carmelita_relatorio final daniel silva barbosa -fev 2006

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS - UCG PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PROPE COORDENAÇÃO DE PESQUISA Núcleo de Pesquisa em Filosofia - NUPEFIL RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA EDUCAÇÃO E POLÍTICA EM HANNAH ARENDT Bolsista Voluntário: Daniel Silva Barbosa Orientadora: Carmelita Brito de Freitas Felício

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Page 1: Carmelita_Relatorio Final Daniel Silva Barbosa -Fev 2006

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS - UCGPRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PROPE

COORDENAÇÃO DE PESQUISA Núcleo de Pesquisa em Filosofia - NUPEFIL

RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA

EDUCAÇÃO E POLÍTICA EM HANNAH ARENDT

Bolsista Voluntário: Daniel Silva Barbosa

Orientadora: Carmelita Brito de Freitas Felício

Goiânia, fevereiro, 2006

Page 2: Carmelita_Relatorio Final Daniel Silva Barbosa -Fev 2006

1 - Identificação

Título do Plano de trabalho: Educação e Política em Hannah Arendt

Nome do Bolsista Voluntário: Daniel Silva Barbosa

Nome da Orientadora: Carmelita Brito de Freitas Felício

Local de execução: Universidade Católica de Goiás

Vigência do plano de trabalho: fevereiro de 2005 a janeiro de 2006

2 - Introdução

Não parece fora de propósito considerar o fato de que há algo fora dos trilhos no

mundo, no nosso tempo. Apesar do óbvio, não se diz com isso que este estado de coisas seja

pouco complexo ou importante, e, muito menos, que não mereça, que não exija nossa atenção.

Pelo contrário, talvez mais do que em qualquer outro período histórico, é forçoso refletir

sobre "o que estamos fazendo"1, haja vista que, como constata Hannah Arendt, nosso mundo

encontra-se em crise2.

Em contato com as obras de Arendt, seja qual for, é quase certo concordarmos com ela

que o mundo moderno encontra-se em ,crise. Isso, não porque suas reflexões só se

desenvolvam nestes termos. Mas, porque as conclusões a que ela chega o evidenciam. A

exemplo de A condição Humana, que analisa, dentre tantas questões, a redução do homem

moderno à condição de mero laborador (ou animal laborans), que só se comporta e não age.

Em Entre o passado e o futuro, que analisa as crises da tradição, da autoridade, da educação e

da cultura e suas conseqüências. Ou, de O que é política? que busca respostas à pergunta pelo

sentido da política, concluindo que seu sentido nos nossos tempos é a falta de sentido. Ou

ainda, a exemplo de qualquer outro ensaio da autora, cujo trabalho intelectual é sempre

motivado por um problema atual, pertinente e carente de reflexão séria e comprometida.

À luz desta premissa, isto é, partindo de que é verídica a crise geral, a reflexão que

norteou o plano de trabalho de nossa pesquisa buscou, em primeiro lugar, examinar as

"questões do século" (crise da política, da autoridade, da tradição, da educação, da cultura),

isto é, a "crise geral da modernidade”. Feito isso, pretendeu-se investigar a compreensão

arendtiana de educação, discutindo se era pertinente lançar a suspeita sobre a

11Arendt propõe esta reflexão em A condição humana, p. 13.2A autora usa o termo ‘crise’ em diversos trechos e o conjunto da sua obra nos permite visualizar que a modernidade tem como pano de fundo uma crise geral.

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incompatibilidade que Arendt vê entre educação e política, e em seguida, em que medida a

educação pode ou não contribuir com a preservação do mundo, com a reinvenção do sentido

de "um mundo comum", com a reconstituição da esfera pública, com a reabilitação da

dignidade da política, enfim, com a exigência de que, “para que o mundo apresente uma ‘face

decente’, ele precisa (...) de uma política nova” (COURTINE-DENAMY, 2004, p. 13), capaz

de “preparar os homens novos sobre os quais repousa a esperança de um mundo novo

(COURTINE-DENAMY, 2004, p. 13).

O interesse de examinar as tais "questões do século” se liga a dois outros, quais sejam,

o de compreender o tempo presente e o de tentar vislumbrar saídas para os graves problemas

e ameaças que as crises engendram. Uma crise, segundo Arendt, é uma "oportunidade de

explorar e investigar a essência da questão em tudo aquilo que foi posto a nu"(ARENDT,

1972, p. 223). A "crise geral", que tem origem na política, mas que atinge as demais esferas -

a privada e a social -, indica que chegamos a uma situação na qual o perigo é o

desaparecimento não só da coisa política do mundo, mas do próprio mundo; portanto, não se

pode prosseguir com a recusa de assumir a responsabilidade de enfrentar tais questões.

De minha parte, sempre foi motivo de entusiasmo pensar sobre os reflexos da

educação no mundo, isto desde minha leitura de A Republica de Platão que, como observou

Rousseau, "é o mais belo tratado de educação jamais escrito" (COURTINE-DENAMY, 2004,

p. 167). Se estivermos de acordo com o proposto naquela obra monumental sobre essa

matéria, educação e política, isso significa que é inequívoca a influência determinante da

educação no mundo, na política.

