carole pateman participação e teoria democrática

80
Este livro trata dt to popular, desde J L J 1 '"" .M 6756 desempenhado pela x da democracia moderna e viável. À análise de textos e pesquisas recentes, Carole Pateman acrescenta uma pertinente re- tomada de fontes clássicas como Rousseau e Stuart Mill. Além do problema da participação em âm- bito nacional, a autora apresenta dados e con- clusões interessantes sobre o acesso de funcio- nários às decisões em seu local de trabalho e em outras esferas não governamentais. Longe de ser uma demanda utópica, calcada em fundamentos irreais, o tema de Pateman conserva um espaço significativo na teoria da democracia moderna, é passível de aplicação, apesar de determinadas dificuldades, e consti- tui leitura essencial num momento em que se discute a inserção de trabalbadores nos proces- sos decisórios das indústrias. [($25 ANOS ,SRn r.,- - •> íi-4-8 íiliü;«!!!!!#: ' M II E TEORIA DEMOCRÁTICA 216756 PAZ E TERRA

Upload: university-of-campinas

Post on 20-Dec-2014

344 views

Category:

Education


1 download

DESCRIPTION

PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, cap. 1 e 2, p. 9-63.

TRANSCRIPT

Page 1: Carole pateman   participação e teoria democrática

Este livro trata dt

to popular, desdeJ L J 1 '"" .M 6756desempenhado pela x

da democracia moderna e viável.

À análise de textos e pesquisas recentes,

Carole Pateman acrescenta uma pertinente re-

tomada de fontes clássicas como Rousseau e

Stuart Mill.

Além do problema da participação em âm-

bito nacional, a autora apresenta dados e con-

clusões interessantes sobre o acesso de funcio-

nários às decisões em seu local de trabalho e em

outras esferas não governamentais.

Longe de ser uma demanda utópica, calcada

em fundamentos irreais, o tema de Pateman

conserva um espaço significativo na teoria da

democracia moderna, é passível de aplicação,

apesar de determinadas dificuldades, e consti-

tui leitura essencial num momento em que se

discute a inserção de trabalbadores nos proces-

sos decisórios das indústrias.

[($25 ANOS

,SRn r.,- • - •> íi-4-8íiliü;«!!!!!#: ' M

II

E T E O R I ADEMOCRÁTICA

216756

PAZ E TERRA

Page 2: Carole pateman   participação e teoria democrática

O termo "participação" tornou-se

parte do vocabulário político popular

a partir dos últimos anos da década de

60, quando vários grupos reivindica-

vam a implementação efetiva de direi-

tos que, em teoria, eram realmente

seus. Hoje o uso generalizado da pala-

vra, em referência a uma grande varie-

dade de situações, indica que qualquer

conteúdo preciso do termo se perdeu,

ainda que a questão permaneça

viva e aberta.Neste livro, Carole Pateman de-

tém-se num problema essencial para a

teoria política boje. Qual o lugar da

"participação" numa teoria da demo-

cracia moderna e viável?

Para responder a essa pergunta, a

autora retoma teóricos clássicos como

Jean-Jacques Rousseau — considerado

por ela o teórico da participação por

excelência — e Jobn Stuart Mill, além

da obra de G. H. Cole, cientista-polí-

tico deste século, que desenvolveu

uma teoria da democracia participati-

va, inserida no contexto de uma socie-

dade industrializada.

Após analisar essas teorias, Carole

Pateman estuda a possibilidade de de-

mocratização das estruturas de autori-

dade nas indústrias. Verifica a ligação

entre a participação no local de traba-Ino e em outras esferas não governa-

mentais, bem como a participação emâmbito nacional.

São poucos os empecilbos práti-

cos para a instituição da participação

de trabalbadores, ainda que parcial,nos níveis mais altos - mesmo consi-

Page 3: Carole pateman   participação e teoria democrática

CAROLE PATEMAN

PARTICIPAÇÃO E TEORIADEMOCRÁTICA

Tradução

Luiz Paulo Rouanet

PAZ E TERRA

Page 4: Carole pateman   participação e teoria democrática

p© Cambridge University Press, 1970Traduzido do original em inglês Participation and Democratic TheoryRevisão técnica: Anna Maria QuirinoPreparação: Eliana AntoniolliRevisão: Ana Maria O. M. BarbosaCapa: Pinky Warner

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Pateman, CaroleParticipação e teoria democrática/ Carole Pateman; tradução

de Luiz Paulo Rouanet. — Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

Bibliografia.1. Autogestão 2. Democracia 3. Participação I. Título.

92-0919 CDD-321.80

índice para catálogo sistemático:1. Democracia: Ciência política 321.80

Sisterde °Direitos adquiridos pela

EDITORA PAZ E TERRA S.ARua do Triunfo, 177 '01212 - São Paulo, SPTel. (011) 223-6522Rua São José, 90 -II9 andar, cj. 111120010 - Rio de Janeiro, RJTel. (021) 221-4066que se reserva a propriedade desta tradução.

Conselho Editorial p 7 q S nAntônio Cândido P

Fernando GasparianFernando Henrique Cardoso

1992Impresso no Brasil / Printed in Brazil

S

BC

a Q

216756

ÍNDICE

I. Teorias recentes da democracia e o "mito clássico " 9

II. Rousseau, John Stuart Mill e G.D.H. Cole:uma teoria participativa da democracia 35

in. O sentido de eficácia política e aparticipação no local de trabalho 65

IV. "Participação" e "democracia" na indústria 93

V. Autogestão de trabalhadores na Iugoslávia 115

VI. Conclusões 737

Bibliografia 149

índice remissivo 757

Page 5: Carole pateman   participação e teoria democrática

%'\0

TEORIAS RECENTES DA DEMOCRACIA E O"MITO CLÁSSICO"

Nos últimos anos da década de 60, a palavra "participação"'popular. Isso aconteceu na_

onda dejeivindicações, em especial por parte dos_gstudantes, pelaabertura de novas áreas de participação — nesse caso na esfera daeducação de nível superior — , e também por parte de vários gruposgue_gugriam, na prática, a implementação dos direitos_giüg_erajrrsê5snajeoria^Na França, "participação" foi uma das últimas palavras de.ordem utilizadas por de Gaulle em campanhas políticas; na Grã-Bre-tanha, vimos a idéia receber a bênção oficial no Relatório Skeffing-ton sobre planejamento, e nos Estados Unidos o programa antipo-breza incluía fundos para o "máximo possível de participação" dosafetados por ela. O uso generalizado do termo nos meios de comuni-cação de massa parecia indicar que qualquer conteúdo preciso ousignificativo praticamente desaparecera; "participação" era empre-gada por diferentes pessoas para se referirem a uma grande varie-dade de situações. A popularidade do conceito fornece uma boarazão para que se dedique alguma atenção a ele. Porém, mais impor-tante do que isso, a recente intensificação dos movimentos em prolde uma participação maior coloca uma questão crucial para a teoriap~õTítica:modérna.e_v.iáv-el2.

É um bocado irônico que a idéia de participação tenha se tor-nado tão popular, particularmente entre os estudantes, pois entre osteóricos da política e sociólogos políticos a teoria da democraciamais aceita (aceita de maneira tão ampla que se poderia chamá-la dedoutrina ortodoxa) é aquela na qual o conceito de participação as-

Page 6: Carole pateman   participação e teoria democrática

sume um papel menor, Na realidade, não apenas tem um papelmenor, como nas teorias de democracia atuais um dado predomi-nante é a ênfase colocada nos perigos inerentes à ampla participaçãopopular em política. Tais características derivam de duas preocupa-ções principais de teóricos atuais que escrevem sobre a democracia,sobretudo os norte-americanos. Primeira, sua convicção de que asteorias dos seus predecessores mais antigos (os chamados "teóricosclássicos"), que acalentavam o ideal do máximo de participação dopovo, precisam de uma revisão drástica, quando não uma rejeiçãopura e simples. Segunda, uma preocupação com a estabilidade; dosistema político e com as condições ou pré-requisitos necessáriospara assegurar tal estabilidade; essa preocupação origina-se da com-paração que se faz entre "democracia" e "totalitarismo" enquanto asduas únicas alternativas políticas possíveis no mundo moderno.

Não é difícil descobrir de que modo a atual teoria democráticaacabou por se implantar com esses fundamentos; sem o risco de umasimplificação excessiva pode-se dizer que ela resultou de um aconteci-mento intelectual do século XX, o desenvolvimento da sociologia polí-tica, e de um evento histórico, a emergência de Estados totalitários.

No início do século, a dimensão e a complexidade das socieda-des industrializadas e o surgimento de formas burocráticas de orga-nização, para muitos teóricos políticos de orientação empirista, pare-ciam levantar sérias dúvidas sobre a possibilidade de se colocar emprática o conceito de democracia do modo como ele era geralmentecompreendido. Mosca e Michels foram dois dos teóricos mais co-nhecidos e influentes a defender semelhante tese. Mosca dizia quetoda sociedade precisava de uma elite no governo e, em seus últimosescritos, combinava essa teoria da elite com um argumento a favorde instituições representativas. Michels, com sua famosa "lei deferro da oligarquia" — baseada numa investigação sobre os partidossocial-democratas alemães, que se dedicavam de maneira ostensivaaos princípios da democracia em suas próprias fileiras —, pareciamostrar que era necessário fazer uma escolha entre organização(aparentemente indispensável no século XX) e democracia, mas nãoambas. Assim, emborajjemocracm,gnquanto governo do povojjgrmeio do máximo de participação de todo o povo, ainda possa ser umideal, sérias dúvidas, põ?fãs~è"mêvidêricíã^n nome da ciência social,

10

parecem ter se levantado quanto à possibilidade de se colocar esseideal em prática.

Entretanto, por volta da metade do século, muitas pessoasachavam que o ideal estava sendo questionado. A "democracia", dequalquer forma, ainda era o ideal; o que se tornara suspeita era aênfase na participação e, com ele, a formulação "clássica" de teoriademocrática. O colapso da República de Weimar, com altas taxas departicipação das massas com tendência fascista e a introdução deregimes totalitários no pós-guerra, baseados na participação dasmassas, ainda que uma participação forçada pela intimidação e pelacoerção, realçam a tendência de se relacionar a palavra "participa-ção" com o conceito de totalitarismo mais do que com o de democra-cia. O fantasma do totalitarismo também ajuda a explicar a preocu-pação com as condições necessárias à estabilidade num Estadodemocrático; outro fator nesse sentido era a instabilidade de tantosEstados no mundo pós-guerra, em especial as ex-colônias, que ape-nas em poucos casos mantiveram um sistema político democráticonos moldes ocidentais.

Se esse cenário provocou sérias dúvidas e reservas em relaçãoàs antigas teorias democráticas, então os fatos revelados pela expan-são da sociologia política no pós-guerra parecem ter convencido amaior parte dos teóricos atuais de que suas dúvidas estavam plena-mente justificadas. Os dados obtidos em amplas investigações empí-ricas sobre atitudes e comportamentos políticos, realizadas na maio-ria dos países ocidentais nos últimos vinte ou trinta anos, revelaramque a característica mais notável da maior parte dos cidadãos, princi-palmente os de grupos de condição sócio-econômica baixa, é umafalta de interesse generalizada em política e por atividades políticas.E mais: constatou-se que existem atitudes não-democráticas ou auto-ritárias amplamente difundidas também entre os grupos de condiçãosócio-econômica baixa. A conclusão esboçada (quase sempre porsociólogos políticos travestidos de teóricos de política) é a de que avisão "clássica" do homem democrático constitui uma ilusão semfundamento e que um aumento da participação política dos atuaisnão-participantes poderia abalar a estabilidade do sisfema democrá-tico, considerando-se a perspectiva das atitudes políticas.

Havia um outro fator a amparar o processo de rejeição dasantigas teorias democráticas: o argumento, que agora se tornava fa-

11

Page 7: Carole pateman   participação e teoria democrática

miliar, de que essas teorias eram normativas e "carregadas de valor",ao passo que a teoria política moderna seria científica e empírica,firmemente assentada nos fatos da vida política. Mas mesmo assimpoder-se-ia questionar se a revisão da teoria democrática deveria ounão ter sido empreendida com tamanho entusiasmo por tantos escri-tores se esse mesmo problema do aparente contraste entre os fatos eatitudes da vida política e suas caracterizações em antigas teorias nãotivesse sido abordado e respondido por Joseph Schumpeter. Seuprestigiado livro Capitalismo, socialismo e democracia (1943) defato foi escrito antes da enorme quantidade de informação empíricaagora disponível em política, mas mesmo assim Schumpeter consi-derou que os fatos mostravam a necessidade de uma revisão da teoriademocrática "clássica" e forneceu tal teoria revisada. Mais do queisso: ele colocou em evidência uma definição nova e realista de de-mocracia, o que se revelou mais importante para as teorias posterio-res. Uma compreensão da essência da teoria de Sqhumpeter é vitalpara uma apreciação das obras mais atuais sobre teoria democrática,pois elas foram elaboradas dentro do parâmetro estabelecido porSchumpeter e basearam-se em sua definição de democracia. /

O ponto de partida da análise de Schumpeíer_é um ataque ànoção de teoria democrática enquanto uma teoria de meios e fins;democracia, afirma ele, é uma teoria dissociada de quaisquer ideaisou fins. "Democracia é um método político, ou seja, trata-se de umdetenninadotipo de arranjo institucional para se chegar_a_decisõespolíticas — legislativas e administrativas." Na medida em que seafirma uma "lealdade sem compromissos" à democracia, supunha-seque o método cumprisse outros ideais, por exemplo o de justiça.1

O procedimento adotado por Schumpeter na formulação de suateoria democrática foi estabelecer um modelo daquilo que ele chamoude "doutrina clássica" da democracia para examinar suas deficiências e

l. Schumpeter, 1943, p. 242 (grifo de Schumpeter). Para convencer os leitores da validade deseu argumento, Schumpeter propunha um "experimento mental". Imaginem um país que,de modo democrático, perseguisse.judeus, bruxas e cristãos; não aprovaríamos tal prática sóporque decidiu-se por ela de acordo com o método democrático, portanto, a democracia nãopode ser um fim. Contudo, como faz notar Bachrach, semelhante perseguição sistemáticaentraria em conflito com as regras de procedimento necessárias se quisermos chamar de"democrático" o método político do país (Bachrach, 1967, pp. 18-20). Schumpeter tampoucodeixa claro por que deveríamos esperar que justamente esse método político nos levaria, porexemplo, à justiça.

12

depois propor uma alternativa. (Esse modelo e a crítica que Schumpeterfez a ele serão considerados depois.) Schumpeter pensava que "a maio-ria dos estudantes de política" concordaria com suas críticas e tambémcom sua teoria revisada da democracia que "é bem mais verdadeira emrelação à vida e ao mesmo tempo resgata muito do que os defensores dométodo democrático realmente entendiam por esse termo" (p. 269).Uma vez que a principal crítica de Schumpeter à "doutrina clássica" eraque o papel central de participação e tomada de decisões por parte dopovo baseava-se em fundamentos empiricamente irrealistas, em suateoria revisada o ponto vital é a competição dos que potencialmentetomam as decisões pelo voto do povo. Por isso, Schumpeter apresentoufa seguinte definição do método democrático como moderna e realistaA"Aquele arranjo institucional para se chegar a decisões políticas, noljqual os indivíduos adquirem o poder de decidir utilizando para isso uma j?luta competitiva pelo voto do povo" (p. 269). De acordo com essa!definição, a competição pela liderança é a característica distintiva dademocracia, permitindo que se diferencie o método democrático deoutros métodos políticos. Por esse método qualquer pessoa, em princí-pio, é livre para competir pela liderança em eleições livres, de modo queas liberdades civis costumeiras são necessárias.2 Schumpeter compa-rava a competição política por votos à operação do mercado (econô-mico): à maneira dos consumidores, os eleitores colhem entre as políti-cas (produtos) oferecidas por empresários políticos rivais, e os partidosregulam a competição do mesmo modo que as associações de comérciona esfera econômica.

Schumpeter dedicou alguma atenção às condições necessáriaspara a operação do método democrático. Além das liberdades civis,eram requeridos tolerância para as opiniões de outros e "um certo tipode caráter e de hábitos nacionais", e não se poderia confiar em que aoperação do próprio método democrático fornecesse tais condições.Outra exigência era que "todos os interesses envolvidos" fossem vir-tualmente unânimes em sua lealdade aos "princípios estruturais da so-ciedade existente" (pp. 295-6). Contudo, Schumpeter não achava ne-cessário o sufrágio universal; ele pensava que as qualificações quanto à

2. Mesmo admitindo a liberdade em princípio, Schumpeter pensava que, na verdade,!era necessária uma classe política ou dominante para fornecer candidatos à liderança|(p. 291).

13

Page 8: Carole pateman   participação e teoria democrática

propriedade, à raça ou à religião eram, todas, perfeitamente compatíveiscom o método democrático.

f Najeoria de Schumpeter,.os únicos meiosdejarticipafcão-abertosao cidadãojão o voto para o líder e^discujsãQ.. Ele pontifica que aspráticas usualmente aceitas (como "bombardear" representantes comcartas) são contrárias ao espirito do método democrático, pois, de fato,argumenta ele, trata-se de tentativas que os cidadãos fazem para contro-lar seus representantes, e isso constitui uma completa negação do con-ceito de liderança. O eleitorado "normalmente" não controla seus líde-res, a não ser quando os substitui por líderes alternativos nas eleições,de modo que "parece bom restringir nossas idéias sobre tal controle damaneira indicada em nossa definição" (p. 272). Na teoria de democraciade Schumpeter, a participação não tem um papel especial ou central.Tudo que se pode dizer é que um número suficiente de cidadãos parti-cipa para manter a máquina eleitoral — os arranjos institucionais —funcionando de modo satisfatório. A teoria concentra-se no númeroreduzido de líderes. "Amassa eleitoral é incapaz de outra coisa que nãoseja um estouro de boiada", diz Schumpeter (p. 283), por isso seuslíderes precisam ser ativos, possuir iniciativa e decisão, e a competiçãoentre os líderes pelos votos constitui o elemento democrático caracterís-tico nesse método político.

É indubitável a importância da teoria de Schumpeter para asteorias democráticas posteriores. Sua noção de "teoria clássica", acaracterização que ele fez do "método democrático" e o papel daparticipação nesse método tornaram-se quase universalmente aceitosem textos recentes sobre teoria democrática. Um dos poucos pon-

|tos em que os teóricos atuais divergem de Schumpeter é a questão da; necessidade de a democracia ter um "caráter democrático" básico, e! daí saber se a existência desse caráter depende do funcionamento do! método democrático. Vamos examinar quatro exemplos bem conhe-cidos sobre a teoria da democracia nos trabalhos recentes de Berel-son, Dahl, Sartori e Eckstein. A ênfase na estabilidade do sistemapolítico é maior nessas obras do que na de Schumpeter, mas a teoriademocrática comum a todas elas descende diretamente do ataqueque este autor fez à teoria "clássica" da democracia.

No capítulo 14 de Votar (Voting, 1954), sob o título de "Teoria

3. (pp. 244-5) As teorias mais recentes não o seguem nesse ponto.

14

e prática democráticas", a orientação teórica funcionalista de Berel-son é bastante diferente da de Schumpeter, mas tem o mesmo obje-tivo.4 Ele se propõe a examinar as implicações para a teoria demo-crática "clássica" do "confronto" entre esta e a evidência empírica,fornecida em capítulos anteriores do livro. Com vistas a esse con-fronto, Berelson adota a estratégia de Schumpeter de apresentar ummodelo da "teoria clássica" — ou, mais precisamente, um modelodas qualidades e atitudes que essa teoria supostamente exige doscidadãos, tomados como indivíduos —, e este procedimento revelaque "certas exigências, em geral tidas como necessárias para o bomfuncionamento da democracia, não são encontradas no comporta-mento do 'cidadão médio'".5 Por exemplo, "espera-se que o cidadãodemocrático se interesse e participe dos assuntos políticos", contudo"em Elmira, a maioria da população vota, mas quase nunca revela uminteresse constante" (1954, p. 307). Assim mesmo, apesar desta e detodas as outras deficiências na prática democrática, as democracias oci-dentais sobreviveram; portanto, deparamo-nos com um paradoxo:

Os eleitores isolados, hoje em dia, parecem incapazes de satisfazer asexigências de um sistema de governo democrático tal qual delineadopelos teóricos políticos. Mas um sistema de democracia deve ir ao encontrode certas exigências para que exista uma organização política. Os membros,tomados individualmente, podem não satisfazer a todos os padrões, masassim mesmo o todo sobrevive e cresce (p. 312, grifos de Berelson). i

De acordo com Berelson, a apresentação desse paradoxo per-mite que se veja o engano dos autores "clássicos", e que se constateo porquê de suas teorias não fornecerem um quadro preciso do fun-cionamento dos sistemas políticos democráticos existentes. Ele argu-menta que a teoria "clássica" concentra-se no cidadão isolado, igno-rando virtualmente o próprio sistema político; e, quando o leva emconta, considera as instituições específicas e não as "condições ge-rais para que as instituições funcionem como deveriam". Berelson

4. Ver também Berelson'(1952). Para algumas críticas dos aspectos funcionalistas da teoriade Berelson, ver Duncan e Lukes (1963).5. Berelson, 1954, p. 307. Assim como a maioria dos outros autores que falam da teoria

democrática "clássica", Berelson não diz em quais autores baseou seu modelo. No texto citado nanota anterior, ele observa, a propósito da série de atitudes das quais traça um esboço, que, "setodas não são exigidas em uma única teoria política da democracia, todas elas são encontradas emuma ou outra teoria" (1952, p. 314). Porém, de novo, nenhum nome é fornecido.

15

Page 9: Carole pateman   participação e teoria democrática

arrola as seguintes condições, necessárias "para que a democraciapolítica sobreviva": deve-se limitar a intensidade do conflito, restringira taxa de câmbio, manter a estabilidade social e econômica, e é precisoque haja organização social pluralista, além de um consenso básico.

l Segundo Berelson, os teóricos anteriores também supunham| que seria necessária uma cidadania politicamente homogênea numal democracia (homogênea quanto às atitudes e aos comportamentos).De fato o que se exige e o que se encontra é a heterogeneidade,felizmente. Tal heterogeneidade é necessária, pois espera-se quenosso sistema político desempenhe "funções contraditórias" e, assim

\ mesmo, funcione. E funciona devido ao modo pêlo qual as qualifica-ções e atitudes se distribuem entre o eleitorado; tal distribuição per-mite que as contradições se resolvam, ao mesmo tempo que se man-tém a estabilidade do sistema. Desse modo, o sistema revela-seigualmente estável e flexível, por exemplo, porque as tradições polí-ticas de grupos familiares e étnicos e a natureza duradoura das leal-dades políticas contribuem para a estabilidade, ao passo que "os elei-tores menos aptos a preencher os critérios individuais são os quemais contribuem quando medidos pelo critério coletivo da flexibili-dade... tais eleitores podem ser os que menos tomam partido e osmenos interessados, mas cumprem uma função valiosa para o con-junto do sistema".7

| Em suma, a participação limitada e a apatia têm uma funçãoLpositiva nò~colijünto dõ~slstema ao amortecer o choque dasjiscor-p. dâncias._dQs..ajustes e das mudanças.

Berelson conclui argumentando que sua teoria não apenas érealista e descritivamente precisa, mas também inclui os valores quea teoria "clássica" conferia aos indivíduos. Ele diz que a atual distri-buição de atitudes do eleitorado "pode desempenhar as funções e

6. (1954, pp. 312-3) A conexão específica entre essas condições e a democracia não ficamuito clara; as três primeiras aparentemente seriam uma exigência, de modo quase tautoló-gico, para a manutenção de qualquer sistema político. Berelson acrescenta que continuaráexplorando "os valores" do sistema político. O que ele faz, na verdade, é examinar as"exigências do sistema"; ver a seção que inicia na p. 313.7. (1954, p. 316) E difícil descobrir por que Berelson chama os itens que ele cita de

"contraditórios". Sem dúvida devem ser difícies de se obter empiricamente aos mesmotempo, mas é possível haver (e não é ilógico esperar) estabilidade e também flexibilidade, ouexistirem eleitores que expressem escolhas livres e autodeterminadas, ao mesmo tempo quefazem uso das melhores informações e orientações dos líderes (ver pp. 313-4).

16

incorporar os mesmos valores atribuídos por alguns teóricos a cadaindivíduo, tanto no sistema quanto nas instituições políticas que oconstituem"! Assim sendo, não deveríamos, pois, rejeitar o conteúdonormativo da velha teoria — que presumivelmente consiste da im-portância das atitudes que se exigem dos cidadãos isolados — , masrevisá-lo para se adequar à realidade presente.8

A teoria de Berelson fornece uma clara relação de parte dosprincipais argumentos de recentes obras sobre teoria democrática.Por exemplo, o argumento de que a moderna teoria de democraciadeve ter uma forma descritiva e concentrar-se no sistema políticovigente. Segundo esse Tjmtg^dejdsífl,-pode=se-peEceber-que-QS-altosi

^^jüém disso, a apatiaejg desinteresse dajmaioriacumprem um imp^rtantgjgajggl n£jri^aj[iujtoç,ãajda_estabilidade_dó __sistema tomaj^comgjLmi todo. Portanto, chegj^jigjugumento deque essa participação que ocorre de fato é exatamente a participaçãonecessária para^um sistema dejdemocracia-e.stáv.el,

Berelson não explicita quais as características necessárias paraque um sistema político possa ser descrito como "democrático", umavez que o máximo de participação de todos os cidadãos não éuma delas. Uma resposta a essa questão pode ser encontrada em doisestudos de Dahl, Uma introdução à teoria democrática (A Preface toDemocratic Theory, 1956) e Hierarquia, democracia e negociaçãoem política e em economia (Hierarchy, Democracy and Bargainingin Politics and Economics, 1956a), e tal resposta segue de perto adefinição de Schumpeter.

Dahl não "confronta" teoria e fato do mesmo modo que Berel-son; na verdade, Dahl não parece estar muito seguro se existe ou nãoalgo como uma "teoria clássica da democracia". No início de Umaintrodução à teoria democrática, ele observa que "não há uma teoriademocrática — existem apenas teorias democráticas".9 Em'um outrotexto, no entanto, ele escreveu que "em alguns aspectos, pode-sedemonstrar a invalidade da teoria clássica" (1965a, p. 86). Sem dú-

8. (1954, pp. 322-3) O ponto de exclamação refere-se evidentemente à passagem citada, quebeira o total absurdo.9. (1956, p. I) Todavia ele também se refere a pelo menos uma "teoria tradicional" (p. 131).

Em oposição a isso, contudo, ver Dahl (1966), onde ele diz que nunca houve uma teoriaclássica da democracia.

17

Page 10: Carole pateman   participação e teoria democrática

vida, Dahl encara as teorias que ele critica em Uma introdução àteoria democrática (a "madisoniana" e a "populista") como inade-quadas para os dias atuais; e sua teoria da democracia como poliar-quia — Q governo das múltiplas minorias é apresentada à guisa deuma substituição mais adequada para aquelas, enquanto uma teoriada democracia moderna e explicativa.

Dahl fornece uma lista das características que definem a demo-cracia, as quais, de acordo com o argumento de Schumpeter de que ademocracia é um método político, constituem uma lista dos "arran-jos institucionais" centrados no processo eleitoral (1956, p. 84). Aseleições funcionam como um ponto central do método democráticoporque elas fornecem o mecanismo através do qual pode se dar ocontrole dos líderes pelos não-líderes; a "teoria democrática ocupa-se dos processos pelos quais os cidadãos comuns exercem um graurelativamente alto de controle sobre os líderes" (p. 3). Dahl, à seme-lhança de Schumpeter, enfatiza que não se poderia atribuir um pesomaior à noção de "controle" do que o justificado pela realidade. Elesalienta a ênfase dada pelos textos políticos contemporâneos à idéiade que o relacionamento democrático é apenas uma das numerosastécnicas de controle social que de fato coexistem nas políticas demo-cráticas modernas, e essa diversidade deve ser levada em considera-ção numa teoria moderna da democracia (1956a, p. 83). Tampouco éo caso de se destacar uma teoria que exige o máximo de participaçãopopular para exercer o "controle", uma vez que sabemos que a maio-ria das pessoas é desinteressada e apática em relação à política, eDahl põe em evidência a hipótese de que uma porcentagem relativa-mente pequena de indivíduos, em qualquer forma de organizaçãosocial, aproveitará as oportunidades de tomada de decisão.10 E, por-tanto, o "controle" depende do outro lado do processo eleitoral, dacompetição entre os líderes pelos votos da população; o fato de queo indivíduo pode transferir o seu apoio a um grupo de líderes paraoutro confirma que os líderes são "relativamente afetados" pelosnão-líderes. E tal competição é o elemento especificamente demo-crático do método, e a vantagem de um sistema democrático (poliár-quico) comparado a outros métodos políticos reside no fato de serpossível uma ampliação do número, do tamanho e da diversidade das

10. (1956a, p. 87) Ver também 1956, pp. 81 e 138.

18

minorias que podem mostrar sua influência nas decisões políticas eno conjunto do caráter políticojda sociedade (1956, pp. 133-4).

A teoria da poliarquia taníbém pode fornecer "uma teoria satis-fatória a respeito da igualdadeípolítica" (1956, p. 84). Mais uma vez,não se devem ignorar as realidades políticas. A igualdade polí-jjticajião deve ser definida comgualdade_dg^ controle político ou de*poder, pois, comojpahl observa, os grupos de statusmico baixo, a maiom^stãQsepar.adüs_dessaJ.gualdade-por-uma:i"tripla barreira": sua inatividade rdajtiv^mente_inaÍOT;_s.eju_h^itadx)-|,acSs^aõsiecursqs e, nos Estados Unidos,. a "simpática inyençãojde '!umjústemajde verificações p.8Í). Numa teorísTSã^emõcracia moderna, a "igualdade política"refere-se à existência do jsufrágio\ universal (um homem^um voto)com_sua_sançãopor meio da competição eleitoraljo£^ojtp^e,jinais fimportante, refere-sejiõJ:aTòl3Figji^^^

qu^le^JiueJomam^s_de.cisões-por_m&io-dej

conseguem fazer com que suas reivindicações, sejam-ou-vidas. Os^representantes oficiais não apenas escutam os vários grupos, mas"esperam ser afetados de modo significativo se não apaziguarem ogrupo, seus líderes ou seus membros mais vociferantes" (p. 145).

Outro aspecto particularmente interessante da teoria de Dahl ésua discussão quanto aos jjré-requisilos jociaisjpara um sistema po-liárguiço._Um pré-requisito básico seria um consenso a respeito dasnormas, ao menos entre os líderes. (As condições institucionais ne-cessárias e suficientes para a goliarguia podem ser formuladas comonormas — 1956, pp. 75-6.) Tal consenso depende de um "treina-mento social", o qual, por sua vez, depende da existência de ummínimo de acordo a respeito da escolha e das normas políticas, demodo que o aumento ou a diminuição de um dos elementos afeta osoutros (p. 77). O treinamento social ocorre por meio da família, dasescolas, das igrejas, dos jornais, etc., e Dahl distingue três tipos detreinamento: de reforço, neutro e negativo. Ele argumenta que "érazoável supor que esses três tipos de treinamento operam sobre osmembros da maioria das organizações poliárquicas, se não todaselas, e talvez também sobre os membros de muitas organizaçõeshierárquicas" (1956, p. 76). Dahl não diz em que consiste o treina-mento, nem fornece qualquer sugestão sobre qual provável tipo de

19

Page 11: Carole pateman   participação e teoria democrática

treino é produzido por qual tipo de sistema de controle, mas eleafirma que sua eficácia dependerá das atuais e "mais profundas pre-disposições do indivíduo" (p. 82). É de se presumir que o treina-mento social "efetivo" seria aquele que desenvolvesse atitudes indi-viduais para apoiar as normas democráticas; por outro lado, Dahl dizque não é necessário um único "caráter democrático", como suge-rido por teóricos anteriores, porque isso não seria realista em face do"fato mais que evidente" de que os indivíduos pertencem, comomembros, a vários tipos de sistemas de controle social. O que seexigem são personalidades que possam adaptar-se aos diferentestipos de papéis nos diferentes sistemas de controle (1956a, p. 89),mas Dahl não fornece nenhuma indicação de como o treinamentopara produzir esse tipos de personalidade auxilia o consenso sobre asnormas democráticas.

Por fim, Dahl salienta um argumento a respeito dos possíveis

np^^atividade política constitui um pré-requisito da poliarquia, mas orelacionamento é algo extremamente complexo dentro dela. Os gru-pos de^condição sócio-econômica baixa Apresentam o menor^índice

atividade polítíca_e também,mvejam com maiojLJteqüência_aspersonalidades "autoritárias". Assim sendo, na medida em que o au-mento da atividade política traz esse grupo à arena política, o con-senso a respeito das normas pode declinar, declinando por conse-guinte a poliarquia. UrtLaumento da taxa de partidnaçM,jmrIanto.,

^poderia representarjun_perigg_para^a estabilidade do sistema derno^crátíçoj(195j6,. carj. 3?-ap...E)T-

O terceiro teórico da democracia cujo trabalho será discutido éum autor europeu, Sartori. Seu livro Teoria democrática (Democra-tic Theory, 1962) contém o que talvez seja a modalidade mais radicalda revisão de antigas teorias de democracia. Basicamente, sua teoria

i revela-se uma extensão das teorias de Dahl sobre democracia en-| quanto poliarguia. de forma que não será necessário repetir os deta-; lhes do argumento, mas Sartori ressalta que não sãoapenas asjrnno-' 5 JlH£J£I££2f!£!i£^ aspecto a senotar em sua teoria é a ênfase nos perigos de instabilidade e nospontos de vista correlatos a respeito da adequada relação entre ateoria democrática (o ideal) e a prática. Segundo Sartori, criou-se umabismo intransponível entre a teoria "clássica" e a realidade; "a in-

20

gratidão típica do homem de nossa época e sua desilusão com ademocracia são reações a uma meta prometida e que não pode seralcançada" (p. 54). Não obstante, é preciso ter cuidado para que nãoseja mal compreendido o exato papel da teoria democrática, mesmodepois de ela ter sido revista e reinterpretada. Uma vez que um sis-tema democrático tenha sido estabelecido — como nos países oci-dentais da atualidade — o ideal democrático deve ser minimizado.Esse ideal é um princípio nivelador que mais agrava do que resolveo problema real nas democracias, o de "manter a verticalidade", istoé, a estrutura de autoridade e de liderança; maximizado como uma"exigência absoluta, o ideal democrático (revisado) levaria o sistemaà "bancarrota" (pp. 65 e 96). Hoje, a democracia não deve ficar emguarda contra a aristocracia, como antes, mas contra a mediocridade econtra o perigo de que tal mediocridade possa destruir seus próprioslíderes, substituindo-os por contra-elites não-democráticas (p. 119).

O medo de que a participação ativa da população no processopolíticõlèvé^direto ao totalitarismopermeia todo o discurso de Sar-tori. O povo, diz ele, deve "reagir", ele não "age"; isto é, deve reagiràs iniciativas e políticas das elites rivais (p. 77). Felizmente, é issoque o cidadão médio faz na prática, e um ponto muito interessante nateoria de Sartori é que ele faz parte dos raríssimos teóricos da demo-cracia que de fato colocam a questão: "Como podemos classificar ainatividade do cidadão médio?". Sua resposta é que não devemosclassificá-la. Argumentos de que a apatia pode ser provocada peloanalfabetismo, pela jgpbreza ou pela insuficiência de informarãoforamjjfutados pelos fatos, assim como não foi constatada a suges-tão de que ela pode resultar da~falta de^raticã~dêmocra!ica, pois"aprendemos que nãosejroren(ie aque a tentativa de encontrar uma resposta para essa questão é umesforço equivocado, uma vez que asjressoas só compreendem e seinteressam de fatCLpor assuntos dos quais têm experiência pessoal,ou por idéias que conseguem formular; rjarajyjjróprias, e nada dissoé possível parao cidadão médio, em matéria de política. E precisoaceitar osfetoscomo eles são,^õrque te^aflrmSa^los^oria em pe-rigo a manutenção do método democrático, e Sartori ainda argu-menta que a única maneira de se tentar mudá-los seria pela coaçãodos apáticos ou pela penalização da minoria ativa, mas nenhum dosdois métodos seria aceitável. Sartori conclui que a apatia da maioria

21

Page 12: Carole pateman   participação e teoria democrática

"não é culpa de ninguém em particular, e que já é hora de parar deprocurar bodes expiatórios" (pp. 87-90).

As teorias da democracia apresentadas até agora estavam maispreocupadas em mostrar que espécie de teoria é necessária para seconsiderar os fatos existentes em termos de atitudes e comportamen-tos políticos e, ao mesmo tempo, em não colocar em perigo os siste-mas democráticos vigentes ao criar expectativas irreais e potencial-mente desintegradoras. Eckstein, em seu livro Uma teoria dedemocracia estável (A Theory of Stable Democracy, 1966), con-centra sua atenção, como aponta o título, nas condições ou pré-requi-sitos necessários para que um sistema democrático mantenha-se es-tável no decorrer do tempo.

A definição de "democracia" utilizada por Eckstein é a do jáconhecido sistema político onde as eleições decidem o resultado dacompetição por políticas e poder,11 mas, para esse sistema ser está-vel, a forma de governo deve assumir determinado tipo. A "estabili-dade" do sistema não se refere tanto à longevidade — que poderiaacontecer por "acidente" —, mas à sobrevivência, em função de umacapacidade de ajuste à mudança, da realização de aspirações políti-cas e de fidelidades, mas isso também implica que a tomada de deci-sões políticas seja efetiva no "sentido básico da própria ação, dequalquer espécie de ação, na busca de objetivos compartilhados ouno ajuste às condições de mudança" (p. 228).

Eckstein assinala que um dos aspectos das relações sociaismais óbvios e imediatamente ligados ao comportamento político foinegligenciado pelos textos; isto é,

os padrões de autoridade nas relações sociais não-governamentais,dentro das famílias, das escolas, de organizações econômicas e simila-res... parece razoável que, se há algum aspecto da vida social que possaafetar diretamente o governo, tal aspecto consiste nas experiências coma autoridade que o ser humano tem em outras esferas da vida, emespecial aquelas que moldam sua personalidade e aquelas às quais eledevota a maior parte de sua vida (p. 225).

11. Eckstein, 1966, p. 229. Eckstein não contrapõe explicitamente sua teoria em relação àteoria "clássica", no entanto pelo menos uma observação mostra que ele considera as teoriasanteriores inadequadas. Ele diz que, hoje em dia, convém encarar o governo democrático demodo mais pessimista, sem tomar por base a afirmação de que os homens são democratasnaturais, mas com base na combinação "calamitosamente improvável" das condições neces-sárias (pp. 285-6).

22

A primeira proposição de sua teoria, aplicável a qualquer métodode governo, é que "um governo tenderá a ser estável se o seu padrão deautoridade for eongruente com os outros padrões de autoridade da so-ciedade da qual faz-parte" (p. 234). Eckstein observa que, nesse con-texto, "eongruente" tem dqis sentidos, aos quais vamos nos referircomo o forte e o fraco.- O sentido forte é o de "idêntico", equivalente naterminologia de Eckstein a "muita semelhança" (p. 234). Este não é osentido aplicável a uma democracia porque tal situação de congruênciade estruturas de autoridade jião.seria possível nesse sistema, ou, pelomenos, Traria "as mais,graves conseqüências disfuncionais". Determi-nadas estruturas de autoridade simplesmente não podem ser democrati-zadas, como, por exemplo, aquelas nas quais ocorre a socialização dosjovens (família, escola),j)oisrêmborax se "finja" que são democráticas,um füígimento excessivamente realista como esse produziria "seres hu-manos deformados "e incompletos"/De modo similar, pode-se "imitar"ou "simular" a democracia em organizações econômicas, mas mesmoisso, em exagero, levaria a "conseqüências que ninguém quer" e, alémdisso, "certamente sabemos que a organização econômica capitalista eaté certos tipos de propriedade pública... militam contra a democratiza-ção das relações econômicas". Portanto, somente aquelas esferas queEckstein assinala como as mais importantes para o comportamento po-lítico é que precisam ser necessariamente antidemocráticas (pp. 237-8).O sentido fraco de "congruência" é o de "semelhança gradual" — umsentido que torna "os requisitos dependentes mas não impossíveis decumprir". Esse sentido não fica inteiramente claro, mas Eckstein afirmaque alguns "segmentos" da sociedade estão mais próximos do governoque outros, tanto no sentido de serem "adultos" quanto no de serem"políticos". Haveria congruência no sentido fraco se (a) os padrões deautoridade aumentassem o grau de semelhança com o governo na me-dida em que estivessem mais "próximos" dele, ou (b) se existisse um altograu de semelhança nos padrões "adjacentes ao governo" e se nos segmen-tos distantes houvessem se originado padrões funcionalmente apropriados,no sentido de uma imitação real ou ritual do padrão do governo.12

Aqui parece haver uma dificuldade teórica, pois só se podeatingir a estabilidade e evitar a "tensão" (um estado psicológico e

12. (pp. 238-40) (b) é a condição mínima para (o significado de) "congruência"; (a) consideroque isto é o que Eckstein entende por "um padrão gradual numa adequada segmentação dasociedade" (p. 239).

23

Page 13: Carole pateman   participação e teoria democrática

uma condição social semelhante ao que se entende por "anomia"quando se alcança a congruência. A tensão pode ser minimizada seexistirem muitas oportunidades para que os indivíduos aprendam ospadrões democráticos de atuação, em especial se as estruturas deautoridade democráticas forem aquelas mais próximas ao governoou aquelas que envolvem as elites políticas, isto é, se a congruênciano sentido fraco for atingida. Entretanto, Eckstein já havia dito que éimpossível democratizar algumas das estruturas de autoridade maispróximas do governo.1 Contudo, isso realmente não é um problemapara a teoria, pois o argumento de Eckstein diz que, para uma demo-cracia estável, o padrão de autoridade governamental deve se tornarcongruente com a forma predominante de estrutura de autoridade nasociedade, ou seja, o padrão governamental não precisa ser "pura-mente" democrático. Ele precisa conter um "equilíbrio dos elemen-tos díspares" e revelar um "saudável elemento de autoritarismo".Eckstein também apresenta mais duas razões para existência desteúltimo elemento: a primeira faz parte da definição de "estabilidade",a tomada de decisões efetiva só pode ocorrer se esse elemento auto-ritário estiver presente; e a segunda é psicológica, os homens sentemnecessidade de líderes e de lideranças firmes (autoritários) e essanecessidade precisa ser satisfeita para que se mantenha a estabilidadedo sistema (pp. 262-7).

A conclusão da teoria de Eckstein — que_rjode_sgr_encaradacomo parad^x^_uma_yezj^ie_se_fratadjjma^oriajda.denio.ciacia— é que, para um sistem^jejnwraticp^M¥£/,ja^strutura deautori-dadejio governo nacional_não precisa se_r, _neçesgariamente, pelomeiTOs^dej^d^rpj£O^.^mQcrática.^

Pode se estabeler agora, em linhas gerais, uma teoria da democra-cia comum aos quatro escritores acima, e a muitos outros teóricos dademocracia atuais. De agora em diante passarei a referir-me a ela comoa teoria contemporânea da democracia. Essa teoria, de caráter empíricoou descritivo, concentra-se na operação do sistema político democrático

13. (pp. 254 e segs.) Como Dahl, Eckstein pouco fala a respeito do modo como se dá o"treinamento social". Uma vez que a maioria das pessoas não é politicamente muito ativa eque, portanto, não estará participando das estruturas de autoridade mais "congruentes" (aque-las "mais próximas" ao governo), essa maioria será socializada por meio de padrões não-de-mocráticos. Assim, a teoria de Eckstein apoia os argumentos daqueles que salientam osperigos inerentes à participação da maioria (não-democrática) para a estabilidade do sistema.

24

tomado como um todo e baseia-se nos fatos das atitudes e dos compor-tamentos políticos atuais, revelados pela investigação sociológica.

Nessa teoria, a "democracia" vincula-se a um método políticoou uma série de arranjos institucionais a nível nacional. O elementodemocrático característico do método é a competição entre os líderes(elite) pelos votos do povo, em eleições periódicas e livres. As elei-jções são cruciais para o método democrático, pois é principalmenteatravés delas que a maioria pode exercer controle sobre os líderes..reação dos líderes às reivindicações dos que não pertencem à elite ésegurada em primeiro lugar pela sanção de perda do mandato naseleições; as decisões dos líderes também podem sofrer influências degrupos ativos, que pressionam nos períodos entre as eleições. A"igualdade política", na teoria, refere-se ao sufrágio universal e àexistência de igualdade de oportunidades de acesso aos canais deinfluência sobre os líderes. Knahnej^J^r2ailicipação",-no_que_diz|respeito à maioria, constitui_a_participação na escolha_dagueles^vieJtomam as decisõesTPÕr conseguinte, a função da participação nessa \teoria e apenas de proteção; a proteção do indivíduo contra decisões /

_ ^dos. É na realização desse objetivo que reside a justificação do mé-todo democrático.

São necessárias certas condições para conservar a estabilidadedo sistema. O nível de participação da maioria não devgria crescer^acimajio mínimo necessário a fim de manter q método democrático \(má(jímnã~êTê1toral^ jque^xiste^ajtualmentejias democracias an^lo-amenganas. O fato deatitudes não-^mocráticassej^rnj^e^tivamente mais comuns entreos inativos significa que um aumento de particrpaçãq^dos apáticosenfraquecidocpjisjaisoTJül^õ^^nõfmaTdõ^etõdíldemocrátij) que é mais uma das condições necessárias. Embora não haja exi-gência de um "caráter democrático" definido para todos cidadãos, otreinamento social ou a socialização necessários ao método demo-crático podem se dar dentro das estruturas de autoridade existentes,variadas e não-governamentais. Contanto que haja algum grau decongruência entre a estrutura de autoridade do governo e as estrutu-ras não-governamentais próximas a ele, a estabilidade pode ser man-tida. Cojnaj)bjejTOu_£ad2ach_(1967,p. 95), esse modelo dejiempcracia pode ser_yjstp_como_aciuele em que a maioria (nãojslites

25

Page 14: Carole pateman   participação e teoria democrática

obtém o

A teoria contemporânea da democracia conquistou um apoioquase universal entre os teóricos políticos atuais, mas não ficou intei-ramente a salvo das críticas, ainda que as vozes dos críticos se façamouvir muito pouco.14 O ataque dos críticos dirige-se a dois pontosprincipais. Em primeiro lugar, eles argumentam que os defensores dateoria da democracia contemporânea não compreenderam a teoria"clássica"; ela não era em essência uma teoria descritiva, como elessugeriam, mais uma teoria normativa, "um ensaio de preceitos"(Davis, 1964, p. 39). Examinarei brevemente essa questão. Em se-gundo lugar, os críticos afirmam que, na revisão da teoria "clássica",os ideais que ela contém foram substituídos por outros; "os revisio-nistas modificaram fundamentalmente o significado normativo dademocracia" (Walker, 1966, p. 286).

