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1 CARACTERIZAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DO USO DO SOLO NA MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO LARANJA DOCE, SUL DE MATO GROSSO DO SUL Adelsom SOARES FILHO 1 , Éder COMUNELLO 2 , Jackeline Schultz SOARES 1 1 Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, Faculdade de Ciências Humanas – Dourados-MS, [email protected] , [email protected] 2 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Agropecuária Oeste – Dourados-MS, [email protected] Resumo. O objetivo deste estudo foi avaliar a dinâmica de transformação do espaço na Microbacia Hidrográfica do Córrego Laranja Doce, considerando o uso do solo em dois períodos, relativos aos anos de 1964 e 2001. A área em questão situa-se em Dourados e Douradina, municípios situados ao Sul de Mato Grosso do Sul. Foram utilizadas técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto para caracterizar o uso do solo nesta microbacia, nos períodos de interesse. O mapa de uso do solo referente ao ano de 1964 foi elaborado a partir da compilação e digitalização das informações presentes em quatro cartas planialtimétricas, escala 1:100.000, editadas pelo Departamento de Serviço Geográfico (DSG) do Exército Brasileiro. Para elaborar o mapa referente a 2001 realizou-se a classificação supervisionada de imagens Landsat 7, sensor ETM+. Para fins de análise, as classes obtidas foram agrupadas em cinco: agropecuária, vegetação natural, áreas úmidas, áreas urbanas e áreas não classificadas. Ocorreram variações significativas em todas as classes. As áreas de vegetação natural sofreram redução entre os períodos estudados (de 21% para 10%), enquanto, as áreas ocupadas pela agropecuária aumentaram (de 66% para 74%), demonstrando avanço inclusive sobre as áreas úmidas (de 13% para 11%) da microbacia. Merece destaque a expansão da área urbana na bacia (de menos de 1% para 4%) dado o potencial poluidor desta classe de uso. Faz-se a seguir a apresentação das observações de campo, concluindo que, ao analisar os usos do solo da microbacia do córrego Laranja Doce, remete-se, obrigatoriamente, a uma reflexão sobre a adequação ambiental das escolhas feitas para o desenvolvimento da região. Palavras-chave: Microbacia hidrográfica, Geoprocessamento, Uso do solo. Abstract. The aim of this paper was evaluate the spatial changes in the “Laranja Doce” Stream Watershed, considering the soil use in two periods, concerning to 1964 and 2001 years. The study area is located at Dourados and Douradina counties, South Region of “Mato Grosso do Sul” State. Remote sensing and geoprocessing tools were used to produce this study. The soil use map of 1964 was elaborate by compilation and digitizing of parts of four planialtimetric charts 1:100.000 produced by Braziliam Army´s Geographical Service (DSG). The 2001 informations were obtained from Landsat 7 images. For this paper, the land use classes obtained were reclassified to five groups: agriculture (including pastures), natural vegetation, wetlands, urban areas and not classified areas. Was observed great variations in all the classes. The natural vegetation areas was decreased in the period (from 21% to 10%), while the agriculture areas was increased (from 66% to 74%), including advances on wetlands areas (from 13% to 11%). Special note is necessary to the increasing of urban areas (from <1% to 4%), due its potencial pollution. Following this, the paper presents field observations, concluding hat environmental aspects has a intrinsic relation with the development of this watershed. Key words: Watershed, Geoprocessing, Soil Use.

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CARACTERIZAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DO USO DO SOLO NA MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO LARANJA DOCE, SUL DE MATO GROSSO DO SUL

Adelsom SOARES FILHO1, Éder COMUNELLO2, Jackeline Schultz SOARES1

1 Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, Faculdade de Ciências Humanas – Dourados-MS, [email protected], [email protected] 2 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Agropecuária Oeste – Dourados-MS, [email protected]

