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Revista Brasileira de Agrometeorologia, Passo Fundo, v.9, n.3, (NO Especial: Zoneamento Agrícola), p.415-421, 2001 Recebido para publicação em 15/08/2001. Aprovado em 15/12/2001. ISSN 0104- 1347 Caracterização de risco de déficit hídrico nas regiões produtoras de soja no Brasil Characterization of the water deficit for brazilian soybean producing regions José Renato Bouças Farias':", Eduardo Delgado Assad/, lvan Rodrigues de Almeida', Balbino Antônio Evungelista", Cláudio Lazzarotto", Norman Neurnaier' e Alexandre Lima Nepornuceno':" Resumo - CO//1 o atual cenário agrico!« globallrado, incrementos nos rendimentos e reduções nos custos e nos riscos de insucesso passaram a ser exigências básicas à competitividade. O aumento de eficiência IlO uso de recursos e de insiunos. a melhora qualitativa dos produtos agrícolas e a preservação dos recu rsos nat 11rais são desafios da niode mo ag ri cultu ra, Ferramenias que ve- nham auxiliar a tomada de decisão são [undanientuis para superar esses desafios e obter produ- tos competitivos e ambicntal mcnte sustentáveis. A disponibílidade hidrica é um dos principais fatores responsáveis pela variabilidade dos rendimentos da cultura de soja no tempo e no espaço. Num trabalho, envolvendo várias instituições (MAPA. EMBRAPA, ANEEL, INMET e IAPAR), pro- curou-se delimitar as áreas CO!l1 menor risco de insucesso ao desenvolvimento da cultura do soja nos estados do Paraná, de Goiás, do Tocantins. do Moto Grosso do Sul, do Mato Grosso. de Minas Gerais, do Maranh ão e da Bahia. Com o auxílio de modelos de simulação do balanço hidrico da cultura, de sistemas geográficos de informação e da gcocstatistica, foram definidas as áreas com diferentes probabilidades de ocorrência de déficit hidrico, durante a fase mais crítica da cultura, caracterizadas como favoráveis, intermediárias e desfavoráveis, em função das di]e- rentes épocas de semeadura, das disponibilidades hidricas de cada região, do COf/SItlIW de águo nos diferentes estádios de desenvolvimento da cultura, do tipo de solo e do ciclo da cultivar: Para cada estado em estudo. foram elaborados entre 54 ([ 72 IIla/)(IS decorrentes da combinaçiio de nove ou 12 períodos de semeadura, {rês tipos de solo e duas cultivares (ciclos). Cada 11m desses mapas represento o combinação de UI11 dos niveis de cada [ator acima, isto é, cada mapa represeti- Ia a classificação das diferentes áreas do estado paro uma determinada época de semeadura. em [unção do tipo de solo e do ciclo da cultivar. Palavras-chave: Glycine max (L.j Merrill. zoneamento agrícola, riscos climáticos, balanço hidrico, deficiência hidrica, geoprocessantento, época de semeadura, Brasil. Abstract - ln lhe current globalized agro-sccnario, increments in yield and reductions in costs anel in risks otlaill/re becante busic rcquirements to lhe competitivcness. lncreased efficiencv in lhe use of resources and inp ut s, itnp roved qu al it» ojfartu procl ucts and p reserve d environnicnts are challenges ot' lhe motlern agriculture. Tools for helpiug tlie decision making process are esscntial to tackle thcse cliall enges and succeed in obtain competitive and enviromncntally sustainable products. Water availability 1.1 one aI the tnaiu [actors o] sovbean vields variabilitv in time and 1 Pesquisador da Embrapa Soja, Caixa Postal 231, CEP 86001-970 Londrina, PR. E-mail: [email protected] 2 Pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, Campinas, SP. 3 Assistente de Pesquisa da Embrapa Soja, Londrina, PR. , ASSIstente de Pesquisa da Embrapa Cerrados, Planaltina, DF. 5 Pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, Dourados, MS. 6 Bolsista do CNPq-PQ.

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Revista Brasileira de Agrometeorologia, Passo Fundo, v.9, n.3, (NO Especial: Zoneamento Agrícola), p.415-421, 2001Recebido para publicação em 15/08/2001. Aprovado em 15/12/2001.

