cartografia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – CCE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DISCIPLINA: SOCIOPOÉTICA PROFESSORA: SHARA JANE HOLANDA COSTA ADAD ALUNO: FÁBIO SOARES DA COSTA EM: 19/11/2014 FICHAMENTO PASSOS, Eduardo; EIRALDO, André. Cartografia como dissolução do ponto de vista do observador. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da. Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2010. p. 109-130. 109 A cartografia como direção metodológica deve ser articulada com três ideias que compõem com ela um plano de ação ou um plano de pesquisa: a de transversalidade, a de implicação e de dissolução do ponto de vista do observador. Queremos pensar o método cartográfico como uma aposta para a pesquisa nas ciências humanas e sociais, mais do que fazer uma crítica ao positivismo. Pois, é [...] útil para descrever processos mais do que estados de coisas. [...] 110 [...] transformamos a realidade para conhece-la e não o inverso. TRANSFORMAÇÃO = CUIDADO = INTERESSSE (inter-esse) = ACOMPANHAMENTO DE PROCESSOS Analisar é abrir as formas da realidade, aumentando o seu quantum de transversalidade, sintonizando seu plano genético, colocando lado a lado, em uma relação de contiguidade, a forma do fenômeno e as linhas de sua composição. [...] sujeito e objeto, teoria e prática têm sempre suas condições de gênese para além do que se apresente como forma permanente, substancial e proprietária. O experimento científico em psicologia e o ponto de vista Três posições que apresentam a ilusão da independência de um ponto de vista sem a necessidade de intervenção: 111 1) Caixa de Skinner: [...] o rato não comparece como sujeito, mas como pura ação motora. [...] O observador científico é tampouco 1

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Fichamento - Pista 6 do livro Cartografia

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A IDENTIDADE CULTURAL NA PS-MODERNIDADE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU - UFPI

CENTRO DE CINCIAS DA EDUCAO CCE

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

DISCIPLINA: SOCIOPOTICA

PROFESSORA: SHARA JANE HOLANDA COSTA ADAD

ALUNO: FBIO SOARES DA COSTA

EM: 19/11/2014FICHAMENTOPASSOS, Eduardo; EIRALDO, Andr. Cartografia como dissoluo do ponto de vista do observador. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgnia; ESCSSIA, Liliana da. Pistas do mtodo da cartografia: pesquisa-interveno e produo de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2010. p. 109-130.

109A cartografia como direo metodolgica deve ser articulada com trs ideias que compem com ela um plano de ao ou um plano de pesquisa: a de transversalidade, a de implicao e de dissoluo do ponto de vista do observador.Queremos pensar o mtodo cartogrfico como uma aposta para a pesquisa nas cincias humanas e sociais, mais do que fazer uma crtica ao positivismo. Pois, [...] til para descrever processos mais do que estados de coisas. [...]

110[...] transformamos a realidade para conhece-la e no o inverso.TRANSFORMAO = CUIDADO = INTERESSSE (inter-esse) = ACOMPANHAMENTO DE PROCESSOS

Analisar abrir as formas da realidade, aumentando o seu quantum de transversalidade, sintonizando seu plano gentico, colocando lado a lado, em uma relao de contiguidade, a forma do fenmeno e as linhas de sua composio.

[...] sujeito e objeto, teoria e prtica tm sempre suas condies de gnese para alm do que se apresente como forma permanente, substancial e proprietria.

O experimento cientfico em psicologia e o ponto de vista

Trs posies que apresentam a iluso da independncia de um ponto de vista sem a necessidade de interveno:

1111) Caixa de Skinner: [...] o rato no comparece como sujeito, mas como pura ao motora. [...] O observador cientfico tampouco um sujeito, pois sua perspectiva desencarnada e em sobrevoo, coincidindo com o ponto de vista da cincia. Ele constitui um ponto de vista de terceira pessoa, idealizado e transcendente. No experimento, como se o observador olhasse de cima. O behaviorismo se instaura no deslocamento do ponto de vista da horizontal para a vertical, abolindo a perspectiva natural da conscincia, [...] Quando se chega a essa perspectiva vertical tem-se a frmula por excelncia da separao entre observao e mundo, ou seja, as posies de sujeito e objeto se ratificam mutuamente.

112A Caixa Skinner d privilgio atividade motriz em detrimento da percepo sensorial e ateno.2) O Gestaltismo: [...] d uma outra conformao ao ponto de vista.

[...] O chipanz Sulto sujeito que se desloca em meio comportamental. O experimentador (Kler, 1927), por sua vez um ponto de vista encarnado de terceira pessoa que, ao estar ali, observando as diferentes paisagens ou modulaes [...] d sentido ao do animal.