Resumo. O objetivo deste estudo foi avaliar a dinâmica de transformação do espaço na Microbacia Hidrográfica do Córrego Laranja Doce, considerando o uso do solo em dois períodos, relativos aos anos de 1964 e 2001. A área em questão situa-se em Dourados e Douradina, municípios situados ao Sul de Mato Grosso do Sul. Foram utilizadas técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto para caracterizar o uso do solo nesta microbacia, nos períodos de interesse. O mapa de uso do solo referente ao ano de 1964 foi elaborado a partir da compilação e digitalização das informações presentes em quatro cartas planialtimétricas, escala 1:100.000, editadas pelo Departamento de Serviço Geográfico (DSG) do Exército Brasileiro. Para elaborar o mapa referente a 2001 realizou-se a classificação supervisionada de imagens Landsat 7, sensor ETM+. Para fins de análise, as classes obtidas foram agrupadas em cinco: agropecuária, vegetação natural, áreas úmidas, áreas urbanas e áreas não classificadas. Ocorreram variações significativas em todas as classes. As áreas de vegetação natural sofreram redução entre os períodos estudados (de 21% para 10%), enquanto, as áreas ocupadas pela agropecuária aumentaram (de 66% para 74%), demonstrando avanço inclusive sobre as áreas úmidas (de 13% para 11%) da microbacia. Merece destaque a expansão da área urbana na bacia (de menos de 1% para 4%) dado o potencial poluidor desta classe de uso. Faz-se a seguir a apresentação das observações de campo, concluindo que, ao analisar os usos do solo da microbacia do córrego Laranja Doce, remete-se, obrigatoriamente, a uma reflexão sobre a adequação ambiental das escolhas feitas para o desenvolvimento da região. Palavras-chave: Microbacia hidrográfica, Geoprocessamento, Uso do solo.

Abstract. The aim of this paper was evaluate the spatial changes in the “Laranja Doce” Stream Watershed, considering the soil use in two periods, concerning to 1964 and 2001 years. The study area is located at Dourados and Douradina counties, South Region of “Mato Grosso do Sul” State. Remote sensing and geoprocessing tools were used to produce this study. The soil use map of 1964 was elaborate by compilation and digitizing of parts of four planialtimetric charts 1:100.000 produced by Braziliam Army´s Geographical Service (DSG). The 2001 informations were obtained from Landsat 7 images. For this paper, the land use classes obtained were reclassified to five groups: agriculture (including pastures), natural vegetation, wetlands, urban areas and not classified areas. Was observed great variations in all the classes. The natural vegetation areas was decreased in the period (from 21% to 10%), while the agriculture areas was increased (from 66% to 74%), including advances on wetlands areas (from 13% to 11%). Special note is necessary to the increasing of urban areas (from <1% to 4%), due its potencial pollution. Following this, the paper presents field observations, concluding hat environmental aspects has a intrinsic relation with the development of this watershed. Key words: Watershed, Geoprocessing, Soil Use.

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INTRODUÇÃO Segundo a lei nº 9433, de 8 de Janeiro de 1997 no artigo lº, “A bacia hidrográfica é a unidade

territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema

Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (...)”.

Para Fernandes e Silva (1994 apud Souza e Fernandes 2000) a subdivisão de uma bacia

hidrográfica de maior ordem em seus componentes (sub-bacias, microbacias), permite a pontualização

de problemas difusos, facilitando a identificação de focos de degradação de recursos naturais, dos

processos de degradação ambiental e o grande comprometimento da produção sustentada existente.

Discorrendo sobre o tema, Souza e Fernandes (2000, p. 20.), destacam: Dentro desse enfoque, os territórios municipais podem ser subdivididos em pequenas sub-

bacias hidrográficas com características sociofisiográficas próprias, em aspectos relacionados

com o uso/ocupação, as densidades demográficas, em nível socioeconômico, aos sistemas

viário e hidrológico. (...) Dentro da região fisiográfica em que se inserem as sub-bacias

hidrográficas pilotos, serão obtidas informações e experiências consistentes de modelos de

produção sustentada, aplicáveis a respectiva região.

