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Capítulo 1 Introdução ao procedimento arbitral Adriana Noemi Pucci Mauro Cunha Azevedo Neto Inicialmente, cabe ressaltar a distinção entre processo ar- bitral e procedimento arbitral. O processo Arbitral se destaca pela aplicação dos princípios gerais do processo civil que de- vem ser observados pelas partes e árbitros na condução do procedimento arbitral, ou seja, respeitando o princípio da igual- dade das partes, da ampla defesa e do contrário, respeitando também o princípio do livre convencimento do julgador (ár- bitro). E a definição de procedimento arbitral está na esco- lha das regras ou regulamentos adotados pelas partes, com o intuito de tutelar a relação jurídica que se instaura entre as partes e o árbitro, exemplificando, escolha do Regulamento de um Centro de Arbitragem especializado na condução de procedimentos. 1.1. Processo arbitral e Procedimento arbitral O processo arbitral se destaca pela eficácia na solução das controvérsias empresariais, pois é um processo avesso a re- Pericias em Arbitragem.indb 1 05/04/2012 14:57:36

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capítulo 1introdução ao procedimento arbitral

Adriana Noemi Pucci Mauro Cunha Azevedo Neto

Inicialmente, cabe ressaltar a distinção entre processo ar-bitral e procedimento arbitral. O processo Arbitral se destaca pela aplicação dos princípios gerais do processo civil que de-vem ser observados pelas partes e árbitros na condução do procedimento arbitral, ou seja, respeitando o princípio da igual-dade das partes, da ampla defesa e do contrário, respeitando também o princípio do livre convencimento do julgador (ár-bitro). E a definição de procedimento arbitral está na esco-lha das regras ou regulamentos adotados pelas partes, com o intuito de tutelar a relação jurídica que se instaura entre as partes e o árbitro, exemplificando, escolha do Regulamento de um Centro de Arbitragem especializado na condução de procedimentos.

1.1. Processo arbitral e Procedimento arbitral O processo arbitral se destaca pela eficácia na solução das

controvérsias empresariais, pois é um processo avesso a re-

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cursos incidentais, o que facilita a conclusão do mesmo em tempo recorde.

Há instituições de arbitragem que foram criadas apenas para administrar procedimentos relacionados a temas especí-ficos, a exemplo a CAM – Câmara de Arbitragem do Mercado (BM&FBOVESPA – voltada para a solução de controvérsias do Mercado de Capitais e/ou International Cotton Associa-tion Ltd. – com sede em Liverpool (UK) promovendo os in-teresses das empresas do mercado mundial de algodão), bem como outras nacionais que se especializaram na condução de procedimentos arbitrais comerciais entre empresas nacio-nais/nacionais ou nacionais/estrangeiras – Ex. CAM/CCBC – EUROCÂMARAS – SP ARBITRAL – CÂMARA FGV/RJ – CAMARB – FIESP/CIESP – AMCHAM – ARBITAC – ACBahia, dentre outras recentemente instaladas).

O Capítulo IV da Lei 9.307/96 foi dedicado ao procedi-mento arbitral. Restaram fortalecidos os princípios básicos do devido processo legal, ao mesmo tempo em que a autonomia da vontade foi prestigiada, na medida em que fica a critério das partes a disciplina procedimental da arbitragem. A regra preconizada é de que as partes podem adotar o procedimento que bem entenderem desde que respeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e do seu convencimento racional1.

1.1.1. Arbitragem institucionalQuando as partes estabelecem regras definidas para a con-

dução da arbitragem, por exemplo, determinando na cláusula compromissória a adoção de regras de arbitragem de deter-

1 Carlos Alberto Carmona. Arbitragem e Processo – Um comentário à Lei nº 9.307/96. Ed. Atlas, 2004, p. 42

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minada instituição arbitral, estamos diante do que a doutrina chama de procedimento arbitral administrado ou institucio-nal. Neste caso, as partes deverão obedecer ao regulamento de arbitragem da instituição escolhida, a tabela de custas e demais despesas e a tabela dos honorários dos árbitros.

A opção pelas regras institucionais pode ocorrer na cláu-sula arbitral previamente inclusa em um contrato, ou pode ser posterior, caso as partes façam opção pela celebração de um compromisso arbitral extrajudicial ou judicial (art. 9º, pa-rágrafos 1º, 2º, 3º da Lei 9.307/96).

A função do centro de arbitragem, que processará a ar-bitragem administrada, é o da organização do procedimento, observação dos prazos processuais, elaboração de minutas do Termo de Arbitragem em conjunto com as partes, organiza-ção e convocação das audiências, enfim, é o responsável pela condução do procedimento até o final, exceção da função ju-risdicional, que é única e exclusiva do árbitro.

É fundamental termos em mente que todo centro de arbi-tragem ou entidade institucional arbitral tem obrigações em relação a todos os envolvidos em uma arbitragem, e que tais obrigações são, em sua maioria, de origem contratual. Onde existem obrigações, existem consequências jurídicas e, por-tanto, responsabilidades.

