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Capítulo IV A consolidação da ABAPI na década de 1950 57 “O antigo Conselho de Recursos era a vedete da época. Quando se sabia que iria haver um embate daquele pessoal, como o dr. Custódio de Almeida, o dr. Dannemann, o dr. Júlio Vieira de Mello, o dr. Thomas Leonardos, e outros desse nível, havia magia no ar!” RICARDO VIEIRA DE MELLO

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Capítulo IVA consolidação da ABAPI na década de 1950

57

“O antigo Conselho de Recursos era a vedete da época. Quando se sabia que iria haver um embate

daquele pessoal, como o dr. Custódio de Almeida,

o dr. Dannemann, o dr. Júlio Vieira de Mello, o dr. Thomas Leonardos,

e outros desse nível, havia magia no ar!”

RICARDO VIEIRA DE MELLO

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Getúlio Vargas em suafazenda em São Borja (c. 1950)

Juscelino Kubitschek,acompanhado por NereuRamos e João Goulart,discursa na cerimônia deposse (Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1956)

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O Brasil rompeu a década de 1950 em desassossego. Eraum país grande, rico e com incrível potencial para o seudesenvolvimento não aproveitado. A experiênciademocrática com o marechal Eurico Gaspar Dutra haviadado resultados pífios em termos de desenvolvimento.

A volta de Getúlio Vargas marcou o início de uma fase degrande instabilidade. Seus opositores, particularmente daUnião Democrática Nacional, a UDN, estavam mais fortes egrande parte da sociedade brasileira recordava-se aindados anos de ditadura. Parte das Forças Armadas viaGetúlio com desconfianças.

Grandes mobilizações populares como a “Campanha doPetróleo É Nosso” ocorriam, enquanto uma oposiçãoferrenha ao governo de Getúlio Vargas se concentrava noCongresso. As crises tornaram-se inevitáveis: militarescontrários à política do ministro do Trabalho João Goulartarticularam o famoso manifesto “Memorial dos Coronéis”,episódio que terminou com sua renúncia e também a doministro da Guerra.

Acuado pela oposição e perdendo o apoio militar, Vargas sevoltou para o operariado, que o tinha como protetor, o “paidos pobres”, numa alusão à série de leis trabalhistas quehaviam sido instauradas nos anos 30 e 40. Ao mesmotempo, Getúlio desenvolvia uma política nacionalista e definanciamento à indústria, trazendo como saldo a Petrobráse o Banco de Desenvolvimento Econômico.

O líder oposicionista Carlos Lacerda não lhe dava tréguas.A fatídica tentativa de assassinato do jornalista, perpetradaa partir dos porões da guarda presidencial, acabouprovocando a grande crise e o suicídio de Getúlio Vargas,em 1954.

A depressão que atingiu o país após a morte de GetúlioVargas logo deu lugar à euforia trazida de Minas Gerais pelonovo presidente, Juscelino Kubitschek. Ex-governador doEstado, ele trazia a esperança em seu largo sorriso, em suafama de bom valsista e, principalmente, em suasrealizações durante o mandato em Minas.

Para o país, o novo presidente tinha metas ambiciosas. Naverdade, 21 metas cuja síntese era a construção da novacapital federal num ermo do Planalto Central de Goiás.Brasília - projetada pelos arquitetos Lúcio Costa e OscarNiemeyer, e construída por milhares de trabalhadores, oscandangos - logo tornou-se realidade.

No campo econômico abriu-se uma fase de crescimentosem precedentes, alimentada pela chegada das indústriasautomobilísticas e eletroeletrônicas estrangeiras. Apesar dasdificuldades vividas no princípio dos anos de 1950, a décadafoi encerrada com saldo de crescimento industrial de 32%.

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Ônibus rumo a Brasília (1960)

“Manchete” (1955)

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Os eletrodomésticos tornaram-se realidade nos lares. Walita eArno rivalizavam para conquistar a simpatia das mulheres “dolar”. A televisão, lançada pelo visionário homem da imprensaAssis Chateaubriand, se firmava no país.