A Microbacia Hidrográfica do Córrego Laranja Doce objeto de estudo deste trabalho é uma das

oito pequenas bacias que banham o perímetro urbano de Dourados, município situado ao sul do Estado

de Mato Grosso do Sul. Está delimitada pelas coordenadas 21°55’S a 22°16’S e 54°28’W a 54°52’W,

estendendo-se por uma área de aproximadamente 715 km² e com perímetro superior a 57 km (Figura

1). Dispõe-se no sentido Nordeste-Sudoeste, envolvendo dois municípios: Dourados (80% da área) e

Douradina. Está inserida no sistema Paraná, sub-bacia do rio Ivinhema e bacia do Rio Brilhante.

Dentre os principais córregos que banham o município de Dourados, apenas o Laranja Doce corta a

região norte da cidade (sentido Oeste-Leste), apresentando o maior volume de água entre todos e

possuindo a maior extensão dentro do perímetro urbano.

A microbacia hidrográfica do córrego Laranja Doce possui seu curso principal desenvolvendo

um trajeto no sentido Nordeste-Sudoeste, com suas nascentes situadas na divisa da Reserva Indígena

de Dourados, escoando de forma perene até o Rio Brilhante, sub-bacia do rio Ivinhema, tributário do

rio Paraná. Possuindo características bem distintas em função da forma de ocupação que recebeu.

O córrego Laranja Doce corta a região Norte da segunda maior cidade em densidade

demográfica do Estado de Mato Grosso do Sul, recebendo todos os impactos dessa ocupação;

O córrego Laranja Doce é afluente da margem direita do Rio Brilhante, e sua bacia possui

como principal atividade econômica a agropecuária mecanizada, em menor escala a suinocultura,

avicultura, e piscicultura, que podem estar contribuindo para a degradação ambiental da microbacia,

sejam através do desmatamento ou da utilização de agro químicos;

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Fig. 1. Localização da área de estudo, a microbacia do córrego Laranja Doce com dois perímetros delimitados. O tracejado pelos divisores topográficos e o outro pelos fatores hidrológicos e geomorfológicos da área. Fonte: Cartas Planialtimétricas 1:100.000 DSG/IBGE Elaborado por: Soares Filho e Comunello, 2006

As nascentes do córrego Laranja Doce estão localizadas próximas a Reserva Indígena

de Dourados, cuja principal atividade econômica é a agricultura mecanizada.

Considera-se a Reserva Indígena de Dourados como a segunda maior em população do Brasil,

cuja densidade demográfica apresenta-se acima do suportado pela área;

A jusante, seu canal atravessa uma área de pequenas propriedades rurais, que desenvolvem

culturas de subsistência e áreas de lazer, logo após, cruza áreas urbanizadas, com loteamentos e

residências de alto padrão, de classe média alta. No baixo curso, a micro bacia situa-se novamente em

área rural;

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Trata-se de uma área de expansão urbana recente e acelerada, onde os problemas ambientais se

apresentam bastante visíveis;

Verifica-se grande disparidade na população da microbacia quanto ao aspecto socioeconômico.

Determinados setores (alto/médio) da microbacia, concentram populações de renda elevada, enquanto

a parte baixa (fundos de vale) existe moradores de baixa renda, que residem em vilas, favelas,

geralmente as margens dos córregos.

Nos núcleos urbanos presentes na área da microbacia (Dourados e Douradina), observa-se

intenso e rápido crescimento populacional. Segundo Terra (2004) a elevada propagação da lavoura

mecanizada no Mato Grosso do Sul, em especial na região de Dourados, desencadeou transformações

profundas no arranjo da espacialização da população no espaço regional, afetando tanto o meio rural,

quanto o espaço urbano. A expansão do novo sistema agrícola determinou uma profunda inversão

demográfica que se manifestou no esvaziamento do campo e a conseqüente urbanização acelerada.

A intensidade do êxodo rural da área de estudo, pode ser dimensionada com o exame da evolução dos contingentes de população rural através dos dados censitários fornecidos pelo IBGE que constam na Tabela 1: Tabela 1. Evolução da população total, da população rural de Dourados, Douradina e Mato Grosso do Sul, entre 1970 e 2000.