Não obstante, Arendt expõe a controvérsia desta premissa quando afirma que “a

educação não desempenha nenhum papel na política, ela até soa mal em política” (ARENDT,

1972, p. 225). Daí, se antes era certa a tarefa, o papel da educação no mundo, agora, na

discussão arendtiana, a educação não só não desempenha nenhum papel na política como até

“soa mal” (ARENDT, 1972, p. 225). Então, se já era instigante empreender tal estudo, o que

temos agora, na esteira do legado intelectual de Arendt, é um exercício de pensamento

desafiador, que nos remete a perguntar se a educação, ao contrário do que estamos

acostumados a pensar desde Platão, é incompatível como a política. Se proposição arendtiana

está correta, então a educação não tem nada a ver com os destinos do mundo? Eis a questão

que se encontra no ponto de partida da presente investigação.

3- Objetivos

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A partir do problema identificado, estabeleceram-se os seguintes objetivos a serem

alcançados com a pesquisa:

Elaborar um diagnóstico da “crise geral da modernidade”, examinando as “questões

do século XX”, tais como anunciadas por Hannah Arendt;

investigar a compreensão arendtiana de educação;

estabelecer um diálogo com as idéias da Arendt, na perspectiva de pensar se é

pertinente lançar a suspeita sobre a incompatibilidade que a autora vê entre educação e

política;

examinar, à luz do legado arendtiano, se a educação consiste em uma condição de

possibilidade para a reinvenção do sentido de "mundo comum", a manutenção do

mundo, a reabilitação da dignidade da política e a reconstituição da esfera pública.

4 - Material e Métodos

Para a realização desta investigação científica, privilegiou-se o método bibliográfico.

Por meio da leitura das obras selecionadas de Hannah Arendt e dos seus comentadores,

pretendeu-se aliar o método bibliográfico à análise conceitual - método filosófico adotado

pela autora. Em relação às etapas, a pesquisa iniciou-se, primeiro, com a leitura daquelas

obras de Arendt que mais se correlacionavam com o nosso tema. Em seguida, prosseguiu-se

com a leitura dos comentadores.

Quanto aos interesses e objetivos, a leitura dos textos selecionados foi feita, no

primeiro momento, com o interesse de levantar os elementos que compõem a crise, isto é,

com o levantamento das questões e das demandas, por assim dizer, urgentes da modernidade,

com a finalidade de, em seguida, partir para a elaboração de um diagnóstico da “crise geral’.

Logo após, realizou-se a leitura do material onde se encontrava a discussão arendtiana acerca

da educação e, por fim, leu-se os comentadores com o fim de aprofundar e de alargar a

discussão.

Do ponto de vista da metodologia prática, os procedimentos adotados seguiram o

seguinte esquema: a) leitura das referências bibliográficas indicadas; b) fichamento das

mesmas; c) elaboração de pequenos textos visando ao trabalho de sistematização dos dados

coletados; d) elaboração de comunicações apresentadas em: reuniões do Grupo

Interinstitucional de Pesquisa: Por que defender a democracia? e nas reuniões com a

orientadora; na III Jornada de Pesquisa em Filosofia realizada pelo FIT e no II seminário “O

futuro da democracia” realizado pela UCG e UFG ; e) produção do presente relatório final.

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5 - Resultados

O ponto de partida do nosso projeto de trabalho, conforme já foi dito, foi a constatação

de que o mundo moderno encontra-se em crise. A seguir, apresentar-se-á um breve

levantamento das questões referentes às crises da política, cultura, tradição, autoridade e

educação, que constituem a substância do que nomeei como "diagnóstico da crise". Este

mapeamento constitui, portanto, o primeiro objetivo da pesquisa. Logo após, dedico-me à

parte central da pesquisa que é, por assim dizer, o entendimento arendtiano de educação, e a

problematização dessa compreensão.

A crise geral, que se revela em toda parte, tem sua origem na política. A crise da

política, por sua vez, dada a sua gravidade, nos remete a perguntar pelo sentido da política, se

há ainda algum, liga-se a preconceitos a ela lançados. Por trás dos preconceitos, estão o medo

– provocado pela possibilidade de se varrer toda a vida na Terra, medo que surge com a

bomba atômica –, a aversão à possibilidade de que a liberdade seja de novo apoderada – como

o foi pelos governos totalitários – e a concepção de que a política não passa de "uma teia de

velhacaria de interesses mesquinhos e de ideologia mais mesquinha ainda" (ARENDT, 1998,

p. 26 e 27).

Em A condição humana, Arendt reporta-se – na sua análise histórica que tem por

finalidade pesquisar as origens da alienação do mundo – aos impactos da promoção do social3

na coisa pública, que traz no seu rastro, entre outras coisas, a transformação do que chamamos

de estado e governo em mera administração, pois "o próprio processo da vida foi, de uma

forma ou de outra, canalizado para a esfera pública" (ARENDT, 1991, p. 54 e 55). Impactos

como: a diluição da distinção e divisão entre privado e público (ARENDT, 1991, p. 47); o

individualismo moderno que considera a privatividade oposta não só à esfera pública mas

também à social (ARENDT, 1991, p. 48); a rebeldia contra a sociedade, por suas exigências

niveladoras, da qual origina o fenômeno do conformismo, "característico do último estágio da

evolução moderna" (ARENDT, 1991, p. 49 e 50); e o governo de ninguém regido pela

burocracia (ARENDT, 1991, p. 50).

