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1 Carros de Combate na Selva: Utilização de VBCCCs no Teatro de Operações da Amazônia Autores: Júlio César Guedes Antunes 1 Camila Rocha Lopes 2 Giovani Moutinho 3 Igor Alberte Rodrigues Eleutério 4 Marina Martins Teixeira 5 Luciano Henrique Silva Oliva 6 O presente artigo tem por objetivo discutir o emprego de carros de combate em ambiente de selva pelo Exército Brasileiro no Teatro de Operações da Amazônia. Partindo dos princípios doutrinários já existentes, sugere-se que o uso de VBCCCs em cenário de selva pode extrapolar aquele previsto nos manuais brasileiros de emprego de cavalaria, visto que conflitos passados demonstraram tais possibilidades. Foram utilizados como fontes documentos produzidos pelo governo, obras de autoria de especialistas militares e civis, além de matérias jornalísticas nacionais e estrangeiras. Como metodologia optou-se por recontar as origens da cavalaria no Brasil e as missões dos carros de combate, partindo em seguida para uma análise do terreno no Teatro de Operações da Amazônia. Por fim, foi feito um apanhado histórico do uso de carros de combate na selva em conflitos passados. Concluiu-se que as VBCCCs tiveram uso extensivo nesses cenários, extrapolando a doutrina militar vigente na época e tornando-se peças-chave para a obtenção da vitória na selva. Palavras-chave: Carros de Combate, Teatro de Operações da Amazônia, Guerra na Selva. 1. Carros de combate no Brasil Desde a antiguidade o combatente sempre buscou uma maneira de lutar em posição favorável. Geralmente, estar em uma plataforma mais alta confere ao combatente uma vantagem sobre seus inimigos, e desde que foi domesticado, o cavalo provou-se a mais versátil dessas plataformas. Durante milênios o soldado montado seja a cavalo, elefante, camelo e outros animais participou de forma decisiva dos conflitos armados. O desenvolvimento desta arma levou à sua progressiva especialização: a chamada “cavalaria” 1 Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) – Campus Montes Claros. 2 Acadêmica do 5º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros. 3 Acadêmico do 5º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros. 4 Acadêmico do 5º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros. 5 Acadêmica do 7º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros. 6 Acadêmico do 7º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.

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Carros de Combate na Selva: Utilização de VBCCCs no Teatro de

Operações da Amazônia

Autores:

Júlio César Guedes Antunes1

Camila Rocha Lopes2

Giovani Moutinho3

Igor Alberte Rodrigues Eleutério4

Marina Martins Teixeira5

Luciano Henrique Silva Oliva6

O presente artigo tem por objetivo discutir o emprego de carros de combate em ambiente de

selva pelo Exército Brasileiro no Teatro de Operações da Amazônia. Partindo dos princípios

doutrinários já existentes, sugere-se que o uso de VBCCCs em cenário de selva pode

extrapolar aquele previsto nos manuais brasileiros de emprego de cavalaria, visto que

conflitos passados demonstraram tais possibilidades. Foram utilizados como fontes

documentos produzidos pelo governo, obras de autoria de especialistas militares e civis, além

de matérias jornalísticas nacionais e estrangeiras. Como metodologia optou-se por recontar as

origens da cavalaria no Brasil e as missões dos carros de combate, partindo em seguida para

uma análise do terreno no Teatro de Operações da Amazônia. Por fim, foi feito um apanhado

histórico do uso de carros de combate na selva em conflitos passados. Concluiu-se que as

VBCCCs tiveram uso extensivo nesses cenários, extrapolando a doutrina militar vigente na

época e tornando-se peças-chave para a obtenção da vitória na selva.

Palavras-chave: Carros de Combate, Teatro de Operações da Amazônia, Guerra na Selva.

1. Carros de combate no Brasil

Desde a antiguidade o combatente sempre buscou uma maneira de lutar em posição

favorável. Geralmente, estar em uma plataforma mais alta confere ao combatente uma

vantagem sobre seus inimigos, e desde que foi domesticado, o cavalo provou-se a mais

versátil dessas plataformas. Durante milênios o soldado montado – seja a cavalo, elefante,

camelo e outros animais – participou de forma decisiva dos conflitos armados. O

desenvolvimento desta arma levou à sua progressiva especialização: a chamada “cavalaria”

1 Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor do Instituto

Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) – Campus Montes Claros. 2 Acadêmica do 5º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.

3 Acadêmico do 5º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.

4 Acadêmico do 5º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.

5 Acadêmica do 7º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.

6 Acadêmico do 7º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.

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ganhou divisões entre pesada (hussardos), ligeira (lanceiros, caçadores e carabineiros) e

pesada com capacidade de combate a pé (dragões).

À cavalaria pesada cabia o papel do choque, do primeiro contato com a formação

inimiga, que quebra-lhe o ímpeto e o coloca em desorganização; a cavalaria ligeira deve fazer

reconhecimento e explorar o sucesso da cavalaria pesada; já os dragões têm a versatilidade de

modificar sua forma de ataque quando a situação assim requer.

A cavalaria no Brasil nasceu pouco tempo depois do descobrimento pelos portugueses

em 1500, embora a ausência de cavalos na fauna nativa das Américas tenha ocasionado um

desenvolvimento lento da arma. Sua origem pode ser atrelada ao regimento entregue ao

governador Tomé de Souza em janeiro de 1549, que determinava a criação de uma milícia

colonial (BRASIL, 1999) predominantemente de infantaria, visto que os poucos cavalos

importados da Europa se encontravam nas mãos dos senhores de engenho. Todavia, um grupo

de milicianos a cavalo participou da Batalha de Porto Grande em 26 de maio de 1555, quando

colonos baianos dispersaram índios que atacaram um engenho na região. No século seguinte,

as capitanias do Nordeste já contavam com companhias de cavalaria de milícias, muitas das

quais participaram da Restauração de Pernambuco, derrotando de vez as forças holandesas

invasoras. Um esquadrão de cavalaria sob o comando do Capitão Antônio Silva participou da

1ª Batalha de Guararapes em 19 de abril de 1648, e no ano seguinte, duas companhias de

cavalaria tomaram parte na 2ª Batalha de Guararapes em 19 de fevereiro de 1649.

No século XVIII foram criados os primeiros corpos de cavalaria regular e auxiliar, em

sua maioria de dragões, sendo Minas Gerais a capitania pioneira neste ato, em 1712. As

unidades de cavalaria no sul do Brasil participam ativamente dos diversos combates contra

espanhóis para a consolidação das nossas fronteiras, em especial no Rio Grande do Sul. Com

a instalação da Corte Portuguesa no Brasil em 1808 as unidades de cavalaria foram

reorganizadas em regimentos e sofrem vasta ampliação, atuando sob comando do Imperador

Pedro I durante a Guerra de Independência em 1822. Em 1865, na Guerra do Paraguai, a

cavalaria brasileira teve seu maior teste de fogo em toda a história: liderados pelo Marechal

Manoel Luís Osório (Marquês de Herval) e o General Joaquim de Andrade Alves (Barão do

Triunfo), os cavalarianos brasileiros tiveram papel fundamental na vitória nas batalhas de

Tuiutí, Avaí, Lomas Valentinas, Campo Grande, e outras, colaborando de forma decisiva para

a derrota paraguaia na guerra.

Nas últimas décadas do século XIX, com o desenvolvimento das metralhadoras e

obuseiros de grosso calibre, a cavalaria tradicional foi inadvertidamente ultrapassada pelo

novo contexto criado para a guerra: as técnicas não acompanharam a rápida evolução dos

meios bélicos. O trágico resultado pôde ser observado nos primeiros meses de combate na

Primeira Guerra Mundial. A ofensiva alemã contra Paris no outono de 1914 foi parada no rio

Marne por uma determinada linha defensiva anglo-francesa, cujo extensivo fogo de

metralhadora e granadas de morteiro fizeram parar o inimigo. O que se seguiu foi um

gigantesco impasse, no qual os dois lados cavaram trincheiras para esquivar-se da constante

chuva de projéteis, resultando em ataques cada vez mais custosos em vidas humanas e de

animais – a cavalaria tradicional encontrara seu limite.

