cartilha de educação popular[1]

Upload: joao-paulo-godoy

Post on 03-Jun-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    1/64

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    2/64

    1

    Expediente

    Realizao: Federao dos Estudantes de Agronomia do Brasil FEABAssociao Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal ABEEF

    Descrio:Cartilha de textos de subsdio aos debates sobre Educao Popular

    Edio:Ncleo de trabalho permanente em Educao Universidade de So Paulo,Campus Luiz de Queiroz em Piracicaba

    Diagramao:Felipe Teixeira Chinen

    Reviso:Camila Dinat, Carla Bueno Chahin, Felipe Teixeira Chinen, Lineu Vianna,Marcela Cravo Rios e Paola C. C. Estrada Camargo, Mateus Alves Vaz de Melo

    Apoio de publicao: Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies deEnsino Superior ANDES-SN

    Piracicaba-SP

    Maio 2008

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    3/64

    2

    Sumrio

    Apresentao da cartilha ......................................................................3

    Nossa Histria

    FEAB Federao dos Estudantes de Agronomia do Brasil.............................5

    ABEEF Associao Brasileira dos Estudantes de EngenhariaFlorestal.................................................................................................8

    Atualidades em torno da educaoSobre a educao..................................................................................11

    Observaes da crise da educao pblica.................................................14

    Universidade(s) ....................................................................................22

    Conceitos e perspectivas da educao popular

    Educao popular..................................................................................36

    Aplicando a metodologia popular..............................................................38

    Mstica do educador...............................................................................40

    Experincias de educao popular rumo a uma nova sociedade

    Introduo............................................................................................44

    Educao de Jovens e Adultos e Ensino Mdio: A experincia da TurmaOlga Benrio.........................................................................................45

    Insero da educao na prtica social: A experincia deCuba....................................................................................................51

    O lugar da educao na resistncia .....................................................61

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    4/64

    3

    Apresentao

    Ol companheiras e companheiros,

    Ns, FEAB (Federao dos Estudantes de Agronomia do Brasil) e aABEEF (Associao Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal) comapoio do ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies deEnsino Superior) construmos esse material com o objetivo de esclarecer comoenxergamos o processo histrico da Educao no Brasil e a luta popular pelaEducao, trazendo uma base mais slida para o Movimento Estudantil nestatemtica.

    Nossa idia foi reunir alguns materiais de diversos autores, comestudos de caso, metodologias e textos em geral, sobre a educao de umpovo que a enxerga como uma ferramenta importante na luta por suasoberania.

    A educao sempre desenvolveu papel de destaque em qualquer pocade qualquer sociedade e por aqui no diferente. Da maneira em que sedesenvolveram as relaes sociais como reflexos da histrica dominaoexterior, educao virou sinnimo de opresso. Atualmente este valor estde tal modo arraigado na sociedade que se tornou natural uma educaobaseada em relaes de poder.

    Hoje, a Educao Popular uma ferramenta inseparvel quelaspessoas que lutam por uma transformao social, poltica e econmica,essencial para a organizao do povo e para o despertar das conscincias.

    Escolhemos educao popular como temtica porque entendemos quedevemos criticar a educao que temos e a sociedade na qual esta se insere,mas sem perder a perspectiva de propor a verdadeira Educao que queremospara o nosso Povo, e que, apesar de milhares de limitaes, existem propostase realizaes concretas de Educao Popular, com o Povo e no para o Povo.Este debate coloca nossa opo pelos oprimidos, explorados e excludos, enossa luta conjunta e solidria com qualquer forma de resistnciaverdadeiramente popular.

    Escolhemos o CEPIS (Centro de Educao Popular do Instituto SedesSapientiae) como a nossa principal referncia nos conceitos e metodologias deEducao Popular pela longa trajetria (de mais 30 anos) deste grupo, comcompanheiros e companheiras que contriburam e contribuem nos debates eaes concretas, assessorando diversas organizaes populares e produzindomateriais de apoio acessveis e com linguagem popular.

    Juntos nesta luta encontramos diversos espaos e entidades que fazemesta reflexo, debates, produzem materiais de apoio, e, o essencial, organizamo povo.

    Podemos dar destaque aos Movimentos Sociais da Via Campesina(MST, MAB, MPA, MMC, CPT, PJR, FEAB, CIMI), principalmente o Movimento

    dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Escola Nacional FlorestanFernandes e a Escola Latino Americana de Agroecologia, onde diversas

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    5/64

    4

    organizaes populares de toda a Amrica Latina realizam espaos educativosdo nosso Povo, como Cursos Superiores, Cursos de Formao Poltica,Encontros, entre outros.

    O ANDES-SN se destaca pelos timos materiais produzidos, comcontedo e forma acessveis ao Povo. Alm de formar assessores que

    contribuem em diversos espaos do Movimento Estudantil e Social, ajudando-nos a clarear diversas questes e apoiando iniciativas, como esta cartilha.As Assemblias Populares tambm se colocam como importantes

    espaos democrticos e participativos, onde se discutem diversos temas e aEducao um deles.

    Enfim, para compreender um pouco mais a luta do povo pela educao,convidamos voc para iniciar essa leitura e juntar-se a ns na luta porigualdade, justia, pelo fim da explorao do homem pelo homem e pelasoberania dos povos.

    Sejam bem vindas e bem vindos e boa leitura!

    Ncleo de Trabalho Permanente Educao FEABCoordenao Nacional da FEAB

    Coordenao Nacional da ABEEF

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    6/64

    5

    FEAB

    A FEAB: Nossa Histria

    A organizao dos estudantes de Agronomia teve inicio h mais de 50anos. A primeira organizao estudantil ocorreu juntamente com os estudantesde Medicina Veterinria, onde foi criada em 1951 a Unio dos Estudantes deAgronomia e Veterinria do Brasil (UEVAB) durante o II Congresso dosestudantes de Agronomia e Veterinria.

    Essa organizao durou somente at 1955, onde os estudantes deAgronomia criaram sua prpria organizao. Em 1954 os estudantes deAgronomia realizaram seu primeiro congresso, na poca o CBEA CongressoBrasileiro de Estudantes de Agronomia. Durante o II CBEA foi criado o DiretrioCentral dos Estudantes de Agronomia do Brasil (DCEAB).

    O DCEAB sofreu duros golpes durante o regime militar, onde a exemploda Unio Nacional dos Estudantes (UNE), movimentos sociais populares epartidos polticos, em 1968 caram na clandestinidade, atravs do AtoInstitucional nmero 5 (AI-5). Este decreto proibiu a reunio de pessoas parafins polticos. Ocorreu ainda, priso de lderes estudantis e o roubo dosmateriais dos arquivos. As atividades dos estudantes de agronomia foramquase totalmente interrompidas entre os anos de 1968 e 1971.

    Em 1972 realizou-se o 15 Congresso Nacional dos Estudantes deAgronomia CONEA, em Santa Maria/RS. Neste evento retorna-se o

    movimento a nvel nacional, com a fundao da Federao dos Estudantes deAgronomia do Brasil FEAB.Desde sua fundao a entidade protagonista de inmeras conquistas

    que asseguram mudanas no curso de agronomia, tais como: o fim da Lei doBoi (cota de 50 por cento de vagas para filhos de fazendeiros), o CurrculoMnimo da Agronomia, a Lei dos Agrotxicos (receiturio agronmico); adiscusso diferenciada de Cincia e Tecnologia, frente necessidade demodelos agrcolas alternativos ao da revoluo verde; a participao naconstruo da Agroecologia, entre outras.

    Durante seu processo histrico travou vrias lutas junto aosmovimentos sociais populares do campo, a exemplo da campanha nacional dereflexo sobre o gnero; campanha nacional pelo limite da propriedade da

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    7/64

    6

    terra; campanha nacional Sementes Patrimnio da Humanidade. Alm decontribuir com a organizao dos estudantes na Amrica Latina com a criaode uma entidade que abrange as federaes de estudantes de agronomia dospases latinos e Caribe, a CONCLAEA Confederao Caribenha e LatinoAmericana de Estudantes de Agronomia. Sendo assim, sua atuao um

    marco na luta em defesa da Educao e nas aes do movimento estudantilbrasileiro e internacional.

    Objetivo

    A FEAB tem como objetivo a construo do socialismo, entendendo-ocomo uma sociedade onde no haja a explorao do ser humano pelo serhumano e no exista a propriedade privada dos meios de produo. Parachegar ao nosso objetivo temos como foco a transformao da universidade,com vistas a atender as demandas da classe trabalhadora oprimida. Para isso necessria a realizao de lutas em conjunto com as demais organizaes deestudantes, movimentos sociais populares, e demais organizaes quepossuam afinidades polticas com a FEAB. Atuando dessa forma, para fortalecero ME atravs da realizao de lutas sociais que concretizem uma coesoorganizativa e reivindicatria e que construa uma poltica constante deformao em defesa da universidade pblica financiada pelo Estado, dequalidade, socialmente referenciada, democratizada em seu acesso e popular.

    Estrutura organizacional

    A FEAB est estruturada atravs de uma coordenao Nacional CN, 8superintendncias Regionais, 8 Ncleos de Trabalho Permanente (NTPs) e osCentros e Diretrios Acadmicos CAs e DAs, entidades de representao dosestudantes nas escolas de Agronomia.Coordenao Nacional: Responsvel por operacionalizar as polticasdeliberadas no Congresso possui sede em uma nica escola, hoje sediada naUniversidade Federal de Minas Gerais(UFMG) em Montes Claros/MG. Superintendncia Regional: Cada superintendncia tem uma CoordenaoRegional que representa as escolas de Agronomia de determinada regiogeogrfica. Todos os membros da coordenao devem ser da mesma escola.Segue abaixo, a relao das superintendncias regionais, com a sua respectivarea de abrangncia e escola sede atual.- Regional I: RS CR: Santa Maria - RS- Regional II: PR SC CR: Florianpolis - SC- Regional III: MG, RJ e ES CR: Diamantina - MG- Regional IV: MT, MS, GO, DF, AC e RO CR: Cceres - MT- Regional V: PE, RN, PB, PI e CE CR: Mossor - RN- Regional VI: MA, PA, AM e TO CR: Belm - PA

    - Regional VII: SP CR: Botucatu - SP- Regional VIII: BA, SE e AL CR: Aracaju - SE

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    8/64

    7

    Ncleos de Trabalho Permanente: Constituem-se em rgos consultivos ede elaborao terica sobre as bandeiras de luta da federao. Os membrosdos NTPs devem ser da mesma escola. Segue abaixo os NTPs e suasrespectivas sedes atuais.- Arquivo e Histrico: Areia - PB

    - Educao: Piracicaba - SP- Estudos Amaznicos: Cuiab - MT- Cincia e Tecnologia: Est atualmente sem representante- Relaes Internacionais: Lavras - MG- Juventude e Cultura: Recife - PE- Movimentos Sociais Populares: Lages - SC- Agroecologia: Curitiba - PR

    Os Eventos

    A instncia mxima de deliberao da FEAB o CONEA CongressoNacional dos Estudantes de Agronomia. o encontro anual de todos osestudantes de agronomia do Brasil de cunho integrativo onde se discutequestes inerentes ao curso, a conjuntura nacional, a situao agrria eagrcola regional e nacional, a educao, avaliando e apontando perspectivas,com o intuito de apresentar propostas e formas de encaminhamentos quevisem solucionar os problemas levantados no evento. O ltimo CONEA ocorreuem 2007 em Aracaju - SE.