Na mesma obra há em abundância conceitos e elementos que, como o da promoção do

social, nos permite rastrear os caminhos da crise. Arendt não deixa de refletir sobre o que a

modernidade engendrou em termos de sociedade, ou seja, uma sociedade de operários, que se

depara – ela denuncia – com a possibilidade de ser "uma sociedade de trabalhadores sem

trabalho, isto é, sem a única atividade que restou ao homem moderno" (ARENDT, 1991, p.

13). A sociedade de operários é um mal para si mesma, pois está preocupada prioritariamente

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com o consumo, donde, uma “sociedade de consumidores”3, que ameaça a si própria minando

a durabilidade e a permanência do mundo, artifício humano construído pelas mãos do homo

faber, onde o trabalho e não o labor – que é assinalado pela necessidade e concomitante

futilidade do processo biológico – cria coisas extraídas da natureza e as converte em objetos

que serão partilhados no mundo, habitat humano, espaço que se interpõe entre os homens e os

inter-relaciona, espaço em cujo centro estão localizados os assuntos humanos4.

Contudo, o que parece central aqui, é a reflexão que Arendt faz sobre o conceito de

ação, bem como da substituição da ação pela fabricação. A ação é a única atividade da

condição humana que se exerce diretamente e somente entre os homens, correspondendo à

condição da pluralidade, atividade que é fonte do significado da vida humana e que é a

capacidade de começar algo novo. A ação, que não se encaixa na categorização de meios e

fins do homo faber, padece na modernidade do maior desprezo que já sofreu em toda a

história, desprezo altamente danoso à coisa política, pois a vê como absolutamente fútil e

dispensável. Esse desprezo tende a eliminar a pluralidade e, em decorrência disso, a esfera

pública, a fugir da ação para o governo, e ainda, a colocar a ação como não tendo papel nas

relações humanas5.

Entretanto, mesmo alcançando grande importância, não foi o homo faber que

prevaleceu. Pois o vitorioso, sob o princípio da felicidade, e mais ainda, o da vida como bem

supremo, foi o animal laborans. Isso piora ainda mais o estado das coisas, porquanto já

sabemos que a ele importa seus apetites e desejos, importa saciar suas necessidades, sempre

crescentes, importa o si mesmo e não o mundo. Ao animal laborans, tudo que não satisfaz os

seus desejos é supérfluo, inclusive o pensamento, reduzido à mera previsão de conseqüências,

e a ação, vítima de seu repúdio, dá lugar ao comportamento, à perda da espontaneidade. Não

podia ser pior!6

Como já foi assinalado, "A crise geral" que acometeu o mundo moderno afetou outras

áreas além da política, como a cultura, a tradição, a autoridade e a educação. Quanto à crise da

cultura, Arendt afirma que ela tem importância social e política7. Vejamos porquê.

A crise da cultura, assim como a crise da educação (como veremos adiante), está

ligada à perda da tradição. A modernidade rompeu nossa relação com o passado. Nas palavras

33Arendt dedica parte de um capítulo d'A condição humana (p. 138-149) à discussão deste tema.44 Esta caracterização do conceito de mundo aparece no posfácio d'A condição humana, de Celso Lafer (p.345) e em várias passagens da obra citada. 55Ver capítulo V d'A condição humana, p. 188 -260.66Ver: "43. A derrota do homo faber", "44. A vida como bem supremo" e "A vitória do animal laborans", em A condição humana, p. 317- 339.77Ver Em Entre o passado e o futuro, Hannah Arendt intitula o sexto ensaio ali contido de "A crise na cultura: sua importância social e política".

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de Arendt, "o fio da tradição está rompido, e temos de descobrir o passado por nós mesmos –

isto é, ler seus autores como se ninguém o houvesse jamais lido antes" (ARENDT, 1972, p.

257). Isto significa que: "o passado não ilumina mais o futuro" e, portanto, "o espírito avança

nas trevas"8. Assim, aberta a brecha entre o passado e o futuro, a cultura depara-se com um

grande problema – um problema de todos, e por isso político –, qual seja, o de aprender como

nos mover nessa situação inédita, e não o de restabelecer o fio da tradição, que para sempre

fora partido – "fio que nos guiou com segurança através dos vastos domínios do passado"

(ARENDT, 1972, p. 130). Eis, em linhas gerais, a relação entre a crise da tradição e da

cultura.

Contudo, a crise da cultura relaciona-se também com outras coisas, é claro!

Arendt nos diz que "a cultura é ameaçada quando todos os objetos e coisas seculares,

produzidas pelo presente ou pelo passado, são tratados como meras funções para o processo

vital da sociedade, como se aí estivessem somente para satisfazer alguma necessidade" 11. Isto

quer dizer que o animal laborans ameaça a cultura quando, na sociedade de consumidores a

transforma em mera atividade que simplesmente preenche o tempo que se dispõe com a

relativa liberação do fardo de trabalhar fisicamente, ou seja, o entretenimento, ou quando o

"filisteu cultivado" (ARENDT, 1972, p. 252-256) torna e restringe a cultura à mera moeda de

troca que possibilita melhores posições dentro da sociedade. Se a crise na cultura tem

importância social e política é porque, como Arendt afirma, "uma sociedade de consumo não

pode absolutamente saber como cuidar de um mundo e das coisas que pertencem de modo

exclusivo ao espaço das aparências mundanas, visto que sua atitude central ante todos os

objetos, atitude do consumo, condena a ruína tudo em que toca" (ARENDT, 1972, p. 264).

