carneiro 2014 arquitetura interativa
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arquitetura interativaTRANSCRIPT
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contextos, fundamentos e design
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Gabriela Pereira Carneiro
Arquitetura Interativa: contextos, fundamentos e design
Tese apresentada a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em
Arquitetura e Urbanismo.
rea de Concentrao: Design e Arquitetura Orientador: Prof. Dr. Carlos Zibel Costa
So Paulo / 2014
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AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. E-MAIL DA AUTORA: [email protected]
Carneiro, Gabriela Pereira C289a Arquitetura interativa: contextos, fundamentos e design / Gabriela Pereira Carneiro. --So Paulo, 2014. 235 p. : il. Tese (Doutorado - rea de Concentrao: Design e Arquitetura) FAUUSP. Orientador: Carlos Zibel Costa 1.Arquitetura experimental 2.Design 3.Projeto de arquitetura 4.Tecnologia digital 5.Eletrnica embarcada 6.Design de interao 7.Computao ubqua 8.Arquitetura interativa I.Ttulo CDU 72
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Folha de Aprovao Nome: CARNEIRO, Gabriela Pereira Ttulo: Arquitetura Interativa: contextos, fundamentos e design
Tese apresentada a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Arquitetura e Urbanismo.
Aprovado em: _______/_______/______
Banca Examinadora Prof. Dr. _____________________________________ Instituio:_____________________
Julgamento:___________________________ Assinatura:____________________________
Prof. Dr. _____________________________________ Instituio:_____________________
Julgamento:___________________________ Assinatura:____________________________
Prof. Dr. _____________________________________ Instituio:_____________________
Julgamento:___________________________ Assinatura:____________________________
Prof. Dr. _____________________________________ Instituio:_____________________
Julgamento:___________________________ Assinatura:____________________________
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Para Renato, pelo apoio incondicional
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Agradecimentos: Este trabalho no teria sido possvel, sem alguma pessoas que cruzaram o meu caminho. Em
primeiro lugar, agradeo ao Prof. Zibel, por ter acreditado e confiado no pontencial desta
pesquisa, e na minha capacidade de realiz-lo. Tambm foi essencial o financiamento da
FAPESP, sem o qual no seria possvel a dedicao integral ao trabalho.
O dilogo com colegas pesquisadores e professores do LabVisual, foram ricos e instigantes.
Em especial, agradeo aos amigos - Gil, Cynthia, Gilfranco, Leandro, Lara e Tatiana - por
compartilharem momentos importantes de descoberta, devaneios, dvidas e incertezas. So
pessoas que, nas horas mais complicadas, me inspiraram a continuar.
As exploraes prticas, viagens e entrevistas, no teriam sido realizadas sem as pessoas que
confiaram nesse trabalho. Agradeo ao Diego Spinola e seu pai, por aceitarem, de corao
aberto, ser companheiros de aventuras importantes. Ao Estdio Guto Requena e produtora
D3, por me proporcionar a chance de aplicar na prtica, os conceitos aqui estudados. A Jan-
Christoph Zoels e equipe do escritrio Experientia, bem como aos professores de Potsdam,
que me receberam e deram a oportunidade de participar de seu cotidiano. A todos os
entrevistados, que mostraram formas mltiplas de abordagens e prticas, ampliando meu
horizonte.
No posso deixar de agradecer o Nomads.usp, pela importncia desse grupo na minha
histria enquanto pesquisadora. Especialmente ao Prof. Tramontano, que durante os sete
anos que trabalhamos juntos, me preparou e inspirou para essa jornada.
Agradeo tambm a minha famlia, que nunca deixou de estar por perto, mesmo longe.
Sobretudo aos meus pais, Marcos e Isa, por me ensinar sobre fora, carter, honestidade e
dedicao.
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English Abstract
This work deals with the relation between architecture and technology, from the observation
that, the potential of digital information processing is spreading, not only through the
adoption and use of computing devices by people, but also, their addition on objects and
places. Within this context, this study provides basis for the understanding and design of
interactive architecture, a type of physical space that compels the implementation of
interactions, enabled by digital information processors. To achieve this, the work is divided
into three parts: context, fundamentals and design. At the first part, reading keys to
understand instances with which the interactive architecture dialogues are provided. This
type of spaces is understood, not as a consequence of technological development, but as part
of a bigger, complex and connected context. Specifically, it addresses the interrelation
between the ideological, technological and socio-spatial contexts. The second part, explores
the topic of interactive architecture, as a result of technology introduction into the
architectural product, and then, analyzes some aspects that give coherence to it as a specific
form of intervention and expression. The third part, addresses the main issues that motivated
this research, namely the design process of interactive architecture and the contributions
that interaction design can provide this type of practice. Finally, nine parameters -
conceptual elements capable of being manipulated - are outlined to guide the design of
interactive architecture. Among other uses, the function of these parameters is to expand the
vocabulary and methods of architecture practice as a whole. Overall, the approach adopted
is a means to explore and understand more about the technological world we live. The
motivation to understand what is required to design the interactive architecture, that is, to
include the technology in the final product, presupposes discussions that broaden the
architectural field. It includes within it, the possibility and need for architects to act, beyond
consumers of this technology, as active protagonists in their conformation.
Keywords: interactive architecture, interaction design, ubiquitous computing, experimental architecture, design, architecture design, digital technology, embedded electronics.
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Resumo em Portugus Este trabalho trata da relao entre arquitetura e tecnologia digital, a partir da constatao
de que a capacidade de processamento digital de informaes est se espalhando no
apenas pela adoo e uso de aparatos computacionais pelas pessoas, mas tambm por meio
de sua insero em objetos e lugares. Neste contexto, fornece bases para o entendimento e
o design da arquitetura interativa, um tipo de espao fsico que pressupe a implementao
de interaes viabilizadas por processadores de informao digital. Para tal, o trabalho
dividido em trs partes: contexto, fundamentos e design. Na primeira, fornece chaves de
leitura para o entendimento de instncias com as quais a arquitetura interativa dialoga,
colocando-a, no como uma consequncia do desenvolvimento tecnolgico e, sim, parte de
um contexto maior, complexo e conectado. Especificamente, aborda a interrelao entre os
contextos ideolgico, tecnolgico e scioespacial. Na segunda parte, explora a arquitetura
interativa enquanto conseqncia da incorporao da tecnologia no produto arquitetnico,
para depois analisar aspectos que conferem coerncia a ela enquanto uma forma particular
de interveno e de manifestao. A terceira parte aborda as principais questes
motivadoras desta pesquisa, a saber: o design da arquitetura interativa e as contribuies
que o design de interao pode fornecer a esse tipo de prtica. Por fim, so esboados
parmetros - elementos conceituais passveis de serem manipulados - para guiar o design da
arquitetura interativa. Entre outras utilidades, a funo desses parmetros ampliar o
vocabulrio e os modos de trabalho da arquitetura como um todo. No geral, a aproximao
realizada foi um meio de explorar e entender um pouco mais o mundo tecnolgico que
vivemos. Assim, a motivao de entender o que necessrio para projetar a arquitetura
interativa, ou seja, para incluir a tecnologia em seu produto, pressupe discusses que
alargam o campo da arquitetura. Inclui nele, a possibilidade e necessidade de que arquitetos
atuem, alm de consumidores dessa tecnologia, como protagonistas ativos em sua
conformao.
Palavras-Chave: arquitetura interativa; design de interao; computao ubqua; arquitetura experimental; design; projeto de arquitetura; tecnologia digital; eletrnica
embarcada.
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Sumrio Introduo 1
1 Contextos 15 1.1 Contexto ideolgico ........ 16
1.1.1 A razo como instrumento do progresso ........ 18 1.1.2 Tecnologia digital como smbolo do progresso ........ 22 1.1.3 Os limites da sociedade tecnolgica ........ 26 1.1.4 Outras razes ........ 31
1.2 Contexto tecnolgico ........ 35 1.2.1 Computadores e comunicao ps II Guerra Mundial ........ 37 1.2.2 Trs dcadas de computador pessoal ........ 46 1.2.3 Caractersticas bsicas da tecnologia digital ........ 53
1.3 Contexto socioespacial ........ 58 1.3.1 Alm do ciberespao e das cidades inteligentes ........ 60 1.3.2 Conexes contextualizadas ........ 68 1.3.3 Paradoxos da tecnologia digital ........ 74
2 Fundamentos 81 2.1 Arquitetura e tecnologia ........ 83
2.1.1 Processo ........ 97 2.1.2 Produto ........ 15
2.2 Estrutura ........ 112 2.2.1 Componentes ........ 113 2.2.2 Materiais inteligentes ........ 118 2.2.3 Iluminao dinmica ........ 126 2.2.4 Cintica ........ 136
2.3 Comportamento ........ 142 2.3.1 Lgica interna ........ 144 2.3.2 Coerncia externa ........ 152
3 Design 159 3.1 Processos de design ........ 160
3.1.2 Arquitetura........ 163 3.1.2 Design de interao ........ 173
3.2 Arquitetura e interatividade ........ 183 3.2.2 Ambiente Interativo D3 ........ 184 3.2.2 Low2No e fredericia C+ ........ 193
3.3 Parmetros conceituais para o design da arquitetura interativa ........ 204 3.3.1 Participantes ........ 207 3.3.2 Tempo ........ 209 3.3.3 Interao ........ 211 3.3.4 Narrativas ........ 213 3.3.5 Feedback ........ 214 3.3.6 Tecnologia ........ 216 3.3.7 Regras ........ 217 3.3.8 Engajamento ........ 218 3.3.9 Imprevisibilidade ........ 220
Consideraes finais 223
Referncias bibliogrficas 227
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1
Introduo
A preocupao em explorar a relao entre arquitetura e tecnologia digital parte da
constatao de que a capacidade de processamento digital de informaes est se
espalhando no apenas pela adoo e uso de aparatos computacionais pelas pessoas,
mas tambm por meio de sua introduo em objetos e lugares. Essa tecnologia,
inicialmente restrita a laboratrios de empresas e universidades, tem crescentemente
influenciado, direta e indiretamente, tanto processos de pensamento e produo
quanto uma grande variedade de interaes cotidianas.