Divisando um aparato que pudesse quebrar o impasse na guerra e vencer obstáculos

como trincheiras e ninhos de metralhadora – abrindo caminho para a infantaria – o Alto-

Comando britânico autorizou em 1915 o desenvolvimento de um veículo blindado sobre

lagartas que pudesse transpor uma trincheira de 1,5 metro. O mesmo deveria resistir ao fogo

de metralhadora e possuir armamento ofensivo para destruir posições fortificadas inimigas. O

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resultado foi o Mark I, que entrou em combate na Batalha do Somme em setembro de 1916.

Embora lentos e sujeitos a problemas mecânicos, os novos “carros de combate”7 rapidamente

cumpriram seu propósito desejado, rompendo linhas defensivas alemãs antes consideradas

intransponíveis pela infantaria.

Neste contexto, após o afundamento de diversos de seus navios por submarinos

alemães, o Brasil declarou guerra às Potências Centrais8 em 26 de outubro de 1917. Como

primeira medida, o governo enviou à França uma missão militar liderada pelo General

Napoleão Aché em fevereiro de 1918. Tal missão era composta por oficiais e sargentos do

Exército, e deveria travar conhecimento com os modernos meios de guerra empregados na

frente de batalha. Entre esses oficiais estava o Tenente José Pessoa Cavalcanti de

Albuquerque, oficial de cavalaria, enviado para um estágio na Academia Militar de Saint-Cyr.

Logo após concluir o estágio, José Pessoa foi rapidamente integrado às fileiras do 4º

Regimento de Dragões do Exército Francês, unidade que havia sofrido 80% de baixas em

combate no fim de abril. O jovem oficial então se tornou o primeiro brasileiro a travar contato

com os modernos carros de combate ao receber o comando de um pelotão de VBC9 Renault

FT17. José Pessoa combateu nas ofensivas francesas dos últimos meses da guerra, sendo

elogiado por diversos superiores por seu desempenho e recebendo a promoção a Capitão

(CÂMARA, 2012).

Após a guerra, em 1920, o Brasil adquiriu o primeiro lote de carros de combate

Renault, e José Pessoa se tornou o primeiro comandante de uma unidade de cavalaria blindada

brasileira. Inspirado por sua experiência na França, ele manifestou que tipo de arma de

cavalaria queria criar para o Brasil:

“A meu ver, os nossos carros só darão rendimento igual aos que tem dado nos

países do velho mundo, onde lhes é dispensado o apreço que lhes é devido,

em face da experiência da última guerra, quando pudermos contar com

homens em seu serviço por 2 ou mais anos, quando não lhes forem

destinados, no momento da incorporação, homens manifestadamente fracos,

mas tão somente indivíduos fortes e, finalmente, quando a escolha destes

recair, de regra, em eletricistas, motoristas, mecânicos, etc., e não em

comerciantes, lavradores, estudantes, etc., como aconteceu desta feita”

(BASTOS, 2001).

Em 1938 foram adquiridos os carros de combate leve italianos Ansaldo CV 33 para

substituir os já idosos Renault, mas a nova revolução da cavalaria blindada brasileira ocorreria

somente em 1942 por meio da entrada do país na Segunda Guerra Mundial. A aliança militar

com os Estados Unidos permitiu o acesso aos novos meios e técnicas de combate blindado em

emprego na guerra. A partir de 1944 chegaram ao país cerca de 500 VBCCC10

M3 Stuart, M3

Grant e M4 Sherman, VBR11

M8 Greyhound e VBTP12

M3 Half Track (BRASIL, 1999).

Além disso, a cavalaria brasileira atuou em combate na Europa com o 1º Esquadrão de

Reconhecimento, unidade que compunha a Força Expedicionária Brasileira.

7 A designação culta utilizada pelo Exército Brasileiro deriva do francês char d’assault (literalmente “carro de

assalto”), termo introduzido no Brasil pela Missão Militar Francesa nos anos 1920. Contudo, a maioria dos países utiliza alguma variação da designação inglesa tank (tanque), termo que também é coloquialmente utilizado no Brasil. 8 Alemanha, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano.

9 Viatura Blindada de Combate.

10 Viatura Blindada de Combate – Carro de Combate

11 Viatura Blindada de Reconhecimento

12 Viatura Blindada de Transporte de Pessoal

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A próxima onda de modernização veio em 1960 com a chegada das VBCCC M-41

Walker Bulldog, seguida da reorganização completa da arma, que passa a ser constituída de

Brigadas, Regimentos e Esquadrões. Na década seguinte o Exército recebeu uma grande

variedade de veículos blindados oriundos da indústria nacional, que chegou a produzir, no

começo dos anos 1980, o protótipo do primeiro MBT13

nacional, o EE-T1 Osório.

Os primeiros MBTs passaram a equipar o Exército Brasileiro em 1997 com a chegada

de 91 M-60A3TTS americanos e de 128 Leopard 1A1 alemães em 1999. Os mais modernos

carros de combate hoje empregados no Brasil são os 250 Leopard 1A5 recebidos da

Alemanha a partir de 2006.

A maioria das unidades de carros de combate do Exército Brasileiro hoje se localiza na

região sul, com destaque para Santa Maria-RS, onde fica localizado o Centro de Instrução de

Blindados. Há também um Regimento de Cavalaria Blindada em Campo Grande-MS

equipado com os M-60 e unidades de cavalaria mecanizada14

espalhadas por todo o território,

sendo uma única localizada na Amazônia: o 12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada em Boa

Vista-RR.

2. Missões dos carros de combate

A cavalaria blindada é uma força concebida em torno dos princípios de mobilidade e

manobra, talhada para obter, manter e explorar a iniciativa nas ações, desempatando assim

uma situação de impasse. Dentro da cavalaria, os carros de combate desempenham o papel

principal, pois são eles os responsáveis pelas rápidas ações de desbordamento ou, quando

essas são inviáveis, pelas ações diretas de choque numa batalha de ruptura, sendo aptos a

romper as posições defensivas do inimigo e causar-lhes pânico.

Carros de combate são geralmente utilizados de forma concentrada para atuação

objetiva e pontual, com vistas à destruição de um objetivo claramente determinado. Para que

sejam usados com sucesso, os carros de combate têm de apresentar as seguintes características

básicas (BRASIL, 1999):

Mobilidade: ser capaz de realizar manobras rápidas e flexíveis em terrenos variados,

bem como usar essa capacidade para obter o elemento surpresa; portanto, deve

deslocar-se com rapidez, entrar e sair de batalha com facilidade, possuir grande raio de

ação e estar apto a superar obstáculos do terreno e clima.

Potência de fogo: possuir armas de grosso e leve calibre, com munição adequada para

a destruição de alvos de diversas naturezas, bem como ser capaz de estocar

internamente uma grande quantidade desta munição. O uso de carros de combate em

conjunto proporciona ao grupo utilizar esse poder de fogo para proteção de seus

flancos ao mesmo tempo em que realizam uma ação ofensiva.

Proteção blindada: possuir couraça blindada que ofereça proteção adequada ao

tripulante e às partes sensíveis do veículo contra o maior conjunto possível de fogos

inimigos, desde armas leves até artilharia de grosso calibre.

13

Main Battle Tank (Tanque Principal de Batalha), designação criada na Guerra Fria para um veículo com motor poderoso, melhor suspensão e blindagem, possibilitando-o carregar poder de fogo de um carro superpesado, proteção de um carro pesado e mobilidade de um carro leve, num pacote com peso de um carro médio. 14

A cavalaria mecanizada é composta de viaturas blindadas leves, geralmente utilizadas para missões de reconhecimento.

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Ação de choque: o veículo deve ser capaz de agir em conjunto, na forma de unidades

concisas, reunindo alto poder de fogo e impacto para sobrepujar o inimigo, de

preferência utilizando-se do elemento surpresa.