O mundo em que vivemos, mundo em crise e que caminha para a sua ruína, padece

também de uma crise na autoridade. Em Entre o passado e o futuro, no ensaio Que é

autoridade, Arendt propõe reconsiderar o que a autoridade foi historicamente e as fontes de

sua força e significação, deixando claro que, não pretende "definir a natureza ou essência da

'autoridade em geral', e sim uma forma bem específica válida em todo o mundo ocidental

durante longo período de tempo" (ARENDT, 1972, p. 128). Nesta reconsideração, o que está

em questão não é o que é autoridade – ela esclarece – e sim o que a autoridade foi, pois,

segundo a autora, "a autoridade desapareceu do mundo moderno", e ainda, "o sintoma mais

significativo desta crise, a indicar sua profundeza e seriedade, é ter a crise se espalhado por

áreas pré-políticas tais como a criação dos filhos e a educação" (ARENDT, 1972, p. 127 e

128).

88Frase de Tocqueville que, segundo Courtine-Denamy, em O cuidado com o mundo, p.157, Arendt apreciava.

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Essa reflexão nos permite perceber que o termo autoridade é, com efeito, dúbio.

Freqüentemente é confundido, embora a autoridade exija obediência, com o uso da força ou

da persuasão. Porém, diz Arendt, onde estes são usados a autoridade em si mesmo fracassa A

crise da autoridade é séria, motivo porque a perda da autoridade equivale "à perda do

fundamento do mundo", pois "a autoridade, ao assentar-se sobre um alicerce no passado com

sua inabalada pedra angular, dá ao mundo a permanência e durabilidade de que os seres

humanos necessitam precisamente por serem mortais"(ARENDT, 1972, p. 129). É por isso

que "historicamente, a perda da autoridade é meramente a fase final, embora decisiva, de um

processo que durante séculos solapou basicamente a religião e a tradição" (ARENDT, 1972,

p. 130-132). A crise da autoridade, se é tão grave, é porque se liga fortemente à crise da

tradição e ocasiona desastrosos problemas, por exemplo, à educação, como veremos a seguir.

Para a análise da crise da educação, o ponto de partida de Arendt é a situação que ela

presencia nos Estados Unidos da América. Para ela seria um erro não darmos a devida

importância à crise na educação. Pois, conforme suas palavras, "ela não está deslocada das

'questões do século', ou seja, um mundo que não mais está estruturado pela autoridade, nem

mais mantido pela tradição, e, se não fosse tão importante e preocupante, ela não teria, nos

EUA, se tornado um problema político de primeira grandeza" (ARENDT, 1972, p. 222).

Além do mais, “pode-se admitir como uma regra geral deste século que qualquer coisa que

seja possível em um país pode, em um futuro previsível, ser igualmente possível em

praticamente qualquer outro país” (ARENDT, 1972, p. 222). E, será que essa crise se

resumiria a somente responder “por que Joãozinho não sabe ler” 9? Se a educação se situar no

espaço pré-político (como Arendt propõe), isso significando que ela é também apolítica, que

outra preocupação poderíamos ter com a crise na educação além de responder “por que

Joãozinho não sabe ler”?

Na raiz da crise da educação, a qual se liga às perdas da tradição e da autoridade,

vividas pelo mundo moderno, mais particularmente pelos americanos, poderíamos indicar três

pressupostos básicos norteadores das medidas tomadas desastrosamente em matéria de

educação do último século para cá. O primeiro, declara Arendt, "é o de que existe um mundo

da criança e uma sociedade formada entre crianças, autônomos e que se deve, na medida do

possível, permitir que elas governem" (ARENDT, 1972, p. 229-230). Desta idéia decorrem

graves situações como a transferência da autoridade do adulto para o próprio grupo de

crianças.

99Arendt faz a ironia no ensaio A crise da educação, p.222.

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Assim sendo, a "autoridade é exercida de forma muito mais tirânica, a criança jamais

poderá se revoltar contra seus pares, nem tomar nenhuma iniciativa, estando sujeita a

uniformidade e a tirania da maioria" (COURTINE-DENAMY, 2004, p. 169). Por isso, "a

reação tende a ser a delinqüência, o conformismo ou ambos" (ARENDT, 1972, p. 231). Além

disso, esta situação coloca o adulto apenas na posição de mero "auxiliar", que só pode dizer

aquilo que lhe agrade e evitar que o pior aconteça, colocando-se numa posição de total

impotência. Outro erro grave deste pressuposto é que ao "destruir as condições necessárias

para o desenvolvimento e crescimento das crianças tentando criar um mundo próprio a elas,

ao fazê-lo expõem-nas à vida publica" (COURTINE-DENAMY, 2004, p. 171), que é danoso

a elas.

O segundo pressuposto, que "tem a ver com o ensino, sob a influência da psicologia

moderna e dos princípios do pragmatismo, é o de que a pedagogia transformou-se em uma

ciência do ensino em geral" (ARENDT, 1972, p. 231). Esta idéia acarreta uma grave

negligência na formação dos professores. O professor torna-se um mero comunicador: "é

professor aquele que é capaz de ensinar sem necessariamente dominar um tema ou um

assunto particular, e a conseqüência direta disso é o emudecimento da fonte mais legítima da

autoridade" (COURTINE-DENAMY, 2004, p. 169).