Inicialmente, o computador pessoal alterou, significativamente, os modos de trabalho
e a dinmica dos escritrios de arquitetura. Aos poucos passou tambm a influenciar
os modos de pensamento e de produo de espaos. Alm disso, a miniaturizao e o
barateamento dos componentes tm viabilizado a insero de sistemas digitais no
espao construdo, dotando-o da capacidade de processar informaes. Tal fato tem
exigido dos designers e arquitetos a ampliao de sua prtica e a elaborao de
estratgias de projetos que englobem a especificidade desses sistemas, adaptando e
revendo seus processos.
Esta tese busca compreender um dos produtos da relao entre a arquitetura e
tecnologia digital. Nesse sentido, a arquitetura interativa um tipo de espao que
pressupe a implementao de interaes viabilizadas por processadores de
informao digital inseridos em sua estrutura. Todas as investigaes realizadas, que
serviram de base para a construo das discusses, colocadas ao longo da tese, foram
feitas em funo da adoo desse pressuposto em relao ao objeto estudado.
A partir desse objeto de investigao, o objetivo primeiro dessa pesquisa explorar
questes relacionadas aos processos de design que a produz. Dadas as diversas
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conotaes da palavra design, importante esclarecer que, nessa tese, refere-se ao
contexto intelectual, o que a vincula idia de plano, desgnio e inteno (CARA,
2010), e utilizado em alternncia com a palavra projeto com o mesmo sentido. Dessa
maneira, falar sobre processos de design significa abordar as diversas aes
empreendidas para formatar e materializar conceitos intelectuais.
As inquietaes, que atuaram como motivadoras deste estudo, compreendem um
amplo panorama de questes. Por um lado, partiu-se da preocupao em definir o que
a arquitetura interativa, de onde e por que relevante falar sobre isso, e em que
medida suas caractersticas a diferenciam de uma arquitetura no-interativa1. A
dvida sobre a pertinncia dessa questo e a busca de modos para descrever,
categorizar e contextualizar esse tipo de espao direcionou vrias das exploraes
conduzidas.
Por outro lado, falar sobre arquitetura interativa significa, acima de tudo, referir-se a
comportamentos implementados, por meio da programao. Nesta afirmao reside
uma questo essencial que a possibilidade de incluir no seu processo de design
conceitos, estratgias, lgicas e raciocnios que se diferem daqueles presentes nos
processos mais tradicionais da arquitetura. At que ponto referencias a prticas de
outros campos, que lidam com questes semelhantes, podem contribuir para o
alargamento da prtica da arquitetura, tambm foi uma questo sempre presente.
Para buscar respostas a essas indagaes foi realizado um amplo trabalho de
investigao, caracterizado pela convergncia e alternncia entre teoria e prtica e
pela aproximao com outros campos do conhecimento. Esse processo buscou, alm
de elucidar caractersticas especficas da arquitetura interativa, esboar tambm
aspectos da teia de relaes na qual ela se inscreve, ampliando e contextualizando seu
entendimento. O resultado desse percurso apresentado no corpo desta tese e, para
complement-la, primeiro so apresentadas particularidades do trabalho de pesquisa
realizado.
Contextualizao As perguntas que permearam esta pesquisa de doutorado so frutos de constantes
questionamentos sobre o papel do arquiteto do designer no incio do Sculo XXI.
Resultam da busca de compreender e discutir de que forma a prtica desses 1 O termo no-interativo utilizado neste trabalho para designar os espaos que no possuem sistemas digitais incorporados em sua estrutura. Isso feito apenas para diferenciar o objeto estudado de outros tipos de arquitetura e sem o intuito de assumir que em tais espaos no hajam formas quaisquer de interao.
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profissionais vem se alterando dentro do contexto colocado pela tecnologia digital, e
quais novos caminhos de atuao esses profissionais podem encontrar nesta
conjuntura. Essas questes sempre estiveram presentes e comearam a ser
investigadas ainda durante a graduao2 junto ao Ncleo de Estudos de Habitares
Interativos3 - Nomads.usp.
Especificamente, essa tese continuidade direta da pesquisa desenvolvida no
mestrado, junto ao grupo, que culminou na dissertao Objetos Interativos: Design e
Tecnologias da Informao e Comunicao (CARNEIRO, 2008). Nessa pesquisa de
mestrado, a principal questo era entender quais prticas e conhecimentos o arquiteto
precisaria incorporar para ser capaz de criar objetos interativos, ou seja, objetos com a
capacidade de processamento digital de informao. Subjacente a isso, estava o desejo
de utilizar a tecnologia digital como um meio de expresso, como uma camada
adicional do objeto, que pudesse ser manipulada na sua essncia.
Alm do contato com teorias e obras, o interesse sobre o assunto, culminou em um
intercmbio com o Interface Culture Department, na cidade de Linz, na ustria, um dos
principais polos da arte mdia mundial. Na prtica, durante sete meses, foi possvel
explorar os conceitos estudados ao longo dos anos e, acima de tudo, aprender e
praticar programao e desenvolvimento de circuitos eletrnicos. Durante essa
experincia, foi desenvolvido o projeto Affective Twins, um prottipo de mobilirio
interativo, exposto no Ars Electronica Festival 2007 (Figuras 1-3).
De volta ao Brasil, junto ao Nomads.usp, foi concebida e construda a fachada PIX
(Figuras 4-5). O projeto consistiu no desenvolvimento e montagem de um display de
baixa resoluo, na fachada do edifcio 001, sede do grupo Nomads.usp. Compreendeu
a introduo de uma matriz com 1200 LEDs controlados, individualmente, atravs dos
quais imagens e animaes luminosas podem ser visualizadas. A idia foi trabalhar a
integrao do espao fsico e do informacional, de forma que, alm de funcionar como
um painel conectado internet, o projeto integrasse o display estrutura, de forma a
se tornar indissocivel do edifcio. 2 Entre 2002 e 2008, foram realizadas trs pesquisas individuais financiadas, alm da participao em outros projetos de pesquisa. Das trs bolsas, duas foram de iniciao cientfica (Fipai e FAPESP) e uma de mestrado (FAPESP). 3 O Nomads.usp um grupo de pesquisa do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de So Carlos, Universidade de So Paulo. Os trabalhos desenvolvidos no Ncleo buscam explorar as relaes entre tecnologias, comportamento e espao construdo de diversos modos: seja na escala urbana, com a incluso da comunidade em processos de comunicao mediada, seja na escala do edifcio, com pesquisas sobre novos paradigmas de projeto, seja na escala do mobilirio, com o design de peas de mobilirio e objetos com mdias integradas, seja ainda na escala do corpo, com a explorao de relaes entre corpo e espao mediadas por dispositivos informatizados. Web-site do grupo: . Acesso em: 1 fev. 2014.
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Figuras 1 a 3 - Affective Twins, Gabriela Carneiro, 2008 (Fonte: Gabriela Carneiro, 2007).
Figura 4 Projeto PIX: Fachada do edifcio 001 com o painel de LEDs ligado (Fonte: Nomads.usp, 2008). Figura 5 Projeto PIX: Interface grfica para a preparao de animaes (Fonte: Nomads.usp, 2008).
Seu projeto consistiu na integrao de trs frentes de trabalho: uma responsvel pela
estrutura, outra pelo circuito e uma terceira pela sua interface web. Neste processo, as
fases clssicas de concepo, desenvolvimento e produo foram integradas em um
procedimento nico, no qual ocorre a interao interdependente entre
intencionalidade artstica, expectativas comunicacionais e feedback dos inter-atores
(nesse caso, os envolvidos no processo).
A escala do objeto, abordada no mestrado, possibilitou a investigao de inmeras
questes prticas e tericas. A possibilidade de prototipar sistemas e testar objetos,
sendo apropriados pelas pessoas, abriu caminho para as discusses do doutorado. A
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prtica permitiu a imerso no mundo digital e, com isso, o prximo passo consistiu em
voltar o foco para a arquitetura.
Faz-se importante pontuar estes anos de pesquisa, pois eles foram importantes na
introduo a esse emergente universo da cultura digital, relacionado arquitetura e ao
design, e, mais especificamente, s questes do design de interao. A alternncia
entre explorao terica, pesquisa de aplicaes e atividades prticas foram
fundamentais e determinaram o levantamento das questes que permeiam o presente
trabalho de doutorado.
Esse percurso prvio, caracterizado pelo contato com tericos, praticantes, e com os
processos de design e de desenvolvimento deste tipo de obra, justifica o interesse pelo
tema e valida a importncia de uma pesquisa acadmica nesta rea. A presente
proposta e os questionamentos que a permeiam so frutos desta aproximao e
buscam fomentar a constituio de um saber brasileiro nessa subrea emergente.
Busca-se, assim, produzir conhecimento voltado para realidades nacionais, ao mesmo
tempo em que se vislumbra uma aproximao com diferentes campos disciplinares.
