cartelle, 1994
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pacificamente no topo espécies, que encontravam de mamíferos mais a aparência de macacos espetacular e variada, como as esse bioma é muito As preguiças que diversificado, a ponto pelo cerrado brasileiro. que já palmilhou 12 mil anos, ao final do muito tranqüilos. nele alimentação rica das árvores e têm preguiças terrícolas, o nosso território. PALEONTOLOGIA PALEONTOLOGIA 1 8 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 2 7 • n º 1 6 1 FOTO EXTRAÍDA DETRANSCRIPT
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PALEONTOLOGIA
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PALEONTOLOGIA
As preguiças que
conhecemos hoje vivem
pacificamente no topo
das árvores e têm
a aparência de macacos
muito tranqüilos.
Mas pouca gente sabe
que há aproximadamente
12 mil anos, ao final do
Pleistoceno, enormes
preguiças, que chegavam
a ter o tamanho de um
elefante, perambulavam
pelo cerrado brasileiro.
Aparentemente monótono,
esse bioma é muito
diversificado, a ponto
de ter acolhido numerosas
espécies, que encontravam
nele alimentação rica
e variada, como as
preguiças terrícolas,
provavelmente o grupo
de mamíferos mais
espetacular
que já palmilhou
o nosso território.
Cástor CartelleInstituto de Geociências,Universidade Federalde Minas Gerais
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PALEONTOLOGIA
Em 1787 o esqueleto de um gigantesco animal foi encontrado na
essas
desconhecidas
Preguiças
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terrícolas,
cidade argentina de Luján, santuário da padroeirada nação. O vigário local conseguiu desenterrá-lo eenviou a enorme ossada ao Real Gabinete de Histó-ria Natural de Madri, que acabava de se formar naEspanha. Entusiasmados, os naturalistas espanhóisprepararam os ossos e montaram o esqueleto paraexpô-lo no novo museu, concluindo, diante do seutamanho, que o animal só poderia ser um elefantesul-americano.
Após admirar a peça, o rei Carlos III deu vazão àsua exaltada curiosidade, ordenando que se organi-zasse uma expedição na então colônia para capturarum daqueles animais. Queria ter o prazer de con-templá-lo nos jardins de seu palácio. Se isso não fos-se possível, desejava ao menos um exemplar empa-lhado.
Os desenhos feitos pelos espanhóis chegaram àsmãos do célebre anatomista francês Georges Cuvier(1769-1832), diretor do Museu de História Natural
de Paris. A montagem do esqueleto � e conse-qüentemente seu desenho � estava errada, pois
havia sido feita como se o animal, apoiado
Reconstrução da preguiça giganteEremotherium laurillardi
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nas plantas e palmas dos pés e das mãos, fosse umelefante. Cuvier rejeitou a idéia de que se tratava doesqueleto de um elefante, identificando-o comosendo o de uma preguiça, por ele chamada Megathe-rium americanum (grande animal selvagem ame-ricano).
Desde então, novas preguiças terrícolas têm sidodescobertas. Charles Darwin (1809-1882) identifi-cou outra espécie em 1833, também na Argentina, econsta que o ex-presidente norte-americano ThomasJefferson (1743-1826) teria encontrado uma espécienova em seu país. Assim, até meados do século 19 jáse conheciam diversas espécies de preguiças extin-tas, muito maiores que as pequenas e pacíficaspreguiças arborícolas de nossa fauna atual. Aospoucos foram sendo recuperados fósseis de umainsuspeitada e rica variedade de animais, que até 12mil anos atrás se espalhavam pela América. Hojeconhecem-se numerosas espécies de preguiçasterrícolas extintas, e novas descobertas continuamocorrendo.
Inicialmente, os cientistas tiveram grande difi-culdade para interpretar as novas formas descober-tas. O primeiro achado do paleontólogo dinamar-quês Peter Lund (1801-1880), que resultou de umaescavação feita em 1835 na gruta de Maquiné, emCordisburgo (MG), consistiu em poucas peças damenor das preguiças extintas brasileiras. Durante10 anos Lund esquadrinhou mais de 200 cavernas à
procura de fósseis na região de Lagoa Santa (MG),tendo descoberto fósseis de outras quatro espéciesde preguiças extintas. Da mais avantajada delas,chegou a encontrar dentes.