Locais População Total População Rural 1970 1980 1991 2000 1970 1980 1991 2000

Douradina --- --- 4.741 4.732 --- --- 2.254 2.029 Dourados 79.260 106.493 135.984 164.949 47.649 21.644 13.128 15.021 Mato Grosso do Sul 1.600.494 1.369.567 1.780.373 2.078.001 914.719 450.444 365.926 330.895

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000 – Mato Grosso do Sul. O Censo Demográfico de 2000 demonstrou que a população total de Mato Grosso do Sul

manteve sua tendência de crescimento, atingindo uma população de 2.078.001 habitantes, da mesma

forma em que a população rural manteve sua trajetória decrescente, com apenas 330.895 habitantes

representa apenas 15,92% da população total. Entretanto, observa-se que esse crescimento não foi

acompanhado pelo aumento da melhoria das infra-estruturas, com conseqüente melhoria da qualidade

de vida e políticas públicas que amenizassem os impactos negativos sobre os recursos naturais.

Nesse contexto, o objetivo desse trabalho foi identificar, delimitar, quantificar e caracterizar o

usos do solo na microbacia do córrego Laranja Doce, entre os anos 1964 e 2001, a partir da

vetorização de cartas topográficas e a classificação de imagens orbitais, em épocas distintas.

METODOLOGIA Os trabalhos iniciaram pela delimitação da microbacia hidrográfica do córrego Laranja Doce.

Este procedimento tomou por base as curvas de nível com eqüidistância de 40m, presentes nas cartas

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planialtimétricas, escala 1:100.000. Os limites estabelecidos foram confirmados através de

fotointerpretação (aerofotos de 1964). Além da delimitação topográfica, considerou-se os efeitos

hidrológicos e geomorfológicos da área. Optou-se por incluir as drenagens de primeira ordem do Rio

Brilhante na área de estudo, em função dos indícios do canal ter sido afluente do córrego Laranja Doce

num passado geológico recente. Dentre os indícios destaca-se a presença de lagos na grande planície

de inundação que se apresenta na foz do córrego, podendo ser um indicativo de que a dinâmica fluvial

é a mesma da microbacia.

Dispondo da imagem matricial (raster) das cartas topográficas da Divisão do Serviço

Geográfico do Exército (DSG), escala 1:100.000, em formato TIFF, utilizou-se o software

GlobalMapper para o georreferenciamento das mesmas. Após retificadas, as cartas foram salvas no

formato GeoTIFF. Utilizou-se então o software AutoCad 2000i Map, para extração, em formato

vetorial, da base topográfica da área (curvas de nível, pontos cotados, hidrografia, a malha viária) e o

usos do solo do ano de 1964. As cartas utilizadas são apresentadas na Figura 2.

Os dados vetoriais foram inseridos em um banco de dados geográficos do programa Spring

4.1.1. Para isto, os dados vetoriais foram salvos no formato DXF R12 e importados em rotina própria

do Spring. Após importados, procedeu-se a edição dos vetores, com ajustes de linhas, poligonização e

classificação temática (uso do solo 1964). As cartas planialtimétricas em formato GeoTIFF também

foram importadas e integradas ao banco de dados geográfico.

Para obter informações referentes ao uso do solo em 2001, empregaram-se técnicas de

sensoriamento remoto sobre uma imagem de satélite TM LANDSAT 7 ETM+. A imagem utilizada

correspondia à cena 225/075, data de 14/11/01 e foi obtida em formato digital TIFF (bandas 1, 2, 3, 4,

5 e 7). Após convertidas para o formato GRB, formato proprietário do software Spring, realizou-se o

procedimento de registro (georreferenciamento) da imagem Landsat. Para o registro da imagem foram

selecionados pontos de controle, utilizando-se como referência as cartas digitais (escala 1:100.000) e

pontos obtidos a campo com receptor GPS. Com base nas características das imagens Landsat,

apresentadas por Novo (1992) e Rosa (1996), têm-se a possibilidade de integração dos dados de

sensoriamento remoto com dados geográficos oriundos da escala 1:100.000 e mesmo em escala maior

que esta.

Após o georreferenciamento da imagem, foi realizada a operação de classificação automática.

Nesta etapa,inicialmente realizou-se a segmentação da imagem, utilizando um algoritmo não

supervisionado, denominado crescimento de regiões, que visa agrupar regiões contínuas, similares

radiometricamente, a partir de pixels individuais, até que todos sejam processados” (Nascimento, 1996

apud Rizzi e Rudorff, 2003, p.233).

