carlos eduardo cabral carvalho superintendência de ... · não bastasse essa ausência de...

28
1 CARTA ABCE 042/2018 São Paulo, 26 de outubro de 2018 Ilmo. Sr. CARLOS EDUARDO CABRAL CARVALHO Superintendência de Concessões e Autorizações de Geração Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL Ref: Transferência de bens e direitos afetos às concessões de geração objeto dos leilões ocorridos a partir de 2014 Prezado Senhor, A Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica - ABCE, que completou 82 anos em 2018, é a mais antiga associação de âmbito nacional do setor elétrico, única a congregar concessionárias públicas e privadas de geração, de transmissão e de distribuição de energia elétrica e possui relevante interlocução perante os poderes públicos, na busca por equilíbrio entre os agentes do setor, disponibilidade energética, preços compatíveis, preservação da concorrência, com sustentabilidade, respeito ao meio-ambiente e segurança jurídica. No início de 2018, a ABCE foi incitada por suas associadas a promover o debate a respeito da transferência dos bens e direitos afetos às concessões de geração de energia hidrelétrica relicitadas a partir de 2014, tendo em vista o posicionamento dessa Agência, no sentido de que referida transferência deveria ocorrer diretamente entre antiga e nova concessionárias. Nesse sentido, a ABCE promoveu diversas reuniões que contaram com a presença de representantes das inúmeras empresas com interesse no assunto - detentoras ou destinatárias dos bens e direitos em questão 1 , a partir do que elaborou o Memorando anexo, contendo um breve relato dos problemas identificados na transferência dos referidos bens e direitos, além de sugestões para solução do impasse travado entre as empresas e o Poder Concedente. 1 Companhia Paranaense de Energia - COPEL, ENGIE Brasil, Companhia Energética de Minas Gerais -CEMIG, ENEL Brasil, CTG Brasil, UHE São Simão Energia S.A. (empresa do grupo State Power Investment Corporation SPIC), Brookfield Renewable, Votorantim Energia, Tijoá Participações e Investimentos S.A. e Companhia Energética de São Paulo - CESP

Upload: nguyentuyen

Post on 29-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

CARTA ABCE 042/2018

São Paulo, 26 de outubro de 2018

Ilmo. Sr.

CARLOS EDUARDO CABRAL CARVALHO

Superintendência de Concessões e Autorizações de Geração

Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL

Ref: Transferência de bens e direitos afetos às concessões de geração objeto dos leilões

ocorridos a partir de 2014

Prezado Senhor,

A Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica - ABCE, que

completou 82 anos em 2018, é a mais antiga associação de âmbito nacional do setor elétrico,

única a congregar concessionárias públicas e privadas de geração, de transmissão e de

distribuição de energia elétrica e possui relevante interlocução perante os poderes públicos, na

busca por equilíbrio entre os agentes do setor, disponibilidade energética, preços compatíveis,

preservação da concorrência, com sustentabilidade, respeito ao meio-ambiente e segurança

jurídica.

No início de 2018, a ABCE foi incitada por suas associadas a promover o

debate a respeito da transferência dos bens e direitos afetos às concessões de geração de energia

hidrelétrica relicitadas a partir de 2014, tendo em vista o posicionamento dessa Agência, no sentido

de que referida transferência deveria ocorrer diretamente entre antiga e nova concessionárias.

Nesse sentido, a ABCE promoveu diversas reuniões que contaram com a

presença de representantes das inúmeras empresas com interesse no assunto - detentoras ou

destinatárias dos bens e direitos em questão1, a partir do que elaborou o Memorando anexo,

contendo um breve relato dos problemas identificados na transferência dos referidos bens e

direitos, além de sugestões para solução do impasse travado entre as empresas e o Poder

Concedente.

1 Companhia Paranaense de Energia - COPEL, ENGIE Brasil, Companhia Energética de Minas Gerais -CEMIG, ENEL Brasil, CTG Brasil, UHE São Simão Energia S.A. (empresa do grupo State Power Investment Corporation – SPIC), Brookfield Renewable, Votorantim Energia, Tijoá Participações e Investimentos S.A. e Companhia Energética de São Paulo - CESP

2

Diante do contexto apresentado, a ABCE vem à presença de Vossa Senhoria

solicitar a análise do Memorando, bem como requerer a adoção de providências visando à

efetivação da transferência dos bens e direitos em questão.

Sendo o que tinha para o momento, a ABCE coloca-se à disposição de V.Sa.,

bem como solicita o agendamento de reunião em data que lhe for mais conveniente.

Atenciosamente,

Alexei Macorin Vivan

Diretor Presidente

3

MEMORANDO ABCE Nº 001/2018

TRANSFERÊNCIA DOS BENS MÓVEIS E IMÓVEIS E DOS DIREITOS REAIS AFETOS ÀS

CONCESSÕES DE GERAÇÃO DE ENERGIA HIDRELÉTRICA

RELICITADAS A PARTIR DE 2014

1. INTRODUÇÃO

O presente Memorando tem como objetivo apresentar os resultados das reuniões realizadas em

12/04/2018, 16/05/2018, 25/07/2018, entre outras, entre representantes das empresas Companhia

Paranaense de Energia - COPEL, ENGIE Brasil, Companhia Energética de Minas Gerais -CEMIG,

ENEL Brasil, CTG Brasil, UHE São Simão Energia S.A. (empresa do grupo State Power

Investment Corporation – SPIC), Brookfield Renewable, Votorantim Energia, Tijoá Participações e

Investimentos S.A. e Companhia Energética de São Paulo - CESP, a respeito da transferência de

bens móveis e imóveis e de direitos reais afetos às concessões de geração de energia elétrica

relicitadas a partir do ano de 2014, com base nos Editais dos Leilões nºs 02/2014, 012/2015 e

01/2017.

A partir dos debates exaustivamente realizados com o apoio dos setores jurídicos e de patrimônio

das empresas, serão apresentados nesse documento:

• os impedimentos identificados para execução da proposta feita pela Agência

Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, no sentido de que a transferência dos bens e

direitos ocorra diretamente entre a antiga e a nova detentoras da concessão, e

• uma proposta de solução para a transferência dos bens e direitos referidos.

2. OS IMPEDIMENTOS IDENTIFICADOS PARA A TRANSFERÊNCIA, DIRETAMENTE

ENTRE A ANTIGA E A NOVA CONCESSIONÁRIAS, DOS BENS MÓVEIS E IMÓVEIS E DE

DIREITOS REAIS AFETOS ÀS CONCESSÕES DE GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

RELICITADAS A PARTIR DO ANO DE 2014

Conforme é de conhecimento, a partir de 2014, a ANEEL passou a relicitar empreendimentos de

geração hidrelétrica cujo prazo de concessão havia expirado, tendo referidas licitações sido

regidas pelas normas vigentes, dentre elas a Lei nº 12.783/2013.

4

Realizado o primeiro leilão, que culminou no repasse dos referidos empreendimentos hidrelétricos

das antigas para as novas concessionárias (Leilão nº 02/2014), a ANEEL manifestou-se no sentido

de que a transferência dos bens e direitos reais afetos a esses empreendimentos deveria ocorrer

diretamente entre as empresas, sem que se perfectibilizasse efetivamente o instituto da reversão,

previsto na legislação e no contrato de concessão firmado com as antigas concessionárias.