JáJLcà^^^^^jiue^teoría_ço^^m^^a_ó^SÍSS^^^como "livre de valores", jgmo uma teoria descritiva. Dahl (1966), defãtüTfêjêitou explicitamente a acusação de que ele havia, juntamentecom outros teóricos, produzido uma nova teoria normativa. Nesseaspecto, os críticos compreendem melhor a natureza da teoria con-temporânea do que o próprio Dahl. Taylor (1967) salienta que qual-quer teoria política destaca dos fenômenos considerados aqueles queprecisam ser explicados e os que são relevantes para a explicação.Mais do que isso, no entanto, como mostrou Taylor, tal seleção sig-nifica que não apenas algumas dimensões são excluídas por seremirrelevantes — dimensões que podem ser cruciais para uma outrateoria — , mas que as dimensões escolhidas também sustentam umaposição normativa, uma posição implícita na própria teoria.

A teoria contemporânea da democracia não é uma mera descri-ção do modo como operam certos sistemas políticos. Ela implica queesse é o tipo de sistema que deveria ser valorizado, e inclui uma sériede padrões ou critérios pelos quais um sistema político pode ser

/ considerado "democrático". Não é difícil de constatar que para os

14. Praticamente qualquer texto recente sobre democracia fornece um exemplo da teoriacontemporânea, mas pode-se ver, por exemplo Almond e Verba (1965), Lipset (1960), Mayo(1960), Morris Jones (1954), Milbrath (1965), Plamenatz (1958). Para exemplos de críticas dateoria contemporânea, ver Bachrach (1967), Bay (1965), Davis (1964), Duncan e Lukes (1963),Goldschmidt (1966), Rousseas e Farganis (1963) e Walker (1966).

26

teóricos considerados esses padrões são aqueles inerentes ao sistemademocrático anglo-americano existente, e que com o desenvolvi-mento desse sistema já temos o Estado democrático ideal. Berelson,por exemplo, diz que o sistema político existente (americano) "nãoapenas funciona sob condições as mais difíceis e complexas, como ofaz com distinção" (1954, p. 312). Dahl conclui o livro Uma introdu-ção à teoria democrática observando que, embora não tentasse de-terminar se o sistema descrito por ele seria desejável, ainda assimtrata-se de um sistema que permite a todos os grupos ativos e legíti-mos serem ouvidos em alguma etapa do processo de tomada de deci-sões, "o que já é alguma coisa", e que é também "um sistema relati-vamente eficiente para reforçar o acordo, encorajar a moderação emanter a paz social" (1956, pp. 149-51). Obviamente, um sistemapolítico que pode enfrentar e enfrenta questões difíceis desincum-bindo-se delas com distinção, que pode assegurar paz social e de fatoassegura, é intrinsecamente desejável._Além disso, ao excluir algu-mas dimensões, a teoria contemporâneanos apresentaUuas alterna-

mT^sisíêíílTíÕ^qlããrõrroeres são conlroláveis pelo tHeítóradoemTprestar'contas a ele, no qual^o eleitorado pode^^S^^^tre

os líderes ou a eli^e em,cojn^ quaHssojiãoocorre ("totalitarismo"). A escolha^ rjo^m^é^^p^kjgresentaçãodás alternativas; podemos escolher entre os líderes em competição,põftãríto o sistema que deveríamos^ter é exatamejtíejajjujíjtenios.*~ Dessa forma, os críticos estão certoíTquando afirmam que ateoria contemporânea não apenas tem o seu próprio conteúdo norma-tivo, mas implica que nós —pelo menos os ànglo-saxões ocidentais— estamos vivendo no sistema democrático "ideal". Eles estão cer-tos também ao dizerem que o ideal foi rejeitado, na medida em quetal ideal, contido na teoria "clássica", diferiu das realidades existen-tes. Os^críticosjia^teoria contemporânea concordam amplamentequanto à natureza desse ideal. Todos concordam que o máximo departicipaçãojor parte de todo^o^pQ^^serij^jejI^ntõ^ceffiãl; demodo mais geral, como coloca Davis (1964), seria o ideal do"homem democrático racional, ativo e informado" (p. 29). Contudo,embora eles concordem quanto ao conteúdo desse ideal, apenas umdos críticos, Bachrach, toca de leve na questão crucial de saber se osteóricos da democracia contemporânea não estavam certos em rejei-tar aquele ideal, em função dos fatos empíricos disponíveis. Como

27

Page 15: Carole pateman   participação e teoria democrática

assinalam Duncan e Lukes (1963, p. 160), a evidência empírica podenos levar a modificar as teorias normativas sob certas circunstâncias,se bem que eles acrescentam que, no que concerne à modificação doideal, "é preciso mostrar exatamente como e por que se tornou im-provável ou impossível atingi-lo. Isso não foi feito em lugar ne-nhum". Por outro lado, os críticos da teoria contemporânea tambémnão mostraram como ou por que é possível atingir-se o ideal.15 Tal-vez Sartori esteja certo ao argumentar que é um engano procurarrazões para a falta de interesse e de atividade em política por parte damaioria; talvez os teóricos da democracia contemporânea estejamcertos ao salientarem a fragilidade dos sistemas políticos democráti-cos e a "improbabilidade calamitosa" de que a combinação certa depré-requisitos para a estabilidade ocorra em apenas alguns poucospaíses, se tanto.

O motivo para que a natureza das críticas da teoria da democra-cia contemporânea seja inconclusiva reside no fato de que tambémos críticos aceitaram a formulação do problema feita por Schumpe-ter. Eles tendem a aceitar a caracterização da teoria "clássica" feitapelos escritores que eles estão criticando e, como eles, tendem aapresentar um modelo composto dessa teoria sem fornecer as fontesde onde ela derivou, ou tendem a referir-se indiscriminadamente auma lista bem variada de teóricos.1 E, um ponto mais importante,eles não questionam a existência dessa teoria, embora discordemquanto a sua natureza. Do que nem os críticos nem os defensores se

^é um m/í<2._Nenhum dos lados em disputa fez o óbvio, e o necessário:examinar em detalhes aquilo que os teóricos anteriores tinham defato a dizer. Devido a isso, continua o mito da teoria "clássica", e oponto de vista dos teóricos anteriores da democracia e a natureza desuas teorias são constantemente deturpados. Apenas quando o mito

15. Bachrach (1967) comenta por que deveríamos conservar o ideal, mas fornece apenassujestões genéricas sobre como fazer para realizá-lo, e nenhuma evidência para mostrar se éou não possível atingi-lo.16. Duncan e Lukes são uma excessão, pois eles tomam J. S. Mill como seu exemplo deteórico "clássico". Walker, após objetar que em geral não se deixa muito claro quaisos teóricos que se tem em vista, faz uma apresentação breve do que seria a teoria "clássica"baseando-se principalmente no artigo de Davis, o qual, depois de fornecer uma lista bemvariada de escritores, não indica no texto de quais teóricos específicos ele tira seu material.Bachrach também refere-se de modo indiscriminado aos "teóricos clássicos".

28

tiver sido exposto poder-se-á enfrentar a questão de saber se a revi-são normativa da democracia é ou não justificável. É para o mito quenos voltamos agora.

A primeira coisa a fazer é definir quem são esses teóricos clás-sicos. É claro que existe uma grande variedade de nomes para esco-lher, e para fazer a escolha devemos começar pelo ponto de partidamais óbvio: a definição de democracia clássica de^Sçhumgeter. Ele1

definiu o método democrático clássico como o "arranjo institucionalpara se chegar a decisões políticas, o qual realiza o bem comum,fazendo c2HL9ue«5 própjJQ.poyjiLdgcida quesjõej_ajrjiy^§_daj£lejgabde indivíduos,os quajs^.ey.em.reunir^ie^m^ssembléias para execu-tar_a vontade desse povo^, (1943, p. 250). Schumpeter refere-se àteoria "clássica" como uma teoria do "século XV111" e diz que ela sedesenvolveu a partir de um protótipo em pequena escala; e tambéma chama de "utilitária" (pp. 248 e 267). Assim, tomando tais indica-ções como orientação, chegamos aos nomes de Rousseau, os doisMill e Bentham, que de fato merecem o título de teóricos "clássicos"da democracia. Todavia, se a identificação da teoria de qualquer des-ses autores com a definição de Schumpeter parece duvidosa, con-cluir que a teoria de todos eles, assim como talvez a de outros auto-res, poderia se mesclar de alguma forma para divulgar a definição deSchumpeter seria mais curioso ainda. Schumpeter argumenta que,para que o método político "clássico" funcione, "cada um teriaque saber, de modo absoluto, o que ele quer dizer... uma conclusãoclara e imediata quanto às questões particulares teria que ser dedu-zida de acordo com as regras da inferência lógica... o cidadão exem-plar teria que realizar tudo isso por si próprio, independentementedos grupos de pressão e propaganda" (pp. 253-4). Ele faz duas críti-cas principais à teoria "clássica" que são de particular relevânciaaqui. Em primeiro lugar, tal teoria é irrealista e exige do__homgmcomum*úmlãrvêT3è racionàficllde simpTêsmMtê"impõsTível. Schum-

pelo homem comum, em seu cotidiano, são "reais" no sentido com-pleto da palavra, e a política em geral não pertence a essa categoria.Normalmente, quando o homem comum se depara com assuntospolíticos, "perde completamente... a noção da realidade", e se des-loca para um nível mais baixo de desempenho mental assim queingressa no campo da política". Em_segundolugar, Schumpeter^ar-^

29

Page 16: Carole pateman   participação e teoria democrática

ignoraOjcgnçeito^de^ ^liderança p7^58^Srê~270)TSê^^ãrãcterizãçãõ*qüe esse autor fazBa Teoria "clássica", e o que ela exigiria do cidadão comum, estivercorreta, então, sem dúvida, haveria uma boa dose de validade emsuas críticas. Schumpeter, porém, não apenas faz uma falsa repre-sentação daquilo que os assim chamados teóricos clássicos tinham adizer, como também não se dá conta que podem se encontrar duasteorias bem diferentes sobre democracia nos textos deles. Para sus-tentar tal discussão é preciso que se examine a obra dos quatro teóri-cos "clássicos". Por enquanto, apenas Bentham e James Mill serãobrevemente abordados. As teorias de Rousseau e de J. S. Mill serãoexaminadas em detalhe no próximo capítulo.

Bentham e James Mill fornecem exemplos de autores de cujasteorias poder-se-ia extrair algo que se assemelhasse à defini-ção da teoria "clássica" de Schumpeter. Bentham, em seus últimosescritos, nos quais defendia o sufrágio universal, o voto secreto eparlamentos anuais, esperava que o eleitorado exercesse um certograu de controle sobre os seus representantes. Ele desejava que taisrepresentantes fossem chamados "deputados"; com esta palavra,dizia, "indica-se o óbvio, sendo essa a palavra apropriada",17 e asfunções "locativa" e "alocativa" seriam as mais importantes para oeleitorado desempenhar. Na maior parte das questões, isso implicaque o eleitorado tem uma opinião quanto às políticas que são de seuinteresse e de interesse universal, e, portanto, uma opinião a respeitode quais políticas devem receber a aprovação de seus delegados.Para Bentham e Mill, o "povo" significava as "classes numerosas", oúnico grupo capaz de funcionar como um obstáculo à realização deinteresses "sinistros" por parte do governo. Uma vez que o interessedo cidadão reside na segurança contra um mau governo, diz Bent-ham, esse cidadão tomará atitudes de acordo com isso e "quanto àgratificação de qualquer desejo sinistro à custa do interesse univer-sal, ele não pode esperar a cooperação e o apoio de um grande nú-mero de cgpcidjdjgs".18 James Mill dizia que as simpatias do povoestão com alguns, mas "não com aquelas parcelas externas cujosinteresses estão em competição com os deles".19

17. Bentham, 1843, vol. IX, livro II, cap. V, §1, p. 155.18. Idem, ibidem, vol. IX, livro I, cap. XV, §IV, p. 100.19. Apud Hamburger, 1965, p. 54

30

Em vista disso, talvez se possa inferir que os dois teóricos es-peravam que os eleitores tomassem cadJdicÍsãalS_aJinfluênciaTda"propaganda", e,que.formassem-suasopiniões.pelaJógic.a,,c.omo,dizSchumpeter,masjienhurn dos dois autores tinha_a_exp_eclativa de queajLOpiniões se formassem novácuo. De fato, Bentham dá bastanteênfase à opinião pública e à necessidade que o indivíduo tem delevá-la em consideração. Assinala uma vantagem que um eleitor temnuma democracia, qual seja: "ele não pode se relacionar com nin-guém sem travar contato com os que... estão prontos a comunicar aele o que sabem, viram, ouviram ou pensaram. Os registros anuais...a descrição de todos os funcionários públicos... têm um lugar em suamesa juntamente com o seu pão diário".20 Mill ressaltava a importân-cia de se educar o eleitorado para um voto socialmente responsável epensava que o principal aspecto dessa educação residia no fato deque as classes trabalhadoras, ao formarem suas opiniões, tomavam a"sábia e virtuosa" classe média como seu grupo de referência e, porisso, votariam de modo responsável. Tanto Mill quanto Bentham nãoviam o eleitorado da forma que Schumpeter lhes imputava.21 E omais importante: a preocupação principal deles era mais com a es-colha de bons representantes (líderes), do que com a formulação dasopiniões do eleitorado, enquanto tais. Bentham esperava que os cida-dãos menos capacitados para avaliar as qualidades morais e intec-tuais de um futuro representante pediriam o conselho dos competen-tes, e que o próprio representante, quando houvesse oportunidade,influenciaria seus eleitores com seu discurso; ele está lá para promo-ver o interesse universal. O eleitorado poderia escolher o melhorrepresentante sem a necessidade de possuir os princípios "lógicos"sugeridos por Schumpeter. O fato de que Bentham e Mill tivessem aexpectativa de que todo cidadão se interessasse por política, porqueisto seria de seu mais alto interesse (e pensavam que ele pode sereducado para isso), não é incompatível com algum tipo de "influên-cia" sofrida, nem implica que cada cidadão tome uma decisão dis-creta a respeito de cada item de política, com base na evidência

20. Bentham, 1843, vol. IX, livro I, cap. XV, §V, p. 102. A respeito da importância da opiniãopública na teoria de Bentham, cf. Wolin, 1961, p. 346.21. Wolin, 1961, p. 332, enfatiza o papel das paixões assim como da razão nas teoriasutilitaristas.

31

Page 17: Carole pateman   participação e teoria democrática

lógica mais completa, em total isolamento de todas as suas outras

decisões e das opiniões de outros.Contudo, como já se notou, existe uma similaridade entre as

teorias de James Mill e de Bentham e o que Schumpeter chama de"teoria clássica", por uma razão bem significativa. Assim como esteúltimo, Mill e Bentham ocupam-se quase exclusivamente com os"arranjos institucionais" nacionais do sistema político. A participa-ção do povo tem uma função muito reduzida, assegura que o bomgoverno, isto é, "o governo voltado para o interesse universal", se

\ realize por meio da sanção da perda do mandato. Para Bentham eMill, portanto ,_â_gartkipação tmhaumafunçãoa^^ãi^õEtSiajMLÇgurayjJgroteção aos interesses_privados de cada cidadão^^sendp

o interesse_jmiyj22;«i^^Suas teorias podem ser classificadas como "democráticas" porqueeles pensavam que as "classes numerosas" somente eram capazes de ^defender o interesse universal e, em conseqüência, advogavam a par-ticipação (voto e discussão) de todo o povo.22 Outros teóricos, noentanto, sustentaram que a participação é necessária devido à suafunção protetora, sem com isso afirmar que todo o povo deve parti-cipar. Não há nada de especificamentedemocr^^o_numaJtaLidsãodaj™ção_j:yy3articjpã^ papelsimilar na teoria deLõcTEè — que estava longe de ser um democrata(mesmo que Milbrath o tenha considerado um dos inequívocos "de-

mocratas clássicos".23

Como vimos, os formuladores da teoria da democracia contem-porânea também encaram a participação exclusivamente como umdispositivo de proteção. Segundo eles, a natureza "democrática" dosistema reside em grande parte na forma dos "arranjos institucio-nais" nacionais, especificamente na competição dos líderes (repre-sentantes potenciais) pelos votos, de modo que os teóricos que sus-tentam tal visão do papel da participação são, antes de mais nada,teóricos do governo representativo. Sem dúvida, este é um aspecto

22. Hamburger (1962) oferece argumentos convincentes de que Mill não era favorável àrestrição do sufrágio às classes médias, como se diz freqüentemente.23. Milbrath, 1965, p. 143. Examinando a descrição que Milbrath faz da teoria de Locke, eleparece tê-lo confundido com Rousseau! Sobre esse aspecto da teoria política de Locke, verSeliger (1968), caps. 10 e 1 1 . Hegel também dá uma justificativa filosófica da participação emsua teoria política, e Burke admite que ela é necessária para o bom governo, mas nenhum

desses autores inclui toda a população no eleitorado.

32

,1

importante da teoria democrática; seria absurdo tentar negá-lo, ouquestionar a contribuição de Bentham — ou de Locke — à teoria e àprática da democracia atual. Contudo, deve-se notar que a teoria dogoverno representativo não representa toda teoria democrática,como sugerem muitas obras recentes. A verdadeira importância dainfluência de Schumpeter é que ela dissimulou o fato de que nemtodos os autores que gostariam de ser chamados de teóricos "clássi-cos" da democracia adotaram o mesmo pontó de vista a propósito dopapel da participação. Nas teorias de J. S. Mill e Rousseau, por jexejnijlo^jijjarticipacão revHã^^ lfundamental para o estabelecimento e manutençãojo^Estadp demo: jcr3Hcõ~EsS^esse considerado não apenasjxjmo um conjuntojte''instituiççjejn^grj^ejiMneijiejsotiejiadejj^

á claro no groximo^apítuloyor isso, farei referências a teóricos, \exemplo de Rousseau, como teóricos da democracia participativa.

Devido a existência dessa diferença, não faz sentido falar deum^eoriaj^jássica^daldêrnõcracia. Mesmo porqueTãlsTiferençãsreforçam o mito clássico de que os críticos da teoria contemporâneada democracia nunca explicaram com exatidão qual o papel da parti-cipação nas teorias anteriores, ou porque lhe era atribuído um valortão alto em algumas teorias. Isso só pode ser feito por um examedetalhado das teorias em questão. Davis (1964) dizia que a teoria"clássica" (ou seja, a teoria da democracia participativa) tinha umpropósito ambicioso, "a educação de todo um povo até o ponto emque suas capacidades intelectuais, emocionais e morais tivessematingido o auge de suas potencialidades e ele tivesse se agrupado,ativa e livremente, numa comunidade genuína", e que a estratégiapara alcançar este objetivo seria por meio do uso da "atividade polí-tica e do governo com vistas à educação pública". Entretanto, maisadiante ele afirma que o "negócio pendente" da teoria democrática é"a elaboração de planos de ação e prescrições específicas que pro-porcionem uma esperança de progresso, no sentido de um Estadogenuinamente democrático" (pp. 40-1). É justamente isso que sepode ver nas teorias do que se escrevem sobre a democracia partici-pativa: uma série de prescrições específicas e planos de ação neces-sários para se atingir a democracia política. E isto se efetua por meioda educação pública", a qual, no entanto, depende da participação

33

Page 18: Carole pateman   participação e teoria democrática

em muitas esferas da sociedade na "atividade política", entendidanum sentido bastante abrangente.

Até que a teoria da democracia participativa tenha sido exami-nada em detalhes e forem estabelecidas as possibilidades de sua rea-lização empírica, não podemos saber a dimensão nem que tipo de"negócio pendente" restou para a teoria democrática. O primeiropasso para essa tarefa é considerar a obra de três teóricos da demo-cracia participativa. Rousseau e John Sníart Mill são os dois primei-ros exemplos de teóricos "clássicos" da democracia, cujas teoriasnos fornecem os postulados. Básicos de uma teoria da democraciaparticipativa. O terceiro é G. D. H. Cole, um teórico político doséculo XX, que esboçou em seus primeiros escritos um plano deta-lhado de uma sociedade participativa na forma de um socialismo deguildas (Guild Socialism). Entretanto, esse plano é, em si, de impor-tância menor; a obra de Cole tem significado porque ele desenvolveuuma teoria da democracia participativa que não apenas incluía e am-pliava os postulados básicos, mas inseria-se no contextp de uma so-ciedade moderna, de grande escala e industrializada. /

24. Bachrach (1967, cap. 7) coloca-se a favor de uma ampla interpretação do termo "polí-tico", mas não se dá conta de que isso se relaciona aos argumentos dos teóricos anteriores.Assim, ele comete uma incorreção ao observar que, "ao salientar a importância da amplaparticipação na tomada de decisões políticas, [a teoria 'clássica'] não apresenta linhas de condutarealistas para o cumprimento de suas prescrições nas grandes sociedades urbanas" (p. 99).

34

IISistema integrado

de Ríhho?.ecüs/UFES

ROUSSEAU, JOHN STUART MILL E G. D. H.COLE: UMA TEORIA PARTICIPATIVA DA

DEMOCRACIA

Rousseau pode ser considerado o teórico por excelência da par-ticipação. A compreensão da natureza do sistema político que eledescreve em O contrato social é vital para a teoria da democraciaparticipativa. Toda a jeoria política de Rousseau apóia-se na partici-pação individual de cada cidadão no processo político de tomadadedecisões, e, em sua teoria, a participação é bem mais do que umcomplemento protetor de uma série de arranjos institucionais: ela

_segurando urna inter-relação contínua entre o funcionamento dasinstitujcães_e_as_qualidaç[ês_e_atitudes psicológicas dos indivíduosque,intexagerjrdentco_delas~É a ênfase nesse aspecto da participaçãoe sua posição no centro de suas teorias que constituem a contribuiçãodistintiva dos teóricos da democracia participativa para a teoria de-mocrática como um todo. Embora Rousseau tenha escrito antes dodesenvolvimento das instituições modernas da democracia, e mesmoque sua sociedade ideal seja uma cidade-Estado não industrial, é emsua teoria que se podem encontrar as hipóteses básicas a respeito dafunção da participação de um Estado democrático.1

A fim de entender o papel da participação na teoria política deRousseau, é essencial que se compreenda bem a natureza de seu

1. O sistema político descrito em O contrato social não é uma democracia segundo o usoque Rousseau faz do termo. Para ele, "democracia" seria um sistema onde os cidadãos sãoexecutores de leis qiie_ele.s_rnesmos tizeram. e. por esse-motivo. seria umTsistema próprioarjenag.para-QS-dêuses,(livro Iü, cap. 4). Deve-se notar neste ponto que pelo fato de o sistemade Rousseau serdireto, e não representativo, não se ajusta à definição de teoria democrática"clássica" de Schumpeter.

35

Page 19: Carole pateman   participação e teoria democrática

-<Sl|témá polític^participativo ideal, uma vez que tal sistema foi ob-jeto de interpretações muito divergentes. Em primeiro lugar, Rous-seau afirmava quefcertas condições econômicas eramnecessáriaspara um sistema participativo. Como é sabido, Roussèãíraêtenaíã"uma sociedade formada poirpequenos proprietários camponeses^)ouseja, defendia uma \spciedade onde houvesse igualdade e inde-pftndência_^cgjiômica^ Sua teoria não^êxígeigualdadeZ^absoluta,como muitas vezes se afirma, mas destaca que as diferenças existen-_

dgtes não deveriam conduzir à desigualdade política. Em termos ideais,dêverià™êxisfiruma situação em que "nenhum cidadão fosse rico obastante para comprar o outro e em que nenhum fosse tão pobre quetivesse que se vender", 4^exigênciajyital seria a de que todo homempossuísse alguma_rjropriedadè\— o mais sagradcTdos direitoíTdbcidadão —, pois a segurança e a independência que ela confere aoindivíduo constituem a base necessária sobre a qual repousam sua

/Q igualdade_e_sua independênciilpõEticas.Se existissem tais cojidigões.Los cidadãos poderiam agrupar-se

enquanto indjyjduosiguaij^e independentes,jnas_Rousseau tambémx2l.quOTafluejjfilaçãfl..entte eles fosse de^nterdependênçl%?lalgo neces-

sário para se preservar a igualdade e a independência. Este argu-mento não é tão paradoxal quanto parece, porque a situação partiçi-

j pativa é tal que cada cidadão seria impotente para realizarjjualqiier) coisa sem a cooperaçãõ~3e todos os outros, ou dajnaioria. Cada

cidadão estaria, como colocáTRousseau.^em uma excessiva depen-^dêncjâ-da-pó/w" (livro U, cap. 12, p. 69 da edição brasileira citada),ou seja, haveria uma dependência igual por parte de cada indivíduoem relação a todos os outros, vistos coletivamente como o soberano,e a participação independente constitui o mecanismo pelo qual essainteração é reforçada. O seu modo de funcionamento é ao mesmo tempo simples e sutil. Pode-se ler O_contrato social como uma elabo-raçãojiajdéiauie.,que._asjeis, e não os homens, devem governar, masuma forrnulaçmajnda melhor_do_p_apel da particlpãçaõ~e~ãrdê^ queos homens^dey-em-ser-g-o-V-ernadQsjela lógica da operação da

2. Rousseau, 1968, livro II, cap. H, p. 96, e 1913, p. 254. [A citação não corresponde; não foipossível localizar a passagem precisa, seja no Contrato social, seja em outras obras deRousseau. Para a tradução dos trechos citados de Rousseau utilizou-se a existente da EditoraAbril, "Os Pensadores", trad. de Lourival Gomes Machado, São Paulo, Abril Cultural, 1983.Em alguns casos optou-se por uma versão própria a partir do original em francês. (N.T.)]

36

!situação política que"eles mesmos criaram, e que essa situação cons-titui-se de tal forma que impossibilita "automaticamente" a existên-cia de governantes individuais. Isso acontece porque os cidadãos sãoiguã^ masCindgpéndêntlS , ou seja, não dependem de ninguém paravotar ou opinar, de modo que na assembléia política nenhum cidadãoprecisa votar a favor de qualquer política que não seja de seu inte-resse ou do interesse dos outros. O indivíduo X não vai conseguirpersuadir os outros a votarem em sua proposta que favorece apenaso próprio X. Em uma passagem significativa do Contrato social,Rousseau pergunta: "Por que é sempre certa a vontade geral e porque desejam todos constantemente a felicidade de cada um, senãopor não haver ninguém que não se aproprie da expressão cada um enão pense em si mesmo ao votar por todos?".3 Em outros termos, aúnica política a ser aceita por todos é aquela em que os benefícios eencargos são igualmente compartilhados^p^grocesso de,participaçãpaSê^üW^uFã"igüãIdã3e política seja efetivada nasjassembléias emqué^asTíêcisoes jao tomadas. O principal resultado político é que avontade gêrãTé7 tautologicamente, sempre justa, (ou seja, afeta atodos de modo igual), de forma que os direitos e interesses indivi-duais são protegidos, ao mesmo tempo que se cumpre o interessepúblico. A lei "emergiu" do processo participatório, e é a lei, e não os

4

R o u s s u codecisõeseria a que

ns5erava~que a\sítuãção ie pão contassejxjm_a_rjresgnça de grupos

züdõs, apenas indivíduosApois os primeiros poderiam querer queprevalecessem suas "vontades particulares". A observação de Rous-seau a respeito de grupos resulta de modo direto daquilo que eleafirma acerca da operação do processo participatório. Reconhecia

3. Rosseau, 1968, livro II, cap. 4, p. 75 (p. 49, ed. bras.). Ver também à página 76 (p. 50, ed.bras.), "nessa instituição (a vontade geral) cada um necessariamente se submete às condiçõesque impõe aos outros".4. A propósito da definição "clássica" de Schumpeter, é um tanto errôneo dizer que os

cidadãos de Rousseau decidem "questões". O que eles fazem ao participar é fornecer aresposta adequada a um problema (ou seja, a vontade geral). Não haverá necessariamenteuma resposta correta a uma "questão" do modo como entendemos o termo nas condiçõespolíticas atuais. Tampouco seria requerida uma habilidade de fazer "inferências lógicas".Bem ao contrário, o ponto central da situação participativa consiste em que cada indivíduoindependente, mas interdependente, é "forçado" a admitir que existe apenas uma respostacorreta para aplicar a palavra "cada" a si mesmo.

37

Page 20: Carole pateman   participação e teoria democrática

ele que as "associações tácitas" ocorreriam inevitavelmente, isto é,que indivíduos não organizados estariam unidos por alguns interes-ses comuns, mas que seria muito difícil que tais associações tácitasobtivessem apoio para políticas que as favorecessem especialmente,devido à própria forma como se dá a participação (1913, p. 237). Casofosse impossível evitar as associações organizadas dentro das comu-nidades, então, diz Rousseau, elas deveriam ser tão numerosas e depoder político tão igual quanto possível. Ou seja, a situação partici-pativa dos indivíduos se reproduziria com os grupos, e ninguém po-deria vencer à custa dos outros. Rousseau não diz nada, como sepoderia esperar, a respeito da estrutura interna de autoridade de taisgrupos, mas sua análise básica do processo participativo pode seraplicada a qualquer grupo ou associação.5

A análi§e-da_operação do sistema participativo de Rousseauesclarecefdpis pontos: emprimeiro lugar, que, para Rousseau, a "par-ticigação" acontece na tomada de decisões; em segundoTúgãr, queela constitui, como n

Porém, a participação é também muito mais do que isso na teoria deRousseau. Plamenatz (1963) disse que Rousseau "nos vira a cabeça...e nos faz considerar como a ordem social afeta a estrutura da perso-nalidade humana" (v. I, p. 440), e que a principal preocupação doautor era com o impacto psicológico das instituições sociais e políti-cas: que aspectos do caráter humano fazem com que se desenvolvaminstituições especificas? Aqui,jij)rincipal variável é saber se a insti-tuição é _o^r^pjrticipjiti_y^p^i£ã^_teoria de Rousseau educativa, considerando-se o termo educação"em sèií sentido mais amplo. O sistema ideal de Rousseau é conce-bido_para desenvolver uma ação respôlislveTrindividual,~sõcial epolítica como resultado do processo participativo. Durante esse pro-cesso o indivíduo aprende que a palavra "cada" aplica-se a elemesmo; o que vale dizer que ele tem que levar em consideraçãoassuntos bem mais abrangentes do que os seus próprios e imediatoslnt£íüsses privados, caso queira a cooperação dos outros; e ele

~ ligados. Alógica de operação do sistema participativo é tal que o indivíduo

5. Rousseau, 1968, livro n, cap. 3, p. 73 (pp. 47-8, ed. bras.). Ver também Barry, 1964.

38

(yvê-se "forçado" a deliberar de acordo com o seu senso de justiça, deacordo com o que Rousseau chama de "vontade constante", poisseus concidadãos podem sempre resistir à implementação de deman-das não-eqüitativas. Como resultado de sua partipação na tomada dedecisões, o indivíduo é "ensinado a distinguir entre seus próprios jm-pulsos e desejos, aprendendo a ser tanto um cidadão público quantopjiyãdp^ Rousseau também acredita que, por meio desse processode aprendizagem.) o indivíduo acaba por não sentir quase nenhum/conflito entre as exigâncias_dasxsferas-púbJÍ£aje^priyada^ Uma vezestabelecido o sistema participativo (e este é um ponto da maiorimportância), ele se torna auto-sustentável porque as qualidades exi-gidas de cada cidadão para que o sistema seja bem-sucedido são aquelasque o próprio processo de participação desenvolve e estimula; quantomais_p cidadão participa, mais ele se torna capacitado para fazê-lo. Osresultados humanos obtidos no processo de participação fornecem umaimportante justificativa para um sistema participativo.

Outro aspecto do papel da participação na teoria de Rousseau éajjsjreitajigacão entre participação e controle, e isto se vincula ànoção de liberdade do autor. Aqui, não precisamos fazer uma discus-são completa a respeito do uso que Rousseau faz deste último con-ceito, basta dizer que ele está vinculado de maneira <íridj:]éyef aoprocesso de participação. Talvez as palavras mais famosas ou conhe-cidas de Rousseau refiram-se ao fato de que um homem pode ser"forçado a ser livre"; ele também definiu liberdade como "a obediên-

j • * ' í~ rj — . _ .,

cia à le^que alguém prescreve a si mesmo". As interpretações maisfantasiosas e sinistras a respeito da primeira frase não teriam sidopossíveis se o conceito de liberdade de Rousseau tivesse sido colo-cado, de uma vez por todas, no contexto da participação, pois o modo

6. A criação de situações que "forcem" o indivíduo a aprender sozinho é a base da teoria daeducação de Rousseau; ver as observações a respeito de Émile e de Nouvelle Héloíse emShklar, 1964. Os outros métodos de ensinar a cidadania defendidos por Rousseau (porexemplo, as cerimônias públicas) parecem derivar de seu pessimismo e não constituem partenecessária da teoria. No máximo operam no mesmo sentido da participação, mas não asubstituem. A instituição do legislador pode ser vista como uma resposta ao problema de qualseria o primeiro passo a ser dado numa situação participativa; já a natureza de auto-sustenta-ção do sistema político participativo, segundo os próprios argumentos de Rousseau, constitui-ria uma excessão ao seu ponto de vista de que todos os governos tendem, no fim, a"degenerar".7. Rousseau, 1968, op. cit., livro I, cap. 7, p. 64 (p. 368, ed. bras.) e livro I, cap. 8, p. 65 (p.

37, ed. bras.).

39

Page 21: Carole pateman   participação e teoria democrática

*- £> " li, -£ pelo qual um indivíduo pode ser (forçaidpJlajser livre é parte_cpnsti-• ° tuinte do mesmo processo pelo qual ele é "forçosamente" educado

/a atrãvies^ã participação na tomada de decisões. Rousseau argumenta'que; ã menos que cada indivíduo seja "forçado" a agir de modosocialmente responsável através do processo participatório, não po-derá haver nenhuma lei que assegure a liberdade de todos, ou seja,não poderá existir nenhuma vontade geral ou qualquer tipo de leijusta que o indivíduo possa prescrever a si mesmo. Embora o ele-mento subjetivo no conceito de liberdade de Rousseau — o de quesob uma lei como essa o indivíduo vai se sentir sem restrições, vai sesentir livre — tenha sido bastante comentado, geralmente se esqueceque aí também existe um elemento objetivo envolvido (o que nãoquer dizer que se aceite a definição de liberdade de Rousseau en-quanto obediência). Tanto_a_sensação de liberdadedujMjuantosua liberdade efetivã^umentam por sua participação na

realde^contmle sobre o curso djTtgTfflfe sobre a estrutura dõ~mêTo<pn^ue_vive. Caso seyã necessário um sistema !MiMõ7^rgumêníã~~também Rousseau, a liberdade exigiria que o indivíduo exercesseuma boa dose de controle sobre os que executam as leis e sobre osrepresentantes. Na introdução a sua recente tradução do Contratosocial, Cranston critica Rousseau por nunca encarar, nessa obra, asinstituições como uma ameaça à liberdade (Rousseau, 1968, p. 41).Tal crítica é um contra-senso. As instituições participativas do Con-trato social não podem ser uma ameaça à liberdade exatamente pela

ir lógica de sua operação, pela inter-relação entre a estrutura de autori-dade das instituições e as orientações psicológicas dos indivíduos. Todaa argumentação de Rousseau diz que as instituições não-participativas(existentes) suscitam essa ameaça; na verdade, elas tornam a liberdadeimpossível — em toda a parte os homens estão "a ferros". As institui-ções ideais descritas no Contrato social são ideais porque Rousseauconsidera que seu funcionamento.garante^jiberdade.

Para Rousseau, a participação podeaumentar odade para o indivíduo, capacitando-o a ser (e permanecer) seu pró-jprio senhor. Como o restante da teoria de Rousseau, o conceito de"ser seu próprio senhor" foi bastante criticado, embora Craston faça

8. Ver Rousseau, 1968, livro IH, cap. 18, p. 148, e 1953, pp. 192 segs.

40

unia observação nova, quando se refere a ele como o ideal de umlacaio e, talvez por isso, não merecesse uma consideração mais séria— no entanto, trata-se de um desvirtuamento muito gjande da idéia.9

Na oitava Carta da montanha, Rosseau diz que a Jiberdad| consiste"moins à faire sã volonté qu'a n'être pás soumis à cellêTautrui; elleconsiste encore à ne pás soumetre Ia volonté d'autrui à Ia nôtre.Quiconque est maitre ne peaut être libre"(1965, vol. II, p. 234).* Ouseja, ninguém precisa^ser senhor^de ninguém; contudo^ quandojil- \guém é jono de si mesmo e da própria vida, a liberdade é^ntão )salientada pelo controle sobre ès^vK^exi@dã^àntesjue_sejgossa_déscfêvêf~õ~"ifíaivíduo como^gu^ "próprio senhor". Em segundo

"lugar, ô~pfõcesso participatório assegura que, ainda que nenhumhomem ou grupo seja senhor de um outro, todos são igualmentedependentes entre si e igualmente sujeitos à lei. O domínio (impes-soal) da lei, que se torna possível através da participação, e sua cone-xão com o fato de "ser próprio senhor" nos fornecem mais um indí-cio no que concerne à razão pela qual Rousseau pensa que osindivíduos irão aceitar conscientemente uma lei resultante de umprocesso participatório de tomada de decisões. Em termos mais ge-rais, torna-se possível agora visualizar uma segunda função da parti-cipação na teoria de Rousseau: ela permite que as decisões coletivassejam aceitas mais facilmente pelojndivíduo.

Rousseau,sugeEe^ ainda que a participação possui urnaterceirafunção, a de^ntegração^^ela fornece asensação de que cada

^ sua comunidade. Em certo sentido, a inte-gração deriva de todos os fatores até agora mencionados. Por exemplo,

9. Rousseau, 1968, p. 42. A crítica mais comum à idéia de liberdade de Rousseau é que elaseria potencialmente "totalitária", ou pelo menos antilibertária, e que ela tem pouco a ver coma noção de liberdade "negativa", a qual, por sua vez, é vista com freqüência como a únicaforma de liberdade compatível com a democracia. Está implícita na presente discussão arejeição da idéia de que existam duas concepções diferentes de liberdade e de que Rousseau éum defensor inequívoco da noção "positiva". Também rejeita o ponto de vista segundo o qual,ao falar de ser seu próprio senhor, Rousseau estaria se referindo apenas ao domínio doindivíduo sobre sua própria "natureza inferior". Este elemento está presente em Rousseau,mas sugerir que o conjunto de sua teoria consiste nisso é exatamente equivocado. Semelhanteinterpretação só se torna possível quando se ignora todo o contexto participatório da discussãode Rousseau sobre a liberdade. A respeito da interpretação criticada, ver especialmenteBerlin, 1958; ver também Talmon, 1952.* "Menos em fazer a sua vontade do que em não estar submetido à de outro; ela consiste

ainda em não submeter a vontade de outro à nossa. Quem quer que seja senhor não pode serlivre." (N.T.) -'

41

Page 22: Carole pateman   participação e teoria democrática

a igualdade econômica básica significa que não existe uma divisãoabrupta entre o rico e o pobre, não existem homens como aquelemencionado, com desaprovação, por Rousseau em Émile, que, per-guntado a que país pertencia, respondeu: "Pertenço ao país dosricos" (1911, p. 313). Mais importante é a experiência da participa-ção na própria tomada de decisões, e a complexa totalidade de resul-tados a que parece conduzir, tanto para o indivíduo quanto para osistema político como um todo; tal experiência integra o indivíduo asua sociedade e constitui o instrumental para transformá-la numaverdadeira comunidade.

O exame que fizemos da teoria política de Rousseau nos pro-aveu cJcTãrgumento de que hl umaJnter-relaçtto~éTTflF'ã^gs1nituras de^tõlidjdejãsjnstituições e aT^ü^Ggãaj^ê^Snjd^FpsJTOlóffcasdos indivíduos; e do grguinento relacionadoaeste,dejque a principaltoição da participação tem caráter edjc^y^}l^s~ã7gümento^ror-mam a base da teoriã~da democracia participativa, que se tornaráclara a partir da discussão das teorias de J. S. Mill e Cole. As teoriasdesses dois autores reforçam os argumentos de Rousseau quanto à par-ticipação, porém, de maneira mais interessante, a teoria dajiemoçraciaparticipativa é retiráda^lõ^ccmtextõ^ejmiaLcjcMe-Estado de proprietá-riõs^ãmpõheses & colocada no de umjistgjna_p_Qlíticojnoderno.

John Stuart\Mjll>, em sua teoria social e política, assim como emoutros assuntos, partiu de uma adesão fervorosa às doutrinas de seu

jwi e de Bentham, criticando-as severarnente-mais^tard.e, de tal modoque ele forneceu um excelente exemplo das diferençasLentrejis teo-rias do governo representativo e das democracias participativas. To-davia, Mill jamais rejeitou completamente esses primeiros ensina-mentos e, no final da vida, sua teoria política compunha-se de umamescla das diversas influências que o haviam afetado. Ele nuncaconseguiu sintetizá-las de uma maneira satisfatória — o que talvezseja uma tarefa impossível — e isso significa que existe uma pro-funda ambigüidade entre os fundamentos participativos de sua teoriae algumas de suas propostas mais práticas para o estabelecimento deseu "Estado idealrnente-melhor".

Ressonâncias da visão'xutilitária,da função meramentélpnrtetãnbda/participação podem ser encontradas na teoria política da maturi-dade de Miíl. Diz ele, por exemplo, em Governo representativo(Representative Government) — o qual expressava os princípios

42

"nos quais estive trabalhando durante a maior parte da minha vida"— , que um dos maiores perigos para a democracia reside no "sinistrointeresse dos que detêm o poder: trata-se do perigo de uma legislaçãoclassista... E uma das mais importantes questões a exigir considera- '®cão... é de que maneira fornecer garantias eficazes contra essemal".10 Para Mill, no entanto, a noção de "bom governo" de Benthaniresolve apenas parte do problema. Mill distingúiãrdõls^ aspectos de^iimi^orn^govemp. O primeiro, "até que ponto ele promove a boaadministração dos assuntos da sociedade por meio das faculdadesmõrãís, intelectuais e ativas que existem em seus vários membros",e esse critério para um bom governo relaciona-se ao governo vistocomo "uma série de arranjos organizados para o negócio público"(1910, pp. 208 e 195). Mill criticava Bentham por construir sua teoriapolítica sobre a suposição de que tal aspecto constituísse a totalidade.

No ensaio sobre Bentham, ele escreveu que tudo o que estepoderia fazer seria

apenas indicar os meios pelos quais, em qualquer Estado de espíritonacional, os interesses materiais da sociedade podem ser protegidos;...(sua teoria) pode ensinar os meios de organizar e regular parte mera-mente" 'empresarial dos arranjos sociais... Ele cometeu o equívoco desupor que _a parte empresarial dos assuntos humanos constituía a sua' ' ' "

Na avaliação de J. S. Mill, o aspecto^rneramente empresarial dogoverno é o menos importante; o fundamental é o governo em seuoutro aspecto, qual seja, o de^urnã grande influência atuando sobrea mente humana", e o critério a ser usado para julgar as instituiçõespolíticas sob essa perspectiva é "o grau em que elas promovemo avanço mental geral da comunidade, entendendo-se por isto oavanço em intelecto, em virtude e em atividade prática e eficiência"(1910, p. 195). Quanto a isso, a teoria de Bentham não tem nada adizer. Mill encara o governo e as instituições políticas, em primeirolugar e acima de tudo, como educativos no sentido mais amplo dotermo. Para ele, os dois aspectos do governo estão inter-relaciona-dos, de forma que a condição necessária para-O-bom-goverao riosentido empresarial é a promoção do tipo correto de caráter indivi-

10. Mill, 1910, prefácio e p. 254. Para uma discussão desse "trabalhando", cf. Burns, 1957.

43

Page 23: Carole pateman   participação e teoria democrática

£j. . . . _*dual, e, para tanto, são necessários os tipos corretos de instituições

(1963, p. 102). Principalmente por essa razão, não porque uma talforma de governo seria de interesse universal, é que Mill considera ogoverno, popular e democrático "idealmente o melhor Estado".Assim, ele se posiciona^cõntraTum despotismo benevolente, o qual,se fosse capaz de ver tudo, poderia assegurar que o lado "empresa-rial" do governo estivesse sendo bem conduzido, pois, pergunta Mill,"que espécie de seres humanos pode ser formada sob tal regime?Que desenvolvimento seria conseguido, tanto por sua capacidade depensar quanto por suas atividades, sob esse regime?... Suas capacida-des morais estão igualmente atrofiadas. Onde quer que a esfera deação dos seres humanos esteja artificialmente circunscrita, seus sen-timentos acabam tacanhos e diminutos..." (1910, pp. 203-4).