Na arbitragem administrada encontramos a figura do “Contrato de Organização da Arbitragem”. As partes contra-tantes são, de um lado, os litigantes e, de outro, o centro de arbitragem. Trata-se, aqui, de um ato conjuntivo, considera-do, por vezes, como sendo uma forma de contrato de manda-to de interesse comum e de empreendimento. Nesse sentido, Philippe Fouchard afirmou:

“É verdade que o contrato que liga o Centro e as partes é es-sencialmente um mandato, ainda que as funções exercidas pelo

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Centro não sejam atos jurídicos que ele passaria em nome dos seus mandantes; com efeito, ele exerce também prestação de serviços materiais e intelectuais remetendo mais exatamente a um contrato de empreendimentos, a qualificação principal, que ele assumir, é justamente aquela do mandato (... ).”2

Na arbitragem administrada ou institucional será obser-vado o regulamento do centro de arbitragem indicado na cláusula arbitral, sendo a função da secretaria impulsionar o procedimento arbitral de forma dinâmica, cabendo ao secre-tário ou gestor de procedimentos receber e expedir às partes notificações, comunicações, ofícios e avisos em geral relati-vos aos atos procedimentais, além do que, prestar às partes as informações necessárias à sua operacionalização, oferecendo aos árbitros o apoio necessário ao desenvolvimento das suas atividades, devendo ainda praticar atos necessários para as-segurar o regular funcionamento do centro de arbitragem. A instituição arbitral prestará serviços de administração do procedimento às partes, devendo prezar pelo bom e correto seguimento da arbitragem desde seu início até o seu fim.

1.1.2. Arbitragem “ad hoc”Na arbitragem “ad hoc”, cabem às partes e aos árbitros

criarem regras próprias para o procedimento se desenvolver, podendo ser nomeado um secretário, que ficará responsável pela administração do procedimento e a comunicação entre as partes, tribunal arbitral e demais atores que vierem a fun-cionar naquele caso específico3.

2 Philippe Fourchard. Note sous Paris 1 ch A, 18 nov. 1987 et mai 1988, TGI Paris, 23 Juin. 1988, Rev. Arb. 1988, n. 7 p. 674-675 (tradução livre).

3 Manuel Pereira Barrocas. Manual de Arbitragem. Coimbra: Almedina, 2010, p. 92.

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A concepção menos formalista e mais elástica do pro-cesso arbitral não dispensa, antes, reforça a necessidade de definir claramente os princípios fundamentais do processo arbitral. A lei e a doutrina dos autores consideram que o pro-cesso arbitral obedece aos seguintes princípios fundamentais: princípio da boa fé das partes; princípio da igualdade das par-tes; princípio do contraditório e da ampla defesa; princípio da ampla participação das partes no processo4.

No processo arbitral os princípios do devido processo le-gal não podem jamais ser excluídos, conforme observado no artigo 21, parágrafo 2º, da Lei nº 9.307/96, que reproduzimos infra:

Art. 21. A Arbitragem obedecerá ao procedimento esta-belecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institu-cional ou entidade especializada (arbitragem institucional), facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento (arbitragem ad hoc).

Parágrafo 2º Serão, sempre, respeitados no procedimen-to arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre con-vencimento. (grifos nossos)

1.2. flexibilidade do Processo Arbitral Flexibilizar, ensinam os dicionaristas, significa tornar

suave, dócil, fácil de manejar, ou seja, tornar complacente, acomodatício, permeável a variações5. Um processo flexível,

4 Manuel Pereira Barrocas. Ob. cit., p. 385.5 Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, Caldas Aulete. Rio

de Janeiro, 1974, p. 1616. Flexibilizar significa “tornar flexível”.

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portanto, deverá ser dotado de mecanismos que permitam seu fácil manejo, com adaptações necessárias ao seu adequa-do funcionamento6.

Acostumados às lides forenses, os operadores do direito atuam nos processos arbitrais com o mesmo comportamen-to que adotam nos processos judiciais, esquecendo-se que o processo arbitral é um sistema diferenciado e flexível, portan-to, exige mais especialização no trato com a matéria procedi-mental.

É um sistema que não comporta recursos incidentais, ou seja, as decisões dos árbitros, parciais ou finais, aquilo que no processo judicial denomina-se de decisões interlocutó-rias suscetíveis de interposição de agravo de instrumento, ou mesmo de embargos de declaração, não encontram guarida no processo arbitral.

O procedimento arbitral facilita a descoberta da verda-de, a busca de uma solução rápida e eficaz, sendo que nas demandas judiciais as inúmeras possibilidades recursais a disposição das partes, constituem o arsenal de expedientes, destacados do cipoal de normas destinadas a regular o pro-cesso das inúmeras espécies de ações judiciais. O objetivo do processo arbitral é a discussão do mérito da causa e não a discussão de matéria processual, facultando-se às partes e aos árbitros a definição do cronograma do procedimento, dentro dos limites da convenção de arbitragem7.

Os princípios do Código de Processo Civil não precisam ser aplicados no procedimento arbitral, pois como nos itens

6 Carlos Alberto Carmona. Flexibilização do Procedimento Arbitral. In Revista Brasileira de Arbitragem, nº 24 – out/nov/dez 2009, p. 7.

7 José Carlos de Magalhães. Arbitragem e o processo judicial. In Revista do Advogado de São Paulo, ano XXVI, setembro 2006, nº 87 “Arbitragem e Mediação“ (Coord. Lia Justiniano dos Santos e Selma Maria Ferreira Lemes), p. 61.

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anteriores mencionamos o regulamento de arbitragem (no caso de arbitragem administrada ou institucional) é, em tese, a regra procedimental a ser aplicada. Porém, o Código de Processo Civil pode funcionar como fonte subsidiária para os árbitros, para fixarem regras procedimentais.

O procedimento arbitral começa a ser criado na cláusula compromissória, como acima mencionado, com a eleição da modalidade do procedimento, a escolha de uma arbitragem administrada ou “ad hoc”, inclusive a previsão de árbitro úni-co ou tribunal arbitral, entre outros aspectos.