1133) A psicologia cognitiva e os estudos de memria: [...] aparece mais claramente nos experimentos de falsa lembrana, fenmeno que coloca em foco a relao entre uma experincia subjetiva de lembrar e o suposto consenso a respeito da falsidade do lembrado.A experincia de lembrar, considerada em sua existencialidade, tem carter performativo: ao lembrar-se de algum que abusa dele, simultaneamente o sujeito se constitui enquanto abusado.

114O falso da lembrana passa a ter pelo menos trs sentidos: 1) erro; 2) perjrio; 3) experincia subjetiva em desacordo intersubjetivo (cincia e sociedade).O sujeito um coletivo social, a um s tempo, observador de si e do sujeito da ao. O sujeito coletivo aqui um tribunal que garante a exterioridade do ponto de vista do observador.

115TRANSVERSALIDADE E IMPLICAO (Conceitos de Guattari e Lourau)Foram originados dos conceitos de transferncia e contratransferncia de Freud.

A mxima socioanaltica se afirma, ento: preciso transformar a realidade para conhec-la. Da o embate com toda a tradio cientificista que defende a neutralidade e objetividade do conhecimento, ambas garantidas pela distncia mantida entre aquele que conhece e aquilo que deve ser conhecido. Sujeito e objeto se distinguem e se separam, constituindo-se uma poltica cognitiva, assentada na perspectiva de terceira pessoa do conhecimento: conheo distncia, conheo porque me distancio. Tal poltica cognitiva pressupe tanto certa prtica comunicacional quanto uma prtica de pesquisa que se hegemonizaram, ganhando mxima expresso no ideal da inteligibilidade positivista.

TRANSVERSALIDADE (Guattari): a defesa de um terceiro eixo que cruz e desestabiliza os eixos vertical e horizontal da comunicao nas instituies. um quantum comunicacional que tende a ser mximo entre os diferentes nveis e, sobretudo, nos diferentes sentidos. [...] experimenta o cruzamento de vrias foras que vo se produzindo a partir dos encontros entre os diferentes ns de uma rede de enunciao da qual emerge, como seu efeito, um mundo que pode ser compartilhado pelos sujeitos.

116A transversalidade como princpio metodolgico d direo a uma experincia de comunicao que faz variar os pontos de vista, mais do que aboli-los. Trata-se de uma utopia que, como diretriz, permite a variabilidade dos pontos de vista mais do que uma experincia sem ponto de vista que parece distante da prtica factual da pesquisa. [...] trata-se da possibilidade de habitar os pontos de vista em sua emergncia, sem identificao e sem apego a qualquer um deles. Ser atravessado pelas mltiplas vozes que perpassam um processo, sem adotar nenhuma como sendo a prpria ou definitiva conjurando o que em cada uma delas h de separatividade, historicidade e fechamento tanto ao coletivo quanto ao seu processo de constituio.

117Guattari far sua aposta em uma prtica de pesquisa na qual produo de conhecimento e produo de realidade no se separam. Este o sentido, aqui posto, de uma pesquisa-interveno: alterar os padres comunicacionais em determinada realidade institucional significa intervir sobre a realidade aumentando o seu grau de abertura, e outras palavras, deixando vir tona o ser-comum que nela insiste como o plano do qual ela emerge enquanto realidade efetuada, instituda, formada.Estamos todos implicados em qualquer atividade de produo de conhecimento. [...] Por isso preciso fazer a anlise das implicaes. preciso combater a neutralidade indispensvel para a objetividade cientfica, a distncia entre o sujeito e o objeto,

119Lourau encontra em Breton a tcnica da escritura que permite e poltica da narratividade que ele buscava, tendo como direo a dissoluo do humano em seu pensamento. Uma poltica da dissoluo. Dissolver o homem: o homem solvel.

120Dissoluo do ponto de vista do observador: observao sem ponto de vista.

Partimos da seguinte afirmao: a cartografia uma metodologia de pesquisa que implica a dissoluo do ponto de vista do observador.Nas metodologias tradicionais de terceira e primeira pessoa h sempre a imposio de um ponto de vista capaz de representar ou significar o objeto estudado. [...] alm de um quadro de referncia interpretativo separado da experincia.

121A essa abordagem que apreende a experincia cognitiva como criao dela mesma (criao tanto do objeto conhecido quanto do sujeito que conhece), que se apreende em um movimento circular. Varela chama de atuao, ou abordagem enativa, fazendo modular a noo de autopoiese formulada por ele e Maturana na dcada de 70.A autonomia do fenmeno cognitivo, como da vida em sua essncia, doravante pensada com os conceitos de autopoiese e enao. [...] a cognio uma maquinao autopoitica, isto , um ato de criao de uma mquina que constitui tanto o polo objetivo quanto o subjetivo do fenmeno cognitivo.

122[...] j no se supe que haja um sujeito e um mundo preestabelecidos. Ao contrrio, o mundo e o sujeito so contemporneos ao ato cognoscente: Todo ato de conhecer traz um mundo s mos Todo fazer conhecer, todo conhecer fazer.CIRCULARIDADE: imbricamento entre primeira e terceira pessoa.