Mill apenas vê a possibilidade de desenvolvimento de um tipode caráter "ativo", de espírito público, no contexto de instituiçõespopulares, participativas. Encontramos aí, de novo, alasserç|5 básicadefendida pelos teóricos da democraciaparticipativa da inter-relaçãoe conexão existentes entre osçkídivíduos, suas qualidades e caracte-rísticas psicológicas, por um lado, e os tipos detmsHtúíçõe^poroutro; a^asserçãp de que ajição sodaLe-p01íticaresponsáyet3ependeem larga medida dos tipos de mstituições no interior jia^jquais" oindivíduo tem de agir politicamente. Como Rousseau, Mill consideraque essas qualidades se desenvolveram pela participação que existiaanteriormente, de modo que o sistema político tem um caráter deauto-sustentação. Mill também não considera necessário que oscidadãos devam realizar aqueles cálculos lógicos e racionais queSchumpeter afirmava necessários. Em Governo representativo,Mills observa que não seria uma forma de governo racional aquela

5 ,que exigisse princípios "exaltados" de^conduta para motivar os ho-mensremboTa^admita que existe um certo nível de sofisticação polí^tica e de espirituosidade publica nos países "avançados" aos quaisessa teoria se dirige (1910, p. 253). Mill encara ajftmção educativa da

jgarticipaçãovquase nos mesmos termos de Rousseau. Quando ol

11. Duncan e Lukes (1963, p. 160) notam o caráter de auto-sustentação do sistema, masdizem que isto decorre da posse de direitos legais, os quais tornam os homens capazes deexercê-los, e portanto a se aproximarem da "autonomia moral". O argumento de Mill, claro, éde que o exercício, e não a posse, é que importa. Sem as instituiçes participativas, a meraposse de direitos legais provocaria poucos efeitos sobre o caráter.

44

1 Q&1

vfdugse ocupa somente de seus assuntos privados, argumenta, e nãoparticipa das questões públicas, sua "auto-ejtijria^£^5etajdS._assirncomo permanecem sem desenvolvimento suas capacidades para umaação gúbjica_resgonsável. "O homem nunca pensa em qualquer inte-resse coletivo, em qualquer objetivo a ser buscado em conjunto comoutros, mas apenas na competição com eles, e em certa medida à suacusta" (1910, p. 217). A "ocupação particular para ganhar dinheiro",da maior parte dos indivíduos, faz com que eles utilizem pouco suasfaculdades e tende a "fixar a sua atenção e seu interesse exclusiva-mente sobre si mesmos, e sobre suas famílias, como apêndice de simesmos, tornando-os indiferentes ao público... e egoístas e covardes,em seu cuidado descomedido com seu conforto pessoal" (1963, p.230). Toda a situação se modifica, no entanto, quando o indivíduopode tomar parte nos assuntos públicos; neste caso, Mill, assimcomo Rousseau, via o indivíduo sendo "forçado" a ampliar seus ho-«rizontes e a levar em consideração o interesse público. Em_outro,sfeTmps,-õ ffldivídü^lenTde "atender não apenas^a seus própriosjnte-fésses; de_s.e^guiar, no casp_de_reivindicações conflitantes, por outrocomando que não õ~die^uas parcialidadêsplrivadas; de aplicar, a cadavezrprincípios e máximas que têm como razão de existência o bemcomum" (1910, p. 217).

Até aqui, a teoria de Mp-mQStrou-se mais_um_reforço do queum acréscimo à hipotêsè^eJLousseau acerca da função.educativadaparticipaçãpv No entanto, há uma outra faceta da teoria de Mill quede fato acrescenta uma nova dimensão a essa hipótese, uma dimen-são necessária caso se queira aplicá-la a uma sociedade de largaescala. Já citei uma das análises que Mill faz da Democracia na~Sméricã, de Tocqueville. Esse livro teve uma influência decisivasobre a teoria política de Mill, em especial na parte concernente àsinstituições políticas locais.12 Mill ficou bastante impressionado coma discussão realizada por Tocqueville a respeito da centralização e

Idos perigos inerentes ao desenvolvimento de uma sociedade de mas-sas (perigos que agora foram divulgados por sociólogos modernos,também impressionados por essa análise). Na Economia política,Mill declara que "uma constituição democrática sem o apoio de ins-tituições minuciosamente democráticas e restrita ao governo central

12. Ver Mill, 1924, pp. 162-4, e Robinson, 1968, p. 106.

45

Page 24: Carole pateman   participação e teoria democrática

não apenas deixa de proporcionar liberdade política como freqüente-mente cria um espírito exatamente contrário".13 Na crítica do volume11 do livro de Tocqueville, Mill argumenta que dejiada servem osufrágio universal e a participação no governo nacional, se o indiví-duo não foi preparado para essa participação a um nível local; é nestenfvelque ele aprende a se autogovernar. TJrnato político que apenas"

^ se repete com o intervalo de alguns anos, e para o qual não teve opreparo nos hábitos cotidianos do cidadão, deixa seu intelecto e suasdisposições morais inalteradas" (1963, p. 229). Em outras palavras,para que os indivíduos em um grande Estado sejam capazes de par-ticipar efetivamente do governo da "grande sociedade", as qualida-

-^ > dês necessárias subjacentes a essa participação devem ser fomenta-Sl| das e desenvolvidas a nível local.~ ^ Assim, para Mill, é a nível local que_se_eumpr.e o verdadeiro~íy3 efeitOLeducatívo^da participação, onde não apenas as quèstoèStrata-\f%è~ das afetam diretamente o indivíduo e sua vida cotidiana, mas onde

também ele tem uma boa chance de, sendo eleito, servir no corpoadministrativo local (1910, pp. 347-8). É por meio da^participação anível local que-o-indivíduo "aprende a democracia". "Não aprende-mos a ler ou a escrever, a guiar ou a nadar apenãsjjorque alguém nosdiz como fazê-lo, mas porque o fazemos, de modo que será somentepraticando o governo popular em pequena escala que_o povoterá algumjjpo^s^lid^de_de_^pjeridexAjêxercitá-lo emjnaiorescala" (1963, p. 186).

Numa sociedade de larga escala o governo representativo seránecessário, e justamente aquTsurge urmnlifieüiaSdéTserá que" aspropostas práticas de Mill a respeito da representação são compatí-veis com o papel fundamental que ele confere à função educativa daparticipação em sua teoria? Em suas propostas práticas Mill nãoparece levar muito a sério seus próprios argumentos quanto à partici-pação, e em boa parte isso se deve a idéias a respeito do estado"natural" da sociedade que se encontram mescladas com o resto desua teoria social e política.

Bçntham e lames Mill acreditavam que a^educação, no sentidoL '"' i™it3dQ,^cj^jrnico''7ílb~ termo era o meio mais eficaz de assegurar^ a participação política responsável das "classes numerosas", e John

A V~ 13. Mill, 1965, livro V, cap. XI, §6, p. 944.

W46

Stuart Mill nunca realrnentejejeitou essejxmto de yjsja. Uma dasmawK^preõcopsçôeíde MilLerísãbér como conseguir um sistemapolítico onde o poder estivesse nas mãos^dê" uma _elite — a-eliteeducada (no sentido restrito). Um intelecto bem cultivado, pensavaele, usualmente vem acompanhado de "prudência", temperança ejustiça, e em geral de.todas as virtudes que são importantes em nosso

14relacionamento com os outros". Mill considerava como as "maissábias e melhores" as pessoas que haviam recebido uma boa educa-cão(as "rnstruídas"),jis jjuais, pengava,jjeyjam ser elgitas para QCU--JJpar_caTgos_emi todps_os nívej£polfticps. Considerava que a democra-í^cia^era inevitável no mundo moderno, e que^portantp-Q problema era'o devórganízar-as coisas de tal modo que as instituições políticasfossem-compatíveis com.o estado "natural" da sociedade, um estadoem que "o' poder mundano e-aànfluência moraiem-geral fossemexercidos pelas pessoas mâis..,adeqííada.s que uma sociedade exis-tente pudesse fornecer", em que/a^^uMdãe^-tenha fé na minoria^"insterMa^que governará!15 Deve-se observar que MuTnão-deséjaTauma situação onde -a-raultidão fosse condescendente no sentidousual, irrefletido, da palavra. Com efeito, ele pensava que já haviapassado o tempo em que tal coisa era possível; "o pobre saiu do seuestado de tutela... qualquer conselho, exortação ou orientação aserem dados às classes trabalhadoras, daqui por diante, precisam seroferecidos a elas na condição de iguais e aceitos por elas de olhosabertos".16 A elite teria de pxesjar_c^nta^àjnajarjâ>e era na concilia-ção do domínicrdã^elite com a prestação de contas que Mill enxer-gava a "grande dificuldade" em política.17 Sua resposta ao problemadá margem à ambigüidade de sua teoria da participação.

Partindo-se da teoria de Mill sobre álfunçãg_educatiy-a da parti-cipação poder-se-ia esperar que sua resposta ao problema fosse nosèTTtitkrde conferir o máximo de oportunidades às classes trabalha-doras para que elas participassem a nível local,, de modo a desenyol-

14. Citado em Robson, 1967, p. 210).15. MUI, 1963, p. 17. Mill compara esse estado com o atual, um estado de "transição", ondeas velhas instituições e doutrinas foram "superadas" e a multidão perdeu a fé nos instruídos eestá "sem um guia" (p. 3).16. Mill, 1965, livro IV, cap. VII, §2, p. 763.17. Ver Hamburger, 1965, p. 86. A ênfase de Mill na minoria instruída ilustra bem o quãoequivocada era a acusação de Schumpeter de que os teóricos "clássicos" ignoravam a lide-rança.

47

Page 25: Carole pateman   participação e teoria democrática

ver as qualificações e habilidades necessárias que lhes possibilitas-sem acesso às atividades dos representantes, o que lhes permitiriacontrolá-los. Porém Mill não diz nada do gênero. Suas propostaspráticas para se atingir um sistema político "natural", mas ideal, sãobem diferentes JMill distinguia o sistemaJdeal_ej^y^rdadeii3yiemo-

Lcracia", que forrieee^reprèsentação às minoriasje_para-tantciMill^dõtWl^úinãljtíclimente^ proporcionalde Hare). Mill não resolveu o problema de assegurar que sua eliteeducada tivesse uma influência preponderante; esse sistema ideal sópoderia se efetivar sob um sistema de voto pluralista, baseado narealização educacional _^ainda^que todos devam ter võz^^ãfirmar^que todos devam ter voz igual é uma proposição inteiramente dife-rente".18 Por isso, Mill rejeita o argumento de Rousseau de qu£-pãr<L"á participação efetiva é necessária a igualdade política. Mill implici-tamente também faz uso de uma definição de "participação" dife-

-,_•_-- ^__. _^ _,...__.. ,_ _-J,1 ^—. --,^**=^=-V.=-^"-- — ._-_ .-... -.-^.^J^==^_~fm=^^^^^-^^'-tt^s^-*-'--^~-±~->---5"^- ~ - -- -"*•-—^

rente dajie Rousseau, pois elenãopensava que mesmo os repre-•^^^^_^^^_^^&J^^^S^r^^I^^^làCQ:í^ ourejeitar ajggislacãp^preparada por urna_cQinissão,_1esp,ecJalJndj-cada pela Coroa; afunçã^o_própria,.dos,representantes é adis.cuss.ao(1910, pp. 235esegs7).

Outra ilustração desse ponto é o comentário de Mill sobre aforma que deveria ter o sufrágio ideal. Diz ele que é "por meio daDiscussão política que o trabalhador manual, cuja õcifpãçaõ~élinTãjptina e cujo modõ"dè~ vida não o leva a entrar em contato comnenhuma variedade de impressões, circunstâncias ou idéias, aprendeque as causas remotas e os acontecimentos que ocorrem em lugaresbem distantes podem ocasionar grandes efeitos até em seus interes-"sês essoais" (19-10, p. 278). " ~ ~ ", ^ ^ue se refere às propostas práticas de Mill para se alcançaridealmente o melhor Estado político e sua definição implícita departicipação, a seguinte questão poderia ser colocada: teria a partici-

|7 pação o efeito educativo que ele postulava? O pontòlmportantê^ãrespeito do paradigma rousseauniãnõ de participação direta é que oprocesso participativo seria organizado de tal maneira que os indiví-duos estariam, por assim dizer, psicologicamente "abertos" a seus

18. Mill, 1910, p. 283. Em sua Autobiografia Mill admitiu que a proposta para um povopluralista não encontrava apoio algum.

48

efeitos. Mas nada disso é encontrado em Mill. A maioria é estigmati-zada pelo sistema de sufrágio como politicamente inferior e nãopode resistir à implementação de políticas desvantajosas; Je umaelite predeterminada deve alcançar o poder político, por que motivpr),deveria a maioria se interessar pela discussão? Mill não parece se darconta de qualquer inconsistência nos vários componentes de sua teo-ria, mas é difícil perceber de que forma a sua concepção de partici-pação pode vir a realizar-se. Mesmo com o sufrágio universal e como poder de deliberação dos representantes, não haveria um ambienteeducativo "tão forte" como aquele fornecido pelo sistema de partici-pação direta de Rousseau; o problema de como reproduzir o modelode Rousseau nas condições modernas vai ser examinado maisadiante. Np momento, deve-se notar que o nível político local Abor-dado por Mill, crucial do ponto de vista da educação, poderia propjrcjarji participação dlrêtojiajomãdã de decisões^ ^

T Ã ênfase nas Tiristítuições políticas locais não é a única extensãoque MiU faz da hipótese sobre o efeito educativo da participação,mas antes de discutir esse outro aspecto é interessante notar que Millconcorda com Rousseau quanto às duas outras funções da participa-ção. Parte do argumento relativo à "complacência crítica" da multi-dão apóia-se na sugestão de que a participação auxilia no acolhi-mento das decisões, e Mill atribui um especial relevo à função^integrativa da p^rtiçipajãõTT?iz~qTié^trãves^ã^di^üssS) politíclfõindivíduo"to^a-se^oiscienternentedade" (1910, p. 279)gubücp, torna-se

penho"(963,p23.Talvez o aspecto mais interessante da teoria de Mill seja uma

ampliação da hipótese a respeito do efeito educativo da participaçãode modo a abranger uma área inteiramente nova da vida social — aindústria. Em suas últirnasobras, Mill chegou_a visualizar a indústriacomo outra área onde o indivíduo poderia ganhar-experigncia na

. _ _^,_j^^^^r^^.-.==*»^--™~=— «^e»^^- -=- ----^--i^^"í^-^==^==™=&A=^=^-==-==^===-==™-*--'J=!-:~' A —™*-- ' ............. ,J_

administração dos assuntos da coletividade, exatamente_cgjmg ejepoderia fazer no governo local. PanTMill"o verdadeiro valor dasvárias teorias de socialismo e de cooperação que estavam sendo de-fendidas e às vezes implementadas, nessa época, residia em seu po-tencial como meios de educação. Como seria de esperar, ele descon-

49

Page 26: Carole pateman   participação e teoria democrática

fiava dos esquemas de caráter centralista; conforme assinala Rob-son, MUI, nos Capítulos sobre o socialismo (Chapters on Socialism),dá a sua aprovação a "esses esquemas socialistas que dependem daorganização voluntária em pequenas comunidades e os quais buscamuma aplicação nacional dos seus princípios através da automultipli-cação das unidades" (1968, p. 245). Em tal forma de organização, aparticipação generalizada poderia ser acomodada. Mill achava queformas cooperativas de organiza^cãgindustrijl^gj^uzjriam_a_urna"transformação^morarjdos_qu£nela tomavam parte (também nen-savjTqüirêíãs seriam^ mai^produtiv^Tjrnbõrãls^^^wssg emj^te~à^^ansfonnaçãg^^Ümãrorganização cooperativa levaria,dizia ele, a uma "rivalidade amistosa" na busca do bem comum detodos; à elevação da dignidade do trabalho; a uma nova sensaçãode segurança e independência da classe trabalhadora; e à conversãoda ocupação diária de cada ser humano em uma escola das afinida-des sociais e da inteligência prática.19 Do mesmo modo que a parti-cipação na administração do interesse coletivo pela_p.oJíticaJocalcjucaolndivíduiojTara aresponsabilidade _ social Jambém a partici-pação na admmistragjo_dg_mteresse coletivo i^organização indus-trial favorece e desenvolve, as qualidades que o indivíduo necessitapara as atividades públicas. "Terreno algum", diz Mill, poderia sermais propício para treinar o indivíduo a sentir "que o interesse cole-tivo lhe diz respeito" do que uma "associação comunista".20 Assim

a como ele considerava a democracia inevitável no mundo moderno,^também achava que alguma forma de cooperação seria inevitável na

indústria; agora que as classes trabalhadoras haviam saído do seu"estado de tutela", a relação empregador/empregado não poderia sesustentar ajonggjjrazo e alguma,forma^jgoopera_ção deveria subs-tjtuí4a._Na Economia política, Mffi discute qual a forma que elapoderia tomar, e chega à conclusão de que, se "o gênero humanocontinuar a se aperfeiçoar", ao final predominará uma só forma deorganização, "não aquela que podeexis^ir_entre_u^n_cjrjitajistó,_en-

trabalhadorasem ^^âSüHg^JJfj^Jsspmção dos próprios trabalhadores em termos de igual-

19. Mill, 1965, livro IV, cap. Vü, §6, p. 792.20. Mill, 1965, livro II, cap. I, §3, p. 205. Mill usa a palavra "comunista" com menos rigidezdo que hoje.

50

dade, com a propriedade coletiva do capital para conduzir as opera-

21tufdas por_eles mesmos"Da mesma maneira que a participação no governo local é uma

condição necessária para a participação a nível nacíõnãj7dêvido aseu efeito educativo ou "aperfeiçoador", assim também Müljsugereque a participação no "governo" do local dejrabalho termo mesmo'impacto.^ Essas implicações mais abrangentes dos argumentos deMill, relativos à importância da educação, são usualmente negligen-ciados, embora tenham grande significado para a teoria democrática.Para que seja possível tal participação no local de trabalhc^arelaçãodeTautoridade ná~industria teria de transformar^se^a^^^ituãlTelã'-ção dejurje^oridade-subordinação (empresários e homens) emjuoa,de cooperação ou de igualdade, com administradores (govemo)elei^tos por todo o corp^^emprê^ã^o^drmesmTrgnna quê^s^eleitosoTHpêsêntãnteTã nível local. Ou seja, as relações políticas na in-dústria (usando b termo "políticas" no sentido mais amplo) teriam dese democratizar. É possível ir além: o argumento de Mill a respeitodo efeito educativo da participação no governo local e no local detrabalho poderia ser generalizado de maneira a englobar o efeito daparticipação em todas as estruturas de autoridade ou sistemas políti-cos das "esferas inferiores". Justamente pelo fato de essa hipótesegeral poder derivar de suas teorias é que me referi a esses autorescomo os teóricos da sociedade participativa. A sociedade pode servista enquanto um conjunto de vários sistemas~polfticos, cujas,turas de autoridade têm um efeito importante sobre as qualidades eatitudes psicológicas dos indivíduos que interagem dentro deles;assim, para o funcionamento de uma política democrática a nívelnacional, as qualidades necessárias aos indivíduos somente podemse desenvolve£porjneio da democratização das estruturas de autori-dadè ê~ A esj^^urajambjjrrijiojamos^ que existe outra dimensão jgaraessa teoria da participaçãg._Excetuando-se sua importância comoinstmmèTiüp~l;ã^^ traBãlho — -"unisistema

.sim sendo, a indústria e oTItrãs~êsfefãT?ornecern

. Mill, 1965, livro IV, cap. VH, §6, p. 775. Ver também §§2, 3 e 4.

LVf 51

Page 27: Carole pateman   participação e teoria democrática

áreas alternativas, onde o indivíduo pode participar na tomada defdecisões sobre assuntos dos quais ele tem experiência direta, coti-diana, de modo que quando nos referimos a uma "democracia parti-cipativa" estamos indicando algo muito mais amplo do que umasérie de "arranjos institucionais" a nível nacional. Essa visão maisabrangente-da democracia pode ser encontrada na teoria política deG. D. H.(Cole) a qual passamos a examinar.

Uma3íscussão da teoria de Cole — e aqui estaremos conside-rando apenas seus primeiros escritos — apresentaum particular inte-resse não só porque a süãrtebria se situa no\contexto de uma socie-dade modernajjhdustrializada, mas porque se rata~ênTgranae partede uma teoria de uma tal sociedade. As observações de Mill a res-peito da participação na indústria, ainda que esclarecedoras para nos-sos propósitos, eram periféricas em relação ao corpo principal de suateoria social e política; para Cole,no^ntanto,é^Jndústm_que^ossui^achaYg_que abrirá aporta para uma forma de governo_verdadeira-mejitejdenLQ£rátiça._ Em sua teoria do socialismo de guilda (GuildSocialism), Cole elaborou um esquema detalhado de como uma so-ciedade participativa poderia ser organizada e implantada, o que pos-sui considerável interesse intrínseco, embora nos preocupemos maiscom os princípios subjacentes a esse esquema do que com o própriotexto. Outro aspecto significativo do trabalho de Cole desse períodoera a influência muito grande de Rousseau. Havia outras influênciastambém, como a de William Morris e de Marx, por exemplo, masCole cita com freqüência Rousseau, cujo espírito perpassa sua obra,e muitos dos conceitos básicos de Cole derivam daquele autor. Esse émais um motivo para examinar o trabalho de Cole. As discussões sobreteoria política de Rousseau em geral chegam à conclusão de que ela tempouca relevância hoje em dia (e às,vezes sugere-se que a influênciaexercida por ela foi positivamente perniciosa). Já afirmei que a teoria deRousseau fornece o ponto de partida e o material básico sobre teoriaparticipativa da democracia, e a teoria de Cole tenta transpor as análisesda teoria de Rousseau para um cenário moderno.

A teoria social e política de Cole constrói-se sobre o argumentode Rousseau de que a vontade, e não aforça, éjjjjase da organizaçãoso£íãL?_E^Í^£2: Os Eõinêlís~precisam cooperar em associações parasatisfazer suas necessidades, e Cole começa examinar "os motivosque mantêm os homens juntos em uma associação" e, os "modos

52

pelos quais os homens agem por meio de associações, suplemen-tando e complementando suas ações enquanto indivíduos isoladosou privados" (1920, pp. 6 e 11). Para transformar sua vontade emação de um modo que não afete sua liberdade individual, ^tenta que os homens devem participar na organização e najegula-mentaçãq de sjia^Ass^ciacões^A idéia de participação é central em

"Suponho", diz ele, repetindo a crítica de Mill à teoriapolítica de Bentham, "que o objeto da organização material não estána mera eficiência material, mas também essencialmente na auto-ex-pressão mais completa de todos os seus membros". Auto-expressão"envolve autogoverno", e isso significa que devemos "convocar atotal participação da população para a direção comum dos assuntosda comunidade" (1920, p. 208). Isso, por sua vez, envolve a liber-dade mais completa de todos os membros, pois "liberdade é alcançara perfeita expressão" (1918, p. 196). Cole diz também, novamenteseguindo Rousseau, que o indjyíduo é "mais livre onde ele cooperacom seus iguais na feitura daslei?2a

Cole produz uma^teoria de associações, ^ociedade, como defi-nida por ele, é um "complexo de associações que se mantêm unidaspelas vontades de seus membtos"JLSe o indivíduo quiser se auto-governar, então ele não só tem de ser capaz de participar da tomadadê~3ecisões em todas as associações das quais ele é membro, comoas próprias associações têm de ser livres para controlar seus própriosassuntos (Cole via na interferência do Estado o maior perigo aqui), ese elas quiserem se autogovernarj nesse sentido têm de ser basica-mente iguais em termos dê poder político. Em O mundo do tra-balho (The Word of Labour), Cole afirma que a extinção degrupos na Revolução Francesa foi um acidente históricodevido aos privilégios que eles ocasionalmente possuíam, eacrescenta que "ao reconhecer que onde devam existir associa-ções específicas elas devem se igualar, Rousseau admite que o

22. Cole, 1919, p. 182. Entretanto, Cole não aceita que a liberdade consiste na obediência aessas leis; considera as leis "os andaimes da liberdade humana; porém, elas não fazem partedo edifício" (1918, p. 197).23. Cole, 1920a, p. 12. Talvez se devesse notar que Cole não vê toda a vida do indivíduoencerrada nesses grupos. Boa parte de sua vida e alguns dos seus aspectos mais valiososencontram expressão fora da associação; o indivíduo é "o eixo em torno do qual gira todosistema de instituições. Pois apenas ele tem em si os vários objetivos das diversas instituiçõesagrupados numa única personalidade" (1918, p. 191).

53

Page 28: Carole pateman   participação e teoria democrática

princípio seria inevitável ao grande Estado. Podemos portanto consi-derar que a nova filosofia dos grupos exerce os verdadeiros princí-pios igualitários da Revolução Francesa" (1913, p. 23).

EssáVteoria de associações liga-se à sua jeoriajia democraciajpor meio do princípio de função, "o princípio subjacenté~à organiza-ção social" (1920, p. 48). Cole pensava que "a democracia só é ver-dadeira quando concebida em termos de função jpu propósito/", e afunção de uma associação baseia-se no propósito para o qual ela foiformada (1920a, p. 31). Toda associação que "se coloca qualquerobjetivo superior à simplicidade mais rudimentar vê-se compelida aatribuir tarefas e deveres (e, com estes, poderes e uma parcela deautoridade) a alguns de seus membros, de maneira que o objetivogeral possa ser efetivamente perseguido" (1920, p. 104): ou seja, ogoverno representativo (no sentido mais abrangente deste termo) é

> necessário na maioria_das associações.JSfa perspectiva de Cole, asa "fôrma?de representação existentes são enganosas por dois motivos.

Em primeiro lugar, por ter sidõ^egííg^nciãdo^pnncípíõ de função,cometeu-se o engano de se pressupor que o indivíduo pode ser repre-

\ sentado como um todo e para todos os propósitos, em vez de serrepresentado em relação a alguma função bem definida^ Em segundolugar, sob as instituições parlamentares existentes, o eleitor não fazuma escolha real do seu representante nem o controla; e, na verdade,o sistema nega ao indivíduo o direito de participar porque "ao esco-lher seu representante^ o homem comum, de acordo com essa teoria,não tem outra opção exceto deixar que outros o governem'!. Poroutro lado,^sistema de representação funcional implica "a partici-

Ç pação constante do homem comum no comando das partes da estru-J tura da sociedade, as quais lhe dizem respeito diretamentere que, J>or~\ isso mesmo, ele tem maior probabilidade decqmpreender".2

Assim, encontramos na teoria de Cole uma distinção entre aexistência dos "arranjos institucionais" representativos a nível nacio-nal e a democracia. Para essa democracia, o indivíduo deve ser capazdejjarticipar em todas as associações que lhe dizem respeito; em

,jé necessária uma sociedade participativa. O princípio_\democratico,_diz Cole, deve se aplicar "não apenas ou principal-mente à esfera especial de ação social conhecida como "política",

24. Cole, 1920, p. 114; cf. também pp. 104-6.

iW',

frçrp"'

mas â^qualquer e toda forma de ação social/e, em especial, de modotão integral na jndústria- e na çconomia quanto nos assuntos políti-cos," (1920a, p. 12). Tal noção está de fato implícita na "nova filoso-Ifa de grupos" que Cole construiu sobre a base lançada por Rous-seau, pois ela busca aplicar as análises de Rousseau a respeito dasfunções de participação para a organização interna de todas associa-ções e organizações. F^ara_ColeJ_rjortarito, como para Müli_a_fimçãoeju^atiy^_djjartorjacãg_éj:rucial, e ele também enfatiza que osindivíduos e jUj^jniütiuçiõejjião_EiQdgm ser consideradosjsolada-'mente, Ele observa, em Socialismo de guilda restaurado (Guild So-cialismRestated), que, se a teoria do socialismo de guilda em grandeparte era uma teoria das instituições, isso não acontecia porque

ela acreditava que a vida dos homens está compreendida em seu meca-nismo social, mas porque o mecanismo social, seja bom ou ruim, emharmonia ou em discordância com os desejos e instintos humanos, é omeio seja de realizar, seja de entravar, a expressão da personalidadehumana. Se o ambiente não faz o caráter em um sentido absoluto comopensava Robert Owen, ele dirige e desvia o caráter para formas diver-gentes de expressão (1920a, p. 25).

Cornojvlill, Cole sustentava que jeria apenas pela participação anível local e em associações locais que_o^ indivíduo poderia "apren-der; democragial', "O indivíduo não tem controle sobre o vasto mècã"-nismo da política moderna, não porque o Estado seja muito grande,mas porque o indivíduo não tem oportunidade alguma de aprender osrudimentos do autogoverno dentro de uma unidade pequena" (1919,p. 157). Na verdade, Cole quase não levou em consideração as impli-cações de seus próprios argumentos neste ponto; o fato de o Estadomoderno ser tão grande é um motivo importante para capacitar o indi-víduo a participar nas áreas políticas"alternativas" dafaEõflõqual os escritos de Cole mostram~que ele estava bemconsciente.

O^que interessa, no entanto^que na visãojie Cole a indústriafornecia a importantíssima amia_Dara_gue se revelasse o efeito edu-£atÍTO_d^_pjrticipagão; pois éjQa_indústria_que, excetuando-se o go-verno, o indiyíduojmais se envolve em relações de superioridade e

fe sua ^trabaltux_Foi essa a razão para a declaração de Cole de que a respostaque a maioria das pessoas daria à pergunta "qual o mal fundamental

54 55

Page 29: Carole pateman   participação e teoria democrática

em nossa sociedade moderna?" seria errada: "eles responderiam PO-BREZA, quando deveriam responder ESCRAVIDÃO" (1919, p.34). Os milhões que receberam a alforria, que receberam formal-mente os meios de autogoverno, foram na verdade "treinados para asubserviência", e esse treinamento deu-se em grande parte durantesua ocupação diária. Cole argumentava que "o sistema industrial...em grande-par-te-é-a-diaKe-para_o paradoxo dajfernoçragia_rjolítica.Por que motivo a maioria_êJLQminalmente suprema mas_efetiva-

porque_as circunstâncias de suasvidas não os acostumam ou preparam parado poder oujpara a respon-sab~ifidS3e. Um sistema servITmfíndústria reflete-se inevitavelmenteem servidão política" (1918, p. 35). Apenas se o indivíduo pudessese autogovernar no local de trabalho, apenas se a indústria fosse"organizada sobre u m a _ _

poderia transformar-se em treinamenttrpara a democracia,j; o indivídÜQ_rjQdg5a ganhafTarniliaridade com os procedimentos

em larga escala.Para Cole, assim como para_Rousseaujnãp poJEHOBíSfiOgual-

dade depõ3ér político sem uma quantidade substancial de jgualdade" i, e sua teoria nos oferece algumas interessantes indicaçõessobre a maneira de se alcançar a igualdade econômica daquela socie-dade ideal de camponeses proprietários de Rousseau na economiamoderna. Segundo Cole, "a democracia_abstrata das urnas" não en-volvia uma igualdade política real; a igualdade de cidadania implí-5Íla .52' SfrSSj SÊiiLis PÇííâOsSBá-S obscureciajojafõjte

/mocratas teóricos", dizia eíe, ignoravam '^ojfato de que grandesjjesi-/ gjualdades de riquezas e de posição social, que resultavamjm_gran-

x.^ dês desigualdades de educ.açãQ._p-0.dgjLgj:ontrpje_dolãmbigntg^.são^ j necessarianj[enleJ:alais^paj^ujl^^ em- <H política ou eni^qualquer outra esfera ".2ff

25. Em todos os escritos de Cole sobre a necessidade da sociedade participativa está implícita ahipótese de que a participação terá um efeito integrativo. Isso aflui em várias de suas referências à"comunidade" e na importância que ele atribui às instituições participativas locais, onde oshomens podem aprender o "espírito social". Na esfera industrial esta é a base da afirmação de quea nova forma de organização levaria à cooperação e à camaradagem em uma comunidade detrabalhadores, em vez do conflito habitual. Ver Cole, 1920, p. 169, e 1920a, p. 45.26. Cole, 1920a, p. 14; ver também 1913, p. 421.

56

Uma das principais objeções de Cole à orgamzacjíoj^rjitalistada indüstr^ra quj^nej&^tmbal^^

TiãTg^gssglnõdõjrajiegada a "humanidade" dojrabalho. Snh osistema de socialismo de guilda, essa humanidade seria inteiramentereconhecida, o que significaria, "acima de tudo, o reconhecimentodo direito... à igualdade de oportunidade e de posição social" (1918,p. 24). É este último aspecto que realmente importa; apenas com aequiparação da posição social poderia haver igualdade de wdõ-pendênciarã^qValT^como^Yimos a partir da discussão_da_teoria_deRousseau, é crucial para o processo de participação. Cole pensavaque haveria um avanço no sentido da equiparação de ganhos,sendo que a igualdade final resultaria oV|destruição total da idéia dqgremuneração por tarefa^jQ 920a, pp. 72-3), mas a abolição das dife-renÇãiUe posição social desempenha um papel maior em sua teoria.Em parte, isso se daria através dc( socialização dos meios deprodu^ &

jçãç^sob um sistema de socialismo de guilda, porque as classes teriamentão que ser abolidas (por definição — Cole usa o termo no sentidomarxista), no entanto outros dois fatores tinham mais importância(prática).JSob um sistema participativo não haveria mais um grupodej'administradores" e um grupo de "homens", sendojjue estes nãteriam controle sobre os assuntos da empresa, masjiavmaumgrupodj^pessoas iguais que tomaria as decisjes. Em segundo lugar, Coreacreditava que a organização participativa da indústria levaria à abo-lição do medo de desemprego do homem comum e, desse modo^àabj)licãoda^ufra_grande_distincão de posição social: a desigualdade^naseguEanca-de-manutençãojdo_em.prego.

Contudo, ainda que a teoria democrática de Cole dependa doestabelecimento dessa igualdade da posição social na indústria, eleera (apesar das críticas de Schumpeter a respeito) bem consciente doproblema da preservação da liderança sob um tal sistema democrá^tico, e pensava que o princípio de função fornecia uma resposta aisso. Se a representação (liderança) fosse organizada em uma basefuncional, então seria possível ter "representantes" em vez de "dele-gados". Estes pareciam necessários porque, ao que tudo indica, se-riam o único meio pelaquaLo eleitorado conseguiria exercer p con-trole, uma vez que, "assim que os eleitores tivessem exercido seudireito de voto, sua existência enquanto grupo se eclipsaria até aépoca em que fosse necessária uma nova eleição". As associações

57

Page 30: Carole pateman   participação e teoria democrática

^^seguem, o tempo todo, dar conselhos, criticar e, sejor preciso, desti-tuir o representante. Elas têm também um mérito adicional pelo fatodê que '"nlõlipênas o representante será escolhido para realizar umtrabalho do qual conhece alguma coisa, mas será escolhido por quemtambém conhece algo a respeito".27

Embora Cole considerasse a "eficiência material" apenas comoum dos objetivos da organização social e política, pensava que umasociedade participativa seria superior também nesse aspecto. Sobcondicões_de segurança £_igualdade econômica. a_m.oíiy.acão-dalucro-— a mqtivayacão de "panância e medo'\ — seria substituídapelajnotivacão do trabalhoesforços jjeriam pjra o benefício de toda a comunidade. Cole pen-sava que existiam grande reservas insuspeitadas de energia e de ini-ciativa no homem comum que um sistema participativo traria à tona;

^i o autogoverno era a chave para a eficiência. Os trabalhadores nuncaseriam convencidos a dar o melhor de si "sob um sistema que, de

98qualquer perspectiva moral, é absolutamente indefensável".O que mais interessa a nossos propósitos, no plano específico

de Cole para o autogoverno nas oficinas e em outras esferas, o socia-lismo de guilda, é que ele nos fornece uma noção bastante detalhadade como seria uma sociedade participativa. Cole o apresentou emvárias versões, porém a teoricamente mais pluralista é encontrada noSocialismo de guilda restaurado, sobre o qual a seguinte apresenta-ção, bem breve, se baseia. A estrutura do socialismo de guilda seorganizava, horizontal e verticalmente, dos pés à cabeça, e era parti-

27. Cole, 1920 a, pp. 110-3. Semelhante sistema responderia em parte às objeções freqüente-mente levantadas quanto ao grau de "racionalidade" que um sistema democrático exige doseleitores. Carpenter (1966) afirmou que Cole era impermeável aos conhecimentos de suaépoca sobre elementos irracionais do comportamento humano. Seja como for, Cole e outrosteóricos da sociedade participativa adotavam o ponto de vista segundo o qual a "racionali-dade" era, ao menos em parte, adquirida através do processo de participação.28. Cole, 1919, p. 181, e 1920b, p. 12. Algumas críticas ao socialismo de guilda de um pontode vista econômico podem ser encontradas em Glass (1966) e Pribicevic (1959).29. Cole, 1920a. Um resumo do desenvolvimento do socialismo de guilda e uma discussãogeral de sua teoria (Cole era apenas um dos envolvidos) podem ser encontrados em Glass(1966). Colocou-se em questão se o plano de Cole teria se revelado tão "pluralista" quanto elepretendia. Ele pensava que, uma vez que o socialismo de guilda começasse a tomar forma, oEstado "definharia" gradualmente por falta de uma função real, mas argumentou-se que a suaComuna Nacional, o novo órgão "coordenador", iria se tornar o Estado rebatizado em termosmais essenciais.

58

u

t

cipativa em todos os níveis e aspectos. A estrutura vertical devia serde natureza econômica, pois de acordo com os bons princípios fun-cionalistas as funções políticas e econômicas deviam ser separadasna sociedade. Do lado econômico, a produção e o consumo eramtambém diferenciados.30 O que em geral se considerava como "guil-das" na verdade devia ser a unidade da organização no setor da pro-dução. Para a esfera econômica Cole também propunha o estabeleci-mento de cooperativas de consumidores, conselhos de utilidades(para abastecimento de gás, etc.), guildas cívicas para cuidar dasaúde, educação, etc., e conselhos culturais para "expressar o pontode vista cívico" — e alguns outros corpos ad hoc que poderiamprover o necessário em uma área específica. A oficina deveria ser o"bloco de construção" básico da guilda e, de modo similar, a unidadebásica de cada conselho, entre outras coisas; devia ser pequena obastante para permitir o máximo de participação de todos. Cada guildaelegeria representantes para os estágios mais altos da estrutura vertical,para as guildas e conselhos locais e regionais, e, no nível mais alto, parao Congresso de Guildas Industriais (ou o seu equivalente).

O propósito da estrutura (política) horizontal era dar expressãoao "espírito comunal da sociedade global". Cada cidade ou área ruralteria a sua própria comuna, onde a unidade básica seria o bairro,novamente para permitir o máximo de participação dos indivíduos, eos representantes seriam eleitos a partir das guildas e demais corposlocais da comuna, com base nos bairros. A camada horizontal se-guinte seria composta por comunas regionais, reunindo a cidade, ocampo e as guildas regionais, e no topo estaria a Comuna Nacionalque, pensava Cole, seria um corpo de mera coordenação sem seconstituir no prolongamento funcional, histórico ou estrutural do Es-tado existente.

Os prós e os contras mais precisos desse projeto específico nãonos interessa aqui; como disse o próprio Cole, "os princípios por trásdo socialismo de guilda são bem mais importantes do que as formasefetivas de organização imaginadas pelos socialistas de guilda"(1920c, p. 7), e é nesses princípios, os princípios subjacentes à teoria

30. Foi a respeito desta última divisão que Cole divergiu tanto dos coletivistas quanto dosdefensores da cooperação, porque nenhum deles admitiu o direito do produtor ao autogo-verno, e dos sindicalistas porque eles não admitiam que os consumidores necessitassem deuma representação especial.

59

Page 31: Carole pateman   participação e teoria democrática

da democracia participativa, e na questão de sua relevância empíricaem nossa época que estamos interessados.

A grande diferença entre as teorias da democracia discutidasnesse capítulo e as teorias de autores que chamamos de teóricos dogoverno representativo dificulta a compreensão de como o mito deuma teoria "clássica" da democracia subsistiu por tanto tempo e foitão vigorosamente difundido. As teorias da democracia participativaexaminadas aqui não eram apenas tentativas de prescrição, como sediz freqüentemente; o que elas fazem é fornecer justamente os "pla-nos de ação e prescrições específicas" para movimentos no sentidode uma forma de governo (verdadeiramente) democrática que se su-geriu estar faltando. Entretanto, as críticas mais estranhas talvezsejam as de que esses teóricos anteriores não estavam preocupados,como coloca Berelson, com as "formações gerais necessárias paraque as instituições (políticas) funcionassem como deviam", e a deque eles ignoravam o sistema político como um todo em suas obras.

@>Está bastante claro que era exatamente com isso que eles se preocu-pavam. Embora a variável identificada como crucial nessas teorias,para o estabelecimento bem-sucedido e a manutenção de um sistemapolítico democrático — as estruturas de autoridade das esferas não-governamentais da sociedade — seja exatamente a mesma que Ecks-tein aponta em sua teoria de uma democracia estável, as conclusõestiradas pelos teóricos da democracia mais antigos e pelos mais recen-tes são inteiramente diferentes. A fim de que possa ser efetuada umaavaliação dessas duas teorias da democracia, estabelecerei agora,brevemente (de modo similar à teoria contemporânea da democra-cia, acima), umajeoria^participatiya da democracia, retirada das trêsteorias que acabamosdedScútirT

A teoria da democracia participativa é construída em torno da_ afirmação central de que os indivíduos e suas instituições não podem

ser considerados isoladamente. A existência de instituiçõesrepre-senjjuiyjisjyiívejjiacional não basta para a democracia; poisj^má-xmiQ-de.particip.aç.ãa de todas as pessoas.^socMizacão-Qii±tr.eina-mgntoJ-socialH,-j)iecisa ocorrer em outras esferas,_de modo que asatitudes e qualidadesjsicológicas necessáriaj possamjse desenvol-YertJissé clèsenvolvimento ocorre por meio do próprio processo departicipação. A_DrincipaHuncão da particjpaçãojBajteprmja_derno-

60

sentidojdjy>a]avra, t^jo,na,ajpjcjp_£sjc£lógiç^^u^ntono de aquisi-çfe_^IpráticaTZe,Jiabilidade:s__e procedimentos democrátÍOTsrpòrisso, não há nenhum problema especial quantõTTestabilidade de umsistema participativo; ele se auto-sustenta por meio do impacto edu-cativo do processo participativo. A participação promove e desenvolveas próprias qualidades que lhe são necessárias; quanto_riiais_QS_indivá-/duos_rjarticipam, melhor capacitados eles se tornamjgara_fozê-lo. Ashipóteses subsidiárias a respéitoBãpartl^^^são^de que ejajgmjirnéfêiETrTfêpãfivo e de que auxi!mTãmtaçãp_de-deeis0es^oletivas.

"~~ Em conseqüência, para_c|ue exista uma_JgjTna^e_goyerno_de-mocrática é necessária a existência de uma so£Íeda^e_pajtkip_aíiy,a0isto é, umã"s6c1êaade~Õnaé"tõdõs osjiistemas políticos tenhanmdo

_ocorrer em todas áreas. A área mais importante é aôndústriaj a maio-nâ~dõslndivíduos despende grande parte de suas vidas no trabalho eo local de trabalho propicia uma educação na administração dos as-suntos coletivos, praticamente sem paralelo em outros lugares. Osegundo aspecto da teoria da democracia participativa é que as esfe-ras de atuação, como a indústria, poderiam ser vistas como esferas deatuação política por excelência, oferecendo áreas de participaçãoadicionais ao âmbito nacional. Para que os indivíduos exerçapi omáximo de controle sobre suas próprias viBas^sobreolmbiente, ase^truttErã£aê^int^riidadeTre'gsas^íeas precisam ser organizadas dejtalformajjueeles possam participar na toníaHã^e decilõesTÜma outrarazão para o^papeTcentrãl da indústria na teoria relaciona-se com amedida de substancial igualdade econômica exigida para que o indi-víduo tenha a independência e a segurança necessárias para a partici-pação (igual); ajlemQcratização das estruturas dejmtoridade dajn-dústria, ao abolir a permanentedistinção entre "administradores" e"tomen^^gessa_condição.

As teorias da democracia contemporânea e participativa podemser comparadas em cada detalhe importante, inclusive quanto à pró-pria caracterização de "democracia" e à definição de "político", quena teoria participativa não está confinado à esfera habitual do go-verno nacional ou local. Novamente, jajegria^participativa, a^"parti-cipação" refere-se^_ participação Jjguai) na tomada de^decisões, e"igualdade política" refere-se à igualdade dê poder na determinação1

61

Page 32: Carole pateman   participação e teoria democrática

das conseqüências das decisões, uma definição bastante diferentedaquela fornecida pela teoria contemporânea. Por fim, a justificativapara um sistema democrático em uma teoria da democracia partici-pativa reside primordialmente nos resultados humanos que decorremdo processo participativo. Pode-se caracterizar o modelo participa-tivo como aquele onde se exige o input máximÕ~(ã^^^5âÇãp) e

inclui não apenas as pQlftica^CdecisõesXm

Muitas das críticas feitas à chamada teoria da democracia"clássica" implicam que basta apenas estabelecer tal teoria para quefique óbvio que ela é irrealista e obsoleta. Em relação à teoria dademocracia participativa isso não acontece; de fato, ela apresentamuitos aspectos que refletem alguns dos principais temas e orienta-ções da teoria política e da sociologia política recentes. O fato de elaser um modelo de um sistema auto-sustentado, por exemplo, poderiatorná-la atraente para muitos autores de textos políticos, os quaisutilizem tais modelos, implícita ou explicitamente. Ainda, as seme-lhanças entre a teoria da democracia participativa e teorias de plura-lismo social recentes são bastante óbvias, embora estas em geralafirmem que apenas as associações "secundárias" deveriam fazer amediação entre o indivíduo e o corpo político nacional, mas nãodizem nada sobre a questão das estruturas de autoridade dessas asso-ciações.31 A definição ampla de "político" na teoria participativatambém está de acordo com a prática na teoria política e na ciênciapolítica modernas. Dahl (1963, p. 6), um dos defensores da teoria dademocracia contemporânea discutidos acima, definiu um sistemapolítico como "qualquer padrão persistente de relacionamentos hu-manos que envolvam, de maneira significativa, poder, governo eautoridade". Todos esses elementos fazem com que se estranhe ofato de nenhum autor atual da teoria democrática demonstrar ter feitouma releitura de seus precursores à luz dessas preocupações. Qual-quer explicação disso incluiria, sem dúvida, uma menção à crençaamplamente difundida de que (embora esses precursores sejam comfreqüência taxados de "descritivos") os teóricos políticos "tradicio-nais", em especial os teóricos da democracia, estavam engajados

31. Cf. Eckstein, 1966, p. 191.

62

num empreendimento já consagrado pelo uso e "carregado de valor",tendo portanto a sua obra, segundo esse ponto de vista, pouco inte-resse direto para o teórico político moderno, científico.