    Dentre as principais atividades promovidas atualmente pela FEAB,esto os ERAs (Encontros Regionais de Agroecologia), os EREAs (EncontrosRegionais dos Estudantes de Agronomia), os Seminrios de Questo Agrria, osCEPAs (Curso de Economia Poltica e Agricultura) e os EIVs (Estgiosinterdisciplinares de vivncia) em comunidades de pequenos agricultores (as) eassentamentos de reforma agrria. Os EIVs foram premiados pela UNESCO em1992, como iniciativa de destaque da juventude latino-americana.

    AS Bandeiras de luta So as linhas norteadoras das discusses realizadas pela FEAB,

    deliberadas no CONEA, e que devem ser colocadas em prtica por todas asentidades que compem a FEAB. Devendo, assim, serem priorizadas pelacoordenao nacional e pelas coordenaes regionais. Algumas de nossasprincipais bandeiras so:- formao profissional- cincia e tecnologia- universidade- juventude, cultura, valores, raa e etnia- agroecologia- movimentos sociais

    - relaes internacionais- gnero e sexualidade

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    9/64

    8

    ABEEF Associao Brasileira dos Estudantes de Engenharia FlorestalA Associao Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal -ABEEF, fundada em 03 de abril de 1971, entidade sem fins lucrativos,surgiu da necessidade de representar e articular nacionalmente osestudantes de Engenharia Florestal. Ao longo de sua histria ergueudiversas bandeiras em defesa de uma sociedade justa, igualitria e queutilize os recursos naturais de forma equilibrada. Tem a universidadecomo principal rea de atuao, entendendo que todos devem terdireito a uma educao pblica, gratuita, autnoma e de qualidade.Atravs de diversas atividades e eventos, a ABEEF vem trabalhandopara que os estudantes de Engenharia Florestal se sensibilizemsocialmente e tenha uma formao tica, poltica e critica, paracompreender e atuar sobre a realidade social de nosso pas.Atualmente a Associao tem se aproximado dos Movimentos SociaisPopulares ligados ao campo e a floresta. Esta parceria estproporcionando uma compreenso do papel da universidade natransformao social, principalmente na rea de atuao daEngenharia Florestal.

    ESTRUTURA ORGANIZATIVA DA ABEEF:

    Coordenao Nacional (CN): Tem como funo representar a Associao

    nacionalmente, planejar e executar atividades e projetos definidos noSeminrio de Planejamento, efetivando as decises do CBEEF. A CN tambmdeve auxiliar as Coordenaes Regionais, fazendo articulao nas escolastransmitindo um sentimento mais concreto de ABEEF, bem como convocar ecoordenar as instncias em espaos nacionais da Associao encaminhando asdeliberaes. Alm da articulao e integrao interna, a CN e responsvel poriniciar e/ou manter relaes com outros movimentos e entidades que lutem poruma sociedade melhor.

    Coordenao Regional (CR): Tem como funo representar a Associaoregionalmente, fazendo a articulao nas e entre as escolas da regio. As CRsdevem realizar passadas freqentes para transmitir o sentimento de ABEEF e

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    10/64

    9

    acompanhar os trabalhos que so feitos pelos estudantes dos CAs e DAs) Entidades de base, sem as quais no existiria Associao. Alm de levar aoconhecimento das novas escolas as polticas da ABEEF, bem como transmitir aimportncia da organizao estudantil.Atualmente a ABEEF esta estruturada em cinco regionais:

    - Regional Amaznia (PA, AM, AC, RO, AP, RR);- Regional Caatinga (BA, SE, AL, PE, PA, RN, CE, PI, MA);- Regional Cerrado (DF, GO, MT, TO, MS);- Regional Mata Atlntica (SP, RJ, MG, ES);- Regional Araucria (PR, SC, RS);

    Ncleo de Conjuntura Poltica (NCP): Tem como funo coletar,sistematizar, produzir e divulgar materiais que sirvam de subsdio para asatividades da Associao, servir de rgo consultivo para as aes dasinstncias, bem como pensar eventos que permitam a formao poltica dosestudantes.

    Ncleo de Trabalho em Agroecologia (NTA): Tem como funo coletar,sistematizar, produzir e divulgar materiais que sirvam de subsidio para asatividades da Associao, bem como pensar e participar de eventos quepermitam a discusso sobre a matriz tecnolgica e produtiva em que nossasociedade est atualmente inserida, sendo propositivo para inverso damesma, assim cuidando da formao agroecolgica e poltica dos estudantes.

    Ncleo Arquivo Histrico (NAH): Localizado permanentemente na UFMT -Cuiab, este ncleo rene o acervo histrico da Associao. Tem como funoguardar e organizar o acervo da Associao de modo a facilitar o acesso epesquisa de seus documentos, alm de sempre realizar nos eventos da ABEEFapresentaes que permitam aos estudantes conhecer a histria de luta daAssociao.

    CBEEF:O Congresso Brasileiro dos Estudantes de Engenharia Florestal ainstncia mxima de deliberao da Associao, por reunir o maior nmero deestudantes. Acontece anualmente numa das escolas de Engenharia Florestal epermite aos estudantes um aprofundamento a respeito das linhas defendidaspela ABEEF, definindo as polticas sobre as mesmas que sero encaminhadasno perodo at o prximo CBEEF. A sua realizao feita pela comissoorganizadora formada por estudantes da escola sede e representantes dasCoordenaes Nacional e Regional. Seu eixo temtico definido nos conselhosda Associao. A sucesso das instncias da ABEEF ocorre no CBEEF.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    11/64

    10

    Atualidades em torno daEducao

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    12/64

    11

    Sobre a educao Adaptado do caderno Concepo de Educao Popular do CEPIS

    CEPIS Centro de Educao Popular do Instituto Sedes SapientiaeSo Paulo, Maro de 2007

    A educao sozinha no transforma a sociedade. Mas, sem ela,tampouco a sociedade muda ou se mantm. A educao tem um papelfundamental na organizao da sociedade, podendo tanto orden-la, quantoreform-la ou, at, revolucion-la. Ento, no h s uma forma, tampouco umnico modelo de educao.

    A escola um dos lugares onde ela acontece e, talvez, no seja omelhor deles. O ensino escolar no sua nica prtica nem o professorprofissional seu nico praticante. Em mundos diversos a educao existe dediferentes formas: existe em cada povo e em povos que se encontram; entre

    os povos que submetem outros povos e usam a educao como um recurso amais de sua dominao; em um povo que busca sua libertao, tendo aeducao como instrumento para livrar-se de qualquer tipo de dominao. Aeducao uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum osaber, a idia, a crena e aquilo que comum como bem, como trabalho oucomo vida. Pode existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usao saber e o controle sobre o saber, como armas que reforam a desigualdadeentre as pessoas, na diviso dos bens, trabalho, dos direitos e dos smbolos.Mas pode igualmente ser uma construo coletiva, com o envolvimento co-responsvel de quem entra no processo.

    Pode-se dizer, ento, que educao uma frao do modo de vida dosgrupos sociais, que criam ou recriam uma cultura, que d sentido s relaeshumanas. Eles produzem e praticam formas de educao, para que elasreproduzam, entre todos os que ensinam e aprendem o saber das palavras, oscdigos sociais, as regras de trabalho, os segredos da arte, a religio e atecnologia, que qualquer povo precisa, para re-inventar a vida do grupo e dossujeitos.

    Atravs de trocas sem fim, a educao ajuda a explicar a necessidadeda existncia de uma ordem. s vezes, a ocult-la, ou at mesmo, a inculc-la.Pensando que age por si prprio livre e em nome de um coletivo, um educadorimagina que serve ao Saber e ao educando. Mas pode estar servindo a quem oconstituiu professor, a fim de us-lo para usos escusos, ocultos tambm, naeducao. Quem domina, por exemplo, divulga que o melhor quem copia, e acultura oficial exalta as virtudes do papagaio e a fidelidade do cachorro,embora o papagaio no pense e o cachorro seja amigo apenas do seu dono.Toda educao tem uma intencionalidade explcita ou implcita, mas semprepresente pois todo o conhecimento tem um objetivo, uma direo e umafinalidade. O conhecimento tem sempre um objeto, uma direo e umafinalidade. O conhecimento sempre conhecimento de alguma coisa ou de

    algum, a partir de uma perspectiva. Pode-se ter uma ou vrias intenesdiante de um conhecimento, comportamento ou ao. Podem ser intenes

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    13/64

    12

    claras ou intenes ocultas, ou at segundas intenes. A intencionalidadepoltica da educao popular significa que as pessoas que a fazem direcionamsua educao a partir de uma analogia ou de valores, a partir da finalidade quepretende dar s foras sociais polticas presentes no meio dos pobres.

    A educao sempre uma ferramenta de uma estratgia determinada

    de onde no se forma uma pessoa e depois se v o que ele vai fazer, aocontrrio, primeiro se tem a militncia, at porque o contedo do processo deformao, seu mtodo e ritmo dependem de uma concepo de mundo, deuma viso de sociedade, de uma opo por certos princpios e valores, de umprograma. A educao est sempre a servio de uma ideologia, de umaproposta, como instrumento para realizar sua estratgia. Certamente o prprioprocesso educativo contribui para a explicitao, formulao e aperfeioamentode uma estratgia.

    Todo tipo de educao est a servio de uma organizao, o que une aspessoas e os grupos, para alm das explicaes romnticas a busca darealizao de um anseio comum, a defesa de um interesse ameaado ou aconscincia da militncia. Na luta popular as pessoas no formam grupo deamigos, embora possam tornar-se amigas, elas se juntam por uma Causa. Paradar coeso a sua proposta, um grupo ou uma classe constri processos deconvencimento para fortalecer esse grupo que, por sua vez, vai lutar paratornar possvel uma conquista at a implantao de um sistema que garantaseus interesses de forma permanente.

    Adotar e discutir princpios e posturas pedaggicas fazer poltica. Aeducao um ato poltico, assim como um ato poltico educativo. No existe

    educao politicamente neutra. Numa sociedade de classes, no pode havereducao que seja a favor de todos ser sempre a favor de algum e contraoutrem. A educao serve para que uma pessoa se acomode ao mundo ou seenvolva em sua transformao. A politicidade da educao questiona a quemeduca sobre a educao que se pratica na sociedade. Ao ser transformadora,sode ficar contra quem se beneficia com a atual situao e se coloca a favor dequem prejudicado por ela; ao ser conservadora, estar a favor dos gruposbeneficiados com sua manuteno.

