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O SER TOTAL Talentos Humanos para o Novo Milênio Geraldo R. Caravantes, Ph. D.

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O SER TOTAL

Talentos Humanos para o Novo Milênio

Geraldo R. Caravantes, Ph. D.

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Prólogo

1. Este é um livro dedicado e endereçado a empresários e indivíduos em posições executivas, de direção, setor público e privado, sem distinção.

2. Ele traz em seu bojo alguns pressupostos que pretendo deixar claros logo de início:

- Precisamos buscar novas formas de agir, de encarar nosso mundo, nossa vida pessoal, nossa forma de fazer negócios, de conduzirmos organizações; as formas tradicionais não mais funcionam a contento.

- Novos comportamentos exigem formas alternativas de pensar. Formas alternativas de pensar, por sua vez, requerem seres humanos que se orientem por padrões diferentes; nossos mapas mentais deverão necessariamente ser outros antes que qualquer comportamento diverso ocorra.

3. A mudança é sempre apresentada como um processo doloroso, árduo e longo. Eu cultivo uma opinião radicalmente diferente: a mudança pode ser um processo interessante, motivador, que dê tesão intelectual, desde que nossas estruturas mentais estejam preparadas para assim encará-la. E a parada para reflexão é o ponto de partida.

4. A lógica cartesiana de princípio, meio e fim e de causa-efeito deixa muito a desejar; precisamos ir mais fundo, aprender a lidar com as incoerências, a falta de lógica, os paradoxos, pois, como diz Wittgenstein, “os problemas da vida são insolúveis na superfície”.

5. Assim, se quisermos dar sentido ao mundo em que vivemos e tomar decisões que nos conduzam a situações que nós próprios possamos definir como melhores, mais saudáveis, que conduzam a um grau maior de felicidade, então, além de buscar novos parâmetros, novos paradigmas, também teremos de buscar uma nova maneira de expressar nossa forma de ver o mundo. Em resumo, uma nova linguagem se faz necessária. Sem isso, continuaremos como indivíduos isolados, pensantes, mas “egos dentro de um envoltório de pele”, incapazes de nos comunicarmos e produzirmos diferenças em nosso mundo, em nossas próprias vidas e, evidentemente, nas organizações onde atuamos.

6. Por que Ser Total? Num mundo crescentemente organizacional, as macroorganizações e as estruturas são normalmente consideradas os pontos fulcrais de análise. Pois, ainda que seja assim, creio que possa e mesmo deva ser diferente. As organizações - pouco importa seu tamanho – são extensões do homem, são ficções legais, produto e obra da imaginação desse próprio homem. Portanto, se algo ou alguém deve ser considerado o centro das atenções e o ponto de partida, eu não tenho nenhuma duvida, este é o homem.

Entendo aqui o homem em seu sentido mais amplo, total e completo e não apenas o homem funcional, o homem-mosaico, dividido e esfacelado entre as múltiplas exigências da vida organizacional moderna.

Na minha visão pessoal, ou somos capazes de nos repensarmos como homens, de nos autodesenvolvermos e nos aperfeiçoarmos - e de forma acelerada - ou então estamos fadados a um futuro nada promissor. Nós, juntamente com nossas extensões: as organizações. Assim, optei por discutir temas relevantes usando uma linguagem simples,

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direta, quase jornalística. Também, e com toda certeza, é um livro que associa características reflexivas com características operacionais, permitindo que o leitor:

sinta-se motivado a lê-lo e efetivamente o leia, não o deixando sobre a mesa de cabeceira, apenas para fazer volume;

saiba o que fazer após sua leitura. Daí as “dicas operacionais” ao fim de cada capítulo.

7. A idéia de um livro sucinto, com parágrafos destacados, tamanho de letras cuidadosamente escolhido, linguagem não acadêmica, são todos elementos facilitadores, para garantir que a essência - a discussão de idéias relevantes à vida dos indivíduos e ao sucesso de suas organizações - seja preservada. Portanto, não há nenhuma casualidade nessa simplificação. Trata-se de intencionalidade pura e que esperamos agrade e auxilie o leitor.

8. Finalmente, o que procuro é repartir com o leitor minha experiência diversificada, seja como executivo principal em organizações privadas, como o Instituto de Idiomas Yázigi (Espírito Santo e Rio de Janeiro), em organizações públicas (Secretaria de Coordenação e Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul) e no Conselho Regional de Administração, como consultor de inúmeras organizações dos setores privado e público, no Brasil; e como professor universitário (Programa de Pós-Graduação em Administração da UFRGS; Fundação Getúlio Vargas e Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade do Sul da Califórnia e Instituto Ortega y Gasset).

Quanto ao aprendizado da linguagem jornalística e simplificada, devo-o à Universidade da Califórnia, de Los Angeles (UCLA), e ao Jornal do Comércio, onde mantive coluna por vários anos.

Quanto às imperfeições, estas são integralmente minhas.Sem mais delongas, ao trabalho.

O AUTOR

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1 O mundo que construímose a nova visão de um mundo possível

“As coisas não mudam. Nós mudamos”.Henry David Thoreau

“Meu filho, eu acho o mundo tão diferente...”Helena Caravantes

(telefonema ao Autor, em 20/2/1993)

Às vezes tenho a nítida sensação de que criamos um mundo tão complexo, tão intrincado, que nós próprios acabamos por não mais entendê-lo. Outras vezes eu procuro comparar a época em que meus pais passaram sua juventude com a que eu hoje vivo; definitivamente não há muito em comum.

Parece que, com o fim da II Grande Guerra Mundial e o grande clarão de Hiroshima, o mundo mudou radicalmente.

Como que perdeu sua virgindade e pureza. Mais do que isso, todas as modificações que passaram a ocorrer adquiriram uma aceleração inusitada, com a qual não estávamos acostumados.

No campo econômico, estamos cada vez mais distantes de uma economia que poderíamos chamar de internacional. Hoje a Comunidade Econômica Européia, o Mercosul, o Comecon e o NAFTA (North American Free Trade Agreement) - Acordo de Livre Comercio Norte-Americano – estão aí para evidenciar uma economia global, em que a unidade de análise são os blocos de países e não mais a economia deste ou daquele país isoladamente considerado.

No campo social, estamos lidando com fenômenos com os quais ainda não nos tínhamos deparado. O crescimento populacional é um deles. Há um aumento da longevidade das pessoas, fazendo com que já na década de 90 convivam duas gerações “geriátricas”: filhos entre 60 e 70 anos de idade, cuidando de pais na faixa dos 90. E é lógico que isso irá demandar um completo replanejamento da sociedade. Em termos bem práticos, isso ira exigir redesenho das casas, mudança nos parâmetros físicos de ruas e passeios, mais adequados aos idosos, equipamento comunitário voltado ao lazer da terceira idade. Especialmente no Terceiro Mundo, as conseqüências serão de impacto. Recordo-me de um amigo pessoal dizer-me, textualmente, quando comentava exatamente esta temática:

“Meu amigo, neste quadro o Terceiro Mundo explode - longevidade associada a diminuição da mortalidade infantil, exército de reserva cada vez maior; criminalidade aumentada, slums e tudo o mais, bem como o diabo gosta! O pesadelo de Malthus a cores e via-satélite, com direito a Cid Moreira de cara séria e tudo”.

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No campo político, há uma nova ordem em andamento. Depois da queda do muro de Berlim e conseqüente reunificação alemã, da glasnot e da perestroika, de Gorbachev, nada mais parece ser impossível. E mais: mudanças procedidas de acordo com o espírito da época, de forma rápida e eficaz. Poder-se-ia dizer que o conceito de blitzkrieg foi transportado do campo da estratégia militar para a esfera política.

O talvez um pouco assustador em tudo isso é que de repente o planeta por inteiro foi deixado sem um modelo alternativo. Aliás, isso faz-me lembrar das palavras de um consultor e professor, hoje no MIT, Paul R. Krugman, ao referir-se às modificações em andamento no velho continente: “A Europa Oriental terá de voltar-se para o sistema de mercado, não somente para prosperar mas também porque a democracia exige uma economia de mercado descentralizada. Isso significa que a Europa Oriental terá de abraçar o Capitalismo - um sistema que é injusto, desigual, pouco atrativo, mas inevitável.”

O que Krugman nos aponta não chega a ser novidade. Poder-se-ia quase considerar uma paródia de Lorde Keynes, lá no início da década de 30, quando se referia ao desenvolvimento econômico. Dizia ele que “tal desenvolvimento decorreu da avareza, da usura, da precaução”, tudo isso coisas que ele desprezava. Concluía ele todavia que “por mais algum tempo precisavam elas continuar a ser nossos deuses, porque somente elas podem nos fazer sair do túnel da necessidade econômica”. Dadas as precárias condições econômicas da época em que vivia (não esqueça: estávamos em meio à Grande Depressão), Keynes recomendou que “se fizesse de conta, para nós mesmos e para todo mundo, que o certo é errado e o errado é certo; porque o errado é útil e o certo não é”.

Com referência às mudanças políticas nos países, embora se fale, e muito, em neoliberalismo e não-intervenção, o que efetivamente vejo acontecendo é uma crescente, ainda que sutil, intervenção do Estado. Para nos apercebermos disso, basta que não nos liguemos muito às palavras dos governantes, mas sim as suas ações reais.

Há algo novo no horizonte. A proposição do Ministro inglês Tony Blair que recebeu o nome de batismo de Terceira Via parece trazer uma nova visão conciliadora, diversa da antiga esquerda e da nova direita. Parece ser simultaneamente um afastamento da social-democracia à européia e do neoliberalismo à americana. Entretanto, a única coisa que parece relativamente certa nos círculos mais intelectualizados é a necessidade de se construir um caminho diferente dos dois atualmente trilhados. Onde isso irá desembocar é algo que veremos só no próximo milênio.