Em um trabalho em que tentava explicar essesanimais extintos, imaginou que eles teriam hábitossemelhantes aos das atuais preguiças e defendeu aidéia de que, em tempos remotos, havia florestascom árvores gigantescas que serviam de trampolinspara as preguiças extintas. Seria cômico imaginar o�elefante sul-americano� dos naturalistas espanhóisdependurado em uma gigantesca árvore!
Os xenartros
As preguiças incluem-se na ordem de mamíferosdenominada Xenarthra, que teve sua origem e de-senvolvimento no território sul-americano. Hoje,após acentuada diminuição da variabilidade, res-tam apenas as preguiças arborícolas, os tatus e ostamanduás. Além das preguiças terrícolas, extin-guiram-se também os gliptodontes. Desconhece-mos a origem da ordem e conseqüentemente a deseus ancestrais. O registro mais antigo de que dispo-mos (placas de tatus) é do Paleoceno, há 65 milhõesde anos. Nessa época, em que a América Centralestava submersa, nosso continente ainda era umailha. Durante milhões de anos os xenartros diversi-
PPPPPrrrrreguiçaseguiçaseguiçaseguiçaseguiçasterrícolasterrícolasterrícolasterrícolasterrícolasbrbrbrbrbrasileirasileirasileirasileirasileirasasasasasdo final dodo final dodo final dodo final dodo final doPleistocenoPleistocenoPleistocenoPleistocenoPleistoceno
FAMÍLIA SUBFAMÍLIA ESPÉCIE PESO (KG) ACHADOS *
Megaterídeos Megateríneos Megatherium americanum 4.000 RS
Eremotherium laurillardi 5.000 MG, RS, RJ, ES, GO, MS, MT, AC,
RO, CE, PI, RN, PB, SE, PE, BA
Milodontídeos Milodontíneos Lestodon armatus 3.000 RS, SP
Ocnotherium giganteum 2.000 MG, BA
Mylodon darwini 1.000 RS
Mylodonopsis ibseni 1.000 BA, MG
Glossotherium robustum 1.200 RS
Glossotherium lettsomi 1.000 MG, BA
Scelidoteríneos Scelidotherium magnum 600 RS
Catonyxx cuvieri 500 MG, BA, PB, PI(?), CE
Valgipes gracilis 400 MG, BA
Megaloniquídeos Não estabelecida Iporangabradys colecti 300 SP, BA, MG(?)
Notroteríneos Nothrotherium maquinense 50 MG, SP, BA
* A sigla inicial assinala o estado onde ocorreu o primeiro achado brasileiro
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PALEONTOLOGIA
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ficaram-se em múltiplas e espetaculares formas,alcançando � não se sabe como � a América do Nortehá 8 milhões de anos. Cerca de 2,5 milhões de anosmais tarde, quando teve fim o lento processo deelevação do istmo da América Central, deu-se outraemigração até o mesmo território e ilhas do Caribe.
Além da variedade ocorrida durante o isolamen-to da ilha sul-americana, os xenartros apresentamcaracterísticas que os distinguem nitidamente dequalquer outro mamífero, como a presença de cara-paça rígida (os extintos gliptodontes) ou com placas(osteodermos) articuladas (tatus atuais e extintos) epelagem espessa, presente em grande número deanimais, como as preguiças extintas e os atuaistamanduás e preguiças arborícolas.
Nos dentes, pouco numerosos e de raiz aberta,que crescem durante toda a vida, falta a camada deesmalte comum a todos os mamíferos. Algumasvértebras têm articulações em número maior que asdas de outros mamíferos, sendo esta uma caracterís-tica tão peculiar que acabou dando nome ao grupo:xenarthra significa �articulação estranha�.
