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  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 1

    Economia Verde:A nova cara do Capitalismo

  • 2 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    Expediente:Publicao: Jubileu Sul BrasilProduo de texto: Fabrina Furtado, Miguel Borba de S, Marcos Arruda, Ivo Poletto, Sandra Quintela, Rosilene Wansetto, Iolanda Toshie Id, Verena Glass, Luiz Zarref e Maureen Santos.

    Imagem da capa: Vrus PlanetrioEdio/Reviso: Andrea Rausch [[email protected]]Arte e diagramao: Hernane M. Ferreira [[email protected] - (11) 8837-5057]

    Mais informaes: JubilEu Sul braSilTelefone: (11) 3112-1524Correio eletrnico: [email protected]: www.jubileusul.org.br

    apoio:

    instituto So Paulo de Cidadania e Poltica

    Frum Mudanas Climticas e Justia Social

    Comisso pela Caridade,

    Justia e a Paz / Pastorais Sociais

    Continental

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 3

    Para comeo de conversa .................................................................. 05

    Economia Verde: de onde veio isso? ................................................. 07

    Box1BeloMonte................................................................10

    Negar a barbrie: at quando? ........................................................... 13

    Box2Crditodecarbono:oqueisso?............................14

    Retomando a histria ......................................................................... 19

    Verde, Verde mesmo? S se for na nota de dlar ........................... 21

    O que e o que esperar da Rio+20? ................................................. 25

    As tecnologias da Economia Verde ................................................... 29

    Box3Mulhereseagrotxico..............................................30

    Outras novas biotecnologias que anunciam a Economia Verde ... 39

    OqueDvidaEcolgica?DvidaEcolgicaeDvidaClimtica..41

    Box4Acre:umestadoverde?.............................................42

    Box5CartadeBelm..........................................................44

    AresponsabilidadehistricaeaDvidaClimtica!...........................45

    Eosmovimentossociaisdiantedissotudo?Alutacontinua!...........49

    Box6CdigoFlorestal........................................................51

    Propostas de aes ............................................................................ 57

    Rio+20: 20 anos de metas descumpridas .......................................... 61

    Sumrio

  • 4 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 5

    Quando um time da capital ia jogar em estdio do interior, eraumareclamaodanada.Chamavamoestdiodega-linheiro: vestirio sem gua, iluminao quebrada, torci-da mal-educada. s vezes podia voar uma laranja ou mesmo um rdio dentro de campo, dependendo dos nimos. Tudo dependia da atuao do time local, que era patrocinado por uma das firmas do prefeito.

    Mas o que mais chamava a ateno dos visitantes era o grama-do. Melhor dizendo, a falta de gramado, principalmente na pequena rea: puro deserto. S que havia uma soluo fantstica: em vez de recuperar a grama, cuidar melhor do campo ou fazer menos jogos por semana,odonodo time localpreferiapintardeverde issomesmo,comtintaverde!osburacosexistentesnarea!

    No por acaso, o patrocinador do time local era uma grande revendedora de tintas. Alm dos

    modestos salrios dos joga-dores, ela fornecia todo ms dois gales de tinta verde--grama. O prefeito, por ser scio minoritrio da reven-dedora, usava o patrocnio como marketing. O proprietrio era um grande usineiro da re-gio, considerado um sujeito de viso, ganhador de prmios do governo por ser exemplo de

    Pra comeo de conversa...

  • 6 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    polticas sustentveis de desenvolvimento, j que havia transforma-do o que sempre foi cana em algo chamado biocombustvel, parte importante da economia verde...

    A moral dessa histria que a economia verde, assim como a tinta verde-grama da pequena rea, passou a ser vendida como so-luoparaacriseambientaleclimticamesmoestandoclaroqueela s resolve mesmo a crise do bolso de empresrios de viso e de prefeitos de planto.

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 7

    Nos anos do Ps - II Guerra o capitalismo lanou a Revoluo Verde, nome bonito para significar o tsunami de mudanas tecnolgicas introduzidas na produo agrcola introduodepesticidas,inseticidaseadubosqumicos,mudanasgenticas nas plantas, pulverizao area de agrotxicos sobre as plantaes, inveno de mquinas cada vez mais caras e sofisticadas para substituir o trabalho dos agricultores familiares, etc. Tudo isto aumentou o PIB dos pases e do mundo. Em mdio prazo, porm essasmudanastiveramefeitosdanosossobreasadehumanadosprodutoresedosconsumidores,afertilidadedosoloeasflorestas.Sem a precauo necessria, os insumos qumicos agrcolas tm contaminado o ser humano e seu meio ambiente, proporcionando ao mesmo tempo fortunas para as empresas qumicas privadas, e tambm a oportunidade de expanso acelerada da indstria farmacutica, ambas usando fartos recursos recebidos dos fundos pblicos.

    A humanidade vive hoje outro ciclo parecido com o da Revoluo Verde: o termo simptico e enganoso Economia Verde.

    Estamos diante de uma situao curiosa e, ao mesmo tempo, perigosa: depois de pouco mais de dois sculos de dominao capitalista sobre a vida social, o planeta Terra no suporta mais tanta depredao de recursos, destruio de biodiversidade e degradao do ambiente vital. E a maioria das pessoas que nele habitam igualmente j no suportam mais

    Economia Verde: de onde veio isso?

  • 8 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    o grau de explorao e injustia a que esto submetidas. Tanto esses setores populares quanto a me-natureza esto dando sinais de alerta: com essa velocidade crescente da produo e do consumo, com o cada vez mais prximo esgotamento do que a Natureza oferece, com o aprofundamento das desigualdades sociais e com o agravamento das ameaas climticas, a humanidade pode chegar a guerras e at a auto-extino.

    Os sinais de que estamos perto de uma catstrofe se multiplicam, tanto no mundo natural como no social. Tsunamis, secas e enchentes avassaladoras, assim como rebelies em obras das hidreltricas e de estdios, nos do uma dimenso e nos evidenciam o esgotamento do modelo atual de sociedade.

    O diagnstico claro. S que as grandes empresas e bancos, e as elites que se beneficiam, tm negado que o problema existe e ameaa a humanidade. E continuam repetindo que o mercado resolve tudo. H muitas dcadas, essas elites tentam maquiar o fato de que s uma minoria da populao do planeta ganha com o que elas definem como desenvolvimento econmico. A realidade, contudo, mostra o

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 9

    contrrio: o modo capitalista de organizar a produo e a distribuio dos bens materiais e sociais est voltado para o lucro, no para as necessidades e direitos do ser humano. O resultado a riqueza de poucos, em troca da misria, opresso e explorao da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras.

    Dados publicados pela ONU mostram que em 20 anos s 20% da populao mundial ficou mais rica, ao passo que a maioria da populao global empobreceu. E o empobrecimento dos 20% mais pobres especialmente escandaloso: sua parcela de renda caiu 20 vezesduranteestemesmoperodo!Estes20%maisempobrecidosvivem com apenas 0,07% das riquezas.

    A realidade social e as crises mostram que a promessa de humanizar o capitalismo e gerar vida digna por meio da teoria liberal dos sculos 19 e 20 e do Estado de Bem-Estar Social no passa de mentira. Em toda essa histria, poucos se beneficiaram custa demuitos!Masagorajsesabe:essetipodefalsaprosperidadesocial tem como fonte a explorao do trabalho do restante da populao mundial. Esse modelo, em resumo, insustentvel em escala global. Mas os amantes do mercado continuam negando. At pesquisadores e cientistas foram comprados para contestar as mudanas climticas.

    Tudoemvo!At certoponto, dpranegar a realidade; apartir da, ela falapor si. Como aprofundamentoda exploraocapitalista num mundo globalizado, a degradao socioambiental vem crescendo na mesma medida das crises econmicas globais. Talvez as bolhas financeiras cresam mais, o que no tem a ver com a economia real, a no ser na busca por novas formas de explorao do trabalho e da natureza. E assim os conflitos socioambientais no param de crescer, envolvendo no s as lutas por reforma agrria e soberania alimentar, e a resistncia s hidreltricas, at as lutas pelos direitos dos migrantes e refugiados climticos, a esta altura mais numerosos do que os refugiados das guerras em curso no mundo capitalista.

  • 10 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    Box 1

    Belo MonteA hidreltrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Par, o maior

    eomaiscaroprojetodoProgramadeAceleraodoCrescimento(PAC)doGovernoFederal. tambmumadasmaispolmicasobras em andamento no momento. Idealizada ainda durante a ditadura militar nos anos de 1970, a usina era to impactante que uma grande mobilizao popular paralisou o projeto no final dos anos 1980. No incio da dcada de 2000, porm, o governo resolveu retomar a ideia, ajustou o projeto para que no inundasse uma rea to grande, e iniciou o licenciamento da obra.

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 11

    Todo o processo que se seguiu foi marcado por enormes irregularidades e violaes da legislao ambiental, indgena e daprpriaConstituioFederal.Emfunodisso,oMinistrioPblico Federal j impetrou mais de 10 Aes civis pblicas contra Belo Monte, das quais a maioria segue pendente na Justia.

    Conformeosltimosajustesnoprojetodahidreltrica,osempreendedores estimam que a usina provocar o alagamento de cerca de 640 Km2 (rea maior que a cidade de Curitiba,com seus 435 Km2). Segundo o Estudo de Impacto Ambiental do projeto, uma superfcie territorial de 486,54 ha no permetro urbano de Altamira ser alagada e/ou desocupada por razo de segurana. Esta rea abrange 12 bairros diferentes (cerca de 50% do total de bairros de Altamira), e de acordo com o mais recente estudo da Universidade Federal do Par, de maro de 2012, 25,4 mil moradores de Altamira sero desalojados.

    Ainda segundo o MPF, cerca de 40 mil pessoas perdero casas e terras por causa das obras de Belo Monte. Alm disso, cerca de 300 mil habitantes dos municpios de Altamira, Senador Jos Porfrio, Porto de Moz, Anapu, Vitria do Xingu, Medicilncia, Gurup, Brasil Novo, Placas, Uruar e Pacaj, 14 mil pessoas que vivem nas Resex do Rio Iriri, Riozinnho do Anfrsio, Verde para Sempre e Mdio Xingu, alm de 21 comunidades quilombolas da regio, sero direta ou indiretamente afetadas pela usina.