Sistema de comunicação amplo e flexível: o carro de combate deve possuir uma

variedade de sistemas de comunicação, tanto internos quanto externos. Internamente, o

ambiente barulhento e restrito dos veículos durante o combate impede que seus

tripulantes possam se comunicar de forma clara utilizando apenas a voz; desta feita,

um intercomunicador é necessário para que haja clareza e harmonia nas comunicações

entre a tripulação. Externamente, devido ao fato de que os carros de combate devem

agir em grupos e também estar em constante contato com o comando na retaguarda,

devem contar com equipamentos de rádio de alta capacidade.

Antes de uma batalha os carros de combate são empregados à frente das demais forças

terrestres para proporcionar segurança ao dispositivo. Durante a ação realizarão manobras

desbordantes e de envolvimento para dispersar e destruir contingentes inimigos

separadamente. Se a manobra não for possível, deverão realizar a ruptura da posição inimiga

por ação de choque e, quando esta for desbaratada, devem perseguir o inimigo e destruí-lo.

Num cenário defensivo, os carros de combate atuam como reserva móvel apta a agir

prontamente para conter avanços inimigos em qualquer setor do dispositivo, com vistas a

sustar seu ímpeto de ataque.

Sendo assim, para cumprir as missões básicas da arma, os carros de combate podem

realizar reconhecimento e vigilância de vastas áreas, realizar segurança cobrindo ou

protegendo as demais forças terrestres, e engajar-se em combate, seja de natureza ofensiva ou

defensiva. Analisaremos a seguir cada uma dessas missões.

2.1 Reconhecimento

A condução de operações militares exige do comandante a sábia utilização de seus

recursos para poupar suas forças e infligir o maior dano possível ao inimigo. Disso depende o

conhecimento prévio do maior número possível de dados sobre as forças inimigas: seu

tamanho, capacidade, posição, deslocamento, etc. E para conseguir tais dados é necessário

realizar ações de reconhecimento.

Embora frequentemente realizada pela cavalaria leve, mecanizada, missões de

reconhecimento podem também ser realizadas por carros de combate caso o comandante

assim julgue prudente. Essas missões têm por objetivo obter informações do inimigo e/ou da

área de operações, e afetam diretamente a formulação de planos de ação.

O reconhecimento pode ser dividido em três categorias: eixo, zona e área. O

reconhecimento de eixo visa à obtenção de informações sobre um determinado eixo (ex:

estrada ou via de aproximação) e terrenos a ele adjacentes; o reconhecimento de zona

prescreve a busca de dados sobre uma zona de operações ao longo de uma faixa de terreno; e

o reconhecimento de área tem por objetivo coletar dados sobre o inimigo e o terreno dentro de

um perímetro específico.

Ao contrário das missões de segurança, no reconhecimento os carros de combate

devem preservar plenamente suas capacidades de manobra, orientando-se pelas posições

inimigas, construções e acidentes de terreno, com o objetivo de conseguir a melhor visão e

obter a maior quantidade de dados sobre as forças contrárias. Todos os dados coletados devem

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ser, o mais rápido possível, transmitidos aos escalões superiores para averiguação e

processamento. Embora o contato com o inimigo deva ser estabelecido o quanto antes – e

nunca rompido voluntariamente sem a devida autorização do comando superior – os carros de

combate devem evitar o engajamento definitivo com o inimigo em missões de

reconhecimento.

Os dados coletados pelos elementos atuantes numa missão de reconhecimento são

prontamente utilizados pelo comandante para tomar decisões de suma importância, como a

pertinência de realizar um ataque direto ou desbordar a força inimiga.

2.2 Segurança

Um dispositivo de combate deve sempre preservar-se da provocação, observação e

ataques-surpresa do inimigo, e para tanto deve detectar ameaças com antecipação e manobrar

com rapidez para evitar armadilhas. Garantir essa capacidade é função das forças de

segurança, geralmente compostas por carros de combate. Tais forças devem ser

suficientemente fortes e apropriadas para garantir o tempo adequado de reação ao grosso da

tropa segurada, reagindo ao inimigo de forma rápida e agressiva quando este é detectado em

ação ofensiva.

As ações de segurança podem se enquadrar em três categorias, dependendo do

objetivo e posicionamento de seus elementos:

Cobertura: os elementos de segurança se posicionam de forma espalhada e distante da

força protegida, sempre com face para o inimigo, de forma a interceptá-lo em seu

curso e retardar seu avanço.

Proteção: os elementos de segurança se posicionam das extremidades imediatas da

força protegida, seja por flanco, frente ou retaguarda, com o objetivo de proteger a

força do fogo direto do inimigo fazendo uso de sua pesada blindagem protetora. É

importante que uma força de proteção opere dentro do alcance de fogos da força

protegida, para que ambas possam, em conjunto, maximizar a potência de fogo de

reação.

Vigilância: os elementos de segurança montam uma série de postos de observação

pela área de operações, procurando detectar a presença do inimigo tão logo ele se

aproxime do perímetro.

Forças de segurança devem proporcionar alerta sobre localização e movimentos do

inimigo que possam constituir ameaça ao seu dispositivo, garantindo prazo e espaço para que

a força protegida possa manobrar. Seu deslocamento sempre obedece ao deslocamento da

força protegida, e a segurança realiza reconhecimento contínuo e agressivo, mantendo contato

com o inimigo até que o mesmo não mais constitua uma ameaça.

2.3 Operações Ofensivas

As operações ofensivas são as que mais tiram proveito do potencial dos carros de

combate, com sua blindagem, velocidade e poder de fogo. São operações que têm por objetivo

o confronto e a destruição das forças inimigas, de forma parcial ou definitiva. Antes do ataque

principal, uma força blindada pode realizar um reconhecimento em força, isto é, realizar uma

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operação de objetivo limitado com um contingente considerável, para entrar em contato com

o inimigo e revelar e medir suas possibilidades. Geralmente num reconhecimento em força os

carros de combates são auxiliados pela engenharia, artilharia e recebem apoio aéreo.

A ação de ataque, que visa destruir e neutralizar o inimigo, pode ser de oportunidade

ou coordenada. Num ataque de oportunidade, os carros de combate se pautam pela rapidez de

suas ações buscando sempre preservar a iniciativa, mirando um ponto vulnerável do

dispositivo inimigo e realizando manobras de desbordamento e fixação do oponente. Já num

ataque coordenado – geralmente executado contra posições defensivas inimigas – todas as

forças, em conjunto com os carros de combate, são combinadas para cerrar de forma poderosa

sobre o inimigo. Este tipo de ataque demanda grande planejamento e capacidade de

coordenação de meios.

Após realizarem uma bem-sucedida ação de ataque – seja ela por desbordamento ou

ataque frontal – os carros de combate devem prosseguir para o aproveitamento do êxito. Esta

fase caracteriza-se pelo aproveitamento da incapacidade do inimigo em manter suas posições,

quando a força atacante deve então enviar reforços para anular a defesa do oponente bem

como sua capacidade de realizar uma retirada organizada. Um dos objetivos do

aproveitamento do êxito é cortar as vias de fuga e desorganizar suas instalações de comando e

controle.

Por fim, os carros de combate devem realizar a perseguição ao inimigo batido. Nesta

última fase das ações de ataque, deve-se cercar e destruir a formação inimiga em fuga.

Completa-se a destruição da força oponente sem se preocupar com objetivos no terreno:

apenas a força inimiga em si é o objetivo. Pressão deve ser mantida até a rendição ou

destruição completa do adversário.

2.4 Operações Defensivas

Carros de combate estão aptos a realizar missões de defesa tanto em posição quanto

em movimento. Essas missões visam proteger a força principal de ataques inimigos numa

situação de desvantagem tática.

Numa defesa de posição, os carros de combate passam a integrar forças de segurança

em defesa avançada ou na reserva, para agir de forma decisiva quando o comando necessitar

de sua atuação. Já na defesa móvel, os carros de combate participam da defesa avançada e das

forças de proteção, além da reserva.

Geralmente as operações de defesa envolvem movimentos retrógrados, ou recuos. Os

carros de combate são bastante adequados à realização dessas funções, pois são capazes de

retardar o inimigo com seu poder de fogo combinado com mobilidade, permitindo tempo e

espaço de fuga para a força principal. Esses movimentos são escalares e possuem três

classificações.