À exceção de mamíferos aquáticos, como o peixe-boi e a baleia, os demais mamíferos têm nos ossoslongos do esqueleto, como os das patas (fêmures,úmeros, tíbias, rádios, entre outros), um espaçointerno que os torna ocos, a cavidade medular. Nosxenartros esses ossos são compactos. Há muitasoutras diferenças, mas convém destacar ainda queas vértebras sacrais dos xenartros se fundem aosossos da cintura pélvica, formando um todo, en-quanto nos outros mamíferos essas vértebras apenasse articulam à cintura.
As preguiças terrícolas têm uma longa história.As primeiras de que se têm notícia são do Eoceno,há 50 milhões de anos. As várias espécies conhe-cidas agrupam-se nas famílias dos megaterídeos,milodontídeos e megaloniquídeos (ver tabela). Comojá dissemos, os primeiros achados fósseis de pre-guiças extintas no Brasil foram feitos por Lund,conhecendo-se, no país, espécies típicas da Argen-tina e do Uruguai, encontradas sobretudo no RioGrande do Sul, e, em maior número, espécies inter-tropicais. Referimo-nos aqui apenas às preguiçascujos fósseis foram encontrados no Brasil e se extin-guiram há aproximadamente 12 mil anos (Pleis-toceno final), compondo um conjunto espetacularde 13 espécies.
Os megater ídeos
A essa família pertencem os gigantes dos xenartros.De Megatherium americanum (o �elefante sul-ame-ricano� que não era elefante) foram encontradaspoucas peças no Rio Grande do Sul. A espécie tinha
preferência por regiões de clima temperado.Eremotherium laurillardi é a espécie de preguiçagigante que teve maior presença em nosso territórioe se espalhava também por toda a América do Sulintertropical (Peru, Equador, Colômbia e Venezuela),chegando até a América Central (El Salvador) e aAmérica do Norte (México e sul dos Estados Uni-dos). No Brasil já foram encontrados fósseis daespécie em quase todos os estados, à exceção doAmazonas, Amapá, Roraima, Pará, Alagoas, To-cantins e Santa Catarina.
Foi um animal deslumbrante. Pesando cerca decinco toneladas e medindo 6 m � a cauda incluí-da �, alcançava quase 2 m de altura em posiçãoquadrúpede e, alçado sobre as patas posteriores, atin-gia cerca de 4 m. Ao que parece, foi o mamíferoterrícola que teve pés e mãos mais avantajados, aque-les com uma e estas com duas garras córneas muitorecurvadas, como adaga árabe. Incluídas essas peças,pés e mãos de animais adultos poderiam atingir 1,5 mde comprimento. Dá vontade de pegar carona no túneldo tempo para observar um rebanho desses animais delonga pelagem, provavelmente marrom, avançandocalmamente pelas planícies do cerrado, apoiados naborda lateral dos pés, com as garras orientadas umtanto obliquamente para dentro, e sobre o dorso dasmãos, ora arrancando touceiras de capim com sualonga e potente língua, ora alçando-se sobre as patastraseiras para puxar, com os enormes ganchos dasmãos, galhos de árvores dos quais retiravam com alíngua as folhas que consumiam.
Desenhoesquemáticodos dentes(molariformes)de Eremotheriumlaurillardi
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PALEONTOLOGIA
Os dentes eram inconfundíveis: prismáticos e deseção retangular, com até 4 cm de lado e, como emtodos os xenartros, de raiz aberta e sem esmalte.Além disso eram permanentes, não ocorrendo, comoacontece conosco, a substituição de dentes de leitepor definitivos. A dentina, que nos nossos dentesestá sob a fina camada de esmalte, era o tecidopredominante, ocorrendo dois tipos: a ortodentina ea modificada, aquela mais dura.
Na superfície de mastigação formavam-se duasacentuadas arestas transversas, com aspecto de cu-nha, formadas pela dentina mais dura. Entre elas, asepará-las, uma depressão ou vale pronunciado.Essas estruturas ocorrem tanto nos dentes superio-res quanto nos inferiores e têm seqüência alternada.A depressão entre as cristas dos dentes superiores,por exemplo, era ocupada por uma das arestas dodente inferior antagônico. Essa disposição faziacom que a mastigação de grama e folha fosse muitoeficiente, permitindo picotar o alimento em peque-nos fragmentos.
