por Felippe Hermes, graduando em Economia pela Universidade Federal do Cear (UFC) e Roberto Ellery, diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Braslia (UNB)A situao delicada que vive o pasparece ter refletido finalmente em um dos principais braos do governo, responsvel pela execuo das polticas que nos levaram crise. O BNDES encontra-se sobre questionamentos constantes por parte da imprensa e agora do prprio parlamento, que designou uma CPI para apurar acusaes contra o banco.Por conta disso, voltamos a repetir o que fizemos desde o incio de nossa publicao, quando compilamosuma lista inditasobre a atuao do banco no financiamento de obras no exterior lido por mais de 1 milho de pessoas desde ento. Fornecemos todas as informaes com o maior grau de transparncia possvel. A oposio utilizou nossa publicaopara convocaroMinistro do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior para prestar esclarecimentos. De l para c, o banco enfrentou e perdeu batalhas na justia que o obrigaram a fornecer todos os dados sobre emprstimos no Brasil e no exterior.Quando fizemos nossa compilao, reunimos os valores por meio de mais de 40 fontes distintas informaes que hoje, graas ao Tribunal de Contas da Unio, encontram-se disposio. Outro fato que parece ter mudado no banco sua comunicao com o pblico. Desde que tornou-se alvo de crticas e questionamentos, a instituio tem intensificado sua atuao online.H poucos dias,publicamosa matria7 razes pelas quais o BNDES pode se tornar o maior escndalo da histria.No demorou muito para o bancolanar uma notaque o questionasse. Em sua nota, o BNDES no nega os valores comparados por nossa publicao(de desembolsos e do Bolsa Famlia), no nega que o banco conceda subsdios a empresas privadas, no nega que financia obras no exterior, no nega que tenha realizado as operaes que citamos, no nega a ausncia de membros do setor privado no conselho apontado, no nega que seja dono de 24% do capital da JBS e no nega que o tesouro tenha aportado R$ 450 bilhes no banco, o equivalente a 15% da dvida do pas. Sem negar nenhum dos pontos levantados por nossa matria, a instituiobusca nosconfrontarpor meio de um pedido para que analisemos custos e benefcios. o que fazemos abaixo, comentando cada um dos itens citados pela instituio e o que convenientemente foi omitido.1. NO POSSVEL COMPARAR O ORAMENTO DO BOLSA FAMLIA E OS DESEMBOLSOS DO BNDES.

A estranheza do banco com a comparao de fato inusitada. Tratamos aqui de um ambiente em que impera um princpio de restrio oramentria portanto, evidente que ambas as questes esto de forma direta ou indireta interligadas. Em outras palavras: a escolha do governo em aportar recursos no BNDES significa uma ausncia de recursos que poderiam ser destinados para ampliar o Bolsa Famlia. Em suma, o terceiro maior banco do pas parece ignorar o mais bsico dos princpios da economia a escassez.No foi por este motivo, porm, que escolhemos compar-lo ao Bolsa Famlia. Como parece ter passado desapercebido para o banco, nossa maior preocupao trata-se justamente da excessiva e crescente concentrao de emprstimos para empresas de grande porte.No ltimo anomais de 65%dos emprstimos do BNDES foramdestinados a empresascom faturamento deR$ 300 milhes.O BNDES no um banco comum, daqueles que captam recursos e emprestam estes valores por taxas maiores. O BNDES recebe recursos de 2 fontes: a primeira (e mais conhecida) so os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, um confisco na renda de todos os trabalhadores. A segunda (e mais expressiva) cabem aos recursos colocados no banco pelo Governo Federal.