O terceiro, um pressuposto tributário do pragmatismo, é o de que "só é possível

conhecermos e compreendermos aquilo que nós mesmos fizemos" (ARENDT, 1972, p. 232).

Isso implicou na substituição do "aprender pelo fazer". Deste modo o interesse vigente não é

mais facultar um saber, mas o de inculcar uma prática.

Estes, de forma sucinta, são alguns dos problemas que constituem a crise da educação

no nosso tempo, tais como detectados por Arendt. Um agravante da crise é o fato de que a

educação necessita de algo que também está em crise: a autoridade. Cumpre ressaltar que

Arendt não se limitou apenas a problematizar o fato de que a educação está em crise. Ela

também apontou caminhos como o de "divorciarmos a educação dos demais âmbitos para

aplicar exclusivamente a ela o conceito de autoridade" (ARENDT, 1972, p. 246), donde, o

"ensino será conduzido de novo com autoridade"; o de "interromper o brinquedo e retomar o

trabalho sério", e "deslocar a ênfase das habilidades extracurriculares para os conhecimentos

prescritos no currículo" (ARENDT, 1972, p.233 e 234).

Contudo, a partir da crise, nossa autora propõe que aprendamos com ela a "essência da

educação", que "reflitamos sobre o papel que ela desempenha em toda civilização"

(ARENDT, 1972, p. 234). Sigamos então suas pistas.

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Para a pergunta: o que é educação, para Arendt? buscamos respostas principalmente

no ensaio que vimos examinando, isto é, A crise da educação. Ali, é possível compreender o

seguinte: "a essência da educação é a natalidade, o fato de que os homens nascem para o

mundo" (ARENDT, 1972, p. 223). Ou seja, a educação está entre as atividades mais

elementares e necessárias da sociedade humana, porque a todo instante chega, pelo

nascimento, novos habitantes ao mundo. Os recém chegados trazem consigo a possibilidade

do novo. O mundo, no qual eles ingressam, é sempre mais velho que eles. Os pais humanos

ao trazerem seus filhos ao mundo "assumem na educação a responsabilidade, ao mesmo

tempo, pela vida e desenvolvimento da criança e pela continuidade do mundo" (ARENDT,

1972, p. 235). A educação trata da preparação das crianças. As crianças são "em um duplo

aspecto, novas em um mundo que lhe é estranho e se encontram em processo de formação"

(ARENDT, 1972, p. 235). A educação deve formar um caráter, e não deve se resumir apenas

à instrução e à aprendizagem.

Seguindo com os conceitos, a tarefa da educação "é preparar com antecedência as

crianças para a renovação de um mundo comum" (ARENDT, 1972, p. 247) e a

responsabilidade face ao mundo assume a forma de autoridade. Nesta tarefa todos temos

responsabilidades. A escola, que é o lugar onde a criança faz sua primeira entrada no mundo,

tem a função de "ensinar como o mundo é, e não de instruí-los na arte de viver" (ARENDT,

1972, p. 246). O educador tem o oficio de servir como mediador entre o velho e o novo.

Assim, a educação é, por assim dizer, aquela que apresenta aos novos habitantes do mundo, o

mundo. Outro ponto importante a destacar é que Arendt reivindica uma educação

conservadora, no sentido de conservação, de preservação. A educação não pode tirar dos

recém-chegados sua própria oportunidade em face do novo. Arendt diz: “exatamente em

benefício daquilo que é novo e revolucionário em cada criança é que a educação deve ser

conservadora, ela deve preservar essa novidade e introduzi-la como algo novo em um mundo

velho” (ARENDT, 1972, p. 243).

Assim, depois de constatar que a educação está ligada com os destinos mundanos, pois

se assume por meio dela uma responsabilidade com o mundo, porque a educação soa mal em

política?

O problema é que a educação pode ser substituída pela dominação, e isto, me parece, é

o que preocupa Arendt. Pois as utopias políticas e os regimes totalitários subtraem as crianças

de seus pais e as doutrinam, e nisto “tudo destruímos, pois tentamos controlar os novos de tal

modo que nós, os velhos, ditamos sua aparência futura” (ARENDT, 1972, p. 243). Na política

lidamos com adultos livres, lidamos com iguais, numa relação horizontal. Em educação a

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relação se dá entre desiguais; trata-se de uma relação vertical entre a criança e o adulto,

portanto uma relação assimétrica. Na política, por sua vez, ficar na dependência de alguém

que eduque e ensine, como pensar e agir, significa abrir mão de fazê-lo por contra própria,

abrir mão da liberdade. E, pontua ela:" quem quer que queira educar os adultos na realidade

pretende agir como guardião e impedi-los de atividade política" (ARENDT, 1972, p. 225).

O que empreendi aqui, ambiciosamente (diga-se de passagem), comprometeu-se com

um projeto que é o de reabilitar a dignidade da política e da educação. Dito em outras

palavras: tentou-se buscar respostas aos desafios que a sociedade de massas lança, já que o

que está em jogo mesmo é o risco do desaparecimento da política e a ruína do mundo. Nesta

perspectiva, Arendt pareceu-me sugerir que os homens devem voltar a preocupar-se e

responsabilizar-se de novo com o mundo, despertando da alienação que os reduziu à condição

de animal laborans, preocupados fundamentalmente com a manutenção da vida.