Ao tecermos nossos comentários sobre as diferenças entre o processo arbitral e processo judicial, primeiramente deve-mos salientar que não são todas as questões que são passí-veis de apreciação por um tribunal arbitral, devido aos custos envolvidos, à especificidade da matéria objeto do litígio, ou mesmo à questão de complexidade do tema.

No processo judicial todos os direitos são passíveis de apreciação; no processo arbitral somente os direitos patrimo-niais disponíveis (art. 1º da Lei nº 9.307/96). As demandas judiciais, via de regra, são propostas no foro do domicílio do réu (arts. 94 e 100 do CPC), já no processo arbitral, o local da arbitragem é estipulado livremente pelas partes segundo critérios adotados na convenção de arbitragem.

No processo judicial, os litigantes não possuem prerroga-tivas de escolher o Juiz que julgará a lide. O Juiz normalmente não é um especialista versado em determinada matéria técni-ca objeto do contrato, como por exemplo: compra e venda de mercadorias internacionais, ou em disputas societárias ou grupo de empresas, na apuração de haveres entre os sócios, ou mesmo questão de contratos envolvendo matéria sobre gás, petróleo, compra e venda de energia elétrica, questões industriais, e, ainda, de construção civil, dentre outras.

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No processo arbitral a liberdade da escolha dos árbitros, que podem ser especialistas versados no contrato e/ou peritos na matéria da controvérsia, facilita o entendimento do caso submetido à arbitragem.

1.3. As fases do Procedimento Arbitral 1.3.1. A fase pré-arbitral

É aquela do momento da assinatura da convenção de ar-bitragem, mas se mantém adormecida até o surgimento do conflito. Ela se prolonga até a aceitação do encargo pelos árbitros. Vale ressaltar que a aceitação dos árbitros não põe termo à fase pré-arbitral, pois esta somente se esgota com a efetiva confirmação dos árbitros, após submetido o Termo de Arbitragem aos litigantes.

Para o início do procedimento arbitral, a parte ou as par-tes (que poderão ser múltiplas – “arbitragem multipartes”) que pretenderem registrar um procedimento arbitral perante o centro de arbitragem, devem sempre apresentar um reque-rimento ou solicitação de abertura de procedimento arbitral muito resumido, levando somente em consideração a qua-lificação completa das partes, resumo da controvérsia, não antecipar argumentos, não apresentar provas documentais, apenas informar que existe uma controvérsia entre as partes, que essa controvérsia originou-se de um contrato cuja for-ma de solução da pendência deverá ser por arbitragem e, em conformidade com as regras de determinando centro de arbi-tragem e recolhimento da taxa de registro. Algumas entida-des arbitrais solicitam antecipação de emolumentos, ou seja, da taxa de administração e um percentual antecipado para custeio dos honorários dos árbitros, evitando que não haja

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problemas futuros de suspensão do procedimento ou arquiva-mento dos autos por falta de quitação de custas arbitrais.

1.3.2. incidente anterior à instituição da arbitragem: a impugnação de árbitros

A Impugnação de árbitros é tratada no procedimento ar-bitral como um incidente procedimental, que normalmente retarda a instituição do procedimento, ou seja, a constituição do painel arbitral.

Havendo impugnação de árbitro por parte de alguma das partes, se o árbitro impugnado não se afastar, a diretoria do centro de arbitragem decidirá administrativamente sobre a impugnação, mantendo ou não o árbitro impugnado.

A análise sobre impugnação do árbitro será realizada pe-los gestores do centro de arbitragem, normalmente pelo pre-sidente e o secretário geral, ou por um comitê de membros do corpo de árbitros da instituição, designados pelo presidente, que apresentarão um relatório, fundamentando sobre a ma-nutenção ou não do árbitro impugnado.

A parte que apresenta impugnação ou recusa ao árbitro indicado pela parte contrária deverá provar o alegado, sob pena do centro de arbitragem decidir favorável a manuten-ção do árbitro, não acolhendo a recusa e dando sequência ao procedimento.

O Regulamento do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, por exemplo, prevê, no art. 5.4, que o incidente de remoção de árbitro suscitado pela parte que entenda ser algum dos julgadores impedido ou sus-peito, seja julgado por um comitê designado pelo presidente do centro e formado por três membros do corpo de árbitros da entidade.

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O mesmo pode-se dizer se a regra procedimental escolhi-da for o Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (Centro de Arbitragem Comercial – Lisboa), cujo art. 11, parágrafo 3º, atribui ao presidente do centro competência para apreciar o incidente de recusa de árbitro por conta de dúvida quanto à sua inde-pendência ou imparcialidade8.

1.3.3. A fase arbitralAntes de se iniciar o procedimento arbitral os requeri-

mentos das partes serão avaliados pela secretaria do órgão arbitral institucional, inclusive a instituição avaliará se a cláusula arbitral faz referência às regras procedimentais da-quela instituição, é o que os arbitralistas denonimam de aná-lise “prima facie” da cláusula compromissória, bem como a análise se a matéria é suscetível ou não de ser submetida à arbitragem.

Trata-se de exame preliminar da convenção de arbitra-gem, previsto inclusive no Regulamento de Arbitragem da CCI; é como se fosse um controle processual realizado pela instituição arbitral com a verificação da própria redação da cláusula compromissória. Desta forma, cabe ao centro de arbitragem, verificar desde o início a respeito da existência da convenção, de modo a evitar eventuais abusos flagrantes. Caso o centro de arbitragem chegue à conclusão que aque-la cláusula não se refere às regras procedimentais dessa ins-tituição, deverá posicionar-se contrário à administração da arbitragem, comunicando às partes que não aceita aquela ar-bitragem, a não ser que as partes, de comum acordo, façam o

8 Carlos Alberto Carmona. Arbitragem e Processo – Um comentário à Lei nº 9.307/96. Ob. cit., p. 10.

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termo aditivo à cláusula arbitral, convencionando que será a arbitragem administrada por essa instituição.