    Nascendo de vises antagnicas, a educao libertadora e aconservadora tm cada qual a sua metodologia. Na educao conservadoradomesticadora, tornar comum pode significar a naturalizao da prticametodolgica de enfiar, gela abaixo, diferentes pacotes para perpetuar a ordemdominante. E as pessoas oprimidas aprendem a assimilar contedos modelos,reduzindo-os e fortalecendo e a estrutura social desumanizante, favorvel minoria.

    J na educao libertadora, tornar comum significa uma construocoletiva, que envolve as pessoas no processo de resolver as perguntas docotidiano, bem como na luta por sua emancipao. Essa metodologia, onde aspessoas entram como parte, estimula a classe oprimida a romper com asestruturas injustas e a construir uma ordem onde haja lugar para elas, comosujeitos e protagonistas. A educao libertadora, ao estimular a libertao de

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    14/64

    13

    foras naturalmente adormecidas e socialmente reprimidas, inclui, ao mesmotempo, a conscincia e o mundo, a palavra e o poder, o conhecimento e apoltica, a teoria e a prtica. O capitalismo tenta convencer-nos que no halternativa de vida fora desse sistema. Com a ajuda de processos educativos,hoje, sobretudo atravs da mdia e da escola, mantm-se ideologicamente

    hegemnico.Educao uma disputa de hegemonia, uma classe ou setor busca terhegemonia sobre outras classes ou setores, no sentido de exercer sobre elasum processo de direo poltica, sejam no plano poltico, cultural ou ideolgico.Essa hegemonia da classe no poder se constri e se recria na vida cotidiana, eatravs dela que se interiorizam valores e se constri sujeitos domesticados oucrticos. O capitalismo, por exemplo, mesmo sem resolver os problemas damaioria da populao, convence essa gente de que no h alternativa de vidafora desse sistema. Com a ajuda de processos educativos, hoje, sobretudoatravs da mdia e da escola, mantm-se ideologicamente hegemnico.Hegemonia, ento, tambm relao poltica e pedaggica. Uma alternativa dehegemonia com valores humanistas que no pode seguir uma pedagogiaverticalista, nela educador e educando devem sempre manter uma relaodinmica, onde ambos so ativos e precisam, permanente, ser educados.

    Para superar o endoutrinamento ou o dogmatismo, qualquer processode educao/formao deve contribuir para que as pessoas tenham capacidadecrtica, porque, ao evitar toda a forma de basismo (elogio oportunista de umfalso saber), no se pode cair nas vrias formas de dirigismo, manipulao ouimposio, que treina obedientes seguidores. Sem viso crtica no pode existir

    conhecimento verdadeiro e permanente da realidade. Soldadinhos de chumbono so protagonistas, nem a repetio de frmulas acabadas e receitastransplantadas servem para a transformao da realidade. Criticar um dever m educando no seria digno de um educador se no se atrevesse a combaterm ponto de vista que percebe equivocado. Uma organizao da sociedade nose constri com robs.

    Desconfiai do mais trivial, na aparncia singela. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente:noaceites o que de hbito como coisa natural, pois em tempo dedesordem sangrenta, de confuso organizada, de arbitrariedadeconsciente de humanidade desumanizada, nada deve parecenaturalnada deve parece impossvel de mudar

    Bertold Brech

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    15/64

    14

    Observaes da crise da Educao PblicaAdaptado do texto Cinco observaes sobre a crise da educao pblica para

    uma estratgia revolucionria Valrio Arcary 1

    Este texto resultou de uma comunicao apresentada no seminrio doILAESE (Instituto Latino-americano de estudos scio-econmicos) emnovembro de 2005. Comentaremos cinco temas que foram, na ocasio, objetode uma discusso coletiva. A primeira idia o reconhecimento do fracasso daeducao pblica como instrumento da mobilidade social. Uma das premissasdo capitalismo era a igualdade jurdica dos cidados. A promessa dosreformistas brasileiros foi, contudo, ao mesmo tempo, mais audaciosa econfusa: afirmaram durante os ltimos vinte anos de regime democrticoliberal, antes de chegar ao poder, que a educao seria mesmo preservado ocapitalismo, uma via de maior justia social. A escola poderia mudar o Brasil,

    diminuindo as desigualdades sociais atravs da meritocracia, da igualdade deoportunidades, a chamada equidade, a justia diante de obstculos ou debarreiras que so ou deveriam ser universais, existiria a possibilidade demelhorar de vida. Toda promessa reformista esteve construda em cima destatese. Estudem e trabalhem duro e tero um futuro superior ao dos vossospais.

    Educao e trabalho para todos garantiriam, presumia-se, uma maiorcoeso social democracia burguesa na periferia do capitalismo, e serviam delibi para a confiana dos reformistas nas possibilidades de controle social domercado. Abraados a esse programa, o desenvolvimento econmicosubstitua, alegremente, o socialismo como horizonte estratgico da esquerdaeleitoral. A democracia liberal afianaria, gradualmente, prosperidade paratodos. Seria uma questo de pacincia. Mas, quando chegaram ao poder,fizeram um desconto na promessa, e o direito educao universal foisubtrado: no lugar de mais verbas para educao pblica, mais isenofiscal para a educao privada. Sobraram as polticas compensatrias como o

    Bolsa Famlia: uma amarga contrapartida.Todos os levantamentos estatsticos disponveis a partir do censo do

    IBGE de 2000 e dos PNADs dos anos seguintes informam que, apesar demelhoras quantitativas modestas dos ndices educacionais, o projeto reformistatem sido um fiasco. O Brasil est mais injusto que h vinte anos atrs, odesemprego mais alto, os salrios mdios congelados, enfim, a vida ficou maisdifcil. A expanso da rede pblica foi significativa nos anos sessenta, setenta eoitenta, mas no diminuiu a desigualdade social. Depois, a partir dos anosnoventa, vieram as polticas sociais focadas que o governo Lula estpreservando, e fracassaram, ainda mais estrepitosamente. A mobilidade social,

    1 Valrio Arcary graduado em Histria pela Pontifcia Universidade Catlica deSo Paulo, doutor em Histria Social pela USP. Atualmente leciona Histria noEnsino Mdio(3 ano) e no Curso de Turismo, ambos no CEFET-SP (CentroFederal de educao Tecnolgica de So Paulo).

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    16/64

    15

    ou seja, a esperana de ascenso social de uma gerao para outra permanecemuito pequena. A desigualdade social brasileira continua entre as ais elevadaso mundo. Vinte anos de democracia burguesa e de alternncia no podermunicipal, estadual e nacional entre a centro direita e a esquerda reformista,que tiveram oportunidade de aplicar os mais variados projetos educacionais,

    no trouxeram maior mobilidade social. Segundo os dados do IBGE, os 10%mais ricos da populao ainda so donos de 46% do total da renda nacional. Jos 50% mais pobres ficam com apenas 13,3%. H dcadas o Brasil anda delado, ou seja, fica para trs.

    A educao no garante mobilidade social ascendente

    Eis a primeira questo: a mobilidade social e o lugar da educao comoinstrumento de ascenso. A primeira constatao da realidade social no

    capitalismo perifrico que as possibilidades de ascenso social agora estocongeladas.A sociedade brasileira teve, durante algumas dcadas,

    comparativamente situao atual, uma mobilidade social significativa. Seanalisarmos a origem social da maioria da populao urbana adulta e, tambm,o que podamos chamar o repertrio cultural das geraes anteriores nasnossas prprias famlias, veremos que com raras excees, uma grandeparcela foi, individualmente, favorecida pelo aumento da escolaridade de umperodo histrico anterior. Esse fenmeno chave para compreendermos acrise atual, porque foi excepcional. O padro histrico dominante na histria doBrasil foi outro. Durante geraes nossos antepassados foram vtimas daimobilidade social e da diviso hereditria do trabalho. Os que nasciam filhosde escravos, no tinham muitas esperanas sobre qual seria o seu destino. Osfilhos dos sapateiros j sabiam que seriam sapateiros.

    No entanto, a sociedade brasileira entre 1930 e 1980, mesmoconsiderando-se os limites impostos pelo seu estatuto subordinado na periferiacapitalista, foi uma das economias com mais dinmica no mercado mundial.Perpetuaram-se as desigualdades, por suposto. Mas, existiu durante dcadasum capitalismo com urbanizao e industrializao. Os dois processos notiveram a mesma proporo dos anos 30 aos 70. O certo, todavia, que existiumobilidade social. Logo, a promessa reformista de que seria possvel mudar ocapitalismo e viver melhor, atravs de uma educao pblica universal apercepo popular do nacional-desenvolvimentismo - era uma promessa quealimentava esperanas. Garantia alguma coeso social para a dominaoburguesa. A fora de inrcia das iluses reformistas a ideologia decolaborao entre capital e trabalho que resiste necessidade do confronto eda ruptura - repousava nessa histria. A sua superao exigir umaexperincia prtica compartilhada por milhes.

    Ns que defendemos o projeto revolucionrio, no ignoramos que as

    massas viveram a etapa histrico-poltica dos ltimos vinte anos depositandoexpectativa em Lula e no PT, porque permaneciam prisioneiras das iluses

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    17/64

    16

    reformistas. No defendemos a revoluo socialista porque temos umtemperamento exaltado. No apostamos que a revoluo brasileira possavencer sem a mobilizao e organizao das grandes massas populares. Osmais apressados e nervosos no resistem, geralmente, aos longos anos deuma militncia contra a corrente. Os mais exasperados, depois das primeiras

    decepes, ficam pelo caminho. A luta revolucionria um assunto para gentemuito equilibrada. A revoluo exige dedicao, perseverana, exige esprito desacrifcio, reflexo, muita crtica, muita autocrtica, muita disposio de mudar.Gente muito perturbada no tem disposio de mudar, j acha que perfeita;os revolucionrios, no. Acham que so gente incompleta, gente imperfeita,gente em construo. Acham que tm que se corrigir uns aos outros. A adesoao projeto revolucionrio se fundamenta na Histria: o projeto reformista notem viabilidade no tempo que nos tocou viver.

    Quando raciocinamos neste horizonte de perspectiva, verificamos que aeconomia brasileira perdeu o impulso que teve at os anos oitenta.Concretizemos: mobilidade social, neste contexto, significava quais eram aspossibilidades que cada um tinha de melhorar de vida, preservadas as relaessociais dominantes. Essas taxas so mais acentuadas em uns perodos e menosacentuadas em outros; h sociedades mais congeladas, numa etapa histrica,e h sociedades mais dinmicas. A questo decisiva que o Brasil hoje umasociedade muito congelada, comparativamente quilo que ela foi. O capitalismobrasileiro do sculo XXI um capitalismo com taxa de mobilidade social muitobaixa e a educao deixou de ser um trampolim social.