Nessa década de desenvolvimento e crescimentoeconômico, a história da ABAPI foi marcada pela luta pormelhores condições de trabalho. Três problemascentralizavam as atenções da entidade. Sem dúvida, oprincipal deles era a crescente deficiência dos serviçosprestados pelo DNPI.

A conseqüência da precariedade era a multiplicação dosproblemas éticos. Com o agravante de que não havia naépoca um código de ética para controlar o exercícioprofissional dos agentes da Propriedade Industrial.

A princípio, havia uma grande interação administrativaentre a ABAPI e o Departamento. Esforços eram somadostanto na superação dos problemas do dia-a-dia quantona busca de alternativas legislativas para empreenderreformas mais profundas. Anteprojetos de reforma doCódigo da Propriedade Industrial, de reforma doConselho de Recursos e de criação de um código deética para disciplinar o exercício da profissão chegaram aser elaborados. Nenhum deles, entretanto, foiconcretizado.

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“Manchete” (1955)

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“Gazeta de Notícias”(9/9/1949)

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Na segunda metade da década, os problemas no DNPIganharam nova dimensão. Para atender a clientela de formasatisfatória, a ABAPI adotou a política de suprir comrecursos próprios as necessidades do Departamento. Naocasião era preciso emprestar máquinas e até funcionáriospara minimizar as dificuldades.

Entendendo que a solução dos problemas estruturais doDNPI não estavam ao alcance da diretoria da entidade oumesmo do ministério, a ABAPI - que já tinha então tradiçãona defesa dos interesses dos agentes - partiu para umasolução política: enviou o histórico Memorial para opresidente da República Juscelino Kubitschek.

A crise no Departamento se prolongou até o início dadécada de 1960, culminando com a dissolução do primeiroConselho de Recursos. O que não se sabia naquela épocaé que, na verdade, a crise estava apenas começando.

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A integração da ABAPI com o DNPIO rico acervo documental da ABAPI, que remonta ao anode sua fundação, não deixa dúvidas: na década de 1950havia estreito relacionamento entre a entidade e a direçãodo DNPI. A troca de correspondências era cotidiana eabordava desde os problemas mais sérios, como a revisãodo Código da Propriedade Industrial, até questõescorriqueiras. Nem mesmo quando a ABAPI enviou oMemorial ao presidente JK houve qualquer tipo decomprometimento nas relações com o Departamento.

Já no seu primeiro ano de existência, a ABAPI reuniusugestões de seus associados para facilitar o desempenhoda função. A iniciativa deu origem a um documento enviadoao presidente do DNPI. No expediente eram apontadasdiversas falhas verificadas junto ao órgão: “É fatoincontestável que o quadro do pessoal lotado no DNPI,longe de acompanhar o seu crescente desenvolvimento,vem dando causa à maior demora na solução dos assuntosque lhe são cometidos, a despeito do notório esforço dosseus provectos dirigentes e prestimosos serventuários”.Seguiam sugestões de ordem administrativa para tornarmais ágil o serviço, como a inclusão de uma “cópia-carbono” nas oposições, recursos e outros.21

Outro problema relacionado ao Departamento foi parar, nomesmo ano, nas manchetes do jornal Gazeta de Notícias:atraso na publicação dos clichês de marcas no DiárioOficial. Milhares de marcas aguardavam publicação.22

Apesar dos esforços das autoridades, o DNPI era um órgãoburocratizado, moroso, ineficiente - características comunsem vários serviços públicos no período. Havia umdescompasso entre a dinâmica de crescimento daeconomia e o tempo de adequação do serviço público ànova realidade. De modo geral, as medidas adotadas paraenfrentar os problemas eram apenas paliativas.23

21. Correspondência enviadapelo presidente da ABAPI,Francisco Antônio Coelho,ao diretor geral do DNPI, em 27 de junho de 1949.