ISSN 0104- 1347

Caracterização de risco de déficit hídrico nasregiões produtoras de soja no Brasil

Characterization of the water deficit for braziliansoybean producing regions

José Renato Bouças Farias':", Eduardo Delgado Assad/, l van Rodrigues de Almeida', Balbino AntônioEvungelista", Cláudio Lazzarotto", Norman Neurnaier' e Alexandre Lima Nepornuceno':"

Resumo - CO//1 o atual cenário agrico!« globallrado, incrementos nos rendimentos e reduções noscustos e nos riscos de insucesso passaram a ser exigências básicas à competitividade. O aumentode eficiência IlO uso de recursos e de insiunos. a melhora qualitativa dos produtos agrícolas e a

preservação dos recu rsos nat 11rais são desafios da niode mo ag ri cultu ra, Ferramenias que ve-nham auxiliar a tomada de decisão são [undanientuis para superar esses desafios e obter produ-tos competitivos e ambicntal mcnte sustentáveis. A disponibílidade hidrica é um dos principaisfatores responsáveis pela variabilidade dos rendimentos da cultura de soja no tempo e no espaço.Num trabalho, envolvendo várias instituições (MAPA. EMBRAPA, ANEEL, INMET e IAPAR), pro-curou-se delimitar as áreas CO!l1 menor risco de insucesso ao desenvolvimento da cultura do sojanos estados do Paraná, de Goiás, do Tocantins. do Moto Grosso do Sul, do Mato Grosso. deMinas Gerais, do Maranh ão e da Bahia. Com o auxílio de modelos de simulação do balançohidrico da cultura, de sistemas geográficos de informação e da gcocstatistica, foram definidas asáreas com diferentes probabilidades de ocorrência de déficit hidrico, durante a fase mais críticada cultura, caracterizadas como favoráveis, intermediárias e desfavoráveis, em função das di]e-rentes épocas de semeadura, das disponibilidades hidricas de cada região, do COf/SItlIW de águonos diferentes estádios de desenvolvimento da cultura, do tipo de solo e do ciclo da cultivar: Paracada estado em estudo. foram elaborados entre 54 ([ 72 IIla/)(IS decorrentes da combinaçiio denove ou 12 períodos de semeadura, {rês tipos de solo e duas cultivares (ciclos). Cada 11m dessesmapas represento o combinação de UI11 dos niveis de cada [ator acima, isto é, cada mapa represeti-Ia a classificação das diferentes áreas do estado paro uma determinada época de semeadura. em[unção do tipo de solo e do ciclo da cultivar.

Palavras-chave: Glycine max (L.j Merrill. zoneamento agrícola, riscos climáticos, balanço hidrico,deficiência hidrica, geoprocessantento, época de semeadura, Brasil.

Abstract - ln lhe current globalized agro-sccnario, increments in yield and reductions in costs anelin risks otlaill/re becante busic rcquirements to lhe competitivcness. lncreased efficiencv in lhe useof resources and inp ut s, itnp roved qu al it» ojfartu procl ucts and p reserve d environnicnts arechallenges ot' lhe motlern agriculture. Tools for helpiug tlie decision making process are esscntialto tackle thcse cliall enges and succeed in obtain competitive and enviromncntally sustainableproducts. Water availability 1.1 one aI the tnaiu [actors o] sovbean vields variabilitv in time and

1 Pesquisador da Embrapa Soja, Caixa Postal 231, CEP 86001-970 Londrina, PR. E-mail: [email protected] Pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, Campinas, SP.3 Assistente de Pesquisa da Embrapa Soja, Londrina, PR., ASSIstente de Pesquisa da Embrapa Cerrados, Planaltina, DF.5 Pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, Dourados, MS.6 Bolsista do CNPq-PQ.

416 FARIAS, J.R.B. et ai. - Caracterização de risco de déficit hidríco ...

space. ln a collaborative work involviug severa! institutions (MAPA, EMBRAPA, ANEEL, INMET.lAPA R), arcas with lesse!' risks for the sovbean crop were dclimited in the stat es 0/ Paraná, Goiás,Tocantins, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Maranhiio anel Bahia, Brazil. Usingsoybean crop water balance simularion models, geograpliical information systems and geostatistics,arcas witli different probabilities or water dejicit occurrencc duriug lhe tnost critical pliase o! lhecrop \Vere defined and ch aracterired as [avorabie, intcnnediate and unjavorable for lhe crop,based 01/: sowing dates; "'vat e r avail ahil itv in each region; water cottstunption in the dijieren!stagcs o] development O/lhe sovbeun crop; soil tvpe; anil cultivar cycle. For each state, 54 10 72nutps Ivere generated os a re.\'1I11o] lhe combiuation ofnine or 12 sowing limes, three soil types atultwo cultivar cvcles. Each map portrays a cotnbinatian of a leve! o/ cacli otte O/lhe factors listedabove. That nieans. each map represents the drought risk classijication (~f different arcas of thestate for a given sowing date, as a function oI the soil type and cultivar cvcle.