Inicialmente existe a ação retardadora, na qual os carros de combate trocam espaço por

tempo, procurando atrasar o inimigo ao máximo através de ações descentralizadas em

posições sucessivas e/ou alternadas. Nesse tipo de ação, a manobrabilidade do carro de

combate torna-se um fator de sucesso essencial, pois visa saturar a capacidade de ataque

inimiga, mantendo-o em constante contato enquanto permite a fuga da força protegida.

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Embora faça uso de ações descentralizadas, é necessária uma coordenação central desses

esforços.

Em seguida à ação retardadora acontece o retraimento, que é o momento em que o

grosso da força rompe contato com o inimigo. Apesar disso os carros de combate nas forças

de defesa continuam a manter o contato com o inimigo para proporcionar segurança e

dissimulação.

Por fim, as operações defensivas resultam na retirada. Essa fase se caracteriza pelo

recuo da força principal através de um planejamento bem definido, objetivando evitar um

combate decisivo nas circunstâncias postas. A retirada acontece quando as forças principais e

de segurança conseguem desengajar-se com sucesso do inimigo e prosseguem para uma área

segura, buscando resguardar-se para futuras operações de combate em condições mais

favoráveis (BRASIL, 1999).

3. Teatro de Operações da Amazônia

A Amazônia é uma zona de operações peculiar para os carros de combate.

Presumivelmente, é uma região de complicada logística, difícil acesso e cortada por poucos

caminhos transitáveis. A densa floresta e a vegetação alta prejudicam a importante capacidade

de manobra e mira dos carros de combate, tornando-os, numa primeira instância, totalmente

inadequados ao emprego naquele terreno.

O Brasil faz fronteira com sete países na região amazônica – um deles parte da União

Europeia. Tais países possuem sistemas de alianças diversos e flutuantes, e a potencial ação

de forças externas em seus territórios não é uma possibilidade a ser descartada. A Estratégia

Nacional de Defesa, em seu décimo imperativo de flexibilidade e elasticidade para o Exército,

estabelece tal preocupação e a importância de se montar constante vigilância e preparação

naquela região:

Os imperativos de flexibilidade e de elasticidade culminam no preparo para

uma guerra assimétrica, sobretudo na região amazônica, a ser sustentada

contra inimigo de poder militar muito superior, por ação de um país ou de

uma coligação de países que insista em contestar, a pretexto de supostos

interesses da Humanidade, a incondicional soberania brasileira sobre a sua

Amazônia (BRASIL, 2008).

Embora a hipótese de que o Brasil entre num conflito armado de grande escala seja

hoje remota, a preparação não é mantida apenas para tal cenário, mas também para a

manutenção da segurança fronteiriça em casos de instabilidade regional ou ação de grupos

paramilitares que ajam com ou sem apoio de governos locais.

A região norte do Teatro de Operações da Amazônia, no estado de Roraima, encontra-

se adjacente a uma área contestada entre Guiana e Venezuela: o Essequibo. Esta região de 160

mil km² atualmente faz parte da Guiana, mas é historicamente disputada pela vizinha

Venezuela. A disputa voltou a ganhar vulto há alguns anos quando foi anunciada a descoberta

de uma gigantesca reserva de petróleo no local, que também guarda minas de ouro, diamante

e urânio (SPUTNIK, 2017). Desde então, a tensão entre os dois países é alta e a crise

econômica venezuelana contribui para o acirramento de tensões. O colapso da economia na

Venezuela também vem causando a migração desordenada de seus cidadãos para o Brasil,

demonstrando a porosidade da fronteira entre os dois países.

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O Exército Brasileiro conta com um contingente considerável de unidades de

infantaria de selva na região amazônica, mas, curiosamente, a presença da cavalaria é mínima,

e sua implantação se deu justamente devido ao sempre mutante sistema de alianças dos países

da região. Após um golpe de estado em 198015

, o Suriname buscou uma aliança com Cuba,

país da esfera de influência da União Soviética:

Em 1983, em pleno governo Figueiredo, o último do ciclo militar, a

disposição brasileira em evitar um confronto maior que pudesse gerar uma

invasão do Suriname por parte de tropas americanas, como a que ocorreu

logo em seguida em Granada, uma pequena ilha do Caribe, o governo militar

brasileiro ofereceu [ao Suriname] ajuda material nos níveis econômico,

técnico e militar. (...) Desta maneira, houve um distanciamento de Cuba por

parte do Suriname e as tensões foram eliminadas, evitando-se assim a

presença de tropas estrangeiras numa área fronteiriça de extrema importância

para o Brasil. Como forma de assegurar a nossa soberania na região, foram

criadas em 1983 duas bases aéreas nos estados de Rondônia e Roraima.

Nesse último, em razão do terreno ser propício ao emprego de blindados na

região norte do país, numa grande área conhecida como lavrado, foi criado o

12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado16

(BASTOS, 2017).

Nesta unidade, sediada em Boa Vista-RR, até hoje estão os únicos blindados

brasileiros na região amazônica, porém nenhum carro de combate existe em seu efetivo. Desta

característica decorre o fato de que o emprego de carros de combate brasileiros na região

amazônica não pode ser realizado atualmente em parâmetros de emergência. Embora o

Exército deva desempenhar suas funções sob o imperativo da flexibilidade, que prevê a

capacidade de emprego de forças militares com o mínimo de rigidez pré-estabelecida, a

própria Estratégia Nacional de Defesa reconhece que, devido aos obstáculos de deslocamento

da região amazônica, a flexibilidade deve ser compatibilizada com uma estratégia de presença

(BRASIL, 2008).

Visto que todas as unidades brasileiras de carros de combate estão localizadas na

região sul e no estado do Mato Grosso do Sul, prover uma força de VBCCCs de pronta

resposta na região amazônica significaria implementar definitivamente uma estratégia de

presença como acima mencionado, alocando de fato uma unidade de carros de combate na

região. Porém, faz-se necessário analisar se o terreno amazônico é adequado ao emprego de

carros de combate, e através de que regras esse emprego se daria. Basicamente, o terreno

amazônico na região brasileira e fronteiriça se caracteriza por dois tipos de ambiente: o

lavrado e a selva.

3.1 O Lavrado

Lavrado é o termo utilizado no Brasil para descrever a grande área de savana situada

na porção nordeste do estado de Roraima, que se alonga pela Venezuela (Gran Sabana) e

Guiana (Rupununi), com uma área total de 68.145 km² - dos quais 62,6% (42.706 km²) estão

em território brasileiro. É um bioma bastante diferente do restante da Amazônia, sendo

caracterizado por grandes áreas abertas naturais, com campinas e vegetação baixa (MORAIS,

2017). Tal terreno permite fazer uso dos atributos de manobrabilidade dos carros de combate,

dada sua vasta extensão plana e de solo firme, bem como proporciona excelentes campos de

15

Conhecido como “Golpe dos Sargentos” de 25 de fevereiro de 1980, liderado por Dési Bouterse, que derrubou o governo Henck Arron e instaurou uma ditadura militar no Suriname. 16

Equipado com blindados nacionais sobre rodas EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu.

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visão para tiro à longa distância. Por localizar-se na região de tríplice fronteira, trata-se de um

terreno de alto valor estratégico para a defesa do território nacional, pois estando no centro da

pujante selva amazônica, dá acesso direto ao território brasileiro e à capital Boa Vista, que é

conectada por autoestrada até Manaus. É a opinião do Prof. Expedito Bastos, pesquisador de

assuntos militares da UFJF17

:

Como o terreno é propício ao emprego de blindados e na região existem duas

rodovias asfaltadas que ligam a capital Boa Vista à Venezuela e à Guiana,

além de no sentido oposto chegar até Manaus, e sendo o estado de Roraima

uma fronteira de extrema importância estratégica na região norte do país,

seria de bom tom que fosse ali agregado um maior poder de força em termos

de blindados, até para renovar o equipamento já existente e dar uma maior

capacidade de pronta resposta a qualquer problema futuro. Todas as nossas

unidades blindadas de carros de combate se encontram nos estados do sul e

no Mato Grosso do Sul, muito distantes daquela região e com um

complicador a mais que seria o fato de ter que deslocá-las numa emergência,

o que no momento é praticamente inviável dado à carência de meios e

recursos (BASTOS, 2017).