    As possibilidades de se ter recompensas econmicas e sociais, ou uma

    vida mais segura e mais confortvel, atravs do ensino, est seriamente emcrise, alm disso a crise j foi percebida pelas massas trabalhadoras e mesmopelas camadas mdias, ainda que faam o possvel e at o impossvel paragarantir uma escolaridade elevada para os seus filhos. Na verdade, no nosenganemos, a funo social da educao na sociedade contempornea estabelecer a diviso do trabalho que vai permitir a perpetuao das relaessociais existentes. Ou seja, a educao no questiona as relaes sociais. Umaoutra forma de iluso reformista acreditar na quimera de que uma populaoais educada mudaria, gradualmente, a realidade poltica do pas. Se fosseassim, a Argentina ou a Coria do Sul, entre inmeros exemplos de sociedadesque tiveram ndices elevados de escolaridade, no seriam infernos para ostrabalhadores. No h maneira de diminuir a desigualdade material e cultural,sem ruptura com o imperialismo. O que mudar o Brasil ser a luta popularanticapitalista. Todas as promessas reformistas de que a educao seria oinstrumento meritocrtico que permitiria que cada um tivesse a sua justafuno na sociedade, isto tudo est numa crise completa. Mas, ainda em crise,esta ideologia mantm influncia entre as massas porque as iluses nomorrem sozinhas - em especial entre os professores que so, paradoxalmente,um dos instrumentos sociais de convencimento de que a escola poderia mudara sociedade.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    18/64

    17

    A ordem capitalista no seria, todavia, possvel, se a maioria daspessoas no acreditasse que esta diviso do trabalho no algo razovel. uma ideologia reacionria porque naturaliza aquilo que no natural. Legitimao que anti-humano. A ideologia de que o capitalista cumpre uma funonecessria, a herana justa, a desigualdade inevitvel, e a escola o

    instrumento que permite a seleo que justifica a diviso do trabalho e adiviso em classes uma fraude. Primeira falsidade: os patres no sonecessrios. Os patres so inteis, os proprietrios do capital so umaexcrescncia parasitria que vive da extrao de trabalho que no remunerado. Segunda falsidade: a desigualdade no natural. No razovelvivermos numa sociedade em que a diferena entre o piso e o teto dasremuneraes varia de um para quinhentos. Como possvel aceitar que otrabalho de uma hora de algum seja centenas de vezes mais valioso que otrabalho de outro? No Brasil, a desigualdade to gigantesca que a classecapitalista invisvel. (...) A burguesia brasileira s identificada quandousamos o microscpio da estatstica e as lentes de aumento da sociologia. preciso uma anlise liliputiana da sociedade brasileira para encontrarmos osproprietrios do capital. A educao perdeu para as famlias populares,portanto, o significado de promoo social meritocrtica.

    O atraso cultural da sociedade brasileira responsabilidade doEstado

    O segundo tema a idia de que ns vivemos numa sociedade que no

    superou significativo atraso cultural. Uma aferio de qual o nvel deescolaridade e o repertrio mdio da sociedade de hoje, em relao ao que elafoi no passado, mas, tambm, uma comparao da sociedade brasileira comoutras sociedades da periferia, como os pases do Cone sul, no nadaanimadora. O Brasil uma sociedade que tem uma forte defasagem cultural. Obalano devastador: o nmero de estudantes matriculados aumentou, mas,para desespero nosso, to lentamente que a melhora quase imperceptvel. Onmero de certificados emitidos cresceu, mas a qualidade do ensino caiu.Mesmo com uma presena maior das crianas nas escolas, temos ainda pelomenos 14,6 milhes de analfabetos. Os iletrados so, contudo, inquantificveis.

    O analfabetismo funcional incapacidade de atribuir sentido ao textoescrito em norma culta - est na escala das dezenas de milhes, talvez mais dametade dos brasileiros com mais de quinze anos. Da populao de 7 a 14 anosque freqenta a escola, pelo menos um em cada trs no concluem o ensinofundamental. Na faixa de 18 a 25 anos, apenas 22% terminam o ensino mdioe, mesmo em So Paulo, menos de 20% esto matriculados em cursossuperiores. Segundo Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp:

    no Chile, 80% dos estudantes de 15 a 17 anos esto no ensino mdio. Sequisermos chegar l, temos que incluir 5 milhes de jovens, formar 510 mil

    professores e construir 47 mil salas.[2]

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    19/64

    18

    Resumo da pera: o Estado brasileiro, mesmo na forma do regimedemocrtico - no importando quais os partidos na sua gesto, se o PMDB,PSDB, PFL ou PT - continuou drenando recursos dos servios pblicos para oCapital. Polticas sociais focadas e compensatrias, como o Bolsa Famlia deLula, e outros que o antecederam, no obtiveram resultados significativos. O

    Estado a servio do Capital se demonstrou historicamente incapaz de garantiruma educao pblica e universal. Muitas dcadas nos separam do incio doprocesso de urbanizao e industrializao, e a desigualdade material e culturalno diminuiu.

    O atraso cultural da sociedade brasileira tem, entre outrasmanifestaes, uma expresso dramtica, o Brasil um pas de iletrados esemi-analfabetos. cruel constatar isto assim, todavia a realidade incontornvel. No fcil abordar este tema porque a maioria dostrabalhadores nutre um sentimento de inferioridade cultural que indivisvel dosentimento de inferioridade social, todos os que nasceram nas classestrabalhadoras tm, em maior ou menor medida, a percepo de que sabemmuito menos do que gostariam de saber e, portanto, sentem inseguranasculturais. Mas, essa dor muito mais intensa nas amplas massas do nossopas. No s uma percepo subjetiva, h um abismo educacional, umassunto meio tabu, porque desconfortvel. Em geral o brasileiro mdio serelaciona com sua pobreza material com dificuldades, mas se relaciona commuito mais constrangimento com sua ignorncia. um tema um poucointimidador, porm, inescapvel para quem trabalha com educao.

    A sociedade brasileira do incio do sculo XXI continua uma sociedade

    Iletrada; a burguesia fracassou em trazer o nosso povo para o que podemoschamar de um acervo cultural mnimo do sculo XX, que dominar amatemtica e a lngua; os gnios que nos governam descobriram nestesltimos vinte anos que educao caro. O Estado no poderia remunerar oCapital e garantir, ao mesmo tempo, a educao pblica, inventaram, emconseqncia, um sistema brutal: cada classe tem a sua escola. O ensinopassou a ser uma obrigao de responsabilidade, estritamente, familiar e agrande maioria do nosso povo no tem outro instrumento de comunicaoseno a linguagem coloquial. A televiso no somente o grande canal decomunicao, para a maioria o nico, tendo em vista que esto prisioneirosda oralidade. A norma culta do texto continua um repertrio desconhecido paraa esmagadora maioria do nosso povo. Os nmeros oficiais que consideram oanalfabetismo no Brasil como um fenmeno histrico residual, reconhecem algoabaixo de 15%. O ultimo nmero de 2003, registrava 12,8% de analfabetos napopulao com mais de quinze anos. Aqueles que trabalham em educaosabem qual , na verdade, a dificuldade que ns temos. Pelo menos metade dopovo brasileiro reconhece as letras, reconhece que as letras so smbolosgrficos que reproduzem sons, mas o domnio da escrita no isso.

    A dinmica histrica deste atraso cultural no animadora, secompararmos o Brasil de hoje com o de nossos pais. O que aconteceu neste 18intervalo de meio sculo em que o Brasil deixou de ser uma sociedade agrria,

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    20/64

    19

    basicamente, que o acesso escola pblica realmente se massificou, mas aqualidade do ensino pblico atroz. Hoje, a grande maioria das crianasbrasileiras com at quatorze anos de idade, em nmeros que superam os 90%,est matriculada na escola pblica. Mas, esta escola no corresponde s suasnecessidades, o fracasso escolar pode se manifestar de diferentes formas:

    repetio em alguns Estados, ou evaso em outros, ou ainda pssimosresultados nas avaliaes por provas. Pode ser um fracasso oculto pelapromoo automtica, como em So Paulo.

    Temos uma situao na qual a diviso social se manifesta atravs doabismo que separa a escola pblica da escola privada. Mercantilizaram aeducao. O capitalismo criou um monstro: o apartheid educacional; a escolaprivada hoje no Brasil no somente um fenmeno educacional, umfenmeno econmico; o faturamento do ensino privado j tem pesosignificativo no PIB; foi estimado pelo IBGE, para o ano de 2004, acima de R$50 bilhes. Talvez nos surpreenda, mas uma das atividades menosregulamentadas pela Receita ou, se quiserem, uma das atividades em que hmais lavagem de dinheiro, a educao. De tal maneira a sonegao, que oprincipal projeto educacional do governo Lula foi a iseno fiscal do ensinosuperior em troca de bolsas: o Prouni, que renegociou dvidas em troca dematrculas.

    Este desastre poltico-educacional, um apartheid social na educao,tem uma histria. A burguesia promoveu, conscientemente, atravs de seusvariados partidos, o desmantelamento da escola pblica, cortando as verbas,restringindo a expanso do sistema pblico. No Brasil, se constituiu uma

    camada mdia urbana mais ampla a partir dos anos cinqenta que, com a crisede estagnao aberta nos anos oitenta e a decadncia do ensino pblico, se viuobrigada a retirar seus filhos das escolas pblicas e os colocou na escolaprivada, esse processo foi potencializado por que toda a estrutura educacionalfoi organizada em funo de um elemento exgeno, exterior ao aprendizado, ovestibular. O Brasil tem um sistema de acesso universidade que peculiar, uma instituio brasileira, o exame vestibular, ele ordena todo o edifcio, eexplica a privatizao.

    Aqueles que j passaram pela experincia do vestibular no valorizam,freqentemente, o lugar que ele tem na estrutura educacional, mas, amorfologia da estrutura educacional no Brasil tem na sua raiz nesse tipo deexame pr-curso superior e a diferena entre ensino privado e ensino pblicofundamental e mdio que o aluno que est no ensino pblico, tem muitomenos possibilidades de ser bem sucedido numa experincia incontornvel quese chama vestibular. E o vestibular separa os jovens entre aqueles que voestudar na universidade pblica, que so as melhores do Brasil e so gratuitas,e aqueles que vo estudar no ensino privado.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    21/64

    20

    A mercantilizao do ensino destruiu a carreira docente

    O terceiro tema uma avaliao da situao do ensino pblico. Aeducao brasileira contempornea agoniza, porque foi completamentemercantilizada. O capitalismo destruiu a escola pblica. No somente umasituao conjuntural. A escola primria est em crise, as escolas secundriasso impossveis de administrar, o ensino mdio e superior foi privatizado emlarga escala. A educao pblica um cadver insepulto. A promessa liberal doensino meritocrtico estudars, sers recompensado - no temcorrespondncia com a realidade. Este discurso encontra uma contra-evidnciabrutal, esmagadora, e muito simples. Os filhos de diferentes classes estudamem escolas separadas: segregao educacional. Isto no secundrio.Estamos to habituados - at resignados - com o avano da educao privadaque j no ficamos chocados. A privatizao da educao , por suposto, umprocesso mundial,mas em vrios pases europeus, os filhos das diferentesclasses estudam na mesma escola, do primrio at universidade. (...) NoBrasil, qual a possibilidade de encontrarmos na escola pblica um filho de umburgus? Ao vivo e a cores, a maioria do povo brasileiro nunca viu e nuncaver um burgus, muito menos na sala de aula, ao lado dos seus filhos.