No campo da ecologia, no que diz respeito ao meio ambiente, é preciso que venhamos a exercitar todo um novo processo de reflexão. Meio ambiente e escassez são dois elementos que sempre caminharam de mãos dadas. Diga-se de passagem que ao longo da história a escassez sempre esteve presente em maior ou menor grau, a ponto de se tornar a condição habitual do homem civilizado moderno. É bom que se enfatize o aspecto “civilizado”.

Eu aqui o utilizo no sentido habitual do termo, qual seja, o homem não-selvagem, não-primitivo, não-bárbaro. Esse, o selvagem, primitivo, bárbaro, experimenta apenas a escassez decorrente dos fatores meteorológicos, dos ciclos naturais das estações. É uma escassez material, não provocada.

A civilização trouxe consigo outro tipo de escassez - esta sim, vinculada a satisfação de necessidades criadas pelo próprio homem. No selvagem, não há estoque, não há acumulação. O estoque de bens é a própria natureza e a todos pertence, deles se utilizando com parcimônia. O civilizado - nós -, ao contrário, acumula e daí faz um meio de vida; tira

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partido da escassez. A conseqüência mais imediata da escassez foi o surgimento da política, a partir do conflito gerado no processo de apropriação de bens.

Tudo o que desejo dizer é que o homem – lançando mão de sua capacidade tecnológica, que vem evoluindo de forma crescente - construiu uma civilização, esta sociedade em que vivemos, baseada em cinco pressupostos:

Deus criou a natureza e o homem, dando a este inteligência para transformar aquela, a seu bel-prazer e em seu beneficio.

Os recursos naturais são de tal vulto que se pode considerá-los inesgotáveis. O crescimento econômico deve ser contínuo, sendo que os benefícios decorrentes

serão distribuídos a um número cada vez maior de pessoas. Por razões de escala, ganha-se em eficiência aumentando o tamanho das unidades produtivas.

Em termos globais, enquanto não se atinge a plenitude de satisfação de necessidades - a produção de bens -, permanece o tipo de relação existente entre as pessoas que transformam recursos e aquelas que os fornecem.

Os restos indesejáveis do metabolismo do sistema - entenda-se aqui a poluição - embora possam causar alguma preocupação, não são de tal vulto que comprometam o sistema. Sempre haverá um lugar na Terra - ou fora dela - para dispor dos mesmos.E foi em cima de tais pressupostos que foram construídas todas as estratégias de

desenvolvimento em vigor. Hoje, entretanto, nos damos conta de que tais pressupostos apresentam mais furos do que uma peneira, especialmente o último. De repente descobrimos que a espaçonave Terra é modesta em tamanho e tem uma capacidade regenerativa mais modesta ainda. Geramos mais lixo e poluição do que o planeta pode suportar.E o resultado hoje já é patente: parte significativa dos recursos naturais da Terra está esgotada; nossa fonte energética principal, o petróleo, está com os dias contados; a energia nuclear, como fonte substitutiva, é pouco significativa e potencialmente calamitosa: Chernobyl e Three Mile Island que o digam.O ar de nossas grandes cidades é quase irrespirável. Você se recorda da Cidade do México, no verão de 1990? Aquilo mais parecia o portal do Inferno de Dante do que um lugar civilizado para ser habitado...Aquilo a que chamamos mar de turbulências é exatamente o produto das inter-relações e interdependências de todas estas mudanças, que se dão de forma radical, acelerada e, muitas vezes, fora de toda e qualquer expectativa.

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2 A nova visão de um mundo possível ou surfando as ondas da turbulência

“Procure a estabilidade.Depois, desconfie dela”.

Alfred North Whitehead

Efetivamente construímos um mundo que, mais do que complicado, é complexo, eu diria. Com isso quero dizer que tudo parece se inter-relacionar com tudo. Esta e a visão sistêmica em ação de que tanto falamos: a poluição da indústria americana, na região dos Grandes Lagos, provoca chuva ácida no Canadá. As queimadas na Floresta Amazônica criam problemas na oxigenação do Planeta, no ar que se respira nos países europeus. Dejetos lançados ao mar pela indústria no norte dos Estados Unidos criam problemas na Antártida. Se continuasse, a lista seria interminável.

E você bem sabe qual a razão de tudo isso. Quando trabalhamos com pressupostos errôneos, tudo o que construímos sobre esses pressupostos acaba sendo falho. Par exemplo, se você julga que os recursos naturais são infindáveis, você irá estruturar um sistema produtivo ineficiente e oneroso; se você julga que os trabalhadores, de uma forma geral, são improdutivos, incompetentes e pouco motivados, você jamais irá lançar mão de um estilo gerencial participativo. O que você irá, isto sim, é estabelecer um rígido sistema de controle e mecanismos punitivos para que trabalhadores “não motivados” façam aquilo que deve ser feito.

O que eu quero dizer é que muitas vezes nós cultivamos, vida afora, um conjunto de pressupostos - que nós nem mesmo sabemos de onde provém - e os aceitamos como verdadeiros sem questioná-los. E o resultado é tudo isso que foi relatado no capitulo anterior. E o pior de tudo é que a nossa reflexão, não questionando os pressupostos de nosso comportamento, acaba por provocar os resultados que nós tanto tememos. Isso não parece um paradoxo?

O que eu gostaria de acrescer as observações iniciais e que existem outros campos em que a turbulência ambiental se faz sentir de forma intensa. Não pretendo ser exaustivo, mas destacar mudanças no campo do conhecimento e da tecnologia e na valorização do homem.

No campo do conhecimento e da tecnologia, o surgimento de uma nova teoria, que nos permite reconceptualizar os fenômenos de uma forma mais global - a Teoria dos Sistemas - tem permitido a inter-relação e integração de assuntos que são, na maioria das vezes, de natureza diferente. Tal teoria, que teve seu ponto de partida na Biologia, permitiu, por exemplo, que as organizações fossem vistas como sistemas abertos, inter-relacionados com o ambiente e preocupados com a eficácia, com os resultados, e não somente com seu processamento interno.

A educação formal, especializada, passou, pouco a pouco, a substituir a experiência que, tradicionalmente, era obtida pela vivência, pelo exercício contínuo de determinada função. Cada vez mais fica a produtividade do indivíduo dependente de sua capacidade de incorporar novas teorias e conceitos aprendidos na escola, e de transferi-los para a atividade diária.

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Vários anos de experiência podem significar, na realidade, uma única experiência várias vezes repetida e, pior de tudo, algumas vezes falha em seus primórdios.

A década de 80, efetivamente, foi aquela em que os conhecimentos gerados no âmbito da Física moderna – desde a concepção das teorias de Einstein, a partir de 1905, até a teoria das "estruturas dissipativas", de Ilya Prigogine, Nobel de Química em 1980 e 1984 – começaram a balançar as bases do modelo newtoniano/cartesiano de Ciência, predominante nos últimos 200 anos.

A Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig yon Bertalanffy, e suas extensões, apontada nos anos 70 como a nova e grande possibilidade de compreender não só o funcionamento das organizações e instituições mas do próprio comportamento humano, tornou possível uma nova definição da mente e do seu funcionamento.

Hoje, ainda que isso provoque perplexidade na maior parte dos leigos e, infelizmente, de muitos estudiosos, é possível falar sobre características mentais de células, tecidos e órgãos do corpo, e mesmo de um grupo cultural, de uma nação, de um sistema ecológico ou até do planeta inteiro, como fez Lovelock em sua Teoria Gaia.

Vive-se uma época em que praticamente todos os conhecimentos gerados pelas diversas ciências a partir do paradigma newtoniano/cartesiano estão sendo colocados em xeque, pela simples razão de não apresentarem um poder explicativo convincente da realidade atual.

A Física, através da abordagem quântico-relativista, começa a apontar caminhos alternativos para a interpretação daquilo que se convencionou chamar “realidade”. Talvez tudo o que se pode dizer no momento atual é que o mundo está iniciando uma nova revolução - uma revolução paradigmática - onde as lentes newtonianas/ cartesianas estão sendo substituídas pela ótica quântico-relativista.

Um aprofundamento desta matéria pode ser obtido através da leitura dos trabalhos de Capra e de Bohm.Outro autor, Stanislav Grof, faz algumas observações que confirmam as mudanças em andamento:

“Ainda é impossível integrar todos os desenvolvimentos na ciência moderna... em um paradigma coeso e abrangente. Entretanto, eles apresentam um elemento comum: todos compartilham de uma profunda crença no sentido de que a visão mecanicista do Universo criada pela ciência newtoniana/cartesiana não mais deve ser considerada um modelo acurado e obrigatório de interpretação da realidade”.

Em outras palavras, sabe-se o que não mais nos serve, embora ainda não se tenha um modelo alternativo acabado.

Nesse novo contexto, as organizações e os papéis que desempenham deverão ser reinterpretados segundo uma abordagem radicalmente diferente, e os seus dirigentes, mais do que simples treinamento, deverão buscar um autodesenvolvimento que os capacite a entender, conviver e administrar a nova realidade.

Nada menos que um novo conceito de administração se faz necessária, e que se pode correr o risco de batizar com o nome de Administração Transpessoal. Atrevo-me a, mais do que o risco de cunhar nomes, tentar estabelecer um conceito para Administração Transpessoal: um novo campo de pesquisa em Administração, de caráter multidisciplinar, onde conhecimentos científicos das áreas de Behavior, Ciências Comportamentais

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Aplicadas, Psicologia, Antropologia Cultural, Comunicação, Cibernética e Estratégia, bem como técnicas como Programação Neurolinguística e Hipnose são contemplados.

Quanto ao homem, creio que este pouco a pouco começa a se deslocar para o centro do palco. Recordo-me da frase de um articulista da revista Newsweek, que afirma: “Nossos estados mentais precedem os Estados”.