O cartgrafo no s tem que trabalhar com a circularidade fundamental e reconhecer a coemergncia do eu-mundo, mas, sobretudo, ele precisa garantir a possibilidade de colocar em xeque tais pontos de vista proprietrios e os territrios existenciais solidificados a eles relacionados. Seu paradigma no o do conhecer, mas o do cuidar, no sendo tambm o do conhecer para cuidar, mas o do cuidar como nica forma de conhecer, ou ainda, o paradigma da inseparabilidade imediata entre cuidar e conhecer.

123O quantum mais amplo da transversalidade d-se quando o cartgrafo deixa penetrar-se pela emergncia de mudanas do ponto de vista, problemas ou crises existenciais, que permitem a abertura para o reconhecimento de uma maior liberdade autogestiva dos indivduos e coletivos.Intervir para o cartgrafo no pode ser, portanto, conduzir ou dirigir o outro como se levasse nas mos coisas. O cartgrafo acompanha um processo que, se ele guia, faz tal como o guia dos cegos que no determina para onde o cego vai, mas segue tambm s cegas, tateante, acompanhando um processo que ele tambm no conhece de antemo. O cartgrafo no toma o eu como objeto, mas sim os processos de emergncia do si como desestabilizao dos pontos de vistas que colapsam a experincia no (interior) eu.

124[...] preciso discutir em geral as condies primrias da incorporao de um ponto de vista. Essas condies so a performatividade da experincia e a inserparabilidade entre ser (existir, viver), conhecer e fazer (interveno).Qualquer experincia pode se tornar performativa e conformar sujeito e mundo. A experincia performativa em funo de sua fora de por a realidade e fazer coemergir eu/mundo.

Deleuze e Guattari chamam o efeito de performatividade da linguagem de palavra de ordem, indicando que o efeito de performatividade confere ao enunciado fora de obrigao que aprisiona a realidade em um sentido dado. Em contraste [...] palavras de fuga como movimentos de variao da prpria linguagem que rompem o ciclo de obrigao instaurado pelas palavras de ordem, permitindo a emergncia de novas realidades.

125[...] essa verdade que surge da performatividade da experincia no inelutvel e pode ser transformada, ou melhor, na maior parte das vezes se transforma na sequncia dos acontecimentos.[...] tanto maior a certeza do pesquisador acerca da verdade que surge em experincia com o campo de interveno, menor a sua dissolvncia no plano implicacional e, consequentemente, maior a sua sobreimplicao no trabalho de pesquisa. Maior abertura de experincia ou efetiva dissoluo do ponto de vista do observador requer o reconhecimento da performatividade da experincia e a recusa de seu carter de obrigao existencial.

A INVERSO DA BASE

quando uma experincia de base que enseja o surgimento da realidade de si e do mundo se esvaece e d lugar s propriedades de sujeito e objeto, condicionadas por um ponto de vista.

A inverso da base pode acontecer quando a experincia lembrada torna-se sujeito e objeto.

126[...] a inverso da base, que responsvel pelo surgimento de um ponto de vista proprietrio, deve-se a uma perda de liberdade frente experincia e nos faz responder de forma estereotipada diante das situaes cotidianas. Perder a base da experincia tornar-se uma coisa que experimenta, no reconhecendo assim a performatividade da experincia e se constrangendo diante de um sentido dado (grau mnimo de liberdade)Da perspectiva de Varela sobre enao, o que interessa pensar toda a experincia como emergindo de uma experimentao, pois a experincia no concerne ao que j est a como dado inelutvel, mas antes emergncia de alguma mudana.

127O carter proprietrio do ponto de vista reduz a experincia nos limites da sobreimplicao e do menor quantum de transversalidade.

128Quando colocamos em xeque a nossa prpria subjetividade, no conseguimos mais dar uma objetividade fechada ao mundo que certa experincia nos apresenta. Se recusamos responder prontamente e de forma estereotipada experincia e no nos identificamos com ela, nosso eu identitrio enfraquece e d lugar a uma liberdade mais ampla de atuao/incorporao, levando a experincia para outras searas. Assim, ao dissolvermos a centralidade do sujeito (pessoa), estamos mais perto de acolher o outro e as variaes da experincia. Aumenta-se assim seu quantum de transversalidade, e a performatividade da experincia no necessariamente d ensejo a um ponto de vista proprietrio, mas faz surgir sujeito e mundo em uma atuao/incorporao talvez inusitada.

129O cartgrafo acompanha essa emergncia de si e do mundo na experincia. Para realizar sua tarefa no pode estar localizado na posio de observador distante, nem pode localizar seu objeto como coisa idntica a si mesma. Acompanha os processos de emergncia, cuidando do que advm. E pela dissolvncia do ponto de vista que ele guia sua ao.