    O pior impacto de Belo Monte, no entanto, que cerca de 100 km do rio devero praticamente secar aps a construo da usina, na chamada Volta Grande do Xingu. A Volta Grande um trecho onde o rio faz um tipo de lao, e nas duas extremidades as guas sero desviadas para o reservatrio, o que far com que os nveis da gua e do lenol fretico neste pedao de rio baixaro, como consequncia da reduo das vazes. Isso causar srios problemas para a navegao, a pesca e o consumo de gua.

  • 12 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    No trecho onde o rio secar, duas Terras Indgenas sero diretamente impactadas: a TI Paquiamba, dos ndios Juruna, e a rea dos Arara da Volta Grande. J a rea indgena Juruna do KM 17, que fica s margens da rodovia PA 415, o aumento do trfego na estrada e a presena de um canteiro de obras j est causando grandes problemas aos indgenas. Por outro lado, as Terras Indgenas Trincheira Bacaj, Koatinemo, Arara, Karara, CachoeiraSeca,AraweteeApyterewa,XipayaeKuruayajsofremimpactos, como escassez de pesca, presso de desmatamento, presso da migrao de no-ndios, presso fundiria, epidemias de malria, entre outros.

    Segundo o governo, h ainda registros de grupos indgenas isolados em trs reas do Xingu: na Terra do Meio, entre os rios IririeXingueaTransamaznica;entreosriosIririeCuruedaataBR-163;enaBaciadorioBacaj.Trata-sedegruposquevmsendo pressionados pelo avano da ocupao da regio e que, provavelmente, no suportaro por muito tempo, caso perdurem as condies e o ritmo atual desse avano. Isso energia limpa? A que interesses servem esses megaprojetos de hidreltricas?

    Foto: Joo Zinclar

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 13

    ao perceberem que maquiar a realidade e negar as crticas dos movimentos e organizaes sociais um mau negcio, as empresas e seus estrategistas resolveram mudar de ttica: reconhecem que problemas como as mudanas climticas existem, mas buscam, ao mesmo tempo, maneiras de ganhar ainda mais com a necessria busca de solues. Passam a promover a economia verde, ou capitalismo verde, ou ainda ambientalismo de mercado, mascarados no discurso do desenvolvimento sustentvel. Mas, na realidade, capitalismo sempre capitalismo, independentemente da cor e do adjetivo.

    J no perodo da Conferencia das Naes Unidas sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel, conhecida como Rio92, esses setores capitalistas tentavam convencer seus pares da importncia e da oportunidade de bons negcios abertos pela crise ambiental.Apartirde1997,porocasiodaConfernciaquelanouoProtocolo de Quioto, que s comeou a vigorar em 2005, comeou-se a falar em mercado de crditos de carbono e coisas parecidas.

    Antes de continuar essa histria, vale a pena ver o que o mercado de carbono, pea central do jogo.

    Negar a barbrie: at quando?

  • 14 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    Box 2

    Crdito de carbono: o que isso?

    Vamos a dois exemplos: o Equador tem buscado desde 2009 obter ridculos US$ 4 milhes em crditos de carbono em troca da oferta de oxignio produzido pelos seus quatro milhes de hectares de floresta virgem, que o governo se compromete a conservar. Uma empresa gastou US$ 5 milhes na construo de um incinerador que converte lixo em energia eltrica, e recebeu US$ 500 milhes em crditos de carbono pelos gases-estufa que deixaro de ser emitidos. Um lucro lquido absurdo, equivalente aUS$450milhes!Estessodoisexemplosdecomofuncionao mercado global do carbono. Trocando em midos, crdito de carbono a troca monetria realizada entre partes, seja para manter uma floresta em p emitindo oxignio, caso do Equador, ou ainda para a no emisso de gases, como o caso da indstria

    de incinerao de lixo.

    O Protocolo de Quioto um acordo internacional segundo o qual os pases do Norte se comprometeram a reduzir voluntariamente suas emisses de gases de efeito estufa em 5,2% at 2008-2012 em relao aos nveis de 1990. Isso significa que esses pases passaram a ter cotas mximas de quanto podem emitir. Muitos deles emitem muito mais do que poderiam. E a, o que fazem? Mudam a forma de produzir

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 15

    para emitirem menos? No. Alguns outros pases, ou empresas, emitem menos do que a sua cota mxima de direito, e por isso vendem o restante do direito de emitir. Este o mercado

    de carbono: os pases ou empresas que emitem em excesso compram os crditos das empresas ou de pases que emitem abaixo das suas cotas mximas, e passam a ter o direito de continuar poluindo acima do permitido.

    Com isso, as emissesou o controle de emisso viraram mercadoria, passando a ter valor financeiro: uma tonelada de dixido de carbono (CO2) equivale aum crdito de carbono. Este crdito se torna um ttulo, uma mercadoria que comercializada no mercado de carbono. Tudo somado, empresas e pases compram o direito de poluir. E ainda lucram especulando com os crditoscomprados!

    Mas esse negcio no para por a. As empresas que emitem demais tambm

    podem aplicar dinheiro nos pases do Sul, empobrecidos, com o discurso de que apoiam projetos sustentveis, isto : projetos que deixam de emitir o que emitiriam se no contassem com o

  • 16 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    dinheirodeles. o chamadoMecanismodeDesenvolvimentoLimpo (MDL). Junto com o fato de isso no mudar nada em relao aos gases de efeito estufa emitidos para a atmosfera, vale examinar: trata-se de fato de desenvolvimento limpo? Examinemos alguns desses projetos.

    Projeto (a): Mecanismo de Degradao e liquidao das Florestas: o Projeto Plantar

    Esse foi o primeiro projeto de MDL no Brasil a negociar crditos de carbono do grupo Plantar, em parceria com o FundoProttipodeCarbono,doBancoMundial.Ajustificativado projeto a reduo das emisses de gases de efeito estufa por meio da plantao de eucalipto para produzir carvo vegetal, ao invs de mineral, para a produo de ferro. No entanto, desde 2003 dezenas de organizaes e movimentos sociais vm denunciando o projeto Plantar por no contribuir para o desenvolvimento nem ajudar a combater a mudana do clima. Ao contrrio, monoculturas de rvores como o eucalipto so prticas nefastas para a populao local e o meio ambiente: secam os rios, contaminam o ar e a gua por causa do uso de produtos qumicos, e reduzem a biodiversidade da terra afetando, assim, a vida das populaes que dela dependem. Por isso ganharam o nome genrico de deserto verde.

    Projeto (b): Mecanismos de Destruio e lixo: a TKCSaDesde2005,associaesdemoradoresdeSantaCruz,no

    Rio de Janeiro, aliadas a movimentos sociais e pesquisadores, vm denunciando o processo de instalao do complexo siderrgico da ThyssenKrupp CSA-TKCSA (empresa alem).As denncias incluem perseguies e ameaas s lideranas contrrias ao projeto, inclusive por parte de milcias, ilegalidades no processo de licenciamento e agresses ambientais e sade da populao, como resultado da operao da empresa. A empresa foi embargada pelo Ibama e multada vrias vezes.

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 17

    Diversos crimes e aes ilegais foram cometidos pela empresa: construessemautorizaogovernamental;supressodereasdemanguezaisnoprevistas;eintervenoemmargemderiossem autorizao; pssimas condies de trabalho emorte deoperrios;edestruiodomododesobrevivnciadapopulaolocal, que a pesca.

    Muitos estudos, inclusive um Relatrio tcnico da Fiocruz, divulgadoemoutubrode2011,demonstramoimpactodaTKCSAe de seus rejeitos industriais sobre o ar, a sade pblica e o meio ambiente. Entre os problemas identificados, destaca-se o aumento das doenas respiratrias, dos casos de cncer, de micoses e outras doenas dermatolgicas. Danos sade dos moradores de Santa Cruzereascontguas,epioranaqualidadedoarda regio,levaram o Ministrio Pblico estadual a ingressar na justia com pedido de liminar que probe a empresa de despejar ferro gusa em poos ao ar livre sem controle de emisses de poluentes. O

    Foto: German Alemanni

  • 18 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    funcionamento da siderrgica aumenta em 76% a emisso de CO,lanando12vezesmaisgspoluentedoquetodaaindstriado Rio de Janeiro.

    Mesmo com tudo isso, a TKCSA recebeu em outubrode2011sinalverdedoConselhoExecutivodoMecanismodeDesenvolvimento Limpo, da Organizao das Naes Unidas, paraobtenodecrditosdecarbono!Ajustificativaousodeenergia eltrica a partir do reaproveitamento de calor e de gases do processo siderrgico. O projeto ainda precisa ser validado e aprovado pelo Governo brasileiro.

    Novo aviso ONU, ao Governo e a todo o povo do Brasil: a TKCSa gera refugiados pescadores, poluio e morte. No reduz emisses de carbono!

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 19

    a estratgia avanou. Ao longo dos anos 1990 e, principalmente, a partir do ano 2000, a palavra de ordem no mercado passou gradativamente a ser: verde. Tudo teria que virar verde, sustentvel, ecolgico, natural, ecologicamente amigvel, etc. Mesmo no sendo verdade. No importa. Mesmo que a realidade seja exatamente o oposto, no importa. At empresa de petrleo mudou denome,adotandologomarcaepersonalidadecorporativaverde.s ver o material produzido por tais empresas e as suas propagandas: tudoverde!

    Seria demais lembrar que o acidente da British Petroleum no Golfo do Mxico deu-se no exato momento em que a empresa, sedenta por lucros verde-oliva, passou a chamar-se s BP, apresentando-se como empresa de energia, representada agora por um braso amarelo e verde.

    No Brasil, esse cinismo tambm passou dos limites. Temos at empresasdemineraoesiderurgiaatividadesdegraveimpactoambientalnegativoposandodesoluoverde.APetrobrasandadizendo por a que deixou de ser petroleira para virar empresa de energia, e a Vale tenta nos convencer de que exemplo de sustentabilidade e que nossa. Quem faz parte deste ns? Em 2007 a Vale passou por uma mudana em sua logo justamente para dar essa cara verde.