Em verdade, nossos estados mentais precedem a própria realidade, na medida em que esta é um constructo da mente. Precisamos nos dar conta de que nada existe fora de nós. Isso que chamamos fora, exterior, mundo material, é uma criação de nossas mentes e de nossos sentidos.

A meu ver, quem melhor interpretou este novo homem que surge foi Alan Watts, um dos mentores do Movimento Hippie, nos Estados Unidos. Ele nos traz uma noção de homem integrado, absolutamente dentro dos novos postulados da Física Moderna, sendo um dos grandes influenciadores de Fritjof Capra.

O Homem não-Encapsulado de Watts é não limitado, e tampouco sente como fronteira externa a pele que lhe recobre carne e ossos. É aquele que compreende ser falsa a imagem que as pessoas usualmente fazem de si mesmas – um ego dentro de um envoltório de pele. Ele deixa isso bastante claro quando afirma que

“o que realmente somos, em primeiro lugar, é todo o nosso corpo. Embora o corpo seja revestido por uma pele - eu sou capaz de diferenciar minha parte externa da interna – meu corpo não pode existir exceto em uma determinada espécie de ambiente natural. Obviamente ele requer ar, e este ar deve estar em uma determinada temperatura; ele requer nutrição, requer que esteja em um certo tipo de planeta, próximo a uma certa espécie de estrela que gira regularmente de maneira rítmica e harmônica, de forma que a vida possa se manter.Tal arranjo é essencial à existência do meu corpo, bem como à de todos os meus órgãos internos - meu coração, meu cérebro, meus pulmões e assim por diante. Dessa maneira, não há como separar-me, enquanto corpo físico, do ambiente natural em que vivo”.

Cabe, aqui, indagar por que as pessoas não se sentem como tal, integradas e simbióticas com o ambiente. O próprio Watts atribuiu esse sentir-se isolado ao “sentimento socialmente induzido, resultante de uma certa forma de hipnose exercida sobre nós durante todo o nosso processo educacional, e que nos induz a este estado alucinatório”.

As conseqüências desse processo de separação, em que cada um é uma entidade e o ambiente é outra coisa à parte, são inúmeras e de caráter prático. Uma delas é a degradação e violação generalizada do ambiente, causadora de preocupações crescentes. Enquanto não for plenamente aceito que o que hoje ocorre com o ambiente, na verdade, é uma forma de automutilação - e neste aspecto o processo educacional pode exercer uma função vital -, as pessoas continuarão a manter um comportamento suicida, poluindo os oceanos e as reservas de água subterrânea, envenenando com agrotóxicos os próprios alimentos e os das demais espécies, consumindo indiscriminadamente os combustíveis fósseis, como se eternos fossem.

Creio que empresários, gerentes e administradores, aqueles responsáveis pelo destino das organizações, terão de “ligar suas antenas”, ser melhores leitores do contexto que os cerca e revisar seus pressupostos e crenças pessoais. Aquilo que funcionou antes,

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que foi a causa do sucesso de suas organizações, possivelmente já não mais funciona ou, pelo menos, funciona precariamente.

Ressoam-me ainda nos ouvidos as palavras do Prof. Warren Bennis, da Universidade do Sul da Califórnia: “O mundo mudou. A estabilidade esvaeceu-se”.

Criamos um mundo organizacional: nascemos, vivemos e morremos nas organizações, como dizia O Prof. Etzioni. Em tal mundo - se é para ele subsistir – não há muito espaço para incompetência, ineficiência e ineficácia.

Maus leitores do ambiente, pois calcados em pressupostos errôneos, sem sombra de duvida, comprometem nossa sociedade organizacional.

RECESSÃO: PROFECIA AUTO-REALIZÁVEL?

“As coisas se transformam lentamente no que eu digo”.Clarice Lispector

“Não importa o que você pensar. Você sempre terá razão”.GRC

Nossos dirigentes empresariais, muitas vezes e de forma inadvertida, causam um profundo mal a si próprios e às suas organizações. Há determinados conhecimentos gerados nas ciências comportamentais e sociais que não podem ser desprezados. Para dizer a verdade, deveriam fazer parte do repertório de qualquer indivíduo que ocupasse posição decisória no mundo organizacional.

Entre tais conhecimentos está o que Douglas McGregor, um cientista social norte-americano, chamava de profecia auto-realizável. O que Doug pretendia transmitir é que a nossa forma de pensar, o que julgamos a respeito de fatos e pessoas não é indiferente ao desenrolar dos fatos ou ao comportamento de tais pessoas. Outra forma de dizer a mesma coisa é que nós, dentro de certas medidas, somos os provocadores ou causadores de determinadas tendências. Quando julgamos nosso empregado ou colaborador um indivíduo que não gosta de trabalhar, a tendência é que ele efetivamente não trabalhe. Quando julgamos nossos filhos pouco competentes e malandros, acabaremos criando filhos de baixo desempenho na escola e pouco afeitos ao trabalho. A mensagem essencial é que, tanto nosso subordinado como o nosso filho, não são necessariamente (isto é, por natureza) pouco competentes e malandros. Eles tão-somente correspondem às nossas expectativas.

Esse mesmo raciocínio vale para a macrossociedade. Quando leio, em letras garrafais, em um dos jornais mais lidos no Brasil, que “industriais não apostam em recuperação”, eu posso entender e efetivamente acreditar que eles já estabeleceram e condicionaram o próprio futuro. Este dificilmente poderá ser diferente do que a construção mental de nossos empresários estabelece. Eles próprios fixaram seus limites, e tais limites são acanhados, desproporcionais às potencialidades de nossa gente e de nosso país.

Lembrem-se: dentro de certas medidas e observados certos parâmetros, somos construtores de nosso próprio destino. Pensem a respeito.

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Dicas Operacionais do Consultor(DOCs)

1. Se o mundo em que vivemos caracteriza-se por um processo de mudança acelerada, às organizações só é deixada uma alternativa: mudar, e mudar rápido.

2. Esta mudança pode se dar de forma desarticulada, não programada, como um barco à deriva; ou então de forma intencional e planejada. Se esta for a opção - e sinceramente espero que o seja -, então você deve lançar mão de tecnologias administrativas específicas que o auxiliem a manter o comando do processo, tais como o Planejamento Organizacional Estratégico (POE) e a Administração por Objetivos e Resultados.

3. Seja um bom “leitor de ambiente”. Procure observar as tendências econômicas, políticas, sociais, tecnológicas e seu inter-relacionamento e não nadar contra a maré. Para tanto, leia jornais especializados, converse com outros executivos, participe de reuniões, palestras e seminários. Não seja apenas um ouvinte passivo; pergunte. Se não se sentir ainda esclarecido, continue questionando ate que sua dúvida seja dirimida. Não tenha vergonha. Há muito palestrante que não sabe sabre o que está falando e você deve certificar-se disso antes de agir. Não esqueça da “beleza de ser um eterno aprendiz”. Todos nós o somos vida afora.

4. Saia de dentro de sua organização com freqüência. As oportunidades estão sempre do lado de fora.

5. Consciente ou inconscientemente, nós somos os provocadores e causadores dos acontecimentos e fatos, positivos e negativos, em nossas vidas. Portanto, pense e aja positivamente. Não desperdice energia em destruir ou criticar.

6. Se você dispuser de poucos recursos e estiver em dúvida sobre onde investi-los, aposte sempre na qualificação de recursos humanos. O Japão atingiu o estágio de segunda economia do planeta exatamente par ter feito, de forma sistemática, tal aposta.

7. Se você encontrar dificuldade em operar utilizando as DOCs (o que não seria nada de causar espanto), então revise seus pressupostos. Não existem verdades absolutas, preestabelecidas. Apenas valores e crenças fortemente arraigados que nos impedem de agir diferentemente.

8. Finalmente, lembre-se que refletir é importante, mas agir é vital em administração. Não há substitutivo para a ação quando esperamos resultados concretos.

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3 Administrar gente: como melhor fazê-lo?

“Indivíduos auto-atualizantes, sem uma única exceção, estão envolvidos em uma causa externa a sua própria pele, em algo fora deles próprios... devotados a algum chamado ou vocação... gostam profundamente do que fazem, de tal forma que a dicotomia trabalho/divertimento desaparece”.

Abraham H. Maslow

Creio que concordamos que, num mundo de mutações aceleradas, as organizações devem necessariamente contar com recursos humanos qualificados, caso desejem subsistir e obter sucesso.

Procurei refletir, baseado em minhas vivências como consultor, sobre como as organizações lidam com seus recursos humanos. Consegui classificá-las em dois grupos distintos: aquelas cuja tônica á a de administrar pessoal, em seu sentido mais tradicional: operar as funções de recrutamento, seleção, às vezes algum treinamento técnico; da mesma forma que os recursos físicos - máquinas e equipamentos – da unidade de produção precisam ser revisados e submetidos a manutenção, os recursos humanos precisam ser lubrificados (pagos) e mantidos em condições operacionais. No fundo, os recursos humanos são encarados meramente do ponto de vista econômico: um recurso que pode ser contratado no momento em que se necessitar e que, com “alguns motivadores”, como um salário razoável, vale-transporte, auxílio médico, por exemplo, pode ser colocado a funcionar. Ou ainda do ponto de vista legal: direitos sociais a serem recolhidos, folha de pagamento a ser elaborada, horas extras a serem computadas e assim por diante.

Não nego que esta seja uma visão necessária, pois reconheço que existem aspectos econômico-legalistas a serem observados. O que às vezes me aborrece é que muitos empresários e administradores julgam ser tal abordagem a única existente. Assim, eu gostaria de contrapor um outro grupo de empresas, que efetivamente administram talentos humanos.

Estas entendem que a importância dos talentos humanos cresce com o aumento da complexidade ambiental. Mudança exige inovação e inovação depende diretamente do potencial criativo das pessoas, potencial este que poderá ou não ser liberado em prol dos objetivos organizacionais.