A existência de extensos campos de tiro no lavrado significa há um aumento na

importância das missões de segurança e dissimulação para os carros de combate, dadas as

dificuldades de camuflagem para grandes forças no terreno. Há grande possibilidade de se

obter surpresa através da rapidez de movimento em operações ofensivas, mas também surge

uma grande dependência do apoio logístico devido ao largo alcance das manobras.

3.1.1 M-60A3TTS em Roraima

Para comprovar a exequibilidade de se transportar um esquadrão ou regimento de

carros de combate para o norte da região amazônica, bem como averiguar o comportamento

operacional de uma VBCCC no lavrado, o Exército realizou, em setembro de 2015, a

transferência de um M-60A3TTS18

, MBT de 50 toneladas, desde a sede do 20º Regimento de

Cavalaria Blindado, em Campo Grande-MS, até o 12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado,

em Boa Vista-RR.

No dia 12 de setembro de 2015 a viatura foi embarcada num caminhão-plataforma e

iniciou o caminho de 8.480 km até seu destino. Deslocou-se por via terrestre até Porto Velho-

RO, de onde foi embarcada em balsa até Manaus-AM, numa viagem fluvial de 10 dias; o

último trecho, de 800 km, foi feito pela BR174 até Boa Vista. Lá, foi levada até a Serra do

Tucano, no município de Bonfim-RR, próximo à capital roraimense, onde realizou o primeiro

disparo no dia 29 de setembro (DÜRING, 2017).

Além dos sete disparos, foram realizados testes de mobilidade do veículo sobre

lagartas no solo da região, que provou-se firme e condizente com os requisitos operacionais

do carro de combate. A escolha do M-60A3TTS em detrimento do Leopard 1A5 deu-se

exclusivamente devido à questão logística, visto que o 20º RCB era a unidade mais próxima

da área destinada, mesmo que localizada à quase 9.000 km. Foi assim averiguado que é

possível transferir carros de combate para o norte da região amazônica como resposta a

emergências, mas como a experiência demonstrou, os mesmos não podem, nas condições

17

Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais. 18

TTS significa Tank Thermal Sight (Tanque com Mira Térmica). O veículo possui uma arma principal com alma raiada de 105 mm e é equipado com uma mira térmica AN/VSG-2.

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11

atuais, configurar-se como um elemento de pronta-resposta, devido à imensa distância que

teriam que percorrer até o lavrado.

3.2 A Selva

Embora a experiência tenha demonstrado a viabilidade de se utilizar carros de combate

no lavrado, a Amazônia é predominantemente uma região de selva, e a menos que se espere

que as VBCCCs operem apenas nos limites da savana, é necessário averiguar a possibilidade

de operá-las em terreno de selva.

A princípio, a selva pode parecer bastante hostil, mas essa hostilidade desaparece uma

vez que as tropas aprendam a lidar com ela. Para máquinas e homens, combater na selva é

uma experiência totalmente distinta daquela de outros terrenos, como ilustra o Marechal-de-

Campo William Slim19

:

“Para os nossos homens, a selva era um lugar estranho e medonho; mover-se

e lutar nela parecia um pesadelo. Precocemente classificamos a selva como

‘impenetrável’. Para nós, parecia apenas um obstáculo ao movimento; para os

japoneses era um fantástico ambiente para camuflar manobras e surpresas. Os

japoneses colheram os frutos merecidos, nós pagamos o preço.” (ESTADOS

UNIDOS, 2017)

A selva amazônica está localizada perto da Linha do Equador, o que faz com que o

regime de chuvas seja constante ao longo do ano. Isso faz com que o ambiente combine altas

temperaturas, com alto índice pluviométrico e alta umidade, seriamente afetando homens,

vestimentas, equipamentos, armas, veículos, táticas e operações de manutenção. A selva

amazônica se divide em primária e secundária; a selva primária consiste em árvores grandes e

espaçadas, unidas pelas copas, que podem existir em níveis diferentes começando a 10 metros

do chão. Essas copas formam uma cobertura que impede a penetração de ampla luz solar, e

dificultam ou impedem a observação aérea. As raízes são altas e trepadeiras são comuns,

dificultando a movimentação de veículos. O campo de visão do solo não ultrapassa os 50

metros. Já as selvas secundárias são aquelas onde a floresta original foi desmatada e o solo

exposto à luz solar direta, propiciando o crescimento de grossa vegetação rasteira que pode

chegar aos 2 metros de altura – o que torna o movimento a pé altamente dificultoso. Os dois

tipos de selva podem abrigar áreas alagadas de pouca drenagem, chamadas pântanos. Nesses

lugares a movimentação e observação são extremamente difíceis, e a possibilidade de

camuflagem é alta.

O Manual de Emprego da Cavalaria do Exército Brasileiro descreve que a ação de

carros de combate em ambiente de selva se dará apenas em locais específicos, como estradas

e localidades, restritos aos eixos terrestres existentes na região. Segundo o manual, a

cobertura vegetal em áreas de mata densa e selva dificulta o movimento do homem a pé e

impede o movimento de viaturas em seu interior, ao mesmo tempo em que os campos de tiro

tornam-se mais restritos pela densidade das árvores (BRASIL, 1999).

4. O uso de carros de combate na selva

19

Líder militar britânico vitorioso na longa campanha na selva da Birmânia (hoje Mianmar) contra o Exército Imperial Japonês durante a Segunda Guerra Mundial.

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12

Identificadas as particularidades e missões dos carros de combate e o terreno no qual

devem atuar, faz-se necessário fazer um estudo minucioso do uso prático de VBCCCs em

ambiente de selva, cruzando a doutrina vigente na Cavalaria do Exército Brasileiro com a

experiência real da guerra blindada em ambiente de selva, notadamente as batalhas no Teatro

de Operações do Pacífico (1942-1945) durante a Segunda Guerra Mundial e durante a fase de

intervenção direta americana (1965-1973) na Guerra do Vietnã. Curiosamente, os dois

comandantes-sênior norte-americanos nesses conflitos, respectivamente o General Douglas

MacArthur e o General William Westmoreland, inicialmente não viram qualquer uso para os

carros de combate na selva:

O Brigadeiro-General Albert W. Waldron requisitou tanques e artilharia

pesada ao General Douglas MacArthur, comandante-em-chefe do teatro, para

dar apoio ao seu ataque contra os japoneses em Buna. O Major-General

George C. Kenney, comandante da Força Aérea Aliada no teatro e um dos

principais conselheiros de MacArthur, convenceu este de que tanques e

artilharia não tinham lugar na selva. MacArthur concordou com Kenney e

negou o pedido de Waldron. (...) Os Estados Unidos se envolveram

gradualmente no Vietnã em meados dos anos 60, e os planejadores militares

concluíram que o Vietnã não era lugar para blindados de qualquer tipo,

especialmente tanques. Durante o levantamento inicial de forças, o General

William Westmoreland, comandante-em-chefe do teatro, não viu nenhum uso

para blindados no Vietnã e não fez qualquer pedido para que unidades

blindadas fossem transferidas para a área (WIMMER, 2014).

Contudo, a opinião dos dois chefes rapidamente mudaria, conforme verificaram a

adaptação dos carros de combate à realidade do combate na selva. Curiosamente, nos 20 anos

que separaram os dois conflitos, nenhum tipo de doutrina de uso de carros de combate na

selva foi desenvolvida pelos planejadores norte-americanos, e a experimentação teve que

recomeçar basicamente do zero.

