carl schmitt e a fundamentaÇÃo do direito sÉrie produÇÃo cientÍfica - ddj - 1ª edição

60

Upload: beamish22

Post on 25-Nov-2015

163 views

Category:

Documents


8 download

TRANSCRIPT

  • Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira Csar So Paulo SPCEP 05413-909 PABX: (11) 3613 3000 SACJUR: 0800 055 7688 De 2 a 6, das 8:30 s 19:30

    E-mail [email protected] www.saraivajur.com.br

    FILIAIS

    AMAZONAS/RONDNIA/RORAIMA/ACRERua Costa Azevedo, 56 Centro Fone: (92) 3633-4227 Fax: (92) 3633-4782 Manaus

    BAHIA/SERGIPERua Agripino Drea, 23 Brotas Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 Fax: (71) 3381-0959 Salvador

    BAURU (SO PAULO)Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 Centro Fone: (14) 3234-5643 Fax: (14) 3234-7401 Bauru

    CEAR/PIAU/MARANHOAv. Filomeno Gomes, 670 Jacarecanga Fone: (85) 3238-2323 / 3238-1384 Fax: (85) 3238-1331 Fortaleza

    DISTRITO FEDERALSIA/SUL Trecho 2 Lote 850 Setor de Indstria e Abastecimento Fone: (61) 3344-2920 / 3344-2951 Fax: (61) 3344-1709 Braslia

    GOIS/TOCANTINSAv. Independncia, 5330 Setor Aeroporto Fone: (62) 3225-2882 / 3212-2806 Fax: (62) 3224-3016 Goinia

    MATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSORua 14 de Julho, 3148 Centro Fone: (67) 3382-3682 Fax: (67) 3382-0112 Campo Grande

    MINAS GERAISRua Alm Paraba, 449 Lagoinha Fone: (31) 3429-8300 Fax: (31) 3429-8310 Belo Horizonte

    PAR/AMAPTravessa Apinags, 186 Batista Campos Fone: (91) 3222-9034 / 3224-9038 Fax: (91) 3241-0499 Belm

    PARAN/SANTA CATARINARua Conselheiro Laurindo, 2895 Prado Velho Fone/Fax: (41) 3332-4894 Curitiba

    PERNAMBUCO/PARABA/R. G. DO NORTE/ALAGOASRua Corredor do Bispo, 185 Boa Vista Fone: (81) 3421-4246 Fax: (81) 3421-4510 Recife

    RIBEIRO PRETO (SO PAULO)Av. Francisco Junqueira, 1255 Centro Fone: (16) 3610-5843 Fax: (16) 3610-8284 Ribeiro Preto

    RIO DE JANEIRO/ESPRITO SANTORua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 Vila Isabel Fone: (21) 2577-9494 Fax: (21) 2577-8867 / 2577-9565 Rio de Janeiro

    RIO GRANDE DO SULAv. A. J. Renner, 231 Farrapos Fone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567 Porto Alegre

    SO PAULOAv. Antrtica, 92 Barra Funda Fone: PABX (11) 3616-3666 So Paulo

    ISBN 978-85-02-15007-2Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Macedo Jr., Ronaldo Porto.Carl Schmitt e a fundamentao do direito / Carl Schmitt ; RonaldoPorto Macedo Jr. 2. ed. Trad. Peter Naumann So Paulo :Saraiva, 2011. (Coleo direito, desenvolvimento e justia. SrieProduo cientfica).Bibliografia.1. Direito Filosofia 2. Filosofia alem 3. Poltica Filosofia 4.Schmitt, Carl, 1888-1985 Crtica e interpretao I. Macedo Jr.,Ronaldo Porto. II. Ttulo. III. Srie.10-06772 CDU-340.12

    ndice para catlogo sistemtico:1. Direito : Filosofia 340.12

  • 2. Filosofia do direito 340.123. Filosofia jurdica 340.12

    Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo PintoDiretor de produo editorial Luiz Roberto Curia

    Gerente de produo editorial Lgia AlvesEditora Manuella Santos de Castro

    Assistente editorial Aline Darcy Flor de SouzaAssistente de produo editorial Clarissa Boraschi Maria

    Arte, diagramao e reviso Know-how EditorialServios editoriais Carla Cristina Marques / Vinicius Asevedo Vieira

    Capa Studio BssProduo grfica Marli Rampim

    ImpressoAcabamento

    Textos de Carl Schmitt utilizados na traduo: "ber die Drei Arten des rechts-w issenschaftlichen Denkens", Hanseatische Verlagsanstalt, Hamburg, 1934. "Der Fhrer schutz dasRecht", Deutsche Juriten-Zeitung, Jg. 40, Heft 19 (Outubro 1), texto republicado em Positionen und Begriffe im Kampf mit Weimar-Genf-Versailles 1923-1939, Duncker & Humblot,

    Berlin (1940), 1988. Copyright: Duncker & Humblot

    Data de fechamento da edio: 2-3-2011

    Dvidas?Acesse www.saraivajur.com.br

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prvia autorizao da Editora Saraiva.A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

  • Nota sobre uma publicao tardiaA reviso de um trabalho acadmico para publicao aps alguns anos de sua elaborao das tarefas mais ingratas que se pode cometer a

    um autor. Frequentemente impossvel, invariavelmente insuficiente, definitivamente penosa, ela necessariamente impe a reconsiderao deaspectos pontuais da escrita e exposio, como recomendaria, no mais das vezes, a reviso da estrutura, contedos e argumentos. estacondio que faz com que muitas teses que no so publicadas logo aps a sua feitura terminem com um destino melanclico numa poucofrequentada prateleira de biblioteca de uma universidade. O nus e responsabilidade por uma reviso foram os motivos que me fizeram deixarpassar mais de oito anos at a publicao deste trabalho, originariamente apresentada como dissertao de mestrado na Faculdade de Filosofiada Universidade de So Paulo.

    A relevncia do tema e do autor, ainda pouco conhecido entre ns, e o comentrio benevolente de alguns amigos leitores encorajaram-me adecidir public-la agora. Carl Schmitt um desses autores muito citados, mas pouco lidos e estudados. Ademais, ele conhecido no pelasobras de teoria do direito mais diretamente analisadas neste trabalho, mas, sim, pelos seus escritos mais famosos de teoria constitucional eteoria poltica.

    O texto publicado no foi objeto de profunda e estrutural reviso. Faz-lo importaria adiamento indefinido da publicao. Limitei-me arevisar questes de estilo e escrita, bem como a reforar algumas das argumentaes em face de publicaes posteriores elaborao dapesquisa. Minha reviso da bibliografia sobre Schmitt, que cresce muito rapidamente em nmero de ttulos, foi bastante limitada diante do quevem sendo publicado, sobretudo na Alemanha.

    Verses ligeiramente modificadas de algumas ideias contidas nos Captulos 2 e 4 j foram publicadas na forma de artigos na revista LuaNova, editada pelo CEDEC (Centro de Estudos de Cultura Contempornea): O Decisionismo de Carl Schmitt (nmero 32, 1994) eConstituio, Soberania e Ditadura em Schmitt (nmero 42, 1997).

    Ainda que a teoria do direito de Carl Schmitt se apresente no conjunto de sua obra, acredito que o texto que acompanha este livro tem umpapel fundamental para a compreenso da evoluo da contribuio deste autor como filsofo do direito. Este o motivo que me levou apropor ao editor que fizesse acompanhar a publicao do trabalho com a de traduo de dois textos inditos em portugus e at bem poucotempo no traduzidos integralmente para nenhuma lngua.

    Fevereiro de 2011

  • AgradecimentosApresentei um projeto de pesquisa sobre o pensamento de Carl Schmitt em 1986, ano em que ingressei no mestrado em Filosofia na USP

    (FFLCH). Naquela poca, mais do que hoje em dia, o nome deste importante pensador conservador no despertava maior ateno entre meus colegas e professores. Para muitos, a rubrica Carl Schmitt nem sequer encontrava um registro preciso. Devo ao meu orientador, Jos Arthur Giannotti, famoso por sua iconoclastia, rigor e heterodoxia intelectual, a proposta de pesquisar o pensamento de Carl Schmitt. Ao lado da prpria sugesto original, devo a ele o estmulo para ingressar na ps-graduao em Filosofia, bem como sua marcante influncia intelectual, especialmente durante o perodo em que fui bolsista do CEBRAP. Agradeo aos meus colegas e amigos ex-bolsistas do CEBRAP, com quem sempre tive frtil interlocuo acadmica. As bolsas de estudo concedidas pelo CEBRAP e CAPES proporcionaram um semicio com dignidade que viabilizou o estudo full time em Filosofia.

    Muitas outras influncias foram marcantes para a minha formao intelectual e definio de rea de interesse e estudo terico. Inicialmente, devo muito s tertlias acadmicas madrugadas afora com meu pai, Ronaldo Porto Macedo, e meu irmo, Marcelo Porto Macedo, interlocutores desde as origens. Ainda entre elas, devo agradecer especialmente a experincia vivida e proporcionada junto ao programa PET-CAPES, rea de Direito, no qual, graas generosidade e boa vontade de seus professores, como Trcio Sampaio Ferraz Jr., Jos Eduardo Faria, Renato Czerna e Alar Caff Alves, e interesse de seus alunos, pude ter um primeiro estudo sistemtico de temas relacionados Teoria Geral do Direito, Filosofia do Direito e Sociologia do Direito. Dentre eles, Jos Eduardo Faria foi mais do que um orientador e professor, foi um amigo sempre capaz de estimular e ajudar na recuperao da objetividade de uma pesquisa, substncia esta muitas vezes escassa quando se escreve uma dissertao.

    Tenho aprendido muito com o professor Rolf Kuntz desde sua argui o na minha defesa de tese. Neste processo pedaggico, reconheo um belo exemplo de generosidade intelectual, rigor e pacincia.

    Os amigos e professores Luiz Henrique Lopes dos Santos, Ricardo Terra e Osvaldo Porchat sempre foram parmetros de objetividade e rigor e forneceram estmulo indispensvel para a concluso desta pesquisa. Grard Lebrun sempre foi e ser exemplo de generosidade, profissionalismo e competncia. Os cursos destes professores ministrados no Departamento de Filosofia da USP marcaram-me profundamente. Talvez eles mesmos no saibam, mas recebi forte estmulo para realizar pesquisas tericas nos cursos ministrados pelos ex-professores Gabriel Cohn, Bolivar Lamounier e Francisco Weffort.

    Muitos amigos e familiares, como Regina Porto Macedo, Beatriz Esprito Santo, Flvia de Moraes, Carlos Fausto, Slvia Coccaro Lana e Marcos Lana, contriburam na tarefa, difcil (especialmente em tempos pr-internticos), de reunir os textos, raros e esgotados, de Carl Schmitt. Srgio Tellaroli ajudou-me na leitura e traduo de alguns dos originais em alemo. A todos sou muito grato.

    Ricardo Nascimento Fabbrini e Paulo Marcos Reali Nunes minimizaram a tarefa dos leitores de encontrar as falhas de reviso e estilo. A Peter Naumann, mais do que o agradecimento pelas exatas e cultas tradues que integram este livro, devo o prazer pela sempre estimulante troca de ideias sobre Carl Schmitt e a lngua alem. Agradeo a amizade e a disponibilidade de todos.

    Por fim, agradeo mais cuidadosa, paciente e importante leitora, Ana Cristina Braga Martes. A esta parceira intelectual e de vida dedico este trabalho.