    Em menos de duas dcadas o mercado fez um giro de 180 em sua forma de lidar com o problema: inicialmente, assustado diante de qualquer fala sobre ecologia ou sustentabilidade, negava tanto oproblemaquantoasuaresponsabilidade;emseguida,omercado

    Retomando a histria...

  • 20 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    passou a apresentar-se como o mensageiro que alerta para a gravidade da crise e passa a adotar o discurso sustentvel. O documentrio uma Verdade inconveniente1 fala por si prprio: fala diretamente para aqueles do mundo empresarial que ainda no tinham entendido que a catstrofe socioambiental, como tudo no capitalismo, tambm pode ser convertida numa tima fonte de lucros.

    Al Gore foi vice-presidente dos Estados Unidos no perodo em queBillClinton foipresidente (entre 1993-2001). Ele j haviaparticipado da Rio92, e aps perder as eleies presidenciais de 2000 para George W. Bush, Gore tornou-se mais audacioso. Os Estados Unidos o pas que mais emite gases de efeito estufa na atmosfera terrestre. Mas Al Gore nunca escondeu que seu objetivo era convencer o empresariado norte-americano das oportunidades de lucro com a crise climtica. Vale lembrar que Gore sempre foi acionista de empresas petroleiras, atividade de gravssimo impacto ambiental.

    1 An Inconvenient Truth, em ingls, produzido por Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA.

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 21

    No comeo da segunda dcada do sculo XXI a contradio parece mais clara e explcita do que nunca. Por um lado, um sistema socioeconmico que oprime, exclui e destri. Por outro, os poucos beneficirios do sistema usam de todos os meios para mant-lo e reproduzi-lo, mesmo se isso significa levar os conflitos

    de classe e as crises ambientais s ltimas consequncias. A gerao ampliada de lucros tem que continuar, custe o que custar.

    Faro de tudo para convencer a todos de que o que bom para eles livre mercado, individualismo, consumo, flexibilizao trabalhista e ambiental, especulao financeira, dvidas impagveis e juros compostos, grandes favores estatais em troca de dinheiro para campanhas eleitoraisbompara todos.Eopiorque eles conseguem enganar muita gente. Temosdeficarespertos!

    NapocadaConfernciadeEstocolmo,em 1972, eles no queriam nem ouvir falar de meio ambiente. Na Rio92 o mercado j lanava a ideia de mercantilizar a natureza. Em 2002, na Rio+10, o que foi denominado responsabilidade social corporativa foi alado categoria de mecanismo preferencial para lidar com as questes que afetam a todos. Sem perder lucros,

    Verde. Verde mesmo?S se for na nota de dlar...

  • 22 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    claro!Propuseramainda,queFundospblicospassassemparaasmos das empresas, atravs de isenes fiscais ou doao direta com a promessa de dar conta e resolver os impactos sociais e ecolgicos, causados pelas prprias corporaes. Exigiram recursos para avanar nas propostas de geo-engenharia e outras solues tcnicas que no questionassem o modelo econmico e social dominante, aumentando os lucros capitalistas.

    Faz-se de tudo para legitimar o capital privado como o sujeito social capaz de salvar tanto a economia quanto o planeta, e livr-lo oCapitaldaresponsabilidadepelagestaodacriseatual,que, na realidade, filha da sua lgica voraz por lucros incessantes.

    precisoinsistirnapergunta:Mas ser que quem gestou a crise pode nos ajudar a sair dela?

    A resposta, j dada por Einstein, no: a mesma lgica que provocou o problema no pode ajudar a enfrent-lo. Foi justamente a expanso da lgica de mercado desregulado durante a era neoliberal, dos anos 1980 e 1990 em diante, que aprofundou ainda mais o domnio planetrio do sistema capitalistainclusiveaexploraoaindamaisdrsticadosrecursosnaturaisedo trabalhohumano.Porque,ento, acreditarqueomercadopoderiaajudar?avelhatentativadedarmaisvenenoparacurar uma crise de envenenamento.

    Se o que for feito no resolve as grandes questes das relaes sociais e ambientais, pelo menos resolve o problema de liquidez monetriapormaisumtempoetoca-seobarco.

    DE CoPENhaguE a CaNCuN: aVaNaM oS MECaNiSMoS DE MErCaDo

    Conferncia das Partes (COP) da Conveno-Quadro dasNaesUnidasparaasMudanasClimticas (CQNUMC), realizada

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 23

    emCopenhagueem2009,chamadaCOP15,marcouavitriadessanova estratgia do mercado: aproveitar-se da crise ambiental para produzir mais lucros, mesmo que isso aprofunde o problema. Mas s naCOP16,emCancun,Mxico,noanoseguinte,queomercadoe governos afins fecharam um grande acordo: transformar a natureza em mercadoria, passvel de ser vendida, comprada e especulada. Se entre os sculos XVIII e XX o capitalismo j havia transformado solo, trabalho inclusive o dos escravos e o infantil -, minrios,vapor, petrleo e o prprio dinheiro em mercadorias, o capitalismo do sculo XXI d sua contribuio mercantilizando ar, gs carbnico, cdigo gentico, gua, beleza natural e at mesmo ideias na cabea das pessoas.

    possvelaguentartudoisso?!

    Em2011,aCOP17foirealizadaemDurban,nafricadoSul.Amobilizao da sociedade civil, especialmente

    a sul-africana, visou barrar o aprofundamento do Acordo de Cancun. Mas no houveavanos. Apenas se conseguiu que o Protocolo de Quioto no fosse abandonado, mas tudo foi empurrado com a barriga para um prximo acordo.

    No mais, o Fundo Verde continua fraco, por causa da crise mundial, e o Banco Mundial, um dos principais financiadores das atividades que geram as mudanas climticas, mantido como seu gestor. Logo esse banco, que, da mesma forma que as demais Instituies Financeiras Internacionais (IFIs), est a servio dos interesses do Norte global, das empresas transnacionais e das elites financeiras e polticas. Essas instituies so responsveis por fortalecer o sistema econmico que empobrece a grande maioria da humanidade, espolia a natureza, gera aquecimento global e acaba com a soberania dos povos.

  • 24 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

  • Economia Verde: a nova cara do capitalismo - 25

    a Rio+20, que acontecer em junho de 2012, pode tornar-se a ConfernciadaONUemquesersacramentadaasubmissoda vida, em todas as suas formas e dimenses, aos interesses das grandes corporaes capitalistas que dominam o planeta. E, junto com isso, anunciar ao mundo o remdio para todos os males: a economia verde, capaz de gerar um novo tempo de crescimento econmicoglobalsustentvel!

    Na verdade, a Economia Verde consiste num conjunto de remendos tecnolgicos e solues curativas dos sintomas do problema ambiental, que evita enfrentar as causas principais da pobreza, da desigualdade e da opresso: a ganncia e voracidade do grande capital em busca de lucros imediatos, como fim principal da atividade econmica, e a qualquer custo. Seus promotores inventaram os trs P em ingls - Planeta, Pessoas, lucro2. A realidade comprova que esta trade enganadora, pois de fato os lucros so a prioridade primeira e ltima, que subordina a relao do capital com o Planeta e com as Pessoas.

    Esses remdios, a nosso ver, serviro na realidade para resolver a crise dos lucros declinantes das corporaes transnacionais, mas no

    O que e o que esperar da Rio +20?

    2 Planet, People and Profit. Fonte: Report on the Green Transition Scoreboard, Feb. 2011, Ethi-cal Markets Media, Florida, USA, p. 1.

  • 26 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    para enfrentar os problemas dos povos e da Terra. E nem o dos governos altamente endividados. Pelo contrrio, tendo por base o que tem acontecido at os dias atuais, deve-se reconhecer que essa soluo mercantilista colocar em risco ainda maior at mesmo a possibilidade da vida humana no planeta.

    Esse o motivo maior para no deixar que grandes empresrios e banqueiros gananciosos, junto com governos coniventes, decidam os rumos da vida de toda a humanidade e da vida da prpria Terra. Mais do que nunca, precisamos estar atentos e dispostos a agir. E agir com urgncia, j que eles esto avanando. Vejamos alguns exemplos.

    O Banco Mundial estava desacreditado e descapitalizado por causa do fracasso das polticas neoliberais que ajudou a disseminar, junto com o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e a Organizao Mundial do Comrcio (OMC). A guinada empresarial rumo aocapitalismo verde deu nova oportunidade para o Banco Mundial voltar a ter uma funo importante no sistema: espalhar pelo mundo a ideologia do ambientalismo de mercado. E ele o faz atravs do financiamento de projetos que tm como objetivo elaborar e publicar conhecimentos tcnicos, polticos e jurdicos em favor das solues de tudo por meio da economia verde. Alm disso, cabe-lhe participar e defender essa opo nas negociaes oficiais na ONU.

    Mesmo se a gente tenta esquecer por um instante o cinismo presente nessa histria, o fato que o Banco Mundial continua sendo um grande risco nas negociaes mundiais sobre as mudanas climticas. Pois no possvel esquecer que ele continua financiando combustveis fsseis, algo que s aumenta sua dvida ecolgica com a populao e com o planeta3. Em 2010, o financiamento anual do Banco Mundial para combustveis fsseis atingiu o valor de 6 bilhes de dlares de um total de subsdios pblicos passados s petroleiras deUS$557bilhes!Emabrilde2010oBancoaprovouumemprstimode U$3,75 bilhes para o conglomerado de energia sul-africana Eskom,comaltosnveisdeemissesumadesuasempresasemitir3 Atualmente suas emisses per capita, so mais de quatro vezes as do Sul. Esta a dvida

    climtica!

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    pelo menos 25 milhes de toneladas mtricas de dixido de carbono por ano . O emprstimo beneficiar principalmente empresastransnacionais,comoaAngloAmericanCorporation,quereceberaenergia mais barata do mundo para atividades de minerao.

    Mas vamos fingir que d pra esquecer essas coisas, por um instante, apenas para entender melhor qual a essncia da estratgia dessa instituio capitalista.