Key words: Glycine max (L.) Merrill, agricultura! roning, clitnatic risks, wate r balance, waterdeficit, geoprocessing, sowing date, Brasil.

Introdução

o complexo soja tem contribuído com um su-perávit considerável na balança comercial brasi-leira. A contribuição indireta da cultura da soja namovimentação da economia brasi leira, embora, nãotão facilmente mensurável. é de vital importânciapara o desenvolvimento do país, seja pela geraçãode empregos ou pela adição de valor à soja indus-trializada.

A imprevisibilidade das variações climáticasconfere à ocorrência de adversidades climáticas oprincipal fator de risco e de insucesso no cultivo desoja. Em relatório sobre securidade agrícola ela-borado pelo Ministério do Planejamento(GOPFERT et al., 1993), consta a ocorrência desecas como principal evento sinistrante (71 0j" doscasos), seguida por chuva excessiva (2.2.% doscasos), granizo e geada. Além desses, são menci-onadas, ainda, perdas devido a tromba d'água. ven-to frio, vento forte, variação excessiva de tempe-ratura e enchente. Não considerando os eventosexclusivamente climáticos. são relatadas ainda asperdas por ocorrência de pragas e de doenças(responsáveis por 0,20% nas safras de verão e por0,05% nas de inverno).

Estresses abióticos, como a seca, podem re-duzir, significativamente, rendimentos em lavouras,restringindo as latitudes e os solos onde espécies,comercialmente, importantes podem sercultivadas.As implicações são enormes uma vez que, nãosomente produtores, mas toda a sociedade é afe-

tada. O déficit hídrico. normalmente, é o principalfator responsável por perdas na lavoura. Com assecas ocorridas nas safras 1977/1978 e 1978/1979,nos três estados da Região Sul (perdas médias de32% ao ano), deixou-se de colher cerca de 7,2mi lhões de toneladas de grãos de soja. o que re-presenta, em valores atuais. aproximadamente 1,5bilhões de dólares (FARIAS et al., 1993). No RioGrande do Sul, estado da Região Sul mais afetadopelas secas. as perdas verificadas em 1990/1991chegaram próximo a 70%, caindo de um rendimentomédio de grãos de 2.000 kg/ha (em 1989/! 990) para750 kg/ha (em 1990/1991).

A soja tem dois períodos críticos bem definidoscom relação à falta de água: da semeadura àemergência e no enchimento dos grãos. Durante agerminação, tanto o excesso como a falta de águasão prejudiciais ao estabelecimento da cultura.Durante esse período, excessos hídricos são maislimitantes que déficits (SALINAS et 411.,1989). Aocorrência de déficit hídrico durante o período deenchimento dos grãos é mais prejudicial do quedurante a floração (DOSS et al., 1974; SIONIT &KRAMER, 1977). Como o consumo de água pelacultura da soja depende, além do estádio dedesenvolvimento, da demanda evaporativa daatmosfera, o seu valor absoluto pode variar, tantoem função das condições climáticas de cada regiãocomo em função do ano e da época de semeadura(condições de tempo) na mesma região climática(STEWART & NIELSEN, 1990;J3ERGAMASCHI et al., 1992). Para o Sul doBrasil, BERLATO et al. (1986), obtiveram valores

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Tabela 1. Duração dos ciclos das duas cultivares hipotéticas desoja em cada estado.

Ciclo PR MS

médios de evapotranspiração máxima (ETrn) aoredor de seis rnm/dia, sendo o menor consumoverificado no início do ciclo (2,7 rum/dia) e o maiorocorrendo do início da f1oração ao início doenchimento de grãos (7,5 mm/dia). Para todo o cicloda cultura. foi obtida uma ETm de 827 mrn.AZEVEDO et a l. (1989), obti veram para ascondições serni-áridas do Nordeste brasileiro, umaETm da cultura da soja de 620 mm, para todo seuciclo.

Quando o déficit hídrico ocorre nos primeirosestádios de desenvolvimento vegetativo. a soja re-cupera-se melhor do que outras culturas (DOSS& THURLOW, 1974), já que pode tolerar curtosperíodos de déficit pois tem sistema radicular pro-fundo e período de florescirnento, relativamente.longo (MOTA, 1983).