    A promessa meritocrtica faliu e com ela a escola pblica. Todos os jovens das classes populares sabem que a escola em que eles esto, umaescola na qual o seu destino social j est traado. Aqueles que esto na escolapblica sabem que, por maior que seja o seu talento, a chance de mobilidadesocial reduzida, e os filhos da classe mdia, que esto na escola privada,

    sabem que vo ter que batalhar, desesperadamente, para conseguir uma vagana universidade pblica. Mesmo para um jovem de classe mdia argentino, acomemorao de quem aprovado na USP a famlia toda de lgrimas nosolhos, como se tivessem ganhado a loteria federal incompreensvel, j ospoucos que recebero herana e vo viver da renda do capital, esto emabsoluta tranqilidade, fazendo faculdades privadas no Brasil ou no exterior. Aescola pblica afundou em decadncia. Ela foi destruda por vrios processos.Alm da privatizao, o principal foi a desvalorizao da carreira docente, adegradao profissional dos professores.

    O que a degradao social de uma categoria? Na histria docapitalismo, varias categorias passaram em diferentes momentos porpromoo profissional ou por deteriorao profissional. Houve uma poca noBrasil em que os reis da classe operria eram os ferramenteiros: nada tinhamaior dignidade, porque eram aqueles que dominavam plenamente o trabalhono metal, conseguiam manipular as ferramentas mais complexas. Sculosantes, na Europa, foram os marceneiros, os tapeceiros, e em muitassociedades os mineiros foram bem pagos, relativamente, por muito tempo.Houve perodos histricos na Inglaterra porque a aristocracia era pomposa -em que os alfaiates foram excepcionalmente bem remunerados. Na Frana,

    segundo alguns historiadores, os cozinheiros. Houve fases do capitalismo emque o estatuto do trabalho manual, associada a certas profisses, foi maior ou

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    22/64

    21

    menor. A carreira docente mergulhou nos ltimos vinte e cinco anos numaprofunda runa. H, com razo, um ressentimento social mais do que justoentre os professores. A escola pblica entrou em decadncia e a profisso foi,economicamente, desmoralizada.

    Os professores foram ideologicamente desqualificados diante da

    sociedade. O sindicalismo dos professores, uma das categorias maisorganizadas e combativas, foi construdo como resistncia a essa destruiodas condies materiais de vida. Reduzidos s condies de penria, osprofessores se sentem humilhados. Este processo foi uma das expresses dacrise crnica do capitalismo. Depois do esgotamento da ditadura,simultaneamente construo desse regime democrtico liberal, o capitalismobrasileiro parou de crescer, mergulhou numa longa estagnao. O Estadopassou a ser, em primeirssimo lugar, um instrumento para a acumulao decapital rentista. O Estado retira da sociedade atravs de todos os mecanismos -o fisco e todos os mecanismos arrecadatrios - uma parte da mais-valia que produzida e a redistribui para o Capital, isso significa que os servios pblicosforam completamente desqualificados.

    Dentro dos servios pblicos, contudo, h diferenas de grau, aspropores tm importncia: a segurana pblica est ameaada e a justiacontinua muito lenta e inacessvel, mas o Estado no deixou de construir maise mais presdios, nem os salrios do judicirio se desvalorizaram como os daeducao; a sade pblica est em crise, mas isso no impediu que programasimportantes, e relativamente caros, como variadas campanhas de vacinao,ou at a distribuio do coquetel para os soropositivos, fossem preservados.

    Entre todos os servios, o mais vulnervel foi a educao, porque a suaprivatizao foi devastadora. Isso levou os professores a procuraremmecanismos de luta individual e coletiva para sobreviverem.

    H formas mais organizadas de resistncia, como as greves, e formasmais atomizadas, como a absteno ao trabalho. No um exagero dizer que omovimento sindical dos professores, em todos os nveis, ensaiou quase todosos tipos de greves possveis; greves com e sem reposio de aulas, greves deduas, dez, quatorze, at vinte semanas, greves com ocupao de prdiospblicos, greves com marchas e muitas e variadas formas de resistnciaindividual: cursos para administrao escolar, transferncias para outrasfunes, cargos em delegacias de ensino e bibliotecas e, tambm, a ausncia.Tivemos taxas de falta ao trabalho, em alguns anos, elevadssimas. Alm disso,temos uma parcela dos professores, inquantificvel - um tabu dentro dasinstituies e nos sindicatos - que so aqueles colegas que freqentam aescola, mas no do aulas. Entram na sala de aula, passam uma atividade nalousa e dispensam os alunos faz quem quer, quem no quer sai , jdesistiram de dar aulas, o ltimo degrau. Cria-se uma situao de conflitolatente entre os professores que do aula e os professores que no do aula.Por ltimo, uma parcela dos professores desabou. Surtaram: as doenasprofissionais so elevadssimas, entre elas, a depresso epidmica. (...)

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    23/64

    22

    Universidade(s)Oberdan Rafael P. L. Santiago 2

    Breve resgate da educao

    Para compreendermos como se desenvolveu a educao no Brasilprecisamos entender como se deu a sua colonizao. No sculo XVI a Igrejapassava por um perodo de crise do catolicismo, o recm-surgidoprotestantismo pregava a realizao do homem na Terra enquanto aIgreja Catlica pregava uma vida de privaes para que a redeno humanaocorresse aps a morte. O protestantismo comeou a converter, ento, vrioscatlicos na Europa devido a esta diferena, principalmente. Com a descobertado Novo Mundo, a Igreja percebe uma forma de ganhar flego caso expandisse

    o cristianismo para o restante do mundo, ou seja, para as Amricas. Noentanto, o seu papel principal na colonizao seria outro.

    reluzia, clara como o sol, para a cpula real e para a Igreja, amisso salvacionista que cumpria cristandade exercer, a ferro e fogo, se

    preciso, para incorporar as novas gentes ao rebanho do rei e da igreja. Esseera um mandato imperativo no plano espiritual. Uma destinao expressa, umamisso a cargo da Coroa, cujo direito de avassalar os ndios, colonizar e fluir asriquezas da terra nova decorria do sagrado deve de salv-los pelaevangelizao. 3

    Ou seja, no processo da colonizao, podemos dizer que a presena daIgreja serviu somente para referendar as cruis prticas desenvolvidas peloscolonos.

    No Brasil os Jesutas foram os precursores da educao, porm suaintencionalidade pedaggica era voltada para a domesticao dos ndios.Enxergavam a colonizao como um mal necessrio para o caminho da f, eassim foram responsveis direta e indiretamente pela morte e pelaescravizao de milhares de ndios.

    No entanto, com a expulso dos jesutas do Brasil, no restoupraticamente nenhuma outra forma de ensino 4, o sistema vigente eraescravocrata, logo, no despertava nenhum interesse na Coroa Portuguesa emse estabelecer um sistema de ensino. A elite que vivia no Brasil mandava seusfilhos estudarem na Europa, ou, de forma mais rara, trazia professores doVelho Mundo para ensinarem os mesmos.

    2 Estudante de engenharia florestal e militante da ABEEF3RBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, A formao e o sentido do Brasil. SoPaulo: Companhia de Bolso . p. 54.4Vale lembrar que as vrias tribos indgenas no so consideradas aqui, masisso no significa que podemos desprezar sua cultural.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    24/64

    23

    Um importante marco histrico para a educao brasileira, a vinda deD. Joo VI para o Brasil, no sc. XVIII. Com a elevao do Brasil a Reino Unidoe a Corte aqui instalada, a Coroa submete o pas a uma poltica que fora a

    metropolizao. Fez parte disso, o transplante das funes das instituiesescolares de Portugal. Porm, naquela poca a estrutura da sociedade

    brasileira revelava ao mximo as limitaes do regime colonial portugus.Mesmo os testamentos senhoriais no possuam condies e motivaes,especificamente intelectuais e educacionais, para imprimir densidade eintensidade experincia. 5Essa condio da sociedade brasileira comprometeuo modelo institucional transplantado, pois o ensino superior se distanciavamuito da realidade. Alm disso, motivos polticos, relacionados com a defesadas prerrogativas da Coroa e do fortalecimento da dominao portuguesa, erazes prticas, ligadas disperso demogrfica, s imposies de umasociedade de organizao estamental e de castas ou ao atraso culturalimperante, inspiraram uma poltica educacional estreita e imediatista. Emconseqncia, o que se implantou no Brasil no foi a universidade portuguesada poca, mas as unidades intermedirias, as faculdades e escolassuperiores 6, ou seja, o que interessava formar, eram pessoas com um mnimode formao tcnico-profissional aptas a exercerem papis especficos naburocracia e na estrutura poltica, alm daqueles no plano das profissesliberais. Logo, o ensino superior brasileiro j nasce distante da sociedade. Aocontrrio de Portugal, que, apesar da crise, a universidade tambm cumpria afuno de investigao da sociedade na qual estava inclusa e a de produzirconhecimentos. Podemos concluir, tambm, que instalao da Coroa no Brasil

    marco importantssimo, ainda que negativamente, para o desenvolvimentocultural brasileiro, pois tornou o Brasil extremamente dependente da cultura doexterior.

    Ainda no sc. XVIII, devido a crescente necessidade de se ter mo-de-obra qualificada, surgem as Escolas de Ofcio para jovens ao redor da faixaetria de 13 e 14 anos, importante deixar claro que essas escolas no eramfreqentadas pela classe alta, de forma alguma, ou seja, surge o ensinoprofissionalizante, no muito diferente do que h hoje. Na mesma pocahavia,tambm, uma crescente demanda por pessoas na mquinaadministrativa. Nascem, ento, as Faculdades de Direito. Esse ensino, aocontrrio do profissionalizante, foi criado para atender os filhos da classedominante.

    Com a industrializao do pas, especialmente a partir da dcada de1950, a sociedade fica mais complexa e aumenta-se a necessidade de mo-de-obra qualificada. Assim, ocorre a intensificao da dualidade do ensino pblicoa partir do estado social do indivduo: ensino profissionalizante para osdesfavorecidos economicamente e ensino superior para a classe mdia. A alta

    5 IANNI, Octavio.Florestan Fernandes: sociologia crtica e militante. So Paulo:Expresso Popular, 2004 . p. 276.6 Idem.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    25/64

    24

    classe mandava, e ainda manda, seus filhos para serem educados no exterior.Podemos ver que isso uma herana do pensamento escravocrata, que temuma concepo nefasta de trabalho.