Uma vez que o crescente acesso tecnologia e informao faz com que os espaos e
edifcios interativos tornem-se mais comuns a cada dia, julga-se importante um estudo
que auxilie na fundamentao crtica e na indicao de caminhos para este tipo de
prtica.
Objeto O objeto investigado, ao longo desta tese, a arquitetura interativa, uma das possveis
manifestaes da arquitetura. Trata-se de espaos e edifcios cuja interatividade
viabilizada pela implementao de sistemas de processamento digital de informao.
Nesse sentido, ela pressupe a introduo de sistemas digitais no produto
arquitetnico. Sua especificidade contrastada com espaos no-interativos, aqui
entendidos como todos aqueles que no possuem tecnologia digital em sua
conformao fsica. Nesse sentido, todas as investigaes realizadas, que serviram de
base para a construo das discusses colocadas, ao longo da tese, foram feitas em
funo de explorar as caractersticas desse objeto e de contribuir para os processos de
design que precedem sua implementao.
Hiptese Desde o incio, a investigao da arquitetura interativa, a partir de seus modos de
pensamento e produo, foi feita com o intuito de mostrar que seu processo de design
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depende, necessariamente, de perspectivas e mtodos advindos do design de
interao. Portanto, a hiptese inicial consistiu em investigar e constatar que o design
de interao fornece para a arquitetura interativa os elementos que ela necessita para
ser pensada e realizada.
Partia-se, assim, do pressuposto que os parmetros de criao da arquitetura no-
interativa no seriam suficientes e que o design de interao forneceria as referncias
para complementar o quadro de ferramentas e estratgias necessrias para a criao
de espaos interativos. Neste caso, a arquitetura interativa era compreendida (e
reduzida) como este espao-entre - local de dilogo entre duas reas do
conhecimento: a arquitetura e o design de interao.
Ao final, elucida-se a relevncia da hiptese inicial enquanto ferramenta para
investigao do objeto de estudo. A pesquisa foi desenvolvida, a partir das
particularidades da arquitetura interativa enquanto domnio de conhecimento e ao,
e disps-se a investigar as possibilidades advindas do design de interao, uma
disciplina ainda em construo.
Assim, paralela busca de um entendimento do que a arquitetura interativa, seguiu-
se um esforo em apreender as particularidades do design de interao e sua
aplicabilidade no objeto em questo. O desenvolvimento de mtodos e projetos (i|o
Cards, Ambiente D3 e FredericiaC+), a realizao de visitas e entrevistas e um intenso
aprofundamento bibliogrfico foram as bases criadas para a verificao da hiptese.
O que foi constatado, ao final de quase quatro anos, que a hiptese vlida, porm,
no suficiente. A relao pragmtica entre a arquitetura interativa e o design de
interao vlida, ou seja, so vrios os recursos que podem ser apropriados entre as
disciplinas de forma a enriquec-las. Assim, verifica-se ser totalmente plausvel a
determinao de um plano de ao entre estes dois contextos e, neste sentido, torna-
se imprescindvel que a arquitetura interativa incorpore, em seu discurso, questes
advindas do design de interao. Porm, o que a investigao tambm mostrou que
o design de interao no capaz de fornecer todas as estratgias necessrias para o
pensamento e criao da arquitetura interativa.
Diversos so os fatores que estabelecem estes limites, sendo que um deles est ligado
prpria natureza do design de interao, um campo ainda em construo, que busca
incorporar princpios do design (enquanto campo do conhecimento) criao de
interfaces digitais. Neste sentido, o prprio pensamento que permeia esse campo
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especfico do design amplamente questionado, como fazem, por exemplo, Dourish
(2004) e McCullough (2004), ao apontarem o carter pragmtico e determinista que
envolve o discurso fundamental da criao de interfaces no mundo contemporneo.
Em suas anlises, os autores explicitam os limites do pensamento que rege o design de
interao, em especial no que se refere incorporao de questes relacionadas
interao por meio do corpo e seus diversos atributos de percepo e interpretao do
mundo, que extrapolam a cognio. O design de interao, neste sentido, uma
ferramenta preciosa de pensamento, porm, subordinada ideologia que a originou, e
seus limites precisam ser sempre analisados criticamente.
Um outro fator importante que limita a relao entre a arquitetura interativa e o
design de interao compreende os condicionamentos especficos da arquitetura, ou
seja, da criao dos espaos fsicos. Neste aspecto, outras referncias tambm so
essenciais para seu pensamento. A escala de interveno da arquitetura interativa
requer outros planos de entendimento e pensamento, que vo alm daqueles
abordados pelo design de interao.
Questes urbanas e sciotecnolgicas, tal como colocadas por Zizek (2002), Sassen
(2002) e Santos (2002), precisam ser consideradas para abrir a possibilidade de outros
planos de ao e territrios de explorao. A investigao destes limites contribuiu, em
especial, para o entendimento da complexidade que subjaz a criao e a manifestao
do objeto de estudo, que esta pesquisa mostrou ir alm da incorporao pragmtica
dos mtodos e pensamentos, advindos do design de interao.
Objetivos
A redao da tese foi feita de forma a aprofundar todo o questionamento j exposto,
acerca do objeto estudado e do movimento feito, desde a elaborao da hiptese
inicial at as concluses elaboradas, a partir de sua investigao. Neste sentido, o
objetivo principal a ser alcanado, consiste na proposio de parmetros para o design
da arquitetura interativa, que incorpore criticamente estratgias do design de
interao e contribua para o entendimento do significado deste tipo de espao no
contexto contemporneo.
Como parte da busca de elucidar a complexidade das questes que envolvem o objeto
investigado e fornecer parmetros para seu design, a tese abrange os seguintes
objetivos especficos:
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Explicitar a que exatamente o termo arquitetura interativa se refere no contexto deste trabalho (rumo a uma definio do termo e de um campo de
investigao/interveno);
Analisar o contexto do qual a arquitetura interativa faz parte (que a condiciona e condicionado por ela), fornecendo chaves de leitura para sua
contextualizao crtica;
Esboar limites do pensamento arquitetnico hegemnico, de forma a identificar oportunidades de incorporao de outros parmetros de criao;
Fazer uma breve anlise do contexto e dos pressupostos que deram origem ao design de interao, com nfase tanto nos limites deste pensamento quanto
nas questes que podem contribuir significativamente para a arquitetura
interativa.
Os objetivos especficos desta tese foram sendo elaborados e redigidos de forma a
fornecer a base necessria para se entender os pressupostos que balizam os
parmetros conceituais para o design da arquitetura interativa. De forma que a
elaborao destes compreende o objetivo principal a ser alcanado por esta pesquisa
de doutorado, e, consequentemente sua contribuio original. Por mais que anlises e
investigaes, acerca da relao entre a arquitetura e a tecnologia digital, sejam temas
cada dia mais em voga, esta tese pretende ocupar um espao especfico. Assim, seu
diferencial reside em um movimento duplo: de entendimento crtico destes contextos
paralelamente proposio de estratgias de design.
Processo e Produtos Nigel Cross (2007) aponta que conceitos e teorias sobre o design podem ser obtidos, a
partir de trs aproximaes. Segundo o autor, por meio das pessoas que praticam o
design possvel obter informaes sobre as diferentes perspectivas sobre um mesmo
assunto. Alm disso, a proximidade com a prtica possibilita o entendimento de
processos de concepo, desenvolvimento e produo. Por fim, a anlise de produtos
do design gera insumos para o reconhecimento de padres relacionados forma e
configurao, resultante de determinadas prticas. Neste sentido, acredita-se que a
multiplicidade de aes empreendidas, nesta pesquisa, de grande importncia para
seu processo, j que fundamenta o fornecimento de um panorama geral das questes
envolvidas no design da arquitetura interativa.
Em sntese, quatro movimentos distintos e complementares podem ser descritos, para
melhor caracterizar o processo de pesquisa empreendido. So eles: reviso
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bibliogrfica, entrevistas com profissionais, experimentaes prticas e redao de
artigos. Algumas dessas atividades foram previstas no plano inicial e outras foram
introduzidas devido a oportunidades e necessidades que surgiram ao longo de seu
desenvolvimento.
A reviso bibliogrfica foi realizada ao longo de todo o trabalho e pode ser
caracterizada por trs momentos. O primeiro compreende os textos lidos no incio da
pesquisa, os quais tinham como tema a arquitetura interativa e o design de interao.
O objetivo foi entender o estado da arte destes dois campos para criar a base
conceitual da investigao. Em um segundo momento, anterior qualificao, textos
sobre processos de design foram introduzidos no escopo de leituras. Isso se deu em
especial, para encontrar pontes para o dilogo entre as duas reas. Aps a
qualificao, em detrimento da sugesto da banca e tambm do parecerista da
FAPESP, a pesquisa bibliogrfica foi ampliada de forma significativa para entender
criticamente o contexto no qual se insere esse tipo de arquitetura. Esses movimentos
esto refletidos diretamente no contedo e na organizao dos captulos desta tese.