    So Paulo, fevereiro de 2001

  • Sumrio

    Nota sobre uma publicao tardiaAgradecimentosIntroduo

    1. Carl Schmitt no contexto dos anos 1920-1940

    2. O decisionismo jurdico2.1 Traos fundamentais do decisionismo2.2 Decisionismo e occasio2.3 A democracia ditatorial decisionista

    2.3.1 A definio de democracia2.3.2 A ditadura comissria e a ditadura soberana2.3.3 A ditadura e a crise de Weimar2.3.4 Pluralismo, policracia e federalismo2.3.5 O Fhrer protege o Direito2.3.6 Estado, movimento e povo2.3.7 Fhrung e igualdade de estirpe2.3.8 O critrio do poltico

    3. A teoria da instituio3.1 Traos fundamentais do institucionalismo3.2 Implicaes do pensamento de Hauriou3.3 Institucionalismo e sociologia jurdica3.4 Soberania e pluralismo3.5 A influncia de Santi Romano

    4. Normalidade e konkretes Ordnungsdenken4.1 Soberania e deciso4.2 Normalidade e exceo4.3 O institucionalismo schmittiano4.4 Validade e deciso

    5. Concluso: o decisionismo institucionalista de SchmittReferncias

    TEXTOS DE CARL SCHMITTNota sobre as traduesSobre os Trs Tipos do Pensamento JurdicoO Fhrer protege o Direito sobre o discurso de Adolf Hitler no Reichstag em 13 de julho de 1934

  • IntroduoCarl Schmitt certamente um dos mais instigantes e polmicos pensadores polticos do sculo XX. A sua obra jurdica, ao lado de ser

    essencial para a compreenso de suas ideias polticas, reveste-se de originalidade e profundidade. Esta uma das teses deste livro, que temcomo objetivo analisar as caractersticas essenciais do pensamento jurdico de Carl Schmitt. Com a finalidade de circunscrever o objeto deestudo, propus-me a avaliar as mudanas do pensamento do jurista alemo entre os anos de 1922 e 1934, quando Schmitt alcana a suamaturidade intelectual.

    O argumento principal deste livro relativamente simples. Carl Schmitt conhecido por ser um representante do pensamento jurdicodecisionista. Entendo que o pensamento propriamente decisionista de Schmitt dos anos 1920 transformou-se, sem se tornar contraditrio, aoreceber, durante o final dessa dcada, a influncia do pensamento jurdico institucionalista, em particular das obras de Maurice Hauriou e SantiRomano. Em outras palavras, pode-se falar da existncia de um institucionalismo no pensamento de Schmitt a partir dos anos 1930.

    Para seguir tal argumento, cabe mostrar a coerncia do pensamento jurdico schmittiano, em particular a maneira como compatibiliza opluralismo institucionalista dos anos 1930 com o monismo decisionista dos anos 1920. Para tanto, necessria a reconstruo sistemticado pensamento de Schmitt a partir da tica de sua teoria do Direito. Tal tarefa particularmente difcil ante o carter marcadamentefragmentrio de suas obras, com exceo de seus livros Teoria da Constituio (Verfassungslehre) e O Nomos da Terra (Der Nomos derErde).1 Procurei mostrar como o pensamento de Schmitt apresenta unidade e coerncia, a despeito das tenses conceituais igualmentecaractersticas de seu pensamento radical.

    talvez desnecessrio enfatizar que o pensamento de Carl Schmitt tem sido objeto de diversos estudos e muitas so as traduescontemporneas de sua obra, o que est a evidenciar o interesse cada vez maior que o seu pensamento tem despertado na comunidadeacadmica, especialmente entre juristas e cientistas polticos. Depois de longos anos de ostracismo e abandono, suas obras passam a serobjeto de vigorosos debates e seminrios, inclusive por parte de importantes intelectuais de esquerda, como o caso de Habermas, Offe e dosparticipantes do seminrio realizado no Istitituto Gramsci, na Itlia, e que resultou na importante contribuio ao debate sobre o seupensamento La Politica Oltre lo Stato durante os anos 1980. Ao que tudo indica, passados mais de cinquenta anos do final da Segunda GuerraMundial, comea a haver clima intelectual mais propcio para uma anlise mais distanciada e menos ideologizada do pensamento de Schmitt.

    O interesse que orienta o presente estudo duplo. Por um lado, pretendo revelar alguns pontos da coerncia interna do pensamentojurdico de Schmitt, assumindo como ponto de partida metodolgico uma anlise estrutural de seu pensamento.2 Por outro lado, pretendoapresentar uma anlise contextualizada do ponto de vista histrico e no dogmaticamente estrutural. Afinal, particularmente difcilpermanecer no estrito campo da coerncia das ideias de um autor como Schmitt, desconhecendo ou ignorando por completo o seurelacionamento com o contexto de sua poca, to carregado de influxos ideolgicos e polticos. Isto verdadeiro se nos lembramos de queSchmitt era um intelectual militante e, no por acaso, foi considerado o Kronjurist da Alemanha nazista do incio dos anos 1930. De qualquermodo, admite-se que, a despeito do contedo ideolgico e por vezes panfletrio de alguns trabalhos de Schmitt, a sua obra marcada poruma preocupao cientfica. Conforme acentua o prprio Schmitt em seu prefcio Teologia Poltica (Politische Theologie), ao defender-se daacusao de utilizar o seu pensamento para atacar um adversrio no jurdico, afinal de contas, Science is but a small power. A despeito deseu oportunismo poltico eticamente questionvel e reprovvel, a sua prpria vida intelectual est marcada por relativa independnciaintelectual, o que, inclusive, lhe valeu algumas ameaas de morte por parte de setores das SS em razo de suas ideias incmodas para oReich alemo a partir de 1935.3

    Este livro no tem a pretenso de realizar uma pesquisa histrica original. A sua nfase na anlise da coerncia interna do pensamentoschmittiano. Os trabalhos at hoje realizados sobre o seu pensamento, salvo poucas excees entre as quais esto os trabalhos de GeorgeSchwab e Joseph Bendersky4 pouco adentraram na anlise acurada dos conceitos schmittianos e sua coerncia, preferindo ver em sua obraas ideias de um mero idelogo canalha a servio de uma ideologia autoritria ou totalitria (por exemplo: Kurt Wilk,5 Lkacs6 etc.).

    O meu ponto de partida o de que, a despeito do manifesto mal--estar que algumas de suas ideias possam gerar em particular os seustextos mais panfletrios e oportunistas de contedo antissemita , o vigor e o rigor de seu pensamento esto a merecer uma anlise maiscautelosa e desapaixonada. Como se sabe, Schmitt foi um dos principais interlocutores do pensamento jurdico liberal, positivista ejusnaturalista do perodo da Repblica de Weimar. Importantes so as suas polmicas com Kelsen, Laski e suas surpreendentes afinidades comHayek.7

    Sem adentrar na polmica sobre o carter geral do pensamento jurdico de Schmitt, se foi ele um pensador original ou apenas um brilhantesistematizador,8 certo que o seu pensamento exerceu grande influncia na Alemanha no incio do sculo XX e ainda continua a exercergrande influncia no mundo jurdico alemo. Ainda hoje, os mais significativos representantes desta escola talvez sejam o jurista alemo ErnstForsthoff 9 e o politlogo francs Julien Freund. Ademais, as mudanas que seu pensamento sofre so paradigmticas de uma srie detransformaes pelas quais passa a prxis jurdica e a teoria do direito no sculo XX.10

    O propsito deste trabalho no realizar uma anlise sistemtica global do pensamento de Schmitt. Procurou-se mostrar a coerncia eorganicidade da obra schmittiana propriamente jurdica. O projeto poltico de Schmitt e as alternativas polticas que ele pensava para aRepblica de Weimar, a sua crtica ao parlamentarismo, 11 a sua concepo de democracia,12 a sua crtica ao romantismo poltico13 e seustextos tericos sobre o Direito, como Sobre os Trs Tipos do Pensamento Jurdico 1934 (ber die drei Arten des Rechts-wissenschaftlichenDenkens),14 Teologia Poltica (Politische Theologie, 1922)15 e Estado, Movimento e Povo (Staat, Bewegung, Volk, 1934),16 formam umaunidade sistemtica.

    Conforme analisa George Schwab, a inteno de Schmitt entre maro de 1933 e dezembro de 1936 era dupla: 1) esboar um projetoconstitucional para o sistema monopartidrio nacional-socialista e; 2) desenvolver o conceito de ordenamento concreto para a teoria dodireito alemo.17

    A concepo do direito como pensamento do ordenamento concreto (konkretes Ordnungsdenken), desenvolvida por Schmitt em 1934, comcerteza desemboca numa concepo poltica autoritria, fundada num princpio do Fhrer. Vale notar, todavia, que Schmitt no entende oFhrerprinzip numa acepo estritamente decisionista, mas, sim, numa concepo sincrtica na qual o direito um conjunto de instituio,norma e deciso que formam um ordenamento concreto. Ademais, possvel acreditar numa certa ingenuidade do Kronjurist da Alemanhanazista, ao admitir que o princpio do Fhrer ficaria limitado e controlado pelas instituies e pelo povo. Na ideia do Fhrer como encarnaodo ordenamento concreto, percebe-se com clareza o otimismo ingnuo de Schmitt em admitir que o presidente efetivamente tivesse condiesde exprimir o equilbrio interno das instituies. Hitler no era apenas um poltico perigoso para a estabilidade mundial mas algum que psem risco o equilbrio necessrio das instituies alems. Na verdade, o hitlerismo provou a fora da barbrie decisionista pura, fundada na

  • violncia e no terror, o que certamente no estava no horizonte de Carl Schmitt.18Carl Schmitt no escreveu qualquer grande tratado sobre filosofia do direito ou mesmo uma teoria geral do direito, como o fez seu rival

    Kelsen. O seu pensamento jurdico, em particular nestas duas reas de estudo, foi desenvolvido em ensaios circunstanciais. Este livro tomacomo ponto de partida fundamental para a estruturao de seus argumentos um destes textos. Trata-se de uma pequena obra de maturidadede Schmitt em que so sintetizados alguns dos principais aspectos de sua teoria jurdica, bem como sua coerncia interna: Sobre os Trs Tiposdo Pensamento Jurdico (ber die drei Arten des Rechts-wissenschaftlichen Denkens) de 1934.19 Neste brilhante texto-sntese, o juristaalemo afirma que h trs tipos bsicos de pensamento jurdico: Cada jurista que supe em seu trabalho, consciente ou inconscientemente,um conceito de direito, compreende esse direito como uma regra ou como uma deciso, ou ainda como um ordenamento e uma configuraoconcretas.20

    Tal tripartio, entretanto, somente feita pelo autor no citado texto de 1934. Anteriormente, nos anos 1920, quando o decisionismojurdico j gozava de grande prestgio, Schmitt no distinguia seno dois tipos de pensamento jurdico, o que relatado pelo prprio autor emseu prefcio de 1933 reedio da Teologia Poltica , obra originalmente publicada em 1922. Neste texto, afirmado que: Hoje nodistinguiria mais entre dois, mas entre trs tipos de pensamento jurdico: isto , alm do tipo normativista e o decisionista, tambm aqueleinstitucional. Esta conscincia fruto do desenvolvimento da minha teoria das garantias institucionais e do aprofundamento da importanteteoria da instituio de Maurice Hauriou.21

    V-se, pois, conforme confessado pelo prprio Schmitt, que at 1933 este distinguia apenas dois tipos de pensamento jurdico, a saber, onormativismo, que encontrava no pensamento de Hans Kelsen o seu melhor paradigma, e o decisionismo, que encontrava em Bodin, Hobbes eno prprio Schmitt os seus melhores representantes.

    * * * * *No Captulo 1 deste livro apresento os traos histricos e biogrficos fundamentais que permitem melhor entender o contexto histrico-

    poltico no qual se desenvolveu o pensamento de Schmitt. Tal contextualizao importante para a compreenso dos contedos panfletriospresentes em Schmitt, muitas vezes misturados com suas teses jurdico-polticas mais autnticas.

    No Captulo 2, desenvolvo o significado do decisionismo de Carl Schmitt e suas implicaes com o ocasionalismo romntico. Discuto tambma concepo schmittiana de democracia ditatorial decisionista e a sua afinidade com a ditadura totalitria que se afirma com a crise da Weimar,questo que constitui uma das concluses deste trabalho.