Qualquer que seja a verdade desta afirmação, pode-se agoratentar a realização da tarefa restante, ou seja, uma avaliação do rea-lismo empírico e da viabilidade da teoria da democracia participa-tiva: a concepção de uma sociedade participativa é uma fantasia utó-pica — e uma fantasia tão perigosa assim? A exposição da teorialevanta imediatamente várias questões de importância. Por exemplo,o problema da definição de "participação". É claro que, quando aparticipação direta é possível, a definição é relevante, mas não ficaclaro até que ponto o paradigma da participação direta pode se repe-tir em condições onde a representação está se tornando amplamentenecessária, embora o indivíduo tivesse mais oportunidades de parti-cipação política numa sociedade participativa. Antes de se dar umaresposta à questão, entretanto, é preciso analisá-la com bastante cui-dado. A teoria da democracia participativa se sustenta ou cai por terrade acordo com duas hipóteses: a função educativa da participação eo papel crucial da indústria, e nossa atenção será concentrada nisso.O ponto principal da discussão nas duas teorias da democracia é seas estruturas de autoridade industrial podem ser democratizadas, mas,antes que tal questão possa ser enfrentada, uma outra ainda mais básicadeve ser colocada. ]Nto próximo capítulp^começaremos por verifícarjeexiste alguma evidência que su£tejUe^h'gaçãQ_§ugeridaLentre a partici-

63

Page 33: Carole pateman   participação e teoria democrática

1III

O SENTIDO DE EFICÁCIA POLÍTICA E APARTICIPAÇÃO NO LOCAL DE TRABALHO

Ambas as teorias da democracia, a contemporânea e a partici-pativa, incluem o argumento de que os indivíduos deveriam receberalguma espécie de "treinamento" em democracia, não limitado aoprocesso político nacional. Contudo, defensores da teoria contempo-rânea como Dahl ou Eckstein fornecem poucas indicações a respeitode como se daria esse treinamento. E há algo dej)aradoxal_enLgha-mar de socialização um treinamento explícitpjsmjfemocrac/a dentro

""das organizações e asjspciaçõeSj^^ jLjna^riaj^a^qu.aisj^rjrincipalmenteas indústria&Xé_oligárquica e hierárquica. O argumento da teoria dademocracia participativa, cie que a educação para a democracia (queocorre dentro do processo participativo em estruturas de autoridadenão-governamentais) requer que as estruturas sejam democratizadas,parece bem mais plausível (embora Sartori tenha afirmado que nãose comprovou que alguém "aprende a votar, votando"). Antes deexaminar se há alguma evidência empírica para apoiar a conexãosugerida entre a participação no local de trabalho e a participação naesfera política mais ampla, existe uma questão anterior, que é sabercomo pode ocorrer essa conexão. Novamente, há um terreno comumentre as duas teorias: ambas apontam para fatores psicológicos nodesempenho de um papel de mediação. Ateoria_dj_democracia par-ticipativa afirmajnie a experiência da participação, dealgum modo,torna o indivíduo psicologicamente melhor equiparado para partici-par aindlTmlis rio~füluro. E~ãlgumas evidências interessantes emapoio ao argumento podem ser encontradas em recentes estudos em-píricos sobre socialização e participação política.

65

Page 34: Carole pateman   participação e teoria democrática

John Stuart Mill sustentava que um caráter "ativo" resultaria daparticipação, e Cole sugeria que seria favorecido o que podemoschamar de caráter "não-servü", e é possível dar a essas noções algumconteúdo empírico útil._Se alguémjuiser se autogoveniâr^dig-aflflos,nnjocal_de trabalho, então ceitamejite_jgrâo_jie^essjrias_algumasqualidadesjjsicglógicas. Por_exejrnplo,^ convicção de que alguémpode se autogOTejrnjjr^grtarnente rjar^e^^gjrcojifiança^ria_rjrópriac^^^^^^-Ç^^KISSSSMã^sLê^íêtí^S.menteede controlar apjgpria_yida_ejL3Plbieiite^Estas não são características que podemser associadas com caracteres de "servilidade" ou "passividade", e érazoável sugerir que a aquisição de semelhante confiança e os outrosatributos mencionados fazem parte, ao menos, daquilo que os teóri-cos da sociedade participativa vêem como os benefícios psicológicosque resultariam dessa participação. Também se poderiam encararestas qualidades como parte do famoso "caráter democrático". En-tretanto, uma das correlações positivas mais importantes que emergi-ram das investigações empíricas sobre comportamentos e atitudespolíticas é a que se esfãglêceu^htre^participação e o que~se có^nhece corno_o_senti3Q_de eficácig^polftiçajaj o sentido_de^Qmpetên-^cja_golítica. Isso foi descrito como o sentimento de que "a ação polí-tica do indivíduo tem, ou pode ter, um impacto sobre o processopolítico, ou seja, vale a pena cumprir alguns deveres cívicos"(Campbell etalii, 1954, p. 187). As pessoas com o senso de eficáciapolítica têm mais probabilidade de participar de política do queaquelas que carecem desse sentimento, e se descobriu também quesubjacente ao senso de eficácia política está uma sensação geral deeficiência pessoal, que envolve autoconfiança na relação do sujeitocom o mundo. "As pessoas que se sentem mais eficientes em suastarefas e desafios cotidianos têm mais probabilidade de participarem política"1, e Almond e Verba disseram que "de muitas manei-ras... a convicção na própria competência é uma atitude políticadecisiva" (1965, pp. 206-7). _ _ - -pjítiça^daqui por diante, será visto como uma interpretação opera-

Ç.ÍPJM-SU,_peio_rnenos,_parte do efeito pjisojógjco_a_gu^je_r£ferejruíòs_^ricos_da^democracia participativa. A questão que agora se co-

1. Milbrath, 1965, p. 59. Para um resumo das descobertas relativas à eficácia política, verMilbrath, pp. 56-60, e Lane 1959, pp. 147 e segs.

66

loca é verificar se existe alguma evidência que sugira que a partici-pação em esferas não-governamentais, em particular na indústria,seja de importância significativa no desenvolvimento desse sentimento.

A fonte de evidências mais interessante e importante é o livrode Almond e Verba A cultura cívica (The Civic Culture). Trata-se deum estudo intercultural de atitudes e comportamentos políticosabrangendo cinco países, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Ale-manha, a Itália e o México, e uma grande parte do livro se ocupa como senso de competência política e seu desenvolvimento. Descobri-ram os autores que, nos cinco países, mantinha-se uma relação positiva Jentre o senso de eficiência política e de participação política, ainda que,lo senso de competência fosse mais acentuado a nível local do que na-i!cional. Descobriu-se também que o grau de competência era maior nosEstados Unidos e na Grã-Bretanha, países onde existiam maiores opor-tunidades institucionais para a participação política local.

Isso reforça o argumento de Mill sobre a importância das insti-tuições políticas locais como um campo de treinamento para a demo-cracia e, de fato, os próprios autores do estudo observam que essesfatos fornecem

um argumento em favor da clássica posição de que a participação política a ínível local tem um papel fundamental no desenvolvimento de uma cidadã: Jnia_corngetente. Como sustentaram vários escritores, o governo local lpode funcionar como um campo de treinamento para competência polí-tica. Onde o governo local permite a participação, ele pode estimular ;wnsenso de competência que então se projeta a nível nacional (p. 145). '

Qs_aytores também investigaram os efeitos da participacão_£rrLorga-nizagões voluntárias e descobriram que, nos cinco países, o senso deeficiência política era maior_gnfrejgs menTbros_da_organização doque entre os quejrtão eram membros, e erajnais_altp,ainda entre os

s^mii^ejn particulará foi mencionado que a teoria de democracia participativãTern

similaridades com argumentos recentes sobre o pluralismo social, eAlmond e Verba concluem em seu capítulo a respeito da participaçãoem uma organização dizendo que "o pluralismo, mesmo não sendoexplicitamente político, pode ser, de fato, um dos fundamentos mais

2. Almond e Verba, 1965, pp. 140 e segs., e tabelas VI, l e VI, 2.

67

Page 35: Carole pateman   participação e teoria democrática

importantes da democracia política" (p. 265). De modo geral, asrecentes pesquisas sobre socialização política mostraram que os teó-ricos da democracia participativa caminhavam em solo firme ao de-clararem que o indivíduo, a partir de suas experiências com estrutu-ras de autoridade não-governamentais, teria a tendência deampliá-las à esfera mais ampla da política nacional. Como Ecksteinem seu livro examinado anteriormente, Almond e Verba apontampara essas estruturas de autoridade como a variável mais importante"e argumentam que

se na maioria das situações sociais o indivíduo se acha subserviente aj alguma figura de autoridade, é provável que ele espere uma relação del autoridade como essa na esfera política. Por outro lado, se fora daesfera política ele dispõe de oportunidades de participar de um amploleque de decisões sociais, provavelmente esperará ser capaz de partici-par do mesmo modo das decisões políticas. Além disso, a participaçãona tomada de decisões não-políticas pode dar-lhe a destreza necessáriapara se engajar na participação política (pp. 271-2).

Almond e Verba sustentam que as experiências adultas são fun-damentais nesse processo de socialização política, porém, pesquisasmais recentes e em especial a de Easton (e associados) centraram-senos anos da primeira infância como sendo de fundamental importân-cia na formação dos comportamentos e das atitudes políticas poste-riores. Entretanto, ainda que os dados apresentados em Crianças nosistema político (Children in the Political System, Easton e Dennis,1969) mostrem que o aprendizado especificamente político de fatose dê na primeira infância, e ainda que possa ser verdade que talaprendizado ajude a estabelecer uma reserva de "apoio difuso" àautoridade política como tal, os dados não chegam a estabelecer umaconexão entre os comportamentos ou atitudes políticas específicasdo adulto e o tipo particular de aprendizado infantil do qual trata olivro (ou seja, que as crianças aprendem a atribuir um sentido, e a serelacionar com a autoridade política em grande parte por meio daspersonalidades do presidente da República e dos policiais). De fato,muitas das observações dos próprios autores põem em dúvida, emúltima análise, a importância de tal aprendizado infantil. Observameles que, "surpreendentemente, mesmo em uma época influenciadapor preconceitos freudianos, o efeito das experiências infantis sobreo comportamento adulto é ainda discutível" (p. 75) e que os pais

68

tendem a proteger seus filhos das realidades da vida política.3 Ébastante significativo que as atitudes das crianças mais velhas difi-ram das atitudes das crianças mais novas, sob o impacto da crescente(realista) experiência do mundo; na verdade, os próprios autores en-fatizam a importância desta última experiência para socialização po-lítica, e dizem que "a socialização secundária, durante o período quese segue à infância, pode, sob certas circunstâncias, conduzir parauma direção oposta... cujo resultado depende de forma nítida dassituações" (p. 310). /

Sugerir que devemos observar estas experiências adultas não éa mesma coisa que dizer que a infância não tem importância nasocialização política — experiências posteriores podem muito bemreforçar atitudes que começaram a se desenvolver desde cedo. Esteponto tem relevância direta para o problema do desenvolvimento dasensação de eficiência política entre as crianças, que Easton e Dennistambém pesquisaram, embora não estivessem preocupados, comoAlmond e Verba, com a questão de por que alguns indivíduos se sentempoliticamente mais eficientes do que outros, mas sim em descobrir se ascrianças aceitam a norma da eficiência política. Porém, de novo, essaabordagem não nos diz nada sobre as atitudes políticas dos adultos.4

O que chama mais a atenção nesses estudos de eficiência política é queos diferentes níveis estão vinculados ao status sócio-econômico; os in-divíduos de baixo status sócio-econômico tendem a ter uma sensaçãode eficiência política baixa (e a participar menos). Essa correlação entreclasses e níveis de eficiência também é válida para as crianças, e Eastone Dennis sustentam que os níveis de eficiência medidos nas criançasrefletem, na verdade, a visão queporJarnentfiL£lõs_pais, ( 1 967rpT31)Dessa forma, ainda temos que darconta da diferença dos adultos nesse sentido, e não adianta dizer que éapenas o resultado de sua própria infância...

A área na qual uma tal explicação pode ser feita já foi indicada —nas experiências dos indivíduos com estruturas de autoridade não-go-

3. Pp. 357-78. Ver também Greenstein, 1965, p. 45, e Orren e Peterson, 1967. As descobertasde Easton e Dennis também são provavelmente vinculadas à cultura, um fato que elesmesmos reconhecem (ver por exemplo Jaros et alii, 1968).4. É um raciocínio curioso (Easton e Dennis, 1967, p. 38) dizer que, durante a infância, a

"internalização" de uma norma que diga que devemos ter voz na vontade do governo, em si, ajuda acontrabalançar a frustração que sentiremos mais tarde ao descobrirmos que as aparentesoportunidades de realizarmos isso são ilusórias. Seria mais provável que ela tivesse o efeito oposto.

69

Page 36: Carole pateman   participação e teoria democrática

vernamentais, e esta pesquisa pode nos fornecer uma explicação dasdiferenças entre as crianças e os adultos. Almond e Verba descobriramque as oportunidades (rememoradas) de participar na família e na es-cola relacionavam-se com uma pontuação bem alta na escala da compe-tência política nos cinco países, sendo de particular importância o im-pacto das oportunidades no nível da educação superior. Sãoascrianças lde classe média que tendemjuipresentar a pontuação mais alta na escalade eficiência^_sabemos_C[ue as famílias de classe média têmjnaiorprobajid^b_dj_Bropjgircionar a seus filhos um^estru1ü^^ê~ãiitõridadè'faniiHar^articipatiYj,^ Já as7àm3ín^dãTülasses"tfãbalHãdoras tendem

"TTséTmais "autoritárias" ou a exibir um padrão de autoridade sem con-sistência. Uma vez que as crianças de classe média também têm maispossibilidades de receber_educação superior, começamos a perceber o i

5ão.Porém, apesar dessas diferenças evidentes já na infância, o

ponto de vista de Almond e Verba é de que as experiências adultassão essenciais. Com base em dados dos cinco diferentes países, elesconcluem que "em um sistema social relativamente moderno e di-versificado, a socialização na família e, em menor proporção, naescola, representa um treinamento inadequado para a participaçãopolítica" (p. 305). As oportunidades para "participar nas decisões^jippróprio local ^ _ . , _desenvolvimeníCLdg_jejT^cãgjfe_eficiênciapglffea. "A estrutura deautoridade no local de trabalho é provavelmente a mais significativa— e notória — , estrutura esta com a qual o homem médio se en-contra em contato diário" (p. 294).

Na verdade, as experiências com os diferentes tipos de estruturade autoridade no local de trabalho, por parte dos adultos, podem tam-bém nos fornecer uma explicação a respeito dos diferentes níveis de

5. Almond e Verba, pp. 284 e segs., quadros XI. 4 e XI. 5. Easton e Dennis, 1967, e Greenstein1965, pp. 90 e segs. Para um relato adequado das diferenças de classe nos padrões de educação dascrianças na Inglaterra, ver Klein, 1965, vol. H. Outro fator decisivo nessas modernas escolassecundárias (freqüentadas, na maioria, por crianças de baixo nível sócio-econômico) é que em geralfuncionavam com o método que se chamava de "treinamento de sargentos", e isso permitia poucoespaço para que a criança tomasse decisões sobre qualquer assunto. Para um modelo deste tipo deescola, ver Webb, 1962. Um dado interessante é que a diferença nos níveis de eficiência política entreas classes é menor na Noruega do que nos Estados Unidos, e uma das explicações propostas refere-sea estrutura diferente dos partidos políticos nos dois países: na Noruega eles são "polarizados emtermos de classe", e, portanto, oferecem um maior número de oportunidades para as pessoas de baixacondição sócio-econômica participarem. Ver Rokkan e Campbell, 1960, e Alford, 1964.

70

4-

eficiência política encontrados nas crianças. Uma das explicações ofe-recidas a propósito da diferença de classe na educação das crianças é oefeito das ocupações de baixo status dos pais; "pais cujo trabalho IfiêsAproporciona pouca autonomia, e que são controlados por outros, sem lpor sua vez exercerem controle algum, são mais agressivos e severos''](Cotgrove, 1967, p. 57), oujsejajjílejniãoj3n^^cipativo em casa. Sem dúvida, as experiências do trabalho afetam odesenvolvimento de um sentimento de eficiência política nos adultos^Almond e Verba perguntaram aos entrevistados se eles_eram_consult-ados a respeito das decisões tomadas no trabajho^jté^que^orito^lesje«SJtSniHl r^ efetiva-

jrLente.faziam.queixas. Em todos os países, as oportunidades de particr^ yí,par foram positivamente relacionadas com um sentimento de compe-tência política, e, também, como seria de se esperar, quanto maior ostatus do entrevistado, maior número de oportunidades era relatado.6/^_ Também se viu que a participação tinha efeito cumulativo:quanto maior o número "dê~areas em jjuej3 indivíduo participava,mãiÕFtehdia a ser a sua pontuação na escala de eficiência política.7

Já notamos que iaYâcwm^ãe^ÕpÕfíwMaVê^yê^á^Tcí^çaõ^^ÍQa ocorrer mais entre os indivíduos de alta condição sócio-econômica. /

-Nojndamej^gerja^as_cj^cão sócio-econômica infejlOTj|u^p^^^^^^esjec^n^fltejaojoc^d-ejrjbajhp. Já_fazquase parteda JgííSiSlgJg^gPEâSâgJ6, 111 indivíduo de baixõ^tatüTsocw^êco-nôrrdoojque ele tenha pouca margem para o exercícj^dajrnciativa oud^c9ntrole^bTé"^~sBrtr^b^m^^^oDre!^s condições de trabalho,que ele não participe 3ã~íomadã~3ê~alêcisoês ^Êrêmpresa^TrecêSaiHslrü^^s~s'ObTéTyT[u^inilhante situação" levaria'a sentimentos de mêlícienciFq^^eriarnreforçados pela falta de oportunidades~de participar, que levariam auma sensação de ineficiência... e assim por diante. Um efeito dessetipo foi enfatizado em um artigo de .alguns anos atrás de Knupfer,intitulado "Retrato do pobre-diabo" ("Portrait of the Underdog").Ele sustentava ali que os diferentejiyisjjgcJxjsjla^OTnôjmGajojanajr^urn.^írcu^^

6. Almond e Verba, 1965, pp. 280-3, quadro XI. 3, e pp. 294-7, quadro XI. 6.7. Almond e Verba, pp. 297-9, quadros XI. 7 e XI. 8. Esse resultado não vale para o México.

71

Page 37: Carole pateman   participação e teoria democrática

"TI

o que lhe é de direito'". O autor enfatiza a importância dos fatorespsicológicos neste processo e sugere que a falta de esforço para con-trolar seu ambiente (comumente encontrada nos grupos de baixa condi-ção sócio-econômica) pode dever-se a "hábitos profundamente arraiga-dos de só fazer o que lhe mandam". A desvantageniegonômicajigacseentão à desvantagem psicológica z engendra/!yma,falta-.demautocQn-Tíãngãjjue,jmmênta a ^n^^^^d^^^^^d^b^xojtjatus^de

^classejnédia, muito além do que seria um retraimento realista adaptadoàs poucas oportunidades de se tornar eficiente" (1954, p. 263). /

""Rn apresentada, agora,j^evidência para apoiar o aTgumgntojla[teoria da democracia participativa de que a participação emj^trajturasdelmtondade não-governamentais éüêcèssafia para alimentar e desen-vôTvêT^qúaüdãdés psicológicáT(õ~s^ntÍmento d^^cjência^polificl)r^^^^^j^a^ajg^i^^ç^â^/el^^^^mn^. TjrnbJriLfQÍ-CÍtada^_evidência Darajpoiar o argumento de_que_ajndústria é a esfera maisimportante paraj[ue ocorra essa participação, e isso nos fornece a basepara uma r»sjíyel_exp]íçaçãoide,ppr^que^oj^feixo^niwisWe^aência terrPmaiarpjgbabiUdadeJe seremjncqntradps entre os grupos de baixa condi-ção sócjo^on&niça. .Examinaremos, agora, mais algumas evidências

- empíricas a propósito do efeito que os diferentes tipos de estrutura deautoridade industrial têm sobre as atitudes e perspectivas dos indivíduos./

Ultimamente tem havido um considerável interesse sobre o efeitoque os diferentes tipos de estruturas de autoridade e as diferentes tecnolo-gias têm sobre aqueles que trabalham com elas. Do mesmo modo que otrabalhador de baixo status sócio-econômico, numa estrutura de autoridadehierárquica, está em uma posição de permanente subordinação, assim, emrelação a algumas tecnologias, ele pode ser subordinado também às exi-gências externas do processo técnico.8 Uma ilustração de interesse a

8. O efeito que certos tipos de processo industrial tinham em seus empregados foi comentado porAdam Smith: escreveu ele, "no progresso da divisão do trabalho, o emprego... da grande maioria daspessoas acaba se restringindo a algumas poucas operações simples; freqüentemente a uma ouduas.Porém, o entendimento da grande maioria dos homens é necessariamente formado porsuas ocupações comuns. O homem que passa a vida inteira realizando algumas poucas operações simplescujos efeitos são, talvez, sempre os mesmos... não tem ocasião para exercer seu entendimento ou paraexercitar sua inventividade, encontrando expedientes para remover dificuldades que não ocorrem jamais.Ele naturalmente perde, portanto, o hábito de tal exercício e em geral se toma tão estúpido e ignorantequanto é possível para uma criatura humana se tomar... (ele é incapaz) de formar qualquer juízo justo quediga respeito mesmo a muitas das tarefas comuns da vida privada. Ele é inteiramente incapaz dediscernimento sobre os maiores e mais amplos interesses do seu país". Smith, 1880, vol. U, pp. 365-6.

esse respeito pode ser encontrada no estudo comparativo de Blauner dequatro diferentes situações de trabalho. Em Alienação e liberdade (Alie-nation and Freedom, 1964), BJauner analisava as indústrias (norte-americanas) gráfica, têxtil, automobilística e química, onde a relaçãodos trabalhadores comuns com a divisão do trabalho, a organização dotrabalho e o processo técnico variava bastante, assim como o impactodesses fatores sobre os trabalhadores. pVgejnas,algumas,situaçõe,s de tra-balho, mostraram^exojr^ííveis^om-o^s^nvolvimentg^as caracte-rísticas psicológicas,que. nos interessam, os sentimentos,,de,cpnfiança ede eficiência pessoal subjacentes ao,,sentinientode eficiência política.Tais condições não estavam presentes na indústria automobilística ouna têxtil. "O ambiente de trabalho na indústria automobilística é racio-nalizado em grau tão elevado que os trabalhadores praticamente nãotêm oportunidade de resolver problemas e de contribuir com suas pró-prias idéias", e na Unha de montagem propriamente dita o operário nãotem controle sobre o ritmo ou a técnica do seu trabalho, e nenhumespaço para exercer sua habilidade ou liderança (pp. 98 e 111-3)./Essa tecnologia, juntamente com a estrutura de autoridade característicade uma Unha de montagem de automóveis, pouco contribui para o sensode auto-estima, e a "personaUdade social do trabalhador automobilís-tico... expressa-se em uma atitude característica de cinismo em rela-.ção à autoridade e aos sistemas institucionais" (p. 178). A situação1

na indústria têxtil levava ainda menos ao desenvolvimento de sentimen-tos de eficiência pessoal. Neste caso, não apenas o processo técnicoreduz ao mínimo o controle do trabalhador sobre o seu trabalho, comotambém o deixa "à mercê tanto dos supervisores menos graduadosquanto dos mais graduados". Blauner cita um estudo psicológico feitosobre têxteis e que descrevia a personaüdade típica do tecelão como ade alguém "resignado com o que lhe coube... mais dependente do queindependente... falta-lhe confiança em si mesmo... é humilde... os senti-mentos que mais prevalecem... parecem ser o medo e a ansiedade" (pp.69-70 e 80). O contraste entre essas duas indústrias e as indústriasgráfica e química era marcante. Na indústria gráfica, ainda em grande!medida artesanal, o trabalhador tem uni alto grau de controle sobre seultrabalho, tem elevados padrões internalizados, de destreza e responsabWlidade, e uma dose muito grande de liberdade em relação ao controleexterno. Todos esses fatores contribuem, diz Blauner, para uma "perso^nalidade social caracterizada por... um forte senso de individualismo e

73

Page 38: Carole pateman   participação e teoria democrática

de autonomia, e por uma sólida aceitação da cidadania na esfera maisampla da sociedade. [O gráfico]... tem um sentimento de auto-estimaaltamente desenvolvido e a sensação de que é útil, por isso está prontoa participar das instituições sociais e políticas da comunidade" (pp. 176e 43 e segs.). Um resultado similar foi encontrado na indústria química,contudo, neste caso não era devido ao alto grau de controle sobre otrabalho e às condições exercidas pelos artesãos isolados, mas à respon-sabilidade coletiva de um grupo de empregados para a manutenção e auniformidade de um processo fabril contínuo. Cada grupo tinha con-trole sobre o ritmo e o método para realizar o trabalho, e os grupos detrabalho eram em grande parte autodisciplinados internamente. Assimcomo na indústria gráfica, essa situação de trabalho contribuía parasentimentos de auto-estima e de autovalorização (pp. 132 e segs., 179 e159). BkmCTcp^dmujuej^nato^zado trabalh£jd£ju^h^omeinafetaseu caráter e personalidade sociais^, e que um ambiente industrial tendea geraram tipo social distinto". /

Õ impacto das estruturas de autoridade hierárquicas e da subdi-visão do trabalho sobre a personalidade também recebeu a atençãode autores das áreas de organização e de administração, que abordama questão do ponto de vista da eficiência da organização. Para tanto,costuma-se argumentar que é necessária uma estrutura de autoridadee uma organização do trabalho que não prejudiquem a "saúde men-tal", a eficiência psicológica do empregado. Argyris, por exemplo,com base em dois modelos, um da organização hierárquica (burocrá-tica) e o outro do indivíduo psicologicamente saudável, sustentouque a forma típica de estrutura de autoridade da indústria modernanão consegue suprir as necessidades de auto-estima, de autocon-fiança, de crescimento do indivíduo, e para apoiar seu argumentocitou farto material empírico./Isso não afeta apenas as pessoas situa-das na base da estrutura. As "normas organizacionais", diz Argyris,forçam o executivo a ocultar seus sentimentos, o que lhe dificulta odesenvolvimento da competência e da confiança nos relacionamen-tos interpessoais, dos quais depende a administração eficiente, e fazcom que não queira assumir riscos. Isso tende a aumentar a "rigi-dez" da organização, com efeitos deletérios sobre o mais baixo esca-

9. Blauner, 1964, pp. VIIT e 166. Evidências similares sobre o efeito dos diferentesambientes de trabalho sobre as atitudes políticas podem ser encontrados em Lipsitz, 1964.

74

lão.10 Tipicamente, o trabalhador de escalão inferior na indústria mo-derna vê-se num ambiente de trabalho onde ele pode fazer uso depoucas habilidades, e exercer pouca ou nenhuma iniciativa ou con-trole sobre o seu trabalho. Isso pode levá-lo a experimentar "umasensação de perda de autocontrole e de responsabilidade", e o efeitocumulativo durante um período pode vir a "influenciar a visão que oempregado tem de si mesmo, sua auto-estima... sua satisfação navida, e, de fato, seus valores quanto ao significado do trabalho". Argy-ris especula sobre a possibilidade de esses estados psicológicos se vincu-larem à falta de interesse e de atividade em política, mas não investigapropriamente esse aspecto (1964, pp. 54 e 87-8). /

Parececlaraajartk desses indfcios1quej)argumento dateoria dademocrac^rjarticjrMwa^vantes) dojndiyjduo^ep^deiQ^dlTsliu ambjerüe^ejttabj^'cffiSTo^«enyqlvimento jie um senso de eficiência pojtfticã pareceSêperíder do fato de sua situação àe trabalho lhe proporcionar algumaperspêctivíde participar das tomadas de decisões. Se for assim, então,no què'cóncémé à validade empírica da teoria da democracia participa-tiva, o ponto fundamental passa a ser até que ponto é realmente possívelque a indústria seja organizada em linhas participativas. É com essaquestão que estaremos lidando a partir desse ponto.

Existe uma quantidade considerável de informações disponíveis,de diversas fontes, sobre a democracia industrial e participação no localde trabalho; com efeito, o termo "participação" esteve um tanto emvoga entre autores que falavam sobre administração e assuntos congê-neres, nos últimos anos. Nenhuma parte desse material, no entanto, foiconsiderada pelos defensores da teoria da democracia contemporânea,nem mesmo por Eckstein que dizia não ser possível democratizar asestruturas de autoridade da indústria. Até o presente momento, emnossa discussão da teoria da democracia participativa, utilizamos ostermos "participação" e "democracia" praticamente como sinônimos, e

10. Argyris, 1957 e 1964. Este argumento, é claro, assemelha-se ao de Merton, em seu bemconhecido ensaio sobre Estrutura burocrática e personalidade (Bureaucratic Structure andPersonality}, onde ele diz que, com o crescimento das formas burocráticas de organização, "torna-seclaro, para quem quisesse ver, o fato de que, de modo ponderável, o homem é controlado por suarelação social com os instrumentos de produção. Isto não pode mais ser visto apenas como um dogmado marxismo, mas como um fato evidente que todos devem saber". Isso leva, sustenta ele, ao desviode objetivos, à timidez, ao ritualismo, à impessoalidade e assim por diante. Merton, 1957.

75

Page 39: Carole pateman   participação e teoria democrática

é desse modo que são empregados na maior parte da bibliografia sobreadministração, que iremos rever. Este uso é errôneo, mas a questão darelação precisa entre os dois, ou melhor, da relação entre a democraciaindustrial e as várias formas que a participação pode tomar, precisa serdeixada de lado até que o material empírico tenha sido examinado; naverdade, tal relação mostra-se consideravelmente mais complicada doque em geral se supõe. Outro problema correlato, que também seráconsiderado, diz respeito a como os efeitos psicológicos da participaçãono local de trabalho se relacionam com as diferentes formas de partici-pação e com a democracia industrial, j

Antes que se inicie o exame do material empírico é preciso consi- t>derar rapidamente uma objeção que tornaria todas as consideraçõesdescabidas. Embora tenha-se mostrado que a participação no local de

l trabalho é importante para a participação política mais ampla, poder-se-|ia objetar que, não obstante, ela não tem uma importância central, pois,fhoje em dia, e cada vez mais, o lazer constitui a parte mais importante' da vida do trabalhador e a esfera da qual ele espera, e pode, receber,j satisfações psicológicas. Os autores que sustentam a importância fun-il damental do lazer na vida do trabalhador de baixo escalão de hojel apontam para o fato de que muitos trabalhadores, em particular os bra-' cais, tendem a encarar o trabalho como algo que possui valor mera-mente instrumental e a concentrar suas aspirações no lazer. Assim, poder-se-ia sugerir, por extensão desse argumento, que o lazer pode fornecerum substitutivo para o trabalho no que diz respeito ao desenvolvimentodo senso de eficiência política11 Contudo, o argumento coloca dificulda-des consideráveis, f /

Primeiramente, mesmo se o trabalho pudesse substituir o lazer

11. Jjoponto de vista da teoria da democracia participativa, sgngjhante,,aütode,jnslrumentalpoderia serconsiderada uma Saicação de que o Irabalhãdornãoestaria operando numjmbiente jjarticjgaáyp. Sena._de se esperarqúétãlWffienSprõpiciasse uma avaliàçã^jllpljeífi termos de fatores intrínsecos, emn^ffi^Üõ^baeflciôlgi^lôfi^gign^^íOKratãçSj^ie Argyris, acima, foi sugerido que certosambientes'dê trabalKo poderiam levar o empregado a reavaliar o próprio trabalho, e argumentos análogossobre a situação do trabalho que levam à reavaliação do mesmo sob uma ótica instrumental podem serencontrados, por exemplo, em Oiinoy (1955) e em Lipsitz (1964). Em um livro recente sobre ostrabalhadores automobilísticos da Vauxhall sustenta-se que uma atitude instrumental é muito maistransposta para o trabalho do que desenvolvida lá. No entanto, as observações feitas sobre as crescentespressões sociais sobre o trabalhador isolado para que considere seu trabalho sob uma luz instrumental nãosão incompatíveis com a tese da situação do trabalho. Os autores do livro não consideram o impacto daestrutura de autoridade da fabrica de carros, nem dão qualquer indicação se as atitudes dos trabalhadoresem relação ao trabalho se modificaram enquanto estavam na Vauxhall Goldthorpe et ala (1968).

76

nesse aspecto, ele resultaria, como mostrou Blauner (1964), numa dife-rença fundamental: "a divisão da sociedade num segmento de consumi-dores que são criativos em seus momentos de lazer, mas realizam umtrabalho sem sentido, e em outro segmento capaz de auto-realização emambas as esferas da vida" (p. 184). Isto pressupõe, porém, que taisbenefícios psicológicos ou seus equivalentes advenham tanto do tra-balho quanto do lazer, embora existam diferenças significativas entre osdois. O termo "lazer" engloba um vasto leque de atividades, algumasdas quais (especialmente certos hobbies) assemelham-se muito a ativi-dades de "trabalho" que, no entanto, diferem no contexto no qual sãoexecutadas. Entendemos por "trabalho" não apenas a atividade que for-nece à maioria das pessoas a principal determinante de seu status nomundo ou a ocupação que o indivíduo desempenha em "tempo inte-gral" e que prove seu sustento, mas também queremos nos referir àsatividades que ele realiza em cooperação com outros, que são "públi-cas" e intimamente relacionadas à sociedade mais ampla e às suas ne-cessidades (econômicas). Assim, estamos nos referindo a atividadesque, potencialmente, envolvem o indivíduo em decisões a respeito deassuntos coletivos: os assuntos da empresa e da comunidade, em geraldiferentes das atividades das horas de lazer. Ainda que alguns hobbiespossam ter os mesmos efeitos psicológicos que aqueles, como Blauneraponta, advindos da atividade do artesão (o gráfico), nem todas as ativi-dades de lazer são hobbies; muitas — a maioria — não envolvem aprodução de nada por parte do indivíduo; ao contrário, levam-no aconsumir, de maneira que tanto a atividade quanto o contexto são dife-rentes. E, mais importante, o "argumento do lazer" ignora a asserçãofeita pelos teóricos da sociedade participativa a respeito do inter-rela-cionamento de indivíduos e instituições: se um certo tipo de estrutura deautoridade industrial consegue afetar a participação política, então afe-taria igualmente o lazer? Esse tipo de ligação foi sugerido por diversosautores. Por exemplo, Bell (1960), que escreveu que a '"ociosidadeconspícua' constitui o gesto hostil de uma classe trabalhadora exausta"(p. 233), e Friedman (1961), que sustenta que a "fragmentação do tra-balho nem sempre leva o trabalhador a buscar atividades de lazer degrandes conseqüências a fim de compensar suas frustrações. Em vezdisso, tais atividades podem tender a desorganizar o resto de sua vida"(p. 113). Friedman considera ainda que "matar tempo" é uma caracte-rística geral do comportamento da massa da atualidade. Riesman modi-

77

Page 40: Carole pateman   participação e teoria democrática

ficou sua opinião a respeito do que escreveu sobre o lazer em A multi-dão solitária (The Lonely Crowd), e recentemente sustentou que tanto otrabalho quanto o lazer devem "ter sentido".12 Por fim, para reforçar osargumentos nessa linha, existe o fato significativo de que as pessoas queparticipam mais de atividades de lazer de tipo "público" (organizaçõesvoluntárias, política) são justamente aquelas dos grupos, os de alta con-dição sócio-econômica, que têm maior probabilidade de trabalhar emum ambiente que possibilita o desenvolvimento de um senso de eficiên-cia pessoal. Porém, mesmo que o argumento do lazer pareça mais plau-sível, pelo menos na Grã-Bretanha, a maioria das pessoas tem muitopouco tempo de ócio e, ao que tudo indica, para um futuro próximo otrabalho continuará a ocupar grande parte das horas de vigília da maio-ria das pessoas.13

Como ocorre com muitas palavras que atingem um certo graude popularidade em determinado contexto, o termo "participaçãotem sido empregado por autores que focalizam aspectos da indústriae da administração em sentidos bem diferentes, sem que isso fiquebem claro, ou, de fato, sem que os próprios escritores dêem mostrasde estarem conscientes dos vários sentidos envolvidos. A partir doexame que fizemos das evidências empíricas a respeito da participa-ção industrial podemos distinguir três principais sentidos j)ujbrmasdjparócjrja^o^Tais evidências tam^nTpermitenTqüFsFdiga algoa propósito das hipóteses específicas sobre os efeitos da participaçãofornecidasjpelos teóricos da democracia participativa e sobre os efei- ~tos em reiação^à_e_ficiêira^ecpnômica da,,emgresa.f Nas" evidências citadas do livro de Blauner, relacionadas aoimpacto das diferentes situações de trabalho sobre as orientaçõespsicológicas do indivíduo, a variável fundamental era o grau de con-trole que o indivíduo poderia exercer sobre seu trabalho e seuambiente de trabalho. Na discussão da teoria da participação deRousseau enfatizava-se a estreita conexão entre o controle e a parti-cipação na tomada de decisões, e é bastante óbvio que para que umindivíduo exerça um tal controle ele terá que participar ao menos dasdecisões que afetam seu trabalho diretamente. No presente momentoexiste uma aspiração generalizada entre muitas categorias diferentes

12. Riesman, 1956 e 1964. Ver também Mills, 1963.13. Ver Boston, 1968. A velocidade com que a automação será introduzida muitas vezes temsido superestimada; para isso, ver Blumberg, 1968, p. 55.

78

de trabalhadores por uma tal participação. Em uma pesquisa efe-tuada na Noruega, abrangendo mais de 1100 trabalhadores de Oslo,não em cargos de chefia, 56% dos colarinhos-azuis e 67% dos cola-rinhos-brancos* sentiam que gostariam de participar mais das "deci-sões que diziam respeito diretamente a meu próprio trabalho e àsminhas condições de trabalho".14 Em um estudo sobre 5700 traba-lhadores americanos da indústria pesada obteve-se como resultadoque mais da metade queria maior poder de decisão sobre a maneirade executar o trabalho.15 Na Grã-Bretanha, existem algumas evidên-cias indiretas sobre esse assunto a partir de tendências mostradaspelas greves desde a guerra. Greves motivadas por outras reivindica-ções que não as salariais, em especial greves relativas às negocia-ções, regras e displicinas do trabalho, totalizando agora cerca de trêsquartos de todas as interrupções de trabalho; ou seja, a maior partedas greves são agora por problemas que, de modo geral, se relacio-nam com o "controle". Tumer comentou que se poderia dizer quetodas essas greves "envolvem tentativas de forçar o arbítrio e a auto-ridade administrativos a um acordo... quanto às regras; ou então re-fletem uma pressão implícita por mais democracia e direitos indivi-duais na indústria "(Turner, 1963, p. 18).

O mesmo desejo pode ser identificado no (volumoso) materialsobre satisfação no trabalho. Poder-se-ia supor que a maioria dostrabalhadores estaria insatisfeita com empregos que lhe permitisseexercer um controle muito pequeno, mas na verdade é exatamente oinverso que parece acontecer: todas as evidências mostram que amaioria dos trabalhadores está satisfeita com seus empregos. Essesindícios de satisfação geral agora estão sendo interpretados de ma-neira bem mais cautelosa do que muitas vezes foram no passado.Conforme observou recentemente Golthorpe, "resultados desse tipoforam na verdade encontrados várias vezes em casos onde outrasevidências indicavam de modo claro que os trabalhadores em ques-tão passavam por privações bastante severas no exercício de seus

* Os blue-collar workers são os trabalhadores que usualmente executam tarefas mecânicas epara isso trabalham uniformizados. Simbolizam uma determinada condição sócio-econômica(baixa ou média) e são opostos aos white-collars, que podem trabalhar com roupas cotidianase representam uma outra condição social. (N.T.)14. Holter, 1965, p. 301, quadro 2.15. Citado em Blumberg, 1968, p. 115.

79

Page 41: Carole pateman   participação e teoria democrática

trabalhos".16 Mais significativas foram as razões apresentadas paranão gostar de um emprego: a principal é que o indivíduo pode exer-cer pouco controle sobre o que faz ou sobre as condições em que ofaz. Isto se aplica particularmente ao caso mais extremo (comovimos pelo estudo de Blauner), o do "homem na linha de monta-gem". Esses trabalhadores de linha de montagem que julgam o tra-balho satisfatório em geral dão como razão o fato de serem capazesde formar grupos de trabalho, isto é, encontram um meio de exercerum pouco de controle. De modo geral, tem-se como resultado que asatisfação expressa em relação a um trabalho é menor à medida queo nível de especialização diminui, e que as ocupações que exigemmenos especialização seriam as que teriam menor probabilidade deenvolver muitas oportunidades de controlar o processo de trabalho.17

Blauner (1960, p. 353) observou que "o fato de que a perda de talcontrole parece ser a causa mais importante da forte insatisfação [éuma descoberta] ao menos tão importante quanto o resultado total dasatisfação generalizada".

O motivo da realização de tantas pesquisas sobre a satisfação noemprego e sua relação com o desejo do trabalhador por maisJEoSrole

Cípjrüejgação^sobre seu trabalho imediato e seu ambiente de trabalho éqüê~sèTescobriu que a satisfação do trabalhador com o seu empregoestava estreitamente ligada à sua moral, eficiência e produtividade. Umaumento de sua satisfação provoca um efeito benéfico sobre uma sériede outros fatores, tanto do ponto de vista do trabalhador quanto daempresa como um todo, de maneira que várias tentativas práticas foramfeitas para combater os efeitos psicológicos da excessiva subdivisão do

16. Goldthorpe et alli, 1968, p.ll. Existem várias razões para esse estranho fato. O trabalhoatende a uma grande série de necessidades humanas, incluindo as de atividade compartilhadae de relacionamento social; é difícil também para um trabalhador admitir que não gosta de seutrabalho sem ameaçar seu auto-respeito, ele se "autocondenaria por não fazer nada paraencontrar um trabalho ao qual se adaptasse melhor" (Flanders et alii, 1968, pp. 120-1; vertambém Blauner, 1960). Depara-se também com freqüência com trabalhadores fazendocomentários como "se eu não gostasse [do trabalho] eu me sentiria miserável"(Zweig, 1961,p. 77). Esse autor também fornece um exemplo de interpretação acrílica da "satisfação"encontrada quando ele diz que "a síndrome do 'Trabalhador Infeliz' pode ter sido um fato nopassado... mas pouco restou dela em estabelecimentos industriais modernos, bem organizadose bem administrados " (p. 79). Uma teoria interessante sobre a satisfação no trabalho queesclarece essas considerações pode ser encontrada em Hertzberg (1959 e 1968).17. Estas últimas considerações valem também para a URSS; ver Hertzberg, 1959, pp. 164-5.A respeito dos trabalhadores de linhas de montagem, ver Walker e Guest'(1952, pp. 58 esegs.) e os comentários em Goldthorpe et alii (1968, p. 23).

80

trabalho. Uma delas é a í3eiã~3e^ã^g]Sç^ de MarerâlS. Um trabalho é"ampliado" quando seu coHteúdõ~ãümenta e, desacordo com um espe-cialista em administraçãe^existem três suposições principais por trásdessa idéia: capacitar o trabalhador afazer um uso inãlÕTBe suashãbi-

seurendimento; em segtar a satisfação e,dores de baixo escalão de coSseguir_um sentimento real de participação^^^^^^^==^==^^===s=====^=-~e' - :• — — - --=. -^ * , f--3-nos assuntos de uma empresa ou qualquer preocupação durável com.oseu,sucessç>" (Stephens, 1962). Um exemplo típico de ampliação detarefas foi fornecido pela reorganização do trabalho das mulheres emuma Unha de montagem, de modo que elas executassem nove opera-ções em vez de apenas uma, fizessem sua própria supervisão e obtives-sem alguns de seus próprios suprimentos.1

A ampliação de tarefas pode ser vista como um exemplo rudi-mentar de uma forma, ou um passo na direção da participação nolocal de trabalho. Na verdade, as grandes experiências de ampliaçãode tarefas quase não se distiguem, quanto à forma, dos exemplos deexperimentos menores que são explicitamente intitulados de experi-mentos "de participação", isso porque as mesmas hipóteses sobre ograu de controle que o indivíduo pode exercer sobre seu trabalho esua atitude psicológica destacam-se nos dois casos. Diversos experi-mentos de "participação" foram realizados nas últimas duas décadas,tanto como resultado de uma política deliberada de administraçãoquanto como resultado de iniciativas dos trabalhadores interessados,e os relatórios sobre tais experimentos, antes praticamente inacessí-veis, foram agora reunidos e resumidos por Blumberg no capítulo 5de seu recente livro Democracia industrial: a sociologia daparticipação (Industrial Democracy: The Sõciõlogy óf Participa-

~tion, 1968). Conforme ele assinala, esses experimentos de participa-ção foram realizados em urna grande variedade de organizações,

incluindo clube de rapazes, organizações femininas, classes de universi-dades, fábricas de diversos tipos, escritórios, lojas, laboratórios científi-cos, entre outros. De modo similar, eles foram conduzidos abrangendouma tremenda variedade de pessoas com diferenças de idade, sexo,

18. Guest, 1962. Stephens (1962) fornece vários exemplos; ver também Blumberg, 1968, pp.66-8; Friedman, 1961, cap. IV e Walker, 1962, parte 2, §4.