Apesar de esse posicionamento ter sido comunicado para as empresas após a participação delas

no Leilão nº 002/2014, somente foi formalizado no Edital do Leilão nº 001/2017 e nos contratos de

concessão resultantes deste último leilão, nos seguintes termos:

Os bens da concessão ora outorgada são todos aqueles utilizados na atividade de

geração de energia elétrica, devendo ser registrados contabilmente e controlados

conforme disponham os manuais de contabilidade e de controle patrimonial, e as

demais instruções e orientações contábeis e de controle patrimonial editados pela

ANEEL.

Em consonância com o disposto no § 1º do art. 8º da Lei n° 12.783/2013, a

transferência dos bens reversíveis deverá ser feita diretamente da

concessionária anterior para a nova Concessionária, assumindo esta todos os

direitos e deveres decorrentes, inclusive o pagamento de tributos relativos à

transferência. (grifamos)

Ou seja, a previsão expressa de transferência dos bens entre antiga e nova concessionária, apesar

de somente ter sido avençada no Edital do Leilão nº 001/2017 e nos contratos de concessão deste

decorrentes, tem sido imposta também aos concessionários afetos ao Leilão nº 02/2014.

Ocorre que a ausência de relação jurídica entre as partes envolvidas na transferência desses bens

e direitos (antiga e nova concessionárias) implica a impossibilidade de realização de seu repasse

nos moldes sugeridos pela ANEEL.

Inicialmente, porque não é possível a celebração de instrumentos jurídicos que impliquem

a transferência da propriedade sobre os bens e direitos entre as partes, em especial dos

bens imóveis.

Com efeito, a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) prevê diferentes instrumentos jurídicos

para a formalização da transferência de propriedade, consubstanciados na doação, na permuta,

na dação em pagamento e na compra e venda.

5

Ocorre que, no caso vertente - excetuados os institutos da permuta e dação e pagamento, que

não apresentam qualquer afinidade com a situação apresentada -, a antiga concessionária não

possui interesse na doação do bem, na medida em que a concessionária deve ser ressarcida pelos

investimentos não amortizados e pelos ativos não depreciados relacionados com a implantação e

a operação do empreendimento. Além disso, impossível falar-se em doação, porque ausente o

requisito da espontaneidade, essencial para a configuração desse instituto. Acrescente-se, ainda,

que a doação implicaria o pagamento de tributo pelo donatário.

Não fosse suficiente, ao se considerar que a reversão dos bens ao Poder Concedente opera-se

de pleno direito com o término da concessão, os imóveis, a despeito de registrados em nome da

antiga concessionária, são da União Federal (restando pendente apenas a formalização do fato

jurídico, com a quitação de eventuais obrigações remanescentes), o que impede, sob pena de

nulidade, a sua doação pela antiga concessionária. Não bastasse, tal impedimento também seria

patente às concessionárias com maioria de capital estrangeiro, por força dos arts. 14 e 15 da Lei

nº 5.709/1971.

De igual modo, não há interesse na compra dos bens e direitos pela nova concessionária,

especialmente porque o pagamento pelos ativos da antiga concessionária não foi previsto

expressamente nos leilões realizados a partir de 2014, à medida em que todos os ativos

integrantes da concessão relicitada integram os direitos conferidos à nova concessionária, que

apresentou lanço e venceu o leilão. Assim, seria ilegal e inconstitucional exigir qualquer

pagamento adicional da nova concessionária além das condições por ela ofertadas e que

resultaram na vitória do leilão.

A celebração de um negócio jurídico entre duas partes depende de sua legítima intenção em o

concretizar, sendo considerados nulos aqueles negócios simulados, que “se caracteriza(m) por

um desacordo intencional entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar,

aparentemente, um ato jurídico que, de fato, não existe, ou então oculta, sob determinada

aparência, o ato realmente querido2”, como seria o caso de uma doação entre as concessionárias.

Não bastasse essa ausência de intenção das partes para realização de doação ou compra e venda

dos bens e direitos afetos à concessão, deve-se registrar que, por força das normas que regem o

contrato de concessão firmado com a antiga concessionária, os bens vinculados à concessão são

indisponíveis, não podendo ela cedê-los ou aliená-los à nova concessionária, especialmente após

o término do contrato.

2 Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil, Editora Saraiva, edição 2005.

6

Também é necessário anotar que, no caso de companhias de economia mista, como a COPEL, a

CEMIG e a CESP, a venda dos bens, caso fosse contratual e legalmente possível, somente

poderia ocorrer mediante prévia autorização legislativa e licitação, conforme disposto no art. 28 da

Lei nº 13.303/2016.

De igual modo, reitere-se, a transferência de bens imóveis rurais para as novas concessionárias

com maioria de capital estrangeiro é inviável, por força do disposto na Lei nº 5.709/1971.

No mais, como acima citado, a transferência da propriedade nos moldes sugeridos pela ANEEL

acarretaria, em tese, a incidência de elevados impostos (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis

- ITBI ou Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD), cujo pagamento não foi

provisionado pelas novas concessionárias que participaram do Leilão de 2014 e seguintes, ante a

ausência de menção expressa no Edital.

Referidos pagamentos sequer seriam exigíveis, à medida em que as condições para ter direito à

concessão e operá-la (o que pressupõe o acesso e operação dos ativos que compõem a

concessão) foram exclusivamente as constantes do edital de licitação, que foram precificadas pela

nova concessionária ao apresentar seu lanço e vencer o leilão. Não se poderia, posteriormente,

exigir algo além do que constou do edital de leilão para que a nova concessionária tenha direito

sobre os ativos que integram a concessão.

Não bastasse, no modelo proposto pela ANEEL não há como evitar a incidência de ITBI ou ITCMD

para a transferência da propriedade dos bens imóveis. Ainda que fosse constitucional e legal a

proposta da ANEEL, para o caso dos leilões realizados em 2014 e 2015, em que não havia

previsão de pagamento de impostos para transmissão dos bens afetos à concessão, tal incidência

tributária acarretaria desequilíbrio econômico financeiro do contrato, sendo necessária sua

renegociação, com o consequente aumento da tarifa da energia desses empreendimentos.

Não fossem suficientes esses empecilhos burocráticos, que impedem ou dificultam de maneira

relevante a transmissão dos bens e direitos reais diretamente entre as antigas e novas

concessionárias, vale ressaltar que a situação atual – ou seja, a ausência de repasse dos bens,

especialmente os imóveis - acarreta inúmeras adversidades a ambas as concessionárias,

merecendo destaque as seguintes:

7

Questões ambientais e imobiliárias:

• Possibilidade de que se interprete que haveria a responsabilidade das

antigas concessionárias por eventuais infrações ambientais cometidas em seus

imóveis por terceiros (aí incluída a nova concessionária), tendo em vista o possível

entendimento de que a proteção ambiental constitui um ônus inerente à

propriedade – uma obrigação propter rem. Nesse sentido, as antigas

concessionárias, caso fossem consideradas proprietárias, estariam obrigadas a,

mesmo após finda a concessão, manter fiscalização da área, incorrendo em custos

não previstos;

• Manutenção, pela antiga concessionária, da obrigação e dos deveres de

guarda, zelo, proteção e/ou reivindicação;

• Dificuldade de as novas concessionárias comprovarem, perante os órgãos

ambientais, a propriedade das áreas interferidas por seus empreendimentos,

para fins de emissão de autorizações pontuais, como supressão de vegetação, e

realização de cadastros, como o Cadastro Ambiental Rural - CAR e o Certificado

de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR.