    Essa dualidade agravada ainda mais com o Golpe de 1964. H umaverdadeira exploso do ensino profissionalizante por toda parte do pas. Porm

    esse crescimento no ocorre com o devido investimento do Estado e o ensinoprofissionalizante se torna precrio. Ainda na ditadura, especialmente a partirda dcada de 1970, as Instituies de Ensino Superior Privado comeam a terum crescimento mais significativo. Isso se d principalmente devido intensificao da industrializao do Brasil, promovida s custas de incentivosfiscais e mo-de-obra barata. Com isso, o pas passou a necessitar de ummaior nmero de trabalhadores qualificados tecnicamente a nvel superior.

    Mesmo com a redemocratizao, na dcada de 1980, os governoscontinuaram a no investir de forma massiva na educao, porm, ocorreramreformas curriculares importantes para o ensino superior e Unicamp e PUC SP viram referncias no movimento da educao.

    A Constituio de 1988 estabeleceu que o Brasil tivesse quedesenvolver um Plano Nacional de Educao (PNE) at 1998. Diante disso, asociedade acaba se movendo, os educadores se mobilizam para a realizaodos Fruns em Defesa da Educao, que so organizados para discutir umaproposta de ensino para o pas. O PNE montado pelos movimentos da educaofoi feito a tempo, mas quando o governo FHC soube que o projeto poderia seraprovado, Paulo Renato, ento Ministro da Educao, elaborou um outro PNEque foi aprovado em janeiro de 2001. O PNE vlido por 10 anos, ou seja, em

    2010 haver um novo programa.Hoje a situao da educao pblica muito delicada, os ensinosfundamental e mdio pblicos esto precrios (alternativa que o governoencontrou para democratizar o acesso a estes tipos de ensino foi de expandi-los). No entanto essa expanso se deu sem o devido investimento tanto nainfra-estrutura quanto em contratao e qualificao de professores e tcnico-administrativos, ou seja, procurou-se apenas em atenuar as estatsticas queincomodavam. Agora chegou a vez do ensino superior pblico.

    A Universidade hoje

    O modelo universitrio da Amrica Latina passou a se desenvolver deuma forma caracterstica, a partir da Reforma de Crdoba de 1918, baseadoem certa autonomia das instituies pblicas, em um grande domnio daeducao pblica e gratuita. No entanto, no se desenvolveu uma forma deacesso democrtico. um modelo de universidade criado para responder asnecessidades do mercado de trabalho, bem parecido com o ModeloUniversitrio Napolenico7.

    7 SEMBINELLI, Maria F. A. Configuraciones y caractersticas actuales de launiversidad em relacin a los modelos tradicionales.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    26/64

    25

    Ao verificar o desenvolvimento da universidade brasileira, constatamosque nunca logrou cumprir a funo de analisar a sociedade e propor formas demudanas que contribusse para o desenvolvimento autnomo do pas. Claro,esse tipo de universidade no interessa s foras internacionais, que tem osseus meios para intervir, atravs dos seus rgos (ONU, Unesco, Banco

    Mundial, BID etc.) pelos quais faro descer suas polticas educacionais atravsdo MEC. Hoje a universidade, como todo o restante do sistema educacional,est adaptada aos requisitos de uma sociedade competitiva e de massas(capitalista). Por outro lado, a Amrica Latina encontra-se um uma situaodbil, no entanto seus governantes possuem uma nsia em participar dosavanos logrados pelos pases desenvolvidos, sendo que, para isso,necessitem de amplo suporte externo para o faz-lo. No entanto, esse suporteexterno nunca ocorre sem as agresses que o desenvolvimento dependentecausa. Essas assistncias, colaboraes tcnico-financeiras acabam porexpor os seus sistemas de ensino ao controle de foras imperialistas.

    Diante desse plano de fundo, vemos que a universidade brasileiraapresenta algumas estruturas fundamentais que garante essa condio dedependncia: a metodologia do ensino, o Projeto Poltico Pedaggico (PPP), a

    autonomia, o acesso e o financiamento insuficiente do Estado.A metodologia aplicada no ensino superior, como no restante do

    sistema educacional, baseada no sistema bancrio de educao. Ou seja, arelao educador-educando se d a apenas relaes fundamentalmentenarradoras , dissertadoras 8 em que o educador o professor o dono daverdade e o educando o estudante o ser sem luz aluno) que recebe o

    depsito do conhecimento do professor. Essa metodologia em o seu ladoperverso, pois mostra a relao opressor-oprimido como se fosse algo naturaldo ser humano, desde os 6 anos de idade do indivduo. Segundo PauloFreire,esse tipo de metodologia trata a realidade como algo esttico,compartimentado e bem-comportado. Ora, se tratamos a realidade como algoparado, no temos base de anlise para propor mudanas. Ou seja,desenvolvem-se teorias distanciadas da realidade, na maioria das vezescalcadas em pensamentos mecanicistas e/ou idealistas. Logo, negam adialtica.

    Por outro lado, o acesso ao ensino superior tambm um fatorlimitante da universidade brasileira. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostrade Domiclio (PNAD) de 2004, realizada pelo IBGE, apenas 17,3% dos jovensfreqentam o ensino superior, sendo que destes, apenas 23,3% (ou 4,9 % dototal) esto nas universidades pblicas, que so, geralmente, as melhores. Omeio de acesso a esse tipo de ensino pblico o vestibular que no nadademocrtico e as provas que do acesso universidade pblica so as mais

    difceis do pas e que geram uma gigantesca indstria de cursos pr-vestibulares. Assim, so poucas pessoas menos favorecidas economicamente

    8 FREIRE, Paulo.Pedagogia do Oprimido ed. So Paulo: Paz e Terra, 2004 . p.57.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    27/64

    26

    que conseguem entrar na universidade. Quando conseguem entrar, enfrentamoutra dificuldade muito maior que a permanncia, dependem de polticas deassistncia estudantil da universidade, que muitas vezes so insuficientes.

    Se antigamente a universidade era composta apenas pela burguesia,hoje est em curso certa mudana. Atualmente ainda h a predominao da

    classe mdia alta nas universidades pblicas, 74,3% dos estudantes tem rendafamiliar mdia entre 927 a 2804 reais, onde esto, as classes C, B2 e B1 9. Oque vimos foi que o Estado se viu forado em aumentar o acesso universidade nessa nova fase do neoliberalismo como forma de fortalecer oprprio sistema. Mas primeiramente o acesso da classe mdia baixa e dospobres ao ensino superior se deu por meio das Instituies de Ensino SuperiorPrivado (IESP), atravs do financiamento estudantil, o FIES, e maisrecentemente atravs do Pr-Uni, que gera imensos lucros para as IESP. Essapoltica do governo realmente fez com muitos trabalhadores tivessemcondies de conseguir um diploma de ensino superior, no entanto, as vagasque a maioria deles ocupa so de instituies de pssima qualidade, sendoque muitas delas reprovadas pelo prprio sistema de avaliao do MEC.

    O setor privado apresenta hoje um crescimento fenomenal. Como ogoverno no consegue, ou no quer, democratizar o ensino superior, o setorprivado o tomou como a grande galinha dos ovos de ouro, pois nunca houveuma populao jovem propensa a freqentar o ensino superior to grande.

    Quadro 01: Evoluo da matrcula do ensino superior pblico e privado noperodo de 1990 at 2000 10

    9 Fonte: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Perfilsocioeconmico dos estudantes de graduao das Instituies de EnsinoSuperior 2003/2004. 10 Retirado de O ensino superior privado como setor econmico de JacquesSchwartzman e Simon Schwartzman

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    28/64

    27

    Outra caracterstica do setor privado o fato de a evaso estudantil serconsideravelmente maior que no setor pblico, muitas vezes, alm de estudar noite, trabalha durante o dia para pagar os custos do estudo e isso pode serinsuficiente, o que causa uma grande inadimplncia nas IESP. Ou mesmoquando o estudante no trabalha, os gastos acabam sendo muito onerosos

    para a famlia.11

    Tabela 01: Porcentagem de estudantes formados por entrantes, por rea deconhecimento e tipo de instituio.

    Por outro lado, o setor pblico est passando por um momento muito

    delicado. A nova ordem agora o desmantelamento do ensino superior pblicoe gratuito. Desde o governo FHC, atravs da Desvinculao das Receitas daUnio, o setor universitrio vem recebendo cada vez menos verba do Estado(ver quadro 02). Isso acontece justo em um perodo de intenso crescimento dapopulao jovem, no s no Brasil, mas em toda a Amrica Latina, onde o idealseria o contrrio, aumentar a verba para uma expanso com qualidade dessesetor para atender a demanda. Diante dessa situao, as universidades se vmobrigadas a constituir parcerias com as empresas, que normalmente seestabelecem no mbito das pesquisas. E sua qualidade medida pela suaprodutividade: quanto produz, em quanto tempo produz e qual o custo queproduz. Podemos verificar que no se questiona o que se produz, como seproduz, para que ou para quem se produz. Essa questo muito sria, poisaquelas universidades que conseguem estabelecer relaes mais fortes com oprivado (que costumam ser as empresas transnacionais) conseguem maisdinheiro, o que acaba direcionando o ensino. Estas so os chamados centrosde excelncia. A partir dessa prtica a Universidade perde a sua autonomia. Asua pesquisa passa a ser feita atravs dos editais abertos que aparecem. Ou

    11 importante lembrar que no podemos analisar a inadimplncia separada asdemais particularidades das IESP, mas que este acaba sendo o fator principalpara o abandono do curso superior.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    29/64

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    30/64

    29

    intervir alguma coisa. Por isso mesmo, numa organizao [a nova configuraoda universidade] no h tempo para a reflexo, a crtica, o exame deconhecimentos institudos, sua mudana ou sua superao. Numa organizao,a atividade cognitiva no tem como nem por que se realizar. Em contrapartida,no jogo estratgico da competio no mercado, a organizao se mantm e se

    firma se for capaz de propor reas de problemas, dificuldades, obstculossempre novos, o que feito pela fragmentao de antigos problemas emnovssimos micro-problemas, sobre os quais o controle parece ser cada vezmaior. A fragmentao, condio de sobrevivncia da organizao, torna-sereal e prope a especializao como estratgia fundamental.. 14

    No entanto, aquelas que no conseguem estabelecer essa relao comas grandes empresas, acabam por entrar em um processo de precarizao.Isso pode ser verificado dentro dos prprios centros de excelncia, a suagrande contradio. Nestes, os cursos ligados ao agronegcio ou ao setortecnolgico so os mais bem estruturados enquanto que aqueles da rea dehumanas so precrios, sofrem pela falta de uma boa estrutura e deprofessores. Isso reflexo do preconceito que as cincias humanas sofrem nasociedade. Normalmente esses cursos so tidos como aqueles em que no preciso pensar. Mas sabemos que este preconceito no gratuito.