22. Jornal “Gazeta deNotícias” de 9 de junho de 1949.

23. Vejam-se, por exemplo,os atos expedidos peladireção do DNPI, em 1 deoutubro de 1949, visandoabreviar o andamento dosprocessos.

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Agentes e prepostos emsua sala no DNPI (c. 1950)

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24. Correspondência doDNPI para a ABAPI datadade 5 de agosto de 1949.

25. Relatório da diretoria doDNPI de 10 de abril de1950.

26. Depoimento deCustódio de Almeida, em23 de setembro de 1998.

“O Cruzeiro” (1950)

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A questão da regulamentação da profissãoProblemas não faltavam. Mas o maior deles era certamentea falta de um código de ética rigoroso. A preocupação coma questão ética é revelada pelas correspondências trocadasentre o DNPI e a ABAPI. Falava-se da necessidade deregulamentação mais detalhada para conter abusos.

Em agosto de 1949, o DNPI informou que havia sidoconstituída uma comissão para preparar “um projeto deregulamentação das funções de agente”. Na ocasião, adireção do órgão manifestou a preocupação em aprimorar oprojeto e chegou mesmo a cogitar a publicação no DiárioOficial, a fim de que pudesse receber sugestões.24

No ano seguinte, a diretoria do DNPI assinalou mais uma vezsua preocupação com a elaboração de um “Regulamento doExercício da Profissão”. Levantou-se até a possibilidade deapresentar um memorial denunciando “casos concretos eprovados de ‘zangões’ e falsos procuradores”.25 Na época, otermo zangão era utilizado como sinônimo de rábula. Porém,na carta era empregado com sentido pejorativo, assinalandoa ação de pseudo-advogados.26

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Há tempos, a ABAPI apontava a necessidade de coibir osfalsos prepostos, que representavam advogados nãocredenciados.27 O problema assumiu tal vulto que em 1950o DNPI se viu obrigado a publicar aviso no Diário Oficial eem diversos jornais de grande circulação da capital,“visando coibir a ação de indivíduos não habilitados que,ludibriando a boa-fé de comerciantes e industriais,propunham-se a obter registro de marcas, patentes deinvenção e certidões junto ao Departamento”. O avisolembrou que estava em vigor o Decreto-lei nº 8.933, de1946, e citou explicitamente quem podia apresentar atosperante o Departamento: “os próprios interessados,pessoalmente; os agentes da Propriedade Industrial; e osadvogados, legalmente habilitados”.28

A partir daí, a questão da regulamentação assumiu diversasfacetas. Em julho daquele ano surgiu uma polêmica relativaà portaria ministerial de 8 de fevereiro, que disciplinava oprocesso das prorrogações de registros relativos aoexercício profissional. Para enfrentar a questão, foiconstituída uma comissão que realizou meticuloso estudoda matéria. O resultado do trabalho foi enviado ao DNPI.29

Além das profundas questões da regulamentação profissional,a proximidade entre a entidade e o DNPI permitia também atroca de opiniões sobre “avisos e portarias” corriqueiros -como a forma em que os selos deveriam ser apostos nosdocumentos - e sobre “questões de ordem processual,destinadas a facilitar a juntada das petições”.30

Na prática, a maior parte das decisões do DNPI erarealizada em perfeita harmonia com a ABAPI. Prova disso éque, em outubro de 1950, o DNPI enviou à ABAPI cópia doanteprojeto do Regimento do Conselho de Recursos daPropriedade Industrial, para que a entidade pudesse semanifestar sobre as propostas.31 O Conselho se mostravamoroso, atrasando em anos a apreciação dos processos.