Problemas documentais:

• Dificuldade, pela nova concessionária, na obtenção e transferência para

seu nome dos alvarás necessários ao desenvolvimento de atividades nos imóveis

afetos ao empreendimento (corpo de bombeiros, alvará de funcionamento, etc.);

• Dificuldade na emissão de anuências de limites de propriedades aos

confrontantes, uma vez que caberá à nova concessionária, que está na posse do

imóvel, a anuência técnica, e à antiga concessionária, por figurar no registro como

proprietária, a anuência formal (registro).

8

Responsabilidades perante o Poder Concedente:

• Exposição da nova concessionária a penalidades por descumprimento de

obrigações estabelecidas no contrato de concessão, tais como impossibilidade

do registro contábil dos imóveis em seu ativo para o controle patrimonial e

incapacidade da gestão dos reservatórios e respectivas áreas de proteção, nos

termos da legislação e regulamentação pertinentes.

Questões de representatividade que geram considerável insegurança jurídica à nova

concessionária:

• Dificuldade no exercício do direito ao acesso à justiça, especialmente para

fins de defesa dos interesses relacionados à posse e propriedade de imóveis;

• Dificuldade de atendimento dos pleitos do Ministério Público, ante a

ausência de gerência sobre os bens;

• Dificuldade no controle de recebimento de notificações de terceiros - e

mesmo citações e intimações judiciais - em processos administrativos e judiciais

que envolvam as propriedades não transferidas.

Questões tributárias:

• Necessidade de realização de ajustes contábeis pela nova concessionária

para pagamento dos tributos afetos às propriedades, na medida em que, por

terem natureza propter rem, as cobranças são emitidas em nome das antigas

concessionárias, que permanecem com a titularidade formal dos bens;

• A manutenção da propriedade com a antiga concessionária também tem

impacto sobre a apuração de tributos como Imposto de Renda - Pessoa Jurídica

- IRPJ, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL e Programas de

Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e

Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - PIS/Cofins, na medida

em que a depreciação do ativo imobilizado, caso não esteja integralmente

depreciado, não poderá ser utilizada pela nova concessionária para o abatimento

da base de cálculo desses tributos a que tem direito, nos termos da legislação.

9

3. DA PROPOSTA DA ABCE PARA OPERACIONALIZAÇÃO DA TRANSMISSÃO DOS

BENS MÓVEIS E IMÓVEIS E DE DIREITOS REAIS AFETOS ÀS CONCESSÕES DE GERAÇÃO

DE ENERGIA ELÉTRICA RELICITADAS A PARTIR DO ANO DE 2014

Considerando todos os empecilhos resumidamente apresentados no tópico anterior, bem como o

disposto na legislação a respeito dos bens e direitos afetos à concessão de bens e serviços

públicos, as empresas reunidas no Grupo de Trabalho instituído pela ABCE formularam uma

proposta para concretização da transferência dos referidos bens e direitos, conforme fluxograma

e esclarecimentos abaixo:

UNIÃO FEDERAL

CONCESSIONÁRIA ANTERIOR NOVA CONCESSIONÁRIA

Figura 1 – Fluxograma da proposta da ABCE para o repasse de bens e direitos reais afetos às concessões relicitadas a partir de 2014.

3.1 – Do repasse dos bens da antiga concessionária para a União – aplicação obrigatória

do instituto da reversão

3.1.1 - Das concessões de serviço público – bens da concessão

No regime jurídico brasileiro, a concessão é um contrato temporário, ou seja, com duração

determinada, sendo ele extinto naturalmente após o decurso de certo prazo previamente

estabelecido, o que decorre do art. 175 da Constituição Federal e art. 23, I, da Lei nº 8.987/1995.

A gestão do serviço público concedido, como o exercício de qualquer outra atividade econômica,

pressupõe o uso de meios de que o concessionário se serve para cumprir com suas obrigações.

Nesse sentido, destaca-se por exemplo os meios/recursos humanos que a concessionária

REVERSÃO TERMO DE CESSÃO

GRATUITA DE USO DE BEM

PÚBLICO

10

“vincula” à concessão, como também os meios materiais, isto é, os bens utilizados na consecução

do serviço público.

Assim sendo, tem-se como bens da concessão (vinculados à gestão do serviço público) aqueles

bens imóveis (terrenos, edifícios, infraestruturas complexas, como redes de energia, água ou de

telecomunicações) e móveis (materiais, máquinas, equipamentos, aparelhagens, mobiliário,

material circulante) utilizados na prestação do serviço público concedido.

Nesse sentido, os incisos II, V e VII, do artigo 31, da Lei n° 8.987/1995 mencionam, como encargos

da concessionária, “manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão”;

“permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos

equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis” e

“zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los

adequadamente”, respectivamente.

O artigo 18, X, da Lei n° 8.987/1995, por sua vez, informa:

Art. 18. O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no

que couber, os critérios e as normas gerais de legislação própria sobre licitações e

contratos e conterá, especialmente: (...) X – a indicação dos bens reversíveis.

Também o artigo 23, X, da mesma lei, dispõe:

Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:

(...)

X – aos bens reversíveis.

E, por sua vez, o artigo 35, §§ 1° e 3°, da mesma lei:

Art. 35. Extingue-se a concessão por:

(...)

§1°. Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens

reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme

previsto no edital e estabelecido no contrato.

(...)

§3°. A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo

poder concedente, de todos os bens reversíveis. (grifou-se)

11

Veja-se, ainda, o caput do artigo 36 da lei em foco:

Art. 36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das

parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou

depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e

atualidade do serviço concedido.

A Lei n° 9.427/1996, que trata especificamente do regime das concessões de serviços públicos de

energia elétrica prevê, em seu artigo 14, II e V, o seguinte:

Art. 14. O regime econômico e financeiro da concessão de serviço público de energia

elétrica, conforme estabelecido no respectivo contrato, compreende:

(...)

II – a responsabilidade da concessionária em realizar investimentos em obras e

instalações que reverterão à União na extinção do contrato, garantida a indenização

nos casos e condições previstos na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e nesta

Lei, de modo a assegurar a qualidade do serviço de energia elétrica;

(...)

V – indisponibilidade, pela concessionária, salvo disposição contratual, dos bens

considerados reversíveis.

Enquanto o caput do artigo 18 da Lei nº 9.427/1996 assim prevê:

Art. 18. A ANEEL somente aceitará como bens reversíveis da concessionária ou

permissionária do serviço público de energia elétrica aqueles utilizados, exclusiva e

permanentemente, para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica.