As formas burocráticas tradicionais estão abrindo espaço a novas abordagens, como as estruturas ad-hocráticas, onde, por definição, as pessoas vem ser mais autônomas, capazes de tomar decisões relevantes sem consulta a níveis superiores e assumir responsabilidades por sua própria organização e gerência. Muitas organizações que hoje são consideradas bem-sucedidas, pertencentes ao grupo das “500 mais”, lançam mão de tais estruturas inovadoras e contam com talentos humanos desenvolvidos e motivados.Creio que os conceitos e princípios econômicos vigentes deveriam passar por uma profunda revisão. Os fatores tradicionais, como capital mão-de-obra e terra, sozinhos não tem poder explicativo maior. Fosse assim, o Japão, um país que dispunha de um território muito pobre e ausência de capital no pós-guerra, teria tido poucas ou nenhuma oportunidade de se tornar uma superpotência no pós-guerra. Os fatores de produção deveriam passar a incluir novos

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componentes, tais como conhecimento, informação, criatividade, habilidades interpessoais e habilidades de empreender (entrepreneurship).

Quando tais habilidades estão presentes e são adequadamente gerenciais, há alta probabilidade de vermos uma organização bem-sucedida, realizando o que se propõe a realizar.

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4 Algo mais a considerar:a Administração Transpessoal

“O que verdadeiramente define a abordagem transpessoal é a presença de um modelo de psique humana que reconhece a importância das dimensões espirituais ou cósmicas e o potencial para a evolução da consciência”.

Stanislav Grof

Ou bem valorizamos os talentos humanos de nossas organizações - dando ênfase à criatividade, habilidades interpessoais, habilidades de empreender, autonomia, entre outras - ou corremos o sério risco de fecharmos as portas. Só para exemplificar: quase todas as empresas a que estou dando consultoria, em seus programas de renovação institucional e implantação da ReAdministração, partiram para o desenvolvimento e a qualificação de seus gerentes como sua primeira medida.

É a consciência de que a administração de pessoal tradicional é uma condição necessária, mas com toda certeza insuficiente para se chegar aos resultados desejáveis.

Por outro lado, há algo mais que transcende a dupla categorização já estabelecida, Administração de Pessoal e Administração de Recursos Humanos. Refiro-me a Administração Transpessoal.

O termo transpessoal começou a ser usado no campo da Psicologia, significando “além do pessoal” ou “além da personalidade”. É preciso manter em mente que o foco tradicional da Psicologia tem sido a personalidade.

Já a Psicologia Transpessoal atribui melhor importância à personalidade. Para ela, o homem é mais do que isso, sendo a personalidade apenas um dos aspectos do ser. Há como que um deslocamento da ênfase e valorização dos aspectos intrapsíquicos e intra-orgânicos para “o reconhecimento das relações interpessoais, interação familiar e reticulado social. Há também a introdução de considerações econômicas, ecológicas e políticas”.

A Psicologia Transpessoal vai além dessas considerações. Ela procura incluir em seu bojo toda a noção de espiritualidade do ser humano.

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Se você concorda, a Hierarquia de Necessidades de Maslow nós deveríamos, em sua parte superior, acrescer mais um nível: o da autotranscendência. Esta seria a etapa final do desenvolvimento do homem.

E aqui definitivamente dá-se um salto, salto este para o qual a maior parte dos indivíduos não está preparada, não sabe como interpretar e muito menos o que fazer a respeito.

A Psicologia Transpessoal tem como foco central a consciência, sendo que esta é tanto objeto como instrumento de mudança. A consciência, especialmente a auto-reflexiva, é vista como a essência, o contexto ou a base do ser humano. E uma vez mais voltamos ao nó górdio de toda questão: para mudar a forma de agir do indivíduo, é preciso mudar seus pressupostos, suas crenças, a própria consciência do indivíduo, Por isso obriguei-me a dar toda essa volta para finalmente dizer que necessitamos de uma visão nova, uma verdadeira Administração Transpessoal. Esta pode ser definida como

“um novo campo de pesquisa em Administração, de caráter multidisciplinar, onde conhecimentos científicos das áreas de Behavior; Ciências Comportamentais Aplicadas, Psicologia, Antropologia Cultural, Comunicação, Cibernética e Estratégia, bem como técnicas tais como Programação Neurolinguística e Hipnose são contempladas”.

Tenho certeza que alguns anos ainda decorrerão para que esta noção seja incorporada e vivenciada, Mas, lembre-se que novos conceitos e teorias como a Teoria dos Sistemas e Holismo até bem pouco tempo soavam muito estranhos. Entretanto, hoje não saberíamos viver sem eles. E a Administração Transpessoal é simultaneamente filha e irmã de ambos. Ela procura lidar com o homem enquanto ser total e não mero instrumento de produção ou pessoa diminuta de uma engrenagem maior.

Peço que me perdoe se divaguei mais do que devia. Mas às vezes é muito difícil ser sintético e direto para explicitar noções novas e complexas.

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DOCs

1 – Lembre-se que “gente é o que você tem de mais importante”. Em verdade, o recurso. Entretanto, não basta afirmar isso. É preciso agir de acordo: valorize, ensine, aprimore as pessoas que trabalham com você. Seja exigente, não se contentando com desempenhos medíocres ou apenas razoáveis. Administre os talentos humanos segundo objetivos preestabelecidos. Remunere-os decentemente, de acordo com seu desempenho. Um administrador nunca administra coisas. Ele sempre administra gente.

2 – Não se descuide, entretanto, de sua administração de pessoal. Mantenha-a enxuta, pontual, capaz de atender, a tempo e a hora, todos os requisitos legais e formais.

3 – A Administração dos Talentos Humanos não é atribuição de um indivíduo único ou de um departamento ou unidade especifica. É uma função de todos os gerentes na organização e deve estar centrada no desenvolvimento dos indivíduos. Gerentes que não desenvolvem seus subordinados por receio de criarem “sombras futuras” deveriam de imediato ser deslocados de suas funções, pois com toda certeza elas estão acima de suas capacidades.

4 – A Administração Transpessoal centra-se na autotranscendência do indivíduo, no desenvolvimento de sua consciência reflexiva. Quando você tiver galgado todos os degraus na hierarquia organizacional e se perguntar: e daí?, o que mais?, então saberá o real significado da autotranscendência.

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5 Indivíduos desenvolvidos: como consegui-los?

“A educação não é uma simples questão de exercitar a mente. O exercício leva à eficiência, mas não produz a integração. A mente que foi apenas exercitada é o prolongamento do passado; nunca pode descobrir o que é novo. Eis por que, para averiguarmos o que é a educação correta, cumpre-nos investigar o total significado de viver...”

J. Krishnamurti

“Se você faz o que sempre fez, conseguirá o que sempre conseguiu”.Anônimo

Jamais pensei que espiritualidade, consciência e holismo fossem fazer parte da terminologia administrativa, quanto mais da vida organizacional.

Mas reconheço que este é um mundo de modificações rápidas, para as quais devemos nos preparar. Esta afirmativa é confirmada pela maioria dos observadores e estudiosos em quase todos os campos de conhecimento. Mas, qual o significado exato dessa afirmação? No conceito de mudança, encontra-se implícita a expectativa de que as pessoas e suas criações - tais como as organizações - desenvolvam a capacidade de se modificarem, de se adaptarem e de oferecerem alternativas criativas para a solução dos problemas com que se defrontam; em outras palavras, de aprenderem, como condição de sua própria sobrevivência.

A história da humanidade, se analisada retrospectivamente, é uma seqüência de mudanças de maior ou menor intensidade. Embora as mudanças tenham sido a tônica do processo histórico, nosso século XX - e mais especialmente este último quartel do século - adquiriu um ritmo surpreendente.

Nossas organizações e instituições sociais, antes relativamente responsivas às necessidades de sua clientela e aos problemas com que se defrontavam, tornaram-se paulatinamente mais velhas, menos ágeis, arqueadas sob o peso de novos problemas e desafios, para os quais não foram preparadas. Atualmente, o mapeamento organizacional, seja no contexto europeu, americano ou brasileiro, revela um conjunto de organizações que está muito aquém das presentes necessidades da clientela, que atua de forma reativa, aparentemente incapaz de se antecipar e de propor alternativas para os problemas com os quais se defronta.

O que muitos dirigentes - tanto do setor público como do privado – ainda não perceberam é que a aventura humana está no limiar de sua história. E como acontece em qualquer período de transição, um certo número de instituições irá desaparecer, outras serão transformadas, outras ainda crescerão e se desenvolverão. O certo é que todas serão afetadas de uma forma ou de outra pela nova situação global, e viver sob tão grandes mudanças requer flexibilidade e sabedoria.

Historicamente, nós nos preparamos e nos organizamos para a estabilidade. As organizações burocráticas voltadas para a rotina e a eficiência, em ambientes altamente previsíveis, bem exemplificam esta afirmação. Parece ser chegada a hora em que teremos

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de estruturar-nos não mais para a estabilidade, mas para a mudança. A pergunta crítica passará a ser: como poderemos colocar em andamento, cultivar, fazer florescer um processo cuja tônica seja a mudança e não mais a estabilidade?

A institucionalização de um processo de mudança e não mais de esforços isolados, estanques e parciais, em busca do aprimoramento organizacional, deverá ser a preocupação de nossa sociedade e de nossas organizações.

John Gardner, ao comentar a natureza de uma sociedade e de uma organização auto-renováveis, afirma que o que caracteriza ambas é sua capacidade de experimentação, menor preocupação com o precedente, com o convencionalismo, com a regra e com as normas escritas. A disposição para correr riscos, para superar desafios e para um contínuo aprendizado parecem ser as características críticas das sociedades e das organizações que se mantém jovens e em auto-renovação contínua. O aparato organizacional e institucional hoje predominante em nossa sociedade não é mais que o reflexo das percepções distorcidas do ambiente, das capacidades cognitivas limitadas e dos processos políticos elitistas, míopes, desvinculados da ambiência maior.