Um ano mais tarde, quando os problemas éticos voltavam apreocupar, o DNPI ameaçou adotar medidas visandoreprimir o exercício ilegal da profissão. Foi a diretoria daABAPI que apontou medidas para minimizar o problema,depois de ter discutido o assunto em assembléia ocorridano final daquele ano.32 A proposta da entidade foi a criaçãode uma carteira de identificação profissional.33

27. Correspondência enviadapelo presidente da ABAPI,Francisco Antônio Coelho,ao diretor geral do DNPI, em27 de junho de 1949.

28. “Diário Oficial da União”de 26 de setembro de1950.

29. Relatório apresentadoao presidente da ABAPI,em junho de 1950.Correspondência enviadapela ABAPI ao DNPI, semdata.

30. Correspondência doDNPI à ABAPI, em 6 desetembro de 1949.

31. Correspondência doDNPI à ABAPI, em 19 deoutubro de 1949.

32. Aviso do diretor do DNPIde agosto de 1951. Ata daassembléia da ABAPI de 7 de novembro de 1951.

33. Ata da reunião dadiretoria de 4 de novembrode 1953.

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O anteprojeto de código de ética de 1954 e a autogestãoApesar dos esforços, o projeto de regulamentação dasfunções de agentes iniciado pelo DNPI em 1949 nãoprosperou. Em 1954, a iniciativa estava com os agentes daPropriedade Industrial. Uma comissão foi formada emjunho, durante uma assembléia, com o objetivo de prepararum anteprojeto de código de ética profissional, entãochamado CEP. A comissão era composta por SebastiãoSilveira, relator, e os agentes Guilherme Gnocchi, AntônioSouza Barros Júnior e Atílio João Fumo.

O anteprojeto, preparado rapidamente, transformou-se numrico documento, no qual as principais preocupações dacategoria estavam registradas. O trabalho começavadestacando a necessidade de estabelecer “normas deconduta profissional obrigatórias aos agentes oficiais eadvogados habilitados”. Afirmava que seu objetivo era a“elevação do nível de dignidade da classe e de todos osenvolvidos na esfera da Propriedade Industrial”.

O documento observava que era conveniente, na reformado Código da Propriedade Industrial, em curso, que fossemalinhadas disposições genéricas sobre a ética profissional ea ordem administrativa. Propunha ainda a inclusão deartigos como: “Os agentes oficiais da Propriedade Industrialserão obrigados ao respeito do Código de ÉticaProfissional, que aprovarem através de suas associaçõesou sindicatos de classe; nos casos de violação dessecódigo próprio, os processos terão curso e julgamentopelos órgãos competentes das referidas associações,segundo regras estabelecidas no mesmo código; asdecisões finais tomadas em tais processos serãocomunicadas, com pormenores, ao diretor geral do DNPI,que as fará cumprir e anotar nas fichas dos agentes”.34

34. Anteprojeto do Códigode Ética Profissionalapresentado em 12 dejunho de 1954.

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Thomas Othon LeonardosPresidente 1954/55 e1970/76

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A crise do DNPI na década de 1950“Maria Candelária é alta funcionária... na terça vai aodentista, na quarta vai ao café, na quinta vai ao florista e nasexta ninguém sabe o que ela é!” Como se pode observarna letra da famosa marchinha, que fez grande sucesso nocarnaval de 1952, os serviços públicos e os funcionárioseram na época alvos de desconfiança e ironia popular. Ospoetas Armando Cavalcanti e Klécius Caldas, de maneirasimples e direta, traduziram em versos o grandedescompasso que havia entre a sociedade que sedesenvolvia e o Estado que mantinha contornosadministrativos ultrapassados.

O fenômeno mostrou-se plenamente nos setores maisdinâmicos, como o de marcas e patentes, que viviafrenético crescimento. A cada dez anos, a demanda quechegava ao DNPI dobrava. No princípio da década de 1940,o Departamento processava pouco mais de 10.000processos por ano. No final da década de 1950, o volumeultrapassava os 40.000 processos por ano. A demandadobrou duas vezes, numa autêntica progressão geométrica,que seria mantida nas décadas seguintes. Mas o mesmonão ocorria em relação à estrutura do órgão.