Na moderna agricultura, incrementos nos ren-dimentos e reduções nos custos e nos riscos deinsucesso dependem cada vez mais do uso cri-terioso dos recursos. Neste processo, o agricultordeve tomar decisões em função dos fatores de pro-dução disponíveis e dos níveis de risco envolvendosua atividade, visando a obtenção de maior renta-bilidade. Dentre os fatores de risco, pode-se con-siderar como principais aqueles referentes às in-certezas de mercado e às condições climáticasimprevisíveis. Toda e qualquer ferramenta que ve-nha ajudar o processo decisório é de grande valiaao setor agrícola (FARIAS et al., 1997). Diantedesse contexto, o presente trabalho tem por objeti-vo delimitar as áreas com menores riscos de insu-cesso devido à probabilidade de ocorrência de dé-ficits hídricos durante as fases mais críticas dacultura da soja, fornecendo informações que sub-sidiem a definição de políticas agrícolas e a toma-da de decisões pelo setor produtivo, para a obten-ção de maiores rendimentos com menores riscos.Isso leva à uti Iização mais racional da cultura, bemcomo ao incremento da produção e da produtivi-dadeda soja, trazendo inúmeros reflexos positivosà economia e à sociedade brasileiras.

Material e métodos

A realização deste trabalho envolveua participação de várias instituições(MAPA, EMBRAPA, ANEEL. INMETe IAPAR), compreendendo os estados doPR, de GO, do TO, do MS, do MT, de

MG, do MA e da BA. A primeira etapa do traba-lho consistiu na obtenção do banco de dados ne-cessário. As séries pluviornétricas foram obtidasjunto à ANEEL e analisadas pela Ernbrapa Cerra-dos, compreendendo os valores diários de precipi-tação. observados num período mínimo de 15 anos,abrangendo várias estações (de 45 a 331 estaçõespor estado). local izadas nos diferentes estados. Osvalores de evapotranspiração potencial foram for-necidos pelo INMET e pelo IAPAR, estimadospelos métodos de Penrnan (para o estado do Para-ná) e de Hargreaves (para os demais estados).

Para representar a maioria das cultivares desoja recomendadas para as diferentes regiões, fo-ram eleitas duas cultivares hipotéticas. considera-das perfeitamente adaptadas às condições termo-fotoperiódicas dos diversos locais. com ciclos dife-rentes, as quais foram denominadas de Precoce eTardia (Tabela I). A duração dos estádios fenoló-gicos foi estimada para cada cultivar e local deestudo. Os coeficientes de cultura (Kc) emprega-dos para estimar o consumo hídrico em cada fasetenológica foram adaptados daqueles obtidos porBERLATO et al, (1986) e por DOORENBOS &KASSAM (1979). Na Tabela 2 são apresentadosa duração dos estádios fenológicos, em função dosciclos das cultivares, e os respectivos coeficientesde cultura (Kc) utilizados.

As classes de solo presentes em cada estadoforam agrupadas segundo sua capacidade dearmazenarnento de água, trabalhando-se com trêstipos para cada estado. A capacidade de águadisponível (CAD) foi estimada em função daprofundidade efetiva do sistema radicular da cultura(35 a 50 em), resultando em valores de CAD de25, 35 e 50 mrn, para os tipos de solo 1, II e IlI,respecti varnente, para todos os estados estudados,com exceção do Paraná. Para esse estado, foramusados valores maiores de CAD nO, 50 e 75 mrn,respectivamente, para os tipos de solo L li e 111)em função das práticas de manejo do soloempregadas em grande parte do estado, as quais,em geral, favorecem o desenvolvimento do sistemaradicular.

GO, MT, MG, TO, BA, MAPrecoce 120 115Tardia 130 135

110140

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Tabela 2. Duração dos estádios Ienológicos das cultivares de soja com diferentes ciclos e respectivos coeficientesde cultura (Kc).

Resultados e discussão

Ciclos S-V2 V2-RI RI-R51R6 R6-R8110 J.O 35 35 30115 10 35 40 30120 15 35 40 30130 15 40 45 30135 15 40 50 30140 15 45 50 30Kc 0,56 1,21 1,50 0,90

* S: semeadura: V2: folha desenvolvida no primeiro l1lí acima do unitoliolado: R I: início da floraçào: 1<5: legumecontendo grãos com três mrn em um dos quatro nós superiores; R6: legume contendo grüos completamente desen-volvidos em um dos quatro nós superiores e, R8: maturidade completa. segundo l'l~I'IR & C 1\V INESS ( 1977).