Os milodontídeos
Conhecem-se numerosas espé-cies dessa família, que se disse-minou pelo território sul-ameri-cano, chegando até a América doNorte. Distinguem-se com facili-dade das espécies de megaterí-deos por seus dentes, mãos e pés,mais complexos.
Lestodon armatus era menorque E. laurillardi e pesaria cercade três toneladas. Viveu habi-tualmente em regiões de climatemperado, razão pela qual seusfósseis são mais comuns em paí-ses do Cone Sul e, no Brasil, emestados do Sul. Há um achado noestado de São Paulo, a ocorrênciamais ao norte da espécie. Outraespécie afim, menor que L.
Reconstruçãoda preguiçaterrícolaNothrotheriummaquinense
Mão esquerda,provavelmentede fêmeajovem, deEremotheriumlaurillardi(comprimentomáximo:55 cm). A mãodo machoadulto chegavaa medir 1,3 m.O ossoarredondadona palmada mão serviapara protegeros tendões
Mão direita deOcnotheriumgiganteum(comprimentomáximo:40 cm)
armatus, viveu na região intertropical brasileira efoi descoberta em Lagoa Santa por Lund, que achamou Ocnotherium giganteum. Mas só era conhe-cida através de um par de dentes. Há pouco tempofoi encontrado um esqueleto quase completo, dife-rente de qualquer outro e que poderia ser o daespécie de Lund.
As principais diferenças de Ocnotherium eLestodon em relação a Eremotherium estão no crâ-nio: a entrada da boca era muito larga e, nela, osdentes, ovais, não tinham cristas marcantes na su-perfície de mastigação. O primeiro par superior einferior de dentes dava às duas primeiras espéciesuma aparência feroz, mesmo sendo elas pacifica-mente herbívoras. Avantajados, robustos e projetadoslateralmente, pareciam caninos eficientes para oataque. Mas na prática destinavam-se a desenterrartubérculos e arrancar casca de árvores. A espéciebrasileira, O. giganteum, tinha um detalhe que adiferia das demais preguiças: acentuado diastema(espaço natural entre os dentes de alguns animais,
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PALEONTOLOGIA
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Mão esquerdade Mylodonopsisibseni(comprimentomáximo: 36 cm)
Mão esquerdade Valgipesgracilis(comprimentomáximo: 30 cm)
como se na seqüência faltasse um deles) entre osegundo e o terceiro dentes superiores. Nas pregui-ças, tal espaço, quando existe, ocorre entre o primei-ro e o segundo dentes.
Menor que a anterior, pesando cerca de duastoneladas, a espécie Mylodon darwini foi estudadapelo anatomista inglês Richard Owen (1804-1892),que usou, para determiná-la, peças coletadas porDarwin na Argentina quando de sua viagem ao redordo mundo no navio Beagle (ver �A caverna domilodonte�). Nas preguiças extintas, a borda ante-rior da boca � que nos mamíferos é a região onde es-tão os dentes incisivos � era desprovida de dentes.A esse respeito, M. darwini tinha uma peculiarida-de: a porção anterior de sua boca era mais alongadado que a das demais espécies, por ter perdido oprimeiro dos dentes ao longo de sua história evo-lutiva. Nas narinas, em vez de cartilagem tinha umaponte óssea larga e robusta que ia do alto de suaampla abertura até o lábio superior.
Mylodonopsis ibseni é uma espécie só conhecidano Brasil, muito próxima de M. darwini. Além dotamanho semelhante, apresentava osteodermos earco ósseo na frente do crânio. Mas não lhe faltavao primeiro dente superior, embora este fosse bematrofiado. É como se a espécie brasileira permane-cesse no estágio primitivo pelo qual M. darwinipassara.