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Fig. 2. Cartas planialtimétricas utilizadas e articulação da microbacia em estudo.

Elaborado por: Soares Filho e Comunello, 2006

Fig. 3. Imagem Landsat -7 utilizada na classificação. Órbita/ponto 225/075, 185X185km Elaborada por: Soares Filho e Comunello, 2006

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O processo de segmentação exige a definição de dois parâmetros: a) o limiar de similaridade:

distância mínima entre os valores de cinza, abaixo do qual dois segmentos considerados são agrupados

em uma região; e b) limiar área: a área mínima a ser considerada como uma região, definida em pixels

(Anderson et al. 2003).

Para a segunda fase da classificação digital, as imagens segmentadas foram classificadas

através de um algoritmo não supervisionado, denominado ISOSEG, que agrupou as regiões em classes

espectralmente homogêneas.

Após a classificação das imagens segmentadas, os temas obtidos pelo classificador foram

associados às classes definidas anteriormente no banco de dados (Anderson et al., 2003), a saber:

antropismo,

plantação,

floresta, mata e bosque,

cerrado, macega

mata alagada

várzea

área alagável

urbana

não classificado

Os mapas de cobertura vegetal foram elaborados seguindo os procedimentos de Lueder (1959),

Spurr (1960) e Carneiro (1980) para fotografias aéreas e Mattos e Saraiva (1992) para imagens de

satélite.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O uso e ocupação dos solos na área de estudo, referente aos dois períodos estudados (1964 e

2001) são apresentados nas Figuras 4 e 5. Analisando estas figuras é possível perceber nitidamente as

mudanças ocorridas no espaço da Microbacia Hidrográfica do Córrego Laranja Doce. Além da

expressiva redução nas áreas naturais, chama a atenção a expansão da área urbana do Município de

Dourados, que se estende para a área em estudo.

Para simplificar a análise, em termos quantitativos, realizou-se um reagrupamento das classes

de modo a homogeneizá-las e facilitar a comparação dos dados. A Tabela 2 apresenta os agrupamentos

propostos.

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Tabela 2. Correspondência entre classes das legendas de uso do solo e novos agrupamentos propostos.

Classe Agrupamento Antropismo Agropecuária (agricultura, pasto) Plantação Agropecuária (agricultura, pasto)

Floresta, mata e bosque Vegetação natural (ou renaturalizada) Cerrado, macega Vegetação natural (ou renaturalizada)

Mata alagada Vegetação natural (ou renaturalizada) Várzea Áreas úmidas

Alagável Áreas úmidas Urbana Áreas urbanas

Não classificado Áreas Não classificadas Esta nova classificação separa, de modo genérico, as zonas naturais (ou renaturalizadas),

daquelas sob influência antrópica direta. Este novo reagrupamento resolveu também o problema entre

a separação de áreas com pastagem e agricultura, agrupando-as como agropecuária.

Tomando-se os agrupamentos indicados na Tabela 2, os valores percentuais referentes às classes de

uso dos solos da Microbacia do Córrego Laranja Doce, nos dois períodos estudados, são apresentados

na Tabela 3.

Tabela 3. Quantificação percentual das classes de uso dos solos da Microbacia do Córrego Laranja Doce, nos períodos de 1964 e 2001.

Classes 1964 (%) 2001 (%) Agropecuária (agricultura, pasto) 66 74 Vegetação natural (ou renaturalizada) 21 10 Áreas úmidas 13 11 Áreas urbanas - 4 Áreas Não classificadas - 1

As cartas de uso do solo dos dois períodos analisados compreendem todas as coberturas

naturais e antropicas existentes na microbacia. A caracterização do uso considera o conhecimento da

utilização do solo pelo homem e a presença de vegetação natural, alterada ou não (Figura 4 e 5).

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Fig. 4. Mapa do Uso e Ocupação dos Solos da Área de Estudo no ano 1964.

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Fig. 5. Mapa de Uso e Ocupação dos Solos da Área de Estudo em 2001.