Conforme já mencionado, o Manual de Emprego da Cavalaria (BRASIL, 1999)

menciona que o uso de carros de combate em ambiente de selva deverá somente se dar em

estradas e localidades nas adjacências dos eixos de deslocamento, visto que o terreno

selvagem é virtualmente impenetrável para tais veículos. Segundo Harry Yeide (2017), esta

concepção era compartilhada pelos planejadores norte-americanos em 1942. O Manual segue

estabelecendo que os carros de combate devem ser utilizados na selva prioritariamente em

missões de segurança e defesa em posição, mas também aponta que missões ofensivas devem

ser realizadas sempre que o terreno permitir – sempre acompanhados de infantaria em forças-

tarefa – concluindo que a proteção blindada e o poder de fogo da cavalaria poderão ser fatores

decisivos nas operações ofensivas.

Tendo em vista as linhas gerais do emprego de carros de combate na selva

estabelecidos pelo Exército Brasileiro, serão examinadas agora as experiências passadas de

emprego de VBCCCs na guerra na selva, na qual uma série de questões será estudada:

Que tipo de missões os carros de combate cumpriram na selva?

Que táticas os carros de combate utilizaram em combates passados na selva?

Que impacto o tipo de terreno tem no movimento de VBCCCs e sua mobilidade?

Qual foi a melhor maneira de empregar VBCCCs em combates passados na selva?

Que impacto teve o fator “ameaça” do uso de carros de combate nesse ambiente?

Que tipo de equipamento e munição foi importante em combates blindados passados

na selva?

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13

4.1 Segunda Guerra Mundial no Pacífico

O primeiro uso de blindados na selva se deu na Batalha de Buna, na Nova Guiné, em

dezembro de 1942. Naquela primeira tentativa, logo nas adjacências da vila de Buna, foram

empregados cinco blindados leves armados com metralhadoras para destruir posições

fortificadas japonesas. Os veículos, contudo, não dispunham de apoio de infantaria, e foram

todos destruídos em 20 minutos por uma arma anticarro japonesa. O erro foi logo detectado e

corrigido: blindados necessitam de apoio de infantaria para operações na selva. No ambiente

de pouca visibilidade e restrito campo de tiro da selva, a infantaria realiza o importante papel

de prover cobertura para o blindado contra fogo de flanco e designar alvos para a tripulação

do veículo.

A segunda tentativa, e primeira com carros de combate, se deu em 18 de dezembro

também nas proximidades de Buna. Sete carros de combate leves Stuart com canhões de 37

mm foram usados contra uma série de casamatas japonesas. As viaturas também utilizaram

seus canhões para derrubar árvores usadas por snipers20

. Após o avanço inicial, os veículos

foram atrasados pela densa vegetação rasteira, mas ao retomar a frente do assalto destruíram

todas as casamatas inimigas em apenas duas horas – posições que eram conectadas por

trincheiras, sendo praticamente invulneráveis ao fogo de rifle e metralhadora:

Uma tática desenvolvida durante o ataque a Buna foi manobrar os tanques até

bem perto da casamata inimiga, abrir um buraco na lateral da casamata com a

arma principal do tanque, e então usar as metralhadoras do tanque para dar

cobertura ao ataque da infantaria à posição. A infantaria jogaria granadas pela

abertura criada pelo tanque e destruiria a casamata. Esta técnica foi realizada

inúmeras vezes e mostrou-se extremamente eficaz na eliminação de posições

inimigas (WIMMER, 2014).

Em Buna os japoneses foram bem-sucedidos em destruir carros de combate que

lideravam ataques sem o devido reconhecimento anterior do terreno e situação do inimigo. O

terreno local era composto de uma mistura de platôs de vegetação alta, selva fechada e

pântanos. Geralmente os veículos atingiam sucesso se conseguissem atacar fazendo uso de

surpresa, mas esse fator era dificultado em áreas de selva fechada, pois o terreno reduzia

muito a velocidade do avanço. A ausência de engenheiros para abrir caminhos pela selva

resultou em muitos ataques sendo realizados apenas pela infantaria, pois os carros de combate

acabavam ficando para trás. A experiência extraída desta batalha ainda não fora o suficiente

para definir uma doutrina, mas o resultado foi animador:

A importância da cooperação tanque-infantaria e a utilidade dos tanques em

apoio à infantaria em Buna se tornaram bastante evidentes. Em muitos casos,

tanques foram individualmente empregados no apoio a pelotões ou

companhias de infantaria, e se tornaram um importante elemento para o

sucesso das operações. O Major-General George Vasey, comandante da 7ª

Divisão, destacou este pensamento quando disse que sem os tanques em

Buna, a infantaria não poderia ter destruído as casamatas (WIMMER, 2014).

A experiência dos Fuzileiros Navais com carros de combate na ilha de Tarawa em

novembro de 1943 revelou outros importantes aspectos de seu uso na selva. Embora o terreno

da ilha tenha sido inicialmente julgado impróprio para o uso das viaturas, seu emprego foi

levado adiante sempre que possível, se tornando vitais para o sucesso final do assalto. Em 23

20

Atiradores de precisão que normalmente utilizam rifles com luneta. Também chamados de franco-atiradores.

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de novembro, dois carros de combate médios Sherman lideravam o avanço por um estreito

vale quando receberam um vultoso contra-ataque japonês. Os carros de combate utilizaram

munição antipessoal21

e quebraram de forma decisiva a ofensiva inimiga. Foi estimado que a

primeira salva do carro da frente tenha matado entre 60 e 70 soldados inimigos.

Em Bougainville, nas Ilhas Salomão, os combates se iniciaram em outubro de 1943 e

duraram até o fim da guerra em setembro de 1945. Os primeiros carros de combate

desembarcaram em janeiro de 1944, já com seu uso previsto para funcionar dentro do

conceito de “time carro de combate-infantaria-engenharia” (YEIDE, 2017), criado com base

nas experiências anteriores em Buna. Além disso, os novos conceitos operativos já refletiam

os resultados observados no campo de batalha: projéteis de munição antipessoal e

metralhadoras podiam limpar vegetação rasteira e revelar casamatas; projéteis perfuradores de

blindagem podiam perfurar as mais grossas casamatas de concreto, e projéteis de alto-

explosivo e lança-chamas podiam ser usados com grande eficácia contra as aberturas. As

formações do time seriam simples para a manutenção do controle, e a comunicação entre

carros e infantaria deveriam ser constantes. A engenharia seria crucial para ajudar os veículos

a superar obstáculos naturais do terreno, e as viaturas receberam lagartas com sapatas de

borracha, que se provaram melhores que as de aço para lidar com lama.

Em 12 de março de 1944 os japoneses iniciaram um grande ataque contra as posições

americanas em Bougainville, capturando uma série de casamatas das primeiras linhas

defensivas. No dia seguinte, renovaram o assalto, mas desta vez receberam a ação ofensiva de

choque de um pelotão de carros de combate22

, empregados pela primeira vez após o

treinamento com as novas táticas:

Os tanques partiram como esperado, mas a infantaria falhou em manter-se

perto deles e designar-lhes alvos, e o contra-ataque desmontou-se. Os tanques

tiveram dificuldade em atirar contra os japoneses, que estavam junto ao chão

nas ravinas e encostas altas. O time tentou novamente às 13:15, e novamente

a infantaria falhou em permanecer próxima. A infantaria japonesa cercou dois

tanques por dois nervosos minutos, mas foi repelida. O 2º Pelotão – também

consistindo de três tanques médios e dois leves – chegou para substituir o 1º

Pelotão, e às 17:00 o time realizou sua terceira tentativa. Desta vez a

infantaria colou-se nos tanques, e designou alvos por telefone ou usando

fumaça colorida. Os tanques se aproximaram até 15 metros das posições

japonesas e as atingiram com seus canhões de 75 mm e fogo de metralhadora.

Um projétil de 75 mm matou dezoito soldados inimigos que se protegiam nas

raízes de uma árvore. O assalto coordenado recuperou as posições perdidas

com perdas mínimas para a infantaria (YEIDE, 2017).