Por sua vez, o Decreto nº 41.019/1957, em seu artigo 44, estabelece:

Art. 44. A propriedade da empresa de energia elétrica em função do serviço da

eletricidade compreende todos os bens e instalações que direta ou indiretamente,

concorram, exclusiva e permanentemente, para a produção, transmissão,

transformação ou distribuição de energia elétrica.

Os artigos 88, “a”, e 89 de referido Decreto preveem, ainda, que é condição geral de toda

concessão a cláusula contratual de reversão dos bens, os quais - findo o prazo da concessão -

reverterão automaticamente à União:

12

Art. 88. São condições gerais de toda concessão:

a) a reversão da propriedade em função do serviço (art. 44), ao fim do prazo da

concessão; (...)

Art. 89. Findo o prazo da concessão reverte para a União ou para o Estado,

conforme o domínio a que estiver sujeito o curso d’água, toda a propriedade do

concessionário em função de seu serviço de eletricidade (art. 44).

Parágrafo único. Quando o aproveitamento da energia hidráulica se destinar a serviços

públicos federais ou estaduais, a propriedade de que trata o presente artigo reverterá:

a) para a União, tratando-se de serviços públicos federais, qualquer que seja o

proprietário da fonte de energia utilizada;

b) para o Estado, tratando-se de serviços estaduais, em rios que não sejam do domínio

federal, caso em que reverterão à União; (grifou-se)

Além das diversas previsões legais acima transcritas, os contratos de concessão também

estabelecem a reversão dos bens ao final da prestação do serviço3.

Os mesmos contratos preveem como encargo da concessionária, dentre outros, o de organizar e

manter registro e inventário dos bens e instalações vinculados à concessão e zelar pela sua

integridade, providenciando para que aqueles que, por razões de ordem técnica, sejam essenciais

à garantia e à confiabilidade do sistema elétrico, estejam sempre adequadamente cobertos por

seguro, vedado à concessionária alienar, ceder a qualquer título ou dar em garantia sem a prévia

e expressa autorização da ANEEL.

No mais, a Resolução Normativa ANEEL nº 691/2015 determina aos agentes setoriais a obrigação

de solicitar prévia anuência da Agência para a desvinculação de bens vinculados aos serviços de

energia elétrica e dispensa da referida obrigação (sem prejuízo do controle a posteriori e das

sanções previstas em lei) a desvinculação de bens considerados inservíveis à prestação do

serviço público de geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica, bem como à produção

de energia elétrica a partir do aproveitamento de potencial hidráulico, devendo o agente setorial

constituir dossiê da desvinculação, nos termos da referida Resolução. O descumprimento, pela

3 Segundo a disciplina da Lei nº 8.987/1995: Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: (...) X - aos bens reversíveis.

13

concessionária, das formalidades afetas à desvinculação de bens previstas na citada Resolução

implica a aplicação das penalidades previstas na Resolução Normativa ANEEL nº 63/2004.

3.1.2 - Da inafastabilidade da reversão dos bens vinculados à prestação do serviço

A reversão pode ser definida como sendo o retorno dos bens vinculados à concessão ao Poder

Concedente, por ocasião do fim do contrato, de modo a atender ao princípio da continuidade do

serviço público.

Com efeito, os bens vinculados à prestação dos serviços públicos têm natureza pública, razão

pela qual, inclusive, são indisponíveis, o que evita consumação de prescrição aquisitiva do direito

de propriedade. Na lição da doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro4:

Ora, dentre as entidades da Administração Indireta, grande parte presta serviços

públicos; desse modo, a mesma razão que levou o legislador a imprimir regime jurídico

publicístico aos bens de uso especial, pertencentes à União, Estados e Municípios,

tornando-os inalienáveis, imprescritíveis, insuscetíveis de usucapião e de direitos reais,

justifica a adoção de idêntico regime para os bens de entidades da Administração

Indireta afetados à realização de serviços públicos.

É precisamente essa afetação que fundamenta a indisponibilidade desses bens, com

todos os demais corolários.

Com relação às autarquias e fundações públicas, essa conclusão tem sido aceita

pacificamente. Mas ela é também aplicável às entidades de direito privado, com relação

aos seus bens afetados à prestação de serviços públicos.

É sabido que a Administração Pública está sujeita a uma série de princípios, dentre os

quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse possível às entidades da

Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades de economia mista e

concessionárias de serviços públicos, alienar livremente esses bens, ou se os mesmos

pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião, haveria uma

interrupção do serviço público. E o serviço é considerado público precisamente porque

atende às necessidades essenciais da coletividade. Daí a impossibilidade da sua

paralisação e daí a sua submissão a regime jurídico publicístico.

Por isso mesmo, entende-se que, se a entidade presta serviço público, os bens que

estejam vinculados à prestação do serviço não podem ser objeto de penhora, ainda

que a entidade tenha personalidade jurídica de direito privado.

Também pela mesma razão, não podem as entidades prestadoras de serviços públicos

alienar os seus bens afetados a essa finalidade, sem que haja a prévia desafetação;

embora a Lei n° 8.666, de 21.06.1993, só exija autorização legislativa para a alienação

4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 397- 398.

14

de bens imóveis das autarquias e fundações, encontra-se, às vezes, em leis esparsas

concernentes à prestação de serviços públicos concedidos, norma expressa tornando

inalienáveis os bens das empresas concessionárias, sem a prévia autorização do poder

concedente.

Portanto, são bens públicos de uso especial os bens das autarquias, das fundações

públicas e os das entidades de direito privado prestadoras de serviços públicos, desde

que afetados diretamente a essa finalidade.

Trata-se, assim, a reversão de bens, de um preceito tradicional nas leis brasileiras referentes às

concessões de serviços públicos. Mais do que isso, a reversão desses bens é corolário lógico e

imediato do término da concessão. Ocorre ipso iure, conforme consta dos preceitos legais acima

transcritos.

Como já foi dito, o contrato de concessão é um negócio sujeito a termo preestabelecido, sendo ele

extinto naturalmente após o decurso de certo prazo previamente constituído. Por sua vez, a

utilização dos bens vinculados à concessão apenas se justifica enquanto vigente o contrato de

concessão, de modo que, extinto este, a legislação impõe que os bens revertem-se ao Poder

Concedente. Nessa medida, o direito sobre os bens está sujeito à condição resolutiva expressa,

de sorte que, sobrevindo essa condição (fim da concessão), extingue-se qualquer direito da antiga

concessionária sobre esses bens, nos termos do art. 128 do Código Civil, operando-se de pleno

direito a reversão.

Nessa linha, encerrado o prazo da concessão, a reversão se opera imediatamente de pleno

direito, ainda que, por razões operacionais, a sua efetiva formalização ocorra em momento

posterior. Essa é a dicção do art. 35, §1º, da Lei nº 8.987/1995, segundo o qual, extinta a

concessão, os bens reversíveis retornam ao poder concedente. A propósito, ensina MARÇAL

JUSTEN FILHO5, em obra específica sobre o tema:

Extinta a concessão, desaparece o regime jurídico correspondente. Logo, qualquer

poder, referível ao Estado, de que estivesse investido o concessionário extingue-se

juntamente com a concessão. Por igual, o concessionário não poderá manter a

prestação do serviço nem gozar de benefícios que eventualmente lhe tenham sido

concedidos. (…)

A extinção de direitos e benefícios diretamente derivados da concessão dá-se

de modo automático, sem necessidade de outras formalidades.