    Vamos ao corao da estratgia do novo Banco Mundial... verde. O que seus dirigentes querem ganhar a batalha das ideias: espalhar a ideologia do livre mercado capitalista, agora pintado de verde, para que penetre na conscincia das pessoas e dos povos, convencendo-as de que esse o melhor e o nico caminho para enfrentar as crises. No fundo, trata-se de uma verdadeira lavagem cerebral: levar as pessoas a acreditar que o fim do capitalismo impossvel, tornando mais fcil imaginar o fim do mundo do que uma mudana no sistema econmico-social vigente. Financiam quem estiver disposto a produzir conhecimento que ajude a defender a submisso total da natureza, da vida e das relaes sociais ao sistema capitalista.

    S com essa informao possvel entender por que h uma exploso mundial de estudos, pesquisas e teses, e novas ONGs e projetos-piloto sobre o que denominam biocombustveis, geo-engenharia, energia hidreltrica e nuclear, mercado de crditos de carbono, MDL, REDD, PSA, Teebs... Uma verdadeira sopa de letrinhas e siglas,criadas,certamente,paraconfundiragente!

    REDD, por exemplo, ruim? Ruim de entender, difcil de desmascarar. Para comear, REDD significaria Reduo de Emisses por Desmatamento e

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    Degradao ou podemos dizer Rpido Enriquecimento com Desapropriaes de terras e Destruio da biodiversidade?

    A proposta central do REDD essa: os pases que podem reduzir as emisses causadas pelo desmatamento devem ser compensados pela deciso de no desmatar. Tudo que conservado passa a ter valor em moeda, na forma de crdito ou ttulo de carbono, e comprado porempresas,emgeralcomemprstimosdoBancoMundial.porisso que se diz que tudo vira mercadoria, com valor de troca.

    No entanto, para muitos povos indgenas isso significa CO2colonialista das florestas, pois esses contratos vo mudar quem decide, quais as formas e quais as finalidades do manejo das florestas. Quem decide: cada povo indgena, com autonomia e segundo sua cultura milenar que sempre preservou amorosamente as florestas e a biodiversidade? Ou os donos dos ttulos de carbono?

    A prtica est mostrando que todas essas siglas so outras formas de permitir que as empresas do Norte continuem comprando o direito de poluir. Os povos indgenas, os camponeses e outras populaes tradicionais passam a fornecer um novo tipo de trabalho remunerado. Suas florestas viram uma mercadoria e a natureza um servio ambiental. Considerando o montantede recursos financeiros implicado, j existem projetos envolvendo militarizao, desapropriaes, fraudes, conflitos, corrupo, coero sobre lideranas, alm de outros crimes ambientais4.

    4 Rede Indgena sobre o Meio Ambiente. Rpido Enriquecimiento con Desalojos, usurpacin de tierras y Destruccin de la biodiversidad. Disponvel em: www.ienearth.org/REDD/espanhol.pdf

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    astecnologiasverdesvoestarnaribaltaduranteaConfernciaOficial da Rio+20. Propomos que a ONU assuma o compromisso de levar a negociao no sentido de criar um mecanismo internacional de avaliao de tecnologias e de informao que fortalea a soberania nacional e as escolhas de polticas tecnolgicas que tenham como fim a justia social e ambiental, e no o lucro.

    bioMaSSaH uma tendncia a submeter o tema de alimentos e agricultura

    a uma agenda ambiental corporativa mais ampla, que tende a ignorar as crises alimentares globais recorrentes e as suas causas, bem como as ligaes da agricultura industrial com a crise climtica e tambm com a sade, em relao ao aumento da incidncia de diversos tipos decncer. Ascorporaes tendemadesvalorizaroComit sobreSegurana Alimentar Mundial, hoje reestruturado, negando seu papel de parceiro-chave para o desenvolvimento social e ambientalmente sustentvel, no marco da Soberania Alimentar.

    Segundo o Pnuma, h 525 milhes de pequenas propriedades agrcolas, das quais 404 milhes tm menos de dois hectares. Os agricultores familiares respondem por mais de 70% da produo agrcola global e suas terras tendem a ter maior produtividade do que as maiores. Uma parte dessas terras est sendo tirada das famlias para ser convertida em plantaes de eucalipto, palma, soja, cana e pasto.

    As corporaes petroleiras e petroqumicas esto investindo pesado em insumos de biomassa, devido aos custos crescentes, oferta imprevisvel e extrao sempre mais desafiadora de petrleo e

    As tecnologias da Economia Verde

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    gs. A indstria qumica tambm tende a buscar sempre mais matrias-primas. Essas corporaes no querem perder o controle da produo e distribuio de energia. At a cana e o milho podem vir a ser substitudos por outras matrias-primas da biomassa ou sintticas, num futuro no to distante.

    O grande capital argumenta que apenas 23,8% da biomassa terrestre anual da Terra chegam ao mercado. Portanto, ainda existem 76,2% da biomassa terrestre do Planeta para serem privatizados e mercantilizados. Estudos srios de combustveis produzidos a partir da biomassa, comparando custos totais com benefcios, tm mostrado que os custos superam os benefcios. A corrida pelo controle corporativo da biomassa tem gerado crescente preocupao com a grilagem legalizada de terras, que ameaa a soberania nacional e alimentar de muitos pases.

    Box 3

    Mulheres e agrotxicoNs, mulheres, no nos deixamos enganar pelo reducionismo

    da crise ambiental s Mudanas Climticas. Os que fizeramfortunas com a destruio de grande parte da biodiversidade, em especial das florestas, buscam auferir ainda mais lucros com o chamado Mercado Verde. Sem o compromisso de reduo das emisses de gases poluentes, a espetacularizao com que se divulgouaameaadeMudanasClimticasserviudepanodefundo para o lanamento do mercado de carbono como panaceia para salvar o planeta. As empresas que mais destroem a natureza (as de celulose, as mineradoras, as do agronegcio) so as que

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    mais lucram com o mercado verde: movimentam cerca de 140 bilhes de dlares por ano.

    Os fertilizantes e pesticidas qumicos, a maioria produzidos nos pases do hemisfrio norte, inundam os pases do sul, auferem lucros astronmicos, custa da contaminao da populao, do solo, da gua e do ar. Desde 2008, o Brasil importou cerca de 400 tipos de agrotxicos: campeo mundial: 5,2 Kg por pessoa/ano, inclusive alguns proibidos na maioria dos pases, mas permitidos no Brasil graas iseno de 60% do valor dos impostos (e de at 100%, em alguns casos) concedida por Fernando Henrique Cardoso em1997. Os produtores de agrotxicos lucraram sete bilhes de dlares s em 2010.

    Na fruticultura da Del Monte Fresh Fruits (antiga UnitedFruits)naChapadado Apodi (CE), fazem-se

    pulverizaes areas com agrotxicos. Raquel Rigotto, professora daUniversidadeFederaldoCear,encontrouguacontaminadanos poos artesianos, lenol fretico e tambm nas torneiras

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    domsticas. Jos Maria Filho, lder comunitrio, conseguiu convencer um dos vereadores a propor uma lei aprovada proibindo as pulverizaesareas. Foi assassinado com 18 tiros quando retornava para casa (21.04.2010). Em seguida, a lei foi revogada. Recentemente, a mobilizao da populao reconsquistou, na lei, a proibio da asperso area.

    Pesquisa realizada pela bilogaDaniellyPalma,daUFMT(Universidade Federal do Mato Grosso), revela que em amostras de leite materno de 62 mulheres (coletadas de fevereiro a junho de 2010) do municpio de Lucas do Rio Verde (MT) foi detectada a presena de agrotxicos em todas as amostras. Um deles, o DDE, derivado do DDT, cujo uso j proibido desde 1998, foi o mais encontrado. Sabe-se que causa abortos e infertilidade masculina. As mes nutrizes foram aconselhadas, por pediatras, a no amamentar seus bebs. Algumas j tiveram filhos com m formao gentica e cncer. Dentre as 62 mes, apenas trs so rurais, o que permite concluir que tambm a zona urbana est contaminada.

    No nos deixamos enganar pelas falsas solues como, na dcada de 70, a da revoluo verde, que empesteou o Brasil. Atravs da agroecologia, possvel a produo de alimentos sadios, diversificada, com alta produtividade, sem o uso de agrotxicos. Estamos, pois, apoiando a agroecologia enquanto lutamos por outro padro de consumo. A garantia da soberania alimentar depende do fortalecimento das atividades locais e

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    regionais, ou seja, das feiras livres, da compra e troca direta, da circulaocoletivadealimentos;enfim,daeconomiasolidria.

    Denunciamos, pois, a monocultura voltada exportao e ao monoplio do agronegcio, que contamina a populao, o solo, a guaeoar;denunciamososconglomeradosdesupermercadosque,pelo oligoplio, sufocam os produtores, a agroecologia, e de modo especialaproduodasmulheres.precisosuperaraduplajornadade trabalho a que as mulheres historicamente foram submetidas, ou seja, suas funes de trabalho produtivo e reprodutivo.

    No nos deixamos enganar nem pela revoluo verde nem pelo capitalismo verde, lutamos por outra matriz de sociedade: contra o patriarcado, pela superao da diviso sexual do trabalho, contra a mercantilizao da vida das mulheres, pela soberania alimentar, por uma economia solidria e harmnica entre natureza e humanidade.

    NaNoTECNologia a pesquisa do

    infinitamente pequeno, aplicada gerao de todo tipo de produto feito pelo ser humano5. Mais de US$ 50 bilhes j foram investidos em pesquisa de nanotecnologia desde 2000. S em 2006, alm desses investimentos chegarem a US$ 12,8 bilhes, a indstria de produtos nanoportadores vendeu mais de US$ 50 bilhes. Tais produtos cobrem setores como o mdico, o farmacutico e o ambiental. Os

    5 Um nanmetro equivale a um bilionsimo do metro. Um nanotubo de carbono, p.ex., seis vezes mais leve do que o ao e cinquenta vezes mais resistente!