Os problemas críticos com que se defronta a humanidade, tais como a ameaça de uma guerra nuclear, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis, a poluição hídrica e atmosférica, não são fatos estranhos ao homem, mas são criação, produto e conseqüência deste mesmo homem. Para que o homem e suas instituições sobrevivam, várias transformações e novos aprendizados deverão ocorrer.

O grande desafio com que nos defrontamos é a busca de uma sociedade auto-renovável, isto é, imune a decadência e à entropia. Tal sociedade é vista par John Gardner como uma sociedade de homens livres, onde a liberdade individual é conseguida através do autoconhecimento e onde a educação formal é apenas parte deste processo global de aprendizagem. “Para o homem de auto-renovação, o desenvolvimento de suas potencialidades e o processo de autodescobrimento nunca terminam. Além disso, ele é altamente motivado, criativo e inovador, respeitando as fontes de sua própria energia e motivação”.

E este homem capaz de auto-renovação com toda certeza não pode ser produto do treinamento puro e simples.

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6Auto-reflexão como ponto de partida

“Aprender não é descobrir aquilo que outros já sabem, mas é resolver nossos próprios problemas para nossos próprios propósitos, questionando, pensando e testando, até que a solução seja uma nova parte de nossa vida”.

Charles Handy, in The Age of Unreason

O interessante de tudo é que fui localizar, em um autor terceiro-mundista, um esclarecimento maior sobre aprendizagem e desenvolvimento: Paulo Freire. Ele afirma que a capacidade de auto-reflexão e a constante busca do ser humano é a raiz de toda a aprendizagem: a) A capacidade de auto-reflexão conduz ao desenvolvimento da consciência crítica. Esta, por sua vez, permite a reorganização da experiência pessoal, levando os indivíduos a transformarem a sua própria realidade. Dessa maneira, apesar de o homem manter sua identidade desde o nascimento até a morte, passa por um processo de modificação constante, como produto de suas aprendizagens. Sua identidade é mantida ao mesmo tempo em que ele se auto-renova. b) Por outro lado, o núcleo fundamental da aprendizagem reside no fato de o homem ser e saber ser um ente inacabado, em permanente busca de seu aperfeiçoamento, que só pode ser o sujeito e nunca o objeto da aprendizagem. O homem se educa porque tem noção do tempo, é um ser histórico, vivendo no presente, mas com a dimensão do passado e com a capacidade de, no presente, calcado em suas experiências passadas, construir o futuro. A educação tem, portanto, uma dimensão histórica e só se dá na sociedade humana.

“O animal não tem noção do tempo. Só tem presente. Por isso só pode ser treinado, domesticado, condicionado, mas nunca educado”.

A aprendizagem visa à liberação do homem, ao aumento e, na maior parte dos casos, à própria conquista de sua autonomia. Permite ao homem o uso de seu livre-arbítrio, de sua capacidade de escolher entre alternativas, de fazer opções com a clara compreensão de suas conseqüências e de ser criativo e inovador. Sabemos que a criatividade e inovação só se desenvolvem na liberdade. Entretanto, a aprendizagem só ocorre efetivamente no momento em que a incorporação do aprendizado se traduz na práxis criadora. Outra coisa que aprendi com Freire é que a aprendizagem não se dá de uma forma unidirecional, que flui do mestre para o discípulo, mas sim através da participação, do dar e do receber, do diálogo que nutre mestres e aprendizes na construção de uma realidade que irá surgir. Portanto, a realidade não é um dado; nós a construímos através de nossa participação real, nas decisões do presente que irão moldar o futuro. Nesse sentido, podemos afirmar que o futuro é hoje e depende de nós.

Se a aprendizagem estimula a autonomia do homem, ela necessariamente reforça o pensamento crítico, base da liberdade de criação e de expressão humanas. Como conseqüência, ela está vinculada ao próprio cerne do homem, o que o diferencia das demais espécies: a sua racionalidade. Bem, este tema é a meu ver tão importante que vamos deixar sua discussão para um momento especialmente dedicado a ele.

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Minha distinção entre indivíduo treinado e indivíduo desenvolvido é que o primeiro é preparado especificamente para desempenhar uma tarefa ou função predeterminada e não para discutir sua real validade. Ele é capaz de implementar com maior ou menor precisão o que lhe foi atribuído ou ordenado. E eis tudo.

E o que são indivíduos desenvolvidos?Em primeiro lugar, são indivíduos cônscios de que a realidade não está lá fora,

esperando para ser descoberta, mas que cada um é participante efetivo da realidade social, ainda que o caráter dessa participação possa diferir de um para outro. O importante é que ele se posicione como um ser pensante, auto-atualizante, ativo em relação a si mesmo e ao mundo. Se ele, ao contrário, é meramente reativo, perde sua substância de ser real, reificando-se, tornando-se um sistema de processamento de informações, passivo em relação aos processos sociais que o modelam, incapaz de transcendê-los.

Trata-se de abandonar uma atitude defensiva, em prol de uma atitude em que o indivíduo se torna progressivamente mais capaz de ouvir a si mesmo, de experimentar o que se passa em si, tanto quanto fora de si.

Em segundo lugar, e como conseqüência, um indivíduo desenvolvido, educado assim como o concebemos, entrega-se ao exercício da reflexão critica, da percepção e análise do contexto que o contém, ultrapassando as fronteiras do seu pequeno mundo organizacional.

São indivíduos que apresentam uma abertura crescente à experiência, no dizer de Carl Rogers.

Esse homem reflexivo, ativo em relação a si e ao mundo, aberto à experiência, é forçosamente tolerante, flexível e adaptável. Ao aceitar em si a complexidade que lhe impõe a condição humana, vai aceitá-la nos outros, também.

Notar-se-á nesse homem a ausência de rigidez, de organização estreita, de imposição de uma estrutura à experiência. O indivíduo amorfo da sociedade industrial aplica à experiência uma estrutura pré-fabricada, deformando-a, de modo que caiba em idéias pré-concebidas, que nem sequer são sempre suas.

O homem desenvolvido é aquele em que estão introjetadas as noções de experimentação, de menor preocupação com o precedente, com o convencional, com as regras e com as normas escritas. É o que se lança para a frente, se projeta como ser humano; é o que vai reinventar sua humanidade.

Como desenvolver esse homem?Como colocar em andamento, cultivar, fazer florescer um processo cuja tônica seja

a mudança e não mais a estabilidade? Como fazer para que as pessoas se conscientizem da riqueza que está contida na idéia do incerto, do inacabado, do inconcluso? De que as perguntas são sempre mais importantes do que as respostas?

Como abrir o espírito de alguém ao que está acontecendo agora? Eis o desafio que temos de encarar e equacionar.

DOCsLembre-se:1. Aprendizagem e mudança andam sempre de mãos dadas. Portanto, embora possa

parecer óbvio, se você espera mudança no comportamento de seus colaboradores, é fundamental que eles aprendam. Se não mudaram seu comportamento, é porque não houve aprendizado. Ponto final.

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2. É importante treinar, preparar seus colaboradores para melhor desempenharem as funções que lhes foram atribuídas. Logo, tenha um plano de aperfeiçoamento que permita torná-los melhores, em bases sistemáticas.

3. Não confundir treinamento com curso ou sala de aula. O treinamento em serviço é igualmente válido.

4. Treinamento é necessário, mas não suficiente caso você deseje uma organização que opere em um mundo turbulento. Portanto, crie condições de desenvolvimento para seus colaboradores. Só assim eles entenderão que o sucesso organizacional não é uma dádiva, não se trata de maná que cai dos céus. Ao contrário, é produto de trabalho árduo, de responsabilidades efetivamente assumidas, de flexibilidade no comportamento, associada a um certo grau de obstinação inteligente. Hoje já existem no mercado bons programas voltados à qualidade e à criatividade. Procure informar-se.

5. O mais fundamental de tudo: reanalise sua postura em relação ao treinamento e ao desenvolvimento de seus subordinados e ao seu próprio. O que você tem efetivamente feito – não só pensado - a respeito?

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7 Pensando na vida... Afinal, o que é ser racional?

“Toda sociedade se defronta com o problema de sua existência pragmática e ao mesmo tempo com a verdade de sua ordem”.

Sheldon Voegelin

“A teoria organizacional lida com aquelas ações humanas que podem ser usadas para economizar recursos. O erro de F. Taylor foi de ter ampliado sua lógica em demasia... Ele não demonstrou nenhum interesse nas interações sociais primárias, e que não têm nada a ver com maximização”.

A. Guerreiro Ramos

Sinto-me como um dos peripatéticos, na velha Grécia, ainda que não tenha saído de meu escritório. Gostaria de avançar com nossa discussão a respeito de uma temática anteriormente despertada: racionalidade, e de repartir com você o pouco que sei a respeito. Afinal, o processo de aprendizagem assemelha-se ao de uma construção, iniciado a partir do que se tem e do que se sabe, não é isso mesmo?

Hoje concordamos que um indivíduo ou um sistema social, como uma organização, por exemplo, aprendem sempre que adquirem a capacidade para um novo comportamento. Entretanto, como já discutimos antes, nossa sociedade organizacional parece ter desenvolvido uma total incapacidade para oferecer soluções criativas aos principais problemas com que nos defrontamos neste final de século, enfrentando as situações surgidas de maneira inadequada, obsoleta ou insuficiente. A conseqüência disso é que os problemas vêm se acumulando, e um sentimento de desamparo e perplexidade tornou-se a característica principal de nosso mundo contemporâneo. Creio que uma das maneiras de tornar mais claro este cenário, em busca de alternativas válidas, é a análise da diferença existente entre racionalidade substantiva e racionalidade funcional, bem como suas implicações para a sociedade em que vivemos.

