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Departamento de Engenharia de Materiais
CARACTERIZAÇÃO DA FIBRA DE CAROÁ
Aluno: Manuel Calçada de Sousa
Orientador: Fernando Betim Paes Leme
Coorientador: Sidney Paciornik
Introdução
As fibras têxteis são utilizadas para a fabricação de tecidos têxteis e são classificadas em
naturais e não-naturais. A fibra do Caroá é uma fibra natural, isto é, são retiradas prontas da
natureza, neste caso das folhas do Caroá (Neoglaziovia variegata), uma planta terrestre
caracterizada pelas poucas folhas lineares e acuminadas. O Caroá é também conhecido pelos
nomes populares de carauá, caruá, caroá-verdadeiro, coroá, coroatá, crauá, croá e gravatá.
Suas fibras hoje em dia são usadas basicamente só para artesanato, mas já foram utilizadas
para cordas, barbantes, linhas de pesca... até ser substituída pela fibra de Sisal, e mais pra
frente pelas fibras não-naturais. Graças a sua beleza, o Caroá é uma planta apreciada para
decorações de ambientes, porém nessa modalidade ele requer cuidados especiais.
Este estudo foi realizado ao longo do primeiro semestre de 2014, com partes de
pesquisa e experimentações afim de caracterizar a fibra de Caroá, e a motivação para isto é a
biodegradabilidade e a renovação deste material na natureza (em contraste com as fibras
poliméricas, isto é, não-naturais), buscando novas aplicações para as fibras, como por
exemplo em compósitos (materiais compostos de duas ou mais fases afim de produzir um
novo material mais vantajoso para determinada aplicação) para diminuir os impactos que
estes causam a natureza.
Na pesquisa foram analisados os aspectos econômicos, históricos e geográficos do caroá
e também sua utilização hoje em dia, e na experimentação foram realizadas o teste de
degradação desta fibra em meios ácido, básico e neutro, tempo de queima da fibra, tração,
microscópio eletrônico de varredura (MEV) e espectroscopia de energia dispersiva de raios X
(EDS).
Figura 1. Caroá
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Figura 2. Caroá utilizado para fins decorativos
Figura 3. Fibras de Caroá
Materiais e Métodos Experimentais
A. Degradação da fibra em diferentes meios
Para esta experiência foram utilizados 3 recipientes de vidro com tampa, sendo um com
meio neutro (água, PH=7,0), outro com meio básico (óleo de soja, PH = 8,0) e por fim um
com meio ácido (vinagre de vinho branco, PH = 2,76). Em cada recipiente foram mergulhadas
5 fibras soltas de tamanhos aproximadamente igual, e outras 5 fibras foram separadas para ser
o controle. Com isso feito os recipientes foram deixados por 24 horas ao abrigo da luz na
temperatura ambiente. Ao final do tempo previsto, as fibras dos recipientes foram comparadas
com as fibras separadas para controle, e foram estudadas as mudanças ocasionadas na fibra e
nos meios.
B. Tempo de queima da fibra
Foram separados 3 feixes compactados aproximadamente iguais desta fibra em formato
esférico com diâmetro aproximado de 1 centímetro, colocados sob uma base de aço
inoxidável, e com o auxílio de um fósforo de cozinha, foram inflamados. Com a ajuda de um
cronômetro foi tomado os tempos para os punhados queimarem completamente, e calculado
uma média entre eles.
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Figura 4. Os três feixes utilizados no experimento
C. Teste de tração
Foram realizados 5 testes iguais que consistiam na colocação de grãos num recipiente
de peso desprezível suspenso por uma fibra de caroá, que por sua vez é amarrada em um
suporte. Do suporte até o recipiente, isto é, de uma ponta a outra da fibra, media
aproximadamente a 13 cm. Quando a fibra se rompe os grãos que levaram a isso são pesados,
e pela segunda lei de Newton, com a aceleração da gravidade igual a 9.79 m/s², é obtida a
fórmula para a força necessária, em Newton, para a fibra se romper, que é igual a 9.79 vezes a
massa em Kg
D. Microscópio eletrônico de varredura (MEV)
Para a preparação das amostras foram utilizadas pinças, régua, bisturis, água deionizada
e pedaços de fibra de aproximadamente 2 cm cada. As fibras, já cortadas, foram mergulhadas
por 20 minutos em água deionizada para hidratação, para evitar o esmagamento da seção do
corte a ser feito posteriormente, e como a água é deionizada ela não interfere nas amostras.