(…)

5 Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. pp. 569-570.

15

Extingue-se, por igual, o poder que o concessionário exercitava sobre os bens

públicos afetados ao serviço público. O Estado volta a ter a posse deles.

(grifou-se)

A reversão imediata dos bens vinculados à concessão é salientada também pela jurisprudência

pacífica do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, segundo o qual “com o advento do termo

contratual tem-se de rigor a reversão da concessão e a imediata assunção do serviço pelo

poder concedente, incluindo a ocupação e a utilização das instalações e dos bens

reversíveis” (REsp 1.059.137/SC).

A reversão dos bens vinculados à prestação do serviço público é, portanto, um fato jurídico que

opera de pleno direito uma vez extinta a concessão, em observância ao procedimento previsto

nos respectivos edital e contrato de concessão, razão pela qual, neste momento, o que resta fazer

é unicamente a formalização da reversão.

Assim sendo, é inafastável a ocorrência da reversão por ocasião do término das concessões

do serviço público de energia, inclusive sob pena de a sua não ocorrência ser objeto de

questionamento pelo Ministério Público.

Não obstante, o Ministério de Minas e Energia (MME) externou posicionamento no Parecer nº

00511/2017/CONUR-MME/CJU/AGU, no sentido de que não mais impera o instituto da reversão,

haja vista o contido no art. 8º, §1º, da Lei nº 12.783/2013, que assim dispõe:

Art. 8o. As concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica que

não forem prorrogadas, nos termos desta Lei, serão licitadas, na modalidade leilão ou

concorrência, por até 30 (trinta) anos.

§ 1o A licitação de que trata o caput poderá ser realizada sem a reversão prévia dos

bens vinculados à prestação do serviço. (grifou-se)

Em primeiro lugar, é preciso perceber que o diploma supracitado é posterior à Lei nº 8.987/1995,

não se aplicando, portanto, às concessões cujas relações se estabeleceram nos termos da referida

lei e que preveem a reversão dos bens por ocasião da extinção da outorga, por força do princípio

da irretroatividade das leis e do respeito do ato jurídico perfeito.

Em segundo lugar, o art. 8º, §1º da Lei nº 12.783/2013 não revogou o art. 35, §1º, da Lei nº

8.987/1995 (que impõe a reversão dos bens ao fim da concessão). Isso porque, nos termos do

16

art. 2º, §1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a lei posterior só revoga a lei

anterior nas seguintes hipóteses: (i) quando expressamente o declare; (ii) quando seja com ela

incompatível; ou (iii) quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Nenhuma

dessas situações se verifica no caso da Lei nº 12.783/2013, de modo que não se há que falar em

revogação do instituto da reversão.

Em terceiro lugar, há que se compreender o exato alcance do art. 8º, §1º, da Lei nº 12.783/2013.

Esse preceito legal trata, apenas e tão somente, do momento em que deverá ocorrer a

formalização da reversão. Assim, prevê, apenas e tão somente, a possibilidade de que a

formalização da reversão seja realizada após a licitação, não estando afastada, entretanto, a

ocorrência da reversão.

Ainda de acordo com o Parecer da AGU, os bens (inclusive os reversíveis) deveriam ser objeto de

transferência direta entre a antiga concessionária e o nova outorgada.

Considerando-se, entretanto, que a reversão dos bens à União é um fato jurídico que, por

imposição legal, opera de pleno direito com o fim da concessão, a transferência direta dos bens

entre antiga e nova concessionários não é uma alternativa possível. Com o fim da concessão, os

bens, automaticamente, passam a pertencer à União, restando, apenas, a formalização da

reversão. Além disso, não há qualquer possibilidade, quer legal ou contratual, de haver doação ou

compra e venda desses bens, conforme abordado neste Memorando.

Prevalece, pois, a necessidade de formalização da reversão dos bens vinculados à prestação dos

serviços, nos termos da legislação e do contrato de concessão.

3.1.3. - Da natureza jurídica do Registro Imobiliário

Ainda se faz necessária uma breve abordagem a respeito da natureza jurídica do Registro

Imobiliário, uma vez que a viabilidade da solução aqui proposta tem de passar pelo crivo dos

Registros de Imóveis, sob pena de ser inócua.

O art. 236 da Constituição Federal dispõe que “... os serviços notariais e de registro são exercidos

em caráter privado, por delegação do poder público.”

17

O artigo 3º da Lei nº 8.935/1994, que regulamentou o referido dispositivo constitucional, define: “...

Notário, ou tabelião, e o oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de

fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.”

A natureza jurídica do Registro Imobiliário, apesar de existirem discussões sobre a função notarial

e de registro, pelo fato de ser exercida por um particular, é pública, devido à fé pública que lhe é

concedida, bem como à delegação que recebe do Poder Público.

Assim sendo, podemos definir que os notários e registradores são agentes públicos em

colaboração com o Poder Público, visando a atender o interesse da coletividade. Decorre daí o

rigor formal dos Registros Imobiliários na prática de seus atos. Além disso, o Registro Imobiliário

rege-se pelos seguintes princípios:

• Princípio da Publicidade, o qual visa a levar ao conhecimento de toda e

qualquer pessoa que possua interesse nos atos praticados pelas serventias,

deixando-a a par da movimentação de bens e pessoas (artigo 5º, inciso XXXIII

da Constituição Federal; artigo 17, parágrafo único, da Lei de Registros Públicos);

• Princípio da Fé Pública, pelo qual os atos deverão ser pautados pela

segurança, veracidade, garantindo-lhes assim eficácia;

• Princípio da Prioridade, o qual consiste na prenotação ou protocolização

que o título ganha ao adentrar o serviço de Registro de Imóveis, sendo nele

aplicada uma numeração por ordem cronológica, e o devido lançamento no livro

de protocolo (art. 186 da Lei de Registros Públicos – exceções: artigos 189 e 192

da Lei de Registros Públicos);

• Princípio da Especialidade, que visa à completa especialização, descrição,

qualificação e identificação de todos os elementos advindos do direito real,

inclusive para que a garantia que dele emana por força da publicidade tenha

efeito erga omnes (artigo 176, parágrafo 1º e artigo 225 da Lei de Registros

Públicos);

• Princípio da Continuidade, segundo o qual deve haver um elo entre as

transmissões referentes às características do imóvel e de seu proprietário, ou

seja, o título de transmissões deve trazer a exata descrição do imóvel, e a

18

completa e correta qualificação do proprietário deste mesmo imóvel à época da

transferência que se fará (artigos 195 e 237, da Lei de Registros Públicos);

• Princípio da Disponibilidade, que dispõe que não se pode transmitir o que

não se possui;

• Princípio da Legalidade, no contexto registral significa que os títulos que

terão seu ingresso ao fólio real passam por uma verificação, sendo observados

se estes não contrariam a Lei de Registros Públicos, leis especiais aplicáveis a

cada situação, se os princípios inerentes estão sendo corretamente aplicados e

se estes encontram-se no rol do art. 167 da Lei de Registros Públicos, com o

intuito de atestar a validade do negócio jurídico;

• Princípio da Unitariedade, que visa à segurança do sistema registral.