    Contudo, bom salientar que essa ocasio por que passamos j eraanunciada h tempo. A falta de uma poltica para longo prazo que culminasserealmente na democratizao do ensino superior, agora no pode ser sanadano imediatismo. Hoje, o governo adota uma srie de polticas para que oensino superior seja democratizado. Essas medidas consistem na ampliao

    de vagas nas IFES de diversas maneiras. Mas o problema que essa ampliaono acompanhada com o devido investimento, o que causar uma grandeperca na qualidade do ensino. Outra frente em que o governo est agindo para

    democratizar o acesso educao superior, o incentivo ao ensino distncia. Essas medidas vo satisfazer apenas s estatsticas, pois o problemaestrutural do acesso ao ensino superior gratuito e de qualidade no sersanado. Outra iluso que passada ao povo brasileiro que essas medidas vosanar os problemas de desemprego no Brasil por uma questo muito simples:o que faltava era a qualificao profissional. Logo, quando todos tiveremacesso universidade isso estar solucionado. O problema no to simplesassim. Nega todo o passado do pas e de seu papel no capitalismo mundial.Quando analisamos nessa perspectiva vimos que o amplo acesso dapopulao ao ensino superior s ser permitido, s ser proporcionado, quandono comprometer o funcionamento do sistema. Diante disso perguntamos: qual o papel da universidade? Bom, o seu papel analisar criticamente asociedade na qual est inserida e propor solues para as suas mazelas oumudanas que a faam progredir, o que significa desenvolver tecnologiassociais. Isso se d de diversos maneiras, desde a elaborao curricular at apesquisa, a investigao cientfica. Ora, um sistema universitrio que

    14 CHAU, Marilena. A Universidade hoje.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    31/64

    30

    funcionasse assim, com certeza colocaria em cheque o atual sistema, queextorque drasticamente todos os pases subdesenvolvidos. Logo, para que apopulao tenha acesso ao ensino superior, este tem funcionar de forma queno questione a ordem. Portanto, o processo de desmantelamento dauniversidade no a toa. Esto sendo criadas diversas maneiras para

    garantir que as IESs tenham o seu ensino direcionado. Uma delas o SistemaNacional de Avaliao do Ensino Superior, que pune as instituies reprovadase gratifica as mais bem conceituadas e impe um padro de ensino a serseguido pelas instituies, que moldado inteiramente pelo interesse dasempresas transnacionais. Isto deveria ser ao contrrio, dever-se-ia investir nasreprovadas para garantir que lograsse melhoras e o resultado da avaliaodeveria ser sigilosa. Esse sistema proporciona um ranqueamento das IES demodo que sejam afirmados os centros de excelncia.Resumindo, podemos dizer que a Universidade Pblica passa por um momentodecisivo na sua histria e cabe a ns, sociedade brasileira impedirmos essetriste fim do ensino superior gratuito e de verdadeira qualidade.

    Movimentos de Resistncia: a trincheira universitria

    Dizemos que a universidade o reflexo da sociedade. Isto , estinserida em um contexto muito maior, em um sistema que a utiliza para sereproduzir atravs da ideologia (aparelho ideolgico). Assim como h osmovimentos de resistncia na sociedade, h tambm na academia. Essescumprem uma funo importantssima e que no podemos deixar de lado na

    luta pela transformao da sociedade, embora no estejam no centro. Estolocalizados no seio de um dos principais aparelhos ideolgicos e que em seucontedo possui por base consideraes valorativas, posio de classe visode mundo e a subjetividade de quem seleciona 15. Desse modo, possuemlimites e potencialidades peculiares que devem ser bem debatidos ecompreendidos para poderem atuar da melhor maneira.

    Hoje, essas foras contestatrias so marginalizadas, principalmentepela mdia. H uma enorme massa de estudantes e professores apticos. Sopoucos os que tomam posio e atuam realmente com responsabilidadepoltica, tanto dentro quanto fora da instituio. Entre os docentes, prevalecemfortemente os valores e interesses das profisses liberais (tais outras comomdico, advogado etc.), fato que os afastam do povo e fazem com querefiram solues tcnicas para as mazelas da sociedade. Mas no podemosnegar a luta pela educao que o movimento docente vem travando em toda aAmrica Latina.

    No entanto, a nica forma dos movimentos universitrios contriburempara todo o povo, que eles atuem como movimento social associado,logicamente, perspectiva do povo. Para atuarem dessa forma, devem ter um

    15 IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre conscincia e emancipao. So Paulo:Expresso Popular, 2007 . p 160

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    32/64

    31

    horizonte poltico, uma estratgia. Para alcan-la, podem desenvolverdiversas tticas (aes), mas que sejam balizadas pela conjuntura e que sejamtraadas e executadas em conjunto com os Movimentos Sociais populares, poisa universidade no ser transformada de dentro para fora. Pelo contrrio. Seusmuros iro cair de fora para dentro, como conseqncia da transformao do

    sistema.A exemplo disso, podemos citar A Reforma Universitria de Crdoba de1918, a maior conquista universitrias da Amrica Latina, que teve reflexo emtodo o continente. Mas no perdurou porque na sociedade no havia suportepara uma universidade popular que no fosse totalmente autnoma do Estado:

    Pero si la reforma como movimiento social ha sido superado,susreivindicaciones que le dieron vida mantienen hoy toda su vigencia. La lucha

    por la autonoma, el cogobierno, la docencia libre, la ctedra paralela, debe serintegrada a un planteamiento de conjunto de la cuestin educativa. Esta luchadebe partir de la conclusin a la que arribaron los sectores ms avanzados delmovimiento reformista: la transformacin educativa es inseparable de latransformacin social dirigida por la clase obrera contra la opresin y la misriacapitalista. La Revolucin educativa solo puede realizarse como revolucinsocial. 16

    Esse episdio histrico deixou grandes lies para o MovimentoEstudantil da Amrica Latina:

    - Sempre que defender estritamente os interesses dos estudantes

    (especficos), cair no corporativismo. Ir se desviar do caminho do povo e,conseqentemente, navegar sem rumo no mar da histria;- Se somente se ater s lutas fora da universidade, tender ao

    propagandismo e perder as suas razes, deixando de cumprir seu papel ali.

    Universidade Popular

    Nenhum pas pode aspirar a ser desenvolvido e independente sem umforte sistema de ensino superior. Estas so as primeiras palavras dasDiretrizes da Educao Superior do Plano Nacional de Educao. primeiravista, parece ser muito belas. Mas somente primeira vista. Para eles, umensino superior forte na Amrica Latina aquele que consegue atender asdemandas das transnacionais presentes no pas e reproduzir a ideologiacapitalista. E isso que a educao superior brasileira faz. Ou seja, na atualconjuntura impossvel que tenhamos uma universidade realmentedemocrtica e que seja fator ativo na mudana social (Universidade Popular)

    16 SOLANO, Gabriel. La Reforma Universitria de Crdoba: Fundacin Delmovimiento estudiantil latino-americano.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    33/64

    32

    atravs da via institucional. Do contrrio, no ser verdadeiramente popular,apenas far maquiagens no modo de funcionamento.

    Uma universidade que no tem o propsito de funcionar como aparelhoideolgico do Estado (aqueles que reproduzem o conjunto de idias que osustentam), hoje s pode ser criada antida por movimentos sociais. Ou seja,

    somente os movimentos sociais autnomos tm a capacidade de construir umaferramenta de tal magnitude para combater o sistema. A Universidade Popular o local em que os movimentos sociais vo qualificar os militantes, formarseus quadros tcnicos e polticos. De l, sairo compromissados com o povo,com o compromisso de atuarem nos diversos flancos que compes a luta declasses. Para isso, no sero necessrios vestibulares ou qualquer outro tipo deexame de seleo. O que determinar, ser a convico ideolgica e adisposio para a luta de classes.

    A histria a alma do povo. atravs do resgate profundo de toda adimenso histrica, de todos(as) aqueles(as) que defenderam e lutaram pelopovo, de toda a trajetria do povo que se criam condies para a apreensoda totalidade da realidade. Mas para isso, necessrio ter uma maiorcompreenso do funcionamento do sistema vigente: o capitalismo, ou seja, preciso que haja o estudo aprofundado da economia poltica paradeslegitimarmos o modelo capitalista do ponto de vista tico, primeiro temosde faz-lo do ponto de vista econmico. Para tanto, uma slida formao sobreeconomia poltica indispensvel. Como plano de fundo, a universidadePopular deve ter uma filosofia que no trate os acontecimentos de uma formaespontanesta e isolados do todo, e muito menos coloque o indivduo no centro

    da questo, como se no estivesse inserido em um coletivo: o ps-modernismo, que fragmenta a realidade e, assim, ignora a existncia deestruturas ou sistemas. Deve usar a filosofia marxista, pois somente ela capaz de interpretar realidade como um todo em movimento e possibilitaravanos para a verdadeira emancipao humana. Portanto, esses so os trspilares bsicos sobre os quais deve-se erguer uma Universidade Popular:historicidade do povo, totalidade da realidade e o materialismo histricodialtico.

    Porm, como dizia Paulo Freire, ficar longe do Povo uma forma deficar contra ele. Isto , em uma Universidade Popular deve desenvolvermtodos de trabalho com o povo, mas que estejam muito longe de ser umainvaso cultural. Deve ser um trabalho construdo junto com o povo e denenhuma forma tratado como uma coisa isolada. H que ser parte do processoeducativo, enfim, ter uma intencionalidade pedaggica referenciada na ao-reflexo- ao, na prxis libertadora, no processo de formao da conscincia,ou seja, deve trabalhar sob um mtodo que possibilite a formao do novohomem e da nova mulher e gerar ferramentas para disputar a hegemoniaintelectual.

    Diante disso, podemos dizer que o papel que Universidade Popular tem o de ajudar a organizar o povo. Esse deve ser o propsito da formao alipraticada, j que esta s tem sentido se estiver inserida em um horizonte

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    34/64

    33

    transformador, das pessoas e da realidade e isso s pode ser feito atravs deaes concretas de um povo muito bem organizado, logo, com alto nvel deconscincia. A tarefa principal da formao motivar para que os silenciadossaiam de se silncio, que os dominados aceitem sair da dominao atravs daluta.

    Quando falamos de Universidade Popular, no podemos deixar de citara Universidade Popular Mes da Praa de Maio da Argentina. Inaugurada em2000, que proporciona o desenvolvimento de um pensamento crtico e batalhapara recuperar as tradies de lutas populares. Tambm abre espao para quesetores populares e os diversos movimentos sociais possam participar e criarformas de construo poltica. A Universidade tem 10 carreiras (cursos), sendoque a base para todas elas a formao poltica, o resgate da histria daslutas populares e dos legados que deixaram os lutadores e as lutadoras dopovo.

    No Brasil, h a Escola Nacional Florestan Fernandes, inaugurada em2005 e construda atravs do trabalho voluntrio de vrios companheiros erias companheiras do MST, que adota uma prtica que nos permite cham-lade Universidade Popular. L, no so ministrados cursos profissionais, mas um lugar de importncia histrica para os movimentos sociais da AmricaLatina, pois antes de ser um centro de formao de quadros, um local querepresenta o povo em busca de toda a formao que lhe foi negada (assimcomo a UPMPM) historicamente para us-la na transformao social.