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    investimentos tm aumentado no setor nanomineral (cobre, p.ex.), nanoagrcola (algodo, fibras naturais), nanoalimentar (leos vegetais) e nanotxtil (fibras multi-funcionais com propriedades termocromticas, antibactericidas, magnticas, eltricas para uso militar e esportivo).

    Toda esta criatividade carrega uma sria ameaa: o mercado capitalista. Quando voltada para o lucro, a pesquisa tecnolgica busca faturar e dominar o mercado como fins maiores, enquanto o servio humanidade motivao secundria ou nula. Em ambiente competitivo, as tecnologias tm de ser protegidas pelo segredo comercial, e as empresas alegam no ter obrigaes sociais de transparncia, precauo e responsabilizao pelos custos sociais e ambientais gerados pela aplicao dessas tecnologias. Comodisse Muraro (2009:219), (...) as cincias mais avanadas e mais libertadoras, se estiverem sob controle democrtico, ou as mais perigosas, se estiverem sob o controle do dinheiro.

    este o caso da nanotecnologia, que est avanandoquasesem monitoramento e regulao. Os riscos para a sade e o meio ambiente ainda so desconhecidos. H dezenas de estudos mostrando os efeitos txicos de alguns nanoprodutos. Sensores que monitoram desde sementes6 at o nosso crebro, passando pelas armas de guerra, so produtos que colocam em risco no somente a democracia, mas tambm a tica dos direitos humanos e da Natureza. Entidades j avanaram pedido de moratria sobre a nanotecnologia, com base no princpio da precauo, at que as implicaes socioeconmicas e sanitrias sejam esclarecidas.

    gEoENgENhariaDesde os anos 30 do sculo passado espalhou-se a noo

    de que o aquecimento global e outros fenmenos de origem tecnolgica podem ser corrigidos com mais tecnologia. O objetivo

    6 As corporaes envolvidas visam ganhar pleno controle sobre a gentica dos sistemas vivos. No por acaso o ttulo do livro Avanos Tecnolgicos e o Futuro da Humanidade: Querendo Ser Deus?, de Rose M. Muraro (2009).

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    da Geoengenharia, para os que creem nesta via, controlar o clima, ou manipular o meio ambiente7. A Geoengenharia reflete a mesma abordagem que prevalece na medicina aloptica em relao s doenas: macios investimentos nos sintomas e quase nenhuma pesquisa sobre os fatores patognicos. As estratgias so diversas, e enormes quantidades de fundos pblicos tm sido canalizados para a pesquisa, o desenvolvimento e a operao dessas tcnicas. Em

    2009 entidades pblicas e privadas do Norte lanaram a Iniciativa de Governana do Manejo da Radiao Solar, contando tambm com financiamento de Bill Gates e doSalodeGuerradoCarbono(CarbonWarRoom),cujamissodeclarada reunir o poder dos empresrios para implementar solues mudana climtica impulsionadas pelo mercado.

    As tcnicas incluem a fertilizao dos oceanos com um excesso deferroparaalterarometabolismodeCOpeloplncton;aproduode enchentes ou de secas por meios qumicos; o lanamento departculas refletoras na estratosfera, ou a criao de vulces artificiais capazes de escurecer com cinza a estratosfera, criando um rebaixamento global das temperaturas (manejo da radiao solar);branqueamentodasnuvens;biocarvoqueimadoeenterrado,entreoutros. A publicao do Grupo de Ao sobre Eroso, Tecnoliga e Concentrao (ETC-Canad) oferece uma lista de argumentos quetornam inaceitvel a Geoengenharia (2010:33). A questo central se governaremos a Geoengenharia, ou se ela quem nos governar. Na economia, a Geoengenharia persegue a lgica do crescimento ilimitado: produzir e vender sempre mais, criando necessidades e mantendoaeconomiadaofertacomoparadigma;eocrescimentodoPIB vai continuar sendo o critrio da sade da economia.7 Grupo de Ao sobre Eroso, Tecnoliga e Concentrao Canad (ETC), 2010, Geopiratera:

    Argumento Contra la Geoingeniera, comunicado n 103 do Grupo ETC, Canad.

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    BIOlOGIASINTTICA

    Esta expresso tem a ver com a manipulao dos genes para construir cadeias de DNA8 sintticas a fim de engendrar algas e micrbios que se comportem como pequenas fbricas de mnimas dimenses. A Biologia Sinttica (Bio Sin) vai alm da modificao gentica de organismos (transgnicos), pois ao recombinar os componentes da cadeia gentica ela literalmente inventa novos organismos. O objetivo primordialmente comercial transformar todo equalquer elemento da biomassa em produto para o mercado, sujeito, claro, a uma patente que privatiza a inveno. Sua pesquisa est consumindo bilhes de dlares de origem pblica e privada e envolvendo as maiores corporaes dos setores qumico, farmacutico e energtico.

    A principal empresa tem base nos EUA, a life Technologies Corporation. Em 2010 obteveuma receita de US$ 3,6 bilhes e tinha 11.000 empregados em todo o mundo. Por meio de fuses e aquisies, ela tem ganhado o controle de empresas que produzem genes sintticos, integrando sempre mais a cadeia produtiva Bio Sin. Enquanto isto, a Dupont j est vendendo seu bioplstico derivado de acares domilho; a Goodyear, coma Genencor, esto desenvolvendo borracha sinttica para pneus. A Novartis domina inmeros produtos Bio Sin via patentes e tem parceria com a Synthetic Genomics para o desenvolvimento devacinas de gripe. Esta empresa anunciou recentemente a criao

    8 cido DesoxirriboNucleico (DNA em ingls), o portador da informao gentica que garante a reproduo e a evoluo da vida.

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    9 http://www.jcvi.org/cms/research/projects/first-self-replicating-synthetic-bacterial-cell/overview. Esta empresa tem seu correspondente investigador no Instituto Craig Venter. Em 2003, o Instituto sintetizou um vrus que infecta uma bactria. Em 2011, criou o genoma sinttico Mycoplasma Mycoides. Injetado numa clula, o genoma sinttico passou a controlar totalmente a clula.

    de uma clula bacterial autorreplicante com um genoma inteiramente sinttico9. A pesquisa desenvolveu tambm novas ferramentas e tcnicas de construo de grandes segmentos de cdigo gentico, e ensinou como transplantar genomas para converter uma espcie em outra.logoo InstitutoCraigVenterentrouemacordoscomerciaiscom os grupos Exxon, BPe o grupo Genting, conglomerado produtor deleodepalmanaMalsia.TambmnosEUA,ogrupoSolazymeassinoucontratocomaDowChemicalparaavendade76milhesde litros de leo sinttico, gerado por algas que se alimentam de acar, para aplicaes eltricas.

    Esta manipulao da vida com fins comerciais por grandes corporaes capitalistas est relacionada ao controle da biodiversidade, da biomassa e, at mesmo, da produo de alimentos, portanto, da segurana e da soberania alimentar dos povos. Ela portadora de riscos incalculveis e levanta problemas biolgicos, ticos e polticos que deveriam ser estudados preventivamente, antes que consequncias imprevisveis gerem uma realidade ameaadora para a vida no Planeta.

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    No teremos espao aqui para continuar a discusso, mas no deixaremos de mencionar outras tecnologias ligadas s cincias da vida, que fazem parte do pacote rotulado de Economia Verde.

    bioiNForMTiCa E gErao DE DaDoS SobrE gENoMaS O primeiro genoma humano foi sequenciado num processo de

    10 anos, envolvendo milhares de pesquisadores e US$ 2,3 bilhes de custo.Em2011,aempresaCompleteGenomicsInc.declarouestarsequenciando cerca de 400 genomas por ms e esperava chegar a 1.000 genomas por ms no fim de 2011. O custo de US$ 9.500 por genoma (fatura mnima exigida: oito genomas). O mapeamento dequase43milkm2deFlorestaAmaznicapelaInstituioCarnegieparaaCincia, comoWWFeogovernodoPeru,produzgravesameaas, tanto para a biodiversidade quanto para a soberania da nao andina sobre seu territrio.

    ECoNoMia azul10

    Sua lgica replica a Economia Verde nos oceanos e noutros corpos de gua. 71% da rea do planeta coberta de gua e ecossistemas aquticos. Nela existe um potencial imenso de produo de acares e leos, a partir do plncton e de algas macroscpicas, para a economia baseada na vida orgnica. Grandes corporaes esto investindo na pesquisa visando a

    Outras novas biotecnologias que anunciam a Economia Verde

    10 No confundir com a Economia Azul proposta por Gunter Pauli. Ver http://www.community.blueeconomy.de/the_principles.php

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    explorao comercial sustentvel da vida aqutica para acelerar o crescimento econmico e a ampliao crescente dos nveis de consumo do planeta. No mundo aqutico tambm esto competindo a produo de combustveis com a de alimentos para consumo humano e animal.

    SEMENTES E PESTiCiDaS A biotecnologia atua na modificao gentica das plantas com a

    lgica de aumentar a resistncia delas a pesticidas e, assim, aumentar a produtividade. De fato, as consequncias so negativas tanto do ponto de vista da sade quanto da economia e da poltica alimentar. H abundante evidncia de que o uso de agrotxicos est na origem de doenas fatais de produtores e consumidores. Os alimentos que contm componentes transgnicos foram relacionados com desordens orgnicas e ambientais. De fato, os produtos transgnicos esto sendo testados nas populaes que os consomem. Pases como a Hungria fecharam as portas para a produo transgnica. Agricultores que adotam sementes transgnicas ficam cativos das detentoras de patentes, pois as sementes no se reproduzem e tm de ser recompradas em cada nova safra. As trs maiores corporaes de sementes, Monsanto, Dupont e Syngenta, controlam 53% domercadomundialdesementes.EstudodoGrupoETC,doCanad11, sobre a lista de patentes relacionadas com a biotecnologia de plantas, revela que a principal rea de demandas de patente relacionava-se tolerncia de plantas a fatores no vivos que impactam o bioma (tenso abitica); em segundo vieram a biomassa voltadaparaaenergiaouparamatrias-primas;esemterceirovieramasdemandas ligadas tolerncia a herbicidas. O setor comercial de sementes e o mercado agroqumico estoestreitamenteligados.Cincodasseis maiores empresas agroqumicas tambm aparecem na lista das maiores corporaes de sementes.

