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Relatório de Estudo Fauna ___________________ ____ ___ Criação de uma UC Federal em Curaçá – BA 1 Caracterização da Fauna de Vertebrados de polígono alvo para criação de uma unidade de conservação federal em Curaçá BA São Paulo, fevereiro de 2014

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Relatório de Estudo Fauna ___________________ ____ ___ Criação de uma UC Federal em Curaçá – BA

1

Caracterização da Fauna de Vertebrados de

polígono alvo para criação de uma unidade

de conservação federal em Curaçá – BA

São Paulo, fevereiro de 2014

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Relatório de Estudo Fauna ___________________ ____ ___ Criação de uma UC Federal em Curaçá – BA

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SUMÁRIO

1 Apresentação.......................................................................................................3

2 Aves da Caatinga.................................................................................................4

2.1 Conhecimento histórico e atual.............................................................................4

2.2 Ameaças para as aves da caatinga.........................................................................6

2.3 Áreas prioritárias e representatividade de unidades de conservação.....................8

2.4 A avifauna do município de Curaçá......................................................................9

2.5 O polígono alvo (amostragem qualitativa e quantitativa de aves).......................10

2.5.1 Áreas amostradas e métodos................................................................................10

2.5.2 Resultados............................................................................................................13

2.5.3 Considerações......................................................................................................19

3 Mamíferos da Caatinga.....................................................................................27

3.1 Conhecimento atual e ameaças............................................................................27

3.2 Mamíferos do polígono de estudo (dados primários e secundários)...................28

4 Répteis da Caatinga (breves considerações sobre a área estudada).............31

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1 APRESENTAÇÃO

A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) é uma espécie de ave brasileira endêmica da

Caatinga. Desde a sua descoberta, em 1819, nas margens do Rio São Francisco, na

região de Juazeiro (Bahia), foram quase inexistentes os registros em seu ambiente

natural. Após a descoberta do último macho da espécie, em 1990, teve início o Projeto

Ararinha-Azul com o objetivo de monitorar este animal em campo. Após os primeiros

anos de monitoramento foi realizada a soltura de uma fêmea de ararinha-azul, criada em

cativeiro, na esperança das aves formarem um casal. Apesar do sucesso na

aproximação, quatro meses após a soltura (junho/1995), a fêmea não foi mais avistada.

Em 2000, o macho desapareceu e a espécie foi oficialmente declarada como extinta na

natureza em outubro do mesmo ano, sendo classificada na categoria Extinta na Natureza

(EW) na Lista Oficial da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção do IBAMA de 2003.

O Projeto Ararinha-Azul foi realizado até 2002, com experimentos de restauração do

habitat, além de um forte trabalho de disseminação e educação ambiental envolvendo a

comunidade local.

Apesar dos registros oficiais da ararinha-azul na natureza serem escassos desde a

descoberta da espécie, existem testemunhos e evidências de que um número muito

maior de ararinhas foram capturadas e comercializadas ilegalmente ao longo desses

anos, sendo este, portanto, o principal fator que levou a espécie à situação de quase

extinção total em que se encontra hoje.

Em 2012 foi publicado pelo Ministério do Meio Ambiente o Plano de Ação para

Recuperação da Ararinha Azul, contendo uma série de recomendações para

especialmente restabelecer populações viáveis desta espécie em seu ambiente selvagem.

Parte dessa plano começou a ser implementado no município de Curaçá, Bahia, num

esforço coletivo do ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade, da SAVE Brasil – Sociedade para Conservação das Aves do Brasil e do

Funbio – Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, tendo como financiador a empresa

VALE. Os mantenedores dos últimos exemplares da ararinha-azul em cativeiro

participam atualmente como parceiros deste programa, que foi denominado Projeto

Ararinha na Natureza.

A conservação da ararinha-azul depende dentre outros fatores, da proteção de

seu habitat natural. Uma das linhas de ação do Projeto Ararinha na Natureza é o

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estabelecimento de uma unidade de conservação federal no município de Curaçá, local

onde até 2021 serão iniciadas as primeiras tentativas de reintrodução da espécie em seu

ambiente selvagem.

O presente relatório contem subsídios biológicos referentes a fauna que auxiliarão nas

discussões sobre os benefícios que essa unidade de conservação trará para a

biodiversidade da Caatinga brasileira e especialmente para o sucesso da recuperação da

ararinha azul em seu ambiente natural.

2 AVES DA CAATINGA

2.1 Conhecimento histórico e atual

No período colonial (século XVII) a ocupação holandesa de Mauricio de

Nassau no nordeste do Brasil marcou as primeiras informações mais significativas sobre

as aves ocorrentes no bioma Caatinga. Os naturalistas George Marcgrave e Guilherme

Pizo a convite do Príncipe Mauricio, desembarcaram em março de 1638 no Brasil e

permaneceram aqui até 1644 quando retornaram a Holanda. Nesse período 28 espécies

de aves ocorrentes na Caatinga foram descritas (compilação de Pacheco 2004), algumas

inclusive hoje consideradas endêmicas do bioma.

Apesar disso o conhecimento das aves brasileiras se ampliou de maneira geral

apenas após a abertura dos portos as nações amigas em 1808, que propiciaram uma série

de expedições naturalísticas ao Brasil. Dentre elas a viagem do Príncipe Maximiliano

Wied foi a primeira a ter um contato mais amplo com as aves do “Sertão”. Wied, de

1815 a 1817 fez uma viagem do Rio de Janeiro e Salvador, passando por regiões semi-

áridas no interior da Bahia, de onde descreveu 21 espécies de aves até então

desconhecidas, a qual a maioria hoje sabemos ser restrita ao Bioma Caatinga.

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Figura 1: O torom-do-nordeste

(Hylopezus ochroleucus), espécie endêmica da caatinga e descrita por Maximilano

Wied em 1817 no sudeste da Bahia. Foto: E.R.Luiz (Boa Nova – BA/ 17-11-2013).

No mesmo período o inglês Willian Swainsoni chegou em Pernambuco e em

1816 especialmente na região do Rio São Francisco (Sergipe) e no Recôncavo Baiano

coletou 37 espécies ocorrentes na Caatinga, com destaque para o endêmico e hoje

ameaçado pintassilgo-do-nordeste (Sporagra yarrellii).

As mais impressionantes informações sobre as aves do Rio São Francisco são,

no entanto dos alemães Spix e Martius (viagem de 1817 a 1820). Numa das mais

famosas gravuras da expedição, é representada uma lagoa marginal do São Francisco, a

qual Spix chama de lagoa das aves, devido a abundância de espécies aquáticas do local.

Figura 2: Lagoa marginal do

Rio São Francisco durante a viagem de Spix e Martius ao Brasil.