Entre os glossotérios, diversas espécies distri-buíam-se pela Argentina, pelo Uruguai, Chile, Pa-raguai e Bolívia (Glossotherium robustum e Glosso-
therium lettsomi), pelo Equador (Glossotheriumwegneri) e pelos Estados Unidos (Glossotheriumharlani). O crânio era mais curto e alto que o deMylodon, o focinho mais largo e o corpo mais robus-
Relíquia dentro da gruta
Dos muitos esqueletos de Nothrotherium maquinense identificados
no Brasil, merece destaque o que encontrei certa vez no interior de
uma gruta. Nem era preciso escavar, pois os ossos estavam soltos na
superfície. Ao chegar à parte posterior do esqueleto, percebi que a
bacia e os fêmures estavam fixados aos sedimentos. Para não danifi-
cá-los, abri uma pequena vala, tentando chegar de baixo para cima
aos ossos enterrados. Avancei com cuidado, pois o sedimento feliz-
mente não estava compactado. Ossinhos insignificantes começaram
a cair na palma de minha mão, até que uma peça um pouco maior se
desprendeu. Antes de vê-la, reconheci-a imediatamente pelo tato. Na
minha mão estava uma pequena tíbia, o osso da canela. A sorte
permitia-me recuperar o feto mais perfeito de um mamífero extinto
até hoje encontrado. Consegui extraí-lo quase completo e ainda com
a maior parte dos delicadíssimos ossos, com consistência de iso-
por, não só completos mas articulados em posição fetal. Depois disso
e de um cuidadoso trabalho de extração, limpeza e endurecimento,
poderemos fazer um impensável estudo embriológico de animal ex-
tinto. Prenhe, a mãe foi arrastada pelas águas para o interior da gruta.
Milagrosamente, fossilizaram-se mãe e feto.
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PALEONTOLOGIA
to. No Brasil ocorreram as duas primeiras espéciescitadas: G. robustum, no Rio Grande do Sul, e G.lettsomi, na Bahia. Ao que parece, ambas proce-diam de regiões temperadas e, diante da queda datemperatura nos territórios de origem, há aproxi-madamente 12 mil anos, ter-se-iam refugiado emambiente menos agressivo como o do Brasil inter-tropical. A descoberta de G. lettsomi no Brasil é degrande importância porque introduz um dado no-vo: no crânio da espécie há diferenças que permi-tem diferenciar machos e fêmeas. Outras espéciespoderiam apresentar tal dimorfismo sexual, permi-tindo a conclusão equivocada de que se estaria dian-te de espécies distintas e não da mesma espécie.
Na família dos milodontídeos há ainda as espé-cies da subfamília Scelidotheriinae. Durante suafamosa viagem, Darwin encontrou o primeiro des-ses animais, na Argentina, que foi denominadoScelidotherium magnum. Era um animal esguio emagro. Os dentes, de contorno variado, foramtriangulares ou ovais, e o crânio, alongado, seguiao parâmetro geral do corpo. Peças isoladas daespécie já foram encontradas no Rio Grande doSul.
Milodontídeos brasi le iros
No tocante às espécies brasileiras, os milodontídeosprovocam controvérsias. O que fazer quando seencontram fósseis que aparentemente pertencem auma espécie desconhecida mas são insuficientespara um amplo conhecimento: aguardar o surgimentode mais material ou dar a conhecer o que se tem? Ese surgirem sucessivamente peças que não permi-tem interligações, como, por exemplo, um dente,uma vértebra e uma peça da mão? Foi o que aconte-ceu com Catonyx cuvieri, espécie menor que G.lettsomi. Além de terem aparecido numerosas peçasisoladas, que recebiam denominações à medida queiam sendo descobertas, pesquisadores que não tive-ram contato direto com elas emitiam suas opiniões.Conclusão: a espécie chegou a receber 40 nomesdiferentes.