Depois de secas as amostras foram cortadas verticalmente e outras longitudinalmente com a
ajuda da régua, pinça e bisturi, e no final as amostras foram recobertas com ouro (material
necessário para a condução de elétrons).
Tendo as amostras preparadas elas foram enviadas ao MEV, um microscópio eletrônico
que produz imagens em alta resolução especialmente útil para avaliar a estrutura superficial
da amostra graças a sua grande ampliação. Ele funciona emitindo elétrons por um filamento,
que ao interagirem com a amostra é emitida uma radiação detectada por este aparelho e por
fim transformada nas imagens geradas pelo mesmo.
As análises no MEV foram realizadas no vácuo, com a voltagem do filamento igual a 20
KV, tempo de deposição do ouro de 100 segundos e com ampliações de x1900, x950, x400,
x800 e x4300 para a seção longitudinal e x3000 e x230 para a seção vertical.
Figura 5. Amostras verticais e longitudinais prontas para o MEV
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E. Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS)
Para este procedimento as amostras foram preparadas de modo similar as amostras do
MEV. A espectroscopia de energia dispersiva de raios X é usada afim de analisar os
elementos constitutivos da amostra através da análise pontual dos raios X emitidos pela
mesma em resposta a incidência de partículas carregadas.
Resultados e Discussão
1. Experimentação
A. Degradação da fibra em diferentes meios
Em comparação com as fibras do controle:
Meio Coloração Textura Resistência a Tração
Neutro Mais suave Maior maciez Diminuiu
Básico Mais forte e transparente Maior maciez Sem mudança
Ácido Sem mudança Sem mudança Diminuiu consideravelmente
Tabela 1. Resultados da degradação das fibras
Somente foi notado mudança no meio ácido, que ficou mais turvo em comparação ao
início do teste.
B. Tempo de queima da fibra
Feixe Tempo (s)
1 148,44
2 211,41
3 150,42
Tabela 2. Tempo (em segundos) de queima de cada feixe
Com estas medições foi calculado o tempo médio de queima dos feixes, que foi
aproximadamente 170 segundos para que a brasa se extinguisse. Foi observado também que a
queima, desta fibra no formato escolhido, é bem lenta, fraca e constante, o que caracteriza um
material de combustão ruim e uma boa forma de transporte de brasas.
C. Teste de tração
Teste Peso (Kg) para
rompimento
Força (N)
1 0,184 1,8
2 0,152 1,5
3 0,163 1,6
4 0,152 1,5
5 0,163 1,6
Tabela 3. Resultados do teste de tração
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Em média uma única fibra desta aguentou 1,6 N (cálculo feito de acordo com a
tabela 3), logo é uma fibra resistente, ainda mais porque na prática ela é utilizada em feixes
trançados, o que aumenta muito a resistência a tração dela.
D. Microscópio eletrônico de varredura (MEV)
Figura 6. MEV corte vertical x230 (esquerda) e x3000 (direita)
Figura 7. Mev corte longitudinal x400 (esquerda superior), x950 (esquerda
inferior), x1900 (direita superior) e x8000 (direita inferior)
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E. Espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDS)
Vertical
Image Name: Base(1) Caroa Vert
Accelerating Voltage: 20.0 kV
Magnification: 3000
Detector: NanoTrace
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Weight %
C-K N-K O-K Mg-K Al-K Ca-K Ti-K Rb-L Au-L
Base(1)_pt1 54.07 25.35 0.11 0.25 20.23
Base(1)_pt2 36.06 7.34 15.67 0.17 0.18 0.57 1.10 1.15 37.76
Weight % Error (+/- 1 Sigma)
C-K N-K O-K Mg-K Al-K Ca-K Ti-K Rb-L Au-L
Base(1)_pt1 +/-0.39 +/-0.35 +/-0.02 +/-0.03 +/-0.81
Base(1)_pt2 +/-0.40 +/-1.42 +/-0.43 +/-0.03 +/-0.03 +/-0.03 +/-0.08 +/-0.14 +/-0.99
Atom %
C-K N-K O-K Mg-K Al-K Ca-K Ti-K Rb-L Au-L
Base(1)_pt1 72.61 25.56 0.07 0.10 1.66
Base(1)_pt2 63.05 11.00 20.57 0.15 0.14 0.30 0.48 0.28 4.03
Atom % Error (+/- 1 Sigma)
C-K N-K O-K Mg-K Al-K Ca-K Ti-K Rb-L Au-L
Base(1)_pt1 +/-0.52 +/-0.35 +/-0.02 +/-0.01 +/-0.07