Alm da reviso bibliogrfica, foram efetuadas nove entrevistas com profissionais que
trabalham com questes prximas quelas tratadas pela pesquisa, escolhidos de
acordo com seu tipo de prtica e com as oportunidades que apareceram, ao longo da
pesquisa. As entrevistas foram essenciais para a pesquisa, pois, ao mesmo tempo em
que desmistificaram alguns aspectos chave das prticas que trazem a tecnologia digital
para a arquitetura, tambm abriram novos caminhos de investigao. Foram
entrevistas semi-estruturadas com a durao limite de uma hora e compostas de trs
blocos de perguntas:
Introduo: Na parte introdutria, o foco foi investigar o histrico e motivaes iniciais dos entrevistados. O objetivo foi explorar de onde partiram e o que os
levaram a ter contato e introduzir a tecnologia digital em seus trabalhos;
Processos: Na segunda parte, foram explorados projetos desenvolvidos pelos entrevistados cujo contedo contribui para o tpico explorado por esta
pesquisa. O foco das indagaes foi o processo criativo destes projetos;
Conceitos e futuro: Na terceira parte da entrevista, foram explorados tanto os conceitos e idias resultantes da prtica estabelecida pelos entrevistados,
quanto a viso que possuem para o futuro da sua prtica.
Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas e fazem parte do acervo pessoal da
pesquisadora. Algumas so citadas ao longo da tese. Porm, necessrio deixar claro
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que todas foram importantes para a elaborao do discurso como um tudo. Abaixo
segue a lista de entrevistados:
Jan-Christoph Zoels: Designer de interao, h 20 anos. Recentemente, tem participado de competies junto a escritrios de arquitetura para o
desenvolvimento de estratgias de desenvolvimento urbano. Explora como as
ferramentas etnogrficas do design de interao pode auxiliar em projetos
arquitetnicos;
Carlos Alarcoon Aalen: Gerente de projeto do escritrio de arquitetura Sauerbruch Hutton, responsvel pelo projeto Low2No, em parceria com
Experientia e Arup. O objetivo da entrevista foi entender, de acordo com o
ponto de vista do escritrio de arquitetura, as potencialidades e limitaes da
aplicao de metodologias do design de interao;
Joachim Sauter: Fundador e diretor do escritrio de mdia design ART+COM, que desenvolve projetos de espaos interativos, h 25 anos;
Tim Edler: Fundador do realites:united. Junto com o irmo Jan Edler vem desenvolvendo inmeros projetos de mdia fachadas e arquitetura interativa.
Contou como aconteceu o primeiro projeto do estdio, A fachada BIX para o
museu de artes Kunsthausgraz, e o que aconteceu depois disso;
Stephen Gage: Arquiteto e professor da Barttlet. Relatou suas experincias com a tecnologia digital e a influncia dos pensadores cibernticos dos anos 60
e 70, incluindo seu convvio com Gordon Pask. Acompanhou toda a evoluo
dos computadores;
Ruairi Glynn: Mdia designer, arquiteto, curador, escritor, artista. Trabalha a relao entre robtica e arquitetura.
Dominic Harris: Arquiteto, fundador e diretor criativo do estdio Cinimod. Relata sobre os desafios de se criar e manter uma prtica comercialmente
vivel que introduz tecnologia nos espaos.
Mathias Gmachl e Rachel Wingfield: Com formaes diversas, fundadores do Loop-ph, possuem uma prtica cujo produto o prprio processo de pesquisa.
Abordam a relao da arquitetura com a tecnologia e a importncia de
envolver a comunidade na concepo de espaos mais vivos e cheios de
valores.
Richard Robert: Arquiteto, professor e coordenador de projetos do estdio Jason Bruges. Com experincia prvia de trabalho em escritrios tradicionais de
arquitetura, fala sobre similaridades e diferenas nos processos de design dos
quais participou.
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De modo geral, a percepo mais importante foi a multiplicidade das prticas. Os
entrevistados foram escolhidos, a partir de um pressuposto inicial, no qual
pertenceriam a uma mesma categoria: a de designers e arquitetos que pesquisam,
concebem e desenvolvem idias e projetos nos quais a tecnologia parte
fundamental. Uma vez que as entrevistas foram sendo realizadas percebeu-se a
multiplicidade de suas perspectivas, motivaes e processos. Um fator fundamental
pois esta pesquisa busca justamente organizar e delinear possibilidades para o
desenvolvimento deste tipo de projeto.
Por outro lado, pontos semelhantes foram identificados. Entre eles, a questo da
interao e como seu uso deve ser calcado em necessidades cuidadosamente
levantadas. H uma unanimidade de que a presena da interao no garante, de
forma alguma, um projeto mais interessante ou melhor. Em relao ao papel da
tecnologia na prtica, todos apontam para seu entendimento enquanto mais uma
ferramenta disponvel, sendo que muitos afirmam tambm que a anlise de sua
influncia no pode ser restrita adio de componentes. necessrio atentar-se para
o fato de que projetos refletem as caractersticas da tecnologia digital, mesmo sem ela
estar presente.
A questo da avaliao do resultado final, ou mesmo a anlise da experincia que este
tipo de espao media, sempre muito relativa. Isso deve ser analisado caso a caso
assim como acontece com qualquer outro tipo de espao. Varia, de acordo com as
intenes iniciais de projetos e da motivao por produzir determinado espao.
Segundo Gage (2011), podemos apenas falar em cenrios, o que tambm um ponto
comum, notado nas entrevistas.
No que diz respeito s experimentaes, foram realizados quatro projetos. O primeiro
so as i|o Cards (CARNEIRO, 2012), um conjunto de cartas concebidas para estimular a
conversao e troca de idias, durante a concepo de objetos interativos. Elas so
divididas em dois grupos, um trabalha questes estruturais do sistema interativo e o
outro aborda algumas preocupaes conceituais necessrias para a criao de
experincias interativas. Foram utilizadas em diversas e diferentes dinmicas
colaborativas de projeto, tanto para conceber objetos quanto arquiteturas interativas.
O segundo projeto, Ambiente Interativo D3 (CARNEIRO; SPINOLA et al, 2011), foi
realizado em conjunto com um escritrio de arquitetura. Tratou-se do projeto de um
espao comercial de, aproximadamente, 70m2 para uma produtora digital, no qual foi
possvel inserir questes trabalhadas pela pesquisa desde os primeiros estudos e
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esboos do espao, at a construo, implementao e posterior avaliao dos
resultados. Essa experincia no s permitiu a experimentao prtica do processo de
design de uma arquitetura interativa, mas tambm abriu a oportunidade para diversos
outros questionamentos e aes.
Ao longo da pesquisa, surgiu tambm a oportunidade de contribuir para a concepo
do projeto FredericiaC+4 como parte da equipe do escritrio de design de interao,
em conjunto com escritrios de engenharia e arquitetura. De modo geral, a
participao neste projeto permitiu um entendimento maior das estratgias do design
de interao. Como parte da equipe de desenvolvimento da proposta, a pesquisadora
pode entender na prtica como pensar, preparar e aplicar algumas estratgias
especficas, bem como metodologias do design de interao. Dentre elas, a criao de
personas, dia na vida (day in a life), cenrios, metodologias participativas de design, e
playful cards.
Por ltimo, foi tambm desenvolvido o projeto SeedArchSystem, como resultado da
participao em uma das edies da AA Visiting School, iniciativas da Architectural
Association que compreendem cursos intensivos de curta durao com temticas
diversas. O workshop inclua a experimentao com mquinas de fabricao digital
(CNC, impressora a laser, corte de adesivos), e softwares diversos (Rhino e seu plugin
Grasshopper, Arduino, Processing e Ecotec), no contexto de produo tradicional do
carnaval.
A importncia do trabalho desenvolvido, ao longo do workshop, reside na
experimentao com tecnologias a cada dia mais presentes na produo arquitetnica,
tal como as de programao (Rhino e Grasshopper) e fabricao (CNC e corte a Laser).
Sua utilizao, junto com a experimentao de um processo de design no linear,
forneceram entendimentos prticos de conceitos at ento no experimentados pela
pesquisadora. Este fato foi essencial para promover novos nveis de entendimento dos
textos que fundamentam esta pesquisa.
Por fim, durante a redao dos artigos foi possvel a sistematizao e anlise das
atividades prticas. Essas anlises tambm se configuraram como importantes
momentos de dilogo com o orientador e com outros pesquisadores. Alguns desses 4 Informaes sobre o concurso e as propostas dos quatro times que disputaram a competio paralela para a area esto disponveis em: . Acesso em: 5 fev. 2014.
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artigos, resultaram das experimentaes e aprofundam os processos dos projetos, em
especial, do desenvolvimento do Ambiente D3 e das i|o Cards. Outros artigos
resultaram tambm do dilogo com pesquisas relacionadas. Destaca-se, aqui, a
coautoria, em artigos, com o pesquisador Barros (CARNEIRO; BARROS; COSTA, 2010,
2011 e 2012; BARROS; CARNEIRO, 2013), cuja pesquisa era especificamente sobre
design de interao, sendo que as discusses muito contriburam para um
aprofundamento sobre o trabalho especfico desse campo.
Estrutura da tese Todo esse caminho gerou insumos importantes para um entendimento terico dessa
prtica e para a prtica de questes tericas. Nesse espao, que esta tese se insere. O
resultado apresentado em trs captulos, alm da Introduo e das Consideraes
Finais. A elaborao dos captulos apresenta as principais questes que foram
necessrias para a explorao do tema. Seus temas, ao mesmo tempo, paralelos e
complementares, foram assim organizados:
O Captulo 1 - Contextos Conectados - fornece chaves de leitura para o entendimento
de instncias com as quais a arquitetura interativa dialoga, colocando-a, no como
uma consequncia do desenvolvimento tecnolgico e, sim, parte de um contexto
maior, complexo e conectado. No contexto ideolgico so inicialmente analisadas as
questes que permeiam o atual discurso hegemnico, calcado na razo instrumental e
no ideal de progresso, para depois delinear o que seriam outros discursos possveis. O
contexto tecnolgico compreende uma breve anlise das ideias que influenciaram a
formatao da computao, em especial, aquelas elaboradas durante e aps a II
Guerra Mundial. O contexto socioespacial aborda a contextualizao dos discursos
tecnolgicos e ideolgicos, mostrando que nele que os antagonismos do paradigma
tcnico se manifestam intensamente.