Duas outras espécies também participam da ba-rafunda. Em 1864 o pesquisador Gervais encontrounas coleções do Museu de História Natural de Pariso calcâneo (osso do pé) de uma preguiça extintaenviado do Brasil àquela instituição. Como diferiade outros que se conheciam, Gervais determinouuma nova espécie, a que chamou Valgipes deformis,introduzindo no nome a raridade que a peça apre-sentava. E assim permaneceu durante 130 anos:uma espécie que se conhecia a partir de um únicoosso que se pensava disforme.
Mas a confusão não pára por aí. Herluff Winge,
A caverna do milodonte
A gruta de Buena Esperanza, no sul do Chile, que se tornou famosa
como ‘caverna del milodonte’, foi palco de uma série de equívocos.
A história começa no século 19 na Prússia. O soldado Eberhardt,
cansado do serviço militar, decidiu radicalizar, desertando. Tempos
depois a polícia de seu país capturou-o na China. Devolvido à
Alemanha, foi julgado e condenado a longos anos de prisão. Seguin-
do um roteiro tipicamente germânico, o tribunal que o condenou
fora presidido por um coronel do exército que, coincidentemente,
era seu pai. Indultado, deixou a pátria anos depois, indo viver nas
terras geladas do sul do Chile, onde se tornou criador de ovelhas.
Em sua propriedade, abria-se uma gruta na qual acabou pene-
trando em 1895. Semi-enterrada, Eberhardt encontrou uma pele de
pelagem ruiva cuja face interna continha grande quantidade de
pequenos ossos esbranquiçados. Pensou tratar-se da pele de um
animal marinho e, como estava recoberta de sal, estendeu-a em um
galho de árvore para que a chuva a lavasse.
Pouco tempo depois passou pela região o paleontólogo Francis-
co Moreno (1852-1919), então diretor do Museu de La Plata, na
Argentina. Ele nada encontrou dentro da gruta, mas recebeu de
presente o que restara da pele ainda desfraldada ao vento. Moreno
ficou perplexo com a excepcional preservação do material. Sabia
que algumas preguiças extintas tiveram, na intimidade da pele,
pequenos ossos, denominados osteodermos, que eram reminiscên-
cias da antiga carapaça de seus ancestrais. Transferido para La
Plata, o achado ficou durante algum tempo encaixotado em um dos
corredores do museu.
Mais tarde, a caverna foi visitada por arqueólogos que fizeram
escavações e coletaram utensílios humanos, ossos, fragmentos de
pele e fezes fossilizadas de Mylodon. Afoitamente, concluíram que
antigos moradores viveram no local, tiveram rebanhos de milodontes
e, à maneira do que fazia Eberhardt com suas ovelhas, usavam a
gruta como estábulo. Essa fantasiosa hipótese foi posteriormente
considerada falsa.
A caixa depositada no corredor do Museu de La Plata não ficou
incólume. Consta que, no silêncio sem testemunhas da noite, um
desafeto de Moreno, o célebre antropólogo e paleontólogo argenti-
no Florentino Ameghino (1854-1911), teria examinado a pele, che-
gando à conclusão de que pertencera a uma preguiça. Mas a peça
estava tão bem conservada que ele concluiu que o animal era
recente e poderia ser encontrado naquelas desérticas paragens
chilenas. Adiantando-se ao adversário, convocou os jornalistas para
anunciar o sensacional achado de uma preguiça terrícola que se
pensava extinta. Não foi fácil para Ameghino desconversar ao perce-
ber que a excepcional preservação da pele se devia especialmente
ao ambiente da gruta e ao clima frio da região do achado. Os gênios
também cometem erros grotescos.
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PALEONTOLOGIA
Sugestõespara leitura:
CARTELLE, C.Tempo passado- Mamíferos doPleistoceno emMinas Gerais.Belo
Horizonte,Palco, 1994,132 p.
PAULA COUTO, C.de. Tratado depaleomastozoologia.Rio de Janeiro,Academia
Brasileira deCiências, 1977,590 p.