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Variações significativas ocorreram em todas as classes, sendo que as áreas cobertas por

Vegetação Natural representavam 21% da superfície em 1964, sofrendo redução para 10% em 2001.

Isto se deve à substituição dos sistemas naturais pelos agropecuários, os quais passaram de 66% em

1964 para 74% em 2001. As Áreas Úmidas somavam 13% em 1964, sofrendo redução para 11% em

2001, indicando o avanço da agropecuária também sobre essas áreas. Já na classe que se refere às

Áreas Urbanas, nota-se um dos aumentos mais expressivos. pois em 1964, representavam menos de

1% da superfície da microbacia, passando a 4% em 2001. Isto confirma a intensa urbanização da área

num espaço de tempo relativamente pequeno. As áreas não classificadas foram inexpressivas,

chegando a 1% em 2001.

Um dos pontos de maior destaque na análise é o fato de que a área da bacia já se encontrava

profundamente antropizada em 1964 e em desacordo com área legalmente esperada de Vegetação

Natural. Seriam necessários 20% da área apenas para quitar a demanda de Reserva Legal. A despeito

disto, o processo de remoção da cobertura natural não parou, avançando ainda mais e agravando o já

negativo quadro de degradação ambiental. Isto revela que políticas de recomposição foliar e

preservação dos recursos naturais são urgentes para esta área.

Outro ponto de destaque é o incremento da Área Urbana na bacia. Muito embora, o valor de

4% (em 2001) não revele inicialmente as dimensões do impacto, deve-se ter em mente que a Área

Urbana é uma fonte poluidora de grandes proporções. A área de 4% equivale a praticamente toda a

parte norte do município de Dourados, que na época contava com cerca de 170.000 habitantes. Deste

modo, estima-se que a microbacia tenha passado a receber os dejetos referentes a uma população de

60.000 habitantes, uma vez que não existe tratamento de esgoto na área.

Sendo assim, ao analisar os usos do solo da microbacia do córrego Laranja Doce, remete-se,

obrigatoriamente, a uma reflexão sobre a adequação ambiental das escolhas feitas para o

desenvolvimento da região. A questão fundamental para todos os envolvidos na área é saber se seu

habitat tem sido projetado de forma a atender suas expectativas e necessidades. Os riscos atuais aos

quais está exposta a área de estudo decorrem, principalmente, de conflitos políticos em torno da

ocupação do território e de seu planejamento. Partindo desta abordagem, são observados quatro eixos

centrais, no processo de uso e ocupação da microbacia do Laranja Doce:

1) Avenida Presidente Vargas, via que representa a ligação dos bairros mais recentes (Jardim Europa,

Alto das Paineiras, Portal de Dourados, entre outros) ao centro da cidade. Destaca-se por atender a

uma área com grande poder de crescimento, constituindo-se em pólo de atração de investimentos,

sobretudo imobiliários. Nesta área têm-se também a presença de instalações de três universidades

(Universidade Federal da Grande Dourados, Anhanguera e Unigran).

2) Rodovia MS-156, que liga a cidade de Dourados a Itaporã, cruzando o interior de uma reserva

indígena, área configurada como área de conflitos. Caracteriza-se por possuir uma ocupação

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predominante rural, apesar de nos últimos anos ter expandido o seu perímetro urbano, além de ser a

rota utilizada pelos indígenas para ter acesso à cidade (Foto 7.A).

3) Rua Ponta Porã, que atravessa o perímetro urbano no sentido oeste/leste, fazendo a ligação dos

bairros da bacia com os demais bairros da área urbana;

4) Avenida Guaicurus, que faz a ligação do Conjunto Residencial Monte Carlo e Parque Alvorada, ao

centro da cidade.

Relata-se a seguir as observações advindas do trabalho de campo realizado na microbacia do

Laranja Doce, onde se constataram vários padrões de uso e ocupação dos solos, destacando-se:

a) Área Urbanizada

Correspondem às áreas em que predominam a urbanização consolidada e as áreas de ocupações

irregulares ou invasões, bem como onde se destacam as atividades terciárias. Estas se referem aos

estabelecimentos comerciais e de serviços, muitas vezes localizadas em área predominante rural.