Um de meus colegas na Universidade fez um trabalho de síntese abordando o tema racionalidade. Eu procurei ainda torná-lo mais compacto e creio que ele definitivamente passa a mensagem correta, isto é, como eu entendo toda essa interação entre racionalidade e aprendizagem. Peço que você leia com atenção.

Racionalidade substantiva. A razão, no seu sentido clássico, é uma das funções da mente humana. É a razão que permite ao indivíduo emitir julgamentos éticos e epistemológicos sobre sua vida pessoal e social. Eric Voegelin afirma que a razão é uma dimensão humana que não pode ser considerada como um fenômeno histórico ou social. Transcende a história e a sociedade, pertencendo unicamente à psique humana. Assim sendo, a racionalidade, em seu sentido clássico ou substantivo, não tem nada a ver com as características de uma época ou de uma sociedade específica. Na realidade, a racionalidade substantiva assume uma dicotomia entre razão e sociedade.

Como componente intrínseco da natureza humana, é a razão que permite ao homem desligar-se de episódios sociais específicos da história e procurar o bem, através de uma luta constante contra suas paixões.

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Max Weber, em seu trabalho Economy and Society, estuda a maneira pela qual a ação social pode ser orientada. Sugere quatro maneiras básicas: a racionalidade substantiva (ou de valor), a instrumental, a afetiva e a tradicional. Sua atenção concentra-se principalmente na racionalidade funcional.

Karl Mannheim, em sua obra Man and Society in an Age of Reconstruction, é um dos que melhor explora o aspecto substantivo ou valorativo da racionalidade. Para ele, a racionalidade substantiva é um ato de pensamento que revela um insight inteligente sobre as inter-relações de eventos em uma determinada situação.

Podemos concluir de sua obra que a racionalidade substantiva está diretamente ligada à capacidade crítica que o homem tem para refletir sobre si mesmo e sobre suas ações. É exatamente esta capacidade de reflexão, de auto-observação e de avaliação da própria situação que permite ao homem estar constantemente a se reorganizar e a se preparar para enfrentar acontecimentos desconhecidos e imprevisíveis. É exatamente esta postura crítica que faz do homem, não o produto, mas um participante crítico de um dado período histórico. A racionalidade substantiva implica o fato de que os indivíduos - portadores da razão - sejam os sujeitos do processo de aprendizagem.

A racionalidade funcional. O conceito moderno de razão foi provavelmente sistematizado por Hobbes, em sua obra Leviatã.

Para ele, a razão não é um componente essencial da natureza humana, mas uma qualidade que o homem adquire por meio de esforço próprio e que o capacita unicamente para avaliar conseqüências.

Se retornarmos mais uma vez aos clássicos, encontraremos em Aristóteles a melhor explicação para a racionalidade funcional; “... a um médico não se pergunta se vai ou não curar seu paciente, nem a um orador se vai ou não convencer a sua audiência, nem ao estadista se deverá realizar um bom governo: eles tomam o objetivo final como certo e decidem como e por que meios ele pode ser atingido. Se descobrirem que há maneiras diferentes para atingi-lo, passam então a considerar por qual desses meios o objetivo poderá ser atingido, da forma melhor e mais fácil”.

Esta segunda parte da afirmativa de Aristóteles adaptar-se-ia perfeitamente ao que afirma Herbert Simon em seu livro Comportamento Administrativo: “Fato e valor... estão relacionados aos meios e aos fins. No processo decisório são escolhidas as alternativas consideradas como os meios mais indicados para atingir os fins desejados. Os próprios fins, entretanto, não passam de instrumentos para se alcançar objetivos mais definidos. Somos assim levados ao conceito de uma série hierárquica de objetivos. A racionalidade está relacionada com a construção de cadeias de meios e fins desse tipo”. Entretanto, para os clássicos, a distinção entre racionalidade substantiva e racionalidade funcional era clara, ao passo que para a maioria dos autores e teóricos modernos a racionalidade funcional é o único conceito existente de racionalidade. O fato é que no decorrer da “era moderna” - e que ainda não tem 200 anos de idade - o sentido clássico da razão foi simplesmente esquecido, em um processo que Voegelin chamou de descarrilhamento.Com a Revolução Industrial prevaleceu uma filosofia utilitária que abriu caminho para uma prática utilitária, levando a uma visão distorcida do homem e da sociedade como um todo. A falácia econômica, de Karl Polanyi, é um exemplo disso. A partir de um certo momento, a economia neo-clássica e sua racionalidade tornaram-se a única forma de analisar toda a história da humanidade. A mentalidade de mercado, que teve uma influência pouco significativa no mundo antes do século XIX, tornou-se o parâmetro segundo o qual toda a história passou a ser analisada: “Na sociedade de mercado, recursos, necessidades e

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equivalência são substituídos por oferta, procura e preços, respectivamente”. Em outras palavras, a realidade cedeu lugar a ficção. Um ponto de referência falso passou a ser considerado como o mundo real. Este mundo onírico teve em Adam Smith seu arquiteto. De Hobbes à Teoria dos sentimentos morais, de Adam Smith, o sentido clássico da razão, parâmetro principal de orientação da vida humana, foi substituído por um novo conceito de razão que não mais pressupunha o controle das paixões pela vontade humana, mas que estava a serviço dessas próprias paixões. O bom foi substituído pelo funcional, sendo este sempre definido em termos utilitários. Em outras palavras, “as exigências inerentes ao mercado foram convertidas na racionalidade propriamente dita”. Tal racionalidade funcional, baseada em uma avaliação utilitária das conseqüências da ação humana, é desprovida de qualquer qualificação ética, pois se aplica a conduta somente na medida em que ela é reconhecida como meio apenas para atingir determinado objetivo. Meios e fins passam a ser o único ponto diferencial do comportamento humano. A aprendizagem, nesse contexto, passa a ser sinônimo da capacidade de se adquirir as técnicas e habilidades necessárias ao individuo para atingir um fim específico, qualquer que seja ele. Não há nada de inerentemente errado, mas trata-se de uma abordagem incompleta, uma vez que as considerações de ordem ética não são levadas em conta na busca desses objetivos.

Racionalidade substantiva versus racionalidade funcional.A diferença entre estes dois tipos de racionalidade aparece freqüentemente na

administração moderna. Ambas estão sempre presentes em nossa maneira de perceber e elaborar nossa própria visão do mundo. O problema surge quando há uma utilização desequilibrada das duas, seja em termos pessoais ou sociais. Muitas das reações negativas que as pessoas apresentam em relação à burocracia resultam de seu apego à racionalidade funcional, chegando, às vezes, a extremos em que os indivíduos são reduzidos a um simples número e em que a tônica, para usar as palavras de Thompson, “é a falta total de compaixão”.

Mas, ao mesmo tempo, em um sentido pragmático, a racionalidade substantiva nem sempre é preferível à racionalidade funcional.

O exemplo dado por Robert Miedwald vem esclarecer esse ponto: “Se por acaso encontrássemos nosso carteiro sentado no meio-fio, meditando sobre seu papel no esquema cósmico das coisas, provavelmente gritaríamos com ele para tratar de entregar a correspondência. Deve-se, também, duvidar de que uma organização política possa sobreviver unicamente com base na racionalidade substantiva”. Concluí que temos certamente muita sorte pelo fato de os administradores não serem filósofos, pois poderiam passar todo o tempo meditando sobre problemas metafísicos insolúveis, sem nunca chegarem a realizar coisa alguma.

As diferenças entre racionalidade funcional e racionalidade substantiva podem ser comparadas e resumidas de acordo com as variáveis contidas no quadro a seguir, consideradas as mais relevantes para a maioria dos autores.

Qual é a situação atual? Analisando o trabalho de destacados críticos sociais, tais como Marcuse, Horkheimer e especialmente dos filiados à Escola de Frankfurt, destaco pelo menos um elemento comum entre eles: a denúncia da quebra do equilíbrio entre a racionalidade funcional e a racionalidade substantiva, a partir da Revolução Industrial, quando a predominância da racionalidade funcional passou a se impor em todas as áreas.

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Variável RacionalidadeFuncional Substantiva

Aplicação (com se dá na prática)

É um processo contingente. Não é contingente; é um componente intrínseco do indivíduo e tem caráter normativo.

Seqüência de meios e fins Pressupõe um objetivo preestabelecido, concentra-se na aplicação dos meios de forma eficaz.

Pressupõe a existência de meios eficientes, mas concentra-se na escolha na seleção de finalidades e objetivos.

Relação processo/ conteúdo Dá ênfase ao processo e ignora o conteúdo.

Dá ênfase ao conteúdo, mais que ao processo.

Vida humana em sociedade Subordina os objetivos humanos aos requisitos operacionais da sociedade.

Subordina os requisitos operacionais da sociedade aos objetivos humanos.

Não é difícil identificar o motivo básico do sucesso alcançado por nossa sociedade atual, baseada no funcionalismo: ela é capaz de prover-nos com os bens de consumo, requisitados pela sociedade de mercado, em escala cada vez maior. Tomemos, por exemplo, os Estados Unidos da América do Norte, que foram, sem dúvida, a primeira nação - em toda a história da humanidade - a conseguir, por meio da aplicação maciça em tecnologia (soft and hard), alimentar, vestir e oferecer todos os confortos da vida moderna a mais de 270 milhões de pessoas, empregando, para tal, apenas 3% da mão-de-obra ativa na agricultura e menos de 25% na indústria.

Uma vez que tudo parece estar correndo às mil maravilhas, é válido perguntar: “qual então o motivo para preocupação?”