Instituída a arbitragem, é dos árbitros a jurisdição dele-gada pelas partes para resolver a disputa definida no Termo de Arbitragem. Nessa fase as partes apresentarão seus ar-gumentos em alegações iniciais, réplicas e até tréplicas e, na sequência, será a vez da produção de provas periciais e audiências, da prolação da sentença arbitral, os eventuais pedidos de esclarecimentos, pedidos esses direcionados aos árbitros. Encerrada a fase Arbitral, termina a jurisdição do tribunal arbitral.

Essa sistemática é simples de ser compreendida, já que a constituição do tribunal arbitral se dará na fase posterior ao pedido de abertura ou instauração da arbitragem, e para a escolha dos árbitros será primeiro levado em consideração a redação da cláusula compromissória, pois a cláusula men-cionará se a arbitragem a ser instituída será uma arbitragem com três árbitros (um tribunal arbitral) ou uma arbitragem de árbitro único, essa última com menos custos para as partes envolvidas, mas de muito mais responsabilidade para aquele que decidirá isoladamente.

Entendemos que para as arbitragens menos complexas, o árbitro único é ideal, pelos menores custos, mas, para ar-bitragens complexas o ideal é a constituição de um tribunal arbitral e muitas vezes recomenda-se que na sua formação seja composta de profissionais multidiciplinares, não somen-te advogados, mas também com engenheiros, contabilistas, economistas e outros profissionais versados na matéria a ser arbitrada.

Nesta fase podemos destacar a importância da elabora-ção do Termo de Arbitragem. Após a escolha e aceitação dos árbitros, o centro elaborará Termo de Arbitragem podendo contar com a assistência das partes, contendo os nomes e

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qualificação dos mesmos e dos árbitros, bem como dos seus suplentes, o nome e qualificação do árbitro que funcionará como presidente de Tribunal Arbitral, o lugar em que será proferida a sentença arbitral, autorização ou não para que os árbitros julguem por equidade, o idioma em que será condu-zida a arbitragem, o objeto do litígio, o seu valor e a respon-sabilidade pelo pagamento das custas processuais, honorários dos peritos e dos árbitros, bem como a declaração de que o tribunal arbitral observará os prazos e procedimentos previs-tos no regulamento.

Normalmente o centro de arbitragem encaminha uma minuta do Termo de Arbitragem por via eletrônica para que as partes possam chegar na audiência de celebração do Ter-mo com todos os pontos relevantes a serem discutidos, sem que haja dificuldades ou mesmo dúvidas na confecção do Termo de Arbitragem, documento esse também denominado de “Ata de Missão” pelo Regulamento da Corte Internacional de Arbitragem da CCI9.

O Regulamento de Arbitragem da SP ARBITRAL em seu Art. 3º – Item 3.1 – dispõe sobre o Termo de Arbitragem da seguinte forma: “As partes e árbitro(s) elaborarão o Termo de Arbitragem, podendo contar com a assistência da Câmara”.

1.3.4. A fase pós-arbitralEsgotada a jurisdição arbitral, com a prolação da sentença

final e eventual decisão em sede de pedidos de esclarecimen-

9 Corte Internacional de Arbitragem da CCI – Câmara de Comércio Internacional com sede em Paris. www.iccarbitration.org. É uma organização líder em arbitragem comercial internacional. Fundada em 1923 para solucionar controvérsias empresariais de caráter internacional, sua rígida imparcialidade e eficácia são reconhecidas em toda parte do mundo.

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to, cabe a parte sucumbente cumprir o julgado, exceto se a sentença for passível de nulidade por infração às hipóteses previstas no artigo 32 da Lei Brasileira de Arbitragem.

1.4. A intervenção de terceiros no processo arbitral

Quando tratamos do tema arbitragem é medida de pru-dência do advogado, bem como de peritos e demais atores da arbitragem, no sentido de refletir sempre sobre os limites desse procedimento. Com o notável crescimento de arbitra-gens processadas no Brasil nos últimos tempos, principalmen-te após a decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a constitucionalidade da Lei da Arbitragem (no julgamento de recurso em processo de homologação de Sentença Estran-geira – SE 5.206), a utilização desse mecanismo extrajudicial, que delega extensão jurisdicional aos árbitros, requer cuidado essencial.

É possível que a solução de uma pendência entre duas partes contratantes atingir terceiros, de tal sorte que a sen-tença arbitral pode vir a impactar partes alheias ao procedi-mento arbitral. Uma arbitragem que se proponha a decidir sobre o exercício de poder de um voto numa determinada sociedade empresarial faz com que o direito concedido ou re-conhecido pela sentença arbitral possa implicar efeitos e con-sequências sobre outras sociedades ou grupos societários por ela controlados, ou das quais ela participa10.

10 Hermes Marcelo Huck. O Terceiro no Processo Arbitral. In Revista Direito ao ponto, ano 4, n. 7, Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem de São Paulo, CIESP/FIESP, p. 9.

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Diante dessa reflexão, o que aqui pretendemos discutir é até onde será admissível que uma decisão proferida por meio de sentença arbitral contra terceiros alheios ao procedimen-to arbitral terá eficácia, posto que tal decisão poderá atingir partes que não participaram do procedimento arbitral. Esse limite essencial tem frustrado árbitros e juristas que, muitas vezes inebriados com o sucesso de um determinado processo arbitral, não se conformam em constatar a inaplicabilidade da sentença erga ommes11.