Era indispensável que o Departamento mantivesse umprocesso contínuo de modernização. E a conseqüência dafalta de investimentos era inevitável: crescente defasagementre a demanda e a resposta do DNPI com progressivoaumento do tempo de tramitação dos processos.

Esse quadro foi descrito de maneira dramática peloscontemporâneos que atuavam junto ao órgão: LuizLeonardos, que em 1955 trabalhava no escritório do pai,conta que o DNPI não tinha condições de trabalho, nemmaterial e nem de pessoal. “Os processos eram empilhadosnuma suposta catalogação, numa seção de arquivos semcatálogo”, lembra. Verificavam-se atrasos no trâmite deprocessos de até vinte anos.35

Foi nessa fase, e nos dez anos seguintes, que a ABAPIassumiu o compromisso de suprir pelo menos em parte asnecessidades do Departamento. Embora o primeirodocumento de empréstimo encontrado seja de 1958, éprovável que anteriormente a entidade já estivesse cedendomáquinas e pagando datilógrafos para o DNPI. Emdezembro de 1958, a ABAPI recebeu carta agradecendo oempréstimo de máquinas de escrever Remington.36

Relatório da diretoria da entidade apresentava os recibosde pagamentos feitos a catorze datilógrafos que prestaramserviços de janeiro a junho daquele ano.37

35. Entrevista de LuizLeonardos, em 18 deagosto de 1998.

36. Correspondênciaenviada pelo diretor geraldo Departamento Nacionalda Propriedade Industrial,Nilton Silva, à ABAPI, em31 de dezembro de 1958.

37. Conforme acorrespondência enviadapelo DNPI à ABAPI, em 31 de dezembro de 1958.Relatório da diretoria daABAPI de 1958.

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Diretor do DNPI agradece àABAPI pelo empréstimo demáquina de escrever (1958)

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O Memorial para JKA crise que atingiu a área da Propriedade Industrial no fim dadécada de 1950 não tinha precedentes. Havia uma grandedistância entre os recursos disponíveis no DNPI e asnecessidades objetivas colocadas pela demanda. E os agentessabiam que o auxílio prestado ao Departamento não passavade paliativo. Para superar a deficiência, era necessário mais doque um bom gerenciamento dos recursos. Era indispensávelbuscar o caminho político para a solução do problema.

Num gesto ousado, a ABAPI elaborou o Memorial que foienviado ao então presidente da República, JuscelinoKubitschek de Oliveira. O documento - um preciosodocumento histórico - foi cuidadosamente redigido,seguindo o protocolo exigido nesses casos. Apresentoudados preciosos sobre o desenvolvimento industrial e oserviço de marcas e patentes no Brasil. Descreveudetalhadamente os problemas enfrentados na área doDNPI, até com certa dose de humor.

Após uma apresentação protocolar, o documento formalizoua principal solicitação: “providências enérgicas e efetivas”,diante da “ameaça de um colapso total e imediato do DNPI”.

O Memorial da ABAPI salientou que, em todos os paísescivilizados, os órgãos responsáveis pela expedição decartas patentes e pelo registro de marcas de indústria e decomércio mereciam do governo atenção especial, com aconcessão de verbas para o seu reaparelhamento eaumento paulatino do número de servidores. E justificava:“A razão para tal postura é muito objetiva, o desempenhoda indústria e do comércio muito depende do bomdesempenho daquela repartição”.

Com riqueza de detalhes, foi relatada ao presidente daRepública a situação de penúria enfrentada peloDepartamento. Apesar da ajuda constante da Associação,que não media esforços e auxiliava em todos e de todos osmodos, em perfeita harmonia com as autoridadesdiretamente responsáveis, as dificuldade haviam atingidoum grau extremo. Por meio do Memorial, os agentesdemonstravam que só a União poderia saná-las,“cumprindo assim com a obrigação do Estado”.