PAULA COUTO, C.de. Memóriassobre apaleontologiabrasileira. Riode Janeiro,
InstitutoNacional doLivro, 1950,592 p.
paleontólogo dinamarquês que estudou o mate-rial enviado por Lund do Brasil à Dinamarca, pu-blicou um trabalho sobre uma espécie de pregui-ça cujo crânio era muito semelhante ao de C.cuvieri, a espécie com hiperinflação de nomes.Como o resto do esqueleto era bastante diferente,denominou-a Catonyx giganteus. Até que outroautor resolveu corrigir Winge. Na sua opinião,este errara ao colocar na mesma espécie um crâ-nio que seria de C. cuvieri e o restante do esquele-to que sequer pertenceria ao grupo. E assim surgiuOcnopus gracilis, mais um nome para identificaro esqueleto.
Recentemente encontramos dois esqueletos nosalão de uma gruta. Esbranquiçados, destacaram-seno chão escuro quando a luz incidiu sobre eles.Visão maravilhosa! Há 12 mil anos a própria nature-za tinha preparado a solução para tantas incertezas.Um esqueleto era de C. cuvieri, a espécie de tantosnomes; o outro acabou com a balbúrdia. Nele reco-nhecemos o crânio de C. giganteus, o esqueleto de O.gracilis e o solitário calcâneo de V. deformis. Trêsespécies em uma. E como há regras previstas paraesses casos, finalmente deverá denominar-seValgipes gracilis.
Os megaloniquídeos
A terceira família com representantes brasileiros éuma das mais primitivas entre as preguiças terrícolas,a dos megaloniquídeos. No Brasil, ocorrem duasespécies. De uma só se conhece o crânio, o qual,pensava-se, podia completar o esqueleto de O.gracilis. Mas hoje já se sabe que é uma espéciediferente, denominada Iporangabradys colecti. Oresto de seu esqueleto, no entanto, ainda não éconhecido.
A outra espécie é Nothrotherium maquinense,que Peter Lund encontrou em sua primeira escava-ção na Gruta de Maquiné. Do tamanho de umaovelha de 50 kg aproximadamente, tinha cincodedos nas mãos e nos pés (fato raro entre as pregui-ças, que em geral tinham reduzido número de de-dos) e apenas 14 dentes (oito superiores). Trata-sede um animal emblemático da paleontologia brasi-leira por ter sido o primeiro achado fóssil de Lund.Já foram encontrados até agora mais de 20 indiví-duos dessa espécie, alguns deles quase perfeitos(ver �Relíquia dentro da gruta�).
Das 13 espécies de preguiças terrícolas que seconhecem no Brasil, nove viveram no cerrado. Elasnão poderiam competir pelo mesmo alimento, de-vendo ter tido diferentes especializações. Isso évisível nos fósseis, sendo possível fazer uma es-quematização geral. Não sabemos se havia espécies
noturnas. Se houvesse, estariam automaticamenteexcluídas da competição direta com as diurnas. Osdiversos tamanhos que assinalamos respondiampor diferenças notáveis na escolha de alimentos.Percebe-se ainda que algumas espécies (Nothro-therium, por exemplo) tinham mãos e pés que lhespermitiam subir em árvores. O formato anterior daboca é também outro elemento de diversificação: hábocas largas (Ocnotherium), afiladas (Mylodonopsis)e intermediárias (Glossotherium). Pode-se deduzir,por comparação com espécies herbívoras atuais,que a boca larga fazia com que o animal fosse umherbívoro generalista: abocanhava o alimento semselecioná-lo, ao contrário do que faz um animal defocinho alongado e estreito, que �pinça� exatamenteo que lhe interessa.
Observam-se adaptações também nos dentes.Tanto na forma como na superfície de mastigação(face oclusal), há padrões muito variados: denteseficientes para picotar, esmagar ou arrancar raízes etubérculos, por exemplo. As superfícies têm arestascortantes ou degraus lisos, irregulares e até formatode talhadeira. Tais especializações mostram quehouve grande diversidade de hábitos alimentaresentre esses animais, que, embora dividissem o mes-mo território, não deviam competir diretamentepelo mesmo tipo de alimento. ■
Mão direitade Nothrotheriummaquinense(comprimentomáximo: 18 cm)