    No Captulo 3, apresento uma viso global do institucionalismo e suas implicaes pluralistas, para, posteriormente, analisar o pensamentodo ordenamento concreto de Schmitt e examinar sua coerncia interna. Carl Schmitt reconhece a grande importncia das obras de Hauriou eSanti Romano para o desenvolvimento de sua tricotomia acerca do pensamento jurdico. Para ele, a distino aqui acenada entre pensamentofundado sobre normas e pensamento fundado sobre o ordenamento surge e se torna plenamente consciente somente no curso dos ltimosdecnios. Nos autores precedentes no possvel retraar uma anttese como aquela contida na passagem de Santi Romano.22

    Para o autor italiano, o que produz o direito so as inumerveis instncias e conexes da autoridade ou do poder estatal que produzem,modificam, atuam e garantem as normas jurdicas, embora no se identificando com estas. Segundo Santi Romano, O ordenamento jurdicoassim entendido em seu conjunto uma entidade que se move em parte segundo as normas, mas que sobretudo dirige as prprias normascomo se fossem peas de um tabuleiro de xadrez, normas que, desse modo, representam mais o objeto e tambm o meio de sua atividade, doque um elemento de sua estrutura.23

    Para Schmitt, malgrado o pioneirismo das obras de Hauriou e Romano, a concepo do direito como ordenamento, ao menos numa formaembrionria, pode ser encontrada em praticamente todos os perodos da histria, embora seja possvel, igualmente, verificar um predomniode um determinado tipo de pensamento em cada fase do pensamento jurdico. Prova disto o prprio conceito de Nomos. Segundo Schmitt:Mas assim como law, nomos no significa lei, regra ou norma, mas o direito, que tanto norma quanto deciso, bem como sobretudoordenamento; e conceitos como rei, senhor, defensor ou governor, mas tambm juiz e tribunal, transportam-nos de imediato a ordenamentosinstitucionais concretos que no so mais meras regras.24

    Desde logo, percebe-se a correlao direta e imediata que proposta por Schmitt entre os conceitos de Direito e Soberania. Afinal, ofundamento do direito nos diversos tipos de pensamento jurdico remete diretamente para a questo de qual o critrio de demarcao docampo jurdico, vale dizer, qual conceito, instituio ou instncia determina de modo definitivo (soberano) o que o direito. Embora tal pontovenha a ser objeto de anlise posterior neste trabalho (Captulo 2), interessante fixar desde j tal aspecto do pensamento de Schmitt tobem sintetizado neste trecho: O direito como soberano, o nomos basileus, no pode ser qualquer norma, regra ou disposio legal gratuita,meramente positiva; o nomos que deve suportar um rei efetivo [rechter Knig], deve ter em si certas qualidades de ordenamento supremas,imutveis, mas concretas. No se dir de um mero modo de funcionamento ou de tabela de horrio de trens (Fahrplan) que ele rei. Se opensamento puramente normativista quiser continuar coerentemente fiel a si mesmo, pode invocar sempre to somente normas e validades denormas, mas nunca um poder e uma autoridade concretas.25

    Por esse motivo, Kelsen, talvez o mais coerente dos positivistas jurdicos, separa completamente a questo da soberania da questo dodireito. Para o pensador austraco, a soberania um fenmeno extrajurdico que deve ser absolutamente descartado de toda preocupaocientfica sobre o que o direito.26 Evidentemente, isto no implica afirmar que Kelsen no tenha grande interesse pela questo da soberaniado ponto de vista sociopoltico.

    Para a concepo do ordenamento concreto apresentada por Schmitt, contrariamente ao que ocorre com o normativismo, De um nomosefetivo como rei efetivo s se pode falar se nomos significa precisamente o conceito de direito total, que abrange um ordenamento e umacomunidade concretas. Assim como na combinao de palavras e conceitos ordenamento jurdico (Rechts-Ordnung), os dois conceitosdistintos de direito e ordenamento se determinam reciprocamente; na combinao nomos rei o nomos j est concebido como ordenamentovital e referido a uma comunidade concreta, medida que a palavra rei ainda deva ter um sentido aqui; e do mesmo modo rei umarepresentao de ordenamento em termos de conceito jurdico, que deve ser da mesma espcie do nomos, caso a representao do nomos reino deva ser um acoplamento exterior de palavras, mas uma autntica relao atributiva (Zu-Ordnung). Assim como o nomos rei, o rei nomos, e com isso j nos encontramos novamente em meio a decises e instituies concretas, ao invs de normas abstratas e regrasgenricas.27

    Carl Schmitt tambm famoso por sua radical e precisa definio de soberania. Para ele, soberano quem decide na situao de exceo. Adeciso soberana instaura uma ordem a partir de um caos, criando uma situao de normalidade jurdica na qual atuam as instituies. Cabeanalisar, portanto, a relao traada por Schmitt entre ordenamento, normalidade, soberania e deciso. Esta ser a tarefa do Captulo 4 destelivro.

  • Por fim, na concluso apontado o novo direcionamento que ter o pensamento de Schmitt aps o final da Segunda Guerra Mundial, com asua teoria sobre o novo Direito Internacional Europeu.

    Essas duas obras de maior flego e sistematicidade so de 1922 e 1955, respectivamente. No perodo que privilegiei para este trabalho, Schmitt no produziu nenhuma obra quesistematizasse sua reflexo.

    Tal como explicitada por Victor Goldschmidt, em Tempo Histrico e Tempo Lgico na Interpretao dos Sistemas Filosficos, in A Religio de Plato, Difuso Europeia do Livro, 2. ed.,So Paulo, 1970. Cabe notar, todavia, que no se pretende realizar qualquer tipo de anlise estruturalista ortodoxa, mesmo porque seria bastante discutvel a prpria viabilidade terica eprtica de tal empreitada. O vis da anlise estrutural limita-se, portanto, a uma premissa metodolgica de anlise cuidadosa de textos.

    Tal episdio relatado com preciso por George Schwab ( Carl Schmitt La sfida delleccezione, Laterza, Roma, 1986) e Joseph Bendersky (Carl Schmitt. Theorist for the Reich, PrincetonUniversity Press, New Jersey, 1983). Importante, tambm, o artigo de Joseph Bendersky, The Expendable Kronjurist: Carl Schmitt and National Socialism, 1933-36, in Journal ofContemporary History, SAGE, London and Beverly Hills, vol. 14, 1979, ps. 309-328.

    Schwab, op. cit., e Bendersky, op. cit.La doctrine politique du national-socialisme. Carl Schmitt expos et critique de ses ides, in Archives de Philosophie du Droit et Sociologie Juridique, IV, n. 3-4, 1934, ps. 169-196.El Assalto de la Razn. La trayectoria del irracionalismo desde Schelling hasta Hitler, Grijalbo, Barcelona, 1967, especialmente, ps. 519-537.Sobre as afinidades com o pensamento de Hayek, ver, sobretudo, Friedrich Hayek, Direito, Legislao e Liberdade. Uma nova formulao dos princpios liberais de justia e economia

    poltica, 3 volumes, So Paulo, Viso, 1985. A relao entre Schmitt e Hayek objeto especfico do Captulo 8 do livro Carl Schmitt The End of Law, de W illiam E. Scheuerman,Rowman & Littlefield Publishers, Inc, Boston, 1999.

    Esta ltima a opinio de Giuseppe Zaccaria, La critica del normativismo, p. 144, in La Politica Oltre lo Stato: Carl Schmitt, Istituto Gramsci Veneto, Arsenale Coperativa Editrice, Venezia,1981, com a qual no concordo.

    Entre as principais obras deste herdeiro de Schmitt est Stato di Diritto in Trasformazione (Rechtstaat im wandel), Giuffr, Milano, 1973. De Julien Freund cabe destacar seu clssicoLEssence du politique, Paris, Sirey, 1986.

    Mudanas to bem analisadas por Franois Ewald em Ltat Providence, Grasset, Paris, 1986. Cfr. The Crisis of Parliamentary Democracy (Die Geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus 1923), MIT Press, 1985, Il Custode della Costituzione (Der Huter derVerfassung 1929), Giuffr, 1981 e La Dictadura (Die Diktatur. Von den Anfangen des modernen Souveranittsgedanken bis zum proletarischen Klassenkampf 1921), Alianza Editorial,1985.

    Teoria de la Constitucin (Verfassungslehre 1928), Madrid, Alianza Editorial, 1982. Romanticismo Politico (Politische Romantik), Milano, Giuffr, 1981. Hanseatische Verlagsanstalt, Hamburg, 1934. Utilizei a traduo italiana Teologia Politica, in Le categorie del poltico. Saggi di teoria politica a cura di Gianfranco Miglio e di Pierangelo Schiera, Societ Editrice Il Mulino, Bologna,1972, ps. 29-88.

    Staat, Bewegung, Volk. Die Dreigliederung der politischen Einheit , Hanseatische Verlagsanstalt, Hamburg, 1933, traduo italiana Stato, Movimento, Popolo. Le tre membra dellunitpolitica, in Carl Schmitt, Principii politici del nazionalsocialismo. Scritti Scelti e tradotti da D. Cantimori, Sansoni, Firenze, 1935.

    Schwab, op. cit., p. 151. Sobre as posies polticas de Schmitt, ver as obras de Bendersky, op. cit., e Schwab, op. cit. ber die drei Arten des Rechts-w issenschaftlichen Denkens (Sobre os Trs Tipos do Pensamento Jurdico ), Hanseatische Verlagsanstalt, Hamburg, 1934. Doravante citado como ber diedrei Arten... Traduo italiana, I tre tipi di pensiero giuridico, in Le categorie del Politico, Societ Editrice Il Mulino, Bologna, 1972.

    ber die drei Arten..., op. cit., p. 7. Traduo italiana, I tre tipi di pensiero giuridico, op. cit., p. 247. Politische Teologie, traduo italiana, Teologia Poltica, op. cit., p. 30. ber die drei Arten..., op. cit. Traduo italiana, op. cit., p. 260. ber die drei Arten..., op. cit. Traduo italiana, op. cit., p. 260, em que Schmitt cita LOrdinamento Giuridico , de Santi Romano, p. 17. Utilizei aqui a traduo espanhola, ElOrdenamiento Jurdico, Instituto de Estudios Polticos, Madrid, 1963, p. 100, em que o prprio Romano acusa a adeso de Schmitt ao seu posicionamento.

    ber die drei Arten..., op. cit., p. 15. Traduo italiana, op. cit., p. 253. ber die drei Arten..., op. cit., p. 15. Traduo italiana, op. cit., p. 253. Cfr. de Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, Armnio Amado, Coimbra, 1974 e Il problema della sovranit, Milano, Giuffr, 1989. ber die drei Arten..., op. cit., p. 16. Traduo italiana, op. cit., p. 254.

  • 1 Carl Schmitt no contexto dos anos 1920-1940

    Eu sou um terico, um puro scholar e nada alm de um scholar.(Carl Schmitt, 1930)1

    A minha natureza pode bem ser denominada com o auxliode um nome que um grande poeta encontrou. o caso feio,indigno e, todavia, autntico, de um Epimeteucristo.

    (Carl Schmitt, 1945)2

    Carl Schmitt nasceu em Plettenberg, uma pequena cidade na Alemanha, em 11 de julho de 1888. Filho de pais catlicos fervorosos, recebeuuma forte educao religiosa que marcaria toda a sua produo intelectual. Os conflitos entre protestantes e catlicos, bastante comuns noincio do sculo XX, deixariam, igualmente, marcas profundas em sua experincia pessoal.

    Em 1900, ingressou no Gymnasium, em Attendorn, no qual adquiriu slida formao em latim, grego, matemtica e cincias naturais. Em1907, ingressou na Universidade de Berlim, onde cursou Direito. Rapidamente veio a se destacar por sua vasta e ampla cultura, que passavapela histria, filosofia, artes e literatura.3 Tinha entre as suas amizades prximas o poeta Theodor Dubler e os escritores Robert Musil, ErnstJnger e Hugo Ball.