A comunicação era parte vital do funcionamento do time. Um telefone fora montado

na parte traseira dos veículos, permitindo rápido contato com o comandante da viatura, que

recebia coordenadas dos designadores de alvos23

– outra inovação utilizada pela primeira vez

em Bougainville. As operações de times em larga escala na ilha revelaram outra peculiaridade

do uso de carros de combate na selva: o aumento da necessidade de manutenção. Os veículos

podiam operar por apenas três horas antes de necessitarem de manutenção, visto que

avançavam em primeira marcha, exigindo bastante esforço dos motores.

21

Conhecida como canister ou metralha (no Brasil), consiste em um invólucro de metal fino que contém uma grande quantidade de esferas e outros pequenos objetos metálicos que se dispersam logo após o disparo, criando uma ampla zona de morte para alvos moles em sua trajetória. 22

Consistindo de três carros de combate médios Sherman e dois carros de combate leves Stuart. 23

Soldados que realizavam reconhecimento da linha de frente e designavam alvos para as VBCCCs, utilizando-se de coordenadas ou granadas de fumaça colorida.

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15

Figura 1 - Formação de selva de “time carro de combate-infantaria” desenvolvido em Bougainville.

Um último aspecto a ser considerado nas experiências de uso de VBCCCs na selva

durante a Campanha do Pacífico é o confronto carro versus carro. Tal situação apresentou-se

pela primeira vez em 6 de junho de 1944 durante a Batalha de Biak, na Nova Guiné. Embora

mais uma vez o terreno fosse considerado inviável para o uso de carros de combate, tanto

japoneses quanto americanos os empregaram, e uma força de sete carros leves japoneses se

encontrou com uma força de cinco carros médios norte-americanos. Os carros japoneses

foram todos destruídos numa batalha que durou menos de trinta minutos, revelando que a

blindagem mais espessa e o calibre mais grosso dos canhões dos carros americanos foram

fatores essenciais para o sucesso destes na batalha. Em Biak havia pouca margem para uso de

manobras, o que ressaltou a importância da capacidade de choque das viaturas.

As batalhas seguintes no Pacífico expandiram o emprego dos times, e carros de

combate acompanharam a infantaria sempre que fisicamente possível, em muitos lugares que

poucos considerariam viáveis.

4.2 Guerra do Vietnã

Apenas vinte anos após o término dos conflitos no Pacífico na Segunda Guerra

Mundial os Estados Unidos envolveram-se em outra zona de combate de selva, desta vez no

Vietnã. A liderança militar norte-americana não havia absorvido as lições aprendidas sobre

uso de carros de combate na selva, ou pensavam que estas não mais se aplicavam ao cenário

de combate moderno, já com o desenvolvimento de armas anticarro propelidas por foguete24

de uso individual. Os planejadores do Pentágono pensavam que o Vietnã seria uma luta de

infantaria, sem papel para veículos blindados naquele ambiente.

Contudo, o desembarque dos Fuzileiros Navais no teatro de operações em março de

1965 trouxe todo o seu orgânico, incluindo os carros de combate, o que surpreendeu muitos

24

Popularmente conhecidas como RPGs, Rocket-Propelled Grenade, (Granada Propelida por Foguete).

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16

planejadores no local. Essas unidades tiveram que desenvolver suas próprias táticas e

técnicas, pois havia total falta de suporte doutrinário para operações na selva. Essas táticas

estabeleceram um precedente para o uso de carros de combate na selva como forças de

combate eficiente contra um inimigo fugidio (WIMMER, 2014).

No Vietnã os americanos enfrentaram duas categorias de inimigo: o Exército do

Vietnã do Norte, uma força convencional equipada e doutrinada pela União Soviética, e o

Viet Cong, uma força de guerrilha composta por sul-vietnamitas que lutavam em prol do

regime comunista do Vietnã do Norte.

Antes de proceder para uma análise das missões e táticas para uso de carros de

combate na selva no Vietnã, faremos uma breve explicação dos modos de atuação destes dos

tipos de oponente, visto que o Teatro de Operações da Amazônia pode apresentar cenários em

que um ou ambos estejam presentes.

4.2.1 A Guerrilha

Guerrilhas consistem em facções militares de resistência política ou movimento

subversivo. Seu objetivo é normalmente estabelecer um novo governo, frequentemente de

tendências radicais. A guerrilha opera sob o conceito de células25

, capazes de ação

independente.

Como são mais fracas que uma força convencional em termos de recursos, as

guerrilhas evitam o engajamento definitivo e procuram infligir a maior quantidade de dano ao

inimigo através de ações-relâmpago, atacando e retraindo antes que o inimigo possa reagir.

São capazes de atacar alvos separados por grandes distâncias por um longo período de tempo,

causando confusão, desmoralização e frustração em seu oponente. Fazendo uso da velocidade,

surpresa e segurança, as operações de guerrilha incluem ataques, emboscadas, minagem,

colocação de armadilhas e o emprego de snipers.

Através de patrulhas constantes as guerrilhas selecionam seus alvos, e atacam

geralmente onde menos são esperadas. A retenção da iniciativa é essencial para o seu sucesso,

sendo que a perda deste elemento as leva a reagir a operações de forças convencionais, o que

reduz enormemente sua eficácia (ESTADOS UNIDOS, 2017).

Guerrilhas preferem se defender pelo contínuo movimento e dispersão, desengajando

sempre para manter sua liberdade de ação. Para proteger suas operações, estabelecem bases

em áreas remotas, que são protegidas por postos de observação e uma rede de inteligência que

conta com o apoio da população simpatizante local. As rotas para essas bases são

normalmente ocultas, e guerrilheiros fazem uso delas para partirem para suas patrulhas.

Entre os pontos fortes da guerrilha estão sua liderança altamente motivada; estrita

disciplina entre seus membros; forte crença em seu ideal político e capacidade de rapidamente

alterar a intensidade de suas operações através da subversão da população. Já seus pontos

fracos são o stress físico e mental de seus membros, causado pelos longos períodos de

isolamento em ambiente hostil; o medo de condenação criminal pelo governo e represálias

contra família e amigos; o sentimento de inferioridade numérica e tecnológica ante seus

25

Pequenas unidades de combate de três a cinco homens.

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17

oponentes; o suporte popular incerto e a alta dependência de suprimentos advindos de suas

bases operativas.

4.2.2 As Forças Convencionais

Forças convencionais envolvidas em combate de selva potencialmente serão

compostas por infantaria, com apoio de artilharia, morteiros, aeronaves e veículos blindados.

Essas forças provavelmente usarão casamatas e túneis como medidas de proteção, bem como

obstáculos como minas e armadilhas. Devido à envergadura de suas forças, usarão a noite

como forma de camuflar suas operações.

Se o oponente tiver à sua disposição amplo poder de fogo direto e indireto, as forças

inimigas preferirão engajar-se à curtíssima distância, o que anula a eficácia do apoio de fogo

indireto26

. Quando forçadas à defensiva, forças convencionais frequentemente preparam

elaboradas posições fortificadas, muito bem camufladas no terreno, com o objetivo de retardar

ao máximo sua localização pelo oponente e criando amplas zonas de morte27

. A típica rede

defensiva consiste em casamatas de madeira ou concreto posicionadas para atingir apoio

mútuo. Casamatas são construídas de forma rasteira para dificultar sua localização por

observação, e snipers são posicionados em árvores. O fogo é aberto somente a curta distância,

muitas vezes abaixo de 50 metros.

O ataque é a forma favorita de combate das forças convencionais na selva. Táticas

especiais são usadas para se conseguir surpresa neste ambiente. Através de prévio

reconhecimento é revelada a localização das principais armas do oponente, e essas armas são

eliminadas por infiltradores antes do ataque principal. Costumam atacar pontos fracos do

sistema defensivo e utilizar terrenos comumente considerados intransponíveis (ESTADOS

UNIDOS, 2017).

Entre os pontos fortes das forças convencionais estão seu adequado poder de fogo para

ataques convencionais; conhecimento do terreno; força bem-treinada e disciplinada e

independência do suporte local. Já seus pontos fracos são a dificuldade em camuflar suas

grandes unidades; serem alvos maiores para a artilharia e apoio aéreo; maior dificuldade em

evitar detecção e menor empatia com simpatizantes locais.