81

Page 42: Carole pateman   participação e teoria democrática

educação, renda, ocupação e poder. Envolveram garotos, donas-de-casa,estudantes universitários, trabalhadores braçais de diferentes níveis deespecialização e em diversos tipos de fábricas, supervisores de diferen-tes níveis, funcionários de escritórios e cientistas (p. 73).

tado benéficos. Em um dos mais conhecidos experimentos, porexemplo, foram selecionados quatro grupos de trabalhadores de umaconfecção. Em dois grupos, todos os membros participaram da reor-ganização de seu trabalho com base num plano apresentado pelaadministração. Em outro grupo, eles participaram através de repre-sentantes, e no quarto grupo não ocorreu participação alguma. Oresultado foi que no último grupo houve hostilidade, queda na produ-ção e alguns trabalhadores foram embora. Nos dois grupos de "par-ticipação total", pelo contrário, a atmosfera foi de maior cooperaçãoe produtividade. 9 A característica comum de todos os experimentoscitados por Blumberg é que eles possibilitaram que os trabalhadoresdecidissem sozinhos sobre assuntos antes reservados exclusiva-mente à decisão unilateral da administração, tais como o ritmo detrabalho, distribuição, como organizar uma modificação de tarefas, eassim por diante. Importante foi o efeito psicológico que essa parti-cipação teve sobre os participantes; de fato, a posição do trabalhadornesses experimentos tornou-se semelhante à do artesão, descrita porBlauner, de forma que, assim como se esperava um aumento de suasatisfação com o trabalho, também se poderia esperarum aumentode seu sentimento de autoconfiança e competência, e isto de fatoocorre. Desse modo, tais experimentos forneceram confirmação em-pírica ainda mãiõTpara a discussão^dos Jeõricòs da^mocraçia par-ticipativa sobre a importância da interação entre_as, orientações psi-

_ còlógicas dos indivíduos e a estrutura de autoridade de suasinstituições. -~_,^,^^^™^™«^—

JMo entanto, ainda que os exemplos do livro de Blumberg real-mente falassem de um aumento na participação dos trabalhadores natomada de decisões, todos eles são exemplos dj_ejçpjerimentos^empequena escala,_a_curjc£prazõ, envõlvêncto pou^õr^^Mdores e_^ecj£õe£^relativam£nj£jpõuc^Trnportância, e, o queimais grave,

19. Coch e French, 1948. Ver Blumberg, 1968, pp. 80-4.

82

nos quais a esttujuraj*ej^ljie^ não éâfefaãarUm.grande defeito do livro de Blumberg é que, embora ele"tenha reunido adequadamente os exemplos de experimentos de par-ticipação, não os colocou no contexto de uma análise do conceito departicipação (industrial) propriamente dita. Assim, não se distin-guem direito os vários exemplos, nem se relacionam de modo siste-mático os experimentos de participação em pequena escala à discus-são que ele faz dessa participação em uma escala bem maior, nocapítulo dedicado à organização da indústria na Iugoslávia. Ele tam-bém deixou de analisar um importante material sobre a participaçãona indústria, que fornece um exemplo de uma forma de participaçãodiferente da propiciada pelo material dos experimentos de participa-ção. Esse último fornece um exemplo do que deveríampsj;JiajTaarje"participaÇãS^S^rYTrSs também exjstem^yj.dência^que_mos-tfãm ser possível aquilo que deveríamos cham^de Jlparticinação"tqtajTi^Â diferença significativa é que nesta última situação os gruposde trabalhadores são em boa parte autodisciplinados e ocorre umaconsiderável ttansfõrmliçãirdã estrutura de autoridade, ao menôTnoníveídó prõces§p de trabalho cotidiano. Além disso, nos exemplosque seguem, os grupos de Trabalhadores não apenas exercem con-trole integral sobre seu trabalho numa vasta área, mas o fazem nãocomo parte de um experimento e sim no curso do seu trabalho diário;de fato, seu trabalho organiza-se precisamente sobre essa base. Estesexemplos também apresentam interesse por uma razão bem dife-rente. Se uma condição necessária para a democracia é uma socie-dade participativa, e mais ainda uma esfera industrial participativa,então o problema reside na maneira cojrnpjdjy^se^fetuar^transiçãopara um sistema desse tipo, pois ficou bastante claro que õs~exêm-plds dê participação mencionados até agora aproximam-se bastantedaquilo que é exigido pela teoria da democracia participativa. Naverdade, Cole tinha uma resposta para esse problema: segundo eletal transição se efetuaria por meio de uma política de "controle inva-sivo". T o l í t i c a não se direcionava "à admissão dos trabalhadoresno exercício conjunto de um controle comum com o empregador,mas à_com^£tojransferênci£de^ertas funções do empregador paraos trabalhadores" (1920, p. 156). Os^.eios~pilc)Tquãís"^correnãrn"essâ^ãnsferência seriafrTô" côptrato"coletivo; a negociaçãojçõfêlr/aséampliaria a. urn^canipp muito maior do que o atual e conferiria^

83

Page 43: Carole pateman   participação e teoria democrática

novog^goderes^aos trabalhadores. Um contrato seria negociado portodos os trabalhadores num determinado estabelecimento comercialou empresa, pelo qual os trabalhadores controlariam de modo cole-tivo assuntos como contratações e demissões, ritmo da produção eescolha de contramestre e, enquanto grupo, seriam responsáveis peladisciplina e receberiam um pagamento por tarefa (coletivo), o qualseria dividido pelos homens em uma distribuição consensual.20 Queessa espécie de arranjo e esse tipo de participação dos trabalhadoressão factíveis é o que mostram exemplos que provêm de duas indús-trias bem distintas.

Os arranjos coletivos têm sido uma característica tradicional damineração britânica, e sua forma moderna, nas minas de carvão deDurham, tem sido objeto de estudo intenso e minucioso nos últimosanos, um estudo de início motivado pelo grande número de mineirosatingidos por stress.21 Pelos métodos tradicionais de trabalho, o mi-neiro realizava sua auto-supervisão e era o responsável direto pelaprodução; o papel do chefe era mais de serviço do que de supervisão.No pós-guerra, adotou-se uma forma de organização do trabalhoconhecida como trabalho convencional extensivo (conventionallongwall working)* que se baseava em métodos de produção demassa e na divisão do trabalho. Foi a partir dessa forma de organiza-ção do trabalho que os pesquisadores constataram o surgimento dosefeitos psicológicos perniciosos. Em particular, esse método signifi-cava que a coordenação e o controle seriam exercidos externamente,pela administração, e isso implicava um grau de coerção que erainteiramente descabido em uma situação de alto risco.22 Mas tambémhavia a alternativa de uma outra forma de organização, com raízesnos métodos de mineração tradicionais, o método extensivo com-

20. Ver por exemplo, Cole 1920b, pp. 154-7 e 1920a, pp. 198 e segs.21. O trabalho foi realizado pelo Tavistock Institue of Human Relations com base em umconceito desenvolvido por eles, o de "sistema técnico-social". É óbvia a relevância desseconceito para a presente discussão: desse ponto de vista, um sistema produtivo é visto nãoapenas em termos de processo tecnológico, mas como um sistema de três variáveisinter-relacionadas, a técnica, a econômica e a sócio-psicológica. A forma de organização dotrabalho e os seus aspectos sociais e psicológicos são vistos como independentes datecnologia, ainda que limitados por ela. Ver, por exemplo, Trist e Emery, 1962.

O longwall system é um sistema de mineração de carvão que procura explorar todo o veiodo minério, utilizando para isso o trabalho em massa. É chamado de longwall (ao longo daparede) porque os mineiros trabalham juntos, divididos pelas paredes dos túneis.(N.T.)22. Trist e Bamforth, 1951 e Trist et alii, 1963, pp. 289 e segs.

84

posto, que envolvia uma forma de contrato coletivo e a abolição dadivisão rígida do trabalho, onde os trabalhadores operavam como umgrupo de auto-regulado. Tal situação foi descrita como se segue:

O grupo assume inteira responsabilidade pelo ciclo total de operaçõesque envolvem a mineração no veio de carvão. Nenhum membro dogrupo tem uma função fixa no trabalho. Em vez disso, os homens sedesdobram, dependendo das exigências do andamento da tarefa dogrupo. Dentro dos limites exigidos pela tecnologia e segurança, elesestão livres para desenvolver seus próprios meios de organização erealizar a tarefa. Nesse aspecto, não estão sujeitos a qualquer autori-dade externa, e tampouco há dentro do grupo qualquer membro queassuma uma função de liderança formal... o acordo salarial global...baseia-se no preço negociado por tonelada de carvão produzido pelaequipe. A renda obtida é dividida por igual entre os membros daequipe (Herbst, 1962, p. 4).

Sob o sistema extensivo composto, a produtividade era maiordo que sob o método extensivo convencional e ele era mais compatí-vel com "baixos custos, satisfação no trabalho, boas relações e saúdesocial" (Trist et alii, 1963, p. 291). Por dois anos, grupos de quarentaa cinqüenta mineiros operavam desse modo, e, no final desse pe-ríodo, na opinião dos pesquisadores, "a capacidade de se adaptar amudanças em seu ambiente de trabalho e de satisfazer as necessida-des de seus membros" continuava a aumentar.

Mais uma vez, o que importa aqui é o impacto psicológico daampla participação na tomada de decisões possibilitada por um talcontrato coletivo. Contudo, se os mineiros e a mineração podem serconsiderados, em um certo sentido, excepcionais, encontramos umsegundo exemplo dessa forma de participação na indústria automo-bilística. Em seu livro Tomada de decisões e produtividade (Deci-sion-Making and Productivity, 1958), Melman faz um relato do sis-tema das turmas de organização do trabalho que funcionava nafábrica de automóveis Standard de Coventry, no início da década de50. Embora as tarefas que os trabalhadores desempenhavam fossem

23. Trist et alii, 1963, p. XBI. Um experimento de reorganização do trabalho numa tecelagem daíndia, utilizando turmas auto-regulados, também foi bem-sucedido. Ver Rice,1958. J. S. Milltambém menciona um contrato coletivo entre mineiros de Cornualha em sua época, e notaque esse sistema produzia "um grau de inteligência, independência e elevação moral, oque coloca a condição e o caráter do mineiro da Cornualha bem acima da média da classetrabalhadora". Mill, 1965, livro IV, cap. VII, §5, p. 769.

85

Page 44: Carole pateman   participação e teoria democrática

praticamente idênticas às realizadas em qualquer outra linha de mon-tagem de automóveis, a forma de organização do trabalho era bemdiferente, baseando-se em turmas auto-reguladas, semelhantes às en-contradas no método extensivo composto de mineração de carvão(daí o nome "sistema grupai"). Em 1953, na fábrica de motores, ostrabalhadores se agrupavam em quinze turmas auto-recrutadas, e nafábrica de tratores os 3 mil trabalhadores funcionavam como uma sóturma, efetuando-se o pagamento de acordo com a taxa de ocupação,com o acréscimo de um bônus pela produtividade da turma como umtodo. Com esse sistema, os trabalhadores "não são apenas emprega-dos do setor de produção desempenhando... tarefas profissionais.Eles também agem como formuladores de decisões sobre o que elesmesmos produzem" (1958, p. 92). Aoj[escreyer_o^sistema de turmasjirnjrabalhador dajndüsfri^automobilística disse_qu^_gle_^propiciaumajjgtrutura natural de segurança, fornece confíança,_djvidgj3 di-nb^Q^JonnãJg^^^^za^^QSj^j^^^e^^i^^ã^ão semdistinção_e_tprna possível atribuir^cadajarefojo; jhomem ou mulhermais. bgm_preparadgjgara realizá-lo, sendoque^ a aSbuicãcTeTéitacom freqüência pelos próprios trabalhadores" (Wrigriín*9in7pr50).Melman conclui que, no sistema de turmas, "milhares de trabalhado-res operavam virtualmente sem supervisão, do modo como esta é emgeral compreendida, e com uma alta produtividade; pagavam-se alios mais altos salários da indústria britânica; produtos de alta quali-dade eram produzidos a preços razoáveis em fábricas com grande ín-dice de mecanização; a administração conduzia os negócios a custosexcepcionalmente baixos; os trabalhadores tinham também um papelsubstancial na tomada de decisões relativas à produção" (1958, p. 5). /

Melman não considera especificamente o efeito psicológico dosistema de turmas, mas à luz que se viu na indústria de mineração, e apartir do fato de que esse tipo de auto-regulação assemelha-se à situaçãodas equipes de trabalho na fábrica química descrita por Blauner, pode-se concluir que ele seria compatível com o desenvolvimento das sensa-ções de eficiência e de competência nas quais estamos interessados. Ébastante significativo" que a indústria automobilística possa se transfor-mar dessa maneira, pois já vimos que numa estrutura de autoridade orto-doxa uma tal transformação tem justamente o efeito psicológico contrário;esses dois exemplos mostram que é possível, pelo menos quanto ao pro-cesso de trabalho cotidiano, que a estrutura de autoridade da indústria se

86

modifique em medida considerável, para que os trabalhadores exerçamcontrole quase completo sobre suas ocupações e participem da to-mada de'uma grande variedade de decisões, sem qualquer perda daeficiência produtiva. /

Por fim, existe uma grande quantidade de material de impor-tância direta quanto à participação no local de trabalho , na forma deexperimentos sobre-os efeitos dos diferentes estilos de supervisão^cuie_se pode chamarjÇsêgundo Likert) de teorias sobre novos padrõesde-adra*ffiisteaçãQ.J^pesar de curiosamente não dizer respeito errTãb"-soluto à tomada de decisões, e de constituir o que mais tarde iremosdistinguir como "pseudoparticipação", foi nesse contexto que anoção de "participação" tornou-se tão popular nos últimos tempos. Oreal interesse desse material (além de confirmar ainda mais os pontosjá analisados) reside, em primeiro lugar, no seu efeito esclarecedorsobre as hipóteses específicas a respeito da participação, postas emrelevo pelos teóricos da democracia participativa e, em segundo, emsua influência sobre prática administrativa atual. /

No final da década de 30, umanos grupos, realizada soba "dernõc^E?Wjjderanca era mais eficiente do que umajfarma "autoritária"ou de "laissez-Mr^ A superioridadejdyinha dos itospsicológicos mofiva-dosj3elo_elemmto4e-participacjojmoral jg^grupo. ajsatisfaeãQ.amsjB-ati\ddjidee seu interg^â,rjojielaa etc.As experiências mais recentes sobre estilos de chefia surgiram a partirdessas primeiras, e relatos sobre elas e seus efeitos podem ser encontra-das no livro de Blumberg, mencionado acima (1968, pp. 102-9). Demodo geral, são confrontados osgstüps "próximo" e "geral", ou parti-cipativo". O último parece referir-se "a uma série de outras característi-cas, taTTcbmo a delegação de autoridade, não pressionar os subordina-dos e permitir liberdade de conduta para os empregados... sob umasupervisão geral os trabalhadores estão livres para utilizar a própriainiciativa, para tomar mais decisões relativas a suas tarefas e para im-plementar essas decisões" (Blumberg, p. 103).j£sjjsjlojejupervj-sãodá margem a uma situação similar à criada pela ampHaçãodasJareJas

efeito favoráVêljõbrea efi£Tê^ia=^mb%m são semelhantes.*==._ — •' -- ^srn^sssss^^^^^^^s rsE^s^3"'*

24. Existem vários relatos sobre essas experiências. Ver, por exemplo, White e Lippitt, 1960.

87

Page 45: Carole pateman   participação e teoria democrática

O >aumentoj^harmonia do grupo e o jejso^

tão dosteári^sdatonocrada pjnicip^^jlejguje^pjr^ipjçâo_tem uroáJ tipo na literatura

a no"ãcãtãrnentõílas decisões. Os experimentos com pequenos grupos tambémacrescentam alguma evidência empírica de interesse. No experimento departicipação brevemente descrito anteriormente, nas páginas 91 a 93, o obje-tivo era descobrir o melhor método para garantir a introdução de umamudança suave no processo de trabalho. Na verdade, uma das principaishipóteses que esses experimentos com pequenos grupos procuravam testarera o que Verba (1961) chama de "hipótese de participação", ou seja, que"mudanças significativas do comportamento humano a curto prazo so-mente podem ocorrer se as pessoas das quais se espera mudanças partici-parem na decisão do que deve mudar e de como mudar" (p. 206). Nadiscussão da teoria de Rousseau notou-se que parte da razão para que oindivíduo considerasse aceitável uma lei estabelecida pelo processo parti-cipativo era que ela fosse "impessoal" (deixando o indivíduo "como seupróprio senhor"). Nos experimentos com pequenos grupos, cada indiví-duo, durante o processo de tomada de decisões, podia observar os outrosaceitando as decisões e assim "intemalizava" seu próprio comprometimentocom elas, e Verba cita vários experimentos que indicam que a "impessoalidade' 'de tais decisões constitui um fator fundamental para torná-las aceitáveis.25

Esse material sobre supervisão e pequenos grupos também fornece al-guma prova empírica, ainda que não tanta quanto se gostaria, sobreoutro aspecto da teoria da democracia participativa, psjdefensgres dateoria contemporânea ^sustentam que certos traços de perconalidjdejx)caráter "âuto¥jfficr òuj^o^denjgjrati^^an^gue jseijconsidejadoscomoTão-— a participação ativa de tais indivíduos seria perigosaparaõ sistema poMcodemocrático. A teoria participativa, em contrapartida,argumenta que a própria experiência^da participação irájlesenvolver eforjj^pers^nalidad^^enTOC^ti^a^lsto é, asjjualidades necesjáriaspara o bom funciõhãrnento do sistema democrático, e isso ocorrerá comtodo^jãsjnaivíd^^anteriores de Lewin mostraram que "os traços de personalidade... eramvariáveis dependentes, significativamente alterados pela organização

25. Verba, 1961, pp. 173-5; ver também pp. 227-8.

88

do grupo em estruturas autoritárias, democráticas de laissez-faire" (p. 109).Um outro estudo descobriu que, onde trabalhadores empregados em tra-balho burocrático rotineiro operaram por um ano em uma situação partici-pativa, o resultado foi um declínio da força das "tendências hierárquicas"em suas personalidades, e as "tendências de autonomia" ganharam maioroportunidade de expressão; "os dados parecem indicar que uma mudançaponderável pode ser afetada por uma mudança constante nas condiçõesambientais. E mais: a mudança parece poder se explicar em parte emtermos do movimento da personalidade para um equilíbrio com o seuambiente" (Tannenbaum, 1957). Ou, como coloca Blumberg: "urna estru-tura de participação... a longo prazo toma-se mais eficiente devido à com-patibilidade que acaba por ocorrer entre a personalidade e a estrutura. Emoutras palavras, a organização que permite a participação, em última aná- ,lise, produz indivíduos responsáveis por essa participação" (1968, p. 109)./

AojqueJtudo-mdi&aré^ovaVêllpe^^^par^cipaçãjQjiajddârjrctòji^^ devidoajnfluência das novas teoriaj|jiejyiminisjração que têm se desenvol-vido nos últimos dez anos. Enquanto a teoria da administração maisortodoxa deriva das doutrinas de administração científica de Taylor, edos textos de teóricos como Urwick, que enfatiza a estrutura de autori-dade na forma pirâmide, a cadeia de comando, o raio de ação do con-trole e assim por diante, as novas teorias se originam das teorias psico-

t—"" "—"\lógicas modernas, tais como as de^Maslojy, e do movimento de relaçõeshumanas que cresceu a partir dos famosos experimentos de Hawthorne.Foi este último que forneceu elementos para o argumento de que aeficiência não dependia tanto dos aspectos mecânicos ou teóricos datarefa, ou da estrutura organizacional correta, quanto do "elemento hu-mano" na indústria. Foram os experimentos de Hawthorne que de-monstraram (ou, pelo menos, aceita-se amplamente esse fato) a impor-tância crucial dos relacionamentos interpessoais no local de trabalho eda aproximação (do estilo) do supervisor.26 Autores modernos, como

26. Os relatos sobre os experimentos de Hawthorne foram ultimamente submetidos a umainvestigação por Carey (1967), que conclui, após fazer algumas restrições ao modo comoforam conduzidos, que "as limitações dos estudos realizados por Hawthorne os tornamclaramente incapazes de fornecer alguma sustentação para qualquer espécie degeneralização". Blumberg dedica dois capítulos do seu livro à reinterpretação dos estudos deHawthorne, porém, em vista das críticas de Carey, ao qual ele não faz qualquer menção,parece tão duvidoso citar o material levantado por Hawthorne em apoio a uma tese sobreparticipação quanto em apoio a qualquer outra tese.

89

Page 46: Carole pateman   participação e teoria democrática

McGregor ou Likert, são por vezes mencionados como neo-relacionis-tas humanos, e, como seus predecessores, enfatizam a importância do"clima" de inter-relacionamento correto ha empresa. As teorias McGre-gor em O lado humano da empresa (The Human Side of Enterprise) ede Likert em Novos padrões de administração (New Patterns of Mana-gement) constroem-se com base na evidência da superioridade do estilo"participativo" de supervisão. Likert (1961) fornece um exemplo inte-ressante de como a participação poderá ser introduzida na estrutura de

|administração de uma empresa no futuro. Ele sustenta que, na busca de| j eficiência, a estrutura administrativa deveria se formar em torno de

grupos de trabalhos organizados em bases participativas (ou seguindo o[princípio de "relacionamentos sustentados"). Esses grupos se ligariam àorganização geral por meio de indivíduos "que acumulariam funçõeslos grupos. O superior em um grupo seria um subordinado no grupoeguinte, repetindo-se isto no resto da organização" (p. 105). Tal quadrodgnifica que "os diferentes níveis da organização não deveriam ser pen-

"sados em termos de maior ou menor autoridade e sim em termos de coor-denação ou ligação entre grupos de trabalho maiores ou menores".27 Paraque essa forma de organização seja efetiva, o fluxo de comunicação einformação precisa ocorrer de cima para baixo, lateralmente e de baixopara cima. "O fornecimentQ..e,a distribuiçãojie informação é um passoessencMj£j5rgje^^ ~~~

Disse Blumberg, a respeito do materiãTempírico sobre partici-pação no local de trabalho, que "em toda literatura é raro o estudoque não demonstre que a satisfação no trabalho aumenta ou queconseqüências benéficas de conhecimento geral decorrem de um au-mento genuíno do poder de decisão dos trabalhadores. Sou forçado aadmitir que semelhante coincidência de resultados é incomum empesquisas sociais" (1968, p. 123-)"." Isto é inteiramente verdadeiro;com efeito, é difícil encontrar qualquer coisa que sugira algo dife-rente. Em parte, isso talvez se deva ao fato de estarem envolvidostantos efeitos diferentes. Exemplo disso é que a participação em

27. Likert, 1961, p. 186. Likert salienta que é necessário que o supervisor em um grupo possatambém participar da tomada de decisões no grupo seguinte — onde ele é um subordinado —, casocontrário, ele pode não ser capaz, devido à sua falta de influência, de atender às aspirações eexpectativas de seu próprio grupo, criadas pela experiência de um ambiente participativo. Em outraspalavras, onde tais circunstâncias não ocorrem, um estilo "participativo" de supervisão poderia levarà Insatisfação entre os empregados (p. 113). Ver também Blumberg, 1968, pp. 116-7.

90

geral parece atuar de modo positivo sobre a satisfação no trabalhomas um aumento dessa satisfação pode nerrTsempre virUcompa-nhada de um aumento em um outro fator, digamos a cooperação dotrabalhador com a administração, de maneira que os resultados pos-sam depender da forma específica do interesse no caso de cada um.28

Coloca-se uma objeção que por certo não é válida, a de que a partici-pação seria eficaz somente em unidades ou associações de produção.O material citado anteriormente a respeito das indústrias automobi-lísticas e de mineração mostram que esse ponto de vista é equivo-cado. Sugeriu-se também que a participação não tem utilidade emsituações de crise (ver Blumberg, p. 132). Verdade ou não, isto éirrelevante para os nossos propósitos, pois estamos interessados naparticipação no cotidiano, em situações sem crise e na participaçãono local de trabalho. Para tanto, tudo indica que a participação nãoapenas terá um efeito favoravèTsÕr^©523ivídãos°ê1fí relação ao desen-voIvTmenTo do senso de eficiêhcÍ£Tpõlítica,lnas também que ela não pre-judicará a eficiência da empresa, podéridòTpelo contrário aumentá-la," "" Os principais argumentos da teoria participativa sobre o impor-tante impacto psicológico da participação em estruturas de autori-dade não-governamentais e o papel central da indústria no processode socialização democrático mostraram possuir considerável apoioempírico. Além disso,descobriu-se que a participação ao nível doprocesso de trabalho imediato e"3êsê)ãdTpêTã°rnâloria dos trabalha-C _ .- - W^^ ,= -. I=*M , =*"^===*S - ~=^^^=*^ - .--s=^~ *

dores. As evidências indicam que seriapâçao a esse nível,, e jnuitas teorias recentes de administração afir-tnam que semelhante sistema participativo consiste no modo maiseficiente de se tocar urna empresa.^Porém, se tudo isso é verdade noque diz respeito à participação no nível mais direto da produção, atéagora nada se disse a respeito da participação nas decisões que afe-tam os assuntos mais abrangentes da empresa, ou sobre a questão 'dademocratização em sua estrutura geral. Antes de se poder examinarde modo proveitoso o material empírico sobre esse aspecto ou escla-recer os problemas envolvidos é necessário analisar o conceito departicipação, tal como aplicado no contexto industrial, e investigar arelação entre "participação" e "democracia industrial".

28. Sobre esse exemplo, ver as observações de Lupton, 1963, p. 201.

91

Page 47: Carole pateman   participação e teoria democrática

IV

"PARTICIPAÇÃO" E "DEMOCRACIA" NAINDÚSTRIA

Embora a noção de "participação" seja bastante utilizada porquem escreveu sobre administração, em muitos casos tal participaçãonão é definida ou, quando há uma definição, ela é demasiado imprecisa.McGregor (1960, p. 124), por exemplo, depois de observar que a "par-ticipação é uma das idéias mais mal compreendidas entre as que emer-giram do campo das relações humanas", diz que a participação

cpjisiste basicamente na criação de oportunidades, sob as condiçõesadequadas, plíajjuê as pèssõas^iriflúàm nas Héêisõês~qüe ãs^afètarn .'Essa influência pode ser de pouca à^uita^Epffticipiâçloí^constitüi unicaso especial de delegação no qual o subordinado adquire um controlemaior, j^amliõr liberdade de escolha em relação a suas próprias res-ponsabüi.dades. Ò^mmp^ícipajãojé_^iia\msntsnap}ic.&dQSJaaíor

™~™~~Outra definição típica afirma que

____ -a participação consiste em quaisquer dos processos pelos quais os em-pregados, além dos empresários, também contribuem de modo positivopara que se consigam decisões administrativas que afetem seu trabalho(Sawtell, 1968, p. 1).

Uma terceira definição coloca que a participação na tomada dedecisões é

f a totalidade daquelas formas em que o exercício de poder de baixo para' cima por parte dos subordinados nas organizações é percebido comoijggftimo tanto por eles quanto por seus superiores (Lammers, 1967, p. 205).

f 93

Page 48: Carole pateman   participação e teoria democrática

Likert é um exemplo de autor que' não apresenta uma definiçãode participação, mas ele e McGregor oferecem uma série de situa-ções às quais se pode aplicar o termo "participação", ou melhor, umasérie que abrange desde as "pequenas" até as "grandes" participa-ções. "Pequena" participação na série de McGregor consiste numasituação em que os subordinados podem questionar um administra-dor a respeito de sua decisão, e no extremo oposto está o superiorindiferente às diversas alternativas, de modo que os empregadospodem escolher entre elas (1960, pp. 126-7). A série apresentada porLikert (1961) cobre uma gama de possibilidades bem maior: desdeuma situação de "pequena participação" — - "nenluaniajnfonnação

]^p^s^^:=^^at£^üíwrsítuação onde os, ao funcionarem como um grupo, enfrentam

~™~e^resolvem o problpara o funcionamento-r_J_-:-=^Cr^="""""""J" ' " """ ""'"' ' •=•-""- •^-~--*^~--^^r*zxSS^£fXjK*--»._

~~ Incluir tão vasta gama de situações de autoridade sob a deno-minação geral de "participativas" é obscurecer as questões envolvi-das; para que a noção de participação seja útil no tratamento dosproblemas envolvidos na democracia industrial (ou de problemasadministrativos em geral) é preciso que se empreenda uma análisebem mais rigorosa. Existe uma definição, no entanto, que oferece umponto de partida para uma tal análise e que permite esboçar algumasdistinções de utilidade. French, Israel e Aas (1960) dizem que^oar^ticipação" na esfera industrial I^fèl^sê~| mj3jpjtéssx) no qual djjasõí maiTplirteTmíuie^iãnihse reciprocamente na elaboração dos pla-nos, políticaToü decisõesV Resffing^~se*àFdècís^ões^qB^te"m efeitüs"FuTuros sobrelódos àqueles que tomam decisões e sobre todos aquíP"lês qué~eTes reprèseníarfi". "Essa definição, dizem eles, exclui as se-

e^_-— - :J--.- i5=^>-^-^^^===«~-^=J^0»K^l==i-=i,!-....;T -- .---^ 5 ' '

guintes situações: onde um indivíduo, A, apenas toma parte em umaatividade de grupo; onde A é apenas informado sobre uma decisãoque o afeta antes que seja executada; onde A está presente em umareunião mas não exerce influência alguma (p. 3).

Essa definição deixa claro que a participação precisa ser_etnal|°; nõJcasõ^;"paftiaÇâção_na tomada de decisões (cf. a definiçãgna ,íeõriajia ^mo^^ciíjjarticipâtivã^TTbdaviá, na linguagem comum,utilizamos^ õ termo "participâçãõ"'rhum sentido bem mais amplo,abrangendo quase qualquer situação onde ocorra um mínimo de in-

94

teração, a qual muitas vezes implica apenas o fato de um indivíduoparticular estar presente numa atividade de grupo./Na definiçãoacima esse sentido muito mais amplo é explicitamente excluído.^

i na indústria é que elaenvolve uma modificação, em maiOTou^n^jae*.dà^^sttuãiradeaütoridade ortodoxa, a saber, aqudana qual a tomada ^H^ecisões•*" F~ -~^.-_,C}^J^^.~.'.---^-.-,-.~,,. . .«i.. ,ü...jas:3~^-KT^SGKTJT,.--^-: .=-.--.. r.-,-*!ç-- .,.._.--...„.. ...

Ticipam.^E é isto que muitos textos sobre administração subestimam.raciSd^—~ ' ~* A •>

Nas definições e "séries" apresentadas acima, muitas das situaçõesseriam excluídas pela definição fornecida por French, Israel e Aas.Não causa surpresa o fato de os autores de textos sobre administra-ça^^ãü^ísífimffiarem com mais cuidado as diferentes situações"participativas", quando se^onsiderà o motivo pelo qual eles estãointeressados em participação no local de trabalho. Para eles, trata-se"apenas de uma técnica a mais entre outras, "que pode auxiliar noalcance do objetivo geral da empresa — a eficiência da organização.Como vimos, a participação pode contribuir para o aumento da efi-ciência, mas o que importa é que esses autores utilizam _ojermo"participação" não apenas para se referir a um método de tomada dedecisaoTmasTalríBém pàfã abranger técnicas utilizadas para persua-

mjde^i|jg^7ajomada^elãádmirüstra-IH *_/O WJL.AlL/.LX/Ci«-IA-*V-'U M- M. w v j. i.vu v .m..*.* -u w-. „_„ .

yão^Situações desse tipo, onde não ocorre participação alguma natomada de decisões, iremos denominar, de acordo com Verba, delpseudgpanicipQçã^\ Um exemplo típico seria a situação na qual o'supervisor, em vez de meramente informar os empregados sobreuma decisão, permite que eles a discutam e questionem o própriosupervisor. Na verdade, muitos dos assim chamados experimentosde "participação" com pequenos grupos deram-se dessa forma.Como salienta Verba, com freqüência o objetivo não era o de estabe-lecer uma situação onde a participação (na tomada de decisões) ocor-resse, mas o de criar um sentimento de participação por meio daadoção por parte do líder (supervisor) de uma certa abordagem ou decerto estilo; a "participação", assim, "limitava-se a que os membrosendossassem as decisões tomadas pelo líder, o qual... não é nemselecionado pelo grupo nem deve responder ao grupo por suasações... o líder do grupo tem em mente um objetivo particular, eutiliza a discussão de grupo como um meio de induzir à aceitaçãodesse objetivo". Verba acrescenta que é, em particular, no campo da

Page 49: Carole pateman   participação e teoria democrática

psicologia industrial que "a liderança participativa tornou-se maisuma técnica de persuasão do que de decisão".1

Tendo-se distinguido as situaçpes de pseudoparticipação, aprópria participação na tomada de decisões pode agora ser exami-nada com mais atenção. Em primeiro lugar,jleye-se notar que, para]que jyjajlidpacão ocorra existe uma condição que precisa serjígcès-sariamente satisfeita, ou seja, os empregados precisam estar dejjossecSííBevidas informações sobre as .quais possam basear a sua decisão/tcíTã citação de Likert à p. 83, nota 27). Isto, sem dúvida, é bastanteóbvio em teoria, mas na prática significaria considerável aumento no

tzz-,"^^^-^^1^^^-^^.^--^- ~" - - - - - - - " '"--•' - _„_--,* .-—~ _ -..-*3=a~~-.___^

fornecimento de informação aos empregados em relação ao cnie emgeral acontècêliõlriõmento. ~

~~ A definição que tomamos como ponto de partida não pode seraceita por aquilo que significa. Ela declara que a "participação" é umprocesso "no qual duas ou mais partes influenciam-se reciproca-mente na tomada... de decisões". Aqui, o uso das palavras "influên-cia" e "partes" requer um exame mais atento. Na teoria da democra-cia participativa "igualdade política" refere-se à igualdade de poder

determinação do resultado das decisões, é "gundTàswêll^é Kaplan (1950, p. 75)~_"é participação nadeci|ões". Embora os termos "influência" e "poder" estejam bas-tante próximos, não são sinônimos, e é significativo que, na defini-ção citada, o primeiro seja mas utilizado. Estar em posição de jn-fluenciarumajdecisão não é o mesmo que estar em posição de (ter opoder para) determinar o resultado pu tomar ess4 decisão. De acordocõrrrPãrtridge (1963), podemos dizer que a "influência" se aplica auma situação na qual o indivíduo A afete o indivíduo B, sem que Bsubordine sua vontade à de A (p. 111). Em outras palavras, A teminfluência sobre B e sobre a tomada de decisão, mas é B que tem opoder final de decidir. O uso da palavra "partes" na definição ("duasou mais partes influenciam-se reciprocamente") implica uma oposi-ção entre dois lados, o que de fato acontece habitualmente na situa-

1. Verba, 1961, pp. 220-1. Uma razão que Stephens (1961) fornece para a introdução daampliação das tarefas é permitir que os empregados sintam-se como se estivessem partici-pando; cf. também o comentário de Bell sobre as relações humanas da escola de administra-ção: "os fins da empresa continuam os mesmos, mas os métodos mudaram e os antigosmoldes de coerção aberta agora foram substituídos pela persuasão psicológica" (Bell, 1960, p.244).

96

cão industrial, onde as "partes" em questão consistem na adminis-tração e nos homens. Além disso, o poder de decisão final é daadministração, e, se os ttabalhadares^puderejri participar, consegui-rãcyipenas influenciar esjyyjgcjsjío. Por serem "trabalhadores" elesficam na posição (desigual) de subordinados permanentes; a "prerro-gativa" final da tomada de decisãoficacom pssuperiores perníãnen-tes, com a administrãça^TÍfemos nos referir a esse tipo de participa-ção como^pãrficipaçaypãrc^ parcial porque o trabalhador A nãotem igual poder dê decisão sobre o resultado final do que se delibera,podendo apenas influenciá-lo. Assim, a definição de French, IsraeleAas pode sofrer uma emenda, de modo a que se leia que a^art

jr^^te^Q^^^

A maioria dos exemplos de participação em fábricas no últimocapítulo foram de participação parcial, e de participação no que sepoderia chamar do nível mais baixo de administração. Esse nívelinferior refere-se de maneira genérica às decisões administrativasrelativas ao controle da atividade produtiva rotineira, enquanto onível mais alto refere-se a decisões que se relacionam com o geren-ciamento da empresa como um todo, decisões sobre investimentos,comercialização e assim por diante. A participação parcial é possívelem ambos os níveis da administração. Dois dos exemplos concretosde participação apresentados anteriormente, no entanto, ilustramuma segunda forma de participação do nível mais baixo, quaissejam: os contratos coletivos nas indústrias de mineração e automo-bilística. Eles mostravam grupos de trabalhadores operando virtual-mente sem supervisão alguma por parte da administração, naforma de grupos auto-regulados que tomavam suas próprias deci-

2. Na prática, em qualquer caso específico, seria difícil distinguir uma situação onde ocorreuma influência efetiva de uma situação de pseudoparticipação onde isto não acontece. Con-tudo, a distinção teórica é clara. Um ponto a salientar é que a participação parcial, ou situaçãode "influência", precisa ser distinguida de uma outra na qual, embora ocorra "influência", nãoexiste participação alguma. Esse é o caso quando entra em cena a "lei de reações antecipadas"de Friedrich. Um exemplo no contexto da indústria seria dado quando a administração de umaempresa está elaborando uma lista de alternativas com base na qual será tomada a decisãopolítica final a adotar, mas na qual uma alternativa teoricamente possível — digamos, umcorte salarial — não está incluída como possibilidade prática porque a força do sindicato ainviabiliza. Neste caso, o sindicato influenciou a decisão final, mas não ocorreu participaçãoalguma.

97

Page 50: Carole pateman   participação e teoria democrática

soes quanto ao processo de trabalho cotidiano. Nesse tipo de situação(em tal exemplo apenas no nível mais baixo) não existem dois"lados" com poderes desiguais de decisão, mas um grupo de indiví-duos iguais que têm de tomar suas próprias decisões a respeito daatribuição das tarefa^ eexecução do trabalho. Situações desse tipo ire-mos designar rtofp^ticipãção plenaJou seja, tal forma de participação

^^ '^•^^°a^^=Sls=SK^=xs!fSf^^:^ ••>rT' " ' ' »». as^T=S3=- =:= i- ' -.- ^Kr ^

^r.n«i«tpt "num Drocj£j^no^ual cadajnembroàspladojie umj;orpo^uv^^^^^^jigl^^Úttjie ^4SÍ&KSR^-j9-í?§SJfâà^SSâLáâl3êcisões". Do mesmo modo que a parcial, a participação plena ép^ssíveTtãnto no nível mais baixo quanto no mais alto da adminis-tração, ou em ambos.3 /

Estabelecida a distinção entre participação parcial e plena, po-demos agora nos voltar para o exame /Ia questão sobre a relaçãoentre participação e democracia na indústria. Assim como o termo"participação", o conceito de "democracia" é utilizado de forma ex-tremamente vaga em boa parte dos textos. Não apenas as duas pala-vras são utilizadas com freqüência como termos intercambiáveiscomo, o que também ocorre bastante, "democracia" serve para de-signar não um tipo particular de estrutura de autoridade mas o"clima" geral que existe na empresa; um clima que é criado por meiodo método de abordagem, ou do estilo do supervisor ou gerente. Emoutras palavras, "democracia" muitas vezes é utilizada para descre-ver situações de pseudoparticipação ou mesmo simplesmente paraindicar a existência de uma atmosfera amistosa. Como se assinalouem uma crítica ao uso do termo "democracia" nos experimentos

3. Esse uso específico do termo "participação" provém de muitos autores, os quais conside-ram tal termo referido a uma situação em que os dois lados compartilham ou se unem natomada de decisões, vendo como única alternativa a decisão unilateral tomada por um dosdois lados (ver, por exemplo, Sawtell, 1968, pp. 3 e 28). Uma visão similar parece sersustentada por um defensor atual da democracia industrial e do controle pelos trabalhadores,como indica esta passagem (bastante extremada): "Ajjarticipacão tem a mais próxima eperigosa relação com todo um cortejo de predecessores-medíocrés e inconsistentes numa fsucessão de estratagemas para 'exorcizar' uma reivindicação crescente da classe trabalhadora '<por controle" (Coates, 1968, p. 228). Ao mesmo tempo que tal visão reflete o fato de que o itermo "participação" tem sido usado para significar não mais do que pseudoparticipação, elade fato ilustra a falta de clareza na maioria das discussões a respeito da participação industriale democracia. Coates passa por cima do fato de que "controle" e "participação" não repre-sentam alternativas; muito pelo contrário, não pode haver controle sem participação, o quedepende ainda da forma de participação. Não há uma boa razão para confinar a "participação"a uma situação onde existem dois lados, pois, como mostraremos a seguir, onde há democra-cia industrial não há mais "lados", nesse sentido.

98

originais de Lewin, o pressuposto era que a democracia "resultarianaturalmente de um sentimento interpessoal em uma vida comunitá-ria tolerante e generosa". Também se afirma com freqüência que ademocracia industrial já existe na maioria dos países industrializadosdo Ocidente/Talvez a expressão mais conhecida desse ponto de vistaseja a de H. A. Clegg, um dos mais proeminentes especialistas britâ-nicos em assuntos de indústria, em seu livro Um novo enfoque sobredemocracia industrial (A New Approach to Industrial Democracy,1960). É de especial interesse, do nosso ponto de vista, o fato deClegg basear seus argumentos em recentes textos teóricos sobre de-mocracia política, isto é, textos doSjdefensores da teoria da democra-cia contemporânea. Contudo, simplesmente não é correta a afirma-ção de Clegg de que "em todas assistema-de^Blacões-industriais que pode muito bem ser denominadode_paralelo-industr-ial-da~demoeraeia-polítÍGa~(p. 131). Ele sustentaque a teoria democrática recente tem mostrado que o principal requi-sito para a democracia é a existência de uma oposição (p. 19). Naindústria essa oposição é feita pelos sindicatos, e os empregados(a administração) desempenham o papel de "governo". Não é à úl-tima analogia que se dirige a objeção; a questão é que, como umtodo, a comparação da situação de autoridade na indústria com ateoria da democracia contemporânea não é válida. Como assinala-ram diversos observadores — aqui nas palavras de Ostergaard — , naindústria "o governo (a administração) está permanentemente noposto, se auto-recruta e não presta contas a ninguém, a não ser, demaneira formal, aos acionistas (ou ao Estado)".5 Seria um tipo bembizarro de teórico "democrático" aquele que defendesse um governo

4. Kariel, 1956, p. 288. É bastante significativo que os experimentos originais fossem commeninos de dez anos. Essencialmente, a única coisa que o estilo "democrático" de liderançafez foi colocar os garotos num tipo de ambiente "voltado para a criança" que hoje em dia elespoderiam encontrar em uma escola moderna, com professores versados em modernos méto-dos de ensino e de psicologia educacional.5. Ostergaard, 1961, p. 44. Clegg diz também que a democracia industrial não pode ter outro

significado além daquele que ele atribui, pois "é impossível para os trabalhadores comparti-lharem diretamente da administração" (p. 119). Uma afirmação bastante estranha. Já vimosque os trabalhadores podem compartilhar (participar) da administração (no nível inferior), eClegg não somente se refere ao exemplo do contrato coletivo sem parecer se dar conta de suaimportância, como deixa de ver que, por meio da negociação coletiva, a qual ele tantoenfatiza, a participação parcial na administração também é possível (ver mais adiante). Parauma crítica mais recente e ampliada do livro de Clegg, ver Blumberg, 1968, cap. 7.

99

Page 51: Carole pateman   participação e teoria democrática

«ap-

ele mandato permanente e praticamente insubstituível! Na teoria dademocracia contemporânea, por certo, a característica por definição éjustamente que existam grupos de líderes substituíveis e competitivos J

Para que seja real a analogia entre a estrutura de autoridade daindústria e a do sistema político nacional o "governo" precisa sereleito, e ser passível de remoção, por todo o corpo de empregados emcada empresa, ou então, para um sistema democrático direto, todo ocorpo de empregados precisa tomar as decisões administrativas. Emambos os casos, seja com sistema representativo ou direto, estariaabolida a distinção atual entre a administração, com mandato perma-nente, e os homens, subordinados permanentes. Onde o corpo cole-tivo dos empregados toma as decisões, a administração seria mera-mente homens desempenhando diferentes funções. JJmj>J£tej3ja_dedemocracia industrial implica a oportunidade de participaçãoplenaHe alto nTvel"pÕr^ã^e=doTèmpregados. Por outroiaido, a participaçãoparcial de_alto nível não exige ã~democrat^ç^_^resfraturãT'deaT!toriSa(|| ^resetóantes,jnfíuenciarem as decisões de alto nível, enquanto a prer-rogativa da decisjojmaí permanece nas mãos da admimstráçãc^(peF-manente), como acontece atualmente na situação de negociação

"coíeHvõVté que ponto seria possível ter uma situação de democra-cia direta num contexto industrial, e quantos trabalhadores aprovei-tariam as oportunidades de participação num sistema democratizadosão questões que não podem ser consideradas antes de se examina-rem as evidências empíricas relevantes.

cjk^parcpaç

sem intercambiáyeistjião são sinônimos. Não apenas é possível quea participação parcial ocorra em ambos os níveis administrativossem uma democratização das estruturas de autoridade, como tam-bém é possível que a participação plena seja introduzida no nívelmaisbaixo, dentro do contexto de uma estrutura geral de autoridadenao-democrática. Isto é significativopara a teoria da democracia

^ -ai-u.-*-*-: --: ^ " ^ _ ____ _ __ .

participativa, onde está implícito que para que se obteiffiãm1clâ'pafEP^^^Hècessários-para que se desêhvolva-o

sen^ ^^Ijl^^^-t^J^^^X^i^^^ ""•'"••aBasag"—. .

\ ^ãrti^acj^pjgnajipjruvel mais_altoj^ necessária^ Na teoria _=====ra

^~-^í63fãBTcõntempõrânea, por sua vez, sugere-se que o "treinamento

100

, so&ial" pode serefetuad()dentro das estruturas de autondade^xisten-jj les^alrjBüitria.yÜm exame dííélação entre os efeitos psicológicos,

qué"se rè7veráfãm decorrentes da participação, e as diferentes formas-> de participação mostra que a teoria da democracia participativa ne-

cessita de uma modificação nesse aspecto. Talvez o que mais impres-siona no material empírico obtido consiste no fato de que a participa-ção aparentemente .seria tão eficiente em seu impacto psicológico

"sobre os indivíduos, mesmo que em doses mínimas; ao que tudojindica,; ãtl tTrnero sentimento de participação é possível, e mesmosituações de pseudoparticipação têm efeitos-bênéficos sobre a con-fiança, a satisfação no írabalh0,-eíc. Seria razoável supor que a par-tiHpàçãcfrear fosse mais eficiente — ainda que foáse apenas pelofato de a pseudoparticipação poder muito bem provocar expectativasque só poderiam ser frustradas; como diz Blumberg (1968, p. 19), noque concerne aos efeitos psicplógicos, os dados mostram que "o queimporta... é a habilidade e o poder de um grupo chegar e uma decisão".