As ocupações irregulares ou as invasões apresentam duas características interessantes: (a

primeira os aspectos são totalmente urbanos, com alguma infra-estrutura básica, como: água, energia,

saúde e educação); a segunda com aspectos rurais, apesar de serem consideradas áreas urbanas e

possuindo infra-estrutura semelhante; como exemplo: citamos o Parque Alvorada, Chácara Flora e o

BNH III plano (Foto 7.B).

Segundo o Plano Diretor de Dourados (2003), essas áreas constituem as Zonas Especiais de

Interesse Urbanístico (ZEIU) são áreas demarcadas no território municipal, que necessitam de

intervenção urbana pelo Poder Público Municipal para a regularização de loteamentos, para

readequações urbanísticas dos loteamentos existentes, ou de regiões que necessitem de direcionamento

quanto ao sistema viário.

Enquanto as áreas com disfunções urbanísticas, necessitando da atuação ou intervenção urbana

por parte do Poder Público Municipal para a regularização dos lotes ou para a remoção da população

instalada em locais impróprios para moradia, constituem as áreas alagáveis, de risco e invasões de vias

públicas, áreas de favelas e/ou invasões de áreas públicas institucionais. No Plano Diretor do

município são denominadas de Zonas Especiais de Interesse Social (Foto 7.C).

A área urbana da microbacia se encontra atualmente em expansão e destinada a incorporação

imobiliária. A progressiva impermeabilização do solo vem ocasionando conseqüências negativas na

área de estudo. O aporte de águas pluviais canalizadas ou não para dentro da calha fluvial do córrego

Laranja Doce pode estar sofrendo um significativo aumento, pois, as áreas da superfície

impermeabilizadas, proporcionam a interrupção e/ou crescente diminuição de infiltração de águas

pluviais.

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Os impactos do aumento de aporte de águas pluviais devem se manifestar nos setores médio e

baixo da microbacia, em áreas de menor declividade. Nessas áreas os impactos da erosão linear,

provocado por essas águas (Foto 7.D).

Cunha e Guerra (1996), salientam que as chuvas concentradas, encostas desprovidas de

vegetação, contato solo-rocha abrupto, descontinuidades litológicas e pedológicas, encostas íngremes,

são, ainda, algumas condições naturais que podem acelerar os processos de degradação nas encostas

das bacias hidrográficas.(foto 7.E).

Ainda na área urbana da microbacia, podem ser verificadas diversas anomalias no processo de

urbanização, tais como a disposição inadequada de entulhos e lixo (Foto 7.F).

Na área de estudo, verifica-se a ausência de cobertura vegetal, podendo ser observados ainda

outros fatores de degradação ambiental, concomitantes ao processo de retirada da vegetação. O

desmatamento facilita o acesso aos cursos d’água, evidenciando vários problemas como: aterramento e

deposição de resíduos sólidos e líquidos de toda a natureza, principalmente o lixo, entulho e esgotos

(Foto 7.G e 7.H).

b) Área de Lazer

Por serem locais paisagisticamente belos e agradáveis, essas áreas são intensamente utilizadas

para urbanização, recreação, pesqueiros, etc. A urbanização da margem direita apresenta muitos clubes

e associações que se instalaram na área muitas das vezes sem obedecer à legislação ambiental.

Ocorrem situações onde houve a retirada da mata ciliar, com a construção de lagos e churrasqueiras

para recreação a menos de três metros da margem do Córrego Laranja Doce (Foto 7.I).

Em alguns locais do perímetro urbano, a situação agrava-se mais, pois ocorre o despejo de

esgoto doméstico in natura no córrego (Foto 7.J).

c) Diversos

Outro fator que merece destaque é valor histórico desta microbacia, por ser o local de

instalação da primeira Usina Termoelétrica da cidade de Dourados, a Usina Sen. Filinto Muller, na

década de 40. O córrego Laranja Doce, que na época foi represado por fornecer água para abastecer a

caldeira da Usina, mantinha o local arejado. Era um local com muitas árvores e pássaros e as crianças

aproveitavam para tomar banho de rio aos domingos (Ferreira, 1998).