No Vietnã, as missões dos carros de combate na selva se dividiram em três categorias

básicas: busca e destruição, missões de segurança e reserva tática.

4.2.3 Busca e Destruição

Essas missões tinham por objetivo localizar e destruir forças inimigas, seu

equipamento e suprimento numa determinada área. Eram conduzidas com mínimo esforço de

reconhecimento, com o objetivo de destruir diretamente o inimigo ou conduzi-lo para uma

força de bloqueio com zona de morte estabelecida. Utilizavam o conceito de time carro de

combate-infantaria-engenharia, muitas vezes com os carros de combate liderando o avanço

detonando minas e armadilhas para abrir um caminho seguro para a infantaria – embora isso

26

Fogo de artilharia de campanha. 27

A zona de morte é conseguida pelo posicionamento de armas de forma a eliminar pontos cegos entre seus campos de tiro.

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18

aumentasse a vulnerabilidade dos veículos contra armas anticarro individuais utilizadas a

curta distância.

Outro método de busca e destruição fazia uso dos carros para bloquear esperadas rotas

de fuga do inimigo: as viaturas faziam uso de estradas para rapidamente estabelecer

bloqueios, demonstrando a versatilidade do carro de combate em responder rapidamente a

mudanças no cenário da batalha e às reações imprevistas do inimigo.

As VBCCCs também podiam atuar na varredura de um terreno cercado, varrendo

individualmente pequenas áreas em busca de posições inimigas e utilizando seu canhão contra

as fortificações. Inicialmente as viaturas enviadas para o Vietnã eram do tipo M-48 Patton,

cuja blindagem aguentava os efeitos da explosão de minas com relativa segurança para a

tripulação, mas em 1969 a maioria foi trocada pelo M-551 Sheridan, um veículo leve

planejado para cruzar rios e ser lançado de paraquedas, com uma blindagem leve de alumínio

que fazia da viatura vulnerável a minas e armas anticarro. De fato, os Sheridans passaram a

sofrer de “explosões secundárias” que aconteciam pela detonação da munição armazenada

internamente pelo impacto de uma granada anticarro ou mina terrestre. Essa fragilidade

forçou a adoção de modificações de campo como a instalação de proteções de aço na torre e

no ventre da viatura. O Sheridan não atolava na lama tanto quanto o Patton, nem sofria tanto

de ruptura de lagarta. Esses fatos, juntamente com a eficácia de seu canhão 152 mm com

munição antipessoal, especialmente devastadora, ganharam a apreciação das tripulações pelo

veículo.

4.2.4 Missões de Segurança

Carros de combate foram extensivamente usados em missões de segurança no Vietnã

devido ao poder de fogo que podiam concentrar numa determinada área e a rápida reação a

uma situação. As missões incluíam a segurança de postos de comando, defesa de bases,

pontes e proteção de engenheiros. A habilidade de cruzar grandes extensões de terreno em

pouco tempo gerou outras duas operações adicionais: escolta de comboio e segurança de rota.

Na segurança estática, carros de combate eram dispostos ao redor do perímetro

defensivo com infantaria entrincheirada entre eles. Dessa forma havia suporte mútuo em caso

de tentativa de invasão do perímetro:

Um exemplo bem-sucedido de segurança de base ocorreu em 3 de março de

1969, perto da vila de Ben Het. A base ficava ao lado da Trilha Ho Chi Minh,

que era a principal rota de suprimento norte-vietnamita para o Vietnã do Sul.

O perímetro da base era guarnecido por uma companhia de tanques do I

Batalhão, 69º Regimento Blindado. Incapaz de destruir a segurança com fogo

indireto, o inimigo conduziu um ataque noturno usando cerca de sete tanques

leves PT-7628

para liderar o assalto. Dois tanques inimigos foram

rapidamente destruídos por tanques americanos que usaram iluminação por

morteiro para identificar os alvos. Adicionalmente, um transportador

blindado de tropas norte-vietnamita foi destruído, e o inimigo cancelou o

ataque (WIMMER, 2014).

A segurança móvel consistia em proteger comboios e rotas de suprimentos de ataques

inimigos. Os americanos usavam longas rotas de suprimento que eram vítimas constantes de

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Carro de combate anfíbio de origem soviética que equipava o Exército do Vietnã do Norte.

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minagem29

por parte de forças inimigas, o que causava imensas perdas de homens e veículos.

Após verificar-se que o estabelecimento de “pontos fortes” ao longo das rotas levava à

emboscada dos carros de combate pelo inimigo, os americanos desenvolveram o conceito de

Thunder Run, que consistia em um carro de combate mover-se ao longo de uma rota

designada à noite, imediatamente após a passagem de um comboio, para garantir que as linhas

de comunicação permanecessem abertas. Essa rápida movimentação negava ao inimigo o

tempo necessário para minar novamente a estrada.

4.2.5 Reserva Tática

Como reserva tática, as VBCCCs foram usadas como força de reação ou de contra-

ataque, respondendo a uma ameaça ou ataque. Essa capacidade de responder rapidamente e

prover grande poder de fogo muitas vezes mudou o rumo da batalha em favor dos americanos:

Um exemplo ocorreu na noite de 3 para 4 de março de 1968, quando uma

companhia de infantaria foi emboscada por fogo de morteiros e foguetes. O

1º Esquadrão do 1º Regimento de Cavalaria estava na reserva da unidade e

respondeu ao chamado de socorro. O comandante do esquadrão rapidamente

despachou uma tropa para fazer a ligação com a infantaria que estava

engajada com o inimigo. Chegando à área e estabelecendo a ligação, a

cavalaria percebeu que o inimigo estava fortemente defendido por posições

fortificadas e armas antitanque. Dois pelotões da cavalaria e da infantaria

conseguiram romper contato e recuar. A pronta resposta da cavalaria

possibilitou o rápido reforço e extração da infantaria com baixas mínimas

(WIMMER, 2014).

5. Conclusão

Embora o Manual de Emprego da Cavalaria do Exército Brasileiro mencione o uso de

carros de combate em ambiente de selva, este prevê que a utilização dos mesmos deverá

unicamente se dar em estradas e rotas que cortem o terreno, considerando a floresta em si

terreno intransponível para os veículos. A experiência passada em conflitos na selva no século

XX mostra que a concepção inicial dos planejadores militares não difere muito da postura

atualmente adotada no Brasil.

Contudo, a experimentação no campo de batalha revelou cenários e técnicas de

utilização de VBCCCs que modificaram a condução do combate na selva. Embora não

possam operar sozinhos devido à baixa visibilidade que a tripulação tem do ambiente ao

redor, os carros tiveram grande sucesso ao serem utilizados em time com a infantaria e a

engenharia. O assalto a posições fortificadas inimigas se torna um processo menos traumático

para a tropa em termos de baixas, bem como um ataque inimigo com infantaria pode ser

rapidamente desbaratado com a utilização de munição antipessoal dos canhões dos carros.

No combate carro versus carro na selva, a falta de espaço para manobra ressalta os

valores de choque, poder de fogo e blindagem das viaturas, indicando que a VBCCC que

possua o melhor conjunto desses atributos irá sobrepujar sobre o inimigo. Conclusão parecida

pode ser tirada das missões onde os carros devem patrulhar eixos explodindo minas plantadas

pelo inimigo: quanto mais grossa a blindagem, mais adequado é o carro.

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Ação de ocultação de minas terrestres no solo de uma via de trânsito ou área ampla.

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O terreno do Teatro de Operações da Amazônia é vastamente composto por selva, com

uma zona de savana (lavrado) na região de tríplice fronteira de Roraima com a Guiana e

Venezuela. Embora a viabilidade do uso de carros de combate no lavrado tenha sido

comprovada pelo Exército em 2015, seu uso em terreno de selva ainda permanece teórico no

Brasil. Todavia, a análise de conflitos passados tem demonstrado que carros de combate

podem sim ser utilizados amplamente na selva, tornando-se verdadeiramente elementos

essenciais para assegurar a vitória nesses cenários de guerra.

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<http://forum.worldoftanks.com/index.php?/topic/212241-us-army-tanks-in-the-jungle-part-

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