Como citamos, entre 2008 e 2014o governo aportouno bancoR$ 450 bilhes. Para conseguir este dinheiro, o governo paga juros iguais taxa Selic, de 14,25%. O banco, por sua vez, pega estes recursos emprestados do governo pagando juros iguais TJLP (6,5% ao ano) e empresta a juros iguais TJLP (6,5%) + 1%, alegando assim que possui lucro de intermediao financeira. A diferena entre aquilo que o governo pagae o que o banco desembolsa paga por toda a populao por meio de impostos. Comoj mencionamos aqui, os mais pobres, que sustentam o BNDES via impostos e parte dos seus salrios, so responsveis por mais da metade da arrecadao tributria do pas, pagando proporcionalmente 48,9% da sua renda em tributos, contra 26,3% da parcela mais rica, aquela que recebe os subsdios do BNDES. Trata-se portanto de um Robin Hood s avessas: tira dos pobres para dar aos ricos.No faz sentido, portanto, falar emlucrooubaixas taxas de inadimplncia. Ainda que todos os tomadores de emprstimos paguem em dia seus emprstimos, o banco causar prejuzo aos trabalhadores e ao governo. Ainda segundo o BNDES, 30% de seus recursos possuem origem nesta modalidade de emprstimos os outros 70% so recursos de emprstimos pagos, que na origem tambm foram feitos com dinheiro do Governo Federal.O lucro que deveria preocupar o BNDES, porm, outro: trata-se do lucro da Petrobras, que no ltimo trimestre caiu 89%. A empresa, que jcausou prejuzodeR$ 2,6 bilhesao banco (cerca de 80% do lucro anunciado no trimestre) e conta com participao direta do banco no seu capital (10,1% das aes ordinrias e 26,82% das aes preferenciais), possui ainda dvidas quesegundo a economista Paula Barbosa, da UFRJ, ultrapassam osR$ 42 bilhes.2. O BANCO FINANCIA AS OPERAES NO EXTERIOR DE FORMA TRANSPARENTE.

A ampliao da transparncia nas operaes um fator importante conquistado pela populao, mas o banco, como se sabe, tem papel negativo nesta conquista. Durante anos o Tribunal de Contas da Unio recebeu negativas para esclarecimentos de operaes do BNDES, a ponto de ter de recorrer ao Superior Tribunal Federal para obter o direito de acesso. O processo de transparncia do qual o banco agora se orgulha reporta a junho de 2015, quando os contratos foram divulgados.A instalao de uma CPI representa um papel importante neste aspecto, pois garantir o esclarecimento de outras questes omitidas pela instituio, como o carter das escolhas de quais obras e pases sero financiados. Durante o ms de maro, como citamos, nosso artigo sobre algumas das maiores obras financiadas pelo banco no exteriorserviu de basepara a convocao do Ministro do Desenvolvimento, Industria e Comrcio na Comisso de Controle Financeiro da Cmara. Esperamos que a CPI cumpra seu papel de levar o banco a adotar prticas mais transparentes.Outro aspecto que dever ser explicado pelo BNDESdiz respeito a um tema quelevantamos anteriormente,o fato de que70% dos financiamentos a exportaes de serviosdestinam-se a uma nica empresa, a OdebrechtA disputa entre o TCU e o banco para garantir acesso aos dados voc confereaqui,aquieaqui,sobre a mudana de postura do banco quando, na impossibilidade de negar, passou a disponibilizar os dados com maior clareza.3. DEVEMOS PESAR OS GANHOS PROPORCIONADOS PELO BANCO.