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Dos escritos de Spix e Martius, 35 espécies possuem localidades de coleta no

bioma Caatinga, sendo nove até então desconhecidas da ciência (Pacheco 2004),

destacando um exemplar da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) adquirido na estação de

trem no município de Juazeiro. Depois de Spix e Martius no século XVIII merece

mencionar apenas as coletas de Willian Forbes (meados de 1880) na Paraíba e Edmond

Gounelle em Pernambuco (entre 1884 e 1891).

Em 1903 uma expedição austríaca liderada por Otmar Reiser passando pelo

semi-árido da Bahia e terminando no Piauí apresentou 1341 espécimes de aves,

finalmente produzindo um conhecimento apurado da avifauna da Caatinga. Já mais

recentemente na primeira metade do século XX destacaram-se ainda as descrições de

espécies e subespécies pela alemã Emilie Snethlage e seu assistente Francisco de

Queiroz (Ceará), Ernst Garbe (norte de Minas Gerais), Robert H. Becker (Ceará),

Heinrinch Snethage, Emil Kaempfer, José Blaser, Olivério Pinto e Dias da Rocha.

Baseado em todas as informações apresentadas acima e nas produzidas no final

do século passado Pacheco e Bauer (2000) apresentaram um lista com um total de 347

espécies de aves ocorrentes no bioma Caatinga. Pouco tempo depois, Silva et al. (2003)

ampliaram essa listagem para 510 espécies, incluindo táxons que vivem em relictos

isolados dentro bioma (em campos rupestres, por exemplo). Dessa forma cerca de 27%

da avifauna brasileira ocorre no semiárido brasileiro. Inicialmente 20 espécies foram

consideradas endêmicas da Caatinga (Stotz et al.1996), mais recentemente o Plano de

Ação Nacional para Conservação das Aves da Caatinga (2013), reconheceu 23 espécies

por incluir aquelas típicas de matas secas.

2.2 Ameaças para as Aves da Caatinga

Assim, como em outras partes do Brasil, a avifauna associada à Caatinga vem

sofrendo durante os últimos séculos forte ameaça pela intervenção humana. Das 510

espécies de aves ocorrentes Silva et al. (2003) considera que 204 espécies possuem

média sensitividade a ação antrópica e 47 alta sensitividade. Destas, 24 se encontram

em alguma categoria de ameaça de extinção segundo a BirdLife/IUCN (2013). Para

estas espécies os principais vetores de ameaça são a alteração de habitat (17 espécies), a

caça (3 espécies) e captura para o comércio ilegal (4 espécies).

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Tabela 1: Espécies de aves globalmente ameaçadas ou quase ameaçadas ocorrentes na

Caatinga (Birdlife 2013):* considerando os enclaves e ambientes associados ao bioma.

Espécie Categoria Motivo da ameaça

Antilophia bokermanni CR Perda de habitat

Aratinga auricapillus NT Captura

Augastes lumachela NT Perda de habitat

Anodorhynchus leari EN Captura

Arremon franciscanus NT Perda de habitat

Charitospiza eucosma NT Perda de habitat

Crypturellus noctivagus NT Caça

Cyanopsitta spixii CR Captura

Euscarthmus rufomarginatus NT Perda de habitat

Formicivora grantsaui NT Perda de habitat

Formicivora iheringi NT Perda de habitat

Gyalophylax helmayrii NT Perda de habitat

Hemitriccus mirandae VU Perda de habitat

Herpsilochmus pectoralis VU Perda de habitat

Hylopezus ochroleucus NT Perda de habitat

Nyctiprogne vielliardi NT Perda de habitat

Penelope jacucaca VU Caça

Phyloscartes roquettei EN Perda de habitat

Picumnus fulvescens NT Perda de habitat

Primolius maracana NT Captura

Rhopornis ardesiacus EN Perda de habitat

Sporagra yarrelli VU Captura

Rhea americana NT Caça

Xiphocolaptes falcirostris VU Perda de habitat

Atualmente quase a totalidade da Caatinga vem sofrendo em grande escala com a

retirada de lenha nativa especialmente para o uso doméstico, padarias, cerâmicas e

siderúrgicas. Estimativas do Ministério do Meio Ambiente mostram que anualmente

cerca de 200.000 hectares da Caatinga são desmatados, sendo que o Bioma já perdeu

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quase 50 % de sua cobertura original. A Bahia seguidamente tem sido o estado que mais

vem desmatando nos últimos anos, 638 Km2 apenas em 2008 (MMA, 2010).

Para a Caatinga 162 espécies de aves são consideradas de hábito

exclusivamente florestal (Silva et al. 2003) sendo potencialmente afetadas pela retirada

de lenha nativa. Soma-se ainda o intenso pastoreio de animais, especialmente pela

caprinocultura, impedindo a restauração natural e consequentemente afetando as aves

dependes de acumulo de serrapilheira.

O potencial cinegético das aves se amplia naturalmente na Caatinga, um

ambiente com escassez de alimento e baixos níveis de desenvolvimento econômico.

Grandes aves como a Ema (Rhea americana) e a Jacucaca (Penelope jacucaca) vem

sofrendo declínio continuado em quase todas as localidades de ocorrência da espécie no

bioma (Bencke et al. 2006). A caatinga funciona também como grande fonte de aves

para o comércio ilegal. A prática levou a completa extinção na natureza de Cyanopsitta

spixii, e mesmo hoje são alarmantes os números de aves que ano a ano, especialmente as

espécies galo-de-campina (Paroaria dominicana), sofrê (Icterus jamacaii) e periquito-

da-caatinga (Aratinga cactorum) são retiradas de seus ambientes naturais.

Figura 3: Aves capturadas para

o comércio ilegal em Curaçá – BA em 01/12/2012. Foto: E.R.Luiz

2.3 Áreas Prioritárias e Representatividade das Unidades de Conservação

A Caatinga como um todo é considerada mundialmente como uma EBA –

Endemic Bird Area (Starttersfield et al 1998) e neste bioma 27 localidades são

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consideradas IBAS – Important Bird Areas (Bencke et al. 2006). Destas 27 áreas, 10

estão localizadas na Bahia, o estado com maior número de IBAS de todo o país.

Tabela 2: Áreas importantes para Conservação das Aves do Bioma Caatinga (estado da

Bahia) segundo critérios globais da BirdLife e apresentadas em Bencke et al. 2006.

Código IBAS

BA 01 Curaçá

BA 02 Raso da Catarina

BA 03 Sento Sé/ Campo Formoso

BA 05 Parque Estadual de Morro do Chapéu

BA 10 Ibiquera/ Ruy Barbosa

BA 12 Parque Nacional da Chapada Diamantina

BA 13 Jaguaquara

BA 15 Jequié

BA 17 Boa Nova

BA 19 Vitória da Conquista

Inúmeras tentativas de conservar o bioma Catinga tem sido implementadas nas

últimas duas décadas, e assim como em outros biomas as unidades de conservação

continuam sendo uma das formas mais efetivas de manutenção de áreas nativas. Na

Caatinga existem atualmente 132 unidades de conservação sendo 62 privadas (RPPNs) e

70 públicas. Este conjunto de áreas protegidas somam 7.397.946 hectares. Pode parecer

muito, mas das UCs públicas, apenas pouco mais da metade (37) são de proteção

integral, e estas somam 898.313 hectares que representam 1,09% da área total do bioma

(MMA, 2010).