Estabelece que cada unidade imobiliária tenha um único registro, ou seja, que

cada bem imóvel possua uma única matrícula (artigo 176, parágrafo 1º, inciso I e

artigo 228, da Lei de Registros Públicos);

• Princípio da Cindibilidade, o qual dispõe sobre a cisão do título, ou seja, o

registro parcial do conteúdo do negócio;

• Princípio da Instância (ou Princípio da Solicitação), que dispõe que não

caberá ao Oficial Registrador a decisão pelo registro ou não do registro do título

apresentado (artigo 13 da Lei de Registros Públicos).

Dos princípios acima elencados, destacam-se três, quais sejam, os princípios da Continuidade, da

Disponibilidade e da Legalidade, os quais serão rapidamente tratados de modo a se trazer a linha

de raciocínio para a solução apresentada no presente Memorando.

O Princípio da Continuidade é previsto no art. 195 da Lei de Registros Públicos, vejamos:

Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante,

o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja

a natureza, para manter a continuidade do registro.

O contido no art. 237 da mesma lei corrobora o princípio, uma vez que dispõe:

19

Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará o registro que dependa

da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do

registro.

De acordo com esse princípio, portanto, não há como uma pessoa transmitir ou até mesmo gravar

um imóvel com algum ônus caso ela não seja proprietária do imóvel, uma vez que o elo estará

quebrado, não garantindo a segurança necessária que o registro de imóveis pretende alcançar

com a aplicação do referido princípio.

Conforme o Princípio da Disponibilidade, nas transações realizadas deverá sempre se observar

qual a exata extensão do direito que possui o alienante. Em outras palavras: ninguém pode

transferir mais direitos do que os constituídos no registro imobiliário, de maneira que a propriedade

e os direitos a ela relativos só se transmitem com o registro do título, sendo que na fase do registro

é preciso que os direitos constantes dele estejam disponíveis em nome dos transmitentes.

Pelo Princípio da Legalidade, só a “lei formal” possui capacidade jurídica para conferir ou dar

aptidão para que um título possa ser recepcionado e qualificado positivamente junto a um Registro

Imobiliário. O princípio da legalidade envolve uma reserva formal, que exige que o registrador

desqualifique o ingresso de todos os títulos não concebidos expressamente como aptos a

promover a transferência imobiliária.

O problema encontrado em relação a esse Princípio se dá na aplicação prática, pois, por mais que

o meio registral atualize-se, acompanhando o mundo jurídico, nem sempre estará no mesmo

patamar, gerando dúvidas e incertezas de difícil solução.

3.1.4 - Da proposta relacionada à transferência dos bens e direitos vinculados à

concessão diante do término da vigência da outorga

Considerando a natureza pública do Registro Imobiliário e a inafastabilidade dos princípios que

regem a matéria, busca-se aqui apresentar uma solução que permita a emissão de um único ato

pela União Federal, capaz de pautar as alterações de titularidade dos imóveis em questão, da

forma menos onerosa possível ao Poder Concedente, sendo ele efetivamente aceito pelos

Cartórios de Registros de Imóveis.

20

Nesse sentido, vejamos o que dispõe o art. 172 da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos):

Art. 172 - No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a

averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de

direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, " inter vivos" ou " mortis causa" quer

para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a

terceiros, quer para a sua disponibilidade.

Os atos de registro estão enumerados no inciso I do artigo 167 da Lei nº 6.015/1973 (rol

exaustivo), enquanto que os atos de averbação estão enumerados no inciso II do referido artigo

(rol exemplificativo).

São sujeitos a registros os títulos que, de alguma forma, gerem direitos reais sobre o imóvel ou,

de um certo modo, gravem a propriedade. Enquanto são sujeitos a averbação os títulos cujos

atos apenas alterem ou complementem um registro.

Assim sendo, indaga-se: qual seria o instrumento jurídico utilizado para que se operacionalize a

reversão dos bens, em favor do Poder Concedente?

Os instrumentos jurídicos previstos em lei para a transferência de propriedade de bens imóveis

são os seguintes:

• Compra e venda;

• Permuta;

• Dação em pagamento; ou

• Doação entre vivos

Nenhum desses instrumentos, entretanto, enquadra-se na situação concreta, de reversão, a qual

poderá estar associada, ou não, ao recebimento de indenização por eventuais ativos que não

tenham sido integralmente amortizados nem depreciados.

A reversão assemelha-se à desapropriação e ao usucapião, uma vez que se trata de forma

originária de aquisição de propriedade, na medida em que a alteração da propriedade decorre não

de um negócio jurídico, mas sim de um fato jurídico (fim da concessão). Nesse sentido, ensina

SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA6:

6 Direito administrativo didático. 3a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 244.

21

Por uma figura de linguagem, o termo reversão passou a designar o fenômeno da

perda dos bens pelo concessionário e de sua aquisição pelo Poder Concedente.

Assim sendo, a reversão é uma forma de aquisição da propriedade de bens, pelo

Poder Público, aquisição de bens essa de natureza originária. (grifou-se)

Isso significa que a reversão é, por si mesma, suficiente para instaurar a propriedade em favor do

Poder Público. Assim como na desapropriação e no usucapião, é irrelevante a vontade do

proprietário, pois não é transmitente do imóvel.

Assim sendo, a reversão dos bens vinculados à concessão à União Federal deve ser realizado

com fundamento no inciso I do art. 167 da Lei de Registros Públicos, haja vista que se trata de ato

de registro.

Nesse cenário, no que diz respeito à formalização da reversão dos bens em favor da União

Federal, por se tratar de forma originária de aquisição de propriedade, basta um ato

administrativo do Poder Concedente, reconhecendo o fato jurídico do fim da concessão e

declarando a reversão, com amparo na Lei nº 8.987/1995 (e no Contrato de Concessão), que

prevê expressamente que ao término da concessão ocorrerá de pleno direito a reversão

dos bens ao Poder Concedente.

O ato administrativo poderia ser uma Portaria7, a ser editada para cada caso concreto (ou seja,

individualmente, para cada concessão/outorga). E, de modo a afastar qualquer discussão acerca

de quais bens seriam ou não reversíveis, o próprio instrumento (Portaria) seria instruído com um

Anexo elencando a relação dos bens reversíveis.

Devidamente autorizada pelo ato administrativo, caberia à Secretaria do Patrimônio da União -

SPU – cujas finalidades incluem, dentre outras, administrar o patrimônio imobiliário da União,

adotar as providências necessárias à regularidade dominial dos bens da União e proceder à

incorporação de bens imóveis ao patrimônio da União8. De acordo com o art. 74 do Decreto-lei nº

9.760/1946, os termos, ajustes ou contratos relativos a imóveis da União serão lavrados na

repartição local da SPU e terão, para qualquer efeito, força de escritura pública. Portanto, após a

emissão do ato declaratório de reversão, caberá à SPU celebrar termo de reversão com a antiga

concessionária. Por derradeiro, vale dizer que a operacionalização desses atos perante o Registro

7 Eventualmente, uma Portaria Interministerial do Ministério de Minas e Energia – MME e do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MP. 8 Art. 1º, I, II e V do Regimento Interno da SPU, aprovado pela Portaria GM/MP nº 152, de 5 de maio de 2016.