A participação parcial no nível mais baixo sem dúvida é favo-rável^^ãoHesenvolvimento desentimentos delèficaciã política; na ver-'dade isto foi mostrado na pesquisa sobre atitudes políticas realizadaem cinco países, a qual mencionamos no capítulo HI. Ali, os critériosde participação de Almond e Verba foram apresentados sem comen-tários — quer os entrevistados tenham sido consultados sobre asdecisões tomadas no trabalho, quer eles tenham-se sentido livres paraprotestar contra as decisões e quer eles de fato tenham protestado.Obviamente, tal "participação" é no máximo parcial, embora tenhasido encontrada uma correlação positiva entre ela e um alto índice naescala de eficácia política. Assim^no^que diz respeito ao sentimentode eficácia^política,jião éjdisper^á^rã^^TOr^izacao dasesttu-tufas de autoridade nas indústriãsjjppffânto, nesse sentido, a teoria da'S^í^^^^^^^&i^^^siiaÀeMmassíásãs). ™"r"""~°"=*

Seria um equívoco concluir a partir daí que não é necessáriauma revisão mais ampla. Ao que consta, somente um aspecto dateoria participativa foi levado em conta — os pré-requisitos para

6. Este resultado seria esperado se se considerar que as técnicas participativas são bastanteutilizadas hoje em dia para fins terapêuticos, no campo da saúde mental. Um dos experimen-tos mais radicais nesse sentido é descrito por Sugarman (1968). Blumberg (1968) tambémmenciona as experiências de autogoverno que foram tentadas nas prisões dos Estados Unidos(pp. 135-8).

101

Page 52: Carole pateman   participação e teoria democrática

uma forma de governo democrático a nível nacional — e apenas doponto de vista do desenvolvimento do senso de eficácia política.Podem-se colocar duas questões a respeito: em primeiro lugar, quenão temos meios de saber quão efetivas são as diferentes formas departicipação; poderia ser que, a fim de se obter o máximo efeitopsicológico, fosse necessária a participação nos níveis mais altos.Em segundo lugar, ainda que as evidências mostrem que é necessárioum senso de eficácia política para uma cidadania ativa do ponto devista político, não está claro que ele seja,suficiente. As pesquisasde Almond e Verba sugerem que não é, pois poucos entrevista-dos de fato tentaram influir no governo a nível local ou nacional,apesar de se sentirem capazes de fazê-lo (quadros VI. l e VI.2). Po-demos lembrar, a esse respeito, que^jdesenvojvmiento do senso J~

-. .. »___j. ,11, ;-»i-.l_í,-J.OT5a^J-~-~-«.,

•^•gggj*-^, ™--i«i^^^J^__^JlJ_1_,,_____,—__.——

Japarôc^^joAN^jo^ujsjau^jnfeti^ara^_ai^plia5ão das pers-pectivas e interesses,j,y,alorizaçãgjda conexão entrejjsjnteresses

*~~~~^r"-----~- traria, e tam-bém há a "educação" num sentido mais direto: a fapiiHarizacJocornos^prpcedimentps democraficoTe Ó"aprendizado dasJiabjlMades^pp-líticasJ^mocráticas^Para a educação nesse sentido parece ser ne-cessária a participação no nível mais alto, pois somente a participa-ção nesse nível poderia proporcionar ao indivíduo experiência naadministração dos assuntos coletivos na indústria e uma visão dírelacionamento entre as decisões tomadas na empresa e o seu im-pacto sobre o ambiente social e político mais abrangente. \

Existe também uma outra razão para se prestar atenção nosníveis mais altos da participação na indústria. Eckstein argumentavaque, pelo fato de as estruturas de autoridade da indústria não pode-rem ser democratizadas por motivo de estabilidade, as estruturas deautoridade governamentais precisam ser coerentes e conter uma"saudável dose de autoritarismo". Porém, mesmo que, como ele dizTja democracia industrial seja impossível, ainda assim poder-se-ia mo-dificar as estruturas de autoridade industriais num sentido democrá-tico, por meio da introdução de participação parcial em níveis maisaltos, diminuindo dessa maneira a necessidade de elementos não-de-jmocráticos na instância do governo nacional. J

Agora trataremos de alguns exemplos empíricos de participa-ção parcial nos níveis mais altos dentro da indústria inglesa. Existem

102

três deles interessantes e muito bem documentados, citados com fre-qüência como exemplos de democracia industrial/Colocaremos delado a questão do impacto psicológico da participação, e em seulugar centraremos nossa atenção em outro problema da teoria dademocracia participativa: de que maneira essas formas de organiza-ção operam.na prática e em que medida os trabalhadores estão inte-ressados e aproveitam às oportunidades de participação oferecidas.O nosso primeiro exemplo refere-se à Glaciér Metal Company, queemprega cerca de cinco mil pessoas.7 A forma de organização que aparticipação assume na Companhia Glaciér é uma extensão da nego-ciação coletiva e dos mecanismos de consulta conjunta normais naindústria britânica. A participação parcial foi institucionalizada pelaformalização e ampliação, por meio de corpos de representantes, dosprocedimentos habituais, embora deixasse intacta a estrutura admi-nistrativa ortodoxa e hierárquica.8 A participação dos empregadosbaseia-se na "diferenciação clara entre a autoridade administrativade tomar decisões e dar instruções e a participação do empregado naformulação da tecitura política em meio a qual os administradoressão autorizados e liberados para tomar tais decisões" (Jaques, 1968,p. 1). Segundo o texto do estatuto da companhia, a participaçãoocorre por meio de um sistema — o "legislativo" — de conselhos dotrabalho eleitos em cada unidade da empresa. Sua composição ba-seia-se no princípio de "cada camada principal na hierarquia organi-

1. Elas se distribuem em várias fábricas geograficamente separadas. A respeito da teoriasobre organização ver Jaques (1951 e 1968); Brown, 1960. Para um estudo empírico dafábrica de KUmarnock, ver Kelly, 1968.8. Mencionou-se anteriormente que a negociação coletiva capacita os trabalhadores a parti-

cipar, em parte, de algumas decisões administrativas. Poder-se-ia pensar que essa participaçãodos sindicatos difere daquela dos trabalhadores isolados, mas em ambos os casos o poder dedecisão em última instância é encarado como uma "prerrogativa" administrativa; por fim, aadministração, tem o poder de impedir o trabalho ou de fechar completamente a empresa. Cf.o seguinte comentário de Russell: "o poder do industrial... reside, em última análise, noimpedimento do trabalho, ou seja, no fato de que o proprietário de uma fábrica pode requisitara força do Estado para impedir que pessoas não autorizadas nela ingressem" (Russell, 1938, p.124). O escopo do experimento da Glaciér é particularmente interessante, pois a negociaçãocoletiva tende, hoje, a tratar apenas de assuntos de pouca relevância, e tentativas de ampliá-laem geral esbarram em objeções da administração, que as vê como uma usurpação ilegítima desuas "prerrogativas". Essa noção de "prerrogativas" quase sempre deriva da posse de proprie-dade privada (contudo, para uma defesa das "prerrogativas" que derive a noção da "naturezahumana", ver O'Donnell, 1952). Ultimamente toda a idéia da existência de "prerrogativas"administrativas tem sofrido ataques teóricos, e a sua suposta base teórica também tem sidoposta em dúvida. Ver Chamberlain, 1958, cap. 12, e 1963; Young, 1963; Chandler, 1964.

103

Page 53: Carole pateman   participação e teoria democrática

zacional da fábrica ter um representante no conselho" (Jaques, 1951,p. 139). Cada conselho compõe-se de um chefe executivo da área,um representante dos veteranos, dois do estrato médio, três funcioná-rios administrativos e de outras áreas, e os trabalhadores do escalãomais baixo são representados por sete supervisores. Os conselhosreúnem-se mensalmente e qualquer membro pode pedir que se in-clua um item na pauta (qualquer empregado pode freqüentar as reu-niões como espectador). Os conselhos são órgãos de deliberação po-lítica e sua tarefa principal é a elaboração de documentos políticos e das"ordens estabelecidas"; de acordo com o estatuto, a administração e ostrabalhadores concordaram que nenhuma mudança de política podia serfeita sem que todos concordassem por unanimidade (Jaques, 1968, p. 2).

Na teoria, o objetivo dos conselhos é extremamente amplo. OsV assuntos discutidos incluem sistemas de salários, demissões, fecha-\ mento da fábrica e turnos noturnos, mas na prática (como pode indi-car essa lista) as decisões políticas de alto nível não fazem parte dasatribuições do conselho. Na Glacier, "a alta política é prerrogativa doquadro de diretores e gerentes. Os diretores autorizam a alocação decapital, decidem sobre os dividendos, indicam o diretor administra-tivo, decidem a remuneração dos diretores, confirmam os saláriosmais altos... para não falar nas decisões sobre quem irá assumir acompanhia e outras coisas".9 Além da introdução de órgãos partici-pativos eleitos, outro aspecto do experimento da Glacier é uma ten-tativa de esclarecer e sistematizar as definições do papel formal e osrelacionamentos entre a administração e os trabalhadores. A ênfaseque se dava antes de 1950 à participação na tomada de decisõesdeslocou-se, de acordo com a revisão feita por Kelly, para esse as-pecto.10 Pareceria ser algo intrinsecamente contraditório, nessa ten-tativa, operar com ambos os sistemas, um em que os empregadospodem participar em todas as decisões sobre a política a adotar e um quedivide e sistematiza (e sacraliza em uma linguagem de companhia) adiferença de autoridade entre "empresários" e "subordinados". /

9. Kelly, 1968, p. 248; ver também Jaques, 1968, p. 2.10. Kelly, 1968, p. 26. Isso envolve uma "linguagem por categoria" interna e o uso dereuniões de comando, as quais, como o seu nome indica, dizem respeito em grande parte àemissão de ordens administrativas (e também à alocação dos empregados). "Pareceria, se nosguiássemos por impressões, que a palavra utilizada com mais freqüência na companhia é'subordinado'" (Kelly, p. 278. Ver também pp. 251 e 232).

104

Na fábrica de Kilmarnock (a única cujo material empírico estádisponível), o conselho foi encarado com muita desconfiança; apósuma greve em 1957 ele foi rebatizado de "comitê do trabalho" e odocumento que contém a política da companhia somente há poucofoi aceito pelos supervisores.nlsso pode explicar o fato de que nasreuniões do conselho os representantes dos trabalhadores de baixoescalão mostrem pouco interesse em assuntos como o relatório anuale relatos ou mesmo decisões sobre investimentos; pelo menos, dis-cute-se pouco sobre esses tópicos, a não ser que eles afetem departa-mentos específicos, e a maior parte das discussões gira em torno deassuntos de pouca importância. Na reunião assistida por Kelly, opresidente e gerente geral falou durante 74% do tempo (pp. 242-5).Essa forma de organização da participação parcial de alto nível porcerto é particularmente adequada às condições industriais da Ingla-terra e, em princípio, permitiria aos empregados participarem detodo o processo de decisão. No entanto, na Glacier, segundo o pontode vista da administração, um dos prinicipais resultados foi legitimaros poderes de decisão constitucionalmente restritos a ela. À luz dadiscussão sobre os efeitos da participação de nível mais baixo efe-tuada no último capítulo, o seguinte comentário de Jaques seria pre-visível: "a experiência dos administradores da Glacier, no conjunto,mostrou que esse estatuto os capacita a tomar muito mais decisões ea realizar as mudanças sem objeções por parte dos representantes,como é comum em outras companhias" (Jaques, 1968, p. 4).

O maior experimento com participação parcial nos níveis maisaltos na Inglaterra é o da John Lewis Partnership (que inclui lojas dedepartamento), e há um excelente estudo a respeito, do qual toma-mos a informação.12 Embora a estrutura de autoridade ortodoxatenha sido bem mais modificada do que na Companhia Glacier, naprática, na sociedade, os órgãos representativos atuam muito mais comomecanismos eficientes de consulta do que como órgãos deliberativos./

Como descreve o jornal da empresa, "o propósito supremo detoda a organização é assegurar ao máximo que todos os membroscompartilhem de todas as vantagens da propriedade — ganho, co-

11. Kelly, 1968, p. 241. A experiência cultural da fábrica difere consideravelmente da deLondres, mas desta última não se dispõe de informações. Ver pp. 97-100.12. Flanders, Pomeranz e Woodward, 1968. O livro inclui lima breve história da sociedade.

105

Page 54: Carole pateman   participação e teoria democrática

nhecimento e poder".13 De tais vantagens, somente as duas primeirassão de fato compartilhadas. Todas as ações da sociedade são contro-ladas por um truste e todos os lucros obtidos são distribuídos entre osacionistas (os empregados). Todos os acionistas só iguais no sentidode que todos recebem parte do ganho, de maneira que a sociedadechegou de certo modo a realizar a condição de igualdade econômicaconsiderada como necessária para a participação pelos teóricos dademocracia participativa. Contudo, a distribuição é feita de acordocom o nível salarial; assim, na prática, não há nenhum avanço nadireção de uma igualdade econômica; essa distribuição "acentua aestrutura hierárquica de remuneração dominante".14 Vimos quea posse de informação indispensável é uma condição necessária paraa participação, e na sociedade a "partilha de conhecimento" é am-pliada através do jornal interno (para o qual é incentivado o envio decartas anônimas, as quais são respondidas) e por uma reunião geralaberta a todos os sócios, realizada uma vez por ano em cada setor. Osconselhos centrais e departamentais também emitem relatórios co-merciais anuais acessíveis a eles.15 /'

Os conselhos constituem o principal meio através do qual al? participação pode se efetuar, mas o sócio do escalão mais baixo naj hierarquia funcional aparece sub-representado nesses conselhos, e afinalidade de sua participação revela-se mais um potencial do queuma realidade. O conselho central tem direitos que de fato lhe permi-tem certas sanções contra o presidente e a junta diretora, caso hajanecessidade; esse conselho indica três encarregados do estatuto, queentão se tornam diretores, e também nomeia mais cinco diretores. Aprincipal tarefa rotineira do conselho central é a administração de umvasto fundo assistencial, mas ele está autorizado a "discutir qualquerassunto e a fazer qualquer sugestão que julgue adequada ao diretóriocentral ou ao presidente".16 No entanto, o conselho normalmente não

13. Flanders et alii, cit., p. 4214. Flanders et alii, p. 185. A respeito das atitudes dos trabalhadores em relação ao esquema dedistribuição dos lucros, alguns dos quais favorecem um esquema redistributivo, ver pp. 102-6.15. Flanders et alii, pp. 76, 42 e segs. Mantém-se segredo sobre os salários, uma fonte dequeixas para muitos sócios. Existem comitês de comunicação que são apenas órgãos dosempregados do escalão mais baixo, que funcionam como órgãos que recebem queixas, essen-cialmente, e não dispõem de fundos ou poderes executivos, e não podem por si mesmosremediar situações, sendo, assim, de pouca relevância do ponto de vista participativo (ver pp.50 e segs).16. Flanders et alii, 1968, p. 64. A respeito de poderes de nomeação, etc., ver pp. 64-5.

106

conduz discussões pormenorizadas sobre política, de forma que, em-bora disponha em teoria de um vasto alcance, sua influência partici-pativa real se mostra muito limitada (p. 177). O conselho central tem140 membros, dos quais cerca de três quartos eleitos e o resto indi-cado pelo presidente da sociedade, incluindo todos os diretores maisantigos. Os candidatos para as eleições do conselho provêm de todasas camadas de acionistas, mas os que permanecem e são eleitosquase sempre apresentam posições administrativas, não posições debaixo escalão. De 1957-58 a 1966-67, a proporção de conselheirosde nível administrativo variou de 61% a 70% (mais 20% a 24% demembros ex officio) e as dos associados do setor de produção osciloude 8% a 19%.17 Nos subcomitês, os quais realizam uma boa parte dotrabalho, existe uma notável mudança no sentido de maior atividadeadministrativa por parte dos membros. /

Os conselhos departamentais, nos moldes do conselho central esubordinados a ele, são um pouco mais representativos dos trabalha-dores de baixo escalão, que compõem cerca de metade dos membroseleitos (os conselhos compreendem em média 35 membros, dosquais cerca de 15% ex officio). Além de administrar seu própriofundo assistencial, o conselho departamental pode patrocinar resolu-ções ao conselho central, as quais, se adotadas, tornam-se recomen-dações para a administração. Propõe-se de seis a sete delas por ano,e de 1955 a 1964 um terço delas foi aceito, embora nem todas te-nham sido implementadas.18 Houve um conselho departamental que,pela primeira vez, rejeitou uma proposta de peso da administração(depois de cinco dias de negociação). Durante as discussões queprecederam essa questão, segundo a opinião dos autores do estudo,"o próprio processo de decisão era basicamente o normal, onde aadministração decide o que quer realizar, e prepara o terreno demodo que as ordens emitidas possam ser obedecidas".19 A rejeiçãoda política foi aceita pelo presidente da sociedade — no entanto é pre-ciso observar que nenhum problema vital para o negócio estava envol-

17. Randers et alii, p. 60, quadro 5. Dos candidatos 22% dos homens e 25% das mulheresocupavam alguma posição de destaque na sociedade (p. 84).18. p. 72. Essas resoluções incluem assuntos como alteração nas regras para seguro de vida epensões. Poucas propostas do conselho central partem tanto dos conselhos departamentais,quanto de conselheiros individuais. Ver p. 68, quadro II.19. Flanders et alii, p. 176. Conforme assinalam os autores, é difícil aos membros do conselhopertencentes à administração média se oporem à política oficial (p. 174).

107

Page 55: Carole pateman   participação e teoria democrática

vido —? mas se esse incidente indica que no futuro os acionistas utilizarãomais os seus poderes de participação é preciso esperar para ver.

O nível de interesse nas instituições representativas e o conhe-cimento sobre elas são baixos.20 Os autores do estudo observaramque, entre os acionistas de baixo escalão que trabalhavam em tempointegral, os mais interessados eram os homens e mulheres com maisde cinco anos de serviço, mas mesmo nesse grupo o interesse decli-nava nos órgãos deliberativos de nível mais alto.21 A estrutura dosórgãos participativos da sociedade pode ser em parte responsávelpela falta de interesse. De fato, muitos sócios mostravam algum inte-resse de participação nos níveis mais baixos, o que confirma o que sedisse acima, mas o objetivo das instituições participativas não en-globa muitos dos assuntos relativos às pequenas coisas, e o resul-tado geral foi que cerca de dois terços dos entrevistados "nãomostraram um interesse maior pelas instituições democráticas dasociedade" (p. 127). f

O nosso terceiro exemplo é a Scott Bader Commonwealth, umacompanhia manufatureira de resina plástica em Wollaston, Nort-hants, que emprega cerca de 350 pessoas.22 Essa companhia efetuoumudanças bem mais profundas na estrutura de autoridade ortodoxada indústria do que os nossos dois outros exemplos de participaçãoparcial nos níveis mais altos. A empresa foideliberadamçnte reorga-nizada em linhas participativas, em 1951, por seu fundador, ErnestBader, e as oportunidades de participação aumentaram em 1'963,-quando as instituições foram modificadas mais ainda. Toâas as açõesda Scott Bader & Company Limited são geridas de modo'comunitá-,rio por uma organização de caridade, a Scott Bader CommonwealthLimited (na eventualidade da venda da companhia, o que for apu-

20. É impossível dizer até que ponto isso ajuda a explicar a relativa falta de aproveitamentodas oportunidades de participação, ou até que ponto o fato de que os órgãos representativospareçam com freqüência agir como mecanismos pseudoparticipativos explica a falta deinteresse. É bastante significativo, no entanto, que cerca de dois terços dos empregados sejammulheres, pois todas as investigações empíricas sobre participação social e política mostraramque as mulheres tendem a participar menos do que os homens. Ver Milbrath, 1965, pp. 135-6.21. Flanders et alü, pp. 86 e 114-6, quadros 25 e 26. Uma alta porcentagem de mulheresrespondeu "não sei" ao lhes perguntarem se elas ficariam tristes se vissem as instituiçõesfalidas.22. Essa companhia também foi objeto de um estudo publicado há pouco. Blum (1968).Pode-se encontrar informação adicional em Hadley (1965); também Exley (1968) e publica-ções da Scott Bader & Company Limited.

108

rado deve ser empregado em obras de caridade). A sociedade estáaberta a todos os empregados após um período de experiência.23 /

A estrutura organizacional da sociedade é bastante complexa.O principal órgão "legislativo" é a reunião geral, a qual acontece detrês em três meses, e onde cada membro da sociedade tem direito aum voto. Os seus poderes incluem a aprovação, modificação, ourejeição do modo como é conduzida a empresa, o direito de aprova-ção de qualquer investimento superior a 10 mil libras antes de suarealização, e aprovação da aplicação dos rendimentos comuns (lu-cros) recomendada pelo conselho comunitário e pelo quadro de dire-tores. 4 O conselho comunitário da sociedade é o principal órgão"administrativo", composto de doze pessoas; nove são eleitas, duasnomeadas pelo quadro de diretores e uma, representando a comuni-dade local, é nomeada pelo conselho e aprovada pelo quadro dediretores. Além de sua função relativa aos excedentes comuns, oconselho se ocupa com as instalações assistenciais e com as regraspara a entrada na sociedade, sendo que as requisições para essa en-trada de novos sócios são decididas por mérito. Uma forma inéditade organização é o painel de representantes. Trata-se de um órgão dedoze membros escolhidos ao acaso entre todos os membros da socie-dade, cuja função é decidir se "as condições e o 'clima' existentesna empresa justificam que eles depositem um voto de confiança noquadro de diretores".25

Antes de analisar o que de fato acontece no interior dessaestrutura organizacional, vale a pena observar que a Scott BaderCommonwealth fornece um interessante exemplo de como se podeavançar na direção de uma igualdade econômica numa sociedade

23. Em 1961, havia 143 membros, de um total de 266 empregados. Blum, 1968, p. 98. Blumdiz que a maioria dos não-membros ainda não era elegível, não tendo ultrapassado portanto osdois anos de período de experiência (agora de um ano).24. Um diagrama da estrutura da empresa pode ser encontrado em Blum, 1968, p. 157. Apartir de 1965 o conselho comunitário passou a recomendar o método de distribuição de"bônus" correspondente ao excedente, cujo valor seria determinado pelo quadro de diretores.O estatuto prevê que o lucro deve ser distribuído na razão de 60% para reinvestimento, 20%para fins de caridade e 20% de "bônus" para os empregados. Ultimamente o bônus temalcançado de 5 a 10% (Blum, pp. 153 e 212).25. Blum, 1968, p. 154. Quando a resposta é "não" segue-se um complicado procedimento,mas a decisão final sobre o que fazer, se houver algo a ser feito, passa às mãos dos curadores,cuja principal função é a de "guardiães" dos estatutos da sociedade. Dois dos curadores sãoeleitos; ver Blum, pp. 155 e segs. e 164-5. Há um outro órgão parcialmente eleito, o conselhode referência, órgão de apelação final, que se ocupa principalmente de questões disciplinares.

109

Page 56: Carole pateman   participação e teoria democrática

moderna. A diferença de status entre os empregados foi considera-velmente reduzida nessa empresa. Em primeiro lugar, todos os mem-bros são iguais, pois todos têm um voto na reunião geral. Em se-gundo lugar, todos os empregados desfrutam de um alto grau desegurança no emprego, uma vez que praticamente os únicos motivospara demissão consistem em uma falha de comportamento ou in-competência muito graves (e em todos os casos é acionado o sistemade apelação). Em terceiro lugar, todos os empregados são assalaria-dos e têm a garantia de um piso salarial mínimo; existe também umlimite para os salários mais altos, pois o estatuto dispõe que a propor-ção entre o salário mais alto e o mais baixo não deve exceder 7 para1. Os membros da sociedade também têm acesso a uma quantidademuito maior de informações sobre os negócios da empresa do que osque trabalham dentro de estruturas de autoridade mais ortodoxas. Aadministração precisa responder todas as questões levantadas no jor-nal interno, podem-se levantar questões na reunião geral, e existemais uma cláusula que diz que os membros têm o direito de inspecio-nar os relatórios de prestação de contas e requisitar informações pormeio de representantes ou por meio de entrevistas pessoais com aadministração.26

Existem diversos canais por meio dos quais ocorre a participa-ção na Scott Bader, mas o estatuto é preservado por meio de "verifi-cações e balanços", e até agora a participação se mostrou um poucolimitada na prática. Infelizmente, no único estudo profundo disponí-vel, Blum (1968) fala muito pouco a respeito da prática cotidiana daempresa.27 Entretanto, fica bem claro que, como na John Lewis Part-nership, os níveis de interesse e de participação por parte dos empre-gados de baixo escalão são baixos. Blum diz que "houve considerá-veis diferenças na participação dos diferentes grupos... Os operáriossem dúvida participaram menos do que os outros grupos" (p. 329).Em geral, a proporção total dos empregados que participaram, assu-

26. Blum, 1968, pp. 84-5 e Hadley, 1965. O relógio de ponto também foi abolido. Nenhumadessas medidas radicais ou a estrutura participativa parece ter prejudicado o desempenhoeconômico; a partir de 1951 o balanço anual cresceu dez vezes, atingindo 4 mil libras pormês.27. Foi feita uma investigação empírica, mas Blum se refere a esse material apenas depassagem. Seu livro ocupa-se principalmente com uma interpretação dos princípios subjacen-tes às formas de organização, mas esse relato, calcado em grande parte numa terminologiametafísico-religiosa, não é muito claro.

110

mindo cargos como representantes, é bastante pequena porque, de1951 a 1963, 34 pessoas serviram no conselho comunitário e "umagrande maioria" foi reeleita para mais de um mandato; cerca de dezdesses eleitos provinham dos baixos escalões.28 Descobriu-se, utili-zando como critério de participação as falas nas reuniões gerais, aobtenção de informações dos representantes, a candidatura às elei-ções e o lançamento de propostas por meio de órgãos participativos,que cerca de um quinto dos gerentes, técnicos, executivos juniores efuncionários de escritório mostrava-se participante de índice "alto"ou "moderado", ao passo que todos os operários da fábrica mostra-vam-se de índice "baixo" ou não participavam (p. 374). Para a maio-ria dos entrevistados por Blum as "vantagens da empresa" eram en-caradas, principalmente pelos operários da fábrica, antes de maisnada em termos da segurança que ela proporcionava no emprego(incluindo a licença de seis meses por motivo de doença), embora a"participação" fosse o segundo item mais mencionado. Por fim, emuma questão sobre o conhecimento dos poderes do conselho comu-nitário, descobriu-se que 26% dos entrevistados tinham um "conhe-cimento devido ao trabalho", 36% um "conhecimento parcial" e38% "pouco ou nenhum conhecimento" (p. 375, também p. 99).

Em vista disso, as evidências desses três exemplos poderiamsugerir que é demasiado otimista esperar que o trabalhador comumfaça uma auto-avaliação de suas oportunidades de participação par-cial nos níveis decisórios mais altos e que a conclusão deveria serque a teoria da democracia contemporânea está correta em partir dofato de^que a apatia é um dado básico. ContuHo, tais evidênciaspodem ser interpretadas de um modo diferente. Na Scott Bader,assim como na John Lewis Partnership, existem poucas oportunida-des para a participação nos níveis mais baixos; no entanto todas asevidências mostraram que os trabalhadores comuns se interessampor esse nível.29 Poderia ser discutido que a falta de tais oportunida-des onde existe o interesse poderia levar os trabalhadores dos baixos

28. Blum, p. 96. O período do mandato é de três anos, o que, por si, limita p número dos quepodem participar.29. Os estatutos da Scott Bader criaram um cláusula para os comitês departamentais, queforam instituídos em 1951, mas nunca funcionaram regularmente. Reavivou-se há pouco ointeresse nesses últimos, de modo que talvez, no futuro, as oportunidades de participaçãovenham a se tornar disponíveis nos níveis mais baixos (ver Hadley, 1965).

111

Page 57: Carole pateman   participação e teoria democrática

escalões a pensar que seriam remotas as oportunidades de participa-ção nos níveis mais altos, pois pouca coisa em sua experiência detrabalho cotidiana os prepararia para isso. É significativo que as ati-tudes dos empregados nos diferentes níveis de emprego na ScottBader variam enormemente, como fica ilustrado pela questão doquadro de diretores e das ações dos membros fundadores. Antes de1963, os membros fundadores tinham certos direitos e controlavam10% das ações, e em 1957 Ernest Bader propôs transferir essas açõespara a empresa comunitária. Foram formados grupos de discussãopara debater suas propostas, os quais relataram que eram aceitáveis,desde que o direito de eleger diretores também fosse ampliado àempresa comunitária. Isto Ernest Bader rejeitou. Em 1959, Blum fezperguntas a respeito desses dois pontos, e os trabalhadores adminis-trativos e dos laboratórios foram os mais favoráveis, e os operáriosda fábrica os que mais se opuseram, ou tinham mais dúvidas sobreter direito a uma parte das ações ou a eleger os diretores. "O quepoderíamos fazer; não sabemos que deveria ir para o quadro, apenasos graúdos de cima sabem disso", e "Não, as ações do fundador nãodeveriam ir para a empresa comunitária, afinal ele fundou a firma,ele foi o primeiro a colocar dinheiro nela" foram comentários típicosdos operários (pp. 146-52). A diferença de atitudes riesse aspectopode fornecer um apoio para a visão de Cole sobre "ó treinamentopara a subserviência" recebido pela maioria dos trabalhadores co-muns. Ou seja, mesmo em uma situação onde as oportunidades departicipação em níveis mais altos encontram-se abertas para o traba-lhador comum, que foi socializado no sistema existente de estruturasde autoridade industrial e que continua não tendo oportunidades departicipação no nível mais baixo todos os dias, noções tais como aeleição dos diretores em geral não são "acessíveis" como o são paraos trabalhadores de status mais elevado.30

Podemos agora resumir os resultados que interessam para ateoria da democracia participativa, em seu aspecto educativo ou de

30. O elemento de paternalismo presente na situação da empresa comunitária tem que serlevado em conta ao se considerar atitudes, etc. Por fim, em 1963, as ações foram entregues eos direitos dos membros fundadores abolidos, mas, como antes, apenas dois dos nove direto-res deveriam ser eleitos pelos demais membros da empresa (sendo a lista dos candidatosaprovada pelo quadro). Cinco outros são nomeados pelo presidente e aprovados pelos curado-res, sendo que os dois Bader se tornaram diretores vitalícios.

112

socialização, a partir de nosso exame do material empírico sobre aparticipação na indústria. A única revisão que se faz necessária dizrespeito à questão do desenvolvimento do^senso de eficácia política;a participação nos níveis mais baixos talvez baste para isso. Vol-tando-nos para os efeitos educativos mais abrangentes da participa-ção parece haver poucos empecilhos práticos à instituição de umsistema de participação parcial nos níveis mais altos; sem dúvida elaparece compatível com eficiência econômica. Assim, o argumentoda "congruência" de Eckstein a respeito da necessidade de elemen-tos "autoritários" no governo nacional requer uma modificação pelomenos nesse último aspecto. Infelizmente, devido à natureza isoladae à característica única desses três exemplos de participação parcialnos níveis mais altos é bastante difícil estabelecer conclusões geraismuito precisas. Em especial, não podemos esperar uma resposta à im-portante questão de até que ponto os trabalhadores do escalão maisbaixo podem estar interessados nessas oportunidades e em aproveitá-las, até que tenhamos informação sobre o efeito causado por um sistemaque combine os níveis mais altos e mais baixos de participação. /

Podemos aeorajios-voltar*parajjsegundo aspecto da teoria daKSasS!lsSs^^ssi!>i^>~is=1^^s.:ia^>f" *• -——"-a ^^-ZZ&SÍZWWS^^-^^-y,*^^

demo^raciaparücipativa: o argumento de que.aindústria e outrasesferas Relatividade formam sistemas pojil^^porjexcelência^ que,por isso, elas deveriam ser democratizadas. Repetimos, que a indús-tria"ocupa^uma posição crucial na questão sobre a viabilidade de umasociedade participativa; a indústria, com suas relações de supe-rioridade e subordinação, é a mais "política" de todas as áreas nasquais os indivíduos comuns interagem, e as decisões que ali setomam exercem grande efeito sobre o resto de suas vidas. Além domais, a indústria revela-se importanterpoiS'O tamanho da empresapode permitir que o indivíduo participe de modo diretotda tomada dedecisões, que participe dejnodb pleito nos níveis mais altos.31 Se osfatos mostrarem, como tem sido afirmado, que é impossível demo-cratizar as estruturas de autoridade industriais, então a teoria da de-mocracia participativa necessitará de uma revisão substancial.

31. Cf. o seguinte argumento de Bachrach: "Se as organizações privadas, ao menos as maispoderosas, fossem consideradas políticas — no sentido de que elas são órgãos que regular-mente colocam valores para a sociedade de forma autoritária —, então elas seriam forçadas,em termos do princípio democrático de igualdade de poder, a ampliar a participação noprocesso decisório no interior delas mesmas" (1967, p. 96).

113

Page 58: Carole pateman   participação e teoria democrática

v

AUTOGESTÃO DE TRABALHADORES NAIUGOSLÁVIA

Mostrou-se que de fato existe, entre trabalhadores comuns,uma demanda generalizada por participação nos níveis mais baixosda administração, mas isto não parece ocorrer quando se trata dedecisões em níveis mais altos, como ilustrou o material empíricoapresentado no último capítulo. Na pesquisa norueguesa, citada nocapítulo EU, Holter obteve apenas 16% dos colarinhos-azuis e 11%dos colarinhos-brancos com intenção de participar mais nas questõesligadas à administração da empresa como um todo.1 No estudo re-cente sobre os trabalhadores da fábrica de automóveis Vauxhall, oque se perguntou não foi exatamente isso, mas se os trabalhadoresachavam que os sindicatos deveriam ocupar-se somente com o salá-rio e as condições de trabalho ou se deveriam "tentar e conseguircom que os trabalhadores opinassem sobre a administração". Dosentrevistados, 49% achavam que deveriam dar voz aos trabalhadores(61% dos trabalhadores manuais), no entanto a atitude da maioriapode ser ilustrada por observações como: "uma pessoa média numlugar como esse gosta de pensar que poderia administrar, mas o ge-renciamento é realmente para pessoas instruídas que podem fazê-

9 y

Io". E significativo o fato de que a maioria dos trabalhadores ma-nuais desejasse esse papel mais abrangente para os sindicatos, e queos que queriam participação nos níveis mais altos, na pesquisa deHolter, eram responsáveis, de confiança, especializados", se se levarem conta os dados sobre o desenvolvimento do senso de eficácia

1. Holter, 1965, p. 301, quadro 2; também p. 304, quadro 3b.2. Goldthorpe et alü, 1968, pp. 108-9, quadro 47.

115

Page 59: Carole pateman   participação e teoria democrática

política, e reforça ainda mais a sugestão feita no último capítulo deque, para muitos dos trabalhadores do escalão mais baixo, tais idéiassejam simplesmente "inacessíveis". Segundo Holter, "o clima dossistemas hierárquicos em geral, a perspectiva limitada inerente aotrabalho de um operador de máquina ou de um funcionário subadmi-nistrativo, pode tender a diminuir além das proporções razoáveis onúmero dos empregados capazes de se visualizarem como partici-pantes de tarefas gerenciais" (1965, p. 305). Assim, pouco se podeinferir diretamente da falta de demanda declarada, por parte dos tra-balhadores, por uma participação nesse nível no que se refere àspossibilidades práticas da democracia industrial.

Antes de se considerar qualquer material mais empírico, faz-senecessário um esclarecimento sobre o motivo preciso de se afirmar queé impossível a democratização das estruturas de autoridade da indústria,o que constitui tarefa mais difícil de realizar do que se imagina. Eckstein(1966) não é muito explícito: "Algumas relações sociais simplesmentenão podem ser conduzidas de um modo democrático, ou só podem sê-locom as mais graves conseqüências disfuncionais... Temos sérias razõespara acreditar que as organizações econômicas não podem ser molda-das de uma maneira de fato democrática, pelo menos não sem as conse-qüências que ninguém deseja" (p. 237). Ele chega a afirmar que o má-ximo que podemos esperar seria algum tipo de democracia "pretensa"ou "simulada", mas o único exemplo — um bocado fora do comum —que ele dá é que certas organizações econômicas estão querendo provo-car desvantagens do ponto de vista do funcionamento e "simular umagrande consideração pela democracia", e fazem isso ao permitirem"certos desvios na lógica do livro caixa com entrada dupla a fim de, naverdade, exercer certas práticas democráticas". Além dessa estranhaasserção, ele não apresenta dado algum para sustentar o argumento daimpossibilidade da democracia e não fornece indicação alguma dequais são essas conseqüências disfuncionais.3 É de se presumir que

3. Eckstein (1966, p. 238). Ele diz também que "mesmo certos tipos de propriedadespúblicas (como a nacionalização das indústrias, na Grã-Bretanha, absolutamente vitais àsaúde de toda a economia) depõem contra a democratização das relações econômicas"(p. 237). Porém, o problema é que o caso da nacionalização britânica não constitui provaalguma; nunca a democratização foi tentada. Isso foi o resultado da decisão deliberada doPartido Trabalhista (governo de 1945-51) de adotar a "fórmula morrisoniana" e de não tentarmais nada. Assim, perdeu-se uma valiosa oportunidade de experimentar, e isso numa épocaem que a opinião pública e os trabalhadores eram favoráveis a uma mudança real.

116

Eckstein tivesse em mente as conseqüências econômicas, ou seja, queum sistema democrático não seria capaz de operar de modo eficiente ouaté mesmo entraria em colapso. Por outro lado, interpretações bem di-ferentes podem ser fornecidas sobre o termo "impossível". Pode-seargumentar (cf. as evidências mencionadas acima) que não haveria umnúmero suficiente de trabalhadores interessados ou que quisessem par-ticipar de modo a tornar o sistema viável; ou (como Michels) que averdadeira democratização não seja possível porque, na prática, umcorpo eleito, sem especialização, trabalhando em tempo parcial, nãopoderia de fato controlar o staff de especialistas que trabalham emtempo integral, os quais de fato trocariam as coisas. Mas é improvávelque Eckstein tivesse tais possibilidades -em vista; ele apenas registra ocaso e não o discute. Tal afirmação SQbrejymrjossibiridade de democra-

. Uma vez que já temos otipo de sistema político democrático que deveríamos ter, temos tam-bém, portanto, os tipos certos de "pré-requisitos, na forma das estruturas deautoridade não-governamentais existentes; qualquer tentativa de democra-tizá-las apenas colocaria em perigo a estabilidade do sistema. Todavia,devemos levar a sério a afirmação e examinar algumas interpretações plau-síveis da suposta "impossibilidade" durante a discussão que segue.

Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos existe uma singularfalta de exemplos sobre empresas organizadas em linhas democráti-cas (ou melhor, se elas existem, raramente se escreve a respeito). Hána Grã-Bretanha um exemplo que corresponde de modo quase exatoao nosso modelo de participação plena (direta) nos níveis mais altos.Infelizmente, a Rowen Engineering Co. Limited, em Glascow, émuito pequena, com cerca de 20 empregados, e os trabalhadorestendiam a se auto-selecionar, mas ela possui um considerável inte-resse intrínseco e é útil para os nossos propósitos de ilustração. O

4. Já que existe um exemplo, obviamente é possível democratizar as estruturas de autoridadeindustriarímas, desse exemplo, não se pode tirar conclusão nenhuma sobre a possibilidade dedemocratização na escala de uma economia global, que é o que exige a idéia de umasociedade participativa. A fábrica foi fundada em 1963 como uma "fábrica para a paz"controlada pelos trabalhadores. Recebeu publicidade no movimento pacifista e na "esquerda",daí o componente de auto-seleção. Seu nome deriva de R(obert) Owen. (Uma segundafábrica, similar a essa, estabeleceu-se no País de Gales.) Obteve bastante sucesso econômico,tendo começado com um capital (a maior parte doado) de sete mil libras e fechou o últimobalanço na faixa de 80 mil libras por ano. Ver Blum, 1968, pp. 49-51; Derrick e Phipps 1969,pp. 104-7; Rowen Factories (1967) e Sawtell (1968, pp. 41-2, Companhias A e B).

117

Page 60: Carole pateman   participação e teoria democrática

órgão de controle da fábrica é o conselho geral, ao qual podem per-tencer todos os empregados após três meses de serviço, e cadamembro tem direito a um voto. As reuniões do conselho são realiza-das quinzenalmente, expondo-se a pauta com dois dias de antecedên-cia, e qualquer empregado pode incluir itens (também se fazem reu-niões na hora do chá, caso haja necessidade, mas as decisõesprecisam ser ratificadas na próxima reunião do conselho). Cadamembro ocupa a presidência por duas reuniões consecutivas, o quesignifica que todos têm de participar oralmente pelo menos nessasocasiões (Derrick e Phipps, p. 105). O conselho geral decide sobretodos os assuntos de política e tudo o mais de importância; ele tam-bém elege os diretores, o gerente de fábrica, o supervisor e o "coor-denador" (encarregado). A cada reunião o conselho recebe relatóriossobre a produção, as vendas, a finança, etc.5 Existe também um sub-comitê do trabalho para tratar de questões pessoais, mas que nãodecide, apenas faz recomendações ao conselho.

Uma reunião do conselho geral à qual Jarvie assistiu (1968, p.20) ilustra de que modo um dos problemas acima mencionados, re-ferente à tese sobre a "impossibilidade", pode emergir nas organiza-ções menores. Nessa reunião, um membro do departamento reunidosugeriu que se parasse de produzir um determinado modelo de aque-cedor, já que alguns deles estavam sendo devolvidos. O engenheirode vendas, profissional especialmente treinado, negou que o modelotivesse algum defeito e apresentou um relatório técnico para apoiar asua afirmação. Esse relatório foi vigorosamente discutido, e por fimse concordou em instaurar uma investigação sobre o produto emquestão. Pode-se questionar se, numa fábrica com uma força de tra-balho mais representativa, o relatório de um "especialista" desse tiporeceberia uma tal avaliação crítica. Esse problema do controle dos"especialistas" pelo trabalhador (em gestão) comum será discutidode modo mais completo a seguir, em conexão com o sistema indus-trial da Iugoslávia. Escolheu-se a Iugoslávia porque esse país for-nece, na forma de sistema de autogestão de seus trabalhadores, oúnico exemplo disponível de uma tentativa de introduzir em larga

5. Os diretores são uma exigência da lei; contudo, sua única função na Rowen Engineering éassinar cheques (Jarvie, p. 15). Há também um conselho consultivo, composto de representantesde organizações simpatizantes com as finalidades da fábrica, cuja função é assegurar que asdecisões do conselho geral não infrinjam os princípios sobre os quais se baseia a fábrica.

118

escala a democracia na indústria, abrangendo empresas de váriostipos e tamanhos, por toda a economia.

Nenhuma discussão a respeito de democracia e participação naindústria pode se permitir ignorar o sistema iugoslavo. Ele tambémrevela considerável interesse porque, como um todo, as forma deorganização sócio-políticas e industriais na Iugoslávia assemelham-se em muitos aspectos (pelo menos do ponto de vista formal), demodo notável, com o esquema de Cole para uma sociedade parti-cipativa. Aqui, no entanto, limitaremos a nossa atenção ao aspectoindustrial, a fim de observar quais os esclarecimentos que o sis-tema de gestão dos trabalhadores poderia fornecer sobre as possi-bilidades de democratização das estruturas de autoridade da in-dústria. Existem dificuldades consideráveis para qualquerasserção desse tipo: em primeiro lugar, há o problema da disponi-bilidade da necessária evidência empírica. Embora estejam au-mentando o número dos estudos e comentários em língua inglesasobre a organização industrial iugoslava, de modo algum mos-tram-se suficientes, seja em quantidade, seja em compreensão,como seria de se desejar. Em segundo lugar, existem dificuldadesinerentes à própria situação da Iugoslávia. Trata-se de um paísrelativamente subdesenvolvido, com grandes diferenças de desen-volvimento entre as repúblicas.

Muitos dos que trabalham nas fábricas continuam a trabalharparte do tempo na terra (a maior parte da qual é de propriedadeprivada) e a maior parte da força de trabalho é composta de trabalha-

6. Renda nacional em 1964

Bósnia-Herzegovina '

Croácia

Macedônia

Montenegro

Sérvia

Eslovênia

Iugoslávia

Bilhões de dinaresi novos

6,814,6

3,00,9

21,5

9,055,8

Libras per capita

5697

57

5178

16183

População(milhões)

3,5

4,3

1,50,5

7,9

1,619,3

Fonte: The Economist, de 16.7.1966.

119

Page 61: Carole pateman   participação e teoria democrática

dores na indústria, de primeira geração e sem instrução.7 Ainda em1953, o nível médio de analfabetismo na população com mais de dezanos de idade era de 25,4% (o das mulheres de 35,8%), de modo queesses fatos têm de ser considerados ao se examinar o trabalho nosistema de autogestão dos trabalhadores.8 A Iugoslávia, é claro, con-siste num Estado comunista, embora um pouco diferente de outrospaíses do Leste Europeu, de forma que o papel do Partido Comunistatambém tem de ser levado em conta. Por fim, o sistema de autoges-tão dos trabalhadores é, em si, de origem relativamente recente. In-troduzido em 1950, após um rompimento com URSS em 1948, elenão entrou de fato em funcionamento senão em 1953, sob novasregras e reformas econômicas. Desde então, as formas de organiza-ção e a estrutura legal foram submetidas a um processo quase contí-nuo de mudanças, o que aumenta as dificuldades de avaliação.