O banco sugere que olhemos os dois lados custos e benefcios da poltica de subsidiar o setor privado (tendo em vista que sequer h negao de que existe de fato subsdio). Talvez no tenha ficado claro para alguns, mas trata-se exatamente disto que estamos fazendo, ao disponibilizar informaes sobre o lado que convenientemente no citado: o dos custos desta poltica.O BNDES, como j foi dito aqui,sustenta-se por meio do sacrifcio de parte da renda de todos os trabalhadores do pas. natural que deixe claro, portanto, o custo exato disso para que a populao possa medir se a atitude definanciara exportao de servios das nossas grandes empreiteiras algo mais benfico do que aquela parte do nosso salrio destinada ao FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhador. O que parece natural, porm, no corresponde postura do banco. Durante anos, o Tesouro sequer reportou os custos desta poltica. Foi apenas em2014 que se pode descobrir que, enquanto o banco anunciava um lucro de R$ 8,5 bilhes, tambm reportavaprejuzos de R$ 23 bilhesem um spread negativo (prejuzos contabilizados no balano do Tesouro e que portanto no so contabilizados pelo banco).A ideia de que os benefcios gerados pelo BNDESanulam os custos, na medida em que geram impostos ou dividendos, uma meia verdade. Pois na conta utilizada pelo banco, que alega gerar milhes de empregos e impostos, no h uma comparao com os efeitos que os recursos teriam se fossem mantidos na sociedade. Em outras palavras: o banco no calcula o que a sociedade faria com os recursos se estes deixassem de ser confiscados pelo governo e fossem direcionados ao banco para que ele ento direcionasse da forma como bem entender, para as empresas.Alguma vez j ocorreu ao BNDESque o trabalhador possa preferir ter parte do seu salrio para bancar melhores condies de educao, sade ou lazer sua famlia no lugar de financiar a aquisio de avies por empresas americanas?Ou este direito de escolha simplesmente no faz parte da equao? Para tentar se justificar, o BNDES alega que as operaes renderam lucro. O estudo do banco que constata isto foi feito em resposta aeste estudo, que aponta prejuzos de R$ 26,19 por ano para cadatrabalhador com carteira assinada no Brasil, totalizando R$ 1,1 bilho em perdas anuais. Em resumo o banco lucra, o Fundo de Amparo ao Trabalhador perde.Apenas em 2015, no entanto, o governo decidiu seguir a sugesto do prprio banco e pesar prs e contras. Foi nesta ocasio que o Ministrio da Fazenda apontou emum estudoque tal poltica geraria um custo de R$ 184 bilhes aos pagadores de impostos. Por conta disso, depois de pesar ambos os lados, o Ministrio da Fazenda definiu que no mais manteria a poltica de expandir o crdito por meio de dvida pblica. Em suma, parecem ter concordo com nosso ponto.4. O BANCO GERA MILHES DE EMPREGOS.

O ponto 4 no possui qualquer ligao com o que dissemos em nossa matria; trata-se de uma completa inverso. Em momento algum dissemos que o banco no gera empregos dissemos que parte das operaes, como a que citamos, da aquisio da Pilgrims pela JBS, no resultam em empregos gerados.Operaes de fuses e aquisies, via de regra, terminam por reduzir a criao de empregos tendo em vista que funes duplas, em geral funes administrativas, so eliminadas. O caso citado aqui porm ainda mais grave do que a simples fuso de duas companhias brasileiras: trata-se do uso de dinheiro do banco para financiar a aquisio de empresas no exterior.A aquisio da Pilgrims Pride pela JBS possuiu o Bndespar como subscritor das debentures utilizadas para financiar a operao. Como o prprio bancoafirma aqui, houve um compromisso de aquisio de at 100% de tais debentures que totalizam US$ 2 bilhes. Tambm no setor de frigorficos, o banco aportou R$ 2,5 bilhes paragarantir a aquisioda Keystone Foods por parte da Marfrig.5. NO EXISTE TAL COISA DE CAMPEES NACIONAIS.

O banco parece demasiadamente preocupado com o nome que se d prtica de financiar fuses entre empresas privadas com dinheiro pblico. Se o termocampes nacionaisno agrada, tratemos por poltica de consolidar grandes grupos privados para citar exatamente as palavras do diretor de planejamentos do banco, Joo Carlos Ferraz,em reportagem da Exame.A preocupao com o nome possivelmente tenha relao com a ideia de que as pessoas acreditem que existe premeditao na gerao de oligoplios (quando o mercado passa a ser dominado por poucas empresas). Mais preocupante do que aquilo que o nome possa dizer, porm, deveriam ser as atitudes. O banco aponta que seu brao de investimentos investe em 23 setores distintos,sem mencionarentretanto que uma parcela de89% deles concentra-se em 5 setores, onde esto as empresas que citamos.Para o banco no houve inteno deliberada de criar concentrao de mercado, isto apenas aconteceu. Citamos aqui que o banco participou com emprstimos e aquisies de participao acionria das fuses entreTelemar-Brasil Telecom(comR$ 2,56 bilhes), entreJBS, Bertin e Friboi(comR$ 10 bilhes),Aracruz e Votorantim Celulose(R$ 1,18 bilhes),Sadia e Perdigo(R$ 1,15 bilhes), alm de ter financiado o crescimento de empresas como a Totvs da rea de software,LBRda rea de lacticnios, alm de ter sido entusiasta no apoio aogrupo Xde Eike Batista, que consumiuR$ 10,4 bilhesem emprstimos e participaes.Quanto questo de terem sido investimentos bem sucedidos, acreditamos que a desvalorizao da carteira, queem 2010atingiu R$ 102 bilhes ehojeencontra-se em R$ 53 bilhes, deponha em contrrio. Entendemos, porm, que o fracasso retumbante da Petrobras na bolsa tenha impactado o banco a afirmao de que trata-se de uma operao bem sucedida, entretanto, deveria ser dita com maior cautela.Segundoestudo divulgado por O Globo, 70% do consumo no varejo brasileiro feito por aquisio de produtos de apenas 10 marcas distintas. Destas 10 marcas, 6 so multinacionais, 4 so empresas brasileiras.Se analisarmos o perfil das 4 empresas, veremos que o banco patrocinou fuses e aquisies de todas elas duas inclusive citadas aqui (JBS e BRF).6) NO H MEMBROS DO SETOR PRIVADO NO CONSELHO DE FATO.