O Captulo 2 - Fundamentos - esboa as especificidades da arquitetura interativa com
o objetivo de expandir o entendimento geral dos espaos construdos pelo homem e
das aes que neles acontecem, incluindo, assim, questes trazidas pela tecnologia
digital. Para isso, aspectos gerais da relao entre arquitetura e tecnologia so
esboados, de acordo com dois aspectos, a saber: do processo e do produto. Em
seguida, a partir do entendimento da arquitetura interativa, enquanto incorporao da
tecnologia no produto, so analisados aspectos que conferem coerncia a ela
enquanto uma forma particular de interveno e de manifestao. Para isso, so
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esboados dois aspectos que lhe conferem especificidade, os recursos materiais
utilizados para implement-la e seu comportamento.
O Captulo 3 - Design - aborda as principais questes motivadoras dessa pesquisa, a
saber: o design da arquitetura interativa e as contribuies que o design de interao
pode fornecer a esse tipo de prtica. Para isso, primeiramente, so contextualizadas
algumas especificidades do processo de design no campo da arquitetura e do design
de interao. Em seguida, so analisados processos de design de trs projetos
(Ambiente Interativo D3, Low2No e Fredericia C+) que indicam, na prtica,
possibilidades de dilogo entre esses campos. Por fim, so esboados alguns
parmetros, ou seja, elementos conceituais passveis de serem manipulados,
sistematizados por esta pesquisa para guiar o design da arquitetura interativa.
Por fim, a tese encerrada com o captulo Consideraes Finais, no qual delineado
um panorama conjunto dos assuntos abordados nesse estudo. Alm de registrar os
principais pontos do que foi efetivamente aprendido com a pesquisa, so esboados
limites do discurso e possibilidades de aprofundamentos de alguns temas abordados.
Por meio desse caminho, espera-se fomentar discusses e aproximaes crticas sobre
a arquitetura interativa e seus processos de design.
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1. Contextos
Dada a sua complexidade, o contexto do qual a arquitetura interativa faz parte
corresponde a um tipo de fenmeno cuja definio de um recorte e posterior anlise
ser sempre um desafio. No h, aqui, a pretenso de incluir todas as questes
contemporneas que influenciam e so influenciadas pela prtica da arquitetura
interativa, ou mesmo de esgotar aquelas abordadas. Outras relaes podem, e devem,
ser estimuladas e aprofundadas. Entretanto, elaborar qualquer discurso que busque
destacar aspectos especficos do desenvolvimento e do impacto da tecnologia digital,
na sociedade como um todo, sempre um desafio. Recortes e pontos de vista so
sempre necessrios e, como resultado, corre-se o risco de excluir do discurso questes
importantes. Neste sentido, o objetivo deste captulo fornecer chaves de leitura para
o entendimento de instncias com as quais a arquitetura interativa dialoga, colocando-
a no como uma consequncia do desenvolvimento tecnolgico e sim parte de um
contexto maior, complexo e conectado.
No contexto ideolgico, inicialmente, so analisadas as questes que permeiam o atual
discurso hegemnico, calcado na razo instrumental e no ideal de progresso, para
ento delinear o que seriam outros discursos possveis. Fez-se isso, com o objetivo de
elucidar formas pelas quais valores e entendimentos de mundo encontram-se, muitas
vezes, ocultos nos discursos e aes. Alm de ser imprescindvel para a compreenso e
aprofundamento do contedo desta tese, trata-se de um movimento necessrio para a
elaborao de qualquer perspectiva que pretenda incorporar aspectos crticos em seu
discurso.
O contexto tecnolgico compreende uma breve anlise das ideias que influenciaram a
formatao da computao, em especial, aquelas elaboradas durante e aps a II
Guerra Mundial. Com o advento do computador pessoal, essas ideias foram
materializadas e, acima de tudo, os mtodos e valores computacionais passaram a ser,
progressivamente, incorporados pelo senso comum. Apesar de a tecnologia digital ser
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comumente associada a mudanas rpidas e revolucionrias, sua essncia continua a
mesma de dcadas atrs. O entendimento de seus fundamentos, alm de esclarecer
essa percepo, um dos pontos fundamentais para compreender sua relao com a
arquitetura interativa.
O contexto socioespacial aborda a contextualizao dos discursos tecnolgicos e
ideolgicos. nele que os antagonismos do paradigma tcnico se manifestam
intensamente. Os discursos associados ao ciberespao e cidade inteligente ilustram
como a tecnologia se entrelaa com as expectativas humanas. Os diferentes aspectos
que envolvem a contextualizao da tecnologia digital aprofundam esse
entendimento. Por fim, o entendimento de sua natureza paradoxal elucida que a
arquitetura interativa, assim como as demais manifestaes tecnolgicas, deve ser
compreendida e elaborada, incluindo questes, aparentemente contraditrias,
realidade.
Ressaltando as especificidades destes diferentes contextos, espera-se, por um lado,
embasar criticamente as discusses colocadas por esta tese. Por outro, a inteno
apresentar a arquitetura interativa como parte de um contexto muito maior no qual
tecnologia e subjetividade exercem papeis por vezes complementares e, por vezes,
contraditrios. Ideologia, tecnologia e espacialidade so temas que oferecem leituras
alternativas para a questo da arquitetura no contexto contemporneo. Em especial,
importante perceber que a arquitetura interativa deve ser pensada e realizada, no
apenas porque o desenvolvimento tcnico abre essa possibilidade, mas sim, por se
configurar como uma maneira importante e especfica de contemplar, questionar e
atuar, frente complexidade das questes contemporneas como um todo.
1.1 Contexto ideolgico
Qualificar a cincia como capaz de encontrar e provar a verdade; afirmar que a
tecnologia, necessariamente, melhora a vida do homem; trabalhar com o objetivo de
acumular dinheiro e consumir os ltimos lanamentos de algum produto. Essas
afirmaes descrevem pensamentos e aes que derivam de conceitos e valores, ou
seja, de uma determinada ideologia5 que, segundo Chau (2012), relaciona-se
diretamente ao conjunto de ideias e explicaes que uma sociedade oferece sobre si
mesma.
5 Segundo Marcondes Filho (1985, p.15), ideologia um termo cujo significado foi bastante ampliado desde sua utilizao nas teorias de Karl Marx, nas quais era utilizado para designar o conjunto de idias que cada classe possua. Para esboar a complexidade que o termo adquiriu e nesta tese adotado com este sentido mais amplo - Marcondes Filho menciona seis caractersticas: 1) ela sempre pertence a um grupo de pessoas (no individual); 2) representada por smbolos, rituais e esteretipos; 3) est sempre relacionada a um conjunto de valores; 4) mais do que uma questo poltica, trata-se de uma viso de mundo; 5) mais do que um conjunto de idias, ela possui uma capacidade de mobilizar as pessoas para a ao; 6) realmente percebida no pelo discurso e sim pela natureza das aes.
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Neste sentido, falar sobre contexto ideolgico, significa analisar a origem e os
pressupostos das afirmaes coletivamente nele reproduzidos, implcita ou
explicitamente, como observa Marcondes Filho (1985, p.20): Quando pretendemos alguma coisa, quando defendemos uma idia, um interesse, uma aspirao, uma vontade, um desejo, normalmente no sabemos, no temos conscincia que isso ocorre dentro de um esquema maior, de um plano, de um projeto maior, do qual somos apenas representantes repetimos conceitos e vontades, que j existiam anteriormente. Refletir sobre as ideias e pressupostos deste esquema maior favorece o entendimento
que se tem da realidade, como ele construdo e qual o papel de cada indivduo
nesta coletividade. De certa maneira, a ideologia inevitvel, ou seja, no possvel
entender o mundo exatamente como ele experienciado, de forma que qualquer
compreenso ser sempre distorcida e influenciada. Ainda assim, aprofundando
estas questes que se torna praticvel o entendimento da natureza dos conceitos e
das aes sobre o mundo. Uma vez que ver os fatos de forma ideolgica caracterstica nossa, o que se pode almejar conhecer exatamente o que essa ideologia, o que so as demais ideologias e saber discernir, dentre elas, qual a que mais corresponde aos nossos valores, qual a expresso mais aproximada da verdade (MARCONDES FILHO, 1985, p.20). Isso posto, uma vez que esta tese apresenta uma reflexo sobre tecnologia digital e
arquitetura, torna-se relevante esboar quais so os valores que assinalam esta
relao. Especificamente, dado o grande impacto da insero da tecnologia nos mais
diversos mbitos da vida cotidiana, importante delinear traos da ideologia que
permeia seu desenvolvimento, sua disseminao e sua funo na sociedade. Parte-se
do pressuposto de que, s assim, possvel um aprofundamento sobre o tema que
ultrapasse o discurso pragmtico e hegemnico, e que permita a incluso de outros
modos de pensamento e ao.
A ideologia que permeia o desenvolvimento tecnolgico marcada, dentre outras
particularidades, por um conceito de racionalidade nico, voltado para o progresso.
