não se vislumbra qualquer poder sancionatório nem de direcção. Quanto ao poder disciplinar, na sua vertente prescritiva, apesar de poder ser sempre exercido (criar regras disciplinares) também não nos é dito nada acerca do mesmo.

O conteúdo de subordinação tem um problema: estes poderes são meramente potenciais. A maioria dos trabalhadores não tem reflexo dos poderes disciplinares. O poder disciplinar sancionatório quase nunca se verifica. O poder de direcção e disciplinar podem ser meras potencialidades. Como sabemos se existe?

A doutrina, para aferir a existência de um estado de subordinação do trabalhador, já que este é um elemento decisivo para aferir se está em causa um contrato de trabalho ou não (o poder disciplinar, acompanhado do poder de direcção apenas existe no CT),

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desenvolveu um método tipológico de qualificação que passa pela identificação de factores susceptíveis de revelar o estado de subordinação. São os designados indício de subordinação jurídica.

Quanto a estes, de acordo com os factos apresentados, diremos o seguinte. Quanto à titularidade dos meios de produção, nada se retira, tendo em conta que eram usadas ferramentas quer do trabalhador, quer do empregador. O trabalhador também comprava produtos para o exercício da sua actividade. Assim, nada se pode retirar para se dizer que há subordinação jurídica ou não. No que respeita ao local de trabalho, resulta dos factos que o trabalho era exercido na propriedade do empregador. Desta forma, há aqui um indício de subordinação jurídica e, por sua vez, da existência de um CT. Porém, nada disto afasta a possibilidade de uma prestação de serviços. Esta pode ser perfeitamente realizada na propriedade do credor. Por outro lado, nada resulta acerca da existência de um horário de trabalho (art. 212.º CT). Presume-se que, se o empregador não o fixou, é porque não existe. O facto de o trabalhador estar sempre a determinada hora naquele local (para regar o alimentar) não é sinonimo de horário de trabalho. O horário de trabalho é distribuição do número de horas convencionadas por da semana. Quanto à remuneração, já foi referido que existe uma quantia certa e periódica. No que respeita aos indícios externos, nada foi apurado, pelo que, aqui chegados, e tendo em conta que, na globalidade, não podemos sustentar convictamente a existência de uma subordinação jurídica, cumpre analisar a presunção da existência de um contrato de trabalho à luz do art. 12.º CT.

A utilidade do estabelecimento desta presunção é a inversão do ónus da prova da existência de um CT, nos termos do art. 350.º CC. Na presença deste artigo, o trabalhador fica dispensado de demonstrar, nos termos gerais do art. 342.º CC que desenvolve uma actividade retribuída e que se encontra numa posição de subordinação para lograr a qualificação do negocio jurídico como um CT.

Tendo em conta a redacção do n.º1 do art. 12.º CT, apenas necessitamos de ver preenchidos dois requisitos para se presumir a existência de um CT. Desta forma, as alíneas a) e d) estão preenchidas, pelo que se pode afirmar que há uma presunção de CT.

Porém, sendo uma presunção ilidível, nos termos do art. 350.º, n.º 2 a mesma pode ser afastada. A presunção nunca é suficiente para se dizer que temos um CT.

De facto, resulta dos factos que o trabalhador, António, tinha a sua esposa a trabalhar consigo, sendo que o negocio apenas foi celebrado entre ele e Carlos. A definição de CT diz-nos que é um contrato intuito personae, isto é, apenas pode ser cumprido pela pessoa contratada. Só na prestação de serviços é que o devedor pode recorrer a mais mão de obra para obter o resultado. No contrato de trabalho não há subcontratação.

Assim, apesar de se presumir que estava em causa um contrato de trabalho o que existia, na realidade, era um contrato de prestação de serviços.