2.4 A avifauna do município de Curaçá (Dados secundários)

Os únicos dados publicados sobre a avifauna do município de Curaçá é um

resumo de congresso de Freitas e Barros (2002) que identificaram 133 espécies para

essa região. Apesar disso há disponíveis em literatura inventários de aves realizados em

municípios vizinhos como Juazeiro, Casa Nova, Lagoa Grande e Petrolina (Olmos et al.

2005).

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Compilando essas informações obtivemos um número de 196 espécies já

registradas para a região do Submédio Rio São Francisco, número que certamente ainda

aumentará devido especialmente as grandes extensões de áreas ainda a serem

exploradas ornitologicamente. Apenas o Boqueirão da Onça em Sento Sé, por exemplo,

possui quase 1.000.000 de hectares de Caatinga em bom estado de conservação sendo

pouquíssimo conhecido em termos de avifauna.

2.5 Amostragem qualitativa e quantitativa

2.5.1 Áreas amostradas e métodos

Dentro polígono alvo de estudo foram escolhidos doze locais para

amostragens. A escolha dos pontos não foi feita de maneira aleatória, mas baseado

apenas de maneira visual pelo estado de conservação das áreas, presença de árvores de

grande porte (especialmente Caraibeiras). Como as matas ciliares dos rios temporários

de Curaçá são ambientes bem distintos escolhemos seis pontos nestes locais e seis

pontos em áreas abertas pelo menos 1000 metros de distância dos riachos, buscando

contemplar amostragens de aves em distintos ambientes. Em cada ponto um transecto

de 2,5 a 3 km foi feito em linha reta (nas áreas abertas) ou irregular (seguindo o curso

do riacho escolhido). As distâncias eram medidas com GPS de navegação GARMIN –

72. O ponto inicial de amostragem de cada área amostrada foram os seguintes:

Tabela 3: Pontos iniciais dos transectos para amostragem de avifauna e data de

realização das amostragens.

Transecto – nome Data Coordenadas geográficas

Barra Grande (AA) 12/11/2012 9° 6'17.76"S/ 39°57'21.85"O

Cacimba da Torre (MC) 14/11/2012 9°14'25.36"S/ 39°49'16.89"O

Riacho do Banguê (MC) 18/11/2012 9°11'46.85"S/ 39°49'4.60"O

Gangorra (MC) 19/11/2012 9°10'13.39"S/ 39°47'12.54"O

Gangorra (AA) 20/11/2012 9° 9'40.32"S/ 39°47'5.53"O

Fazenda dos Prazeres (MC) 21/11/2012 9° 9'6.09"S/ 39°53'35.03"O

Estrada dos Prazeres (AA) 22/11/2012 9° 8'23.82"S/ 39°52'47.75"O

Cacimba da Torre (AA) 27/11/2012 9°14'58.60"S/ 39°49'24.75"O

Fazenda Moça Branca (AA) 27/02/2013 9°12'33.93"S/ 39°50'35.35"O

Fazenda Concórdia (AA) 28/02/2013 9°11'12.81"S/ 39°47'52.04"O

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Fazenda Caraibeira (MC) 29/03/2013 9°15'28.93"S/ 39°51'20.71"O

As amostragens foram realizadas entre novembro de 2012 e março de 2013

porque este é o período chuvoso da região, com maior disponibilidade de recursos para

as aves, época reprodutiva, e chegada de espécies migrantes. Foram feitas sempre no

inicio da manhã (5 as 10 h) em todos os transectos. A velocidade de percurso não foi

pré-determinada. O observador caminhava à medida que aves a seu alcance iam sendo

assinaladas, nesse caso a padronização das amostras foi por tempo de duração (5 horas).

Figura 4: Amostragem de

avifauna em uma das áreas (estrada de acesso a Fazenda dos Prazeres). 22/11/2012.

Foto: Vanessa Leal

Para o levantamento quantitativo utilizamos o método de listas de MacKinnon

de 10 espécies, onde ao percorrer os transectos, foram assinaladas as aves encontradas,

através de registros sonoros ou visuais. Quando possível, os registros foram

documentados em gravação sonora com gravador Panasonic (depositados no acervo

pessoal de E.R.Luiz) ou em fotografias (estas também realizadas por V.Leal). Para o

levantamento qualitativo considerou-se registros aleatórios realizados (dentro do

polígono alvo) de abril de 2012 a fevereiro de 2014 (feitos por E.R.Luiz, P.F.Develey,

R.Watson e R.Santos).

Para caracterização e análise de relevância do polígono estudado em termos de

avifauna, foram levados em consideração os seguintes critérios:

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- Riqueza e similaridade da comunidade de aves das áreas abertas e matas

ciliares utilizando o índice de Sorrensen (Maguraan, 1998).

- Riqueza de espécies entre transcectos.

- Como o levantamento foi do tipo Rapid Assessment Protocol (RAP), utilizou-

se um estimador de riqueza não paramétrico para estimativa de riqueza total, o Jacknife

I (Burnham e Overton, 1979). Considerou-se cada lista de mackinnon como uma

amostra (grau de liberdade = 40), sendo a análise feita através da obtenção de uma

curva aleatorizada de acúmulo de espécies utilizando o software Estimate S 6.0

(Colwell, 2000).

- Ocorrência de espécies endêmicas: esse critério buscou caracterizar a

importância do polígono para conservação das aves restritas ao bioma Caatinga. Como

referência utilizou-se as informações de Stotz et al. (1996) e considerações de Silva et

al. (2003).

- Espécies ameaçadas: foi utilizada a lista de espécies globalmente ameaçadas

ou quase ameaçadas de extinção de 2013, elaborada pela BirdLife International e União

Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), disponível em

http://www.birdlife.org/datazone/home.

- Ocorrência de espécies de média ou alta sensibilidade a alterações antrópicas

de acordo com a classificação de Silva et al. (2003).

- Ocorrência de sítios importantes para aves: levou-se em consideração na área

de estudo a existência e quantidade de alguns sítios importantes para disponibilidade de

recursos alimentares ou reprodutivos para espécies de aves mais exigentes em termos de

uso do habitat.

- Vetores de ameaças para a avifauna encontrada.

- Presença de atributos ecológicos relacionados ao nicho ecológico da ararinha-

azul (Cyanopsitta spixii), de acordo com as informações presentes no plano de ação para

recuperação da ararinha-azul (Barros et al. 2012).