    Depois de um ano em Berlim, transferiu-se para Munique e Estrasburgo. Nesta ltima, recebeu grande influncia do antipositivismoneokantiano que l comeava a florescer, a exemplo do que ocorria em Heidelberg e Freiburg. Nesta poca, o reitor da Universidade deEstrasburgo era Wilhelm Windelband. A vida cultural deste perodo marcar indelevelmente a trajetria intelectual de Schmitt, caracterizadapor sua insistente crtica ao positivismo, em particular ao positivismo jurdico kelseniano.

    Em 1910, Schmitt graduou-se em Direito. Em 1915, j havia publicado trs livros e importantes artigos.4 Nesta primeira fase de seupensamento, Schmitt compartilhava o sentimento de exaltao do Estado presente entre seus colegas de universidade. A sua ideia definalidade moral do Estado nada tinha em comum com o individualismo liberal. Para Schmitt, o Estado, ao estabelecer o direito, no poderiaadmitir oposio e nenhum indivduo poderia dentro dele ter autonomia.5 Schmitt acreditava que o mundo ocidental estava vivendo a era doanti-individualismo, tema que retomaria em seus escritos da dcada de 1920 e 1930.

    Durante os anos 1917 e 1920, a Revoluo Bolchevique de 1917 e os levantes comunistas alemes marcaram o debate poltico ideolgico erevigoraram os receios de setores da burguesia quanto possibilidade de ruptura da ordem civil em razo da Revoluo. Os efeitos doTratado de Versailles e a perda territorial alem para a Frana (inclusive de Estrasburgo, onde Schmitt estudara) marcaram de maneiraprofunda toda a gerao alem dos anos 1920, sendo posteriormente explorados pela propaganda nazista.6 O advento da Repblica deWeimar e a mudana do regime autoritrio para o parlamentarismo marcaro igualmente o universo das preocupaes intelectuais de Schmitt.

    Em 1919, Schmitt publica seu livro O Romantismo Poltico (Politische Romantik), no qual discute as bases filosficas de uma das mais fortescorrentes apolticas da vida intelectual alem. Esta obra marca o seu distanciamento do romantismo poltico em direo a um realismo dematriz conservadora.

    As diversas crises polticas de Weimar, os levantes revolucionrios e a situao poltica imposta pelo Tratado de Versailles (que estabeleceucondies opressivas e feriu a soberania do Estado) fixaram a obsesso de Schmitt pela possibilidade de crise e fragmentao do Estadoalemo. O quadro poltico de Weimar, marcado por uma forte diviso de foras polticas no seio do Parlamento, tambm influenciardiretamente Schmitt em seus estudos sobre o hamletismo poltico (ou incapacidade de o Estado decidir) e o uso dos poderes de exceo pelogovernante.

    Durante os anos 1919-1920, Schmitt frequentou os seminrios patrocinados por Max Weber, em Munique, com Hermann Kantorowics,Ferdinand Tnnies, entre outros. Em 1922, Schmitt transfere-se para a Universidade de Bonn. J nesta poca gozava de grande prestgioperante a comunidade acadmica alem. Permaneceu em Bonn at 1928, ano em que aceitou convite de Hugo Preuss para a cadeira de Direitona Escola Graduada de Administrao e Negcios de Berlim. Neste perodo, inicia-se a trajetria poltica de Schmitt. Conforme observa JosephBendersky, Schmitt, a exemplo do que ocorreu com outros intelectuais alemes, menosprezou o poder dos nazistas em 1930. A posio deSchmitt em 1932, assim como a do poltico que assessorava, General Schleicher, era contrria ascenso nazista e crise poltica. 7 Schmittno confiava em Adolf Hitler e tampouco em seu movimento poltico, e duvidava de seus projetos e habilidades para realizar as reformasnecessrias para evitar a crise e recuperar a capacidade de governo. J em seu texto Legalidade e Legitimidade, de 1932, Schmitt alertava paraos perigos da destruio da Constituio de Weimar por meio de aparatos legais. A sua advertncia referia-se aos receios de que gruposradicais, como os nazistas e os comunistas, chegassem ao poder e alterassem o sistema poltico-institucional.

    Mesmo aps a tomada do poder pelos nazistas, Schmitt acreditou que o presidente Hindenburg poderia atuar como um contrapeso para opoder do novo chanceler Adolf Hitler. 8 Ele acreditou na possibilidade de a influncia conservadora no regime nazista poder suplantar osperigos de uma ditadura de tipo carismtico anunciada pelo novo Fhrer. A presena de seus padrinhos polticos, Papen e Popitz, no regimenazista reforava tal iluso. Conforme observa Bendersky, na medida em que passavam os meses, tornava-se mais claro que leis como aquelaque Schmitt ajudara a redigir9 apenas colocavam mais poder nas mos dos nazistas e, deste modo, diminuam a posio conservadora.Todavia, antes de acordar para tal realidade, Schmitt enganava a si mesmo acreditando que ele e seus amigos conservadores poderiamestabelecer as bases para um Estado alemo autoritrio tradicional. 10 Em 1933, Schmitt ainda mantinha uma averso conservadora aonazismo.

    Durante este mesmo ano de 1933, comearam os expurgos na Universidade contra socialistas, judeus, liberais e antinazistas. Entre os maisnotveis perseguidos nas faculdades de direito estavam Radbruch, Bonn, Cohn, Heller, Kantorowics e Kelsen. Aps os expurgos, cerca de 11%dos professores alemes perderam as suas cadeiras. Neste mesmo momento, inicia-se o perodo de entusiasmo pr-nazista, com opronunciamento de importantes intelectuais.11 Em 22 de abril de 1933, Martin Heidegger escreveu para Schmitt, convidando-o a colaborarcom o regime.12

    Em 1 de maio de 1933, o antigo Kronjurist do regime presidencial filia-se ao Partido Nacional-Socialista, que ento contava com mais dedois milhes de filiados, praticamente o dobro do nmero de filiados de janeiro do mesmo ano.13 Com a sua filiao firmava-se o pactomefistoflico com o Leviat nazista, fundado na relao de obedincia e proteo. Schmitt era o mais notvel e destacado constitucionalistaalemo a aderir ao nazismo.

    Em novembro de 1933, Schmitt torna-se membro do Grupo dos Professores Universitrios da Liga Nacional-Socialista de Juristas Alemes.

  • Nesse perodo, a grande propaganda feita pela imprensa nazista reduziu as suspeitas de muitos nazistas com relao a Schmitt. Datam destapoca alguns de seus textos voltados para a formulao de uma doutrina do Estado Totalitrio, como Sobre os Trs Tipos do PensamentoJurdico e Estado, Movimento e Povo e O conceito de Estado Total .14 Neste ltimo, Schmitt j reconhecia explicitamente que Hindenburg jno mais governava e que o Fhrer do povo alemo, de jure e de facto, era Hitler.

    Conforme bem observa Karl Lwith, Schmitt, em sua nova edio do Conceito do Poltico de 1933, eliminou suas referncias a Marx eLukcs, de modo a tornar o texto mais aceitvel aos nazistas.15 Schmitt inseriu, igualmente, observaes antissemitas em suas obras.16 Valenotar, todavia, que, mesmo mencionando ideias de raa, sangue e identidade de estirpe, Schmitt jamais se filiou teoria nazista oficial doracismo biolgico. Tal posicionamento fixar um ponto de vulnerabilidade frente a seus opositores dentro do Partido Nacional-Socialista.

    Em seus textos de cunho antissemita, em que ataca a inexpressividade da cultura jurdica judaica, 17 Schmitt procura, provavelmente, evitaros seus embaraosos envolvimentos com intelectuais judeus ocorridos no passado. Dentre os fatos mais significativos, basta lembrar suaamizade e admirao com relao a Walter Benjamin (de quem chegou a escrever uma resenha do livro A origem do drama barroco alemo),18Hugo Preuss (sobre quem escreveu o livro Hugo Preuss in der Deutschen Staatlehre Hugo Preuss na Teoria do Direito alem), 19 LeoStrauss20 e Waldemar Gurian.21 importante destacar que, durante todo o perodo de filiao ao partido nacional--socialista, Schmitt precisoudar provas de sua adeso ideolgica ao nazismo, porquanto havia uma eterna e justificvel desconfiana destes sobre a real nazificao doKronjurist do III Reich. Schmitt nunca foi nazificado e certo que os seus textos antissemitas e panfletrios, do perodo de 1933 at 1936,representam mais o oportunismo poltico de um intelectual seduzido pelas falsas avaliaes sobre seu poder de influncia num Estado Totalcujos fundamentos auxiliara a elaborar.

    no plano desta constante oscilao entre o oportunismo poltico, a inteno de prestar contas de fidelidade ao regime nazista e apreocupao cientfica com o direito que devem ser interpretadas suas obras dos anos 1930. Neste sentido, os envolvimentos polticos ebiogrficos de Schmitt permitem entender os limites do panfletarismo e das propostas tericas cientficas de Schmitt no perodo de 1933 at1937.22

    Para Schmitt, aps a ascenso de Hitler ao poder e da tomada de suas decises polticas fundamentais, haveria espao para que asburocracias e o exrcito ocupassem o seu real papel segundo uma concepo tradicional de ditadura, sem a interferncia do partido nazista. Ateoria dos ordenamentos concretos (famlia, igreja, exrcito e burocracia estatal) seria a base para a nova ordem social. Neste sentido, ostextos Sobre os Trs Tipos do Pensamento Jurdico e Estado, Movimento e Povo representam a tentativa de Schmitt de encontrar lugar dentrodo nazismo para sua teoria do Estado Total conservador fundado nas ordens concretas.

    O texto O Fhrer protege o Direito (Der Fhrer schutz das Recht), de 1934,23 foi publicado aps os expurgos praticados por Hitler nointerior do Estado e do prprio partido nazista. Nele, Schmitt advoga a legalidade dos atos praticados por Hitler. J advertido pela ameaa deGring aos juristas no cooperativos, Schmitt afirma que, na realidade, o feito do Fhrer estava dentro da jurisdio legtima. 24 Nosmomentos de ameaa nao, o Fhrer teria o direito de agir como juiz supremo, distinguindo os amigos dos inimigos e tomando as medidasnecessrias. Para Schmitt, o episdio da Noite das Facas Longas no era ilegal, e sim produto de criminosas aes no autorizadas(Sonderaktionen). Da o motivo pelo qual Gring determinara a persecuo criminal dos responsveis pelas mortes.

    Os expurgos da SA no apenas eliminaram os elementos mais radicais do partido mas tambm abriram espao para a ao de gruposextremistas ligados SS. A partir de 1934, inicia-se uma presso da Gestapo e da SS no sentido de eliminar os oportunistas e pensadoresdesviantes do interior do movimento nacional-socialista.25

    Nesta poca, Schmitt perceber com clareza que os seus esforos para ajustar seu pensamento ideologia oficial do nazismoapresentavam-se mais como sinais de oportunismo do que como provas de compromisso ideolgico, diante das evidentes discrepncias entreseu pensamento anterior e a doutrina nazista oficial, especialmente no tocante ao racismo ideolgico (de pretensa fundamentao biolgica).Apesar disso, em 1934 Schmitt ainda gozava de prestgio junto cpula nazista e mantinha contatos frequentes com Gring, Hans Frank eoutros membros do alto escalo como Gebbels, Hess, Himmler e Alfred Rosenberg.

    Em fevereiro de 1934, Schmitt recebeu o primeiro ataque srio por parte de Otto Koellreutter, um dos advogados do racismo ideolgico. Emoutubro de 1934, o outrora discpulo de Schmitt, Gurian, sob o pseudnimo de Paul Mller, publicou um artigo no SchweizerischenRundschau denunciando as mudanas no pensamento de Schmitt e sua passagem do catolicismo para o nacional-socialismo. O textomencionava os envolvimentos de Schmitt com intelectuais judeus e no arianos, como Moritz Julius Bonn e Hugo Preuss, alm de seu papelcomo intelectual de proeminncia do pensamento catlico conservador.