Em regra geral a arbitragem é restrita às partes abrangidas pela convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral). A exceção legal, permitindo a exten-ção da sentença arbitral a terceiros, encontra-se no artigo 31 da Lei de Arbitragem, que obriga os sucessores das partes à sentença que decorrer do procedimento arbitral. A extensão é uma decorrência dessa sucessão.

Diante das colocações acima introduzidas, é de se indagar como se procederá quando determinado processo arbitral, para a sua efetiva continuidade e desenvolvimento, depen-da da integração de terceiros ao processo, ou mesmo a eficá-cia da sentença prolatada pelo árbitro somente irá ocorrer se atingir a terceiros que não participaram do processo. Muito embora a jurisdição arbitral já consolidada pelo direito positi-vo brasileiro, ainda somos carentes de jurisprudência sobre a matéria. Somente nos anos mais recentes um maior número de decisões arbitrais vem sendo divulgado, bem como o judi-

11 A expressão erga omnes, de origem latina (latim erga, “contra”, e omnes, “todos”), é usada principalmente no meio jurídico para indicar que os efeitos de algum ato ou lei atingem todos os indivíduos de uma determinada população ou membros de uma organização, para o direito nacional.

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ciário chamado a decidir sobre temas de execução e nulidade de sentenças arbitrais.

Necessário, portanto, socorrer-se em precedentes es-trangeiros, seja na jurisprudência arbitral, quando divul-gada, seja nas decisões adotadas por tribunais no exterior, a exemplo de jurisprudência estrangeira, podemos citar a sentença que julgou o caso CCI 4131 – Isover Saint-Go-bain Vs. Dow Chemical, na década de 198012. Determina-das companhias controladas direta ou indiretamente pela Dow Chemical haviam celebrado contrato de distribuição na França de produtos por elas manufaturados. Os distri-buidores franceses dos referidos produtos uniram-se numa joint venture13 que operava sob a denominação empresarial de Isover Saint-Gobain. Diante desse fato, surgiram diver-gências no curso da operação comercial, resultando na ins-talação de procedimento arbitral.

O procedimento judicial, em determinadas circunstâncias processuais, impõe o litisconsórcio necessário, regulado pelo artigo 47 do Código de Processo Civil. O juiz deve decidir a lide de maneira uniforme para todas as partes e tem o poder de determinar a inclusão no processo de todos quantos pos-sam vir a ser atingidos pela decisão final. A não instauração do litisconsórcio necessário induz à nulidade, como conse-quência.

No processo arbitral, admite-se o litisconsórcio, ou me-lhor denominado pelos arbitralistas de “arbitragem multi-partes”, seja ele ativo ou passivo. Deve, porém, vir previsto

12 Revista de Arbitragem e Mediação, ano 1, nº 2 maio/agosto 2004, p. 31.

13 Joint venture ou empreendimento conjunto é uma associação de empresas, que pode ser definitiva ou não, com fins lucrativos, para explorar determinado(s) negócio(s), sem que nenhuma delas perca sua personalidade jurídica.

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desde o momento do compromisso arbitral. Se o litisconsor-te necessário recusa-se a integrar o procedimento arbitral e a submeter-se a essa jurisdiçao privada, o árbitro não tem o poder coercitivo como possui o juiz estatal para determinar sua inclusão no processo, sob pena de nulidade.

A Jurisdição arbitral não atinge a terceiros para além do compromisso. Decidindo o tribunal arbitral pela exis-tência do litisconsórcio necessário ante a recusa do litis-consorte em participar do processo arbitral (ou das partes em admití-lo), os árbitros deverão determinar o fim da ar-bitragem.

O tema de intervenção de terceiros no processo arbitral é de suma relevância, palpitante e instigante, mas que ainda precisa evoluir, pelo motivo da nossa experiência arbitral ser ainda recente. Desta forma, cabe aos árbitros, advogados e instituições arbitrais zelar pelo estrito cumprimento das leis que regulam a arbitragem, evitando nulidades no curso do processo e resguardando-se a credibilidade do instituto. O prudente, quando depararmos com possíveis intervenções de terceiro(s) no processo arbitral, pelo menos nesse momento em que vivenciamos a “adolescência” da arbitragem no Bra-sil, objetivando fundamentar a possibilidade da extenção dos efeitos de uma arbitragem a terceiros que a ela não estejam contratualmente obrigados e que dela não queiram partici-par voluntariamente, é buscarmos referências em decisões de câmaras arbitrais internacionais ou em jurisprudência es-trangeira.

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1.5. A fase instrutória1.5.1. características

A atividade probatória se revela fundamental no proce-dimento arbitral. O processo, na arbitragem, não é conside-rado como “instrumento”. As regras de arbitragem (sejam institucionais ou as elaboradas pelos próprios árbitros nas ar-bitragens ad hoc) servem como referência para a condução e a organização do procedimento arbitral. Em sendo flexível, o processo arbitral serve como sistema de organização das ta-refas que as partes e os árbitros deverão desenvolver, objeti-vando a resolução da controvérsia por meio da prolação da sentença arbitral.

“A fase instrutória do procedimento arbitral se destina a per-mitir que os árbitros formem livremente o seu convencimento sobre os fatos alegados e contraditados pela parte contrária.”14

Os árbitros procuram conhecer os fatos tal como estes aconteceram e, nesse sentido, não estão sujeitos às formali-dades e ritualismos próprios do Código de Processo Civil. A atividade probatória torna-se fundamental no processo ar-bitral, uma vez que, por meio dela, os árbitros conseguirão obter uma ampla compreensão dos fatos. Na arbitragem, os aspectos procedimentais possuem menor relevância. A gran-de vedette é a prova.