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2.5.2. Resultados

Foram identificadas 177 espécies (46 famílias) dentro do polígono de estudo

sendo 93 espécies registradas durante a execução das listas de MacKinnon e 84 espécies

em registros esporádicos de abril de 2012 a novembro de 2013. 16 espécies foram

encontradas em regiões vizinhas ao polígono, não sendo possível confirmar com 100 %

de segurança sua presença na área focal estudada. Dessa forma 193 espécies já são

conhecidas para o município de Curaçá correspondendo a 56% da avifauna ocorrente

em toda a Caatinga ou 37 % quando considerados os relictos de Mata Altântica e

Cerrado, dentro dos domínios territoriais do bioma, a exemplo da Chapada Diamantina

e Chapada do Araripe.

As 10 espécies com maior frequência de encontro em ordem decrescente foram:

Cyanocorax cyanopogon, Troglodytes musculus, Myiarchus tyrannulus, Polioptila

plumbea, Aratinga acuticaudata, Lepidocolaptes angustirostris, Aratinga cactorum,

Stigmatura napensis, Phaeomyias murina e Paroaria dominicana.

Das espécies encontradas, 4 estão em alguma categoria de ameaça global

segundo a Birdlife (2013): jacucaca (Penelope jacucaca) – Vulnerável, mineirinho

(Charitospiza eucosma), maracanã (Primolius maracana) e ema (Rhea americana),

todos esses como quase ameaçados. O joão-chique-chique (Gyalophylax helmayri) foi

registrado na Serra da Borracha em 2013 e possivelmente ocorre no polígono estudado,

subindo assim para 5 o número de espécies ameaçadas ou quase ameaçadas existentes

na região. Da comunidade de aves encontrada 44 espécies possuem média sensitividade

a alterações antrópicas segundo Silva et al. (2003) e uma espécie, Anopetia gounellei

alta sensitividade (apesar de não estar considerada globalmente ameaçada).

Noves espécies encontradas em Curaçá (seis dentro do polígono alvo) são

endêmicas do bioma Caatinga conforme Stotz et al. (1996) , são elas: Penelope

jacucaca, Caprimulgus hirundinaceus, Anopetia gounellei, Picumnus pygmaeus,

Gyalophylax hellmayri, Megaxenops parnaguae, Pseudoseisura cristata, Sakesphorus

cristatus e Paroaria dominicana.

Das 177 espécies registradas dentro do polígono, 140 foram encontradas em

ambiente de Mata Ciliar e 126 em áreas abertas, sendo que esses dois ambientes

compartilham 89 espécies. 37 espécies foram assinaladas exclusivamente em áreas

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abertas e 51 espécies exclusivamente da mata ciliar (incluindo seus ambientes aquáticos

associados). O índice de Sorrensen baseados nos dados acima indica um valor de 0,67

ou cerca de 67 % de similaridade entre a comunidade de aves desses dois ambientes

A tabela abaixo apresenta o número de espécies registradas em cada transecto:

Tabela 3: Número de espécies registradas por transecto amostrado

Transecto Número de espécies registradas

Fazenda Concórdia (MC) 61

Barra Grande (AA) 38

Cacimba da Torre (MC) 42

Riacho do Banguê (MC) 52

Gangorra (MC) 58

Gangorra (AA) 42

Fazenda dos Prazeres (MC) 56

Estrada dos Prazeres (AA) 50

Cacimba da Torre (AA) 28

Fazenda Moça Branca (AA) 31

Fazenda Concórdia (AA) 37

Fazenda Caraibeira (MC) 49

A curva do coletor (baseado no estimador de riqueza Jacknife 2 é apresentada na

figura 4. Baseado nas amostras realizadas os transectos abrigam uma comunidade de

aves entre 130 e 140 espécies, contemplando assim cerca de 69% das aves encontradas

em Curaçá nestes 2 anos de permanência da equipe de campo do projeto.

Figura 4: Curva do coletor baseado na estimativa de riqueza geral de espécies nos

transectos estudados.

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Curva do Coletor - Estimativa de Riqueza

Jack 2 MeanCase 1

Case 4

Case 7

Case 1

0

Case 1

3

Case 1

6

Case 1

9

Case 2

2

Case 2

5

Case 2

8

Case 3

1

Case 3

4

Case 3

7

Case 4

0

-20

0

20

40

60

80

100

120

140

160

Dentro da área de estudo destacamos os seguintes atributos ecológicos importantes para

conservação de aves.

Água (poças d’água): Observou-se nos transcectos nas Fazenda Concórdia,

Gangorrra e Caraibeira que as poças de água no leito dos riachos congregam várias

espécies de aves, a exemplo de bando de jacucacas. O semiárido brasileiro viveu em

2011 e 2012 longos períodos de estiagem. Esses eventos podem se intensificar com a

influência das mudanças climáticas atuais. Assim, reservatórios naturais de água na

Caatinga são de extrema e importância para manutenção das aves em comparação com

outros biomas.

O uso de habitat do último macho de ararinha-azul foi estudado entre outb/2000

e jun/2007) e um mapa se encontra disponível no plano de ação nacional para

recuperação da ararinha azul (Barros, et al. 2012) na figura 10 (pág 31). Avaliando este,

se observa que há uma concentração de pontos no interflúvio Melancia/ Barra Grande,

trecho ocidental do polígono de estudo. A sobreposição da futura área protegida com

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esses pontos é altamente recomendável visando o sucesso das prováveis tentativas de

reintrodução da espécie. No plano de ação ainda há informações de que os últimos

exemplares e mesmo último macho chegavam até as margens do Rio São Francisco,

utilizando inclusive uma de suas ilhas. No entanto observou-se em campo que esses

locais possuem atualmente intensa atividade agrícola e consequentemente a paisagem

nativa foi bastante alterada. Dessa forma não achamos prudente sugerir ampliação de

limites na direção norte. Essas informações e coordenadas geográficas foram incluídas

na matriz de modelagem das áreas prioritárias dentro do polígono de estudo (atividade

disponível em relatório da Mosaico Ambiental).

Em Barros et al. 2012 são citadas 17 espécies de plantas utilizadas por como

alimento pelo último macho. Observamos que o muquem, a caraibeira, o marizeiro, a

favela, o pinhão ainda são abundantes em toda a área de estudo. No entanto observa-se

que em relação às árvores de grande porte, as mesmas se concentram na maioria das

vezes nas matas ciliares. São nesses locais que há uma maior concentração de

psitacídeos, utilizando as árvores para pouso e reprodução. As cavidades com potencial

de uso para ararinha-azul estavam localizadas exclusivamente nos transectos das matas

ciliares, e foi nesse ambiente que detectou-se a presença do pica-pau-de-topete-

vermelho Campephilus melanoleucus, espécie chave para a disponibilidade de

cavidades.

Os varjões (nome local) são locais abertos as margens do leito dos rios

temporários que acabam se alagando devido ao excesso de água na época das chuvas.