    Em novembro de 1934, Koellreutter fez divulgar cpias dos artigos de Gurian e passou a advogar a expulso de Schmitt do PartidoNacional-Socialista. A partir de ento, o envolvimento de Schmitt com o nazismo foi se aprofundando, e cada novo passo tornava o caminhode volta cada vez mais difcil. Segundo Bendersky: Em setembro de 1935, o caminho das Leis de Nuremberg no apenas revogou os direitosde cidadania dos judeus como tambm legalizou o antissemitismo biolgico-racial dos nazistas. A partir de ento, a raa no seria apenas umconceito ideolgico, mas uma categoria formal legal. Dentro de poucas semanas, Schmitt fez o que o partido esperava que fizesse e defendeupublicamente estas leis. Assim como muitos alemes depois da Segunda Guerra Mundial, Schmitt alegaria que estava obedecendo autoridadelegalmente constituda.26 Em seus artigos de 1935 chegou a chamar as leis de Nuremberg de Constituio da Liberdade. 27 A trajetria deSchmitt faz lembrar, como alis a de tantos outros alemes, a trajetria da personagem de Klaus Maria Brandauer em sua magistralinterpretao no filme Mephisto, do diretor hngaro Istvn Szab. Preso a seus compromissos assumidos em oportunista pacto mefistoflico,no v maneiras ou no encontra foras para revog-lo e assumir suas consequncias. Em 1935, o mesmo Otto Koellreutter afirmava arespeito do texto O Conceito do Poltico de 1932: eu creio que esta concepo do poltico no corresponde concepo do nacional-socialismo da essncia do poltico... no o inimigo, mas, sim, o camarada enquanto tipo espiritual portador da comunidade que forma overdadeiro conceito poltico para um pensamento poltico racista. 28 Em 1936, fechou-se ainda mais o cerco contra Schmitt, quando outroinfluente jurista nazista, Karl August Eckart, acusou-o de formar um grupo reacionrio de conservadores no interior das organizaes nazistas.

    Durante a primavera de 1936, Schmitt continuou seu esforo no sentido de superar a imagem de que era um reacionrio no comprometidocom a ideologia nazista. Datam desta poca seus textos sobre a insignificncia do pensamento jurdico judeu.29 Num texto publicado emoutubro de 1936, chamava os judeus de parasitas estreis que nada tinham a oferecer aos alemes.30 Neste mesmo texto, Schmitt afirma: Eurepito mais uma vez o urgente pedido no sentido de que voc leia cada frase no Mein Kampf de Adolf Hitler relativa questo judaica,especialmente suas afirmaes sobre a dialtica judaica.31

    O oportunismo de Schmitt chegou a um ponto que sua posio no era aceita como autntica nem para os nazistas, nem para osantinazistas. Apesar disso, seus crticos do ps-guerra, salvo algumas lcidas excees como Hannah Arendt,32 no se preocuparam emsalientar tais contradies oportunistas do pensamento schmittiano. O compreensvel clima ideolgico que sucedeu barbrie nazista fez com

  • que Schmitt viesse a ser qualificado pura e simplesmente como o terico do direito nazista, sem maiores ou mais cuidadosas qualificaes.Em dezembro de 1936, o Das Schwarze Korps publicou dois artigos reproduzindo trechos de um livro de 1916 de Schmitt (Theodor

    Dublers Nordlicht: Trs estudos sobre os elementos, o esprito e a atualidade de sua obra) (Theodor Dublers Nordlicht: Drei studien berdie Elemente, den Geist und die Aktualitt des Werkes), no qual ele afirmava que: Todo o romantismo do ensinamento sobre a raa apoia-seem especulaes similares, especialmente especulaes morfolgicas, e pessoas que gostam de chamar a si mesmos de Realpolitiker, fazemnaturais e cientficas, exatas diferenciaes de raa vlidas, mas elas tm basicamente significaes morais. 33 Tais artigos causaram granderepercusso dentro do movimento nacional-socialista. Carl Schmitt passou a ser estigmatizado como oportunista dentro do partido e ser tidocomo pessoa suspeita pelos dirigentes nazistas. Conforme aponta Bendersky, dois artigos transformaram o Kronjurist num pria. 34 Adespeito da defesa feita por seu protetor Hans Frank, alguns dias depois Schmitt deixava a direo da Liga de Juristas Alemes e exonerava-sedo cargo de editor da Deutsche Juristen-Zeitung.

    Seguiram-se outros ataques por parte da SS, nos quais se acusava o Kronjurist de filojudaismo, catolicismo e oportunismo. Alguns artigosdenunciavam, corretamente alis, que a teoria da igualdade de chances para assumir o poder, defendida por Schmitt em Legalidade eLegitimidade, visava expressamente conter a tomada legal do poder pelos nazistas. Neste momento, as alternativas para Schmitt segundorelatrio feito pela SS eram a emigrao ou o campo de concentrao.35 Schmitt cogitou seriamente a hiptese de emigrar. Todavia, o seupassado de apoio s Leis de Nuremberg, ao expurgo de 1934 e seus textos antissemitas tornavam difcil a sua situao no exterior. Ademais,qualquer tentativa de emigrar poderia ser conhecida e impedida pela SS, que mantinha Schmitt sob vigilncia desde o incio de 1936. Nestecaso, a alternativa seria o campo de concentrao.

    Subitamente, as acusaes e crticas a Schmitt terminaram em 1936 ao preo de seu silncio absoluto sobre temas relacionados polticainterna. Neste momento, inicia-se, tambm por razes de conjuntura poltica, a ltima fase do pensamento de Schmitt, dedicada basicamente aproblemas de relaes internacionais, que culminar com a publicao de O Nomos da Terra em 1954.

    A trajetria de Schmitt foi bem sintetizada por Bendersky, seu grande bigrafo, que afirma que: Oportunismo foi sempre um fato maior nacarreira nacional-socialista de Schmitt, mas igualmente importante foi sua prpria crena de que poderia, como o Kronjurist nazista,estabelecer o quadro constitucional para o III Reich. Para ele, o nacional-socialismo era um movimento precoce que exigia maioresdesenvolvimentos de seus fundamentos tericos legais e polticos. A sua tentativa de fornecer a fundamentao das linhas de um regimeautoritrio tradicional estava predestinada, e ele conseguiu apenas ajudar a consolidar uma ditadura totalitria. Certos membros da hierarquiapartidria receberam bem o seu apoio nos estgios iniciais do movimento em razo de sua reputao, que conferia uma aura derespeitabilidade causa nazista. Todavia, to logo Schmitt tentou exercer alguma influncia, iniciou-se a luta para elimin-lo. 36 Em 1936, aDeutsche Briefe resumiu sua situao na frase de Schiller, O mouro fez seu dever, o mouro pode ir. 37 Schmitt, ao final da Segunda Guerra,durante seu julgamento pelo Tribunal de Nuremberg, afirmar que se sentia como um Epimeteu Cristo.38

    Apud Joseph Bendersky, op. cit., p. 201.Ex Captivitate Salus, Adelphi, Milano, 1987, p. 14.Chegou, inclusive, a publicar um livro sobre Hamlet, de Shakespeare, Hamlet oder Hekuba: Der Einbruch der Zeit in das Spiel (Kln, 1954), traduo italiana, Amleto o Ecuba. Lirrompere

    del tempo nel gioco del dramma, Il Mulino, Bologna, 1983.ber Schuld und Schuldarten: Eine terminologische Untersuchung (Bresleu, 1910) (Sobre a culpa e os tipos de culpa: Uma investigao terminolgica); Gesetz und Urteil: EineUntersuchung zum Problem der Rechtspraxis (Berlin, 1912) (Direito e Julgamento: Uma investigao sobre o problema da prxis jurdica); ber Tatbestandsmssigkeit undRechtsw idrigkeit des kunstgerechten operativen Eingriffs (1910) (Sobre conformidade ao suporte ftico (Tatbestandsmssigkeit) e ilegalidade da perfeita interveno operativa); DerWahnmonolog und eine Philosophie des Als-Ob; Schopenhaures Rechtsphilosophie ausserhalb seines philosophischen Systems (1913) (O monlogo fantasioso e uma filosofia do ComoSe; A filosofia do Direito de Schopenhauer fora de seu sistema filosfico); Juristische Fiktionen (ber Vahinger und die Philosophie des Als-Ob (1913) (Sobre Vahinger e a filosofia doComo Se). Apud Bendersky, op. cit., p. 11.

    Cfr. Der Wert des Staates und die Bedeutung des Einzelnen (O valor do Estado e o significado do indivduo), Tbingen, 1914, p. 101.Cfr. Peter Gay, A Repblica de Weimar, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.

    Cfr. Bendersky, op. cit., p. 146 e o artigo The Expendable Kronjurist: Carl Schmitt and National Socialism 1933 36, in Journal of Contemporary History (SAGE, London and BeverlyHills), vol. 14, 1979, ps. 309-28.

    Cfr. Bendersky, op. cit., p. 198. Bendersky refere-se chamada Segunda Lei para a Coordenao dos Estados com o Reich, a lei que fortaleceria o poder central do governo, diminuindo o poder dos estados federados,

    que marcaria um novo padro de relacionamento entre o Reich e os estados. Bendersky, op. cit., ps. 200-201. Cfr. Victor Farias, Heidegger e o Nazismo, Paz e Terra, 1988, ps. 183-208. A carta de Heidegger a Schmitt foi publicada e traduzida na revista TELOS, n. 72, Summer, 1987, op. cit., p. 132. Bendersky, op. cit., p. 204. Cfr. A Repblica de Weimar, de Lionel Richard, So Paulo, Companhia das Letras, 1988, especialmente, ps. 265 e ss. O conceito de Estado Total, in Positionen und Begriffe, op. cit. Karl Lw ith, sob o pseudnimo de Ugo Fiala, Il concetto della politica di Carlo Schmitt e il problema della decisione, in Nuovi Studi di diritto Economia e Politica, VIII, ps. 58-83.Texto originalmente publicado em 1935.

    Cfr. Staat, Bewegung, Volk, op. cit., ps. 42-43. Cfr. Justiz im Dritten Reich, Fischer Bcherei, 1964, Frankfurt am Main, ps. 171-177; Bendersky, op. cit., p. 208 e Schwab, op. cit., especialmente ps. 9-59. Cfr. Amleto o Ecuba, op. cit., ps. 109-119. Die Neue Rundschau, Mrz 1930. Leo Strauss chegou inclusive a escrever uma importante resenha ao seu livro O Conceito do Poltico. Posteriormente, veio a recomendar a publicao de tal resenha e indicou-o para aobteno de uma bolsa de estudos na Inglaterra. Sobre tal episdio e sobre a relao entre o pensamento de Schmitt e Strauss, ver o livro de Heinrich Meier, Carl Schmitt, Leo Strauss etla notion de politique. Un dialogue entre absents, Commentaire Julliard, Paris, 1990. Neste livro, encontra-se uma traduo francesa da resenha de Strauss ao livro O Conceito do Polticode Schmitt, Commentaire de La notion de politique de Carl Schmitt, ps. 129-160.

    Segundo Bendersky, talvez o mais devotado discpulo de Schmitt. Cfr. Bendersky, op. cit., ps. 51 e ss. Vale lembrar que a edio de 1927 da Teoria da Constituio, Schmitt dedica memria de seu amigo Dr. Fritz Eisler de Hamburgo, falecido em 27 de setembro de 1914. A dedicatria de uma das obras mximas de Schmitt a um judeu provocar eterna desconfianaentre os nazistas mais violentos e radicais da SS e ser motivo para fundamentar os ataques de seus inimigos (muitos) dentro do Partido Nacional-Socialista.