Base(1)_pt2 +/-0.70 +/-2.13 +/-0.56 +/-0.03 +/-0.03 +/-0.02 +/-0.03 +/-0.03 +/-0.11
Longitudinal
Image Name: Base(14) caroa long
Accelerating Voltage: 20.0 kV
Magnification: 400
Detector: NanoTrace
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Weight %
C-K O-K Al-K Cl-K K-K Ca-K Au-L
Base(14)_pt1 22.68 6.32 0.21 70.79
Base(14)_pt2 21.50 5.09 0.11 0.65 0.35 72.31
Weight % Error (+/- 1 Sigma)
C-K O-K Al-K Cl-K K-K Ca-K Au-L
Base(14)_pt1 +/-0.71 +/-0.43 +/-0.03 +/-3.94
Base(14)_pt2 +/-0.54 +/-0.45 +/-0.04 +/-0.06 +/-0.07 +/-2.76
Atom %
C-K O-K Al-K Cl-K K-K Ca-K Au-L
Base(14)_pt1 71.25 14.90 0.29 13.56
Base(14)_pt2 71.49 12.71 0.12 0.66 0.35 14.66
Atom % Error (+/- 1 Sigma)
C-K O-K Al-K Cl-K K-K Ca-K Au-L
Base(14)_pt1 +/-2.23 +/-1.01 +/-0.04 +/-0.75
Base(14)_pt2 +/-1.80 +/-1.13 +/-0.04 +/-0.06 +/-0.07 +/-0.56
Já era esperado que carbono (C) e oxigênio (O) estivessem muito presentes na
composição das fibras, visto que a eles constituem a celulose e lignina, que junto a água e
minerais (os outros elementos encontrados), constituem a fibra. O ouro encontrado deve-se a
deposição do mesmo na fibra para a análise no MEV.
2. Pesquisa
O caroá é uma planta endêmica do Brasil encontrada em largos trechos do seu litoral, do
Piauí até a Bahia, e no Sertão desde o Ceará até o Vale do São Francisco. Suas fibras, obtidas
a partir da desidratação de suas folhas, são conhecidas pela resistência a tração e durabilidade,
além de serem alongadas, inodoras e com a coloração bege clara.
No passado essa fibra era a mais empregada para cordas, redes, linhas de pesca ou
qualquer outra aplicação que demandasse alta resistência. Ela é obtida nas “usinas de caroá”
por meio de máquinas desidratadoras movidas a combustão operada por um trabalhador
chamado “desfibrador” que insere as folhas no equipamento que em seguida passa para os
“secadores” (estruturas de arames) onde o produto é deixado secar por alguns dias. Depois ele
é encaminhado para a casa dos operários onde mulheres separam as fibras maiores das
menores e é deixado de lado uma parte imprestável. As fibras que não foram tidas como
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imprestáveis voltam para a fábrica afim de serem prensadas em fardos em prensas hidráulicas
ou até mesmo primitivas, já as separadas são utilizadas na fabricação de estopas ou outros
produtos grosseiros. Porém ainda existem trabalhadores que realizam esse processo
manualmente, com ajuda de facas ou até mesmo de pedras.
Atualmente muitas famílias no nordeste se organizam em cooperativas e assim
sustentam a si próprias, preparando as fibras e fazendo artesanatos a partir da mesma. No
passado essa fibra foi responsável por aquecer a economia de Pernambuco. Por causa disso,
na primeira fábrica a industrializar o processo de obtenção da fibra de caroá na produção de
fios, sacos e cordões, há o museu do Caroá, com o maquinário original ainda preservado.
Muitas pesquisas têm sido feitas na busca de um novo papel pra fibra de caroá, como
por exemplo na fabricação de um compósito de poliéster, aonde o Caroá é responsável por
aumentar parcialmente a biodegradabilidade e a resistência a tração do material.
Figura 9. Um exemplo do artesanato atual feito a partir da fibra de Caroá
Referências
1 – SILVA NÓBREGA, M. M. Compósitos de matriz poliéster com fibra de caroá
Neoglaziovia variegata: caracterização mecânica e sorção de água. Campina Grande, 2007.
123p. Tese (Doutorado em Engenharia de Processos) – Centro de Ciências e Tecnologia,
Universidade Federal de Campina Grande.
2 - Forzza, R.C.; Costa, A.; Siqueira Filho, J.A.; Martinelli, G.; Monteiro, R.F.; Santos-Silva,
F.; Saraiva, D. P.; Paixão-Souza, B.; Louzada, R.B.; Versieux, L. Bromeliaceae in Lista de
Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://floradobrasil.jbrj.gov.br/jabot/floradobrasil/FB16612>. Acesso em: 30 Jul. 2014