Segundo o documento, a origem do problema estava noacelerado crescimento econômico do Brasil, que fezmultiplicar rapidamente o número de marcas, patentes etc.O texto lembrava que o correspondente aumento donúmero de funcionários e da verba orçamentária nãoocorria, “muito embora tenha havido sensível aumento darenda proveniente dos serviços ali prestados, não só pelamaior quantidade dos mesmos, mas também pela elevaçãodas taxas, anuidades e contribuições”.

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As informações fundamentavam-se em uma tabela denúmeros incontestáveis:

Crescimento do número de funcionários, processos earrecadação do DNPI (1947 a 1957)

Ano de 1948 Ano de 1953 Ano de 1957

Número de funcionários 100 115 194

Número de processos 17.715 26.653 41.469

Renda em Cr$ 5.667.900,70 7.826134,10 18.790.978,20

Dos 194 funcionários contratados naquela ocasião, somente167 estavam no Departamento, sendo que dezoito deles,apesar de estarem envolvidos no trabalho, não tinhamformação específica. Vinte e sete funcionários do DNPIprestavam serviços junto a outros setores da administraçãopública. Havia ainda o problema da má remuneração.

Diante do descompasso entre a demanda e o número defuncionários, era inevitável concluir que o serviço estava seacumulando de ano para ano, em escala ascendente. Em 30de abril de 1958 chegava ao seguinte quadro: 66.000processos de pedido de registro de marcas, títulos, nomescomerciais etc. estavam aguardando a vez de seremsubmetidos à busca de anterioridade; outros 30.000processos de registro seguiam andamento moroso; 12.000processos de patentes não tinham passado por exameprévio; outros 10.000 processos de patente tambémseguiam lentamente. Totalizavam 118.000 processos emtramitação pelo DNPI, que possuía apenas 167 funcionários.

O Memorial da ABAPI ponderava: “Verifica-se assim, Sr.Presidente, que no DNPI a única coisa que não falta éabnegação, seja da maioria de seus funcionários, sejadessa Associação e de seus membros”.

A obtenção de um registro de marca, sem qualqueranormalidade, levava mais de dois anos. Os prejuízos causadosà indústria e ao comércio eram enormes. Não se podia nemmesmo fazer uma busca prévia, pois os fichários doDepartamento estavam atrasados em mais de 15.000 registros.

Por apresentar tantos dados alarmantes, o documento enviadoa JK alcançou grande repercussão. A verba orçamentária doDNPI foi aumentada, mas ficou longe do necessário.

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A origem da idéia de autarquiaCom estrutura de departamento, o DNPI não conseguiriasuperar os seus problemas. Esta era uma convicção dacategoria em 1959. Apesar do constante crescimento dosrecursos arrecadados, a verba que era disponibilizada aoórgão pelo Orçamento da União não acompanha asexigências da demanda.

A alternativa era buscar a autonomia, através datransformação em autarquia. Condições básicas para ostatus não faltavam. Com este entendimento, naquele ano aABAPI constituiu uma comissão para elaborar a propostade transformação do DNPI em autarquia. O projeto acaboutendo de esperar onze anos para ser concretizado.38

38. No “Abapiano” nº 7, dejaneiro de 1960, a diretoriacumprimentava os membrosda comissão que elaborou oprojeto de transformação doDNPI em autarquia.

Agentes e funcionários doDNPI no almoço anual deconfraternização no ClubeGinástico Português, no Riode Janeiro (c.1950)

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O “velho” Conselho de RecursosO “velho” Conselho de Recursos formou um capítulo àparte dentro da história do DNPI e dos agentes daPropriedade Industrial. Criado em 1933, ele se transformouem fórum de recursos de grande destaque dentro do DNPIaté 1961, quando foi desativado.