As provas destinam-se a formar o convencimento dos árbitros. Daí que estes, apoiados na flexibilidade do proce-dimento arbitral, podem indeferir provas cuja produção é re-

14 José Emilio Nunes Pinto. Anotações Práticas sobre a Produção de Prova na Arbitragem. In Revista Brasileira da Arbitragem, 25, jan/fev/mar 2010, p. 11.

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querida pelas partes, quando consideram estas impertinentes, bem como podem ordenar a produção de provas não ofereci-das pelas partes, quando entendem ser necessário aos esclare-cimentos dos fatos.

Podem os árbitros alterar a ordem de produção das provas. É frequente o tribunal arbitral determinar a produção da pro-va oral e deixar para um momento posterior a prova pericial, cuja produção poderá ou não ser deferida segundo os árbitros a considerarem relevante para o esclarecimento dos fatos.

Convêm salientar que os princípios do devido processo, igualdade das partes e do contraditório são os alicerces da fase instrutória e do processo arbitral como um todo, sendo pas-sível de anulação a sentença arbitral proferida em desacordo com eles15. Contudo, não constituirá motivo para anulação da sentença arbitral o indeferimento de produção de deter-minadas provas, quando os árbitros considerem que estas em nada contribuirão para a formação do seu convencimento. Somente será procedente a anulação da sentença arbitral, se provado que a alegada violação dos princípios legais contidos no art. 21 da lei de arbitragem prejudicou o convencimento dos árbitros.

Admite-se, na arbitragem, a produção de toda classe de provas (documental, perícias, inspeção, testemunhas), in-clusive, utilizam-se técnicas probatórias originárias de outros sistemas jurídicos, notadamente, as importadas do common law16, tais como cross examination, expert witness, depositions,

15 Lei 9.307/96. Art. 32. “É nula a sentença arbitral se: (...) VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta lei”.

16 Common Law (do inglês “direito comum”) é o direito que se desenvolveu em certos países por meio das decisões dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos. Constitui portanto um sistema ou família do direito, que enfatiza os atos legislativos. Nos sistemas de common law, o direito é criado ou aperfeiçoado pelos juízes:

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entre outras. Por fim, é importante ressaltar que o convenci-mento dos árbitros se forma pela valoração do conjunto pro-batório. Embora, em determinados casos, uma prova possa ser essencial para determinar o conteúdo final da decisão dos árbitros, na maioria das vezes o livre convencimento do tri-bunal arbitral é conformado a partir da análise e da valoração do conjunto probatório.

1.5.2. As ProvasConforme assinalado, todos os meios probatórios são ad-

mitidos na arbitragem: o depoimento pessoal das partes, a prova testemunhal, o depoimento das testemunhas técnicas, a exibição de documentos, a prova pericial. A seguir descre-veremos cada uma delas, bem como a relevância das mesmas no processo arbitral17.

1.5.2.1. A Prova oral

Na arbitragem, a produção de prova oral adquire impor-tância fundamental.

“A experiência demonstra, de forma inequívoca, a importância que assume, em arbitragem, a produção de prova oral. Desde que observados determinados pressupostos, a prova oral colabo-ra muito para a busca da verdade material dos fatos que circun-dam a controvérsia.”18

uma decisão a ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos anteriores e afeta o direito a ser aplicado a casos futuros. Nesse sistema, quando não existe um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito, estabelecendo um precedente. O conjunto de precedentes é chamado de common law e vincula todas as decisões futuras.

17 No presente ensaio não abordaremos a prova pericial por ser objeto de um capítulo específico desta obra coletiva.

18 José Emilio Nunes Pinto. Ob. cit., p. 18.

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Dependendo das regras de arbitragem aplicáveis a deter-minada controvérsia, a sequência dos atos processuais po-derá variar, mas geralmente seguem a seguinte ordem: após apresentação das alegações iniciais e das réplicas, os árbi-tros designam audiência de instrução em que são ouvidos os advogados das partes, aos quais se lhes concede um espaço de tempo para apresentarem seu caso (admite-se que estes utilizem nas suas apresentações slides, power point, e outros materiais e técnicas de apoio), às partes, as testemunhas e as testemunhas técnicas. Todos os depoentes estão sujeitos à cross examination, serão inquiridos diretamente pelos advoga-dos das partes e a audiência completa é gravada (estenotipia).

A audiência permite que árbitros adquiram um conhe-cimento mais próximo dos diversos aspectos envolvidos na controvérsia. Um bom árbitro comparece à audiência após ter lido as manifestações das partes, tendo estudado o caso, delimitado previamente os pontos controversos, sabendo quais já foram provados e quais, ainda, há necessidade de provar. Se a preparação para a audiência é necessária para os árbitros, constitui uma exigência fundamental para os advo-gados, que devem aproveitar esse momento para concentrar seus esforços na prova do quanto alegado.

Talvez por influência de outros sistemas jurídicos (com-mon law19), o interrogatório das partes ocorre de forma direta. A diferença da justiça togada em que a pergunta é dirigida pelo advogado ao juiz, sendo este quem formula a pergunta ao litigante, na arbitragem é permitido que os advogados for-mulem diretamente as perguntas ao depoente, facilitando-se, assim, um diálogo direto, mediante o qual os árbitros podem ter uma melhor percepção de como aconteceram os fatos.

19 José Rosell. Arbitration Across the Civil Law-Common Law Divide. In International Business Litigation & Arbitration. V. II, 2006, p. 1311.