O fato é que existem problemas que, apesar de terem sido identificados há muito tempo, só agora estão sendo encarados como pontos críticos: a industrialização sempre crescente certamente pressupõe a racionalidade funcional, isto é, a organização da atividade dos membros de uma sociedade tendo em vista objetivos definidos. Por outro lado, ela não dá a mesma força à racionalidade substantiva, a uma posição crítica em face da realidade ou a uma aprendizagem que nos permita transcender os padrões de comportamento consagrados em nossa sociedade. Na realidade, ela inibe a capacidade de raciocínio, como veremos mais adiante. As organizações (leia-se os administradores) criaram uma visão restrita de racionalidade, que Herbert Simon chamou de “racionalidade limitada”. É uma visão do mundo que não inclui todas as variáveis concebíveis, mas que oferece apenas um número suficiente de premissas com que o membro da organização possa lidar. O que efetivamente acontece é que as organizações oferecem a seus membros uma estrutura para lhes dizer o que existe e o que não existe, o que deve ser considerado e o que deve ser abstraído. Este tipo de racionalidade, apesar de imperfeito e incompleto, funciona muito bem na prática. A conseqüência disso - e este é o primeiro problema - é que numa sociedade funcionalista, a concepção de uma seqüência complexa de ações é limitada a uns poucos organizadores, o que assegura a esses homens posições-chave na sociedade. Eles são os especialistas, os tecnocratas, os “professores”, aqueles que sabem e que devem ensinar aos que não sabem.

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De acordo com Mannheim, “algumas pessoas podem ver as coisas de forma cada vez mais clara em um campo que se torna cada vez mais amplo, ao passo que a capacidade do homem médio de fazer julgamentos racionais entra em declínio constante e gradual no momento em que transfere para o organizador a responsabilidade de tomar decisões”. Como conseqüência final, os indivíduos habituam-se, cada vez mais, a serem dirigidos por outros e vão gradualmente abrindo mão de sua capacidade de interpretar o que está acontecendo à sua volta. Este é o tema básico das obras de White (The Organization Man), de Charles Reich (The Greening of America), de Scott e Hart (The Organizational America)e de Guerreiro Ramos (The New Science of Organizations), para não falar em Mannheim e outros estudiosos das décadas de 40 e 50, preocupados com o aumento das características utilitárias em nossa sociedade organizacional-industrializada.

Minha última observação é que, independente do que possamos pensar ou dizer, nossa civilização industrial chegou a uma encruzilhada:

a) em nome da eficiência, conseguiu padronizar o pensamento e a ação;b) desenvolveu sistemas educacionais visando à socialização das pessoas e tendo

como objetivo uma produção homogênea de seres humanos;c) desenvolveu meios de comunicação - a mídia -, buscando a uniformização das

opiniões das pessoas.Todos esses esforços justificam-se e podem até mesmo ser necessários ao

funcionamento da sociedade. Entretanto, não bastam por si mesmos.Você sabe, este desequilíbrio entre o substantivo e o funcional levou-nos, enquanto

sociedade, a saber como fazer as coisas de forma cada vez mais aperfeiçoada, mas deixou-nos completamente desorientados sabre o que fazer segundo parâmetros éticos. Pessoalmente, tenho a sensação de estar navegando em um barco veloz, à noite, sem um único instrumento de navegação a bordo, nem mesmo uma bússola e uma carta náutica. Dá para entender onde estamos nos metendo e quais as possíveis conseqüências?

DOCs

1. Esta divisão da racionalidade em substantiva e funcional nada mais é do que um artifício para nos obrigar a pensar sobre quais são os fins, os objetivos por nós desejados e quais os meios a serem usados para obtê-los. Tal dicotomia nos faz lembrar que existem parâmetros éticos, regras como que entranhadas na psique humana que devem ser orientadoras e/ou delimitadoras dos comportamentos funcionais.

2. Com a Pós-Revolução Industrial veio a prevalecer uma filosofia utilitária, em que o bom foi substituído pelo útil. A filosofia de mercado veio a sacramentar tal abordagem. Uma sociedade inteira, uma comunidade ou uma simples organização, quando orientadas por uma prática meramente utilitária, pragmática e egoísta, acabam por enfrentar problemas insuperáveis. Moral da história: tal abordagem descrita é apenas uma possibilidade entre uma miríade de alternativas possíveis. E com certeza não é a melhor, num mundo que começa a reger-se segundo outros parâmetros de integração, colaboração e mútuo apoio.

3. Não há nada de inerentemente errado com a racionalidade funcional (lembre-se do exemplo de Miedwald e do carteiro). Problemático é o desequilíbrio entre o funcional e o substantivo e a clarificação de quem deve orientar ou comandar quem.

Portanto, seja mais reflexivo. Pense sobre as conseqüências possíveis e as implicações de sua ação, antes de agir.

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8 Como ser ético num mundo competitivo? É possível? Vale a pena?

“A ética precede a Economia”.Millôr Fernandes

“Administradores éticos e negócios éticos tendem a merecer mais confiança e consideração e a enfrentar menos ressentimento, ineficiência, questões judiciais e interferência governamental. Ética é simplesmente um bom negócio”.

Robert Solomon & Kristine Hanson

“Negócios e indústria são, antes de tudo, um serviço público. Estamos organizados para fazer o melhor que pudermos em todos os lugares e para todos os interessados. Não acredito que devamos ter um lucro exorbitante sobre nossos carros. Um lucro razoável está certo, mas não demais. Portanto, minha política tem sido a de forçar os preços dos carros para baixo assim que a produção o permite, e beneficiar os usuários e trabalhadores, o que tem resultado em lucros surpreendentemente grandes para nós”.

Henry Ford

Creio que toda a discussão sobre aprendizagem e racionalidade, especialmente a conceituação de racionalidade substantiva, tem tudo a ver com a ética, especial mente com a ética empresarial.

Seria difícil discordar de que os princípios normalizadores e orientadores do comportamento humano em nossa sociedade estão em crise. A economia de mercado e o sistema econômico em que vivemos como que alijaram valores fundamentais ao convívio social: o bom cedeu lugar ao útil; o correto, ao funcional; o futuro, ao imediatismo; e o social, ao individualismo exacerbado. Nesse contexto, há uma verdadeira inversão valorativa: o honesto passa a ser visto como tolo; o real trabalhador é o “trouxa emérito” (afinal, alguém tem de fazer o trabalho duro); o incompetente, mas bem-sucedido financeiramente, o “vivo”, passa a ser o exemplo a ser imitado.

Antes que alguma mudança venha a ocorrer, há que se repensar valores e atitudes hoje prevalentes, permitindo que o útil venha a se subordinar ao bom; a especulação desenfreada ao trabalho honesto e sério; o personalismo ao social; a racionalidade funcional à substantiva. É preciso que a maioria silenciosa - a multidão de pessoas honestas – não tenha vergonha de, em público, se dizer honesta e agir como tal. Ética parece ser o nome do jogo que iremos travar.

Ética é antes de mais nada uma forma de pensamento, só que uma forma de pensamento com conseqüências eminentemente práticas. O próprio Aristóteles, um dos pais da Ética, a classificava como uma ciência prática, por oposição àquelas outras ciências ditas teóricas. Portanto, ética e práxis andam de mãos dadas.

Pode parecer complicado tratar de ética, especialmente no mundo dos negócios. E de fato o é. Existem outros assuntos mais amenos e mais fáceis.

Entretanto, por tratar-se de um assunto mais do que importante - vital mesmo -, decidi ordená-lo o melhor que pude para reparti-lo com você.

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a) A primeira idéia, e creio que a mais importante, é que negócios são uma atividade ética. Essa é a premissa inicial para lidarmos com o tema. Segundo Solomon e Hanson, a ética dos negócios e o código moral da nossa sociedade são inseparáveis, algumas vezes indistinguíveis. A preocupação diária que cultivamos em relação à eficiência, à honestidade e ao sistema de ética formam a essência da ética dos negócios.

b) Todos nós temos a opção de viver eticamente ou não. A escolha é rigorosamente nossa, e de ninguém mais.

Assim, se os negócios, por definição, são uma atividade ética, quem optar por uma postura de vida não ética jamais deveria se envolver no mundo dos negócios.

c) Falar sobre ética é uma coisa. Agir eticamente é outra, e eu diria que mais difícil. Como saber que estamos agindo eticamente? Blanchard e Peale criaram o que eles chamaram Teste de Ética, teste este muito simples, baseado em três perguntas:

1. É legal?Estarei violando a lei civil ou a política da companhia?2. É imparcial?É justa com todos os interessados, tanto a curto como a longo prazo?Promove relacionamentos em que todos saiam ganhando?3. Vou me sentir bem comigo mesmo?Posso me orgulhar de minha decisão? Eu me sentiria bem se ela fosse publicada nos

jornais? Como me sentiria se minha família soubesse?A verdade é que o uso constante dessas perguntas nos conduz ao hábito de agir

eticamente.Até aqui, procurei me abster de formular um conceito de Ética. E creio que este

conceito foi melhor formulado por um bem-sucedido businessman - Chester Barnard -, que foi presidente da Bell Company por quase três décadas. Dizia ele:

“Princípios morais são forças ou propensões pessoais de caráter geral e estável nos indivíduos, as quais tendem a inibir, controlar ou modificar desejos, impulsos ou interesses específicos, imediatos e inconsistentes, e intensificar aqueles que sejam consistentes em relação a tais propensões... Essa tendência... é antes uma questão de sentimento, impressão, emoção, compulsão interna do que de processos racionais ou deliberação... Uma condição de responsabilidade existe quando a tendência é forte e estável”.

Barnard, com essa definição, antecipou em três décadas uma das melhores definições contemporâneas do termo “ética”, que foi desenvolvida por Hazel Barnes em Uma Ética Existencial (1976). Ela diz que aquilo que chamamos “ética” nasce: a) do reconhecimento de que nossas ações tem conseqüências e b) do reconhecimento de que nossos interesses de longo prazo às vezes se constituem em freios para impulsos momentâneos.