Observou-se que esse fenômeno é mais comuns no Rio Barra Grande do que no Rio

Melancia, provavelmente devido a este já está mais próximo da jusante com o Rio São

Francisco. Nestes locais, observaram-se altas densidades de favelas e pinhões. Há

relatos de moradores locais que as aves gostam de pousar em árvores altas

especialmente próximas a esses locais. Pudemos de fato observar na Fazenda Caraibeira

(margem esquerda do Barra Grande), psitacídeos pousados no solo dos varjões. Por

permanecerem úmidos por períodos mais longos, esses locais potencialmente podem ser

usados para geofagia (observamos isso em Primolius maracana).

A densidade de psitacídeos na mata ciliar é nitidamente maior do que nas áreas

abertas. Por algum motivo, esses ambientes foram menos explorados, e as grandes

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árvores tem função múltipla para a avifauna presente. Este é mais um atributo que

direciona os limites da Uc para os riachos Melancia e Barra Grande.

Atributos ecológicos importantes para aves e detecctados durante as amostragens

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: 1. Poça dágua em riacho temporário na

Fazenda Concórdia. 2. Cavidade utilizada por maracanã na Fazenda dos Prazeres, 3.

Pinhão com flor e fruto em varjão da Fazenda Caraibeira, 4. Casal de maracanãs na

Fazenda Concórdia. 5. Mata ciliar com Caraibeira no Riacho da Melancia, 6. Faveleira

com flor próximo ao Rio Barra Grande.

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Em termos de ameaças a avifauna a caça ocorre de maneira bastante acentuada

em toda a área de estudo. Durante todo o tempo de intercâmbio com moradores durante

os diversos eventos, reuniões, entrevistas, ou mesmo em conversas informais são

elevadas as queixas de matanças de emas, jacucacas, pombas e até seriemas. A equipe

de campo por inúmeras vezes encontrou caçadores em atividade. Parte dessa

problemática sem dúvida se deve ao baixo desenvolvimento econômico local e as

dificuldades de sobrevivência naturalmente expostas por um ambiente árido. No entanto

ainda também é alto a prática esportiva de caça, a maioria moradora da zona urbana

desprovida (neste caso) da necessidade de abate de aves para subsistência. As fortes

secas agravam o problema ainda mais, uma vez que observamos durante os transectos

forte confluência de aves para poças e outros reservatórios naturais de água, tornando-se

assim previsíveis e facilmente abatidas. Há nos relatos de moradores uma forte sensação

de impunidade local quanto a toda e qualquer contravenção em matéria de crimes

ambientais. Dessa forma uma unidade de conservação, e a fiscalização inerente a ela

potencialmente pode em médio prazo permitir o aumento populacional das aves

cinegéticas. Na área de estudo os grupos de jacucacas encontrados estão sempre

reduzidos a poucos indivíduos, exceto na Fazenda Concórdia (onde a caça é inibida),

local onde bandos de 15 a 20 foram observados em um único transecto. Isto reforça a

hipótese de que o estado vulnerável que essa espécie se encontra em todo o país se deva

a caça.

A captura de aves é prática contumaz. Praticamente em todas as casas visitadas

(ocasionalmente dentro da área de estudo), estão em cativeiros o periquito-da-caatinga,

o papagaio-verdadeiro e o maracanã. Observamos que as cavidades de caraibeiras e

mulungus da área amostrada são de fácil acesso, facilitando a retirada de filhotes.

Durante as atividades de campo conhecemos moradores que estiveram diretamente

envolvidos com o projeto ararinha-azul nas décadas passadas, e que aprenderam todas

as técnicas de escalada e manuseio de ninhos. Infelizmente encontramos alguns deles

com psitacídeos recém-capturados em suas residências. Aparentemente a alta demanda

incentiva os moradores locais a venderem aves. Curaçá se situa próxima a duas famosas

cidades de escoamento para o tráfico ilegal, Juazeiro e Petrolina. Ouvimos vários relatos

da existência de uma feira livre de aves no município de Chorrochó, limítrofe a sudeste.

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As matas ciliares dos Riachos dentro da área de estudo, especialmente o Melancia e

Barra Grande caso protegidos pela Uc potencialmente inibirão essa prática.

A retirada de madeira ainda é prática constante, especialmente para

fornecimento de lenha para padarias e cerâmicas e de mourões e estacas para

cercamento. Durante um dos transectos (Cacimba da Torre) detectou-se a utilização de

motossera na para retirada de madeira na mata ciliar do Riacho do Banguê. O pastoreio

intensivo de caprinos alterou e continua a interferir na proteção da caatinga nativa na

região. Este fator pode estar comprometendo espécies de aves dependentes de

serrapilheira ou sub-bosque mais denso. As secas dos últimos anos vêm agravando

ainda mais esse quadro, com os animais causando grande mortandade de árvores a

exemplo do mulungu pelo fato de roerem o tronco, impedindo o fluxo de seiva para as

folhas. A unidade de conservação pode normatizar o uso do solo de maneira a proteger

especialmente as matas ciliares.

2.5.3 Considerações:

O município de Curaçá possui uma avifauna bem representativa do bioma

Caatinga. Uma Unidade de Conservação nessa região trará benefícios para uma gama de

espécies de aves ainda pouco protegidas em UCs pelo resto no país. A área de estudo

recebe migrantes anuais, que sazonalmente chegam ao sertão na época chuvosa

dependendo evidentemente de seus recursos. A composição e riqueza da comunidade de

aves não nos permite usar este critério para definição de pontos cruciais dentro do

polígono de estudo. Em termos de avifauna, inegavelmente os resultados mostram forte

homogeneidade de ambientes.

A motivação de criação de uma unidade de conservação em Curaçá no entanto

partiu sem dúvida da necessidade de proteção dos ambientes outrora utilizados pela

ararinha-azul, sendo estes certamente os possíveis locais alvos para futuras tentativas de

reintrodução. Dessa forma, só nos cabe ressaltar a necessidade de que os limites desta

potencial unidade de conservação contemple esses locais. As Fazendas Concórdia,

Gangorra, Prazeres, o interflúvio Barra Grande/Melancia, e as outras já bem conhecidas

áreas utilizadas pelo último macho de ararinha-azul, abrigam como exposto no relatório

cerca de 40 a 50 % das espécies de aves existentes em todo o semiárido brasileiro.

Dessa forma, independente do difícil percurso para recuperação da ararinha-azul na

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natureza, a futura Uc caso criada se une ao urgente esforço para conservação da

biodiversidade brasileira com um todo.

Tabela 5: Lista das espécies de aves registradas em Curaçá, Bahia. Habitat: CA =

Caatinga aberta; MC = Mata ciliar. Nomenclatura cientifica e popular de acordo com

CBRO (2014).