Continuo pensando que uma das condições de possibilidade para esse “voltar-se de

novo para o mundo”, passa pela reabilitação da capacidade de agir, em detrimento do

comportamento que retira dos homens a sua espontaneidade. Assim, uma condição necessária

para revitalizar o sentido da política e da ação, passa pela educação. Dessa hipótese decorre a

questão: como pode a educação contribuir com a política, com vistas à manutenção do

mundo, sem que com isso torne-se dominação?

Minha suspeita é a de que há sim! uma dimensão a um só tempo crítica e política no

ato de educar crianças que, no futuro, serão cidadãos. Assim, seria tarefa da educação

preparar as crianças para que elas não se recusem, quando adultas, a assumirem a

responsabilidade coletiva pelo mundo.

A educação pode contribuir, não no sentido de ensinar a pensar e a agir de

determinada forma, isto é, doutrinando as crianças, mas, desenvolvendo nelas, de um lado, a

capacidade de agir, falar e julgar e, de outro, as virtudes cívicas como a coragem, o

discernimento, o respeito, virtudes tão necessárias para o resgate do pleno exercício da

cidadania. Ou seja, formar homens novos, que tenham a capacidade de assumir o cuidado

com o mundo.

6 - Discussão / Conclusões

A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos.

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Hannah Arendt

Embora continue convicto, ainda, de que a educação é uma condição de possibilidade

para que haja transformações, portanto, de que há uma certa relação entre a educação e o

mundo, concluído este meu primeiro estudo, não poderia deixar de apresentar algumas, por

assim dizer, “ressalvas” a esse posicionamento, com o intuito de complementar, explicar e

ampliar um pouco mais as conclusões a que cheguei com esta pesquisa. Vamos a elas.

Em primeiro lugar, quero considerar a necessidade, antes de tudo, de nos

desvencilharmos dos “utopismos pedagógicos”. Há, amplamente difundida, nos meios

acadêmicos, no senso comum, nos discursos políticos, uma crença de que a educação é, senão

a única, o mais importante instrumento que dispomos para empreender e efetivar mudanças

no mundo.

Arendt nos chama a atenção, um sem número de vezes, para os "juízos e preconceitos

acerca da natureza da vida privada e do mundo público e sua relação mútua" (ARENDT,

1972, p.237), ou seja, para a confusão moderna da relação entre estas duas esferas, privada e

pública. Até o limiar da modernidade, era muito bem distinto e definido, o lugar de cada uma

delas. Na modernidade, é tamanha essa confusão que até inventou-se algo inédito na história:

a esfera do social – uma esfera híbrida, entre a privada e a pública. Esta “invenção” trouxe

consigo um grande número de conseqüências, e uma delas, tão bem analisada por Arendt n’A

condição humana, é a emergência de “preocupações” do âmbito privado, como a manutenção

da vida, para a esfera pública.

Diante do que foi dito, para sinalizar que, como não distinguimos bem o que é inerente

a cada esfera, também nosso entendimento acerca do papel da educação, é confuso. É preciso

que a educação seja vista por ela mesma, e não apenas a partir do olhar utilitarista, cujo foco é

restrito à função e à utilidade, ainda mais quando ela se encontra em crise. Faz-se necessário

também, não perdermos de vista que a educação pertence, ainda que esteja sob a tutela do

Estado, ao âmbito social, ao contrário da política que se situa na esfera pública e onde,

efetivamente, os destinos do mundo são tramados e decididos.

Então, qual pode ser a relação entre educação e política? Como justificar a convicção

de que a educação é uma condição de possibilidade para que haja transformações no mundo?

Como responder a aparente incompatibilidade entre elas, tal como sinalizada por Arendt?

Se considerarmos a educação como um lugar, e este lugar independe da esfera onde

se localize, este lugar é onde assumimos uma dupla responsabilidade, aquela anunciada por

Arendt: uma com as crianças, e outra com o mundo. Neste lugar, protegemos as crianças,

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motivo porque elas são seres humanos em formação, incompletos, em um estado de vir a ser,

que necessitam ser protegidas do mundo; e, protegemos o mundo da sua ruína natural que lhe

ocorre relativamente à imposição do novo, que cada nova geração traz consigo.

A educação é o lugar onde protegemos a criança - e é digno de nota a sensibilidade e

a preocupação de Arendt para com elas, traduzidas na exigência de que não as abandonemos

–, e é também onde elas são preparadas não só para serem seres humanos – pois é onde se

humanizam – como também para serem cidadãos, que saibam cuidar, que se responsabilizem

no futuro pelo mundo, que sejam capazes de começar coisas novas e impedir a ruína do

mundo.

Então, se cabe à educação preparar aqueles que adiante serão os responsáveis pelo

mundo, ela é assim, nessa dimensão, aquela condição de possibilidade da qual já falamos.

Entretanto, os resultados (seus efeitos) não necessariamente existirão. Primeiro, porque estes

“resultados” ocorrem na esfera pública regida por um jogo constituído de regras totalmente

distinto da educação. Segundo, estes “resultados” podem ser só uma esperança, ou seja, só

nos resta esperar que cada ser educado e preparado opte – esta decisão ocorrerá na esfera

pública – por não se retirar da responsabilidade coletiva pelo mundo.