Segundo Vasso (2008, p.3), a naturalizao6 da ideologia tecnolgica devida, em
grande parte, sua ampla disseminao, dado que, [...] a emergncia da informtica,
e sua banalizao como item de consumo de massa, assim como infra-estrutura
urbana, uma histria rica em filosofia, inovaes culturais e a construo 6 O termo naturalizao aqui utilizado para designar a adoo de valores e pressupostos da tecnologia digital como naturais, ou seja, como algo que sempre existiu e que, portanto, torna-se inevitvel. Como consequncia desta abordagem, s cabe s pessoas lidarem com eles e tirarem o melhor proveito do que assim posto.
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perfeitamente imanente de uma abordagem informacional de grande alcance scio-
cultural.
Neste sentido, os aspectos aqui analisados fornecem suporte para a apreenso deste
plano maior, que inclui pressupostos, vises de mundo e estratgias de ao
especficas, cujo entendimento fundamental para a construo de uma reflexo
crtica. Assim, o contexto ideolgico aqui esboado com o intuito no s de elucidar
valores e entendimentos de mundo ocultos nas prticas da sociedade ocidental, mas
tambm question-los e mostrar outros pensamentos possveis que sero retomados
ao longo da tese.
1.1.1 A razo como instrumento do progresso
Segundo Chau (2012, p.79), [...] na origem, [a] razo a capacidade intelectual para
pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas como so.
Trata-se de uma maneira de organizar e compreender a realidade, com base na
capacidade do pensamento humano e na confiana de que as coisas so ordenveis,
ou seja, elas tambm possuem sua prpria razo. Portanto, por meio da razo
possvel conhecer e dar significado ao mundo.
a partir dessa capacidade humana que surge uma forma especfica de pensamento,
denominado cientfico, o qual se contrape ao senso comum e s opinies. Sua
especificidade encontra-se na busca metdica e sistemtica que utiliza para produzir
conhecimento. Este pensamento a base da cincia, definida por Abbagnano (2012,
p.157), como o [...] conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, uma
garantia da sua prpria validade7. Sua investigao caracterstica constitui [...] um
conjunto de atividades intelectuais, experimentais e tcnicas, realizada com base em
mtodos que permitem e garantem que a principal marca da cincia seja o rigor
(CHAU, 2012, p.275).
Schwartz (1971, p.28) aponta que a viso cientfica ou cincia terica, ou seja, [...] a
transferncia dos problemas do homem, do reino da f e do mito para a esfera
intelectual, foi efetuada principalmente pelos gregos. Foram os filsofos daquele
tempo que conceberam os alicerces do que hoje normalmente denominado
pensamento ocidental. Os filsofos gregos formularam sistemas para explicar a existncia, o universo, o homem e a sociedade. Com a rejeio da interveno mgica, lanaram as fundaes do critrio cientfico 7 A limitao expressa pelas palavras em qualquer forma ou medida aqui includa para tornar a definio aplicvel cincia moderna, que no tem pretenses ao absoluto. Mas, segundo o conceito tradicional, a cincia inclui garantia absoluta de validade, sendo portanto, como conhecimento, o grau mximo de certeza (ABBAGNANO, 2012, p.157).
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da interpretao da natureza. A observao dos processos tcnicos e naturais juntamente com experincias rudimentares tornaram possvel a incorporao dessas observaes num sistema que tinha coerncia lgica (SCHWARTZ, 1971, p.28-29). Chau (2012, p.278), afirma que, apesar dos ideais de cientificidade8 terem comeado
com os gregos, a concepo antiga e a concepo clssica ou moderna de cincia
diferem-se bastante, especialmente em um aspecto: A cincia antiga era uma cincia teortica, ou seja, apenas contemplava os seres naturais, sem jamais imaginar intervir neles ou sobre eles por meios tcnicos; [enquanto] a cincia clssica uma cincia que visa no s ao conhecimento terico, mas sobretudo aplicao prtica ou tcnica. O momento, no qual a cincia deixa de ser puramente terica e passa tambm a
incorporar caractersticas prticas, aqui considerado o ponto de partida para o
entendimento da ideologia que transpassa tanto a sociedade tecnolgica como um
todo, quanto a tecnologia digital em particular. Para Horkheimer (1976), a razo no
apenas passa a ser um instrumento, como tambm passa a se abster de qualquer
preocupao com questes tericas e conceituais. Para entender esse movimento ele
faz uma anlise detalhada sobre a transformao da racionalidade, com o intuito de
decifrar a natureza que ela adquiriu na cultura industrial contempornea.
Para entender a argumentao de Horkheimer (1976, p.11-12) importante
diferenciar entre dois tipos de razo: a subjetiva e a objetiva. A razo subjetiva est
relacionada com a [...] faculdade de classificao, inferncia e deduo, no
importando qual o contedo especfico dessas aes: ou seja, [trata sobre] o
funcionamento abstrato do mecanismo de pensamento. A razo objetiva diz respeito
[...] existncia da razo no s como uma fora da mente individual, mas tambm
do mundo objetivo: nas relaes entre os seres humanos e entre classes sociais, nas
instituies sociais e na natureza e suas manifestaes. De forma simplificada, pode-
se afirmar que, em se tratando de meios e fins (procedimentos e propsitos),
enquanto a primeira considera os meios, a segunda tem como objetivo o
entendimento dos fins.
8 Chau (2012, p.277) descreve trs ideais de cincia que podem ser observados historicamente: racionalista (dos gregos ao final do sculo XVII), empirista (de Aristteles at final do sculo XIX) e construtivista (a partir do sculo XX). O ideal racionalista afirma que a cincia um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo como a matemtica, portanto, capaz de provar a verdade necessria e universal de seus enunciados e resultados, sem deixar nenhuma dvida. O ideal empirista afirma que a cincia uma interpretao dos fatos baseada em observaes e experimentos que permitem estabelecer indues e que, ao serem contempladas, oferecem a definio do objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento. O ideal construtivista considera a cincia uma construo de modelos explicativos para a realidade e no uma representao da prpria realidade.
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O que Horkheimer (1976) descreve uma passagem gradual. Sumarizando esta sua
anlise histrica da relao entre estes dois tipos de razo e da predominncia de seu
componente objetivo na Grcia, a sociedade industrial passa a incorporar a razo
subjetiva como nico meio vlido de conhecimento, por mais que ainda almejasse o
conhecimento das coisas, ou seja, o conhecimento objetivo. Assim, aquilo que, a partir
do Sc. XIV, comeou como um esforo para superar os credos e a dominao da
Igreja, concretizou-se, a partir do Sc. XVII, como o fim do emprego da razo objetiva
enquanto estratgia vlida e necessria de reflexo.
O autor coloca que, justamente, a disputa entre filosofia e religio - para se afirmarem
como meio de formular e fundamentar a verdade - foi o que culminou na neutralizao
de ambas. Acerca dessas consideraes, acrescenta que: Os filsofos do Iluminismo atacaram a religio em nome da razo; e afinal o que eles mataram no foi a Igreja mas a metafsica e o prprio conceito de razo objetiva, a fonte de poder de todos os seus esforos. A razo como rgo destinado a perceber a verdadeira natureza da realidade e determinar os princpios que guiam nossa vida passou a ser considerada como obsoleta. Especulao sinnimo de metafsica, e metafsica sinnimo de mitologia e superstio (HORKHEIMER, 1976, p.26). Com a anulao da validade daqueles esforos empregados com o objetivo de dar um
significado para a existncia do homem e para o mundo, o princpio abstrato do
interesse individual conquistou, gradativamente, o primeiro plano, tornando-se
tambm o ncleo da ideologia oficial da sociedade ocidental. E assim, [...] tendo
cedido em sua autonomia, a razo tornou-se um instrumento (HORKHEIMER, 1976,
p.28). Essa transformao da razo acompanhada de uma mudana tambm gradual
na funo do conhecimento e no objetivo da vida. Uma vez que indagar sobre o
significado das coisas remetia, necessariamente, a conceitos ambguos e abstratos, a
cincia passa a valorizar a cada dia mais seu carter prtico, que necessita apenas da
razo subjetiva para se realizar.
Assim, para complementar a anlise aqui proposta, resta ento indagar para qual
finalidade serve este instrumento, j que no se aspira mais ao desenvolvimento de
valores humanos, satisfao intelectual ou mesmo investigao acerca de conceitos
tais como verdade, felicidade e justia. Na anlise de Schwartz (1971, p.36) este foi o
espao preenchido pelo ideal de progresso. A idia do progresso recebeu o seu maior impulso do racionalismo, quando se julgava ter entronizado a razo, e foi alimentada por uma civilizao industrial que v o progresso tanto como uma justificao de sua existncia quanto como uma fonte de esperana para o aperfeioamento humano.
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A palavra progresso, segundo Abbagnano (2012, p.936), designa dois sentidos. De
uma maneira mais genrica, refere-se a [...] uma srie qualquer de eventos que se
desenvolve em sentido desejvel. Nesta definio, a palavra sempre relacionada
com algo que progride ou que avana, por exemplo, o progresso da cincia, da tcnica
ou do conhecimento. Com este significado o termo [...] no d origem a problemas e
acha-se em toda parte. No segundo sentido, continua o autor, a palavra utilizada
isolada, fala-se estritamente sobre o progresso. Aqui o termo designa [...] a crena de
que os acontecimentos histricos se desenvolvem no sentido mais desejvel,
realizando um aperfeioamento crescente.