Primeiramente, consideremos a estrutura organizacional da in-dústria na Iugoslávia. Cada indústria na Iugoslávia é administradapor um conselho de trabalhadores, eleito por toda a coletividade (istoé, todos os empregados) por meio de unidades eleitorais nas empre-sas maiores. Por lei, todas as empresas com mais de sete trabalhado-res precisam ter um conselho, sendo que, onde há menos de trintatrabalhadores, todos eles formam o conselho. Nas maiores empresaso tamanho do conselho dos trabalhadores pode variar de 15 a 120membros, mas a média vai de 20 a 22.9 As empresas maiores tambémpodem eleger, caso desejem, conselhos departamentais, e foi insti-tuído, a partir de 1961, um sistema denominado pelos iugoslavos de"unidades econômicas". Cada empresa é dividida em unidades deprodução viáveis que possam exercer um grau de autogestão a essenível. A organização dessas unidades é deixada a cargo de cada em-presa. Um estudo a respeito diz que a administração da unidade está"nas mãos de uma assembléia composta pela totalidade de seusmembros", mas na Rade Koncar (a maior produtora de equipamen-tos elétricos na Iugoslávia) as unidades têm seus próprios conselhos

7. Em 25 anos a população rural reduziu-se de 75% para 45% do total (The Economist, 16 dejulho de 1966). O aumento de 1% a 2% da força de trabalho a cada ano provém diretamentedo campo (Auty, 1965, p. 159)8. ILO, 1962, apêndice I, quadro A.9. Blumberg, 1968, p. 198. Os empregadores privados têm o limite de cinco empregados

além dos membros da própria família.

120

de trabalhadores.10 Além dos conselhos de trabalhadores e das unida-des econômicas, os trabalhadores também podem participar do pro-cesso decisório através de reuniões com todos os integrantes da em-presa, por meio de referendos sobre tópicos importantes.

Os membros do conselho têm mandato de dois anos (podem serdestituídos por votação de seu eleitorado), e reúnem-se mensalmente. Osconselhos de trabalhadores possuem subcomitês para tratar de certas questões;a partir de 1957, foram obrigados a criá-los por causa da disciplina interna edas contratações e demissões. Os membros desses comitês não precisam ne-cessariamente ser membros do conselho.11 O conselho de trabalhadores elegeo seu órgão executivo, a diretoria, a qual, em geral, mas nem sempre na suatotalidade, é composta por seus próprios membros. A diretoria possui de 3 a 17membros (sendo um diretor ex offició) eleitos por períodos de um ano; se ummembro se elege por duas vezes consecutivas, passa a ser inelegível pelospróximos dois anos.12 A diretoria pode reunir-se várias vezes por semana, etem funções importantes, entre as quais a supervisão do trabalho do diretor,assegurando o cumprimento dos planos da empresa e a elaboração do planoanual. Outro "órgão de administração" obrigatório por lei, além do conselho esua diretoria, é o diretor da empresa. Desde 1964 a escolha final do candidatoao posto (o qual é anunciado) está nas mãos do conselho de trabalhadores,e seu mandato foi limitado a quatro anos.13 O diretor, juntamente como "colegiado" de chefes de departamento, é responsável pela admi-nistração, pela condução das tarefas diárias da empresa e pela execu-ção das decisões tomadas pelo conselho de trabalhadores. Ele tam-bém possui outros poderes definidos por lei, tais como o de assinarcontratos em nome da empresa, representá-la em negociações comórgãos externos e assegurar que a empresa opere dentro da lei.

Antes de se examinar como tudo isso funciona, será útil anali-sar brevemente o desempenho econômico da Iugoslávia sob o sis-tema de autogestão dos trabalhadores, a fim de verificar se existem"disfunções" econômicas tão grandes a ponto de tornar o sistema

10. Singleton e Topham, 1963, p. 15. Para uma descrição da organização da Rade Koncar, verKmetic, 1967.11. Stephen, 1967, p. 8, também Singleton e Topham, 1963, p. 14 e Kmetic, 1967, p. 13.12. Stephen, 1967, p. 12. Os regulamentos citados por Blumberg, 1968, p. 205, são ligeira-mente diferentes.13. Até 1952 ele era indicado pelo Estado e, depois, por uma comissão composta por representantesem número igual do conselho de trabalhadores e da comuna O diretor pode ser removido peloconselho, mas o procedimento não é totalmente claro. Ver Blumberg, 1968, p. 205.

121

Page 62: Carole pateman   participação e teoria democrática

"impossível" (ainda que esteja ausente um colapso econômico com-pleto que poderia ser atribuído, sem margem de dúvida, ao sistema,existem muitas dificuldades que poderiam contar como evidênciascomprobatórias). Por volta de 1964 a renda real per capita na Iugos-lávia era quase quatro vezes superior ao nível de antes da guerra;desde o início da década até 1967 o produto nacional cresceu numamédia de 8% ao ano, e, desde a guerra, a taxa de crescimento "temsido pouco mais lenta que a do Japão".14 Trata-se de um dado respei-tável, mas não é uma história de sucesso contínuo. As reformas eco-nômicas radicais de 1965 foram em parte motivadas por problemasda inflação e da balança de pagamentos; outro fator foi o desejo demodernizar as técnicas de produção e de se livrar de investimentospouco rentáveis. Certo autor cita o superinvestimento no início dadécada de 60 como "uma prova da autonomia da gestão dos trabalha-dores", mas, como seu nome popular sugere, as assim chamadas"fábricas políticas" foram mais um resultado de fatores políticos doque de projetos dos conselhos de trabalhadores. Um problema que secoloca é até que ponto o sistema do conselho de trabalhadores cons-tituirá um obstáculo à modernização, à introdução de tecnologiasque poupam trabalho, etc. Há alguns indícios de que os conselhosrelutam em votar a favor da produtividade, mas de acordo com osistema gerencial ortodoxo do Ocidente, a modernização com boaschances de sucesso depende muito das condições econômicas gerais,do nível de emprego e de fatores como a disponibilidade de paga-mentos por produtividade, acomodações, esquemas de recapacitaçãoprofissional e assim por diante, o que, por certo, deve aplicar-se àIugoslávia. É impossível dizer, no atual estágio, se o sistema do con-selho de trabalhadores apresentará dificuldades insuperáveis (pode-ria até acontecer de os conselhos aceitarem bem mais depressa ques-tões como o custo social do que"um gerenciamento ortodoxo), masparece bastante claro que, mesmo se a expansão econômica não podeser atribuída de modo direto ao sistema, pelo menos, até o presentemomento, ele não constitui um particular obstáculo à eficiência e àexpansão econômicas. Para pôr à prova a tese da "impossibilidade" de sedemocratizar as estruturas de autoridade industrial nos padrões do que

14. The Economist, 16 de julho de 1966 e 19 de agosto de 1967.15. Blumberg, 1968, p. 213. A respeito das reformas econômicas, ver Neal e Fisk (1966) eThe Economist, 16 de julho de 1966.

122

rexiste na Iugoslávia, precisamos examinar o funcionamento internodo sistema. A primeira questão a se colocar é se, dado ser a Iugoslá-via um Estado comunista, os conselhos de trabalhadores de fato pos-suem um poder independente (é evidente, mesmo se não possuíssem,nada se poderia deduzir daí a respeito das possibilidades de um talsistema num contexto sócio-político diferente).

Existem diversos canais através dos quais a Liga Comunista(Partido) pode influenciar ou controlar os conselhos de trabalhado-res, mas o próprio papel da Liga é ambíguo. Por um lado, a Liga, emteoria, não exerce mais o controle por uma dominação direta, con-tudo mantém seu papel de líder por meio "da força das idéias eargumentos", e há um debate contínuo na Iugoslávia sobre esse papele sobre o problema da separação entre partido e Estado. Na prática,no entanto, todas "as decisões mais importantes, relativas ao desen-volvimento da sociedade, continuam a ser centralizadas por um pe-queno grupo de líderes do partido".16 Por outro lado — para ilustraro caráter de Jekyll e Hyde do Partido — ele opera dentro de umsistema participativo extremamente formal e dentro de uma perspec-tiva ideológica de uma sociedade socialista "caracterizada pelo con-trole consciente e organizado de seus próprios membros sobre todasas instituições de sua sociedade".17

Um canal pelo qual a Liga pode influenciar os conselhos de traba-lhadores consiste na eleição de seus membros pela Assembléia Comu-nal. A comuna (em linhas bem genéricas, análoga às unidades de go-verno local britânicas) é a unidade política básica na Iugoslávia sobre aqual se baseia os níveis mais altos. Em essência, as câmaras de todos osníveis dividem-se em duas, a câmara "municipal" e a câmara das comu-

16. Riddell, 1968, p. 55. Sobre as mudanças na posição da Liga após a queda de Rancovick em1966, ver Neal e Fisk (1966) e Rubinstèin (1968). Ver também "Draft Thesis on lhe FuitherDevelopment and Reorganisation of the League of Communists of Yugoslavia" (1967).17. Riddell, 1968, p. 55. Essa posição ideológica não deveria ser posta de lado como simples"encenação". Conforme assinala Riddell, a história da Iugoslávia mostra uma tradição de autonomialocal e de hostilidade contra a autoridade central, e o movimento Partisan baseava-se em grande parteem ações e grupos locais (hoje a Liga se organiza na forma de república); além disso, os líderesiugoslavos estavam familiarizados tanto com as doutrinas dos anarcossindicalistas quanto com as domarxismo ortodoxo. No que se refere à indústria, se o objetivo fosse apenas "descentralizar umaindústria socializada" (Rhenman, 1968, p. 6), ou conceder uma independência maior ao gerencia-mento (o resultado do sistema segundo alguns; Kolaja, 1965, p. 75), ou ainda formar uma classeadministrativa, então não teria havido a necessidade de se estabelecer essas formas específicas deorganização; o que não quer dizer que todas as conseqüências fossem previstas ou planejadas. Vertambém Deleon (1959) e Auty (1965) para uma história do estabelecimento do atual sistema.

123

L

Page 63: Carole pateman   participação e teoria democrática

nidades do trabalho; "os cidadãos figuram nessa organização sócio-eco-nômica tanto como indivíduos quanto como coletividade nas empresase instituições".18 (Existem também outras câmaras.) Os procedimentosde nomeação e eleição para a Assembléia Comunal são bastante com-plicados (a eleição é em parte direta e em parte indireta), mas nos últi-mos anos parece ter sido efetivamente introduzido algum elemento deescolha nas eleições.19 As comunas dispõem de uma considerável auto-nomia local de governo e estão muito interessadas por empresas emsuas áreas, pois uma grande parte de sua renda depende da prosperidadeeconômica da comuna. Elas dispõem de alguns poderes em relação àsempresas isoladas, incluindo o direito de fazer recomendações arespeito de política. Hoje em dia, a empresa parece ter um grau bemmaior de autonomia nesse relacionamento do que nos primeiros tem-pos. Como já se observou, o controle da nomeação do diretor não é maiscompartilhado com a comuna e, pelo menos nas fábricas estudadas por umobservador, o conselho dos trabalhadores adotou uma atitude independente emrelação às propostas e pedidos da comuna (Kolaja, 1965 pp. 28 e 62).

A Liga pode operar ainda por meio dos sindicatos, outra organiza-ção cujo papel, tanto em geral como no interior da empresa, é ambí-guo.20 Talvez sua principal função seja educacional, tanto no sentido deeducar os trabalhadores para cumprirem a sua parte na gestão quanto nainstrução geral do adulto. Os sindicatos iugoslavos "desenvolveramfunções educacionais e culturais, nos últimos anos, com uma abrangên-cia maior do que qualquer outro organismo de classe dos trabalhadoresconhecido pelos autores" (Singleton e Topham, 1963, p. 21). O poder dossindicatos sobre as eleições para os conselhos dos trabalhadores foi restrin-gido (ver abaixo) e a maior parte de seus outros poderes no interior dasempresas são compartilhados por outros órgãos, e Kolaja descobriu que,nas fábricas que ele visitou, o sindicato dependia do conselho em virtudede fatores financeiros.21

18. Milivojevic, 1965, p. 9. Em 1963 havia 581 comunas. Ver também a edição especial daInternational Social Science Journal (1961).19. Sobre eleições ver Riddell (1968, pp. 58-9); Milivojevic (1965, pp. 16-20); The Econo-mist, 15 de abril e 24 de maio de 1969; e sobre regras eleitorais anteriores. Hammond (1955).20. Para uma perspectiva iugoslava, ver Jovanovic (1960). Ver também Kolaja, 1965, pp. 29-34.21. Kolaja, 1965, pp. 34 e 35. Aqui não se pode entrar num debate sobre o papel dossindicatos dentro de uma estrutura de autoridade industrial democratizada. Basta dizer que aimportante função de proteção dos interesses dos trabalhadores isolados, enquanto trabalha-dores, continuará a existir, qualquer que seja a composição da administração.

124

Além desses canais indiretos, a maneira óbvia para a Liga fazercom que sua influência seja sentida é através da eleição de seusmembros para os conselhos de trabalhadores. A proporção de mem-bros desses conselhos, que são também membros da Liga, variamuito, mas em geral ela é bem alta por empresa. Singleton e Tophamcitam uma média de 35%; nas duas fábricas visitadas por Kolaja amédia era de 70% e um pouco menos de 50%, respectivamente, euma pesquisa iugoslava encontrou uma variação de 8% a 65%.22

Pode ser que proporções tão grandes de membros da Liga não sejameleitos com o passar do tempo, devido às mudanças nos procedimen-tos eleitorais de 1964. No princípio, uma lista de candidatos podiaser nomeada por 10% dos trabalhadores, ou por uma tendência dosindicato — em geral isso significava que essa última fornecia aslistas. Agora os candidatos podem ser nomeados por qualquer traba-lhador e dois auxiliares, numa reunião coletiva especial. Ocorre umacompetição por postos. Por exemplo: no estaleiro Split, visitado porStephen, existiam 76 candidatos para 35 postos, em 1967. A eleiçãodá-se por voto secreto e é realizada por um comitê especial estabele-cido pelo conselho. Toma parte na votação uma alta proporção detrabalhadores — Stephen nos oferece um total de 87% em 1966 e de

2391,2% em 1967. Um obstáculo à maneira de controle da Liga é aalta rotatividade dos membros do conselho, com mandato de doisanos e com a substituição anual da metade.

A partir de suas investigações, Kolaja (1965, p. 63) concluiuque a Liga "ao que tudo indica, em geral não tinha a iniciativa, ca-bendo-lhe mais a posição de observador e censor". Mas talvez odado mais interessante provém do questionário utilizado pelomesmo autor na fábrica B, por ele visitada. De 78 entrevistados, aosquais se perguntou "Queih tem maior influência na empresa?", ape-nas quatro puseram a Liga em primeiro lugar, onze a puseram emsegundo, em termos de influência, e nove em terceiro lugar, en-quanto 45 colocaram o conselho de trabalhadores em primeiro lugar,

22. Singleton e Topham, 1963, p. 10; Kolaja, 1965, p. 16, quadro I; o citado I.L.O., 1962, p. 33.23. Stephen, 1967, pp. 9-10. Blumberg (1968) diz que a coletividade (dos trabalhadores) temde votar para aprovar a nomeação (p. 200). A respeito das eleições sob o sistema anterior, verSingleton e Topham (1963, p. 9).24. Blumberg (1968, p. 198) diz que, agora, nenhum membro pode cumprir dois mandatosconsecutivos. Riddell (1968, p. 66) fornece números sobre os eleitos em 1962, que mostramum considerável grau de continuidade.

125

Page 64: Carole pateman   participação e teoria democrática

25 o diretor e dois o sindicato (p. 34, quadro 12). Qualquer estima-tiva do papel da Liga, uma vez que ela pode funcionar em diferentesdireções, é extremamente difícil de ser realizada. O que talvez pre-cise ser dito, para nossos propósitos, é que, embora a Liga não possaobviamente ser ignorada, seria uni engano supor que, por esse mo-tivo, toda a estrutura organizacional da indústria não serve para nada.No momento, outros fatores externos podem ter o mesmo peso sobrecada conselho de trabalhadores — a exemplo dos fatores econômi-cos. O conselho está sujeito a influências sobre suas políticas porparte das associações econômicas (associações de empresas de pro-dutos similares) e, o que é mais importante, desde as reformas eco-nômicas de 1965, as empresas operam praticamente numa economiade livre mercado, cada uma competindo com todas a outras; os ban-cos, as maiores fontes de crédito, agora também são corpos autôno-mos operando em linhas "capitalistas" no que se refere ao crédito.Até que ponto será compatível, a longo prazo, a relação entre o livremercado e as empresas socializadas ainda é preciso esperar para ver,mas, de modo geral, no que diz respeito a esses fatores externos, nãoparece haver nenhuma boa razão para supor que os conselhos detrabalhadores não possam controlar seus próprios assuntos: "A des-peito de algumas leis restritivas, de uma certa intervenção do go-verno e de alguma pressão do partido, os conselhos de trabalhadorese os seus quadros gerenciais eleitos são de fato responsáveis pelocontrole de suas próprias empresas" (Neal e Fisk, 1966, p. 30).

Portanto, uma vez que é útil examinar em mais detalhes o fun-cionamento do sistema de autogestão dos trabalhadores da Iugoslá-via, agora podem ser levantadas algumas questões de aplicabilidadegeral a qualquer sistema de democracia industrial; questões mencio-nadas antes, quando foram consideradas possíveis interpretações do"impossível", questões que dizem respeito à extensão do controleque qualquer corpo administrativo em tempo parcial de "trabalhado-res comuns" pode de fato exercer sobre uma equipe de especialistasem tempo integral. Devemos considerar também até que ponto amassa de trabalhadores aproveita as oportunidades formalmenteabertas a eles e até onde é possível, sob o sistema iugoslavo, aoindivíduo participar diretamente da tomada de decisões, como a teo-ria da democracia participativa sustenta que ele deveria.

126

R s s otomadaspeloscB^(^j^^^^^^FHrMMdÕféff rèuründp-se~dè tempos em temposcomo admMstradOTes,ãchélrnfficüEâS"cõm os mais importantes proble-marfècnicos? Do ponfcfde vistaformal, o conselho tem amplos podèresdecisóribs. Além das funções já mencionadas, tal conselho

aprova as políticas e planos de produção, de salários e de comercializa-ção; regras de conduta e relatórios apresentados pelo quadro gerencial;

? decide de que modo a parte dos ganhos à disposição da empresa deve serdistribuída... De modo geral, o conselho de trabalhadores é encarregado decuidar de qualquer problema da empresa. É também a mais alta autoridadena empresa à qual as pessoas podem recorrer (Kolaja, 1965, p. 6).

O Relatório da OIT (1962) afirma que os corpos de gestão dostrabalhadores "são diretamente responsáveis por algumas das tarefasque em qualquer outro lugar cabem à alta administração e aos execu-tivos de nível médio e alto — uma vez que examina um grandenúmero de decisões detalhadas assim como assuntos relativos à polí-tica" (p. 163). Existe alguma informação disponível sobre as ativida-des dos conselhos. Kolaja analisou os assuntos discutidos pelos con-selhos de trabalhadores nas fábricas que ele visitou (de acordo como que ficou registrado nas minutas de 1957 a 1959) e dividiu-os emtrês categorias. A primeira, a "produtivo-financeira" (planejamento daprodução, salários, compra e venda de máquinas), corresponde em li-nhas gerais à nossa categoria de administração de alto nível; as outrasduas, de "manutenção organizacional" e de "solicitações individuais"(para saídas, queixas, etc.) assemelham-se, grosso modo, ao nível admi-nistrativo mais baixo. Nas duas fábricas, os conselhos de trabalhadoresgastaram a maior parte do tempo tratando de assuntos que cabem naprimeira categoria.25 Os tópicos para os quais os conselhos dedica-ram maior atenção mostraram uma interessante evolução no decorrerdo tempo. Uma análise detida das minutas de sete empresas, numperíodo de dez anos, mostrou que, durante esse tempo, a quantidadede horas dedicadas a tópicos mais importantes, de alta gestão, cres-ceu, enquanto o tempo gasto com outros assuntos diminuiu. Segundo

25. Kolaja, 1965, p. 24, quadro 6. Stephen encontrou o mesmo padrão no estaleiro Split(1967, p. 17). Ver também a lista das pautas de 6 mil conselhos em Blumberg (1968, pp.205-6) e a lista dos debates e decisões na empresa Rade Koncar, em Kmetic (1967, pp. 27-8).

127

Page 65: Carole pateman   participação e teoria democrática

o autor, isso indicava que os membros do conselho haviam apren-dido a lidar com assuntos que transcendiam seu ambiente imediato— ou, como coloca Ridell, que tais membros estão "aos poucos 'secolocando em dia com o sistema'". Isto constitui umreforçjQJntejres-sante para o argumento dos teóricos dajemocracia p^ticipatiy^ajes-Peitó^°^^=^3u^Sâ^§EJÊafl§^^2i3SÊJSM?A=fflÊJ^

mais práticas para am um certo senlidoTuInaTez^qü^tís^^^

decisões dessa natureza, ficou demonstrada a possibilidade de uma jestrutura de autoridade democrática na indústria; o "governo" é fleito para o cargo pela coletividade dos trabalhadores, deve prestar/

contas ao eleitorado e pode ser substituído por ele. Por outro lado|permanece a questão do papel dos "especialistas" na empresa; seráque os conselhos de trabalhadores funciona apenas gara endossar ;

lugar? Sfpapel dcTdlrêtoF!astante importante nesse aspecto, tantcTBò~ponto de vista formal

como do informal. A redução do seu mandato para quatro anos signi-fica que o campo sobre o qual pode exercer sua "onipotência" foireduzido, mas ele continua a ter, como já se mostrou, amplos poderesformais. Stephen (1967, p. 35) observa que, no estaleiro por ele visi-tado, havia uma cláusula do "estatuto" que impedia o conselho demudar uma decisão do diretor sobre a execução das decisões políti-cas; o único recurso que possuíam era conclamar a comuna ou demi-tir o diretor. Não se sabe o quanto tal provisão é comum. No passado,houve sem dúvida muitos casos de diretores que se excederam nopoder, e a imprensa iugoslava deu bastante publicidade a eles.28 No-vamente pode-se pensar que a posição agora melhorou, mas, nessecaso, como em todos os outros, torna-se difícil generalizar devido àsgrandes diferenças de condições nas várias partes da Iugoslávia.Seria bem mais fácil para um diretor que tivesse isso em mente "as-sumir" uma empresa, digamos, na Macedônia, onde provavelmenteestaria lidando com pessoas sem instrução, uma força de trabalho

26. Citado por Kolaja, p. 23. Riddell, 1968, p. 68.27. Sturmthal sugeriu que essa evolução reflete meras mudanças legais. Embora o quadroconstitucional tenha mudado, os poderes dos conselhos foram sempre extensos; a questão éque eles agora parecem mais desejosos e mais capazes de exercê-los. Sturmthal, 1964, p. 109.28. Ver Ward (1957) e Tochitch (1964).

128

industrial sem experiência, do que numa região bem mais avançadado ponto de vista industrial, como a República da Eslovênia;_Ojual-

observações abertas de "prepotên-

^ a, ,pelojl. A maioria das sugestões parece provir do

drrêtõre do colegiado, e elas raramente são rejeitadas; e eles tambémfazem a maioria das intervenções orais. Isto se aplica em particularquando há discussão dos tópicos mais importantes e mais técnicos(por exemplo, os planos de produção); é somente quando se discu-tem assuntos de menor importância — em especial o problema damoradia para os trabalhadores, fornecida pelas empresas iugoslavas— que os membros do conselho pertencentes ao escalão mais baixotêm alguma participação, ou tomam notas, e é sobre essas questõesque se instala um debate de fato vigoroso. O padrão era semelhanterias empresas visitadas por Stephen, onde a força de trabalho era bemmais educada e especializada (se bem que, na reunião que ele assis-tiu, alguns tópicos de alto nível tivessem sido discutidos anterior-mente). 29 Por outro lado, um relato diz que no caso de pelo menosuma empresa "as reuniões do conselho e da unidade econômica àsquais se assistiu foram marcadas por votações muito freqüentes, nemsempre unânimes, e decidiram-se pontos importantes que retificaram aspropostas feitas pelo diretor, pelo presidente e pelos subcomitês", e oRelatório da OIT menciona uma ocorrência análoga.30

Mesmo admitindo a evidência de alguns exemplos de partici-paçãolOTvTTrêTèíiyj^por-parte-dos rftljrnbrBs^e^alguns^Ms^^ferãTdo pe^o^aii^ièricia^exeidda^^^i&^e outros espej:miis-tlF^à^quipe^irigente realça aquilo que parece, confrontando^comessa participação, um Jilema.quasejnsplúvel para um sistema demo-crático^e participativo na indústria. Parajjue o máximo de" trabalha-dores tenha a oportunidade de desempenhar uma função administra:

29. Stephen, 1967, pp. 38-41. Relatórios sobre as reuniões do conselho dos trabalhadorespodem ser encontrados em Riddell (1968, pp. 66-7) e Kolaja (1965, pp. 45-50 e 19-21, quadro4). Na fábrica visitada pelo primeiro os trabalhadores revelavam baixa qualificação; naquelasvisitadas por Kolaja, havia uma alta proporção de mulheres trabalhadoras, embora ele nãotenha se dado conta de que isso é significativo para a participação.30. Singleton e Topham, 1963, p. 23,1.L.O., 1962, p. 236.

129

Page 66: Carole pateman   participação e teoria democrática

tiva, e para que o efeito educativo da participação também sejajna-

parcial^porefnTparirque os membros do conselho de trabalhadores'discutam efetivamente assuntos de alta política da empresa com suaequipe de especialistas, então o oposto faz-se necessário. Em umpaís relativamente subdesenvolvido como a Iugoslávia as dimensõesdesse dilema acentuam-se, mas não se deveriam tirar conclusões dealcance muito longo a partir daí. Se é isso que torna a democraciaindustrial "impossível", então, uma vez que qualquer corpo demo-crático eleito enfrenta problemas similares (por exemplo, no governolocal), a democracia política também é impossível — e não é isso, defato, o que querem dizer os teóricos que sustentam a impossibilidadeda democracia industrial. A verdadeira questão é a área na qual sedeve procurar uma solução para esse dilema no contexto industrial;quajijDsjnjejiasJi^^4oresju^ejhe^permitem avaliar e elaborar,^ojn^o|nriçténda,,planos^ejgglíticas?, Ümá~dãs"respostas, sem dúvida, é a experiência. Sobreisso mostra-se relevante o que se disse no último capítulo com basenos dados sobre a participação parcial nos níveis mais altos. A parti-cipação em tais níveis precisa vincular-se às oportunidades de parti-cipação também nos níveis mais baixos. Em outras palavras,_assimcomo a jjarticjpação no local de trabalho atuajpomo um "campo deprovas" para a participação na esfera polmca mais^rahgente, damesma" forma a experiencia_jja tomada^dedecisaononíyel maisbaixQ9a_administragãc^pode funcionarj:j3mojiun-temamejQto inesti-mável_para_amparticipação na tomada de decisões nos níveis mais

íesse sentido, o papeFdas umBMêTe^õTfomicãTnTlugõSlavíã"é vital. E como vimos, urnajCQndição necessária para a participaçãoé a disponibilidade de informações^lêvaiítêsTê müíío~mãTs poderiaser realizado nesse campo na lug^líívlsrDêlfíodo geral, as informa-ções estão disponíveis aos trabalhadores nas empresas iugoslavas,'"o princípio de publicidade'é provavelmente único, e na maioriados casos fornece mais informação aos empregados na Iugoslávia doque recebem seus companheiros na Inglaterra, nos Estados Unidosou na União Soviética".31 Contudo, embora um relatório observeque, em várias empresas, as reuniões do conselho e da unidade eco-

31. Kolaja, 1965, p. 76. Ver também I.L.O., 1962, p. 280.

130

nômica "dispunham de farta documentação sobre os itens constantesna pauta", isto não acontece em todos os lugares.32 No entanto, comonota Sturmthal (1964, p. 189), poucos administradores nos sistemasindustriais ortodoxos tomam decisões técnicas sozinhos, de modoque é absurdo esperar que cs membros do conselho o façam, e estesainda precisam, para "contrabalançar", de informações para pode-rem avaliar as sugestões feitas pelos outros. Nesse sentido, os sindi-catos poderiam desempenhar um papel valioso ao obter e fornecertais informações aos conselhos; poderiam funcionar como um depar-tamento de pesquisa, ou, como sugerido em uma discussão entre osiugoslavos, o conselho poderia contratar seus próprios especialistaspara esse tipo de trabalho.33 Até que tenham sido tentadas soluçõesnas linhas aqui indicadas, deve permanecer sem resposta a questãosobre a possibilidade de se chegar a uma solução satisfatória para odilema. De qualquer forma, nada leva a supor que a existência dessedilema impossibilite a democratização das estruturas de autoridadeindustrial.

Devemos agora examinar a extensão do envolviiriento damassa dos trabalhadores no sistema de autogestão desses trabalhado-res na Iugoslávia. A primeira coisa a assinalar é que um númeronotável de pessoas já assumiu algum cargo: entre 1950 e o início idécada de 60 cerca de um milhão de indivíduos serviram nos conse-"lhos de trabalhadores, e nos quadros administrativos, cerca de umquarto da força de trabalho industrial.34 Obviamente, uma grandeproporção deles deve ser de trabalhadores "comuns", mas deve-senotar que existe uma ambigüidade na expressão "conselho de traba-lhadores", que poucas discussões a respeito da democracia industrialou do controle pelos trabalhadores procuram resolver. A definição de"trabalhador" é em geral deixada em aberto, e não se afirma se "tra-balhadores" significa apenas os trabalhadores manuais e de baixostatus ou se o termo inclui os que usam "tanto a mão quanto o cé-rebro", ou seja, todos os empregados de uma empresa específica. Aimplicação da autogestão dos "trabalhadores" ou controle pelos "tra-balhadores" é que os trabalhadores de baixo escalão estarão em

32. Singleton e Topham, 1963, p. 24. Ver também Riddell, 1968, p. 66.33. Bilandzic, 1967 e Dragicevic, 1966.34. Blumberg, 1968, p. 215. Em 1960 a força total de trabalho era de 9 milhões, dos quais 5milhões eram de trabalhadores agrícolas. Auty, 1965, p. 157.

131

Page 67: Carole pateman   participação e teoria democrática

maioria nos corpos administrativos (o que, já que eles formama maioria da força de trabalho, é bastante aceitável), mas não hánenhuma razão para limitar a autogestão dos "trabalhadores" apenasa essa categoria de empregados, quando a democracia implica sufrá-gio universal e a participação de todos. Na Iugoslávia, a divisão entretrabalhadores manuais e os colarinhos-brancos não é mais reconhe-cida oficialmente (Stephen, 1967, pp. 13 e segs.); não fica claro,porém, se existem ainda cláusulas nos estatutos com poderes paraassegurar que os corpos administrativos sejam compostos' em suamaioria por trabalhadores manuais ou da produção. Kolaja afirmaque os trabalhadores manuais devem ter representação proporcionalentre os candidatos para o conselho, e que três quartos do quadroadministrativo devem estar empregados diretamente na produção;mas no estaleiro visitado mais recentemente por Stephen não se tinhaconhecimento dessa cláusula.35 Qualquer que seja o caso aqui, é di-fícil ver como, sob qualquer processo de nomeação razoavelmentelivre, poderia ser atendida a cláusula sobre os candidatos, e não sedispõe de nenhuma informação a respeito. No entanto, existe infor-mação sobre a composição dos conselhos dos trabalhadores e (em1962) as mulheres tendiam a estar sub-representadas e os trabalha-dores especializados e os altamente especializados, super-repre-sentados.36 Este último fato é ilustrado pelo estaleiro Split, onde,embora de 1965 a 1967 a proporção de trabalhadores manuais noconselho tenha aumentado de 61,3% para 72,4%, em 1967 apenas2,6% desses eram semi-especializados e 3,9% não tinham especiali-zação. 7 Os trabalhadores do estaleiro Split explicaram essa baixarepresentação dos menos especializados em função dos níveis edu-cacionais geralmente baixos e do desejo de que os melhores homensassumissem os cargos. É difícil ver de que modo esses trabalhadoresaumentarão a sua representação até que se elevem esses níveis edu-cacionais e até que se tenha adquirido, a longo prazo, a experiência

35. Kolaja, 1965, pp. 7-8. Stephen, 1967, p. 13. Blumberg, 1968, p. 217, reafirma a existênciada cláusula sobre o quadro administrativo.36. Riddell, 1968, p. 66. O padrão é o mesmo encontrado no Ocidente, no que se refere àparticipação nas organizações sociais e políticas.37. Stephen, 1967, p. 11 e ap. 2.2.1. Dos membros de colarinho-branco apenas 3,9% tinhamnível de escolaridade primária (os trabalhadores de colarinho-branco formavam 13% do totalda força de trabalho). Ver Kolaja, 1965, p. 17, quadro 1.

132

de sistema participativo, do qual se esperaria aumentar sua "pronti-dão" psicológica para participar.

Entretanto, a classe "alta" dos trabalhadores parece apresentar defato taxas bem maiores de participação no nível mais elevado. Contudo,isto tem de ser confrontado com o fato de que há evidências de umafalta de conhecimento mais geral e de interesse sobre o funcionamentobásico do sistema. Em uma das fábricas visitadas por Kolaja, ele faloua 24 pessoas sobre a reunião do conselho de trabalhadores, e dez delas

-10não sabiam absolutamente nada a respeito. Riddell cita várias pesqui-sas iugoslavas a respeito do conhecimento geral sobre o sistema deautogestão dos trabalhadores e, se bem que os níveis variem de acordocom o tipo de trabalhador e o tipo de fábrica, eles tendem a ser baixos.Em uma fábrica entrevistaram-se 312 trabalhadores que tomaram asdecisões relativas a cinco áreas da fábrica, sendo que 105 não responde-ram a nenhuma das questões corretamente, e nenhum trabalhador res-pondeu a todas as cinco questões corretamente. Um outro pesquisadorcomentou que "é um fato marcante que grande número de entrevista-dos, comparativamente falando, não possui qualquer conhecimento ele-mentar e carece de informações sobre importantes problemas sociais,econômicos e políticos".39 Riddell sugere que essa falta de conheci-mento e de interesse acontece porque "em geral, o sistema tornou-secomplicado demais para a maioria dos trabalhadores que operamnele".40 Sem dúvida existe uma série de regulamentos que são freqüen-temente modificados (e o sistema de distribuição da renda é bastantecomplicado), mas não se vê como a efetiva estrutura organizacional deautogestão dos trabalhadores poderia ser menos complexa do que é eainda permitir o máximo de participação, seja direta, seja por meio derepresentantes, tanto nos níveis mais altos quanto nos mais baixos.

Por infelicidade, a maioria dos estudiosos ignora, quase que

38. Kolaja, 1965, p. 51. No entanto, um ex-presidente do conselho observou que "não secostuma informar os trabalhadores sobre a pauta a ser discutida no conselho de trabalhado-res". Kolaja vai além do que o autorizam suas evidências ao atribuir a falta de participação nadiscussão das questões relativas à alta administração por parte dos trabalhadores de baixoescalão nas reuniões do conselho à falta de interesse; na ausência de outros indícios tambémse poderia afirmar que o motivo seria a falta de confiança ou falta de informação suficiente.39. Riddell, cit, pp. 62-3. Ver também Ward, 1965.40. Riddell, 1968, pp. 62-5. Uma grande dificuldade na interpretação dos dados sobre aIugoslávia é saber qual peso se deve atribuir ao hiato que existe entre a ideologia oficial e aprática oficial; até que ponto isto entra na explicação do baixo nível de interesse no sistema?

133

Page 68: Carole pateman   participação e teoria democrática

por completo, a participação nos níveis mais baixos no sistema iu-goslavo, por isso não há meios de dizer se esses níveis de participa-ção e de interesse são mais altos nessa esfera (a partir dos dadosobtidos anteriormente seria de se esperar que fossem). Essa lacunatambém é lamentável por uma outra razão. Umjiosjproblernas que seleyjaJOÜ' relacionados com^^o^a^djL^ernoc^iãj^r^drMrva^foiaté que^rjojto^seria^rjiossível reproduzir o modçlqjie pjirtrapaejío

dclargaescala.Osistema iugoslavo fornece algumas idéias sobrFcorno" isso pode serfeito. Em primeiro lugar, um fator jámencionado, a alta rotatividadedos membros dos corpos administrativos nos cargos significa que,no decorrer de uma vida, cada indivíduo deveria ter a oportunidadede participar, pelo menos uma vez, diretamente da tomada de deci-sões. Em segundo lugar, o sistema iugoslavo também oferece a cadaindivíduo a oportunidade de participar da tomada de decisões sobretópicos de importância, pelo uso do referendo na empresa. O Relató-rio da OIT menciona que isso aconteceu, na maioria das vezes, sobrea questão da distribuição da renda; no estaleiro Split, porém, foiconvocado um referendo sobre uma recomendação do governo fede-ral para que o estaleiro formasse um consórcio com outros três. Avotação foi efetuada simultaneamente nos quatro estaleiros (sob ajurisdição de comitês especiais), e a proposta não passou porque ostrabalhadores de um dos estaleiros a rejeitou.42 A importância daparticipação nos níveis mais baixos como um "campo de provas"para a participação no processo decisório em geral foi mencionadaantes. Neste ponto a unidade econômica é muito importante porquepermite que os trabalhadores participem da tomada de decisões como mesmo objetivo, para seu próprio nível coletivo mais baixo, assimcomo as tomadas de decisões administrativas de nível mais alto refe-rem-se à empresa inteira. De acordo com um estudo, "os iugoslavosconsideram a criação das unidades econômicas como um dos avan-ços mais significativos nos últimos vinte anos".43

41. Blumberg (1968), por exemplo, menciona por cima os desenvolvimentos relativos aonível mais baixo e não faz qualquer tentativa de relacioná-los com a informação sobre aparticipação, apresentada anteriormente neste livro.42. I.L.O., 1962, p. 172. Stephen, 1967, pp. 43-4. A proposta deveria ser votada de novo seismeses mais tarde.43. Singleton e Topham, 1963, p. 17. Essas unidades foram cridas originalmente como tentativade superar a tendência dos conselhos a se tornarem distantes dos trabalhadores (p. 14).

134

Nas maioria das empresas mais descentralizadas o relaciona-mento da unidade econômica com o conselho de trabalhadores tende aassumir a forma de uma espécie de contrato coletivo, e existem casos deunidades que discutem e votam! propostas de separação da empresa daqual fazem parte. Tais unidades têm amplas funções, as quais incluem aaplicação de parte dos fundos internos da empresa, quando as unidadesàs vezes fazem empréstimos umas às outras.44 Existem indícios de que,ao menos em algumas poucas empresas, os trabalhadores efetivamenteutilizam as oportunidades oferecidas para a participação no nível maisbaixo. Stephen observa que, na empresa que ele visitou, os trabalhado-res menos qualificados e menos instruídos tinham uma representaçãopropocionalmente maior nos conselhos departamentais, e o Relatórioda OIT descreve uma reunião normal em uma oficina onde "os comen-tários e sugestões vinham de todas as partes... um terço ou mais dotrabalhadores participava... e quase não havia nenhum constrangimentodevido a hesitação na forma de expressão... ou diferenças de graus entreos oradores" (OIT, 1962, p. 172).

Não se poderia dizer que o sistema de autogestão dos trabalhado-res na Iugoslávia constitui um exemplo bem-sucedido de democratiza-ção das estruturas de autoridade, ou que os dados apresentados aquipermitem estabelecer firmes conclusões. É preciso que haja uma quan-tidade muito maior de informações sobre muitos aspectos; em particu-lar, necessita-se de um estudo abrangente sobre o funcionamento dosistema em diferentes tipos de empresa, em diferentes áreas do país. Istotalvez se torne disponível no futuro, pois, conforme assinalou Riddell(1968, p. 69), a Iugoslávia "constitui um laboratório para pequisas sobreas possibilidades de descentralização do controle na sociedade mo-derna, em larga escala, e os seus efeitos psicológicos. Praticamente nãoexistem limitações — exceto as do idioma — para tais pesquisas noperíodo atual". Apesar de essas restrições e o fato de que existe umaLiga Comunista e uma natureza subdesenvolvida na economia iugos-lava dificultarem uma comparação direta com o Ocidente, uma conclu-são que se pode tirar é que a experiência iugoslava não nos fornecenenhuma boa razão para supor que a democratização das estruturas deautoridade da indústria é impossível de ser efetuada, por difícil e com-plicada que possa parecer.

44. Singleton e Topham, 1963, pp. 15-7 e 1963a. Ver também Kmetic, 1967, pp. 20-6.

135

Page 69: Carole pateman   participação e teoria democrática

Essa discussão de democracia industrial na Iugoslávia concluio exame da evidência empírica relevante para os argumentos da teo-ria da democracia participativa. Tal evidência indica claramente umaúnica conclusão possível, no que diz repeito à teoria democrática^Aafirmação da^^ajja^mgcrj^^rjiaiíig^atiy.a.-.dg-.que.a condição

= de uma forma de governo demojy

crática_consiste numa"sõciedade participativa, não é de todo irrea-TtsüTse pode ou ríão ser compreendido, o ideal dos primeiros téorp-'cofi "clássicos" da democracia participativa permanece, com umaintensidade muito maior, uma questão viva e em aberto.

CONCLUSÕES

Discussões recentes a respeito da teoria da democracia têmsido obscurecidas pelo mito da "doutrina clássica da democracia,propagado com tanto sucesso por Schumpeter. O fracasso em reexa-minar a noção de uma teoria "clássica" impediu a correta compreen-são dos argumentos (de alguns) das primeiros teóricos da democra-cia sobre o papel central que nela tem a participação; constituiu umobstáculo mesmo para os a.utores que desejavam defender uma teoriada democracia participativa. Isto significa que a ortodoxia acadê-mica predominamente sobre o assunto — a teoria da democracialcontemporânea — não foi submetida a uma crítica substancial e ri-gorosa, nem foi apresentado um caso realmente convincente favorá-vel à permanência de uma teoria participativa em face dos fatos davida política moderna, de larga escala.

A principal contribuiçãcTdesses teóricos "clássicos" — que de-signamos como teóricos da democracia participativa — à teoria de-mocrática foi atrair a nossa atenção para o inter-relacionamento entreos indivíduos e as estruturas de autoridades no interior das quais elesinteragem.^sto não significa que os autores modernos estejam com-pletamente alheios a essa dimensão; sem dúvida, não é o que acon-tece, como comprova uma boa parte da sociologia política, em espe-cial aquela que estuda a socialização política; no entanto, asimplicações das descobertas sobre socialização para a teoria da de-mobracia contemporânea não foram apreciadas. O vínculo entre taisdescobertas, em particular às que se referem ao desenvolvimento dosenso de eficácia política em adultos e crianças e à noção de um"caráter democrático", foi negligenciado. Embora muitos dos defen-

136 137

Page 70: Carole pateman   participação e teoria democrática

sores da teoria da democracia contemporânea sustentem que umcerto tipo de caráter, ou um conjunto de qualidades ou de atitudes,seja necessário para uma democracia (estável) — pelo menos entreuma parte da população —, eles são bem menos claros no que serefere ao modo como esse caráter poderia ser desenvolvido, ou sobrequal a verdadeira natureza de sua conexão cornt» funcionamento do"método democrático"! Se, por um lado, a maioria deles não apoia adeclaração de Schumpeter de que o método democrático e o caráterdemocrático não têm- relação, por outro, eles não fazem muito es-forço para examinar a natureza da relação postulada. Mesmo Al-mond e Verba, após mostrarem com clareza a, conexão existenteentre um ambiente participativo e o desenvolvimento detam senso deeficácia política, não revelam nenhuma compreensão sobre a impor-tância disso em seu capítulo final, de teorização.

Semelhante lacuna, no entanto, é apenas parte de uma caracte-rística mais geral e notável de muitos textos recentes sobre teoriademocrática. Não obstante a ênfase que a maioria dos teóricos polí-ticos modernos dá à natureza empírica e científica de sua disciplina,eles apresentam, ao menos no que concerne à teoria democrática,uma curiosa relutância em olhar para os fatos com espírito investiga-dor. Em outros termos, eles parecem relutantes em visualizar se é ounão possível oferecer uma explicação teórica sobre o motivo de osfatos políticos serem como são; em vez disso, eles assumem que umateoria que possivelmente poderia conter uma explicação já se mos-trou obsoleta, e a partir disso concentram-se em construir, de modoacrítico, uma teoria "realista" para fazer face aos fatos tais comorevelados pela sociologia política. /

O resultado desse procedimento unilateral tem sido não apenasuma teoria democrática que desconheceu suas implicações normati-vas, as quais estabelecem o sistema político anglo-americano exis-tente como o nosso ideal democrático; esse procedimento resultoutambém numa teoria "democrática" que, em muitos aspectos, exibeuma estranha semelhança com os argumentos antidemocráticos doséculo XIX. A teoria democrática não está mais centrada na partici-pação "do povo", na participação do homem comum, nem se consi-dera mais que a principal virtude de um sistema político democráticoreside no desenvolvimento das qualidades relevantes e necessárias,do ponto de vista político, no indivíduo comum; najeoriadajiemo-

138

ritária, e a não-participaçjo^dpjwnpin^comum, ._agátícq, com poucasénsojle eficãciãrpolifica é vista como a principal salvaguarda contraa jnstabilidade.0Ão que tüdólndíca, não ocorreu aos teóricos recentesimaginar por que deveria haver uma correlação positiva entre apatia,reduzido sentimento de eficácia política e baixo status sócio-econô-mico. Teria sido mais plausível argumentar que os primeiros teóricosda democracia foram fantasiosos em sua noção de "caráter democrá-tico" e em sua afirmação de que, num determinado quadro institucio-nal, seria possível que cada indivíduo se desenvolvesse nessa dire-ção, se hoje pudéssemos encontrar, em todos os setores dacomunidade, e em proporções mais ou menos iguais, pessoas quenão correspondessem a esse padrão. O fato de elas não serem encon-tradas certamente deveria fazer com que os teóricos políticos empi-ristas parassem e investigassem os motivos.