    11 Grupo ETC, 2011, Who controls the Green Economy?, Comunicado n 107, Ottawa, Canad: 22-23.

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    Desde o incio da era colonial at hoje, o Norte Global12pormeio de seus governos, de suas corporaes e, nas dcadas recentes, das instituies financeiras internacionais (IFIs) saqueou bens naturais do Sul Global e explorou o trabalho dos seus povos. Pode-se dizer, sem dvida, que a riqueza do Norte foi construda principalmente por meio da opresso e da explorao dos povos do Sul. A escravido, a extrao de minerais e hidrocarbonetos, a introduo e o estabelecimento de monoculturas, assim como o roubo da biodiversidade e de conhecimentos tradicionais, foram e so fontes de consolidao do poder econmico, industrial e militar dos pases da Europa, EUA, Canad, Japoeoutrasnaesquecomandamosistemaeconmicodominante no mundo.

    A histria real mostra que houve mudanas nas formas desse uso e abuso da natureza e dos povos ao longo dos sculos. O advento da globalizao neoliberal trouxe um aumento dessas formas de uso e abuso atravs de mecanismos de opresso e de controle, como o excessivo endividamento pblico, a expanso do chamado livre mercado, a subjugao cultural, bem como o uso da fora. Esse sistema destrutivo afeta seriamente o presente e compromete o futuro de toda a humanidade e da natureza. Esta a dvida ecolgica, e delaoSulGlobalocredor!

    O que Dvida Ecolgica?Dvida Ecolgica e Dvida Climtica

    12NorteGlobalsignificaoconjuntodaseliteseconmicas,financeirasepolticasquetmoprimi-do e explorado os povos do mundo, inclusive os de seus prprios pases de origem. Sul Global otermoqueabarcaossetoresoprimidosdomundointeiro,inclusiveosdoNortegeogrfico.

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    Dvida ecolgica um conceito que d conta, por um lado, da anlise detalhada da relao entre meio ambiente e questes sociais, e, por outro, da definio das responsabilidades passadas e presentes pela crise ecolgica que aflige a Terra. Isso significa compreender o meio ambiente para alm dos argumentos da conservao e da sustentabilidade, poisicluiodireitoeajustia.umconceitoquecontribuiparaumaanlise diferente das relaes econmicas internacionais, que observa o intercmbio entre o Norte e o Sul no s em termos econmicos, mas tambm em termos de sustentabilidade fsica e ecolgica no seu verdadeiro sentido. Seu desdobramento gera ferramentas para acabar com os danos ambientais, para garantir reparaes e punir os responsveis. Alm disso, fornece novos argumentos e autoridade para exigir o cancelamento da dvida financeira, acumulada de forma ilegtima. Assim sendo, a perspectiva da dvida ecolgica tem como objetivo mudar o contexto de dilogo e das relaes entre os pases.

    Box 4

    Acre: um estado verde?Nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2011, foi realizada em

    Rio Branco, no Acre, a oficina Servios Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: Salvao da Amaznia ou Armadilha doCapitalismoVerde?.Aoficinacontoucomaparticipaoderepresentantes de organizaes indgenas, de seringueiros, ONGs e sindicatos do Acre e de outros estados da Amaznia Ocidental que tiveram a oportunidade de participar de um importante debate sobre os riscos que os mecanismos de mercantilizao da natureza como o REDD (Reduo de Emisses porDesmatamento e Degradao) e o PSA (Pagamento por Servios Ambientais)oferecemscomunidades.

    Um dos resultados da oficina foi a CARTA DO ACRE,documento que expressa a contrariedade em relao maneira com a qual os instrumentos de financeirizao da natureza esto

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    sendo apresentados na Amaznia e particularmente no Acre (primeiro estado do Brasil a ter uma legislao sobre o REDD). O contedo da carta resultou das discusses feitas durante os trs dias de oficina e os dois dias que a antecederam, dedicados inteiramente a visitas de campo. Dentre outros, foram visitados projetos de pagamento por servios ambientais, manejo comunitrio de florestas (ambos realizados pelo governo do Acre) e uma comunidade que est sendo ameaada por uma madeireira, situao que rendeu crticas ao governo estadual. Participaram da oficina e das visitas de campo figuras como Osmarino Amncio eDercyTeles(presidentedoSindicatodosTrabalhadoresRuraisde Xapuri), ambos companheiros de Chico Mendes, alm deprofessoresdaUniversidadeFederaldoAcreportanto,profundosconhecedores da realidade do Acre.

    A oficina contribuiu para um processo mais amplo de questionamento aplicao de mecanismos de

    mercado para questes ambientais, liderado pelo Grupo da Cartade Belm. importanteexplicitar tambm que houve uma forte reao oficina e, principalmente, CartadoAcre,porpartedos setores da sociedade civil e do governo que j esto envolvidos com a

    implementao dos mecanismos da economia verde, embora as comunidades e grande parte da sociedade civil continuem desconhecendo os impactos e as consequncias desta.

    leia a Carta do Acre em http://terradedireitos.org.br/biblioteca/carta-do-acre-em-defesa-da-vida-da-integridade-dos-povos-e-de-seus-territorios-e-contra-o-redd-e-a-mercantilizacao-da-natureza/

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    Box 5

    Carta de BelmOGrupoCartadeBelmumaarticulaonacional,criada

    em 2009, que tem por objetivos fortalecer e ampliar o campo poltico de crtica s propostas de mercantilizao dos bens comuns e da natureza; e reforar as polticas pblicas estruturantes eeficazes para o fortalecimento de modos de produo sustentveis da agricultura familiar e camponesa, extrativistas, de povos e comunidades tradicionais de modo sustentvel da biodiversidade.

    A articulao promovida pelo grupo busca aprofundar o debate sobre o contexto nacional de regulamentao de leis e polticas que transferem para as iniciativas de mercado e para o setor privado a responsabilidade do Estado brasileiro nocumprimentodasConvenesdemudanasclimticasedebiodiversidade, e seus deveres constitucionais. Tais propostas ameaam substituir ou legitimar-se como a grande poltica para este perodo de crises, em detrimento de todos os outros instrumentos que vm sendo construdos pela sociedade na luta por direitos e por justia socioambiental.

    OGrupoformadoporAmigosdaTerraBrasil,CUT,Fase,Fetraf,Faor,FrumMudanasClimticaseJustiaSocial,Inesc,Jubileu Sul Brasil, Rede Brasil sobre Instituies Financeiras Multilaterais, Terra de Direitos, alm de organizaes da Via CampesinaBrasil.

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    a dvida ecolgica tem duas dimenses principais: uma, a destruio ecolgica e as injustias socioambientais que ocorreram e continuam a ocorrer em um pas, como resultado da intervenodepasesdoNorte,dascorporaesedas IFMs;aoutra dimenso diz respeito apropriao e explorao desigual, pelos mesmos pases, corporaes e IFMs, dos bens que so comuns e que a Natureza oferece a todas as formas de vida. Neste sentido, as alteraes climticas podem estar relacionadas com ambas as dimenses da dvida ecolgica.

    Em relao primeira dimenso, o crescimento econmico do Sul baseado na exportao de matrias-primas e mercadorias de baixo valor agregado. obtido por meio da promoo e dofinanciamento pblico de indstrias extrativistas e outras indstrias privadas poluentes, para garantir a transferncia de bens naturais, matrias-primas e lucros do Sul para o Norte. O aumento das emisses de gases, o desmatamento, a depredao de ecossistemas e outros impactos ambientais que provocam alteraes climticas so chamados de externalidades, e quem paga a conta so a populao local e os governos do pas. Na dimenso global, como o Norte cresceu de modo especial devido produo e ao consumo de combustveis fsseis, que tm levado atual crise climtica, apropriou-se dos bens comuns da humanidade a atmosfera e os oceanos e reduziua capacidade de absoro de carbono da biosfera. Enquanto os pases industrializados do Norte, que representam menos de 20% da populao do mundo, geraram cerca de 75% das emisses histricas, so responsveis por mais de dez vezes as emisses histricas dos pases do Sul.

    A responsabilidade histrica e a Dvida Climtica!

  • 46 - Economia Verde: a nova cara do capitalismo

    A proposta de Pagamento de Servios Ambientais baseada na mesma lgica do REDD. Aqui tambm as florestas viram mercadoria e a natureza, um servio. Mas o PSA envolve outras atividades alm das emissesevitadascomareduododesmatamento;estoincludosentre os servios ambientais a proteo de bacias hidrogrficas, da biodiversidade e dos ecossistemas.

    Um dos riscos, nesse caso, o de remunerar pretensos proprietrios de terra, que na verdade so grileiros e madeireiros. Por outro lado, no se trata de servios realizados por pessoas, e sim bens que a Terra oferece a todos os seres vivos, entre eles os humanos. Quem prejudica os seres vivos descuidando, saqueando e destruindo estes bens naturais do ambiente vital deve responder por suas aes irresponsveis. Agora, quem cuida deles faz algo mais do que seu dever de pessoa responsvel? Pagar a quem cuida livra de responsabilidades quem destruiu?

    E qual a origem dos recursos? No Brasil eles so gerados em parte pela cobrana do uso da gua; em alguns estados vm departedoICMS(ImpostosobreCirculaodeMercadoriaseServios);podem vir de fundos especficos, como o Fundo Amaznia, o FundodeRecursosHdricoseoFundoClima, todosemprocessode definio de critrios e diretrizes operacionais. Mas so gerados tambmpelomercadodecarbono.EstemvotaonoCongressoNacional um Projeto de Lei que cria o Programa Federal de Pagamento por Servios Ambientais, e tambm um Fundo Federal de Pagamento por Servios Ambientais, com recursos de doaes e de participao na explorao do petrleo. Seria mais uma forma de legitimar as petroleiras e outras indstrias poluidoras? Outra forma de beneficiar grileiros e madeireiros? Outra forma de gerar lucros transformando bens naturais em mercadorias?