Enquanto o primeiro sentido foi empregado desde a antiguidade clssica, o segundo
comeou a surgir apenas no Sc. XVII, mesma poca em que a razo subjetiva passou a
dominar a forma na qual o conhecimento era produzido. At ento, [...] a concepo
geral que os antigos tiveram da histria foi a de decadncia, a partir de uma perfeio
primitiva (idade do ouro), ou de ciclo de eventos, que se repete identicamente sem
limites (ABBAGNANO, 2012, p.937). Schwarz (1971, p.31) toma como exemplo o
discurso de Francis Bacon para ilustrar a transformao da finalidade da cincia: O objetivo principal do conhecimento para Francis Bacon, como para a maioria dos outros precursores da escola de progresso cientfico9, era a meta utilitria de melhorar a condio do homem, diminuindo-lhe o sofrimento e aumentando-lhe a felicidade. Deixando de lado a opinio dos filsofos gregos segundo os quais o conhecimento traz sua prpria satisfao intelectual, Bacon definiu a verdadeira finalidade das cincias como a de dotar a vida humana de novas invenes e riquezas. Neste sentido, a idia do progresso designa tanto uma anlise do passado quanto um
prenncio para o futuro. Parte do princpio de que o conhecimento acumulado,
gradativamente, e tem sempre como objetivo um futuro melhor e mais desenvolvido,
j que, medida que o tempo passa, mais coisas foram vividas, experienciadas e
aprendidas. A seguir vale apontar quatro pressupostos que do suporte essa noo
de progresso na histria das civilizaes: 1. O curso dos eventos (naturais e histricos) constitui uma srie unilinear; 2. Cada termo desta srie necessrio no sentido de no poder ser diferente do que ; 3. Cada termo da srie realiza um incremento de valor sobre o precedente; 4. Qualquer regresso aparente e constitui a condio de um progresso maior (ABBAGNANO, 2012, p.937).
9 Outros precursores desta escola compreendem Coprnico, Kepler, Galileu, Ren Descartes e Newton.
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Para complementar, vale destacar que esta srie linear trata-se de um movimento
retilneo indefinido, porm que culmina, especificamente, na cultura ocidental10.
Seguindo este raciocnio, ao pensar os estgios (termos) como necessrios, fica
implcito que as regras e o curso j esto determinados, o que torna o processo
histrico algo inevitvel de acontecer da forma como acontece, o que pode levar
concluso que toda ao torna-se intil. Essa idia determinista enfatizada com
incluso das regresses como parte do processo, como se a histria realmente
avanasse segundo leis prprias. Por fim, se o pressuposto o de que cada passo
significa um incremento de valor, torna-se desnecessrio avaliar o que o valor. Afinal,
o incremento torna-se valor por si mesmo mais sempre melhor.
Elucidados os princpios do tipo especfico de razo, que utilizado como instrumento
para o progresso, e qual o lugar que o progresso ocupa no pensamento moderno,
torna-se explcito o entrelaamento dessas questes. Pode-se dizer, que o
casamento entre razo (subjetiva), cincia e progresso, foi o responsvel por grande
parte do desenvolvimento tecnolgico e social observado no sculo XX. Um fato, a
princpio, de dado incontestvel. Dentre os produtos deste avano, destaca-se a
tecnologia digital que incorpora e infiltra no senso comum grande parte das idias
exploradas at este momento.
1.1.2 Tecnologia digital como smbolo do progresso
Segundo Santos (1987, p.14), no que se refere cincia moderna, no se trata de
qualquer razo, mas, sim, da razo matemtica, que permite o mais puro
conhecimento. A matemtica fornece cincia moderna, no s o instrumento
privilegiado de anlise, como tambm a lgica da investigao, como ainda o modelo
de representao da prpria estrutura da matria. Seguindo este raciocnio, a pureza
da lgica matemtica livra tambm o homem da ignorncia, da superstio e dos
males sociais, permitindo, assim, o desenvolvimento de um conhecimento neutro, livre
de valores e independente da moralidade e da tica.
por meio da matemtica que so elaboradas as leis naturais, que consistem em um
conhecimento profundo e, acima de tudo, rigoroso da natureza. Elas so resultado
tanto da traduo dos objetos em quantidades, quanto de uma sucesso de divises e
classificaes feitas com o intuito de organizar e conhecer: A diviso primordial a que distingue entre condies iniciais e leis da natureza. As condies iniciais so o reino da complicao, do acidente e onde necessrio seleccionar as que estabelecem as 10 este, por exemplo, o pensamento que valida a existncia de sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas, sendo que (coincidentemente) as primeiras so aquelas que justamente elaboraram e difundiram a idia de progresso.
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condies relevantes dos factos a observar; as leis da natureza so o reino da simplicidade e da regularidade onde possvel observar e medir com rigor (SANTOS, 1987, p.15). Esta idia de ordem e estabilidade do mundo, e de que estas podem ser conhecidas,
transformadas em frmulas e manipuladas para o bem humano, valida ainda mais a
cincia moderna como o modelo de racionalidade hegemnica. Modelo tal que aos
poucos expandiu do estudo da natureza para englobar tambm o estudo da
sociedade11, e que, como aponta Alcorn (1986, p.14), tem contribudo para ampliar o
domnio humano em todos os mbitos do planeta terra: Ns evolumos rapidamente e evolumos externamente. Ns usamos artefatos, ou seja, construes artificiais que copiam princpios naturais, para fazer trabalhos alm das mudanas fsicas. E por causa dessa diferena fundamental especfica, ns temos sido capazes de conquistar todos os ambientes e todas as circunstncias que o planeta pode oferecer, desde as profundezas do oceano at o frio dos plos.12 Alcorn (1986, p.15) justifica a tecnologia e sua importncia a partir do discurso
evolucionista das espcies, no qual [...] cada espcie luta para se adequar ao
ambiente no qual age para sobreviver13. Para o autor, a tecnologia nada mais do
que a forma que os humanos encontraram para tentar ganhar essa luta e dominar a
terra. E ele conseguiu isso por ter algo que nenhum outro animal tem: a habilidade de
pensar abstratamente. A partir deste raciocnio, afirma que [...] somos uma tentativa
por parte da natureza de procurar uma maneira melhor, mais eficiente de fazer as
coisas. Estamos um passo no caminho para a ordem. At agora, temos sido uma
experincia muito bem sucedida.14 (p.15)
preciso muito cuidado para entender os pressupostos que balizam esse tipo de
raciocnio. Como foi mencionado, esta argumentao possui seu prprio conjunto de
valores e mtodos. Ao concordar cegamente com discursos pautados no progresso e
no colocar em dvida a natureza da tecnologia, fica latente como os pressupostos da
cincia moderna esto enraizados na maneira de pensar, e leva a crer ser a nica
possvel, ou a nica eficiente e vlida. Antes de abordar os limites deste pensamento e 11 Segundo Santos (1987, p.30), Tal como foi possvel descobrir as leis da natureza, seria igualmente possvel descobrir as leis da sociedade. [...] No sculo XVIII este esprito precursor ampliado e aprofundado e o fermento intelectual que da resulta, as luzes, vai criar as condies para a emergncia das cincias sociais no sculo XIX. [...] As cincias sociais nasceram para ser empricas. 12 Do original em ingls: We evolve rapidly and we evolve externaly. We use artifacts, that is, artifical constructs that mimic natural principles, to do the job rather than physical changes. And because of that one fundamental difference, we have been able to conquer every environment and every circumstance the planet can offer, from the depths of the ocean to the cold of the poles (ALCORN, 1986, p.14). 13 Do original em ingls: [] each species strives to match itself to the environment within which it operates in order to survive (ALCORN, 1986, p.15). 14 Do original em ingls: []we are an attempt on the part of nature to look for a better, more efficient way of doing things. We are a step on the road to order. So far, we have been a very successfull experiment (ALCORN, 1986, p.15).
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alternativas a ele, necessrio aprofundar sobre a forma como estes princpios
penetraram profundamente na sociedade contempornea: a tecnologia digital. De
certa forma, ela contribuiu ainda mais para essa hegemonia do pensamento subjetivo,
j que trouxe para o senso comum estes valores.
Segundo Vasso (2008, p.19), o computador pessoal possibilitou inserir no senso
comum um discurso que [...] afirma a pr-existncia da tecnologia como dado
fundamental da prpria tessitura do universo. Ou seja, [...] como se a existncia de
uma sociedade baseada na informao viabilizada por computadores interconectados
fosse um dado a priori, um ideal a ser realizado. Ideal este, totalmente ligado s idias
de progresso e evoluo, mencionados no item anterior, que consideram avanadas e
desenvolvidas aquelas sociedades (e pessoas) que possuem acesso ltima tecnologia,
e retrgradas e subdesenvolvidas aquelas que utilizam qualquer outro tipo de lgica.
Muitas vezes, alienados da ideologia que viabiliza a tecnologia digital, aqueles que
possuem acesso ela so iludidos por seu visvel poder de transformao e seu
impacto imediato. Segundo Dupas (2000, p.69) so os impressionantes resultados de
alguns xitos tecnolgicos que do a eles uma aurola mgica e determinista, e os
coloca acima da razo e da moral. Neste sentido, o autor completa apontando que
[...] ficamos refns de pseudo-sucessos que no se sustentam em valores e muito
menos em uma opo consciente de uma sociedade que possa definir suas prioridades
de maneira amplamente democrtica. Afinal, para o racionalismo cientfico moderno
justamente a subjetividade e seus valores agregados que devem ser evitados para
garantir o desenvolvimento cientfico.