    Isto no significa, entretanto, negar a existncia de algum tipo de consistncia terica mais profunda entre seu pensamento e seu envolvimento com o nazismo. Texto republicado em Positionen und Begriffe im Kampf mit Weimar-Genf-Versailles 1923 1939, Duncker & Humblot, Berlin (1940), 1988, traduzido neste volume. Der Fhrer schutz das Recht, op. cit., p. 200. Bendersky, op. cit., p. 219. Bendersky, op. cit., p. 228. Die Verfassung der Freiheit, in Deutsche Juristen-Zeitung, Jg. 40, Heft 19 (Okt. 1, 1935), ps. 1133-1135, Apud Bendersky, op. cit., p. 229. Volk und Staat in der Weltanschauung des National-Sozialismus, Berlin, 1935, ps. 8-9, Apud Julien Freund em seu Prface traduo francesa do Begriff des Politischen, La Notion du

  • Politique, Calmann-Lvy, s/d, p. 26. Die Geschichtliche Lage der deutschen Rechtsw issenschaft (O lugar histrico do pensamento jurdico alemo), Deutsche Juristen-Zeitung, Ja. 41, Heft 1 (Jan. 1, 1936), ps. 15-21 eFaschistische und nationalsozialistische Rechtsw issenschaft, Deutsche Juristen-Zeitung, Jg. 41, Heft 10 (Mai. 15, 1936), ps. 619-620, Cfr. Justiz im Dritten Reich, op. cit.

    Die Deutsche Rechtsw issenschaft im Kampf gegen den jdischen Geist: Schlusswort auf der Tagung der Reichsgruppe Hochullehrer des NSRB vom 3 und 4 Oktober 1936, DeutscheJuristen-Zeitung, Jg. 41, Heft 20, Okt. 15, 1936, p. 1197, Bendersky, op. cit., p. 235.

    Idem, p. 1198, Apud Bendersky, op. cit., p. 236. Sobre os envolvimentos de Carl Schmitt com a poltica do perodo numa perspectiva diversa da de Bendersky, consulte-se de BerndRthers, Entardetes Recht. Rechtslehren und Kronjuristen im Dritten Reich. Zweite, verbessete Auflage, Verlag C. H. Beck, Mnchen, 1989, especialmente ps. 99-179. Cfr. tambm deIngo Mller, Hitlers Justice. The courts of the Third Reich, traduzido por Deborah Lucas Schmeider, Harvard University Press, Cambridge, MA, 1991.

    Em Origens do Totalitarismo, Companhia das Letras, 1989, ps. 388-389, ela escreve: Por outro lado, para fazer justia queles elementos da elite que vez por outra se deixavam seduzirpelos movimentos totalitrios e que, devido a sua capacidade intelectual, so s vezes acusados de haver inspirado o totalitarismo, preciso dizer que nada do que esses homensdesesperados do sculo XX fizeram ou deixaram de fazer teve qualquer influncia sobre o totalitarismo, embora tivesse muito a ver com as primeiras e bem-sucedidas tentativas dosmovimentos de fazerem o mundo exterior levar a srio as suas doutrinas. Sempre que os movimentos totalitrios tomavam o poder, todo esse grupo de simpatizantes era descartado antesmesmo que o regime passasse a cometer os seus piores crimes. A iniciativa intelectual, espiritual e artstica to perigosa para o totalitarismo como a iniciativa de banditismo para a ral,e ambos so mais perigosos que a simples oposio poltica. A uniforme perseguio movida contra qualquer forma de atividade intelectual pelos novos lderes da massa deve-se a algomais que o seu natural ressentimento contra tudo o que no podem compreender. O domnio total no permite a livre iniciativa em qualquer campo de ao, nem qualquer atividade queno seja inteiramente previsvel. O totalitarismo no poder invariavelmente substitui todo o talento, quaisquer que sejam as suas simpatias, pelos loucos e insensatos cuja falta deinteligncia e criatividade ainda a melhor garantia de lealdade. Em nota a tal texto, H. Arendt continua: Interessantssimo o caso de Carl Schmitt, cujas engenhosas teorias acerca dofim da democracia e do governo legal ainda constituem leitura impressionante, op. cit., p. 388.

    Apud es w ird immer noch peinlicher (As coisas ficam ainda piores), Das Schwarze Korps, Folge 50 (Dez. 10, 1936), p. 2, referido por Bendersky, op. cit., p. 238. Bendersky, op. cit., p. 239. Bendersky, op. cit., p. 241. Bendersky, op. cit., p. 242. Cfr. Der NS Kronjurist Carl Schmitt als Mohr... (O Kronjurist do nacional-socialismo como mouro), Deutsche Briefe (Dez. 11, 1936, II, ps. 489-491). Colloquio con Eduard Spranger, in Ex Captivitate Salus, op. cit., p. 14. Conforme sabido, Epimeteu, irmo de Prometeu, era aquele que enxergava depois. Segundo uma versoatribuda a Protgoras, quando os deuses modelaram as criaturas mortais, encarregaram Prometeu e Epimeteu de conferir a cada animal as faculdades necessrias para a sobrevivncia.Epimeteu faz a distribuio sozinho e deixa o homem sem defesa. Para remediar tal erro, Prometeu rouba o fogo de Hefestos, deus da metalurgia, e as artes de Atenas e lhes d aoshomens. Uma outra clebre histria a de Pandora. Esta foi enviada por Zeus com uma caixa contendo todos os males e doenas. Epimeteu, no acolhendo os conselhos de Prometeuno sentido de no abrir a caixa, permite que os males se espalhem.

  • 2 O decisionismo jurdicoSoberano quem decide no estado de exceo.

    (Teologia Poltica 1922)A essncia da Constituio no est contida em uma leiou em uma norma. No fundo de toda normao resideuma deciso poltica do titular do poder constituinte, i.e.,do

    Povo na Democracia e do Monarca na Monarquia autntica.(Teoria da Constituio 1922)1

    2.1 Traos fundamentais do decisionismoA rubrica decisionismo jurdico est irremedivel e definitivamente ligada ao pensamento jurdico de Carl Schmitt. possvel identificar

    dois momentos da reflexo schmittiana sobre o problema da deciso. O primeiro reporta-se a uma obra de juventude do jurista alemo,publicada em 1912, Gesetz und Urteil. Eine Untersuchung zum Problem der Rechtspraxis (Direito e Julgamento. Uma investigao sobre oproblema da prxis jurdica). Este trabalho analisa de maneira sistemtica a questo da deciso judiciria como elemento da prxis jurdica.Conforme escreve o prprio Schmitt em seu prefcio 2 edio, A obra Gesetz und Urteil de 1912 trata da deciso judicial e de suaautonomia frente norma, a cujo contedo remete para a sua fundamentao. A progressiva reflexo sobre o significado prprio da decisocomo o conduziu mais tarde (A Ditadura 1921; Teologia Poltica 1922; Sobre os trs tipos do pensamento jurdico 1934) ideia de quea esfera total do direito est estruturada no s em normas, mas tambm em decises e instituies (ordenamentos concretos).2

    Um segundo momento refere-se s suas pesquisas sobre a teoria da ditadura e da soberania que so desenvolvidas principalmente em suasobras Politische Theologie (1922) e Verfassungslehre (1922). Nelas o autor define soberania como a deciso no estado de exceo, da qualdepende a validade de todo ordenamento jurdico. Nas palavras de Schmitt: Para o jurista do tipo decisionista no o comando enquantocomando, mas a autoridade ou soberania de uma deciso ltima, dada com o comando, que constitui a fonte de todo e qualquer direito, isto, de todas as normas e ordenamentos sucessivos.3

    Tal concepo, segundo Schmitt, foi inicialmente desenvolvida por Bodin e, depois, por Hobbes. este ltimo, todavia, que desenvolve oconceito clssico de decisionismo no sculo XVII. Na interpretao schmittiana,4 para Hobbes, Todo e qualquer direito, todas as normas eleis, todas as interpretaes de leis, todos os ordenamentos so para ele essencialmente decises do soberano, e o soberano no ummonarca legtimo ou uma instncia competente, mas justamente aquele que decide soberanamente. Direito lei, e a lei a ordem que decideo conflito em torno do direito: Autoritas, non veritas facit legem.5

    Para Carl Schmitt, o conceito de decisionismo est essencialmente ligado ao conceito de soberania, e o primeiro grande precursor dodecisionismo jurdico foi Jean Bodin. Bodin no apenas tem o mrito de ter fundamentado o conceito de soberania do direito polticomoderno, como tambm revelou a sua conexo com a ditadura e deu uma definio que ainda hoje deve-se reconhecer como fundamental.6

    Ao analisar o decisionismo jurdico, Schmitt observa que juridicamente, podemos encontrar o ltimo fundamento jurdico de todas equaisquer validades e valores de direito em um processo volitivo, uma deciso que enquanto tal cria o direito e cuja fora jurdica(Rechtskraft) no pode ser derivada da fora jurdica de regras de deciso, pois mesmo uma deciso que no corresponde regra cria direito.Essa fora jurdica de decises contrrias norma pertence a todo e qualquer ordenamento jurdico.7

    O pensamento decisionista, tal como aparece na histria do direito, est vinculado a uma ideia de ordem que pressuposta decisosoberana. Assim, por exemplo, o dogma Cristo da infalibilidade papal contm evidentes elementos decisionistas, mas est assentado epressupe uma instituio, a Igreja, e uma ordem estabelecida por Deus. Neste sentido, a deciso papal apresenta-se sempre como umadeciso que vem a se adequar a uma ordem pressuposta e no uma pura deciso advinda de uma vontade.

    Tambm no pensamento de Bodin, a soberania ainda situada no mbito tradicional da ordem, na qual subsistem a famlia, a casta e outrosordenamentos e instituies legtimas. Nesta ordem, o soberano apenas uma instncia legtima, vale dizer, o monarca legtimo.8

    Hobbes teria sido o primeiro a apresentar um exemplo puro de pensamento decisionista clssico no sculo XVII. Conforme j observado,para este Auctoritas, non veritas facit legem. Para Hobbes, A deciso soberana no , portanto, explicada a partir de uma norma nem a partirde um ordenamento concreto, porque, muito pelo contrrio, somente a deciso fundamenta para o decisionista tanto a norma quanto oordenamento. A deciso soberana o incio absoluto, e o incio (tambm no sentido de arch) no outra coisa seno deciso soberana. Elanasce de um Nada normativo e de uma desordem concreta.9 Deste modo, a estrutura lgica do decisionismo adquire os seus traos maisclaros em Hobbes, pois o decisionismo puro pressupe uma desordem que vem mudada em ordem somente pelo fato de que tomadauma deciso. Para Hobbes, o representante do tipo decisionista de pensamento jurdico o ditador, que acaba com a desordem da bellumomnium contra omnes (guerra de todos contra todos) do Estado de Natureza e funda as leis e o ordenamento.