TAXA Nome popular Habitat Índice de

ocorrência

CA MC

Família Tinamidae

Crypturellus parvirostris inhambu-chororó X -

Rhynchotus rufescens perdiz X -

Nothura boraquira codorna-do-nordeste X -

Nothura maculosa codorna-amarela X -

Família Rheidae

Rhea americana ema X -

Familia Anatidae

Dendrocygna viduata irerê X -

Dendrocygna autumnalis asa-branca X -

Cairina moschata pato-do-mato X -

Sarkidiornis sylvicola pato-de-crista X -

Amazonetta brasiliensis pé-vermelho X -

Anas bahamensis marreca-toicinho X -

Cracidae

Penelope jacucaca jacucaca X X 0,09

Podicipedidae

Podilymbus podiceps megulhão-caçador X -

Tachybaptus dominicus mergulhão-pequeno X -

Phalacrocoracidae

Phalacrocorax brasilianus biguá X -

Ardeidae

Tigrisoma lineatum socó-boi X -

Nycticorax nycticorax savacu X -

Butorides striata socozinho X -

Bubulcus ibis garça-vaqueira X -

Ardea alba garça-branca-grande X -

Pilherodius pileatus garça-real X -

Egretta thula garça-branca-pequena X -

Cathartidae

Cathartes aura urubu-de-cabeça-vermelha X X

Cathartes burrovianus urubu-de-cabeça-amarela X X -

Coragyps atratus urubu-de-cabeça-preta X X 0,06

Sarcoramphus papa urubu-rei X -

Accipitridae

Gampsonyx swainsonii gaviãozinho X -

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Accipiter bicolor gavião-bombachinha-grande X -

Rostrhamus sociabilis gavião-caramujeiro X -

Geranospiza caerulescens gavião-pernilongo X X -

Heterospizias meridionalis gavião-caboclo X -

Urubitinga urubitinga gavião-preto X -

Rupornis magnirostris gavião-carijó X X 0,09

Parabuteo unicinctus gavião-asa-de-telha X -

Geranoaetus melanoleucus águia-chilena X -

Falconidae

Caracara plancus caracará X 0,09

Milvago chimachima gavião-carrapateiro X X -

Herpetotheres cachinnans acauã X X 0,04

Falco sparverius quiriquiri X -

Falco femoralis falcão-de-coleira X X -

Falco peregrinus falcão-peregrino X -

Rallidae

Aramides cajanea saracura-três-potes X -

Laterallus melanophaius pinto d’água comum X -

Gallinula galeata frango d’água comum X -

Porphyrio Martinica frango d’água azul X -

Cariamidae

Cariama cristata seriema X 0,11

Charadriidae

Vanellus chilensis quero-quero X X 0,09

Charadrius collaris batuira-de-coleira X -

Recurvirostridae

Himantopus mexicanus pernilongo-de-costas-negras X -

Scolopacidae

Tringa solitaria maçarico-solitário X -

Jacanidae

Jacana jacana jaçanã X -

Columbidae

Columbina talpacoti rolinha-caldo-feijão X X -

Columbina squammata fogo-apagou X X 0,13

Columbina picui rolnha-branca X X 0,11

Patagioenas picazuro asa-branca X X 0,18

Zenaida auriculata avoante X X 0,04

Leptotila verreauxi juriti X X 0,09

Psittacidae

Primolius maracana maracanã-verdadeira X 0,11

Aratinga acuticaudata jandaia-de-testa-azul X X 0,34

Aratinga cactorum periquito-da-caatinga X X 0,25

Forpus xanthopyterigius tuim X X -

Amazona aestiva papagaio-verdadeiro X X 0,13

Cuculidae

Piaya cayana alma-de-gato X 0,04

Coccyzus melacoryphus papa-lagartas X 0,04

Crotophaga ani anu-preto X -

Guira guira anu-branco X X -

Tytonidae

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Tyto alba suindara X -

Strigidae

Megascops choliba corujinha-do-mato X -

Glaucidium brasilianum caburé X -

Athene cunicularia coruja-buraqueira X -

Caprimulgidae

Antrostomus rufus joão-corta-pau X -

Hydropsalis albicollis bacurau X -

Hydropsalis hirundinacea bacuralzinho-da-caatinga X -

Hydropsalis parvula bacurau-chitã X -

Hydropsalis torquata bacurau-tesoura X -

Chordeiles pusillus bacuralzinho X -

Apodidae

Tachornis squamata andorinhão-do-buriti X -

Trochilidae

Anopetia gounellei rabo-branco-de-cauda-larga X -

Phaethornis pretrei rabo-branco-acanelado X X -

Eupetomena macroura tesourão X X 0,06

Chrysolampis mosquitus beija-flor-vermelho X X -

Chlorostilbon lucidus besourinho-de-bico-vermelho X X 0,13

Heliomaster squamosus bico-reto-de-banda-branca X X -

Alcedinidae

Megaceryle torquata martim-pescador-grande X -

Cloroceryle amazona martim-pescador-verde X -

Cloroceryle americana martim-pescador-pequeno X -

Bucconidae

Nystalus maculatus rapazinho-dos-velhos X X 0,06

Picidae

Picumnus pygmaeus pica-pau-anão-pintado X X 0,04

Veniliornis passerinus picapauzinho-anão X X 0,06

Colaptes melanochloros pica-pau-verde-barrado X X 0,06

Colaptes campestris pica-pau-do-campo X 0,06

Dryocopus lineatus pica-pau-de-banda-branca X -

Campephilus melanoleucos pica-pau-de-topete-vermelho X 0,04

Thamnophilidae

Myrmorchilus strigilatus tem-farinha-aí X 0,06

Formicivora melanogaster formigueiro-de-barriga-preta X 0,06

Sakesphorus cristatus choca-barrada-do-nordeste X 0,13

Thamnophilus capistratus choca-do-nordeste X 0,04

Taraba major choro-boi

X -

Dendrocolaptidae

Sittasomus griseicapillus arapaçú-verde X X 0,04

Lepidocolaptes angustirostris arapaçú-do-cerrado X X 0,31

Furnariidae

Furnarius figulus casaca-de-couro-da-lama X -

Furnarius leucopus casaca-de-couro-amarelo X X 0,11

Furnarius rufus joão-de-barro X X -

Megaxenops parnaguae bico-virado-da-caatinga X -

Pseudoseisura cristata casaca-de-couro X X 0,13

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Phacellodomus rufifrons joão-de-pau X X 0,06