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Cross examination é o método de inquirição das testemu-nhas pelos advogados, sob controle do tribunal arbitral. Na arbitragem, conforme salientado, na diferença do processo judicial, não há necessidade de repassar as perguntas para o Juiz formular as questões às testemunhas; a inquirição ocorre de forma direta, pelos advogados das partes. Evidentemente o fato de as perguntas serem formuladas pelos advogados co-loca às testemunhas sob maior pressão, uma vez que o profis-sional, quando advogado da parte contra a qual a testemunha presta seu depoimento, tenderá a ser mais agressivo e incisivo na formulação das perguntas.

Contudo, pode-se afirmar que embora inquiridas pelos advogados, as testemunhas estão de certa forma sob proteção do tribunal arbitral, que não permite ou não deveria permitir qualquer atitude agressiva ou de excessiva pressão dos advo-gados sobre as mesmas.

As testemunhas devem depor sobre fatos que presencia-ram, estando obrigadas a dizer a verdade, sob as penas da lei (arts. 415 do CPC e 342 do Código Penal). É crime mentir para o árbitro, razão pela qual o tribunal arbitral, antes do início do depoimento, adverte ao depoente que se faltar à verdade, será processado20.

O expert witness, expressão traduzida ao português como “testemunha técnica”, consiste no depoimento de um expert em determinada matéria. Embora testemunha, a pessoa não presenciou fatos, ela é chamada a depor em razão dos conhe-cimentos técnicos que possui em relação à matéria objeto da controvérsia. Seu depoimento pode ser importante quando há necessidade de elucidar aspectos técnicos ou práticos de uma determinada situação. É comum chamar a depor profis-

20 Carlos Alberto Carmona. Flexibilização do Procedimento Arbitral. In Revista Brasileira de Arbitragem, n. 24, out/nov/dez 2009, p. 18.

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sionais especializados em determinadas ciências ou técnicas, para estes explicarem ao tribunal arbitral como funcionam, na sua ciência, determinadas circunstâncias que estão sen-do debatidas. Assim, por exemplo, nas arbitragens interna-cionais requere-se a presença de expertos no direito material aplicável ao mérito da disputa. Também podem ser chamados a depor idôneos conhecedores de determinado mercado: de energia, de algodão, construção civil, para explicarem como funciona o mercado do qual eles têm amplo conhecimento.

Depositions, conhecidos também como depoimento por escrito ou written statements são declarações escritas de tes-temunhas. Dependendo da estratégia seguida pelo advogado, a apresentação desse depoimento no início do processo pode ser determinante no rumo das discussões. A apresentação do depoimento por escrito não exime a testemunha de ter que se apresentar para depor em audiência perante o tribunal ar-bitral. Entretanto, as perguntas estarão limitadas aos temas constantes do documento escrito.

Audiências técnicas. Mecanismo útil em que as partes, em conjunto, apresentam os elementos técnicos do caso, com o objetivo de transmitir aos árbitros informações técnicas que possam ajudar no deslinde da controvérsia. As partes podem valer-se de recursos digitais como power point entre outros. Esta técnica é utilizada nas controvérsias das áreas da cons-trução, mineração, energia, gás, petróleo, em que os aspectos técnicos constituem partes fundamentais na controvérsia.

1.5.2.2. A Prova documental e a exibição de documentos

Trata-se de prova fundamental, que se apresenta junto às alegações finais e às réplicas, inexistindo impedimento de apresentação posterior, quando surge a necessidade em razão de novos fatos trazidos à discussão.

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Um tema sensível é quando uma parte requer a apresen-tação de documentos em poder da outra parte, e esta última se recusa a apresentá-los. Os árbitros, avaliando a impor-tância e a necessidade da apresentação de tais documentos para a formação do seu convencimento, poderão intimar à parte para sua apresentação. Se a parte detentora do aludido documento alegar a confidencialidade das informações nele contidas, como motivo para sua não apresentação, os árbi-tros poderão determinar que o documento seja exibido na sua totalidade ao tribunal arbitral, os quais determinarão que se divulgue à parte contrária somente os trechos que interessam à solução da controvérsia21.

Discovery, própria do sistema processual do common law, mas também utilizada em arbitragens internacionais. Por meio desta prova, uma parte requer da outra todos os docu-mentos que considera pertinentes aos esclarecimentos dos fa-tos. No direito anglo-saxão, a recusa da parte em apresentar os documentos requeridos pela outra parte tem como con-sequência uma “inferência negativa” por parte dos árbitros. O tribunal arbitral interpretará que a recusa em apresentar os documentos fundamenta-se no fato desses documentos se-rem adversos aos interesses dessa parte22.

Cabe salientar que o discovery é utilizado nas arbitragens internacionais, sendo que, quando da participação de par-

21 José Emilio Nunes Pinto. Ob. cit., p. 15.22 “El objeto del discovery arbitral está limitado a la aportación

al procedimiento arbitral de aquellos documentos específicos, identificados por las partes como relevantes para determinar el fondo de la controversia, poseídos por una de las partes contendientes y de imposible acceso para la parte solicitante”. Gonzalo Stampa. Discovery Arbitral. In Revista Brasileira de Arbitragem, n. 26, abr/maio/jun 2010, p. 155.

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tes oriundas do civil law23, existiria um consenso no sentido de limitar seu escopo (afastando-o dos moldes americanos). Contudo, é bom ressaltar que todo cuidado por parte dos advogados da parte originária do civil law é pouco, quando se trata da aceitação deste mecanismo probatório, em razão dessa técnica exigir das partes e dos seus advogados conhe-cimento e prática, da qual carecemos os formados no sistema do civil law.