Originalmente, o Conselho era composto pelo ministro etrês membros. As atribuições do ministro eramsistematicamente transferidas para o diretor geral do DNPI,que era quem presidia de fato o Conselho. Os demaismembros eram funcionários técnicos de carreira ou, muitasvezes, pessoas que vinham de fora, nomeadas pelopresidente da República.

Como órgão colegiado de amplo debate de questõesjurídicas, o Conselho de Recursos tinha grandeimportância. Nas décadas de 1930, 1940 e 1950, muitas desuas decisões transformaram-se em jurisprudência na áreada Propriedade Industrial. Muitas marcas foramconsagradas nesse período, como a marca Sapólio.

Nesse período, o Conselho funcionava como uma escolaonde agentes aprendiam como fazer a defesa de umprocesso. O embate entre dois grandes nomes eraesperado com ansiedade pela comunidade da PropriedadeIndustrial. Os debates mais polêmicos eram publicados emforma de pequenos opúsculos disputados por todos.39

A importância do Conselho de Recursos estava relacionadatambém ao aspecto social, à integração entre osprofissionais envolvidos na Propriedade Industrial. Ele eraum complemento do que se realizava no DNPI, criando umaconvivência necessária e direta entre as pessoas quecontribuíram para a criação da ABAPI.40

39. Entrevista de RicardoVieira de Mello, em 15 deagosto de 1998.

40. Entrevista de Oscar-José Werneck Alves,em 15 de agosto de 1998.

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Percy DanielSócio fundador e grandecolaborador

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O projeto de reforma do Conselho de Recursos na década de 1950Foi no fim da década de 1940 que o Conselho de Recursoscomeçou a apresentar problemas. Ao lado das discussõeséticas, que sempre surgiam, a principal questão era amorosidade na apreciação dos problemas.

A direção do DNPI era sensível à questão. Em 1952 constituiuuma Comissão de Revisão do Código da PropriedadeIndustrial. Os trabalhos da comissão, com participação derepresentantes da ABAPI, deram origem ao anteprojeto dereforma do Conselho de Recursos apresentado em 1954.

O anteprojeto partiu de um conceito básico, a “bipartição doConselho”. Teve por objetivo contornar uma incongruênciafundamental: juristas votavam sobre questões técnicas etécnicos decidiam sobre questões de alta indagação jurídica.

De acordo com a proposta, um dos conselhos teria comoatribuição “decidir casos de marcas, títulos deestabelecimentos, nomes comerciais e expressões depropaganda”. Seria integrado por “juristas e representantesda repartição e das classes produtoras, como a indústria eo comércio”. O outro conselho responderia pelos “casos deprivilégios de invenção, modelos de utilidade, desenhos emodelos industriais”. Este segundo conselho seriaeminentemente técnico.

A crise do Conselho e sua extinção em 1961Os problemas enfrentados pelo Conselho de Recursos daPropriedade Industrial também foram tema do famosoMemorial enviado ao presidente Juscelino Kubitschek, em1957. O documento destacou as deficiências do Conselho,“a quem cabe o julgamento de todos os recursosinterpostos das decisões definitivas do diretor doDepartamento Nacional da Propriedade Industrial”.

O Memorial fazia ainda as seguintes observações: “O Conselho reunia-se duas vezes por semana paraanalisar quatro processos, no entanto geralmente apenasum era avaliado. Inevitavelmente, os processos seacumulavam”. O texto finalizava de forma arrasadora:“Basta que se diga que presentemente estão sendojulgados recursos interpostos há mais de dez anos atrás”.

Além da lenta sistemática dos julgamentos, outro problemaera o moroso parecer do auditor técnico do DNPI. A verdadeera que o Conselho enfrentava problemas de ordem ética ede ingerência política. Não eram, obviamente, fenômenosespecíficos da Propriedade Industrial. Em maior ou menorgrau, diversos setores do governo eram afetados no período.

Em conseqüência dos problemas relatados, o Conselhoacabou sendo extinto em 1961, marcando o fim de uma fase.

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