Dissemos aqui que, pela primeira vez, o banco no dispem de nenhum representante do setor privado, limitando-se a possuir burocratas e sindicalistas em seu conselho. E exatamente isso que disse o BNDESem sua nota de resposta.O que nos preocupa, entretanto, o fato da informao mais relevante que mencionamos ter sido sumariamente ignorada: obanco possui em seu conselho um representante dos trabalhadores que em certaocasio declarou em pleno Palcio do Planalto que pegaria em armas para defender o governo caso fosse instaurado um processo constitucional de impeachment.Evidente que, para prevalecer a tica e o bom senso que permeiam o BNDESdesde sua fundao, tal fato no passar batido na prxima reunio do conselho. Aguardamos portanto.7. O BANCO NO FINANCIA APENAS EMPRESAS DOADORAS DE CAMPANHA.

A afirmao que fizemos refere-se ao fato de que o banco possuiparticipao acionriarelevante (1/5 do capital, chegado a 1/3 quando somamos a participao hoje detida pela Caixa Econmica Federal), na maior doadora de campanhas do pas, a JBS.No afirmamos em momento algum que o banco apenas realiza investimentos em empresas doadoras de campanha.Trata-se, porm, no apenas de um investimento comum do banco, mas de uma empresa coligada (aquelas em que mais de 20% do capital pertencem ao banco). Segundo o balano da prpria BNDESpar, o banco possui apenas 6 coligadas. No faz sentido, portanto, apontar que a empresa mais uma dentre as 277 mil empresas financiadas pelo banco. Trata-se de 1 em 6 nas quais o banco possui,segundo sua prpria definio, influncia significativa, seja ela de fato exercida ou no.Para ficar claro: sabemos que a AMBEV uma das maiores doadoras de campanha do pas e que o banco possui participao na empresa. No afirmamos nada a respeito, pois no h qualquer relao do banco com os rumos da empresa., portanto, um absurdo dizer que uma empresa que corresponde por mais de 20% da carteira de investimentos do banco seja to relevante quanto uma padaria que utiliza o carto BNDES para comprar uma mquina.O BNDESafirmaque a existncia de um banco de fomento se justifica por financiar operaes s quais o mercado no financiaria.Vindo de uma instituio cujo principal carto de visitas um frigorfico, de fato inexplicvel.Seria o caso de se questionaro que h de errado com um pas onde o mercado no veja interesse em financiar 80% das 500 maiores empresas do pas.De todo modo, consideramos incompreensvel que, em um momento ondeo governo anuncia cortes em todos os setores, com peso maior na educao (que teve seu oramento reduzido em R$ 11 bilhes), o BNDES mantenha posies como osR$ 8 bilhesem um frigorfico. Mais uma vez, essa conta ser repassada para a populao sem que o governo faa qualquersacrifcio. At quando?A pergunta que fica : noh a mnima possibilidade do BNDES atuar em prol da populao que hoje banca a conta do ajuste fiscal? Aguardamos uma resposta. Se que ela existe.