1.6. As regras da iBA para a produção de provas nas arbitragens internacionais

Em 29 de maio de 2010, a IBA (International Bar Asso-ciation) aprovou as novas regras para produção de provas nas arbitragens internacionais. Referidas regras procuram auxiliar às partes e aos árbitros, de uma arbitragem internacional na organização da produção de provas. Aprovadas no seio de uma organização profissional, estas regras não são obrigató-rias e servem como modelo a ser seguido, caso exista comum acordo de partes manifestado de forma expressa.

Cabe salientar que em razão de referidas regras conterem dispositivos permitindo o discovery nos moldes e, na extensão, do quanto utilizado pelo common law e, pelo fato dessa prova ser estranha aos civil law, partes oriundas deste último sistema veem com certo receio a adoção destas regras.

23 Civil Law, ou sistema romano-germânico, é a estrutura jurídica oficialmente adotada no Brasil. O que basicamente significa que as principais fontes do Direito adotadas aqui são a Lei, o texto. É bom lembrar que nos países de common law também existe a lei, mas o caso é analisado principalmente de acordo com outros semelhantes.

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Todavia, as regras permitem sua adoção em forma total ou em partes, podendo ser escolhidos somente os tópicos aceitos por ambas as partes.

1.7. considerações finaisO processo civil, com a rigidez de suas disposições, não

permite ao Juiz e às partes estabelecerem procedimentos especiais para a descoberta de fatos e a ampla produção de provas. O Processo arbitral é flexível, permitindo às partes definirem os prazos que lhes convêm, a forma e ordem de produção de provas. A exemplo disso, no processo judicial, a perda de um prazo tem consequências legais que não per-mitem ao juiz relevar, no caso da preclusão e da revelia. O mesmo não acontece no procedimento arbitral, em que há flexibilidade e a revelia não autoriza o árbitro a decidir com base na confissão ficta, conforme estabelece o artigo 22, pará-grafo 3º da Lei nº 9.307/96.

A experiência desses quinze anos de vigência da lei confir-ma a rapidez e a pertinência das decisões, como podem ates-tar as instituições de arbitragem nas quais tem-se processado grande parte das arbitragens de maior complexidade, sendo que mesmo nos casos que requerem extensa fase instrutória, a duração média pode ser estimada em torno de um ano.

Na arbitragem, por meio da principal característica do procedimento arbitral, que é a sua flexibilidade, os árbitros têm maior possibilidade de conhecer os fatos, tal como estes aconteceram. Dessa forma, em um curto período, é possível o tribunal arbitral proferir uma decisão, uma vez que, apoiados na flexibilidade do procedimento arbitral, fica mais acessível a descoberta da verdade material.

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Nesse sentido, a atividade probatória, destinada aos árbi-tros e à formação do seu livre convencimento, torna-se fun-damental, uma vez que o aludido convencimento advirá da análise do conjunto probatório que faça o tribunal arbitral.

Os meios probatórios importados do common law contri-buem à agilidade e à eficácia da produção de prova. O uso desses instrumentos, prática frequente nas arbitragens inter-nacionais, também está ocorrendo nas arbitragens domésti-cas com bons resultados, comprovando, assim, as vantagens de sua adoção.

Por fim, cabe ressaltar que, pela especificidade e as novas técnicas introduzidas no procedimento arbitral, se requer, dos operadores do direito, certa preparação na participação dos procedimentos arbitrais, de modo a aproveitar melhor as van-tagens que oferece o instituto.

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Adriana Noemi Pucci

• Advogada em São Paulo.• Doutora em Direito Econômico e Financeiro pela Uni-

versidade de São Paulo. • Membro da Lista de Árbitros do ICDR (International

Centre for Dispute Resolution), da CIETAC (China International Economic and Trade Arbitration Cen-ter), da CAM (Câmara de Arbitragem do Mercado – BM&FBOVESPA), da FIESP/CIESP, da SP ARBI-TRAL, da ARBITAC, da Câmara de Mediação, Conci-liação e Arbitragem da Associação Comercial da Bahia (ACB), CAM/CCBC.

• Redatora Chefe da Revista Brasileira de Arbitragem. Membro do Conselho Diretor do CBAr (Comitê Brasi-leiro de Arbitragem).

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Mauro Cunha Azevedo Neto

• Advogado em São Paulo, Sócio de Lia Justiniano, Cunha Azevedo & Nascimento Sociedade de Advoga-dos. Especializado em Arbitragem pela Escola de Direi-to de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.

• Assessor Jurídico e Secretário Executivo da SP AR-BITRAL (Câmara de Arbitragem Empresarial de São Paulo).

• Assessor Jurídico da Fecomercio/SP – Sistema SESC/SENAC (1994/2008). Diretor Jurídico do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – gestão 2009/2011). Membro do CBAr (Comitê Brasi-leiro de Arbitragem).

• Membro do Corpo de árbitros da Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem da Associação Comercial da Bahia (ACBahia) e da Câmara de Arbitragem da Asso-ciação Comercial do Paraná (ARBITAC – Curitiba/PR).

• Vice-Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação de Automobilismo de São Paulo – TJD/FASP – (2010/2011).

• Sua experiência inclui a atuação como Secretário de tribunal arbitral e advogado em processos judiciais re-lacionados à arbitragem.

• Participou de diversos eventos e congressos relaciona-dos ao tema arbitragem desde 1996. Treinamento PIDA Avançado da Corte de Arbitragem da Câmara de Co-mércio Internacional da ICC – Paris (Junho 2010). Au-tor de diversos artigos sobre Arbitragem Comercial em Revistas especializadas da área jurídica e empresarial.

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