22

Imobiliário deverá ser feita pela SPU, que tem a função precípua de providenciar registros e

averbações junto aos cartórios competentes9.

Para que a solução ora proposta não encontre dificuldades perante os Registros Imobiliários,

eventualmente será necessária a inclusão de um dispositivo na Lei de Registros Públicos para

prever expressamente a possibilidade de registro de termo de reversão de bens. Nesse sentido,

sugeriríamos a seguinte alteração no art. 167 da Lei de Registros Públicos:

Art. XX. O artigo 167, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passará a vigorar

com a seguinte redação:

“Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I – o registro:

(...)

45. da reversão ao Poder Concedente dos imóveis e dos direitos reais objeto de

contrato de concessão ou de permissão de serviço público ou de uso de bem

público.

E, por fim, além das necessárias tratativas com o MME, MP e ANEEL, sugere-se que sejam

realizadas tratativas com a Associação dos Notários e Registradores, em âmbito nacional, para

garantir a efetividade da proposta ora apresentada.

3.2 – Do repasse dos bens da União Federal para a nova concessionária

Como visto, imediatamente após a extinção da concessão opera-se, de pleno direito, a reversão

dos bens e direitos vinculados à concessão, de modo que referidos bens e direitos passam a

integrar o patrimônio da União, restando apenas a formalização desse fato jurídico por meio dos

procedimentos sugeridos.

Uma vez formalizada a reversão ao Poder Concedente dos bens e direitos vinculados à

concessão, cumpre identificar qual a forma adequada para vinculá-los à nova concessionária.

9 Art. 1º, III do Regimento Interno da SPU, aprovado pela Portaria GM/MP nº 152, de 5 de maio de 2016.

23

3.2.1 – Do repasse, da União para novas concessionárias, dos bens e direitos

vinculados à concessão

Em vista da reversão dos bens e direitos afetos à exploração de geração de energia elétrica por

ocasião do término da concessão, estes passaram a pertencer à União. Desta forma, o novo

concessionário possui o direito, legalmente assegurado, de utilizá-los na exploração da

concessão, nos termos do art. 108 do Decreto nº 41.019/1957:

Art. 108. Para executar as obras necessárias ao serviço concedido, bem como para

explorar a concessão, o concessionário terá, além das regalias e favores constantes das

leis fiscais, e especiais, os seguintes direitos:

a) utilizar os terrenos de domínio público e estabelecer servidões nos mesmos e através

das estradas, caminhos e vias públicas, com sujeição aos regulamentos administrativos;

De acordo com a proposta da ANEEL, a intenção seria que esses bens e direitos passassem a

ser de propriedade da nova concessionária. Com o devido respeito, essa não parece a melhor

solução, pois perpetuará os problemas acima expostos com a transferência dos bens e direitos

toda a vez em que houver o término do prazo de uma concessão.

Além disso, em 2003, foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial sobre Gestão do

Patrimônio da União – GTI (Portaria s/nº, de 11 de setembro de 2003), composto por 18 técnicos

especialistas, designados pelos Ministérios do Planejamento, das Cidades e da Fazenda,

Advocacia Geral da União e Casa Civil/Presidência da República, com o objetivo de estabelecer

os princípios e diretrizes para orientar o conjunto de órgãos do Governo Federal na gestão do

patrimônio imobiliário e fundiário da União.

Dentre as diretrizes definidas pelo GTI, destaca-se a utilização preferencial do instituto jurídico da

cessão de uso dos bens públicos da União, que possibilita a utilização do bem pelo particular

independentemente do repasse de seu domínio/propriedade. Ou seja, tanto quanto possível, deve-

se preferir a cessão de uso, mantendo-se a propriedade com a União Federal.

O uso dos bens imóveis públicos pode se dar por meio dos seguintes institutos:

• Autorização de uso;

• Permissão de uso;

• Concessão de uso; e

• Concessão de direito real de uso.

24

No caso concreto, dentre as opções acima elencadas, entende-se que a concessão de uso,

especificamente na modalidade de cessão de uso, é a que deve ser utilizada, seja pela imposição

legal, seja porque, pelas suas particularidades, é a que melhor se adequa às finalidades

pretendidas10.

Segundo HELY LOPES MEIRELLES11: “... concessão de uso é o contrato administrativo pelo

qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para

que explore segundo sua destinação específica. O que caracteriza a concessão de uso e a

distingue dos demais institutos assemelhados – autorização e permissão de uso – é o caráter

contratual e estável da outorga do uso do bem público ao particular, para que o utilize com

exclusividade e nas condições convencionadas com a Administração.”

Na mesma linha, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO12 ensina que “concessão de uso é o

contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a utilização privativa

de bem público, para que a exerça conforme a sua destinação”. Mais adiante, a professora

acrescenta que “a concessão [de uso] é o instituto empregado, preferentemente à permissão, nos

casos em que a utilização do bem público objetiva o exercício de atividades de utilidade pública

de maior vulto e, por isso mesmo, mais onerosas para o concessionário”, o que é precisamente o

caso.

Como se vê, as particularidades do instituto revelam que a concessão de uso de bem público é o

instrumento apropriado para a destinação à nova concessionária dos bens e direitos vinculados à

concessão. Além disso, a concessão de uso de bem público, na modalidade de cessão de uso13,

é também uma imposição legal.

Isso porque, nos termos do art. 79, §3º, do Decreto-lei nº 9.760/1946, havendo necessidade de

destinar um imóvel da União ao uso de entidade da Administração Pública Indireta, a aplicação se

fará sob o regime da cessão de uso.

10 Na autorização e na permissão de uso, a utilização do bem não é exclusiva. Afastam-se, pois, esses dois institutos, em função dessa característica. Já a concessão de direito real de uso trata-se de um direito real autônomo, não se aplicando, pois, a este caso, haja vista que o direito de uso está vinculado à concessão do serviço de geração de energia elétrica. 11 MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito Administrativo Brasileiro, 42ª Ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2016, p.646. 12 Direito administrativo. 22ª ed. 2. Reimpr. São Paulo: Atlas, 2009. p. 694. 13 Conforme ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a cessão de uso é uma das modalidades da concessão de uso. Op. cit. p. 695.

25

Por sua vez, o art. 42, parágrafo único, da Lei nº 9.636/1998, dispõe que quando o

empreendimento de interesse público envolver áreas originariamente de uso comum do povo, sua

utilização poderá ser autorizada mediante cessão de uso tanto a entes da Administração Pública

direta e indireta, quanto a pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou

social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional, nos termos do art. 18 da mesma

lei, o que é precisamente o caso.