De posse dos dados necessários. foram esti-mados os índices de satisfação das necessidadesde água (ISNA), definidos como a relação exis-tente entre a evapotranspiração real (ETr) e a eva-potranspiração máxima da cultura (ETm), utilizan-do-se um o modelo BIPZON de simulação do ba-lanço hídrico da cultura (FOREST, I9~4). O mo-delo BIPZON estima o desenvolvimento da plantaem função do consumo de água e das disponibili-dades hídricas da região. Os principais dados deentrada para esse modelo são: chuva diária. eva-potrunspiração potencial decendial, coeficientes decultura, duração do ciclo e das fases fenológicasda cultura e capacidade de água disponível do soloem função do sistema radicular. Para a definiçãodos níveis de risco hídrico, foram estabelecidas trêsclasses, de acordo com a relação ETr/ETm obtida:

$ favorável (ETr/ETm.;:::O.65):

• intermediária (0,65 > ETr/ETm > 0,55) e

• desfavorável (ETr/ETm.::; 0.55).

Foram feitas simulações para nove períodosde semeadura ( Io a IO/out, 11 a 20/out, 21 a 31 /out.10 a IO/nov. 11 a 20/nov, 21 a 301110v. I(}a I(J/dez.11 a 20/dez e 21 a 3 l/dez), sempre englobando asépocas recomendadas pela pesquisa para obten-ção dos maiores rendimentos. Para o estado doMaranhão, foram feitas simulações para mais trêsépocas de semeadura: Io a 10, 11 a 20 e 20 a 31 dejaneiro. Ao todo, foram simulados cerca de 80.000ciclos de cultivo, considerando-se as inieraçõesentre estações pluviornétricas. cultivares, tipo desolo e datas de semeadura nos di Ierentes estados.

A espacializução dos resultados foi realizadaempregando-se os valores de ISN A estimados para

o período fenológico compreendido entre a flora-cão e o enchimento de grãos (período mais críticoao déficit hídrico), com freqüência mínima de 80%,nos anos utilizados em cada estação pluviométri-ca. Cada valor de ISNA observado durante eSsafase foi associado à localização geográfica da res-pectiva estação para posterior espacialização dosmesmos, uti Iizando um sistema de informaçõesgeográficas (SIG) desenvolvido pelo Instituto Na-cional de Pesquisas Espaciais (IMAGEM E GEO-SISTEMAS, 19<)5). Convertidos os dados e feitasas transformações necessárias na espacializaçãodos valores, verificaram-se os erros e ajustaram-se os valores das interpelações.

As informações geradas pelo trabalho foramtestadas com os valores observados em safrasanteriores. Compararam-se os resultados obtidoscom séries históricas de produção. área cultivadae rendimento de grãos, por município, nos últimosdez, cinco e três anos. por estado. Todas essas in-formações foram espacializudas, utilizando siste-mas de informações geográficas (ASSAD &SANO, 19(3) e os mapas gerados foram compa-rados aos obtidos pela metodologia inicial, haven-do. quando necessário. ajustes das informaçõesgeradas. resultando em recomendações mais pró-x imas da rea Iidade de cada estado.

Com base nos coeficientes de cultura (Kc)empregados. o modelo de balanço hídrico (BIPZON)estimou, para os diferentes cst.idos. valores deevapotranspiração maxirna que variaram, em

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média, de 550 a 800 mm, os quais estão muitopróximos dos obtidos em trabalhos de campo(BERLATOet al., 1986; AZEVEDO et al., 1989).Comoa disponibilidade hídrica é um dos principaisfatores responsáveis pela variabilidade dosrendimentos das culturas, no tempo e no espaço,esse modelo aparece como uma alternativaadequadapara trabalhos de regionalização de riscos,considerandosua simplicidade de uso e necessidadede pequeno conjunto de dados, mais facilmentedisponíveis. Deve-se, no entanto, considerar quemodelosmais completos e/ou complexos são, namaioriadas vezes, capazes de fornecer estimativasmaisprecisas das variações da produtividade, emfunçãode variáveis climáticas. Porém, têm menoraplicabilidade espacial em função da inexistênciadedados para muitas regiões, principalmente paraosCerrados e para o Nordeste brasileiro.