    Schmitt distingue os tipos de pensamento jurdico enquanto tipos ideais weberianos e preocupa-se tambm em mostrar como eles secombinam, em particular o normativismo e o decisionismo jurdico. Criticando o positivismo jurdico de estilo kelseniano, ele observa quepartindo da premissa da pureza metodolgica possvel admitir que em uma situao estvel um tal modo de pensar (positivismo) plausvele parece realmente possvel prescindir de todos os pontos de vista metajurdicos... Metajurdicos (Metajuridicos) so, no entanto, todos osoutros pontos de vista atinentes viso do mundo (weltanschaulich), moral, economia, poltica ou quaisquer outras esferas, precisamente ospontos de vista no puramente jurdicos. Nem as situaes ou os tipos normais pressupostos na regulamentao legal, nem o princpiosubjacente, nem a natureza da coisa, nem o sentido de uma determinao, mas justamente apenas o contedo palpvel (handgreiflich),indubitvel da prpria norma podem ser critrio de aferio para esse jurista positivista. Metajurdicos so todos os pontos de vistaideolgicos, morais, econmicos, polticos ou qualquer outro tipo, contanto que no jurdicos num sentido puro. Assim, nem a as situaesnormais ou os tipos normais pressupostos na regulamentao legislativa, nem o fim perseguido pelos legisladores, nem o princpio postocomo fundamento, nem a natureza da coisa, nem o sentido de uma definio, mas somente o contedo concreto, indubitvel da norma, podeser determinante para o jurista positivista.10

    Os tipos de pensamento jurdico, contudo, no existem de maneira pura, podendo se combinar. Sobre esta relao entre os tipos nopositivismo jurdico, Schmitt afirma que O positivista no nenhum tipo independente e por isso tambm no eterno de pensamento jurdico.Ele se submete de forma decisionista deciso do legislador que est respectivamente de posse do poder estatal, pois s ele podefornecer a possibilidade de efetivamente realizar de forma coercitiva (Erzwingbarkeit); mas ele exige ao mesmo tempo que essa decisocontinue em vigncia de modo firme e inviolvel enquanto norma, isto , que o prprio legislador estatal tambm se submeta lei por eleinstituda e sua interpretao.11

  • O positivista seria, assim, um decisionista em seu ponto de partida e um normativista em seu ponto de chegada: Ele [o positivista]fundamenta, portanto, o seu ponto de vista primeiramente em uma vontade (do legislador ou da lei) e, depois, contra a sua vontade, semmediaes em uma lei objetiva. Na sequncia histrica das frmulas se pode constatar a sequncia, da vontade do legislador at a prpria lei,passando pela vontade da lei. plausvel supor nisso uma evoluo intrinsecamente coerente da vontade at a norma, da deciso regra, dodecisionismo ao normativismo. Mas em vez de ter nascido da coerncia intrnseca de um determinado modo de pensar, essa sequncia s foipossibilitada pela combinao de decisionismo e normativismo, peculiar ao positivismo; ela permite que o jurista se apresente, de acordo coma situao (Lage der Sache), ora como decisionista, ora como normativista, para satisfazer a nica necessidade de segurana e previsibilidade,essencial ao positivismo.12

    Diante de tal natureza hbrida ou degenerada, O positivista estar inclinado a rejeitar essa questo pelo princpio da vigncia da validadepositiva da norma como questo de natureza no mais jurdica. Mas tambm ele no pode fugir necessidade jurdico-cientfica de apreendero ponto no qual ele inicia a sua atividade de cientista jurdico, a fonte do direito ou o fundamento da validade, em uma categoria de cincia dodireito. Por conseguinte, ele interpretar esse momento ftico efetivo no qual inicia a validade positiva, em termos normativos oudecisionistas.13 Neste sentido, Jellinek, por exemplo, dir que, de um ponto de vista normativo, o direito se fundamenta naquilo que elechama de fora normativa do ftico. Para Schmitt, todavia, a frmula de Jellinek uma combinao de termos vazia e tautolgica e umpositivista dotado de lgica mais aguda falaria de uma fora decisionista do ftico, naturalmente pelo menos to potente quanto a foranormativa.

    Do ponto de vista lgico, seria possvel, a partir de uma combinao dos tipos puros de pensamento jurdico, falar de uma foraordenamental (ou ordenadora) do ftico, em que o pensamento do ordenamento jurdico seria o fundamento ltimo do fenmenometajurdico da fundao da norma ou da Norma Fundamental (Grundnorm). Ocorre que o pensamento do ordenamento concreto nocorresponde necessidade positivista de segurana e previsibilidade funcionais no mesmo grau do que a combinao de normativismo edecisionismo que caracteriza a essncia do positivismo em termos de cincia do direito. 14 Neste sentido, s o elemento decisionistapossibilita ao positivista interromper num determinado instante e num determinado lugar a questo pelo fundamento ltimo de validade danorma vlida, ao invs de lev-lo cada vez mais na direo do imprevisvel, do metajurdico, e reconhecer a vontade de um poder soberanoque num determinado momento histrico existe de fato, impe-se de fato, sem conceber esse poder como uma instituio ou como qualqueroutro ordenamento concreto ou, genericamente, sem perguntar pela sua razo de ser (nach ihrem guten Recht fragen).15 Por tal motivo,Schmitt pode afirmar que, A segurana, firmeza e inviolabilidade invocadas pelo positivista so na realidade, no que diz respeito ao elementodecisionista do positivismo, apenas a segurana, firmeza e inviolabilidade da vontade cuja deciso soberana transforma a norma em normavlida.16

    2.2 Decisionismo e occasioEm sua anlise geral do mundo moderno, Carl Schmitt identifica a existncia de uma tendncia despolitizao e neutralizao, uma marcha

    em direo ao terreno neutro da economia e da tcnica. Tal neutralizao da vida poltica passa a evidenciar-se de maneira mais clara a partirda emancipao da burguesia e ganha seu carter mais forte na moderna democracia industrial de massas. A partir de ento, ocorre oprocesso inverso, caminhando-se para uma total politizao da sociedade e de todos os setores da vida. Dentro desta nova tendncia, surgemos Estados totalitrios da Unio Sovitica, da Itlia fascista e da Alemanha nazista, os quais representaram uma grande novidade para a teoriapoltica. Nestes Estados, at mesmo esferas da vida privada passam a se politizar, como o caso, por exemplo, da legislao racista que regulaatos como casamento, reunies etc.

    Schmitt reconhece como pressuposto negativo desta politizao total da vida o nada espiritual que dominava o ambiente intelectual do finalda poca da neutralizao: A gerao alem que nos precedeu foi tomada por um senso de decadncia de uma civilizao e ela exprimiu esteestado de esprito desde antes da Primeira Guerra Mundial, sem esperar o desmantelamento de 1918 e Spengler com seu Declnio doOcidente. Encontramos numerosos testemunhos em Ernst Troeltsch, Max Weber e Walter Rathenau. (...) Sucedendo a este sculo europeu quese reclama da maladie du sicle e que espera o reino de Caliban ou After us the Savage God, segue uma gerao alem que se lamenta deuma era da tcnica sem alma, na qual a alma depende apenas de si mesma e impotente. (...) Esta angstia era justificada porque se nutriade um sentimento obscuro da lgica do processo de neutralizao que agora encontra-se em seu ltimo estgio. Com a tcnica, a neutralidadese unia ao nada espiritual. Aps ter feito abstrao da religio e da teologia e, depois, da metafsica e do Estado, parecia que agora se abstraade toda cultura e se alcanava a neutralidade da morte cultural. Enquanto uma vulgar religio de massa esperava o paraso na terra daaparente neutralidade da tcnica, os grandes socilogos sentiam, entretanto, que a tendncia que tinha dominado todos os graus do modernoesprito europeu ameaava a prpria civilizao. A isto se acrescentava o medo das novas classes e massas que se formavam pela tbula rasa,criada pela tecnicizao total. Sempre novas massas estranhas ou muito hostis cultura tradicional eram atiradas para fora do abismo do nadacultural e social. Mas esta angstia se reduzia no final dvida sobre a prpria fora de servir-se do grandioso conjunto de instrumentos danova tcnica que atendia apenas a estes aspectos. 17 E este estado mrbido do sculo XX poderia ser provisrio. O sentido definitivo da nossapoca evidencia-se somente quando se v qual o tipo de poltica suficientemente forte para apoderar-se da nova tcnica e quais so osverdadeiros agrupamentos de hostes e amigos que surgem sobre o novo terreno.18

    Conforme bem acentua Karl Lwith, a nova posio que a poltica assume no seio da vida europeia no significa que esta passe a ser umarealidade particular e central. Schmitt jamais afirma qual seria a realidade central de sua poca, embora reconhea que nos ltimos quatrosculos o centro espiritual da existncia humana tenha mudado quatro vezes, vale dizer, da teologia para a metafsica, desta para a moralhumanitria e, posteriormente, para a economia.19

    Para Schmitt, o romantismo um elemento central para a compreenso destas mudanas do ncleo espiritual de sua poca. Nele seencontram as tenses entre a transio do predomnio da moral humanitria do sculo XVIII para a economia tcnica do sculo XIX: Narealidade o romantismo do sculo XIX significa somente o grau esttico, intermedirio entre o moralismo do sculo XVIII e o economicismo dosculo XIX; significa somente uma transposio realizada mediante a reduo esttica de todas as regies do esprito a tambm sem nenhumdesgaste e com muito sucesso. Pois a via da metafsica da moral para a economia passa pela esttica.20

    Esta estetizao da vida uma espcie de preldio para a neutralizao radical que ir se operar por intermdio da tcnica e da economia. Aposio do romantismo tem como anlogo sociolgico a ascenso da burguesia e a industrializao: O movimento romntico foi guiado pelanova burguesia. O seu perodo comea no sculo XVIII; triunfou em 1789 com violncia revolucionria sobre a monarquia, nobreza e igreja;em junho de 1848, a burguesia j estava do outro lado da barricada numa posio de defesa contra o proletariado revolucionrio.21

    Karl Lwith corretamente chama ateno para o fato de que o pensamento de Carl Schmitt, ao menos seus trabalhos produzidos durante osanos 1920, tem grande afinidade com o pensamento romntico, em particular com um de seus mais notveis representantes, Adam Mller, o

  • criador da teoria do Estado Total. Para Schmitt, o carter essencial dos romnticos o fato de que, para estes, qualquer coisa pode tornar-seo centro da vida espiritual, e isto porque eles no tm por si mesmos nenhum centro. Para o verdadeiro romntico central somente o seu Euespirituoso e irnico, mas ao mesmo tempo flutuante. 22 Assim, o indivduo singular isolado e emancipado se torna, neste mundo liberal eburgus, o centro de tudo, a ltima instncia, o absoluto. 23 Importa notar, todavia, que tal absoluto carece de uma substncia, de umparmetro racional. Somente em uma sociedade dissolvida pelo individualismo, o sujeito, criador num sentido esttico, poderia deslocar parasi mesmo o centro espiritual: somente num mundo burgus que isola o indivduo no terreno do esprito, o abandona a si mesmo e pe sobsuas costas todo o peso que outrora, num ordenamento social, era repartido hierarquicamente entre diferentes funes. Nesta sociedade confiada ao indivduo privado a funo de ser o prprio sacerdote. No sacerdcio privado est a ltima raiz do romantismo e do fenmenoromntico.24

    Para que o romntico mantenha sua essncia, todo o mundo torna-se para ele pura contingncia, uma pura occasio, veculo, incitamento eponto elstico para o seu Eu irnico. O conceito de occasio nega qualquer vnculo com uma norma (a exemplo do que ocorre com o prprioconceito limite de decisionismo de Schmitt). Para Schmitt, a abordagem romntica pode ser qualificada de modo mais claro atravs doconceito particular e especfico de occasio; l se poder descrever como pretexto, ocasio ou, ainda, como caso, mas o seu significado maisprprio fornecido por uma contraposio: occasio o contrrio do conceito de causa, isto , toda causalidade necessria claramentecalculvel como tambm mantm uma slida ligao com uma norma fixa. , enfim, um conceito altamente dissolvedor, pois que tudo aquiloque pode fornecer uma ordem consequencial vida e aos fatos histricos seja uma causalidade mecnica calculvel, seja uma relaofinalstica e normativa absolutamente incompatvel com a representao da mera ocasionalidade: quem eleva princpio o ocasional ou ocasual encontra-se em grande superioridade com respeito normalidade e a todos os seus limites... Eu proponho ento a seguinte definio:o romantismo o ocasionalismo subjetivado; o sujeito romntico considera o mundo como ocasio e pretexto para sua produtividaderomntica. Note-se, portanto, que, para o romantismo, qualquer valor, como o Estad o, o povo ou o sujeito, pode tomar o lugar de Deuscomo centro decisivo ou instncia suprema.25 Tal aspecto do romantismo encontrar afinidade direta com o decisionismo schmittiano dos anos1920.