    Teeb: o guarda-chuva dos programas de expropriao dos bens comuns da humanidade e da vida. Trata-se de um estudo internacional (sigla em ingls para A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade) para a elaborao de polticas locais e regionais em tornodeserviosambientais,atribuindolhespreo,valoreconmico.

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    umestudoindependente,lideradoporPavanSukhdev13, elaborado pela iniciativa A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, sediada no Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),comapoiofinanceirodaComissoEuropeia,Alemanha,Reino Unido, Holanda, Noruega e Sucia.

    Um Teeb para o setor de negcios brasileiros foi lanado no final de outubro de 2011. Elena Pavese, gerente de Poltica Ambiental da ConservaoInternacionaldo Brasil, grande ONG que promove o ambientalismo de mercado, afirmou: No caso das empresas, ignorar o valor desses recursos significa no mnimo correr riscos operacionais, como o de falta de suprimento de matria-prima, reputacionais, de regulao14. Ou seja, a questo ambiental tornou-se um motor de crescimento para as empresas, um instrumento de lucro e de legitimao.

    Isso tudo sem contar as mil solues que jogam a responsabilidade para os indivduos e preconizam solues individuais: cuidado com a suapegadaecolgica!, adverte-nosaquele rapazna televiso.Aficamos nos sentindo todos culpados, como se esquecer aquela lmpada acesapudesseseracausadacriseenergtica;oudarumbanhomaisprolongado nos filhos gerasse a escassez de gua. No nas pequenas aes que est o maior perigo. Elas so aes importantes pelo seu

    13 Ex-funcionrio do Deutsche Bank. 14 Fonte: http://www.conservation.org.br/noticias/noticia.php?id=556

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    carter educativo, ligando as pessoas no cuidado que todos devemos ter para com a Terra. Mas, quando apresentadas como a soluo, alm de distrair a ateno dos verdadeiros destruidores da natureza, acabam transferindo a responsabilidade para a populao, diluindo-a para cada um dos cidados. No caso, uma vez mais o lucro deles, masocustonosso!

    O que se percebe que os capitalistas no fazem o que lhes cabe como dever. Ao contrrio, continuam divulgando suas FALSAS SOLUES como sadas para as atuais crises climtica, alimentar, econmica e social. Para crises provocadas pelo capitalismo, mais capitalismo.Genial! Agem como o time do interior lembrado naintroduo da cartilha: pintam o capitalismo de verde!Mas comoeles so ricos, brancos, homens e geralmente do hemisfrio norte, vale usar um termo mais pomposo, j na moda por l. Que tal green washing? Ou, lavagem Verde?

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    A boa notcia que os movimentos sociais e as comunidades diretamente atingidas por essa aparentemente nova economia verde j perceberam o tamanho do problema. Comsuavisocrtica,estoresistindobravamenteaoataquedomercado contra os mais vulnerveis, como mulheres, idosos, afro-descendentes, comunidades tradicionais e povos indgenas, geralmente do Sul global. Dos sem-terra brasileiros s camponesas doNepalpassandoporumimensoespectrodelutascommltiplascores, lnguas, culturas e efeitos polticos os povos esto seorganizando e enfrentando o modelo capitalista dominante. Os processos das revolues nos pases rabes so exemplos recentes disso;assimcomoosoasmobilizaesnaEuropaenosEstadosUnidos.

    Da mesma forma, as lutas contra o golpe em Honduras, pelo fimdaocupaomilitardoHaiti, contraoPlanoColmbia,contraosTratadosdelivreComrcio(TlCs)etantasresistnciaseenfrentamentos a projetos de infraestrutura15, como as hidreltricas e os hidrocarbonetos, a minerao, a agroindstria e a manufatura florestal, mostram que tambm na Amrica Latina o momento histrico de contestao contra-hegemnica. A marcha de Bolivianos contra a construo de uma estrada que atravessaria o Territrio Indgena Parque Nacional Isiboro Scure (Tipnis), na Floresta Amaznica, um bom exemplo: marcharam durante mais de dois meses, foram recebidos em La Paz por centenas de milhares de pessoas, para

    E os movimentos sociais diante disso tudo? A luta continua!

    15 Infraestruturas so importantes, mas no quando os custos totais so muito maiores que os bene-fcios, ou quando os custos so arcados por muitos e os benefcios por um punhado de ricos.

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    obrigar o Governo boliviano a voltar atrs e garantir que o projeto no iria mais passar pelo Parque. Essas lutas geram esperana, mas nosepodebaixaraguarda!

    O captulo atual dessa histria vai ficar marcado pela disputa emtornodonovolemadomercado:Economiaverde.claroqueeles no iro dar a ele um nome aterrorizante, como Ajuste Estrutural Ambiental,ouambientalismotruncado;menosaindaochamariamde Bolsa-Banqueiro, ou Programa de Dominao Pela Dvida. Os que fazem funcionar o mercado so, certamente, muito espertos. Aprenderam com os erros do passado. A nova investida neoliberal tem de ter um nome que parea bom para todo o mundo, que prometa resolver um problema comum a todos, como o meio ambiente em risco.Equememsconscinciaeboafpodenegarqueacriseambiental e climtica um problema e uma ameaa para todas as pessoas? Pronto: encontraram a frmula para empurrar o mesmo pacote demedidasneoliberais,quesbeneficiaaelesemdetrimentodamaioriaquetrabalhadurotododia,squeagoracomosefossealgonecessrio para salvar o planeta: a economia verde. Verde pela quantidade de dlares nos bolsos e bolsas deles. Para a humanidade, verde apenas como aqueles buracos da pequena rea do campo de futebol do interior: pintados de verde, mas continuando buracos.

    Em outras palavras, capitalismo no deixa de ser capitalismo por estar pintado de verde. Pelo contrrio, ser um capitalismo mais perigoso, enganador, disfarado, e mais avassalador em relao aos direitos humanos e Terra.

    H quem ache que ainda cedo para concluir que economia verde a nova roupagem de ajuste estrutural. Muitos diro que ainda um termo em disputa, que no podemos ser apressados. verdade. Todo termo est sempre em disputa, mas vamos ver a

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    seguir o que tem acontecido nos ltimos anos, quem tem ganhado essa disputa, por enquanto. Ecologia: virou lema do mercado.Desenvolvimento Sustentvel: virou lema do mercado.Segurana Alimentar: tema do mercado, que rejeita sua irm gmea aSoberaniaAlimentar.Direitos Humanos: garante-se com livre mercado e livre comrcio, segundo eles.Direitos das Mulheres: direitos iguais para o mercado.Povos Indgenas: objeto preferencial de ONGs ligadas s empresas.E por a vai...

    Box 5

    Cdigo FlorestalAmodificaodoCdigoFlorestalqueestprestesaser

    aprovadanoCongressoNacionalumasntesedos interessesde vrias fraes da burguesia agrria, nacional e internacional. Nessas alteraes esto contemplados os atrasados latifundirios, quenoprecisarorecuperarasbeirasderiosquedesmataram;tambm esto atendidos os carcinocultores e a indstria hoteleira, que destri os mangues de toda nossa costa, assim como as empresas de celulose e papel, que podero fazer desertos verdes onde deveria existir a biodiversidade.

    Porm, um grupo de alteraes tem ganhado pouca visibilidade, mas possui grandes interesses atendidos. Trata-se da mercantilizao da natureza. Em um captulo chamado "Incentivos recuperao e preservao do meio ambiente", o projeto ruralista regulamenta a transformao da natureza, das florestas,dabiodiversidade,emmercadoria.Casoapromulgaodessa lei ocorra, por exemplo, cada hectare de floresta poder serregistradocomoCotadeReservaAmbiental,eestadeverserobrigatoriamente registrada em uma bolsa de valores.

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    Um projeto preocupado com a situao ambiental do nosso pas trataria de estimular formas justas e cooperadas de se gerar renda a partir do manejo das florestas e da recuperao das reas degradadas. Obrigaria os grandes a recuperarem

    parte do grande mal ambiental que fizeram nos ltimos 40 anos. Mas, ao contrrio, esse projeto caminha a passos largos para oCapitalismoVerde,mantendoasvelhasformasdeexploraodomeioambienteeampliandoopotencialextrativodoCapital.

    oS MoViMENToS SoCiaiS, Por SEu laDo, ExigEM: Justia ambiental16

    O conceito de Justia Ambiental refere-se ao tratamento justo e ao envolvimento pleno de todos os grupos sociais, independentemente de sua origem ou renda, nas decises sobre o acesso, a ocupao e o uso dos recursos naturais em seus territrios.

    As lutas por justia ambiental defendem:

    Os recursos ambientais como bens coletivos, para o presente e para o futuro, cujos modos de apropriao e gesto devem ser objeto dedebatepblicoedecontrolesocial;

    Os direitos das populaes do campo e da cidade a uma proteo ambiental rigorosamente igual contra a discriminao scio-territorial e adesigualdadeambiental;

    Garantias sade coletiva, atravs do acesso realmente igual aos recursos ambientais, sua preservao, ao combate poluio, 16 Fonte: Rede Brasileira de Justia Ambiental. www.justicaambiental.org.br/

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    degradao ambiental, contaminao e intoxicao qumica - que atingem especialmente as populaes que vivem e trabalham nas reasdeinflunciadosempreendimentosIndustriaiseagrcolas;

    Os direitos dos atingidos pelas mudanas climticas, exigindo que as polticas de mitigao e adaptao priorizem a assistncia aos gruposdiretamenteafetados;

    A valorizao das diferentes formas de viver e produzir nos territrios, reconhecendo a contribuio que grupos indgenas, comunidades tradicionais, agroextrativistas e agricultores familiares doconservaodosecossistemasebiomas;

    O direito das comunidades tradicionais aos seus ambientes especficos,segundosuasculturas;

    A alterao radical do atual padro de produo e de consumo, na perspectiva da economia do suficiente e do consumo consciente.

    bem ViverO conceito

    de Bien Vivir, base das demandas do governo da Bolvia na CQNUMC,emanadospovos indgenas da Amrica Latina. Eles caracterizam o modelo de desenvolvimento econmico capitalista como destrutivo, com sua iluso de crescimento ilimitado, e apontam para a recuperao, revalorizao e o fortalecimento dos conhecimentos e prticas tradicionais dos povos indgenas, e para o reconhecimento da Natureza como ser vivo, portador de direitos, com a qual a sociedade tem uma relao indivisvel,interdependente,complementareespiritual(CMPCC,2010).DeacordocomaCoordenaoAndinadeOrganizaesIndgenas,

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    Vivir Bien es vivir en comunidad, en hermandad y especialmente en complementariedad. Es una vida comunal, armnica y autosuficiente. Vivir Bien significa complementarnos y compartir sin competir, vivir en armona entre las personas y con la naturaleza. Es la base para la defensa de la naturaleza, de la vida misma y de la humanidad toda. (CAOI, 2010, pp. 21-22)

    Pela anulao incondicional das dvidas ilegtimas dos pases do Sul e a realizao de auditorias integrais e participativas.