Certhiaxis cinnamomeus curutié X -

Gyalophylax hellmayri joão-chique-chique X -

Synallaxis frontalis petrim X -

Synallaxis albescens ui-pi X -

Cranioleuca vulpina arredio-do-rio X -

Tityridae

Pachyramphus polychopterus caneleiro-preto X -

Pachyramphus validus caneleiro X X -

Xenopsaris albinucha tijerila X X -

Tyrannidae

Tolmomyias flaviventris bico-chato-amarelo X X 0,09

Todirostrum cinereum relógio X X 0,13

Hemitriccus margaritaceiventer sebinho-olho-de-ouro X X 0,22

Hirundinea ferruginea gibão-de-couro X -

Stigmatura napensis papa-moscas-do-sertão X 025

Stigmatura budytoides alegrinho-balança-rabo X 0,06

Euscarthmus meloryphus barulhento X X 0,09

Camptostoma obsoletum risadinha X X 0,09

Elaenia spectabilis guaracava-grande X X -

Elaenia cristata guaracava-de-topete X X -

Suiriri suiriri suiriri-cinzento X X 0,04

Phaeomyias murina bagageiro X X 0,25

Myiarchus swainsoni irré X X -

Myiarchus tyrannulus maria-cavaleira X X 0,43

Casiornis fuscus caneleiro-enxofre X -

Pitangus sulphuratus bentivi X X 0,15

Machetornis rixosa suiriri-cavaleiro X -

Myiodynastes maculatus bentivi-rajado X X 0,09

Megarynchus pitanguá Nei-nei X -

Myiozetetes similis bentivizinho-de-asa-ferruginea X X 0,11

Tyrannus melancholicus suiriri X X 0,13

Empidonomus varius peitica X X 0,06

Myiophobus fasciatus filipe X X 0,13

Sublegatus modestus guaracava-modesta X X -

Fluvicola albiventer lavadeira-de-cara-branca X 0,04

Fluvicola nengeta lavadeira-mascarada X 0,06

Arundinicola leucocephala freirinha X -

Cnemotriccus fuscatus guaracavuçú X X 0,06

Satrapa icterophrys suiriri-pequeno X X -

Xolmis irupero noivinha X -

Vireonidae

Cyclarhis gujanensis pitiguari X X 0,22

Vireo chivi juruviara X -

Hylophilus amaurocephalus vite-vite X X -

Corvidae

Cyanocorax cyanopogon cancã X X 0,45

Hirundinidae

Pygochelidon cyanoleuca andorinha-pequena-de-casa X -

Progne chalybea andorinha-doméstica-grande X -

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Tachycineta albiventer andorinha-do-rio X -

Troglodytidae

Troglodytes musculus corruíra X X 0,43

Cantorchilus longirostris garrinchão-de-bico-grande X X 0,22

Polioptilidae

Polioptila plúmbea balança-rabo-de-chapéu-preto X X 0,38

Turdidae

Turdus rufiventris sabiá-laranjeira X X 0,13

Turdus leucomelas sabiá-barranco X X 0,04

Turdus amaurochalinus sabiá-poca X X -

Mimidae

Mimus saturninus sabiá-do-campo X X 0,09

Motacillidae

Anthus lutescens caminheiro-zumbidor X X -

Coerebidae

Coereba flaveola cambacica X X 0,13

Thraupidae

Saltator coerulescens sabia-gongá X -

Saltatricula atricollis bico-de-pimenta X -

Nemosia pileata saira-de-chapéu-preto X X 0,06

Thlypopsis sordida saira-canário X X -

Tachyphonus rufus pipira-preta X X -

Lanio pileatus tico-tico-rei-cinza X X -

Tangara sayaca sanhaçu-cinzento X X 0,20

Tangara cayana saira-amarela X X -

Paroaria dominicana galo-de-campina X X 0,40

Dacnis cayana saí-azul X X -

Conirostrum speciosum figuinha-de-rabo-castanho X X -

Emberezidae

Zonotrichia capensis tico-tico X 0,04

Ammodramus humeralis tico-tico-do-campo X -

Sicalis columbiana canário-do-amazonas X -

Sicalis luteola tipio X -

Sicalis flaveola canário-da-terra X -

Volatinia jacarina tiziu X 0,06

Sporophila nigricollis baiano X X -

Sporophila albogularis golinho X X 0,11

Charitospiza eucosma mineirinho X -

Cardinalidae

Cyanoloxia brissonii azulão X 0,04

Parulidae

Basileuterus flaveolus canário-do-mato X X 0,04

Icteridae

Procacicus solitarius iraúna-de-bico-verde X -

Icterus pyrrhopterus encontro X X 0,11

Icterus jamacaii sofrê X X 0,22

Gnorimopsar chopi chopi X X 0,09

Chrysomus ruficapillus garibaldi X X -

Agelaioides fringillarius asa-de-telha-pálido X X 0,11

Molotrhrus bonariensis gaudério X X 0,04

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Sturnella superciliaris policia-inglesa-do-sul X -

Fringilidae

Euphonia chlorotica fim-fim X X 0,25

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Documentação fotográfica de aves encontradas na área de estudo (2012 – 2013)

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: 1. Bacuralzinho-da-caatinga,

(Hidropsalis hirundinacea), Falcão-de-coleira (Falco femoralis), Ema (Rhea

americana), Arapaçu-do-cerrado (Lepidocolaptes angustirostris), Papa-moscas-do-

sertão (Stigmatura napensis) e Jandaia-de-testa-azul (Aratinga acuticaudata).

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Documentação fotográfica de aves encontrados na área de estudo (2012 – 2013)

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Jacucaca (Penelope jacucaca), Pica-

pau-de-topete-vermelho (Campephilus melanolecus), Pernilongo-de-costas-negras

(Himantopus mexicanus), gaviãozinho (Gampysonyx swainsoni), caburé (Glaucidium

brasilianum) e guaracava-grande (Elaenia spectabilis).

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3 MAMÍFEROS DA CAATINGA

3.1 Conhecimento atual e ameaças

O Brasil é considerado como um dos países mais ricos em diversidade de

mamíferos e atualmente são conhecidas mais de 650 espécies, distribuídas em 11

ordens. A Mata Atlântica e a Amazônia até o momento possuem incríveis 311 espécies

sendo os biomas mais ricos em termos de diversidade de mamíferos (Reis et al. 2006).

Em relação à Caatinga, segundo Oliveira et al. (2003) duas grandes coleções

representam em quase sua totalidade a diversidade deste bioma. No Museu Nacional do

Rio de Janeiro encontram-se mais de 60 mil peles obtidas em pelo menos 40 municípios

do polígono das secas e cerca de 7000 espécies coletadas entre 1975 e 1978 na Chapada

do Araripe no Ceará, estão depositadas no Museu de Zoologia da Universidade de São

Paulo.

Em décadas passadas a Caatinga foi considerada como pobre em termos de

endemismo e número de espécies de mamíferos (Mares et al. 1981). Este autor concluiu

que a as condições áridas e a dificuldades de adaptações fisiológicas seriam entraves

para uma maior diversidade de espécies. Willig e Mares (1989) apresentaram uma lista

de 80 espécies colocando-o como um dos biomas mais pobres em mastofauna no

Brasil..

Porém, após revisões taxonômicas década passada, esta lista foi ampliada e em

2003 Oliveira et al. (2003) apresentaram a riqueza de espécies da Caatinga em 143

espécies, sendo 19 destas consideradas endêmicas. Pouco depois Reis et al. 2006 já

citam 148 espécies, mostrando assim a relevância do bioma.

Dez espécies são consideradas atualmente como ameaçadas de extinção (MMA,

2003), devido quase que exclusivamente a caça e a alteração de habitat, afetando

especialmente espécies de felinos, ocupantes do topo de cadeias tróficas.