Uma vez que se questiona a existência de fatores institucionaisque poderiam fornecer uma explicação sobre os fatos relacionados coma apatia, conforme fica sugerido na teoria da democracia participativa,o argumento derivado da estabilidade parece muito menos fundamen-tado em bases confiáveis. A maioria dos teóricos recentes contentou-seem aceitar a afirmação de Sartori de que a inatividade do homemcomum não é "culpa de ninguém", e em tomar os fatos como eles seapresentam a fim de construírem a teoria. Contudo, vimos que há evi-dências apoiando os argumentos de Rousseau^Mill e Cole de que comefeito aprendemos a participar, particjpaj^^e^^yg^^ejatimento deeficáciálem~mais rtfõbjrôiEcl^pãHic^tivõTAlení disso, as evidências indicam que a experiêncluíé

dimuiulcão Ha"terideneiíí para atitudes hã(>dernocraticasf Vwje^í: " : .. .- ?cr ...~^-~-- ;---,-. « • -- , . . . , - - ;•- • - - - --; ....... '' "" '~ ----- : rcm.- ^E33«az7B53£^^f .. . ... ,. « • - , . . . , - - ; • - - - -

indivíduo. _Se aqueles que acabam de chegar à arena política tivessemsido previamente "educados" para ela, sua participação não repre-sentaria perigo algum para a estabilidade do sistema. De modo curioso,essas provas contra o argumento da estabilidade deveriam ser bem aco-lhidas por alguns autores que defendem a teoria contemporânea, pois,ocasionalmente, eles lamentam os baixos níveis de participação políticae de interesse que agora se manifestam.

O argumento da estabilidade somente pareceu tão convincenteporque as evidências relativas aos efeitos psicológicos da participa-

139

Page 71: Carole pateman   participação e teoria democrática

cão nunca foram considerados em relação aos problemas da teoriapolítica, e mais especificamente, da teoria democrática. Os doislados da atual discussão sobre o papel da participação na modernateoria da democracia apreenderam apenas metade da teoria da demo-cracia participativa: os defensores dos primeiros teóricos salientaramque seu objetivo era a produção de uma cidadania educada, ativa, eos teóricos da democracia contemporânea assinalaram a importânciada estrutura de autoridade em esferas não-governamentais para asocialização política. Nenhum dos dois lados, no entanto, se deuconta de que os dois aspectos estão conectados ou percebeu o signi-ficado da evidência empírica para seus argumentos.

Contudo, o aspecto da socialização na teoria da democracia parti-cipativa também pode ser absorvida pelo quadro geral da teoria con-temporânea, fornecendo as fundações para uma teoria de bases maissólidas de uma democracia estável do que as que foram apresentadasaté o momento. A análise da participação no contexto da indústria dei-xou claro que, para que se desenvolva ali o senso de eficácia política,talvez seja necessária apenas uma modificação relativamente pequenaem suas estruturas de autoridade. Concebe-se facilmente, dadas as re-centes teorias de gerenciamento, quemais baixos pode se ^ pjítjca ^ _bastante^dj&ndida entre as

s, nojuturo, devjdq^multiplicidade de vantagensparece trazer para ã eficiência e^carjacidade díêmgresa de se

Udãptar às mudança^e^kcmsjll^ias^Çorém, se o argumento dasoS-lizaçao é compatível com as duas teorias da democracia, ambas perma-necem em conflito em relação a seu aspecto mais importante: as respec-tivas definições de uma forma de governo democrático. Seria apenas apresença de líderes em competição a nível nacional, nos quais o eleito-rado periodicamente pode votar, ou-ela também exigiria a existência deuma sociedade participativa, uma sociedade organizada de tal modoque cada indivíduo tenha a oportunidade de participar de maneira diretaem todas as esferas políticas? Nossa intenção, é claro, não era demons-trar este ou aquele ponto de vista; o que temos considerado é se a idéiade uma sociedade participativa seria tão fantasiosa como sustentamaqueles autores que pressionam por uma revisão da teoria da democra-cia participativa.

A-Hegãe-á&-uma-soGÍedade-paiticipativa.exi.ge.que-Q-alGapGe-doteano--peHtiee— seja-ampliade^arajictoji_esferas_extgriores ao go-

140

vernojaacional. Já observamos que vários teóricos políticos de fatolutam apenas por essa ampliação. Infelizmente, essa definição maisabrangente e, o que é mais grave, suas implicações para a teoriapolítica em geral são esquecidas por esses mesmos teóricos ao volta-rem sua atenção para a teoria democrática,

ins-tantaneamente muitas das idéias confusas que existem sobre demo-cracia (e sua relação com a participação) no contexto da indústria.Tal reconhecimento permite rejeitar o uso do termo "democrático"para descrever uma abordagem amigável por parte de supervisores,ignorando a estrutura de autoridade na qual ocorre essa abordagem,e também possibilita a rejeição do argumento que insiste em que ademocracia industrial já é um fato, com base em uma comparaçãoespúria com a política nacional. Há pouca evidência empírica paraapoiar a afirmação de que a democracia industrial, a participaçãointegral nos níveis mais altos, é impossívsl. Existe, por outro lado, osuficiente para sugerir que se trata de uma questão complexa, queenvolve muitas dificuldades; muito mais do que está presente, porexemplo, nos primeiros escritos G. D. H. Cole.

Embora seja possível delinear poucas conclusões firmes a par-tir do material sobre o sistema de autogestão dos trabalhadores naIugoslávia, o fato de que ele tenha funcionado em um quadro desfa-vorável, e, em certa medida, ainda que pequena, funcionado domodo previsto pela teoria, constitui uma evidência que não pode sernegligenciada. As soluções sugeridas, no último capítulo, para al-guns dos problemas que envolvem o estabelecimento de um sistemade democracia industrial, a exemplo do dilema entre o controle dos"especialistas" e as cláusulas para o máximo de participação nocorpo administrativo, são tentativas extremadas. Até que tenhamosum exemplo de um sistema onde a "informação adicional" esteja àdisposição de um órgão administrativo eleito, não temos meios desaber se isso é ou não uma resposta aceitável (se bem que talvez ofato de que a administração também será executada por trabalhado-res experientes na gerência do estabelecimento ao nível da produçãonão deva ser subestimado quando estiverem envolvidos problemasde trabalho de especialistas).

A principal dificuldade em uma discussão das possibilidadesempíricas de se democratizar as estruturas de autoridade da indústria

141

Page 72: Carole pateman   participação e teoria democrática

é que não dispomos de informação suficiente sobre um sistema par-ticipativo que contenha oportunidades de participação nos níveismais altos e mais baixos, a fim de testar, de modo satisfatório, algunsdos argumentos da teoria da democracia participativa/A importânciado nível mais baixo no processo participativo na indústria é ilustradopor evidências obtidas tanto na Grã-Bretanha quanto na Iugoslávia.O nível mais baixo desempenha o mesmo papel em relação à em-presa que a participação na indústria, em geral desempenha em rela-ção à esfera mais ampla da política nacional. Os dados sugerem queo baixo nível de demanda por participação em níveis mais altos nolocal de trabalho poderia ser explicado, pelo menos em parte, comoum efeito do processo de socialização, o qual, seja através da noçãoadquirida pelo rapaz comum de sua futura função no trabalho, sejapelas experiências do indíviduo no interior do local de trabalho, po-deria conduzir à idéia de que a participação nos níveis mais altosfosse "inatingível" para muitos trabalhadores. Assim, a possibilidadede participação nos níveis mais baixos é crucial para que se respondaà questão do número de trabalhadores que, a longo prazo, poderiamvir a aproveitar as oportunidades oferecidas por um sistema demo-cratizado. Na ausência dessa base vital de treinamento, mesmo se aparticipação em níveis mais altos fosse introduzida em larga escala,seria pouco provável que ela, por si só, fosse capaz de provocar umaresposta significativa entre os trabalhadores do escalão mais baixo(ou que tivesse, por isso, um grande efeito sobre o desenvolvimentodo senso de eficácia política). Desse modo, a questão sobre a grandemaioria dos trabalhadores participar ativamente em um sistema in-dustrial democratizado, como a teoria da democracia participativasustenta que eles fariam, precisa permanecer, por enquanto, em largamedida como uma questão de conjectura, embora a demanda por parti-cipação nos níveis mais baixos sugira que, enfim, havendo oportunida-des para isso, mais trabalhadores poderiam vir a fazê-lo, ultrapassandoo que esperam os mais céticos em relação à democracia industrial/

Hoje, o problema da eficiência econômica está fadado a ocupar'um grande espaço nas discussões que envolvem a democratizaçãodas estruturas de autoridade da indústria; em particular, até queponto a igualdade econômica que implica um sistema de democraciaindustrial seria compatível com a eficiência. A igualdade econômica;om freqüência é descartada como sendo de pouca relevância para a

democracia; porém, uma vez que a indústria seja reconhecida comoum sistema político propriamente dito!, é claro que se torna necessá-ria uma medida substancial desigualdade econômica em seu interior.Se as desigualdades no poder de decisão forem abolidas, haverá oenfraquecimento correspondente da justificativa para outras formas;de desigualdade econômica. O exemplo da Scott Bader Common-wealth mostra que uma ampla medida de segurança no emprego parao trabalhador comum não é incompatível com eficiência, e as consi-deráveis desigualdades que existem em termos da segurança na ma-nutenção do emprego (e nos vários benefícios adicionais associadosa essa segurança), ao que tudo indica, seriam os aspectos mais evi-dentes da desigualdade econômica nos dias atuais. (Por certo que,sem uma tal segurança, a independência individual que Rousseautanto valorizava torna-se impossível.) A Scott Bader também operadentro de uma faixa salarial estreita, mas é difícil dizer até que pontoa isonomia de rendimentos — aquilo que a maioria das pessoaspensa em primeiro lugar quando se menciona a igualdade econômica— seria, em última instância, compatível com a eficiência econô-mica. A questão dos "incentivos", por exemplo, é bastante polêmica.É também difícil estimar qual o grau de igualdade econômica neces-sário para a participação efetiva. Não seria de grande utilidade, tam-pouco, especular sobre como os corpos administrativos eleitos pode-riam avariar os fatores envolvidos na distribuição de renda dentro daempresa. A experiência iugoslava, no entanto, com o passar dotempo, pode ser de algum auxílio nesse aspecto. De maneira geral, osdados não mostram nenhum empecilho sério e evidente à eficiênciaeconômica, o qual pudesse questionar toda a idéia de democraciaindustrial.1 Na verdade, boa parte do material empírico obtido sobrea participação nos níveis mais baixos apoia a visão de Cole, segundoa qual um sistema participativo liberaria reservas de energia e deiniciativa do trabalhador comum, e desse modo aumentaria a eficiên-cia. Porém, mesmo se alguma ineficiência resultasse da introdução

1. Pouco se disse a respeito da propriedade da industria em um sistema participativo, umavez que isso nos afastaria muito de nosso tema principal. Como mostraram os exemplos daparticipação parcial nos níveis mais altos na Grã-Bretanha, existe uma gama bem mais amplade alternativas do que a sugerida pela dicotomia geralmente colocada entre o "capitalismo" ea "nacionalização total". Uma discussão interessante recente sobre propriedade pode serencontrada em Derrick e Phipps (1969, pp. 1-35).

142 143

Page 73: Carole pateman   participação e teoria democrática

do processo de decisão democrático na indústria, o fato de isso for-necer ou não um argumento conclusivo para seu abandono iria de-pender do peso atribuído a outros resultados que poderiam advir, amelhoria dos resultados humanos que os teóricos da democracia par-ticipativa consideravam de importância fundamental. /

Havíamos considerado a possibilidade de se constituir uma so-ciedade participativa em relação a apenas uma área, a da indústria.No entanto, uma vez que a indústria ocupa um lugar de importânciavital na teoria da democracia participativa, isso é suficiente paraestabelecer "ã validade ou pelo menos a noção de uma sociedadeparticipativa. A análise do conceito de participação apresentado aquipode se aplicar a outras esferas, embora as questões empíricas susci-tadas pela extensão da participação a outras áreas além da indústrianão possam ser consideradas. Não obstante, pode ser de alguma uti-lidade indicar brevemente algumas das possibilidades nesse sentido.

Para começar, por assim dizer, do começo, vejamos a família.Teorias modernas de educação infantil — em especial as do Dr.Spock — ajudaram a influenciar a vida familiar, principalmenteentre as famílias de classe média, em uma direção mais democráticado que antes. Contudo, se a tendência geral é no sentido da participa-ção, os efeitos educativos que daí derivam podem ser anulados se asexperiências individuais posteriores não caminhem na mesma dire-ção. As reivindicações mais urgentes por uma maior participação nosúltimos anos têm se originado dos estudantes, e, com toda certeza,tais demandas são bastante relevantes para o nosso argumento geral.No que concerne à introdução de um sistema participativo em insti-tuições de educação superior é suficiente notar aqui que, se os argu-mentos para conceder ao jovem trabalhador a oportunidade de parti-cipar no local de trabalho são convincentes, então há um bom motivopara concederão seu equivalente, o estudante, oportunidades simila-res; ambos são os cidadãos amadurecidos do futuro. Uma classe depessoas para as quais as oportunidades de participação na indústriaseriam de pouca ajuda é a da dona-de-casa em tempo integral. Elapoderia ter oportunidades de participar ao nível do governo local, emespecial se essas oportunidades incluíssem a questão da moradia,em particular a habitação popular. Os problemas da administração deamplas áreas habitacionais parecem ser os de fornecer aos residentesuma grande margem de participação na tomada de decisões, e os

144

efeitos psicológicos de semelhante participação poderiam se revelarde extremo valor nesse contexto. É de pouco auxílio elaborar umcatálogo das possíveis áreas de participação, mas esses exemplosfornecem uma indicação de como se pode promover um avanço nadireção de uma sociedade participativa. /

Um defensor da teoria da democracia contemporânea poderiaobjetar, a essa altura, que, embora a idéia de uma sociedade partici-pativa possa não ser completamente fantasiosa, isto não afeta suadefinição de democracia. Ainda que as estruturas de autoridade naindústria, e talvez em outras áreas, estivessem democratizadas, istoteria pouco efeito sobre o papel do indivíduo; tal democratização!continuaria confinada, poderia argüir o nosso objetor, a uma escolhaentre líderes ou representantes em competição. O paradigma da par-ticipação direta não teria aplicação nem mesmo em uma sociedadeparticipativa. Levantou-se uma questão similar na discussão do sis-tema de autogestão dos trabalhadores na Iugoslávia, e ficou claroque, no contexto industrial, semelhante objeção não tem lugar. Ondeum sistema industrial participativo permitisse a participação, tantonos níveis mais alto quanto nos mais baixos, haveria um espaço paraque o indivíduo participasse diretamente de uma ampla variedade dedecisões, fazendo parte, ao mesmo tempo, de um sistema repre-sentativo; uma coisa não exclui a outra.

Se isso ocorre onde existem áreas de participação alternativas,em certo sentido óbvio a objeção é válida: no nível do sistema polí-tico nacional. Em um eleitorado de, digamos, 35 milhões, o papel doindivíduo só pode restringir-se, quase que inteiramente, à escolha derepresentantes; mesmo podendo depositar seu voto em um refe-rendo, sua influência sobre o resultado seria infinitamente pequena.A menos que a dimensão das unidades políticas nacionais fosse dras-ticamente reduzida, essa parcela da realidade não está aberta a mu-danças. Em um outro sentido, no entanto, essa objeção perde a suarazão de ser, pois deixa de levar em conta a importância da teoria dademocracia participativa para as sociedades industriais de massamodernas. Em primeiro lugar, somente se o indivíduo tiver a oportu-nidade de participar de modo direto no processo de decisão e naescolha de representantes nas áreas alternativas é que, nas modernascircunstâncias, ele pode esperar ter qualquer controle real sobre ocurso de sua vida ou sobre o desenvolvimento do ambiente em q

145

Page 74: Carole pateman   participação e teoria democrática

ele vive. É claro que as decisões tomadas, por exemplo, no local detrabalho, na Câmara dos Deputados ou no ministério não são exata-mente as mesmas, mas pode-se concordar com Schumpeter e seusseguidores pelo menos a este respeito: é de se duvidar que o cidadãocomum chegue algum dia a se interessar por todas as decisões quesão tomadas a nível nacional da mesma forma que se interessaria poraquelas que estão mais próximas dele.

O segundo ponto importante é que a oportunidade de participarnas áreas altenativas significaria que uma parcela da realidade teriamudado, a saber, o contexto dentro do qual ocorria toda a atividadepolítica. O argumento da teoria da democracia participativa é que aparticipação nas áreas alternativas capacitaria o indivíduo a avaliarmelhor a conexão entre as esferas públicas e privada. O homemcomum poderia ainda se interessar por coisas que estejam próximasde onde mora, mas a existência de uma sociedade participativa signiT

fica que ele estaria mais capacitado para intervir no desempenho dosrepresentantes em nível nacional, estaria em melhores condiçõespara tomar decisões de alcance nacional quando surge a oportuni-dade para tal, e estaria mais apto para avaliar o impacto das decisõestomadas pelos representantes nacionais sobre sua própria vida esobre o meio que o cerca. No contexto de uma sociedade participa-tiva o significado do voto para o indivíduo se modificaria: além deser um indivíduo determinado, ele disporia de múltiplas oportunida-des para se educar como cidadão público.

É este ideal, um ideal com uma longa história no pensamentopolítico, que se perdeu de vista na teoria da democracia contemporâ-nea. Talvez não seja surpreendente o fato de que, quando um idealdemocrático tão abrangente como esse é considerado por alguns au-tores recentes, ele seja visto como "perigoso", e tais autores reco-mendam que elaboremos nossos padrões com aquilo que pode seralcançado na vida política democrática, apenas um pouco acima doque já existe. A afirmação de que o sistema político anglo-americanotenta resolver problemas difícies com discriminação parece bemmenos plausível desde, por exemplo, os acontecimentos hás cidadesnorte-americanas, no final da década de 60, ou desde a descoberta,na Grã-Bretanha, do que, no meio da fartura existem muitos cida-dãos não apenas pobres, mas sem moradia, mais do que havia nofinal da década de 50 e no início da de 60. Mas uma tal asserção só

poderia ter parecido uma descrição "realista" na época poraunão se questionavam certos aspectos do sistema ou HP^,-™;

j j j i j L <• • ueierminadosaspectos dos dados coletados, embora se enfatizasse muito a baempírica da nova teoria. Em suma, a teoria da democracia contempo-rânea representa um considerável fracasso da imaginação política esociológica por parte dos atuais teóricos da democracia. /

Quando o problema da participação e seu papel na teoria demo-crática é colocado num contexto mais amplo do que o fornecido pelateoria da democracia contemporânea, e quando se relaciona o mate-rial empírico relevante com os problemas teóricos, torna-se claro quenem as reivindicações por mais participação nem a própria teoria dademocracia participativa baseiam-se, como se diz com tanta freqüên-cia, em ilusões perigosas ou sobre fundamentos teóricos ultrapassa-dos e fantasiosos. Ainda podemos dispor de uma teoria da democra-cia moderna, viável, que conserve como ponto central a noção departicipação.

146 147

Page 75: Carole pateman   participação e teoria democrática

BIBLIOGRAFIA

Junto com as obras citadas no texto, a bibliografia contémmais algumas fontes às quais foram feitas referências.

ALFORD, R. F., Party and Society, Londres, John Muiray, 1964.ALMOND, G. A., e Verba, S., The Civic Culture, Boston, Little Brown & Co.,

1965.ANDERSON, N., Work and Leisure, Londres, Rouüedge & Kegan Paul, 1961.ARGYRIS, C., Personality and Organization, Nova York, Harper Bros., 1957.ARGYRIS, C., Iníegrating the Individual and the Organization, Nova Yoik, Wiley, 1964.AUTY, P., Yugoslavia, Londres, Thames & Hudson, 1965.BACHRACH, P., The Theory of Democratic Elitism: A Critique, Boston, Little,

Brown&Co., 1967.BANKS, J. A., Industrial Participation, Liverpool, Leverpool University Press,

1963.BARRATT Brown, M., "Yugoslavia Revisited", New Left Review, n.° l, 1960, pp.

39-43.BARRATT Brown, M., '"Workers'Control in a Planned Economy", New Left Re-

-vrew, n.° 2,1960a, pp. 28-31.BARRY, B. M., "The Public Interest", Proceedings ofthe Aristotelian Society, supl.

vol. 38, 1964, pp. 1-18.BAY, C., "Politics and Pseudo-politics", American Political Science Review, vol.

LIX,n.°2, 1965, pp. 39-51.BELL, D., "Work and its Discontents", in The End ofldeology, Nova York, Free

Press, 1960.BENDIX, R., Work and Autority in Industry, Nova York, Wiley, 1956.BENDIX, R., e Fischer, L. H., "The Perspectives of Elton Mayo", in Etzioni, A-

(org.), Complex Organizations, Nova York, Holt, Rinehart, 1962.BENTHAM, J., Works Edimburgo; Bowring, J. (org.), Tait, 1843.BERELSON, B. R., "Democratic Theory and Public Opinion", Public Opinion

Quarterly, vol. 16, n.° 3,1952, pp. 313-30.BERELSON, B". R., Lazarsfeld, P. F., e MacPhee, W. N., Voting, Chicago, Univer-

sity of Chicago Press, 1954.

149

Page 76: Carole pateman   participação e teoria democrática

BERLIN, L, Two Concepts of Liberty, Oxford University Press, 1958.BILANDZIC, D., "'Workers' Management of Factories", Socialist Thought and

Practice, n.° 28, 1967, pp. 30-47.BLAU, P. M., e Scott, W. R., Formal Organizaíions, Londres, Routledge & Kegan

Paul, 1963.BLAUNER, R-, "Work Satisfaction and Industrial Trends in Modern Society", in

Galenson, W., e Lipset, S. M. (orgs.), Labour and Trade Unionism, NovaYork, Wiley, 1960.

BLAUNER, R-, Freedom and Alienation, University of Chicago Press, 1964.BLUM, F. H., Work and Community, Londres, Routledge & Kegan Paul, 1968.BLUMBERG, P, Industrial Democracy: The Socioiogy of Participation, Londres,

Constable, 1968.BOSTON, R., "What Leisure?", New Society, 28.12.1968.BROWN, W., Exploration in Management, Londres, Heinemann, 1960.BURNS, J. H., "J. S. Mill and Democracy", Politicai Studies, vol. V, n.' l, pp.

158-75, e n.° 2, pp. 281-94,1957.CAMPBELL, A., Gurin, G., e Miller, W., The Voter Decides, Illinois, Row, Peter-

son, 1954.CAREY, A., "The Hawtorne Studies: A Radical Critique", American Sociological

Review, vol. 32, n." 3, 1967, pp. 403-16.CARPENTER, L. P, G. D. H. Cole: An Intelectual Biography, Harvaid, tese de Ph.

D., inédita, 1966.CHAMBERLADM, N. W., Labour, Nova York, McGraw Hill, 1958.CHAMBERLAIN, N. W., "The Union Challenge to Management Contrai", Indus-

trial and Labour Relations Review, vol. 16, n." 2,1963, pp. 184-91.CHANDLER, M. K., Management Rights and Union Interests, Nova York,

McGraw Hill, 1964.CHINOY, E-, Automobile Workers and the American Dream, Nova York, Double-

day, 1955.CLEGG, H. A., A New Approach to Industrial Democracy, Oxford, Blackwell,

1960.COATES, K. (org.), Can the Workers Run Industry, Londres, Sphere Books, 1968.COATES, K. (org.), e Topham, A., Industrial Democracy in Great Brííaín, Londres,

MacGibbonn & Kee Ltd., 1968.COBBAN, A., Rousseau and the Modem State, Londres, Geo. Allen & Unwin, 1964.COCH, L., e French, J. R. P, "Overcoming Resistance to Change", Human Rela-

tions, vol. I, n.° 4,1948, pp. 512-32.COLE, G. D, H., The World of Labour, Londres, G. Bell & Sons, 1913COLE, G. D. H., "Conflicting Social Obligatkms", Proceedings ofthe Arisíotelian

Society, vol. XV, 1915, pp. 140-59.COLE, G. D. H., Labour in the Commonwealíh, Londres, Headley Bros., 1918.COLE, G. D. H., Self-Governmení in Industry, Londres, G. Bell & Sons, 1919.COLE, G, D. H., Sócia! Theory, Londres, Methuen, 1920.COLE, G. D. H., Guüd Socialism Restated, Londres, Leonard Parsons, 1920a.COLE, G. D. H., Chãos and Order in Industry, Londres, Methuen, 1920b.Commune in Yugoslavia, The", International Social Science Journal, edição espe-

cial, vol. XIII, n.° 3, 1961.

150

COTGROVE, S., The Science of Society, Londres, Allen & Unwin 1967DAHL, R. A., Preface to Democratic Theory, University of Chicago Press 1956DÁHL, R. A. "Hierarchy, Democracy and Bargaining in Politics and Econo ' "

m, Eulau, H., Eldersveld, S., e Janowitz M. (orgs.), Política! Beha^ourGlencoe, Free Press, 1956a.

DAHL, R. A. Modern Politicai Analysis, Nova Jersey, Prentice Hall, 1963.DAHL, R. A. "FurtherReflections on the 'Elitist Theory of Democracy'", American

Politicai Science Review, vol. LX, n." 2,1966, pp. 296-306.DAVIS, L., "The Cost of Realism: Contemporary Restatement of Democracy",

Western Politicai Quarterly, vol. XVII, 1964, pp. 37-46.DAY, R. C., e Hamblín, R. L., "Some Effects of Close and Punitive Styles of Super-

vision", American Journal of Socioiogy, vol. LXIX, n.° 5, 1964, pp. 499-510.DELEON, A., "'Workers' Management", Annals ofCoIlective Economy, vol. XXX,

1959,pp. 143-67.DERRICK, P, e Phipps, J. R, Co-ownership, Co-operation and Conírol, Londres,

Longmans, 1969."Draft Theses on the Future Development and Reorganisation of the League of

Communists of Yugoslavia", Socialist Thought and Practice, n.° 26, 1967.DUNCAN, G., e Lukes, S., "The New Democracy", Politicai Studies, vol. XI, n." 2,

1963, pp. 156-7.DURKHEIM, E., Montesquieu andRousseau, University of Michigan Press, 1960.EASTON., D., e Dennis, J., "The Child's Acquisition of Regime Norms; Politicai

Eficacy", American Politicai Science Review, vol. L3Q, n.° l, 1967, pp. 25-38.

EASTON., D-., e Dennis, J., Children in the Politicai System: Origins of PoliticaiLegitimacy, Nova York, McGraw Hill, 1969.

ECKSTEIN, H., "ATheory of Stable Democracy", Ap. B de Division andCohesionin Democracy, Princeton University Press, 1966.

EXLEY, R., "Patemalist, Genius, Visionary, Dictator, Industrial Guru?", Help, n." l,1968, pp. 25-9.

FARGANIS, J., e Rousseas, S. W., "American Politics and the End of Ideology",British Journal of Socioiogy, vol. 14, 1963, pp. 347-62.

FLANDERS, A., Pomeranz, R., e Woodward, J., Experiment in Industrial Demo-cracy, Londres, Faber & Faber, 1968.

FRENCH, J. R. P, Israel, J., e Aas, D., "An Experiment in Participation in a Norwe-gian Factory", Human Relations, vol. 13, n.° l, 1960 pp. 3-19.

FRIEDMANN, G., The Anatomy ofWork, Londres, Heinemann, 1961.GLASS, S. T, The Responsible Society, Londres, Longmans, 1966.GOLDSCHEVÍIDT, M. L., "Democratic Theory and Contemporary Political

Science", Western Political Quarterly, vol. XIX, n.° 3, 1966, pp. 5-12.GOLDTHORPE, J. H., Lockwood, D., Bechhofer, F, e Platt, J., The Affluent Wor-

ker: Industrial Altitudes and Behaviour,Cambrídgt University Press, 1968.GREENSTEIN, F. L, Children and Politics, Yale University Press, 1965.GUEST, R. H., "A Controlled Experiment in Job Enlargement", in Walker, C. R.

(org.), Modern Technology and Civilization, Nova York, McGraw Hill, 1962.HADLEY, R-, Common Ownership in Acíion and Common Ownership and Mana-

gement, Scott Bader & Co. Ltd., 1965.

151

Page 77: Carole pateman   participação e teoria democrática

HALLIDAY, R. J., "Some Recent Interpretations of J. S. Mill", Philosophy, vol.XLIJL n.° 163,1968, pp. 1-17.

HAMBURGER, f . , "James Mill on Universal Suffrage and the Middle Class",Journal of Politics, vol. 24, n.° l, 1962, pp. 167-90.

HAMBURGER, J., Iniellectuals in Politics, Yale University Press, 1965.HAMMOND, T., "Yugoslav Elections: Democracy in Small Doses", Political

Science Quarterly, vol. LXX, n.° l, 1955, pp 57-74.HARRISON, R., "The Congress of Workers' Councils, Yugoslavia", New Reaso-

ner, vol. J, n.3 2, 1957, pp. 99-102.HERBST, P. G., Auíonomous Group Fimctioning, Londres, Tavistock, 1962.HERZBERG, R, Work and the Nature ofMan, Londres, Staple Press, 1968.HERZBERG, E, Manser, B., e Snyderman, B., The Motivation to Work, Nova York,

Wiley, 1959.HOLTER, H., "Attitudes towards Employee Participatíon in Company Decision

Making Processes", Human Relations, vol. 18, n.° 4, 1965, pp. 297-319.HORVAT, B., e Rascovic, V., "Workers' self-government in Yugoslavia", Journal of

Political Economy, vol. LXVTI, n.° 2, 1959, pp. 194-8.HYMAN, H. H., "The Value Systems of Different Classes", in Bendix, R., e Lipset,

S. M. (orgs.), Class, Síatus and Power, 1a ed., Routledge & Kegan Paul,1954.

HYMAN, H. H., Political Socializalion, Glencoe, Free Press, 1959.JAQUES, E., The Changing Çulture ofa Factory, Londres, Tavistock, 1951.JAQUES, E., Employee Participatíon and Managerial Authority, Londres, 1968.JAROS, D,, Hirsch, H., e Fleron, F. J., "The Malevolent Leader: Political Socialisa-

tion in an American Sub-Culture", American Political Science Review, vol.LXII, n.' 2, 1968, pp. 564-75.

JARVIE, M., An Experiment in Industrial Democracy: The Rowen Engineering Co.Ltd., Edinburgh University, inédito, 1968.

JOVANOVIC, Z., "Trades Unions and Workers' Management", Socialist ThoughtandPractice, n." 22, 1966, pp. 66-85.

KARIEL, H. S., "Democracy Unlimited: Kurt Lewin's Field Theory", AmericanJournal ofSociology, vol. LXJJ, n." 3,1956, pp. 280-9.

KELLY, J., ís Scientific Management Possible?, Londres, Faber & Faber, 1968.KLEIN, J., Samples from English Cufture,2vo\s. Routledge & Kegan Paul, 1965.KMETIC, M., Self-management in the Enterprise, Belgrado, 1967.KNUPFER, G., "Portarit of me Underdog", in Bendix, R., e Lipset, S. M. (orgs.),

Class, Status and Power, Londres, Routledge & Kegan Paul, 1954.KOLAJA, J., Workers' Councils: The Yugoslav Experience, Londres, Tavistock,

1965.LAMMERS, C. J., "Power and Participation in Decision-making in Forma Organi-

zations", American Journal ofSociology, vol. 73, n." 2,1967, pp. 201-16.LANE, R. E., Political Life, Nova York, Free Press, 1959.LASWELL, H. D., e Kaplan, A., Power and Society, Yale University Press, 1950.LIKERT, R., New Patterns of Management, Nova York, McGraw Hill, 1961.LIPSET, S. M., Political Man, Londres, Heineniann, 1960.LIPSITZ, D., "Work Life and Political Attitudes", American Political Science Re-

view, vol. LVI1I, n.° 4, 1964, pp. 951-62.

152

LOUCKS, W. N., "Workers'Self-government in Yugoslav Industrv" w/.rUtics, vol. XI, n." l, 1958, pp. 68-82. y ' ld

LUPTON, T., On the Shop Floor, Oxford, Pergamon, 1963.LUPTON, T., Management and the Social Sciences, Londres, Hutchinson IQfifiMcFARLANE, B., "Yugoslavia's Crossroads", in Merlin Press, Londres/Soda/zs/

Register, 1966.McGREGOR, D., The Human Side of Enterprise, Nova York, McGraw Hill, 1960MAYO, H. B-, Iníroditction to Democratic Theory, Oxford University Press, 1960MELMAN, S., Decision Making and Productivity, Oxford, Blackwell, 1958.MERTON, R., "Bureaucratic Structure and Personality", m Social Theory and So-

cial Structwe, Glencoe, Free Press, 1962.MILBRATH, L. W., Political Participation, Chicago, Rand McNally, 1965.MILL, J., An Essay on Government, Cambridge University Press, 1937.MILIVOJEVIC, D., The Yugoslav Commune, Belgrado, 1965.MTLIVOJEVIC, D., Representaíive Government, Everyman, 1910.MILIVOJEVIC, D., Autobiography, World's Classics, 1924.MILIVOJEVIC, D., Essays on Politics and Çulture, Nova York, Himmelfarb G.

(org.), 1963.MILIVOJEVIC, D., Coüected Works, Robson, J. M. (org.), University of Toronto

Press, 1965.MILLS, C. W., "The Unity of Work and Leisure", in Horowitz, L L. (org.), Power,

Politics and People, Oxford University Press, 1963.MORRIS Jones, W. H., "In Defence of Apathy", Political Síudies, vol. U, 1954, pp.

25-37.MORSE, N. C., e Weiss, R. S., "The Function and Meaning of Work and the Job",

American Sociofogical Review, voi. 20, n.° 21, 1955, pp. 191-8.MUSSEN, P. H., e Wyszynski, A. B., "Personality and Political Participation",

Human Relations, vol. V, n." l, 1952,pp. 65-82.NEAL, F. W., Titoism in Action, University of Califórnia Press, 1958.NEAL, F. W., e Fisk, W. M., "Yugoslavia — Towards a Market Socialism", Pro-

blems ofCommunism, vol. XV, n.° 6, 1966, pp. 28-37.OTJONNELL, C., "The Source of Managerial Authoriry", Political Science Quar-

terly, vol. 67, 1952, pp. 573-88.OIT (Organização Internacional do Trabalho), Workers' Management in Yugoslavia,

Genebra, 1962.

ORREN, K., e Peterson, P., "Presidential Assassination: A Case Study in the Dyna-mics of Political Socíalisation", Journal of Politics, vol. 29, n." 2. 1967, pp.388^04.

OSTERGAARD, G., "Approaches to Industrial Democracy", Anarchy, n." 2,1961,pp. 36-46.

PARTRIDGE, P. H., "Some Notes on the Concept of Power", Political Studies, vol.XI, 1963, pp, 107-25.

PLAMENATZ, J., "Electoral Studies and Democratic Theory", Political Studies,vol. VI, 1958, pp. 1-9.

PLAMENATZ, J., Man and Society, Londres, Longmans, 1963.

153

Page 78: Carole pateman   participação e teoria democrática

POSPIELOVSKY, D., "Dogmas under Attack: A Traveller's Report", Problems ofCommunism, vol. XVII, n.' 2, 1968, pp. 41-7.

PRIBICEVIC, B., The Shop Stewards Movement and Workers' Control, Oxford,Blackwell, 1959.

PYM, D., "Individual Growth and Strategies of Trust", in Pym, D. (org.), IndustrialSociety, Penguin Books, 1968.

RHENMAN, E., Industrial Democracy and Industrial Management, Londres, Ta-vistock, 1968.

RICE, A. K., Pwducüvity and Social Organisation: The Ahmedabad Experiment,Londres, Tavistock, 1958.

RIDDELL, D., "Social Self-Government: The Background of Theory and Practice inYugoslav Socialism", British Journal ofSociology, vol. XTX n.° l, 1968, pp 47-75.

RIESMAN, D., The Lonely Crowd, Yale University Press, 1950.RIESMAN, D., "Leisure, and Work in Post-Industrial Society", in Abundancefor

What?, Londres, Chatto & Windus, 1964.ROBSON, J. MM The Improvement ofMankind, University of Toronto Press, 1968.ROKKAN, S., e Campbell, A., "Norway and the United States of America", in

"Citizen Participation in Political Life", edição especial, International SocialScience Journal, vol. XII, n.° l, 1960.

ROSENBURG, M., "Determinants of Political Apathy", Public Opinion Quarterly,vol. XVHI, n.° 4, pp. 349-66.

ROSENBURG, M., "Self-esteem and Concern with Public Affairs", Public OpinionQuarterly, vol. XXVI, n.° 2, 1962, pp. 201-11.

ROUSSEAU, J.-J., Émile, Everyman, 1911.ROUSSEAU, J.-J., Adiscourse on Political Economy, Everyman, 1913.ROUSSEAU, J.-J., Rousseau: Political Writings, trad. Watkins, R, Londres, Nel-

son, 1953.ROUSSEAU, J.-J., The Political Writings, Vaughan, C. E. (org.), Oxford, Black-

well, 1965.ROUSSEAU, J.-J., The Social Contract, trad. Cranston, M., Penguin Books, 1968.RGWENFactoúes,DonorsNewBulletin,n: 5,1967.RUBINSTEIN, A. Z., "Reforms, Non-alignment and Pluralism", Problems of Com-

munism, vol, XVn, n.° 2, 1968, pp. 31-41.RUSSELL, B., Power, Londres, Allen & Unwinf 1938.SARTORI, G.,Democratic Theory, Detroit, Wayne State University Press, 1962.SAWTELL, R., Sharing our Industrial Future? (The Industrial Society), Londres,

1968.SCHUMPETER, J. A., CapitaUsm, Socialism and Democracy, Londres, Allen &

Unwin, 1943.SCOTT Bader, Scott Bader & Co., Ltd., 1961.SCOTT Bader Commonweath, Scott Bader & Co. Ltd., s. d.SEL1GER, M., The Liberal Poliíics ofJohn Locke, Londres, Allen & Unwin, 1968.SHKLAR, J., "Rousseau's Images of Authority", American Political Science Re-

view, vol. LVin, n." 4,1964, pp. 919-32.SÍNGLETON, R, e Topham, T, Workers' Control in Iugoslávia, Londres, Fabian

Research Series, 233, Fabian Society, 1963.

154

SÍNGLETON, R, e Topham, T., "Yugoslav Workers' Control: The Latest Pll „NewUftReview,*.* 18, 1963a,pp. 73-84. hase '

SMITH, A.,Anlnquiry into the N ature and Causes of the Wealth ofNations j& H

Oxford, Clarendon Press, 1880. ' ''STEPHEN, F. H., Management Structure and Industrial and Industrial ReÍQ

a Yugoslav Shipyard, Glascow University, inédito, 1967.STEPHENS, L., "A Case for Job Enlargement", New Society, 11.10.1962.STURMTHAL, A., Workers' Councils, Harvard University Press, 1964.SUGARMAN, B., "The Phoenix Unit Alliance AgainstIUness", New Society, 6.6.1968.TALMON, J. L., The Origins ofToíalitarian Democracy, Londres, Secker & War-

burg, 1952.TANNENBAUM, A. S., "Personality Change as a Result of an Experimental

Change of Environmental Conditions", Journal of Abnormal and SocialPsychology, vol. 55, 1957, pp. 404-6. |

TAYLOR, C., "Neutrality in Political Science", in Laslett, R, e Runciman, W. G.(orgs.), Philosophy, Poliíics and Society, 3 séries, Oxford, Blackwell, 1967.

TOCHTTCH, D., "Some Aspects of Workers1 Management", Keview, n.' 4, 1964,pp. 235-52,

TRIST, E. L., e Bamforth, K. W., "Some Social and Psychological Consequences ofthe Longwall Method of Coal-getting", Human Relations, vol. IV, n.° l,1951 ,pp. 3-38.

TRIST, E. L., e Bamforth, K. W., e Emery, F. E., "Socio-technical Systems", inWalker, C. R. (org.), Modem Technology and Civilisation, Nova York,McGraw Hill, 1962.

TRIST, E. L., e Bamforth, K. W., Higgin, G. W., Murray, H. e Pollock, A. B.,Organisational Choice, Londres, Tavistock, 1963.

TURNER, H. A., The Trend ofStrikes, Leeds University Press, 1963.VERBA, S., Small Groups and Political Behaviour, Princeton University Press, 1961.WALKER, C. R. (org.), Modem Technology and Civilisation, Nova York, McGraw

Hill, 1962.WALKER, C. R. (org.), e Guest, R. H., The Man on the Assembly Une, Harvard

University Press, 1952.WALKER* J. L., "A Critique of the Elitist Theory of Democracy", American Politi-

cal Science Review, vol. LX, n.° 2,1966, pp. 285-95.WARD, B., "Workers' Management in Yugoslavia", Journal of Political Economy,

vol. LXV, n." 5, 1957, pp. 373-86.WARD, B., "The Nationalised Firm in Yugoslavia", American Economic Review,

vol.LV,n.°2, 1965, pp. 65-74.WEBB, J.t "The Sociology of a School", British Journal ofSociology, vol. XUI,

1962, pp. 264-72.WHITE, R., e Lippitt, R., "Leader Behaviour and Member Behaviour in Three

Social Climates", in Cartwright, D., e Zander, A. (orgs.), Group Dynamics, 2-ed., Londres,,Tavistock, 1960.

WOLIN, S., Politícs and Vision, Londres, Allen & Unwin, 1961.WOODWARD, J., Management and Technology, HMSO, 1958WOODWARD, J. L., e Roper, E., "Political Activity of American Citizens", Ameri-

can. Political Science Review, vol. XLIV, n." 4, 1950, pp. 872-85.

155

Page 79: Carole pateman   participação e teoria democrática

WRIGHT, R,, "The Gang System in Coventry", Anarchy, n,° 2, 1961, pp. 47-52.YOUNG, S., "The Question of Managerial Prerogatives", Industria! and Labour

Relations Review, vol. 16, n.° 2, s. d. pp. 240-53.ZWEIG, R, The Worker in an Affluent Society, Londres, Heinemann, 1961.

156

ÍNDICE REMISSIVO

Aas D., 95,97Alford R. F., 70 n.5Almond G. A., 26 n.14,67-71,138Argyris,C.I74-5,76n.llAutoritarismo: sua necessidade paraEckstein, 24, 102-3, 113; personali-dade autoritária, 11, 20, 88, 140; estru-turas autoritárias: e atitudes indivi-duais, 36, 37-9,44-7, 60-1, 67-91,100-2,137,139-40; democratizaçãonas indústrias, 116-36, 141-2; Ecksteina procura de congruência, 23-4Auty,R, 120 n.7, 123 n.17,131 n.34

»Bachrach, P., 21 n.l, 26 n.14,27,28n.l5el6,34n.21,113n.31Bader,E., 108-9, 111-2Barry,B.M., 38 n,5Bay, C, 26 n.14Bell, D-, 77, 96 n. lBentham, J., 29,46, 53; criticado porJ. S. Mill, 42-4; sobre a função da parti-cipação, 31-22; sobre o papel do eleito-rado, 30-1Berelson, B. R-, 14, 17, 27; sobre as de-ficiências das "teorias clássicas", 15-6Berlin,I.,41n.9Bilandzic, D., 131 n.33Blauner, R., 73,77, 78, 80, 82, 86Blum, R H., 108 n.22,109 n.23, 24 e25, 110 n.26 e 27,111 n.28,117 n.4Blumberg, P., 78 n.13, 81-2, 87, 88,

90, 91, 99 n.5,101,120 n.9,121n. 12,122 n.15,125 n.23 e 24TÍ27 n.25, 131n.34, 132n.35,134n.41Boston, R., 78 n. 13Browu,W., 103 n.7Burke,E., 32 n.23Burns,J.H.,43n.lO

Campbell, A., 66Carey, A., 89 n.26Carpenter, L. P., 58 n.27Chamberlain, N. W., 103 n.8Chandler, M. K., 103 n.8Chinoy,E.,76n.llCLegg, H, A., 99Coates, K., 98 n.3Coch,L., 82n.l9Cole G, H. D., 34,42,66, 83,112-3,119,140,141,143-4; seu plano para osocialismo de guilda, 57-9; seu princí-pio de função, 54; sua teoria de asso-ciação, 53-4; sobre a eficiência econô-mica, 57-8,143; sobre a igualdadeeconômica, 56-8; sobre o efeito educa-tivo da participação, 55; sobre o con-trole invasivo, 83; sobre outras fun-ções participativas, 56 n.25; sobre aigualdade política, 56-7; sobre a repre-sentação, 54,58Competência política, ver eficácia polí-ticaComuna na Iugoslávia, 121 n.13, 123

157

Page 80: Carole pateman   participação e teoria democrática

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

cLerando-Be o problema da eficiência

econômica. Entretanto, o livro apre-

senta conclusões de uma pesquisa no-

rueguesa, segundo a'qual na uma de-

manda por participação nos níveis

mais baixos da administração, que não

existe em relação aos níveis mais altos;

Sobre o papel dos sindicatos em,

geral e um exemplo de auto-gestão de

trabalnadores na Iugoslávia, a autora

dedica todo um capítulo. Embora não

seja exatamente um caso bem-suce-

dido de democratização das estruturas

de autoridade, e aquele país apresente

peculiaridades que o distinguem, a Iu-

goslávia constitui um verdadeiro labo-

ratório para pesquisas sobre o tema.

Participação e teoria democrática

evidencia um aspecto essencial do

acesso dos indivíduos nas sociedades

modernas ao processo decisório: a pos-

sibilidade de alteração da própria ati-

vidade política. Ao participar de um

contexto que IKe diga respeito direta-

mente, o nomem comum pode cbegar a

se ver mais capacitado para opinar e in-

tervir no desempenbo de seus repre-

sentantes — certamente imprescindí-

veis no nível nacional. Ao dispor de

múltiplas oportunidades de participa-

ção, o indivíduo tem mais chances de

se educar corno cidadão público.

Longe de ser uma demanda utópi-

ca, calcada sobre fundamentos ultra-

passados, o problema da participação

conserva um papel central na teoria aa

democracia contemporânea que e,

apesar das aparentes dificuldades,

passível de aplicação.