    Consideraes FinaisDependncia, esta a palavra que traduz o processo

    dedesenvolvimento desde invaso dos Europeus na Amrica Latina. Hoje, nombito da educao, verificamos que as medidas adotadas pelo Estado sacarretam no aprofundamento da dependncia externa cultural, econmica epoltica. Isso vem como premissa bsica a todo o continente latino-americano,para que atrasse investimentos externos que proporcionassem condies dese desenvolver, espelhados nos pases do G7. O fato de a Educao deixar deser um servio exclusivo do Estado, faz com este apenas dite as diretrizes e sedesobriga de uma atividade verdadeiramente poltica. Alm disso, pode serprivatizada.

    O Plano de Reforma do Estado, desenvolvido nos anos 1990,caracteriza as universidades, as escolas tcnicas, os museus e os centros depesquisas como organizaes sociais, assim, podemos dizer que auniversidade que presta servio ao Estado e celebra contratos de gesto queestabelece metas e indicadores de desempenho. Ou seja, a autonomiauniversitria se reduz ao gerenciamento empresarial da instituio.

    Outra palavra que passamos a ouvir muito, a flexibilizao da

    universidade. Essa flexibilizao est substituindo os professores de dedicaoexclusiva por outros com contratos flexveis, que so temporrios e oferecem

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    35/64

    34

    condies de trabalho praticamente precrias. Outra conseqncia dessaflexibilizao ocorre na adaptao de currculos s necessidades profissionaisde cada regio, isto , s demandas das empresas localizadas em seu entorno.Alm disso, separa docncia que fica na universidade e pesquisa que vaipara os centros autnomos de pesquisa, j que os recursos que a universidade

    recebia para a pesquisa, destinado ampliao de vagas da graduao. Manda quem pode, obedece quem tem juzo. Este ditado popular um grosso resumo da histria de dominao da Amrica Latina, no entanto,esconde, nas entrelinhas, a resistncia. Quem resiste ou contesta, no tem

    juzo. Mas, ao contrrio, Cuba tem a histria para nos mostrar a verdade. Poraqui, o setor educacional o que mais refora essa lgica opressor-oprimido,dia aps dia. Mas os centros de educao popular desenvolvem importantespolticas e metodologias alternativas que so usadas pelos movimentos sociais.

    A Universidade Popular aparece, hoje, como um instrumento magnficona busca pela emancipao do homem e da mulher. Para cumprir seu papel,no necessrio conferir-lhe uma forma especfica, anloga universidadeinstitucional. Assim, tanto a Universidade Popular Mes da Praa de Maio,quanto a Escola Nacional Florestan Fernandes, so belssimos instrumentos dopovo, que desafiam a burguesia j que mostra todo o potencial do povoorganizado.Por outro lado, desde quando se criou a universidade, na Europa, sempre foicaracterizada como uma instituio social, com reconhecimento pblico desuas atribuies e legitimidade. Atravs das lutas socias e polticas advindas daconquista da educao e da cultura como direitos, a universidade se tornou

    indissocivel do ideal da democracia e democratizao do conhecimento. Logo,enquanto instituio social, a universidade no pode se furtar das questesideolgicas, que so sua questo prpria, j que lhe cabe a questo sobre qualo lugar das idias no processo de produo material da sociedade.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    36/64

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    37/64

    36

    Educao Popular Adaptado do caderno Concepo de Educao Popular do CEPIS

    CEPIS Centro de Educao Popular do Instituto Sedes SapientiaeSo Paulo, Maro de 2007

    Educao popular no um discurso acadmico sobre um mtodo,oque muitas vezes tem-se entendido, nem um produto acabado ou uma receitasimples ou mgica. No se confunde com dinmica de grupo, usada comoinstrumento ttico ou atrativo, para animar pessoas e grupos. As dinmicasso recursos necessrios para estimular a participao e cooperao daspessoas envolvidas. Da mesma forma no um mtodo fcil que populariza acomplexidade, embora faa o esforo criativo de traduzir conceitos abstratosnuma linguagem cotidiana, em metforas e smbolos acessveis.

    Duas pessoas podem fazer o mesmo procedimento, com resultados e

    significados completamente opostos. Uma tcnica pode significar uma prticaonde a ao, o produto da ao e a finalidade da ao sejam termos exterioresuns aos outros. Beijar uma criana, abraar um velho, carregar um andor emprocisso, pode no expressar a convico de quem fez isso e, ao chegar emcasa, banhar-se de lcool para livrar-se desse contato, que era apenas paraangariar votos, simpatia... Na Educao Popular, o agir do educador mantmntima ligao de sua crena com o ato, o produto e a finalidade de sua ao.

    Seria um equvoco reduzir a Educao Popular ao uso de procedimentos dinmicas, recursos audiovisuais e pedaggicos... que facilitam aintegrao e o entusiasmo das pessoas. Essa viso enganosa, pois a euforiado participativo, por si s, no prepara as pessoas para serem protagonistas,entender a realidade social e comprometer-se com sua transformao. Muitasvezes, procedimentos participativos contribuem para que as pessoas sejammanipuladas e tenham a impresso de que so parte. Existem ONGs(Organizaes No Governamentais), por exemplo, que praticamosocionegcio. Ganham dinheiro, por ideologia ou por oportunismo,promovendo oficinas, laboratrios, talleres, workshops, motivaes e outroseventos, que domesticam e capacitam cidados e cidads como novosescravos, vo alimentar a continuidade do mercado capitalista.

    A Educao Popular insiste no uso de recursos pedaggicos comoinstrumentos, que ajudam na incorporao dos contedos e do prprio mtodo.Assim, por exemplo, o uso de imagens so caminhos importantes para alcanarum objetivo. So instrumentos que ajudam no processo de traduo,reconstruo e criao coletiva do conhecimento sobre a realidade, mas nopodem ser vistos como receitas mgicas que, por si s, vo alcanar esseobjetivo.

    A Educao Popular , ento, um caminho poltico-pedaggico.Portanto, um processo que exige envolvimento co-responsvel de cadaparticipante na construo, apropriao, e multiplicao do conhecimento. Essa

    experincia de aprender a ensinar s pode interessar aos oprimidos, pois, nocapitalismo, no h lugar para ela. Se s o oprimido pode libertar-se e, ao

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    38/64

    37

    libertar-se, liberta tambm o opressor, a educao serve para despertar equalificar o potencial popular em sua luta, para construir uma alternativasolidria. Seu ponto de partida a convico de que o povo j tem um saber,parcial e fragmentado, e que carrega em si o dom de ser capaz e ser feliz.Porm, precisa refletir sobre o que j sabe (s vezes, no sabe que sabe) e

    incorporar o acmulo terico-histrico da prtica social.

    Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de algum,em exibio ou espalhafato. Tua tarefa facilitar o que estacontecendo. Se deves assumir o comando, faz isso de tal modo queauxilies a me e deixes que ela continue livre e responsvel. Quandonascer a criana, a mo dir com razo: ns duas realizamos essetrabalho..

    Adaptao de Lao tse, sc. V a.C.

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    39/64

    38

    Aplicando a metodologia popular Adaptado do caderno Concepo de Educao Popular do CEPIS

    CEPIS Centro de Educao Popular do Instituto Sedes SapientiaeSo Paulo, Maro de 2007

    A metodologia autoritria na educao reafirma que educar despejarcontedos sobre outra pessoa totalmente ignorante. uma postura de algumque vem de cima e de fora, e, com ar professoral, derrama informaes para

    fazer a cabea do aluno. O aluno, de forma passiva, assimila osensinamentos e reproduz essa prtica sobre outras pessoas, da mesma forma.Essa metodologia, de fato, anula o aluno por adotar a postura arrogante erealizar um processo de manipulao para domesticar as pessoas. Os alunosse tornam repetidores de certas verdades, sem qualquer conscincia crtica.Quando os chefes, numa empresa, usam recursos pedaggicos, esto apenas

    modernizando a forma de continuar impondo suas idias e seus interesses.A mera transmisso de informaes, transferncia de conhecimentosou treinamento de tcnicas para competir no leva emancipao, mas (re)integrao, onde as pessoas e movimentos entram, de forma vigiada etutelada, num modelo discutvel de progresso. A crtica ao sistema da educaotradicional abriu caminho para uma concepo educativa crtica e libertadora,como arma nas mos das classes populares, orientada para transformao darealidade. Significa a criao de um senso crtico, que leve as pessoas aentender o mundo em que vivem e comprometer-se com propostas demudanas.

    Por isso, a metodologia na Educao Popular no se confunde comdicas de como fazer, nem com procedimentos e dinmicas de grupo; menos,ainda, com a seqncia que deve ter essa ou aquela atividade. preciso que seveja o processo educativo no como momentos cooperativos, mas como umadimenso necessria da atividade organizada da classe oprimida, que lhepermite a participao consciente na construo da histria. A metodologiatorna-se uma estratgia global, que orienta e permeia o trabalho popular,dando-lhe sentido, perspectiva e coerncia interna. Tem um caminho apercorrer, um ponto de onde partir e um ponto de chegada, ainda que sejamespaos diferentes, um carece do outro, numa relao de interdependncia. Oponto de chegada , em si, tambm um ponto de partida.

    O ponto de partida so convices aliceradas em princpios evalores. Um dos princpios a afirmao de que toda pessoa capaz. Por isso,as pessoas so aprendizes e mestras, so partes e no platia, cliente,assistente ou ouvinte. Nesse modo de olhar, a realidade de cada participante,sua experincia, sua cultura, seu momento individual e sua viso demundo,so componentes indispensveis no processo de aprender e ensinar.Eu corpo, sua razo, e seu sentimento precisam estar presentes sem abrir ocorao, a razo no entende e o corpo no se dispe a participar.

    Outro princpio a certeza de que s a classe oprimida pode libertar-se, ao fazer isto, liberta tambm o seu opressor. Mas no basta ser oprimida,

  • 8/12/2019 Cartilha de Educao Popular[1]

    40/64

    39

    a pessoa precisa se dispor a entrar num processo de luta pela transformao,individual e coletiva.

    E um terceiro princpio que cada pessoa j tem um saber, ainda queingnuo e fragmentado, e, por isso, precisa refletir sobre o que sabe econhecer o acmulo da prtica social, para fazer melhor quem faz j sabe,

    quem pensa sobre o que faze, faz melhor.O caminho revela-se nas posturas humildes, respeitosas e crticas deeducadores e educandos, contrria a toda forma de arrogncia ou submisso, eque no age como se fosse superior ou inferior. Concretiza-se atravs deprocedimentos pedaggicos usados para facilitar a participao, a colaboraoe o envolvimento integral das pessoas, permitindo-lhes a apropriao doscontedos e da metodologia.

    O ponto de chegada constata-se pelo grau de eficin