Vale frisar que, nos termos dos §§2º e 7º do art. 18 da Lei nº 9.636/1998, poderão ser objeto de

cessão de uso o espaço físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer

correntes d’água, de vazantes, da plataforma continental e de outros bens de domínio da União.

Portanto, seja para as empresas públicas e sociedades de economia mista (art. 79, § 3º do

Decreto-lei nº 9.760/1946), seja para as concessionárias privadas (art. 42, parágrafo único,

da Lei nº 9.636/1998), sugere-se a utilização do instrumento da concessão de uso, na

modalidade de cessão de uso.

A cessão de uso pode ser gratuita ou onerosa, a depender do caso. Na situação em apreço, tem-

se que a onerosidade da cessão decorre da contraprestação prevista no próprio contrato de

concessão. Isso porque a utilização dos bens se dá exclusivamente em razão da prestação dos

serviços concedidos, de modo que se insere no complexo de relações e das obrigações da

concessionária.

Nem seria razoável cogitar da imposição de novo encargo pela utilização dos ativos inerentes à

concessão, cuja outorga à nova concessionária deu-se nos termos do leilão, conforme as

contrapartidas ofertadas pela nova concessionária em seu lanço, não se lhe podendo exigir nada

além para ter acesso aos imóveis e direitos reais indispensáveis à execução do contrato de

concessão. Eventual cobrança poderia ser considerada um bis in idem.

A respeito do tema, a doutrina de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO14 ressalta que a cobrança

pelo uso de bens públicos é válida para particulares, mas não para concessionárias de energia

elétrica, porque significaria a oneração de um serviço público por outro, em detrimento do interesse

público:

Se é válido que o Poder Público institua remuneração para particulares que sejam

beneficiados com uso privativo de bem público e, portanto, usufruam de

14 Temas polêmicos sobre licitações e contratos. 5. ed. Melhoramentos. São Paulo: 2006. fls. 360

26

benefício maior que os auferidos pelos demais cidadãos, o mesmo não ocorre

quando a utilização do bem público é feita para fins de interesse de toda a

coletividade, como ocorre com os serviços públicos de saneamento, energia

elétrica, fornecimento de gás etc. Embora, aparentemente, seja concessionária

(empresa privada) quem paga pela utilização, na realidade esse ônus acaba por recair

sobre os usuários dos serviços públicos supra referidos. É evidente que esses valores

estarão embutidos no valor das tarifas de água, luz, gás e telefone. (grifou-se).

Assim, além de ilegal e inconstitucional, não há dúvida de que, caso fosse instituída nova cobrança

pela utilização do bem público, esses valores seriam repassados ao preço da tarifa, valendo-se

da autorização legal de revisão tarifária em caso de criação de encargos imprevistos (art. 9º, § 3º,

Lei nº 8.987/95). A cobrança pelo uso de bem público, portanto, também acarretaria a majoração

das tarifas de energia elétrica ao consumidor final, contrariando o interesse público e violando o

princípio da modicidade tarifária (art. 6º, § 1º, Lei nº 8.987/95).

Portanto, a proposta capitaneada pela ABCE é no sentido de que, doravante, não se transfira a

propriedade, mas sim o uso dos bens e direitos afetos a concessões existentes e que serão

recepcionados pela nova concessionária, em decorrência da celebração do novo contrato de

concessão. Assim, estar-se-á solucionando o problema também para as concessões futuras,

evitando-se a interminável, e inviável, transferência da propriedade de imóveis entre

concessionárias. Mais do que isso, a propriedade dos bens imóveis remanesceria, sempre, com

seu real titular, a União Federal, independentemente de quem fosse a concessionária, que teria

direitos de uso.

Assentada essa premissa, cumpre analisar os requisitos para a operacionalização da cessão.

Conforme art. 18, §3º, da Lei nº 9.636/1998, a cessão de uso de bem imóvel da União deve ser

previamente autorizada por ato do Presidente da República, podendo ser delegada ao Ministro da

Fazenda, permitida a subdelegação. A esse respeito, segundo informações da SPU15, antes do

advento da Portaria nº 211/2010, a autorização da cessão gratuita e onerosa era feita pelo MP,

contudo, o Ministro delegou competência para o Secretário do Patrimônio da União autorizar a

cessão gratuita nos imóveis com área inferior a 55ha, permitida a subdelegação quando se tratar

de imóveis com área inferior a 50ha.

15 Memorando nº 90 – SPU/MP.

27

Uma vez autorizada, a cessão de uso é formalizada mediante termo ou contrato (art. 18, §3º, da

Lei nº 9.636/1998). Por sua vez, o art. 74 do Decreto-lei nº 9.760/1946 prevê que os termos, ajustes

ou contratos relativos a imóveis da União serão lavrados na repartição local da SPU e terão, para

qualquer efeito, força de escritura pública.

Por sua vez, a operacionalização da assinatura e registro do termo ou contrato de cessão de uso

no Cartório de Registro de Imóveis compete à SPU, que tem a finalidade de “lavrar, com força de

escritura pública, os contratos de (…) cessão e demais atos relativos a imóveis da União e

providenciar os registros e as averbações junto aos cartórios competentes” (art. 1º, III do

Regimento Interno da SPU, aprovado pela Portaria GM/MP nº 152, de 5 de maio de 2016).

No que tange ao registro, entende-se desnecessária qualquer alteração legislativa, em vista da

previsão na Lei de Registros Públicos:

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I - o registro:

(...)

7) do usufruto e do uso sobre imóveis e da habitação, quando não resultarem do direito

de família; (...)

Por fim, como os bens e direitos não serão transferidos da antiga concessionária para a nova,

deve ser alterada a cláusula dos contratos de concessão firmados com as novas concessionárias,

que trata dos bens da concessão, para dispor que eles serão cedidos à concessionária pelo prazo

da concessão.

A sugestão ora entabulada levou em consideração:

• a perpetuidade do ativo de geração de energia elétrica, o qual ocupará os

imóveis afetos à concessão então exclusivamente destinados à geração de energia

elétrica;

• a competência exclusiva da União para explorar, direta ou indiretamente,

os potenciais hidráulicos de geração de energia;

• a regularização dos imóveis afetos à concessão de geração de energia;

28

• o princípio da eficiência da administração pública;

• evitar a transferência periódica (a cada 30 anos em média) da titularidade

da concessão aos sucessivos outorgantes;

• a inexistência de relação entre a antiga e a nova concessionária que

justificasse a transferência de imóveis diretamente de uma para outra; e

• a reversão à União Federal, imediatamente após o término do contrato de

concessão, dos ativos afetos à concessão de geração, restando, apenas, a

indenização e a formalização da reversão;

Diante de todo o exposto, propõe-se que seja formalizada a reversão de todos os bens imóveis e

direitos afetos à concessão de geração elétrica ao Poder Concedente – que se operou de pleno

direito com o fim da concessão – e que a União, por intermédio da SPU, passe a firmar instrumento

de concessão de uso de bem público, na modalidade de cessão de uso, com as novas

concessionárias.

São Paulo, 26 de outubro de 2018

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COMPANHIAS DE ENERGIA ELÉTRICA – ABCE

Alexei Macorin Vivan

Diretor Presidente