Consta no Plano Diretor do Município de Dourados em seu Art. 29 que a Política Urbana

deverá atender a diversas Diretrizes, entre elas a Preservação, Proteção e Recuperação do Patrimônio

Natural e Construído, Cultural, Histórico, Artístico, Paisagístico e Arqueológico. Desativada desde

1952 o prédio da Usina Filinto Muller encontra-se praticamente abandonada, restando apenas parte da

construção do prédio, enquanto que a fornalha e a chaminé estão menos danificadas. Constatou-se em

visita ao local, indícios de depredação - a cerca colocada pela Prefeitura Municipal de Dourados para

controlar o acesso ao local foi derrubada, provavelmente por atos de vandalismo. Ainda assim, o local

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conserva um aspecto paisagístico muito bonito e possui um valor histórico inestimável para a cidade

de Dourados (Foto 6).

Fig. 6. Usina Sen. Filinto Muller, Patrimônio Histórico do Município de Dourados, MS. Tabela 4. Pontos de observação (Figura 7). Figura Descrição 7.A Marco Verde na MS-156, demarcando a Área de Preservação Ambiental na microbacia do

Laranja Doce. 7.B Ocupação com características rural na área urbana. Curral de gado às margens do Córrego

Laranja Doce. A seta indica a localização do curso d’água – Parque Alvorada. 7.C Ocupação irregular (Fundo de vale), com alguma infra-estrutura (energia elétrica). 7.D Erosão linear provocada pelas águas pluviais na área urbana. 7.E Erosão em área rural na vertente da margem direita do córrego Laranja Doce. 7.F Lixo jogado às margens do Córrego Laranja Doce, ponto localizado no BNH III plano -Av.

Hayel Bon Faker. 7.G Ausência de mata ciliar, evidenciando o assoreamento do curso d’água. 7.H Lixo doméstico jogado no leito do córrego Laranja Doce. 7.I Lago artificial em clube recreativo nas margens do córrego Laranja Doce 7.J Esgoto lançado diretamente no Córrego Laranja Doce, área localizada nos fundos Tênis

Clube de Dourados. A seta indica a localização do cano de esgoto.

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A B

C D

E F

G H

I J

Fig. 7. Fotos da área em estudo.

16

CONCLUSÕES

A área da bacia ocupada pela agropecuária, estudada no período entre 1964 e 2001, apresentou um

incremento de aproximadamente 12,5%, e, muitos impactos puderam ser observados, entre eles destacamos o

aumento dos sedimentos no leito do córrego, a intensa retirada da cobertura vegetal e a utilização constante de

agroquímicos.

Os valores das áreas úmidas estudadas entre 1964-2001 demonstraram uma redução em torno de

15%, enquanto que a cobertura vegetal, no mesmo período, também apresentou modificações, reduzindo

aproximadamente 52%, evidenciando que a vegetação trata-se do ecossistema mais intensamente utilizado pelo

homem, por possuírem solos férteis e úmidos acabam sendo substituídas pela agropecuária.

- A área verde constata-se em trechos restritos e isolados e, encontra-se totalmente degradada,

apresentando a vegetação natural substituída por lavouras e pastagens e a vegetação ciliar pouco significativa.

O tipo de vegetação encontrado atualmente, provavelmente, reflete o processo generalizado de desmatamento

no município durante a sua ocupação e sua expansão. A vegetação nativa foi gradativamente sendo retirada,

cedendo lugar a espécies introduzidas, esse processo atingiu também os fundos de vale.

O presente estudo objetivou analisar o uso do solo da microbacia do córrego Laranja Doce no período de trinta e

sete anos, com base nas cartas planialtimétricas do DSG de 1964 e imagens de sensores orbitais de 2001. Com

base nos resultados obtidos possibilitou concluir que a metodologia adotada mostrou-se plenamente satisfatória

para atingir os objetivos propostos. A utilização consorciada do software AutoCAD Map 2000i, e o Sistema de

Processamento de Informações Georreferenciadas (SPRING), produziu informações precisas, suas dimensões e

distribuição espacial na paisagem.

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