Para cada estado em estudo, foramconfeccionados 54 ou 72 mapas, decorrentes dacombinação de nove ou doze períodos desemeadura, três tipos de solo e duas cultivares. NaFigura 1, apresenta-se um exemplo com mapasobtidos para o estado do Paraná. Cada um dosmapasrepresenta a combipação de um dos níveisde cada fator acima, isto é,cada mapa representa aclassificação das diferentesáreas do estado para umadada época de semeadura,em função do tipo de solo eda cultivar. As áreas favo-ráveisrepresentam as regiõesonde é menor o risco deocorrência de déficit hídricoduranteas fases mais críticas(floração e enchimento degrãos). As áreas desfavorá-veis definem as regiões dealto risco de ocorrência deveranicos, durante as fasesmais críticas da cultura dasoja.As áreas intermediáriasrepresentam as regiões emque o risco é mediano,situando-se entre as duas,anteriormente, definidas.

Solos com baixa capaci-dade de armazenamento de

água (CAD) apresentaram-se, em geral, imprópri-os' para o cultivo da soja na maioria das regiões,nos diferentes ciclos das cultivares e de épocas desemeadura considerados. Observou-se, também,que a cultivar tardia tem sua época de semeadurafavorável, na maioria das regiões, mais cedo que aprecoce. No entanto, é importante considerar quesemeaduras muito cedo podem resultar em plan-tas muito baixas, aumentando as perdas na colhei-ta. Apesar desse efeito ser mais drástico nas culti-vares precoces, ocorre, também, nas tardias. Alémdisso, cultivares tardias semeadas muito cedo fi-carão mais tempo expostas às condições de cam-po e, conseqüentemente, mais sujeitas ao ataquede pragas e de doenças.

Utilizando o estado do Paraná como referên-cia, procedeu-se validação da metodologia empre-gada, comparando os resultados até então obtidoscom séries históricas de produção, área cultivadae produtividade, por município, nos últimos anos.Na Figura 2 são apresentados os mapas obtidospara o estado do Paraná, considerando a área médiacolhida e os rendimentos de grãos de soja, respec-tivamente, verificados por município, num períodode dez anos. Observa-se grande correlação entre

• Favorável Intermediário Desfavorável

Figura 1. Classificação de épocas de semeadura em relação ao risco hídrico àcultura da soja no estado do Paraná, em nove épocas de semeadura,para cultivar precoce (120dias) e solo de média retenção de água (CAD=50mm).EmbrapaSoja,Londrina,2001.

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esses mapas e os gerados pelo trabalho, demons-trando que a metodologia empregada, bem comoos resultados obtidos, estão bastante próximos darealidade desse estado. Na maioria das áreas emque a produtividade e/ou área cultivada são des-prezíveis, o zoneamento apresentou condições des-favoráveis ao cultivo da soja, o que pode ser facil-mente verificado analisando a região Nordeste doestado.

Deve-se, no entanto, ressaltar algumas limita-ções da metodologia utilizada. Assim, os períodosfavoráveis não indicam, necessariamente, os perío-dos de semeadura para obtenção dos maiores ren-dimentos de grãos, mas sim aqueles em que hámenor probabilidade de perdas por ocorrência dedéficit hídrico. Além disso, nem todos os municípiosclassificados como favoráveis são aptos ao cultivoda soja. Além da disponibilidade hídrica, outros fa-tores devem ser considerados para avaliar a viabi-lidade da exploração desta cultura com sucesso

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Figura 2. Área média colhida com soja (A) e rendimentomédio de grãos (B), por município do Paraná,observado no período de 1989/1990a 1998/1999.EmbrapaSoja,Londrina,2001.

numa dada região e, principalmente, aumentar adensidade de dados para incrementar a precisãoespacial das recomendações. Finalmente, muitasdas áreas classificadas como intermediárias podemser enquadradas como favoráveis, devido a práti-cas de manejo do solo e da cultura que permitem aplanta superar curtos períodos de adversidade cli-mática. Outros modelos agroclimáticos, mais pre-cisos, já estão levando em consideração as modifi-cações de umidade do solo em função do manejoadotado.

Salienta-se que as informações geradas poreste trabalho devem ser usadas com cautela, le-vando em conta as características particulares decada produtor e/ou região, buscando assim o refi-namento destas informações, principalmente, noque diz respeito à escala de trabalho. Este trabalhodeve ser, também, constantemente revisado, atua-lizado e aprimorado, levando em conta todo o co-nhecimento acumulado pelo cultivo da soja nas di-

ferentes regiões há vários anos. Para ser cum-prida com êxito, esta tarefa exigirá a participa-ção efetiva de vários outros segmentos do se-tor agrícola.

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