    Esta adaptabilidade do ocasionalismo a diversos contedos que explica a sua presena tanto em autores revolucionrios como em autorescontrarrevolucionrios no decorrer do sculo XIX. Dessa forma, o romantismo ocasionalista est sempre dependendo de outra coisa, outrovalor que lhe estranho.26 Assim, toda forma de romantismo ocasionalista pode ser acompanhada de contedos variveis e at estranhos aoromantismo.

    Para o decisionismo schmittiano, no h um fundamento metafsico, teolgico ou baseado numa moral humanitria, tal como ocorreu nossculos XVI, XVII e XVIII. Para ele, ao menos nesta fase de seu pensamento (dos anos 1920), no h fundamento para a deciso moral. Nestesentido, pode-se dizer que, nesta fase, Schmitt assume uma posio muito prxima de um relativismo moral de inspirao nietzschiana oumesmo de um ceticismo moral de molde hobbesiano.27 Veremos que, posteriormente, Schmitt admite que as instituies sociais atuam comoum fundamento ou, ao menos, como parmetro para as decises morais. Ao admiti-lo, Schmitt explicita os fundamentos cristos econservadores de seu pensamento. Ocorre, todavia, que a sociedade como ponto de referncia da deciso moral no atender a todos osrequisitos de um fundamento metafsico imutvel. Ser ela sempre uma referncia cambiante e que se repensa a cada instante.28 Tal comopara Hobbes, para o decisionismo schmittiano no h um fundamento para a autoridade que decide e cria direito. Auctoritas non veritas, facitlegem. Para o jurista alemo, nem a moral, nem o direito tm um fundamento metafsico claro e transparente.

    At aqui foi salientado o carter romntico-ocasionalista do decisionismo. Importa, todavia, analisar as diferenas entre ocasionalismo edecisionismo. Segundo Schmitt, o pensamento poltico romntico caracterizado pelo eterno dilogo, pelo debate sem-fim que bloqueia adeciso, tpico do pensamento liberal burgus. Para Schmitt, os romnticos alemes tm uma caracterstica peculiar: o dilogo eterno; Novalise Adam Mller nele se movem como na realizao mais verdadeira do esprito. Os filsofos do Estado catlico, que na Alemanha foramchamados romnticos porque eram conservadores e reacionrios e idealizavam as condies da Idade Mdia, De Maistre, Bonald e DonosoCorts, teriam certamente considerado o dilogo eterno como um produto fantstico de horrvel comicidade. Com efeito, aquilo que caracterizaa sua filosofia contrarrevolucionria do Estado a conscincia de que o tempo requer uma deciso, e, com uma energia que atinge o seu piceentre as duas revolues, de 1789 e de 1848, o conceito de deciso vem ocupar o ponto central de seus pensamentos. Onde quer que afilosofia catlica do sculo XIX tenha se manifestado com vvida atualidade, ela expressou, de uma forma ou de outra, a ideia de que seimpusesse, enfim, uma grande alternativa que no consentia mediaes. No existe alternativa, disse Newman, entre catolicismo e atesmo.Todos formulam uma alternativa radical, cujo rigor tende mais em direo ditadura e do que a um dilogo eterno. 29 Neste sentido, adeciso ditatorial o antpoda perfeito do dilogo romntico e da discusso parlamentar.

    Carl Schmitt, em sua introduo A situao espiritual do parlamentarismo atual (Die Geistegeschichtliche Lage des heutigenParlamentarismus), revela um pressentimento pessimista no sentido de que uma discusso objetiva dos conceitos polticos possa encontrarpouco interesse e pouca compreenso.30 Neste texto de 1923, o jurista alemo j pressente os riscos de uma ditadura decisionista que estariapor vir no mbito da Alemanha dos anos 1930. No menos certo que Schmitt, posteriormente, assumir estes riscos.

    Deve-se notar que, a despeito da forte influncia que exerce o pensamento de Donoso Corts em Schmitt, ambos apresentam diferenasmarcantes. A principal delas talvez seja o fato de que o decisionismo de Corts era de matriz crist e estava apoiado na crena catlica dainfalibilidade divina. Somente Deus poderia criar uma deciso do nada. Tal deciso, por sua prpria origem, teria que ser justa. J para odecisionismo pago de Schmitt, a deciso nasce de um nada e no se reporta a qualquer entidade transcendental ou natural. Schmitt admiraem Corts a sua crtica classe discutidora, a burguesia, e sua incapacidade de tomar decises que evitassem o caos provocado peladesagregao da poca dos reis. O decisionismo de Corts foi at as ltimas consequncias, ao defender aberta e radicalmente uma ditadurapoltica como remdio para a indeciso liberal e anarquista de Proudhon e, mais tarde, de Bakunin.

    Para Lwith, a deciso poltica de Schmitt no como uma deciso religiosa, metafsica, moral, uma deciso para determinado setor darealidade que possa dar uma orientao; no seno uma deciso pela deciso qualquer que seja o fim porque esta consiste j naessncia do poltico. 31 Tal afirmao exagerada, uma vez que, para Schmitt, a deciso fundamental para a instaurao de umanormalidade, para a fixao de um primeiro ponto de referncia que at poder ser posteriormente negado. Contudo, conforme salientarSchmitt, a deciso soberana acaba com o caos e instaura uma normalidade que poder se transformar conforme a dinmica de suasinstituies (a konkretes Ordnungsdenken). Neste sentido, a vida social da ordem concreta influencia diretamente a deciso soberana que,deste modo, no mais seria fruto de um puro e simples nada. De qualquer forma, tais ideias somente ficaro claras nos principais textos dosanos 1930, em particular Sobre os Trs Tipos do Pensamento Jurdico (ber die drei Arten des Rechts-wissenschaftlichen Denkens) e Estado,Movimento, Povo (Staat, Bewegung, Volk), ambos de 1934.

    O decisionismo mitigado32 de Schmitt, a partir de 1930, caracteriza-se basicamente pela reelaborao do ocasionalismo dos anos 1920 que

  • agora encontra um fundamento social (ordenamento concreto) e poltico (organizao dos Estados e instituies, segundo o critrio dedistino entre o amigo e o inimigo poltico). Nesse sentido, a relao de Schmitt com o ocasionalismo romntico ao mesmo tempo deparalelismo e afinidade. O romantismo ocasionalista apresenta de maneira nua e crua os limites do prprio pensamento schmittiano, namedida em que a forma poltica romntica pode assumir os mais variados contedos, sem que haja qualquer critrio ou medida superiores. Olema da arte pela arte dos romnticos traduz-se, muitas vezes, no interior do pensamento schmittiano no lema da poltica pela poltica, dadeciso poltica sem medidas. O institucionalismo schmittiano ser uma tentativa de determinar os critrios de formao de contedos naesfera poltica e jurdica a partir da dinmica social. Ele ser, neste sentido, o fundamento transcendente e prtico para a ao poltica e para adeciso do jurista.33

    Por fim, importa notar que, numa teoria do Estado radicalmente decisionista (como a apresenta Schmitt nos anos 1920 em Teoria daConstituio), para a qual o Estado o status poltico de um povo, surge o problema de saber qual a relao entre o Fhrer, que decidesoberanamente, e o povo.

    H fortes motivos para crer que Schmitt no foi o grande terico do direito nazista. Por outro lado, certo que a insistncia de Schmittsobre a necessidade de uma homogeneidade entre o povo para a existncia de uma identidade entre o Fhrer e o povo abre espao para umainterpretao racista e at mesmo antissemita de sua teoria do direito.34 o que se ver a seguir.

    2.3 A democracia ditatorial decisionistaEm questes constitucionais um erro querer distinguirentre o jurdico e o poltico. (1934)35

    Para compreender a organicidade do pensamento jurdico e poltico do jurista de Plettemberg, importante analisar as consequncias dodecisionismo no mbito da teoria poltica. Para tanto, central o conceito de ditadura pelo qual Schmitt pretende combater o processo defragmentao poltica do Estado contemporneo levado a cabo pelo pluralismo, pela policracia e pelo federalismo. Em seguida, cabe verificarcomo o pluralismo institucionalista ser compatibilizado com o monismo poltico da teoria da ditadura.2.3.1 A definio de democracia

    Historicamente, a teoria das formas de governo dos pensadores polticos iluministas do sculo XVIII fundou-se em dois princpios bsicos,os quais articulavam uma forma de legitimao da relao entre governantes e governados. Estes dois princpios so a identidade e arepresentao, a partir dos quais Carl Schmitt desenvolve sua teoria da monarquia e da democracia e, neste sentido, retoma uma antigatradio da teoria das formas de governo.

    Para o jurista alemo, Estado um determinado status de um povo e o status da unidade poltica. Dessa forma, ele se define por ser asituao de um povo.36 A unidade de um povo pode ser mantida pelo princpio da identidade ou pelo princpio da representao.

    O princpio da identidade define-se pela presena imediata do povo como governante, aquele do povo presente consigo mesmo comounidade poltica quando, em virtude de conscincia poltica prpria e vontade nacional, tem aptido para distinguir entre o amigo e oinimigo.37

    O princpio da representao parte da ideia de que a unidade poltica do povo como tal nunca pode se fazer presente em identidade real, epor isto tem que estar sempre representada pessoalmente por homens: A monarquia absoluta , em realidade, a representao absoluta e sebaseia no pensamento de que a unidade poltica s pode ser realizada mediante a representao. A frase: Ltat cest moi, significa: eu sozinhorepresento a unidade poltica da nao. 38 Na realidade da vida poltica, no existe Estado que possa renunciar a todos os elementosestruturais do princpio da identidade, bem como da representao, para manter a unidade poltica de um povo.

    Para Schmitt, a democracia uma forma poltica que corresponde ao princpio da identidade, quer dizer, identidade do povo em suaexistncia concreta consigo mesmo como unidade poltica. 39 Em outras palavras, a democracia a identidade entre dominadores e dosdominados, governantes e governados, dos que mandam e dos que obedecem.40 A igualdade o elemento essencial da democracia.

    A democracia enquanto forma de governo no se ope necessariamente ditadura nem se define a partir da liberdade. Assim, para Schmitt,pode haver ditadura com democracia, ditadura sem democracia e democracia sem liberdade. Uma democracia pode ser militarista ou pacifista,absolutista ou liberal, centralista e descentralizada, progressista ou reacionria ... sem deixar de ser democracia. 41 O oposto da ditadura no a liberdade, mas a discusso.

    Para ele, a democracia no mantm um vnculo conceitual com os princpios do liberalismo e da liberdade. Na histria moderna da lutacontra a monarquia, contudo, os conceitos teriam sido impropriamente fundidos, sendo difcil separ-los.42 Por tal motivo, ela passou a serindevida e usualmente confundida com o prprio liberalismo. No mbito da social-democracia, em contrapartida, a aspirao democrtica seuniu (por razes histricas e polticas, e no por uma afinidade conceitual essencial) ao socialismo. A democracia, para Schmitt, , dessemodo, um conceito independente e autnomo que pode ser combinado com o parlamentarismo, o presidencialismo e at mesmo com aditadura de massas.2.3.2 A ditadura comissria e a ditadura soberana

    Para definir ditadura, Schmitt baseou-se na distino, feita por Bodin, entre soberania e ditadura. Para Bodin, a soberania o poderabsoluto e perptuo de uma repblica, que os latinos chamam de majestas. O ditador no tem os atributos do prncipe ou do soberano. Eleapenas assume o encargo do soberano com relao a questes especficas, como realizar a guerra, reformar o Estado etc.43 Para Bodin, nemtodos os indivduos investidos de poder do Estado so ditadores. Cabe distinguir entre dois tipos de magistrados investidos de poder pordelegao. Por um lado, h os oficiais que so os personagens pblicos que detm um encargo ordinrio (charge ordinaire) limitados por umalei. Por outro lado, h o comissrio que o personagem pblico que est ligado a um encargo extraordinrio cujos limites so definidos pordelegao. Os oficiais so vinculados a uma lei, ao passo que o comissrio rec