À luz desses termos, é possível responder a questão da incompatibilidade da seguinte

maneira: a educação não se relaciona necessariamente com a política, entretanto, ela pode de

certa forma, quando contribui com a decisão de cada um, determinar os rumos do mundo. Em

outras palavras, a compatibilidade entre a educação e a política é uma possibilidade, que é

determinada pela decisão de cada um. Analogamente, assim como cada um, sabendo o que é

correto fazer, pode optar pelo errado, as crianças educadas hoje, preparadas para suas

obrigações com o mundo, pode amanhã, na esfera pública, decidirem não assumi-las. Esse é

um risco do qual não podemos fugir!

Destarte, a educação parece ser uma possibilidade que se efetiva, se isso ocorrer, por

meio da decisão de cada ser educado, sempre, no futuro, porque as decisões do presente estão

sendo tomadas agora pelos adultos. Não convém, nem temos o direito de, exigir das crianças

que assumam hoje a responsabilidade que é nossa, dos adultos.

Em relação aos apontamentos de Arendt que poderiam viabilizar saídas para a crise da

educação, creio que seja necessário dizer algumas palavras. Parece muito sensato quando a

autora, em A crise da educação, aponta a necessidade de desvincular a educação dos demais

âmbitos e aplicar-lhe exclusivamente a autoridade e reabilitar a tradição. Quanto à autoridade,

esta questão não se desvincula do papel do educador. Ao educador não podemos dispensar, de

modo algum, pelo menos dois aspectos. O primeiro é o amplo domínio do conteúdo da

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matéria que leciona. Não se pode continuar permitindo a negligência na formação dos

professores, deixando que eles assumam as salas de aula sabendo pouco mais que seus

alunos. Essa exigência é pertinente pelo fato de que ao conhecer o mundo, já que o educador

será diante das crianças o representante dele, bem mais que as crianças que acabam de chegar

nele e que não o conhece, esta é uma fonte de autoridade, autoridade de quem sabe mais.

O segundo aspecto é que não se pode permitir que sejam educadores, aqueles que não

assumirem, na educação, a responsabilidade pelo mundo. Lembremos que a responsabilidade

pelo mundo, segundo as palavras de Arendt, assume a forma de autoridade.

Quanto à tradição, que nos conduz com segurança do passado para o presente, é

preciso que o professor além de conhecê-la, de dominá-la, respeite-a. Isso não requer, ou não

significa, que ele tenha que gostar, ou aceitar o passado, e sim, que ele seja capaz de conduzir

os alunos ao passado, e do passado ao presente.

Então, pragmaticamente falando, é possível que, se adotamos estes dois critérios na

escolha dos professores: primeiro, o de que o professor assuma a responsabilidade pelo

mundo e, segundo, que ele conheça e não despreze a tradição, isso talvez possa ajudar a

remediar a crise na educação no tempo presente.

Arendt não deixou de indicar, nas suas análises, a existência de uma crise, também,

na capacidade de julgar do homem moderno. Acredito que uma das tarefas da educação, hoje,

é reabilitar esta capacidade humana tão essencial. Entretanto, ensinar a julgar, se isso for

possível, não significa ensinar a julgar de uma determinada forma. Aqui, vemos claramente

que a relação entre a educação e a política nos remete a pensar em questões e problemas que

se situam no campo da ética. Essas questões, todavia, dada a sua magnitude, serão objeto de

pesquisas futuras, não cabendo no espaço desta investigação.

Mas, para concluir nossa discussão, cabe interrogar: é tarefa da educação preparar as

crianças para o exercício de julgar? É possível ensinar a julgar sem recorrer a padrões e

valores e sem fazer da educação apenas um instrumento de reprodução ideológica,

mantenedora do status quo vigente? Ou, um instrumento de dominação a serviço de regimes

políticos totalitários? E ainda, o educador envolvido na tarefa de ensinar a julgar, conseguirá

suspender seu modo de julgar (sua opção política, sua ideologia) deixando de impor, assim,

seu modo de ver as coisas? Uma outra questão também se põe: que direito tem um educador,

de inculcar convicções, preconceitos e valores, ainda que sejam só seus ou não, como o modo

certo de julgar o mundo?

Ainda em relação ao fato de que os resultados da educação, no tocante à

responsabilidade pelo mundo, será sempre só uma esperança, faz-se necessário acrescentar

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que, assumir a responsabilidade pelo mundo depende de uma decisão individual e não cabe à

educação de maneira nenhuma determinar esta decisão, ou seja, ensinar a decisão certa, sob

pena de ela se tornar um instrumento a serviço dos regimes ditatoriais ou totalitários Note-se

que estamos, então, diante de um outro problema de ordem ética.

E, por fim, à guisa de conclusão, seria importante considerar o amor mundi

arendtiano. Antes disso, porém, esclareço que este mundo não se trata somente de um

amontoado de coisas produzidas pelas mãos humanas. Não se está falando apenas do ponto de

vista material, mas também das relações entre os homens que surgem e são possibilitadas por

ele. Falar em preservação, em manutenção do mundo, significa falar em preservar a

possibilidade de o homem ser – nas suas relações, que são possibilitadas pelo mundo –,

humano!.