3.2 Mamíferos do polígono de estudo (dados primários e secundários)

As informações para caracterização da fauna de mamíferos da área de estudo em

Curaçá foram obtidas das seguintes formas:

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1. Observações em campo: Durante os últimos dois anos, buscou-se durante as

saídas de campo para atividades do Projeto Ararinha na Natureza, registrar

espécies de mamíferos encontradas, seja via contato visual, ou através de

vestígios (pegadas) ou peles encontradas em casas de moradores locais.

2. Oliveira et al 2003, apresenta uma longa lista de espécies e localidades de coleta

de mamíferos no bioma Caatinga. Extraímos desse artigo os registros para o

município de Curaçá, a maioria deles feitos inclusive na região da Fazenda

Concórdia, antigo habitat da ararinha-azul.

Tabela 6: Espécies de mamíferos registradas na área de estudo (informações

primárias e secundárias). P.s: Todos os registros históricos são baseados em

Oliveira et al. 2003

Taxa Nome popular Forma de registro

Cervidae

Mazama gouazoupira veado catingueiro visual/foto

Tayassuidae

Pecari tajacu caititu literatura

Canidae

Cerdocyon thous cachorro do mato visual

Felidae

Herpailurus yaguarondi jaguarundi pele

Leopardus tigrinus gato-do-mato pegada

Puma concolor greeni onça-parda pele

Mustelidae

Conepatus semistriatus jaritataca visual

Procyonidae

Procyon cancrivorus guaixinim visual/foto

Phyllostomidae

Loconphylla mordax morcego registro histórico/literatura

Phyllostomus hastatus morcego registro histórico/literatura

Tonadia bidens morcego visual/foto

Artibeus planirostris morcego visual

Platyrrhinus lineatus morcego registro histórico/literatura

Verspertinilionidae

Rhogeessa túmida morcego registro histórico/literatura

Didelphidae

Didelphis albiventris gambá-de-orelha-

branca

registro histórico/literatura

Gracilianus agillis guaiquica registro histórico/literatura

Monodelphis domestica catita registro histórico/literatura

Leporidae

Sylvilagus brasiliensis coelho-do-mato visual

Caviidae

Kerodon rupestris mocó visual/foto

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Relatório de Estudo Fauna ___________________ ____ ___ Criação de uma UC Federal em Curaçá – BA

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Galea spixii preá visual

Echimyidae

Trichomys opereoides rato-boiadeiro registro histórico/literatura

Callithrichidae

Callithrix sp. mico foto

Muridae

Wiedomys pyrrhorhinos rato-de-fava registro histórico/literatura

Dayspodidae

Cabassous sp tatu-de-rabo-mole registro histórico/literatura

Dayspus novemcictus tatu-galinha registro histórico/literatura

Euphractus sexcintus tatu-peba visual/foto

Dayspus septemcinctus tatu-galinha registro histórico/literatura

Tolypeutes tricinctus tatu-bola visual/foto

Myrmercophagidae

Myrmecophaga tetradactyla tamanduá-mirim visual/foto

Um total de 29 espécies de mamíferos foram encontradas, distribuídas em 16

famílias. Oliveira et al. (2003) considera que os quatro municipios do bioma Caatinga

que possuem o maior número de espécies conhecidas são Exu (PE), Crato (CE), São

Raimundo Nonato (PI) e Jaíba (MG), com 55 a 59 espécies registradas. Essas áreas são

consideradas bem inventariadas. Desta forma 29 espécies para a área estudada mostram

que a mesma possui boa representatividade em termos de diversidade de mamíferos.

Três espécies encontradas são consideradas ameaçadas:

Tatú-bola (Tolypeutes tricinctus)

Onça-parda (Puma concolor)

Gato-do-mato (Leopardus tigrinus)

As principais ameaças atuais para fauna de mamíferos em Curaçá são caça e a

modificação do habitat. A primeira se deve a dois fatores. Primeiro devido à

caprinocultura ser a principal atividade econômica. É comum relatos de moradores que

abatem felinos e outros predadores potenciais de cabras. Encontramos em 2013 um

morador com uma pele de onça-parda (Puma concolor) na região da Serra da

Natividade. Nesse mesmo ano uma fêmea que vivia na Serra da Borracha foi abatida

próximo a região da Laminha. Na outra vertente está a caça para subsistência e

esportiva, especialmente para as cinco espécies de tatu e o veado catingueiro. O Tatú-

bola é extremamente raro localmente, e pudemos em todos esses anos encontrar um

único individuo na região de São Bento.

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A futura unidade de conservação caso criada poderá trazer benefícios reais a

fauna de mamíferos da região, especialmente inibindo a caça esportiva que é atualmente

praticada livremente. É necessário encontrar formas alternativas de subsistência para

que a população diminua a pressão sobre essas espécies.

Documentação fotográfica de mamíferos encontrados na área de estudo (2012 – 2013)

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: 1. Tatú-bola (Tolypeutes tricinctus), 2.

Veado-catingueiro (Mazama gouazoupira), 3. Mocó (Kerodon rupestris), Tatú-peba

(Euphractus sexcintus), mico (Callithrix sp.), Raposa (Cerdocyon thous).

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4 HERPETOFAUNA DE CURAÇÁ (BREVE RELATO)

Assim como os mamíferos, a herpetofauna da Caatinga por um tempo foi

precipitadamente considerada pobre (Vanzolini 1974). Diferentemente das aves, as

coleções de anfíbios e répteis nos museus sempre foram mais tímidas, e isso explica o

pouco conhecimento acerca desse grupo. Em 2004 eram conhecidas para a Caatinga 44

espécies de lagartos, nove espécies de anfisbênios, 47 de serpentes, quatro de quelônios,

três de crocodilianos, 47 de anfíbios anuros e duas de gimnofionos (Trefaut et al. 2004).

Dessa forma, ocorrem no bioma 153 espécies.

O Ministério do Meio Ambiente (2004) reconhece 19 áreas prioritárias para

conservação dos répteis e anfíbios da Caatinga. Destas o Raso da Catarina é a área mais

próxima da área de estudo. Trefaut (2003) cita que há na coleção do Museu da USP

cinco espécies de serpentes e 15 de anfíbios coletadas em trechos do município de

Curaçá, sendo o município baiano com o maior número de espécies com peles

testemunho. Algumas destas espécies:

Cnemidophorus ocellifer (Raul Sales 2013)

Physalaemus cicada (Nascimento et al. 2005)

Thamnodynastes sp. (Franco e Ferreira, 2002)

Proceratophrys cristiceps (Trefaut 2003)

Dermatonotus muelleri (Trefaut 2003)

Rhinela Jimi (INEMA 2013)

Desta forma pelo menos 18 espécies de anfíbios já estão confirmadas para a

região (cerca de 1/3 das espécies conhecidas para todo o bioma). Duas espécies de

Scinax coletadas no municipio em janeiro de 2013 são provavelmente desconhecidas da

ciência (INEMA 2013).

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