A matemtica - especificamente a lgebra binria - a base lgica sobre qual toda a
computao digital tem sido construda. A capacidade de processamento tem
aumentado e o tamanho dos componentes diminudo em uma velocidade
surpreendente, e isso alimenta a idia para o senso comum de constante mudana na
tecnologia digital. Porm, enquanto no forem desenvolvidos computadores que
operem sob qualquer outro tipo de lgica, que no seja a binria, pode-se afirmar que
a essncia da tecnologia digital continua a mesma, que ela no mudou desde que foi
inventada, em meados do Sculo XX.
A viso desta tecnologia como neutra , de certa maneira, consequncia da premissa
de que a matemtica seria o nico meio legtimo de atingir o conhecimento puro. De
acordo com Vasso (2008, p.4), a informao, por ser produto da lgica, , muitas
vezes, considerada no discurso tecnolgico como algo neutro. Assim, para aqueles que
concordam com essa idia, pode-se dizer que acreditam (mesmo sem ter cincia desta
crena) tambm que sua pureza , sim, sinnimo do conhecimento verdadeiro, ou
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seja, livre dos valores, dos interesses e da moral humana. Neste sentido, Postman
(1992, p.124) aponta: Na verdade, o computador torna possvel a realizao do sonho de Descartes de matematizao do mundo. Os computadores tornam fcil converter fatos em estatsticas e traduzir problemas em equaes. E ao mesmo tempo que isso pode ser til (como no momento em que o processo revela um padro que de outra maneira no teria sido notado), tambm pode ser diversivo e perigoso quando aplicado de forma indiscriminada nos assuntos humanos. A grande questo que a facilidade de uso dos objetos digitais, unida com sua
(aparente) indiscutvel funcionalidade ignora, tambm, toda uma cadeia de idias e de
produo. Segundo Zizek (2012, p.294): O paradoxo, portanto, que, quanto mais personalizado, fcil e transparente for o funcionamento do pequeno item (celular inteligente ou minsculo) que tenho na mo, mais a configurao tem de se basear no trabalho realizado em outro lugar, num vasto circuito de mquinas que coordenam a experincia do usurio; quanto mais essa experincia no alienada, mais regulada e controlada por uma rede alienada. Assim sendo, vale questionar at que ponto esta tecnologia liberta e at que ponto ela
contribui mais ainda para a alienao das pessoas.
Uma outra premissa importante que reafirmada pela computao digital a da real
existncia das dualidades, uma idia amplamente sustentada pelo pensamento
moderno que, insistentemente, separa o homem da natureza, a mente do corpo, o
bom do mau, o superior do inferior, etc. Para Vasso (2008, p.9), as metforas,
aproximaes e analogias que so utilizadas para tornar o computador acessvel so
baseadas, ao mesmo tempo que reforam estas distines, diminuindo, ainda mais, o
espao para seu questionamento. Essa precedncia scio-cultural do software indica a atualizao da dicotomia entre corpo (hardware) e mente/esprito (software). Ela afirma continuamente a maior importncia scio-culturalmente investida em uma entidade que , na maioria dos discursos, descrita como imaterial, afeita ao esprito, ao pensamento, cultura, sensibilidade, e coloca em um patamar justificadamente inferior a parcela material, maquinal, tcnica, corporal. (VASSO, 2008, p.9) A partir de uma explicao fsica, por mais que se trate da passagem ou no de energia
em fios, cabos e circuitos, convencionou-se a diferenciao entre o que
reprogamvel (software) e o que fixo (hardware). Para aqueles que conhecem um
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pouco mais a essncia do computador digital, fica difcil (quando no impossvel) fazer
esta distino. Sem um meio para existir, o software no existe. Ele nada mais que
um agenciamento de circuitos pelos quais transitam pequenos pulsos de energia
(chamados de energia discreta).
Essa idia completamente estranha para grande camada da populao, cujas vidas
so totalmente influenciadas pela computao, mesmo sem saber exatamente do que
se trata. Inclusive, no raro o caso de programadores que no possuem idia de
como um circuito eletrnico funciona. A grande questo que se coloca at que ponto
as interfaces amigveis amplamente utilizadas no campo computacional, contribuem
para a alienao das pessoas, fazendo com que elas, assim, reproduzam um sistema ou
modo de pensar sem saber exatamente as implicaes que isso pode trazer. Nesta
pesquisa, estas perguntas so feitas com o intuito de instigar uma apropriao crtica
da tecnologia, afinal, como aponta Dupas (2000, p.16): No se trata de ir contra o desenvolvimento tecnolgico, adotando um posicionamento reacionrio. A questo bem outra: a tecnologia pode e deve se submeter a uma tica que seja libertadora a fim de contemplar o bem estar de toda a sociedade, presente e futura, e no apenas colocar-se a servio de minorias ou atender necessidades imediatas. Vale ressaltar que a idia, aqui discutida, no a de ser contra o desenvolvimento
tecnolgico, at porque a arquitetura interativa pressupe sua existncia. Trata-se de
nunca deixar de se fazer perguntas sobre seus custos, suas limitaes e sobre a
possibilidade de resolver os problemas de outras maneiras, a partir de outros
pressupostos, lgicas e mtodos.
1.1.3 Os limites da sociedade tecnolgica
Se o progresso vai resultar em uma vida melhor para as geraes futuras, no
possvel afirmar. Entretanto, apesar da grande evoluo da cincia e da melhoria de
vrios aspectos da vida, vrios so os indcios de sua limitao e de sua natureza
estranha, isso no pode ser negado. A crueldade das duas guerras mundiais e a atual
crise ambiental so exemplos frequentemente utilizados para ilustrar o lado perverso
da sociedade moderna. Diante de tais acontecimentos, torna-se imperativo ao menos
colocar em dvida esse ideal de civilizao e progresso que, depois de 300 anos em
voga, foi capaz de justificar, dar suporte e se desenvolver s custas de tal destruio e
crueldade.
Em uma primeira anlise, estes acontecimentos so suficientes para apontar a
existncia de facetas antagnicas na sociedade tecnolgica. Porm, para apresentar
uma percepo aprofundada, necessrio um esforo no sentido de desvendar
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possveis aspectos contraditrios que deram origem a essas discrepncias. Para
exercitar esse ponto de vista, trs aspectos sero aqui tratados.
O primeiro diz respeito natureza do progresso que, como aponta Bury (1921),
aproxima-se mais da categoria de dogma do que de um objetivo concreto a ser
alcanado. O segundo questiona a ambiguidade do pensamento cientfico que, ao
pretender explicar toda a realidade se esquece do carter parcial de seu prprio
mtodo. O terceiro aspecto aborda a posio de alienao do homem em relao sua
prpria razo, ou seja, de no compreender que aquilo que ele cria , exatamente, o
que o destri.
Conceitos tais como liberdade, tolerncia e igualdade, segundo Bury (1921), diferem-
se categoricamente daqueles tais como destino, providncia divina e renascimento. Os
primeiros esto ligados s aspiraes e aes humanas, sendo que as anlises sobre
estes temas questionam suas qualidades enquanto bons ou ruins, teis ou perversos.
Os segundos fazem referncia aos mistrios da vida independentemente da vontade
humana, e a questo que se levanta relaciona-se com sua existncia ou inexistncia.
Por meio de uma anlise detalhada de como a idia de progresso histrico penetrou
no pensamento moderno, Bury demonstra porque esta se encaixa na segunda
categoria e, sendo assim, s vlida enquanto objetivo de vida na forma de um
dogma, ou seja, imposta como uma doutrina verdadeira e incontestvel. No final,
trata-se de acreditar ou no na sua existncia. Assim, explica Bury (1921, p.2), Ns, agora, tomamos tanto como dado, ns estamos to conscientes do constante progresso no conhecimento, nas artes, na capacidade de organizao, nos servios de todos os tipos, que fcil olharmos para o Progresso como um objetivo, tal como a liberdade ou uma federao mundial, que apenas depende dos nossos prprios esforos e boa vontade para alcanar. Mas, por mais que todo o aumento de poder e conhecimento dependa do esforo humanos, a idia de Progresso da humanidade, da qual todos esses progressos especficos derivam seu valor, levanta uma questo definitiva de fato, que os desejos ou o trabalho do homem no podem afetar, mais do que os seus desejos ou seu trabalho pode prolongar a vida alm-tmulo.15 Para o autor, por mais que a acumulao de conhecimento seja ntida, no h como
ter certeza de que esta esteja direcionada para uma direo desejada. At porque, 15 Do original em ingls: We now take it so much for granted, we are so conscious of constantly progressing in knowledge, arts, organizing capacity, utilities of all sorts, that is easy to look upon Progress as an aim, like liberty or a worlds-federation, which it only depends on our own efforts and good-will to achieve. But though all increases of power and knowledge depend on human effort, the idea of Progress of humanity, from which all these particular progresses derive their value, raises a definite question of fact, which mans wishes or labors cannot affect any more than his wishes or labors can prolong life beyond the grave. (BURY, 1921, p.2)
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[] a fim de julgar se estamos nos movendo em uma direo desejvel, teramos de
saber exatamente qual o destino16 (BURY, 1921, p. 2). Entretanto, a idia de
progresso na sociedade moderna pressupe, como j mencionado, um avano
indefinido para o futuro, de forma que no h nada a ser alcanado a no ser cada dia
mais avano. A suposio de que existe um progresso absoluto, que quando
alcanado levar felicidade dos homens na terra, pode ser comparada como uma
verso terrena da profecia crist que prev a ida das boas almas ao paraso.
Sobre essa perspectiva, Schwartz (1971, p. 23) coloca que a crena no progresso nada
mais do que uma [...] f que destronou a f. A grande diferena que, na cincia
moderna, o homem