À luz desse registro, é possível, então, tomar como referência o amor mundi,

literalmente, responsabilidade pelo mundo, que se traduz na afeição de Arendt pela

natalidade. O amor mundi não é só uma promessa que estabelece um vínculo entre os seres

humanos, mas, acima disto, é um apelo à ação em conjunto, capaz de proporcionar uma

realidade estável às gerações vindouras, como bem exemplifica Bertold Brecht em seu poema

“Aos que vão nascer” (BRECHT, apud COURTINE-DENAMY, p. 103):

De fato, vivo em tempos sombrios!...Ah! nós,Que queríamos preparar o terreno para um mundo [amistoso,Não pudemos ser amistosos.Mas vocês, quando estiverem aqui,Quando o homem for um amigo para o homem,Pensem em nós com indulgência.

7 - Bibliografia

Obras de Arendt

ARENDT, Hannah. A condição humana. 5ª. ed. Tradução Roberto Raposo. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1991

______. Entre o passado e o futuro. Tradução: Mauro W. Barbosa de Almeida. São Paulo:

Ed. Perspectiva, 1988

______. O que é política? Fragmentos das Obras Póstumas. LUDZ, Ursula (org.). Tradução:

Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998

______. Responsabilidade e julgamento. Ed. Jerome Kohn. Tradução Rosaura Eichenberg.

São Paulo: Companhia das Letras, 2004

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Comentadores

CANFIELD, Horizontina Mello. Hannah Arendt e a crise na educação. São Paulo: UMESP,

2004 (Dissertação de Mestrado)

COURTINE-DENAMY, Sylvie. O cuidado com o mundo – diálogo entre Hannah Arendt e

alguns de seus contemporâneos. Tradução Maria Juliana Gambogi Teixeira. Belo Horizonte:

Ed. UFMG, 2004

FELÍCIO, Carmelita Brito de Freitas. É possível reabilitar o sentido da política? Em torno do

legado de Hannah Arendt. In: Fragmentos de Cultura. Goiânia: Ed. UCG, v. 13, especial,

2003 (p. 167-183).

8 - Perspectivas de continuidade e desdobramento do trabalho

Ainda na minha graduação, por ocasião de uma disciplina ministrada pela professora

Carmelita Brito, onde ocorreu meu primeiro contato com Hannah Arendt, surgiram questões

que me fizeram perseguir o objetivo de investigá-las. A investigação de tais questões foi

organizada em um plano de pesquisa que ora se encerra. A pesquisa respondeu aos problemas

e hipóteses que estas questões colocaram naquele momento.

As respostas a que cheguei constituem um novo ponto de partida. Ponto de partida

para outro estudo, para uma nova etapa de minha vida intelectual. Ao realizar a pesquisa, é

claro, ocorreram outras questões. Discutindo política e educação, percebi que precisaria tratar,

também, de problemas do campo ético. Almejo, então - e estou muito entusiasmado com isso

-, continuar a presente pesquisa no Mestrado em Filosofia Política. Minha pretensão é discutir

a ética de uma educação política, segundo os registros de Hannah Arendt.

9 - Matéria encaminhada para publicação

Além dos resumos das comunicações apresentadas por ocasião da III Jornada de

Pesquisa em Filosofia e Núcleo de Estudos da Religião e Semana de Filosofia e Teologia –

UCG em março de 2005 e do II Seminário Problemas do Estado Democrático

Contemporâneo, realizado em setembro do mesmo ano, publicados nos cadernos de atas

destes eventos, foi encaminhado para a publicação o resumo da comunicação que irei proferir

na IV Jornada de Pesquisa NUPEFIL – NER e Semana de Filosofia e Teologia – FIT, no mês

de março do corrente ano.

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Dos textos elaborados na pesquisa, foi encaminhado à editora da UCG o texto

“Educação e política em Hannah Arendt”, cuja publicação, que é a mais importante desta

pesquisa, está prevista para o primeiro trimestre de 2006.

10 - Apoio

Agradeço o apoio da Universidade Católica de Goiás, sem o qual não teria sido

possíuvel desenvolver esta pesquisa de iniciação científica. Agradeço também, o precioso

apoio recebido da PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PROPE, da

COORDENAÇÃO DE PESQUISA e do NÚCLEO DE PESQUISA EM FILOSOFIA –

NUPEFIL/FIT.

11 - Agradecimentos

Como uma pesquisa acadêmica é um trabalho que não se realiza de forma solitária,

nestas empreitadas carecemos além da companhia, não só de autores como de amigos, para

discutir idéias e opiniões, mas precisamos também do apoio, do estímulo, da compreensão, e

às vezes, até de “puxões de orelha”, tenho e quero agradecer as tantas pessoas que estiveram

comigo nesta caminhada:

Em primeiro lugar, à amiga, orientadora, companheira e professora Carmelita Brito de

Freitas Felício os meus mais verdadeiros e sinceros agradecimentos. Pela sua orientação,

dedicação incansável e carinhosa e pela paciência sem limites.

Aos meus colegas de pesquisa, Davi Alvarenga Balduino Ala e João Henrique Ribeiro

Roriz. E àqueles, professores e bolsistas, que estiveram comigo nas reuniões do grupo de

pesquisa e nos eventos por nós realizados.

À minha irmã e à minha mãe, Ana Carolina e Dora, por me apoiarem e por me

prestigiarem nos eventos em que apresentei comunicações, fruto da pesquisa.

E, em especial, à Claudia pelo seu apoio, amor, compreensão e presença carinhosa,

seja no dia-a-dia do trabalho realizado no aconchego do nosso lar, seja nos momentos de

exposição dos resultados do trabalho à luz do público.

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