    Reparaes pelas dvidas sociais, ecolgicas e histricas, promovendo mudanas estruturais nas relaes intra e entre pases.

    Libertao da dominao do capital financeiro em nossas economias e pelo fim das instituies multilaterais como o Banco Mundial, o FMI, a OMC, e bancos regionais, como o BancoInteramericano de Desenvolvimento.

    Reverter os acordos comerciais, os tratados de proteo dos investimentos e toda forma de aplicao de Direitos de Propriedade Intelectual e pacotes tecnolgicos atuais (agroqumicos, transgnicos), alm daqueles que so oferecidos como falsas solues (agrocombustveis, geoengenharia, nanotecnologia, tecnologia de sementes Terminator, biologia sinttica, metagenmica e outras similares).

    Promover a refundao das instituies e dos mecanismos reguladores para por fim supremacia dos interesses financeiros sobre os direitos dos povos e da natureza.

    Garantir o acesso aos direitos sociais e servios pblicos estratgicos como sade, educao, gua e saneamento, transporte, servios financeiros, telecomunicaes, fundos de penso, e aos recursos energticos e naturais, protegendo-os das polticas de privatizao.

    Deixar os combustveis fsseis no subsolo medida que se promove uma mudana estrutural na produo e no consumo de energia e nos investimentos em energias renovveis e harmnicas com o ecossistema.

    Promover a Soberania Alimentar, entendida como o direito dos povos de controlar suas prprias sementes, terras, gua e a produo

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    de alimentos, e reverter o modelo capitalista de agricultura baseado no agronegcio, com sua lgica anti-social de produo de alimentos para o mercado.

    fundamental, ento, estarmos atentos e nos organizarmospara vencer essa disputa. O Planeta e a maioria da humanidade que mais sofre por conta desse modelo no podem mais esperar. Ou transformamos o modo de produo e a cultura produtivista e consumista atual, caminhando para um modo de vida assentado sobre aeconomiasolidriaumaeconomiadetrabalhadoresautnomos,uma poltica da partilha, do amor e da construo coletiva de uma sociedade em que, alm da produo coletiva, os bens comuns sejam de todoseestejama serviode todasaspessoas,ouavidanaTerra continuar ameaada de extino. preciso denunciar comurgncia e indignao que a economia verde, como apresentada para a Rio+20, mais uma expresso ideolgica do ambientalismo de mercado;capitalismodisfaradodeverde,tenhaesseououtronome que inventaro amanh ou depois para mascarar de verde aquilo que est pegando fogo: o destino da humanidade se define junto com o do planeta Terra.

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    A Rio+20 um momento decisivo nessa histria. Ela mais uma chance de nos mobilizarmos para enfrentar mais esse avano do sistema capitalista em oposio vida.

    A Rio+20 est programada para ser o primeiro da srie de megaeventos que desejam testar a capacidade de mobilizao e resistncia dos cariocas e brasileiros. Precisamos dar uma resposta altura do desafio.

    Sedependerdanossaluta,elesNoPassaro!

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    Para coordenar esforos na luta por alternativas que superem a atual situao, propomos as aes a seguir. Anulao total e incondicional das dvidas ilegtimas cobradas

    dos povos e pases do Sul, e a realizao de auditorias integrais e participativas das dvidas.

    Reparao das Dvidas Histricas, Sociais, Financeiras, Ecolgicas e Climticas, promovendomudanas estruturais nas relaesentre os pases e no interior de nossos pases, para avanar na direo de sociedades igualitrias e justas.

    Banco Mundial fora do Clima! Por fundos pblicos, novos,adicionais e no reembolsveis, eliminando o mercado de carbono e o papel do Banco Mundial e dos bancos de desenvolvimento locais no financiamento para o clima.

    Exigir a reduo de emisses nos pases do Norte e o reconhecimento de sua responsabilidade no aquecimento global.

    Rechao das "falsas solues de mercado: MDL, REDD, energia nuclear, agrocombustveis, endividamento ilegtimo, entre outros.

    Pelo fim da dominao do capital financeiro sobre a economia e a poltica das naes, e pelo fechamento das Instituies Multilaterais,comooFMI,oBancoMundial,aOMCeosbancosregionais, como o Interamericano de Desenvolvimento (BID). Exigir o fim da impunidade e reparaes aos crimes cometidos.

    Propostas de aes

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    Revisar e reverter os acordos comerciais, os tratados de proteo e os investimentos, bem como toda forma de aplicao dos pretensos direitos de propriedade intelectual e os pacotes tecnolgicos atuais agroqumicos, transgnicos e os queso oferecidos como "falsas solues geoengenharia,nanotecnologia, tecnologia Terminator e similares.

    Promover a refundao das instituies e mecanismos reguladores para pr fim supremacia dos interesses financeiros sobre os Direitos dos Povos e da Natureza.

    Garantir o acesso aos direitos humanos essenciais, como sade, educao, habitao, aposentadoria, trabalho digno, gua e saneamento, transporte, servios financeiros, telecomunicaes, recursos energticos e bens naturais, evitando sua privatizao.

    Deixar os combustveis fsseis no subsolo medida que se promove uma mudana estrutural na produo e no consumo de bens e de energia, e nos investimentos em energias renovveis e harmnicas com o ecossistema. Rumar para formas de convivncia social, poltica, cultural e econmica fundamentadas na harmonia, na complementaridade, na solidariedade e no equilbrio entre todos os seres humanos, e destes com os demais seres vivos e com a vida da Terra.

    Reestruturaoecolgicadascidades.Combateraespeculaoimobiliria e as injustias ambientais, a competio interurbana desregulada, a remoo das populaes pobres das cidades.

    Fomentar energias alternativas adequadas aos meios naturais, sustentveis, limpas, renovveis, descentralizadas, diversas e de baixo custo.

    Reconhecer e proteger os direitos das populaes foradas a imigrar pelas causas e efeitos da mudana climtica.

    Garantir, proteger e defender os territrios de povos originrios e camponeses que mantm os ecossistemas que protegem o clima. Favorecer a agricultura camponesa e a produo agroecolgica.

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    Respeitar as formas de vida dos povos e comunidades do Sul e suas alternativas de vida.

    No permitir novos projetos que agravem a crise ambiental e climtica.omomentodepararaexploraoeaopressoNatureza;aprendercomascomunidadesepovosecologicamentesustentveis a no reduzir a vida mera mercadoria e fazer a reparao integral da Dvida Ecolgica.

    Defender a Soberania Alimentar, entendida como o direito dos povos a controlar suas prprias sementes, terras, gua e produo de alimentos, e a reverso do modelo de agricultura baseada no agronegcio e seu modelo social, econmico e cultural de produo capitalista e sua lgica de alimentos para o mercado. Afirmamos que as monoculturas de rvores no so florestas.

    Nossomundonoestvenda!Nossadignidade,amorpelaterra,enossossabereseculturastambmno!

    Natureza, Pachamama, Vida: no se vendem, nem pagam dvidas;sedefendem!

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    1. 36%=aumentodasemissesdeCO2,oprincipaldosGEEqueesquentam a temperatura da Terra.

    2. 110% = aumento do nmero de megacidades (com mais de 10 milhes de habitantes).

    3. 100% = aumento do nmero de desastres naturais com impactos sociais.

    4. 300 milhes de hectares de florestas desapareceram em pases tropicais.

    5. 35% mais fertilizantes nitrogenados usados na agricultura (no Brasil, cada habitante consome 5,2 litros de agrotxicos por ano)

    6. 30% = perda de espcies em pases tropicais associada com o desmatamento

    7. 21% = aumento da extrao de gua para agro irrigao.

    8. Consumoderecursosnaturais:+40%.

    9. Aumento da dominao do capital financeiro em nossas Economias.

    10. Produo de plstico: +130%.

    11. Uso de fontes renovveis de energia: +13%

    12. Aumento da populao em 26%.

    13. Favelas: +181 milhes de moradores. A pobreza extrema no Brasil atinge mais de 16 milhes de pessoas.

    14. O uso indiscriminado de fertilizantes nitrogenados, cujo uso aumentou globalmente 135% nos ltimos 20 anos, trs vezes mais do que a produo alimentar.

    Rio+20:20 anos de metas descumpridas

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    Foto: Joo Zinclar

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    15. Aumento da dvida pblica brasileira, que em 2011 cresceu 10% maisdetrstrilhesdereais,comprometendo45,05%dooramento para pagar juros e amortizaes = R$ 708 bilhes.

    16. Megaprojetos e megaeventos expulsam milhares de pessoas de suas casas e comunidades.

    17. Aprofundamento da explorao dos bens comuns e sua mercantilizao (extrao global de materiais da superfcie terrestre elevou-se, nos ltimos vinte anos em 41%).

    18. REDD,Teeb,CrditosdeCarbonoeMDlsofacesdaEconomiaVerde = falsas solues.

    19. Os pases industrializados do Norte, que representam menos de 20% da populao do mundo, geraram cerca de 75% das emisses histricas.

    20. Aprofundamento da dvida financeira, climtica e ecolgica provocada por falsas solues e apoiadas pelas Instituies Financeiras Multilaterais (BID, Banco Mundial, Bird, BNDES, fundo para o clima e outros).

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