Por esta última definição, ética é o equivalente de um controle interior, ou autodisciplina, que governa a ação de alguém. Cada adulto, portanto, tem sua própria ética, uma vez que há sempre alguns impulsos imediatos que serão refreados em favor de outros objetivos ou considerações “maiores” ou de longo prazo, os quais moderam a ação de cada um. Esses objetivos de longo prazo são o elemento que proporciona uma sensação de significado à nossa existência. Optar por ser ético, portanto, é optar por dar algum significado à nossa própria existência. Por esta definição, a ética significa algo muito

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próximo da “autodisciplina”, e autodisciplina vem sendo há muito tempo identificada como uma das qualidades necessárias à liderança.

Os colegas Solomon e Hanson, antes mencionados, julgam que ser ético é um bom negócio. Tem escrito sistematicamente a respeito de ética e ministrado um sem-número de seminários sobre a mesma temática, para executivos americanos e europeus. Acabaram por elaborar as “oito regras fundamentais para o pensamento ético”. Creio que elas fazem sentido e nos auxiliam a monitorar nossas atitudes e comportamentos. Se não, vejamos:

1. Considerar o bem-estar dos outros, inclusive dos não-participantes.Em primeiro lugar, ninguém espera que um homem de negócios (ou outra pessoa

qualquer) vá ou deva sacrificar seus próprios interesses em função dos outros. Em segundo, é impossível pensar em todo mundo. Mas podemos conceber uma interpretação básica para essa regra que é fazer uma contribuição onde for razoável fazê-lo e evitar conseqüências prejudiciais aos outros.

2. Pensar como um membro da comunidade dos negócios e não como um indivíduo isolado.

Respeitar os contratos, pagar os débitos e vender produtos decentes a um preço razoável são condições necessárias para que os negócios existam.

3. Obedecer à lei, mas não parar aí.O comportamento antiético nem sempre é ilegal, e a questão do que é certo nem

sempre é definida pela lei. O fato é que muitas coisas que não são imorais ou ilegais, como, por exemplo, vender mercadoria perigosa sem a tarjeta de advertência ao consumidor, são repulsivas, desagradáveis, desonestas e antiéticas.

4. Pensar em você mesmo e na sua companhia como parte da sociedade.Os negócios não são uma sociedade fechada. Eles existem e prosperam porque

servem e não porque prejudicam a sociedade. Alguns anos atrás, o presidente da Fundação Ford expressou essa idéia claramente: “Ou temos uma estrutura social que nos englobe a todos, ou teremos problemas de verdade”. O mesmo vale para a questão ética.

5. Obedecer às regras morais.Esta é a mais clara e inevitável regra do pensamento ético e não permite desculpas

de ignorância (“ah, eu não sabia que não se devia mentir nem trapacear”), tampouco pode haver exceções indesculpáveis (“Bem, está certo roubar nesse caso”). As regras morais são a essência da ética, e não pode haver ética - nem negócios - sem elas.

6. Pensar objetivamente.A ética não é uma ciência, mas como ela serve igual e desinteressadamente a todos,

é essencial pensar por um momento sob a perspectiva dos outros. O fato de uma atitude estar certa é muito diferente de ela ser ou não do seu interesse.

7. Perguntar: “Que tipo de pessoa faria tal coisa?”A palavra “ética” vem do grego, ethos, que significa “caráter”. Portanto, ética não é

apenas obediência às regras, mas diz respeito ao seu caráter pessoal (e ao de sua empresa), à sua reputação e bom nome e, mais importante, a como você se sente diante de você mesmo. Peter Drucker resume o significado de ética dos negócios como “poder olhar-se no espelho de manhã”.

8. Respeitar os costumes dos outros, mas não ao preço de sua própria ética.É apropriado seguir-se os costumes e a ética da comunidade. Mas no caso de um

conflito não só de costumes, mas também moral, como a política do apartheid na África do Sul, a regra, então, é obedecer aos próprios princípios morais.

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Espero que o Teste de Ética e as Oito Regras Fundamentais para o Pensamento Ético auxiliem a melhor entender e operar com ética no mundo dos negócios. O meu temor é que às vezes as pessoas, seja por comodidade, seja por preguiça mental mesmo, prendem-se a regras de bolso e esquecem do essencial, ou seja, do processo de reflexão ética e que tal processo sempre ocorre dentro de um certo contexto. Os próprios filósofos, como John Locke, Jean Jacques Rousseau, Emile Durkheim, entre outros, destacam que nenhuma consideração ética tem sentido senão dentro de um sistema coerente, que inclua:

* pressupostos relativos à natureza do mundo ou do contexto dentro do qual se esteja atuando;

* noções sobre a natureza do homem, sua capacidade e suas limitações;* alguma noção de propósito, que dê significado as ações próprias que realize.Como você bem pode ver, nenhuma regra de bolso poderia substituir o processo de

reflexão pessoal. Ao final de tudo, trata-se de como queremos nos portar diante da vida e como desejamos nos sentir, cada manhã, ao nos olharmos no espelho.

Não há como mentir a nós mesmos.

DOCsLembre-se:1. O humorista muitas vezes mostra-se mais perspicaz e sério, em sua análise, do

que o técnico. Neste caso específico, o economista. Compare as afirmações:

“Em Economia não existe safadez; existe mercado”.Ex-Ministro Mário H Simonsen

“A Ética precede a Economia”.Millôr Fernandes

A primeira afirmação conduziu-nos ao embroglio em que nos encontramos. A submissão da Economia à Ética possivelmente nos tire dele.

2. Ética não tem muito a ver com teoria, mas tem tudo a ver com a prática. Portanto, exercite-se. Pratique comportamentos positivamente diferenciados. Compare-os. Procure identificar como você se sente adotando posturas diferentes.

3. Pergunte-se a intervalos regulares antes de agir:É legal? É imparcial? Vou me sentir bem comigo mesmo? Quais as conseqüências

previsíveis de minhas ações? A satisfação de meus interesses de curto prazo não comprometerão interesses de médio e longo prazos?

Depois de ter verificado seu check list, aja.4. Optar par ser ético - em sua casa, empresa, grupo de amigos, onde e em relação a

quem importa - é optar por dar significado à sua própria vida.5. Ética vem do grego ethos, significando caráter. Isto lhe diz alguma coisa? Pense a

respeito.

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9 Qualidade e produtividade: mais do que uma questãogerencial uma questão educacional

“Qualidade não é uma idéia ou uma coisa concreta, mas uma terceira entidade independente das duas... Embora não se possa definir qualidade, sabe-se o que ela é”.

Robert M. Pirsing

“Qualidade é atingir ou buscar o padrão mais alto em vez de se contentar com o mal feito ou fraudulento”.

Bárbara W. Tuchman

Parto do princípio de que os executivos têm uma vida atribulada, tempo muito restrito para reflexão e, nesse contexto, as regras são de enorme valia.

Examinando os vários textos sobre qualidade, selecionei um que me parece absolutamente adequado para que se tenha uma visão histórica do conceito. Este artigo – “Qualidade e Produtividade: Mais do que uma Questão Gerencial, uma Questão Educacional” - insiste que qualidade transcende a mera noção de aplicação pura e simples de técnicas.

Um breve documento elaborado pelo colega Mitroff, da Escola de Business da Universidade do Sul da Califórnia, lidando com Qualidade e Crenças, complementa magnificamente bem o artigo sobre qualidade e produtividade. Espero que a tradução - que diga-se de passagem fiz às pressas – faça jus à reflexão de Mitroff.

QUALIDADE E PRODUTIVIDADE: MAIS DO QUE UMA QUESTÃOGERENCIAL, UMA QUESTÃO EDUCACIONAL

Considerações iniciais

Didaticamente, costuma-se designar o período que vai do início dos anos oitenta até os nossos dias como sendo “A Era da Incerteza”. Caracterizado pela escassez de recursos humanos e materiais, turbulência ambiental, acentuado grau de desenvolvimento tecnológico e por profundas modificações de concepção no que tange a modelos econômicos.

O referido cenário tem trazido, implicitamente, conseqüências consideráveis para a vida das organizações. Estratégias competitivas são desenvolvidas nos quatro cantos do planeta. A globalização tende a se tornar cada vez mais efetiva. Todavia as organizações parecem, pelo menos em nível de nações em desenvolvimento, estar tomando “emprestados” conceitos sem com eles terem afinidade.

Tal quadro de importações teóricas não nos é surpreendente. A formação gerencial brasileira é toda alicerçada sob a égide dos modelos norte-americanos e europeus. Entretanto, existem consideráveis lacunas a serem preenchidas, uma vez que as teorias foram edificadas para realidades e necessidades um tanto quanto diferentes.

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Vivemos numa nação pré-taylorista na maioria dos segmentos produtivos. As necessidades fisiológicas e de segurança da maioria da população não estão satisfeitas.

De um modelo de Estado estatizante, fracassado, indolente e deficitário está-se, a duras penas, tentando suspensar o caminho do desenvolvimento. Entrementes, do outro lado encontramos um empresariado acostumado a subsídios a fundo perdido e habituado a repassar ao consumidor não apenas a extravagante carga tributária, mas também seus insucessos gerenciais de produção e vendas.

A fim de que revertamos o quadro entrópico vivido pela nação em termos gerenciais, mais do que discutir privatização versus estatização é fundamental que invistamos em educação organizacional. Sócrates, o filósofo, enunciou em sua época a magnitude da Administração; não importando ser ela pública ou privada, o importante era contemplar as necessidades básicas do cidadão habitante da “polis”.

Com o intuito de discutirmos a questão qualidade e produtividade é preciso que embasemos nosso pensamento em termos de história. Para tanto, faremos uso da Evolução do Pensamento Administrativo como referencial básico da questão imposta. Acredita-se que a partir de tal discussão o leitor se tornará capaz de compreender a importância dessa relação. Apenas educando administradores, gerentes, investidores, fornecedores, parceiros e colaboradores é que se poderá obter como produto final resultados satisfatórios e diferenciados, que tomem o segmento industrial brasileiro competitivo em termos globais.

1. AS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS E O SURGIMENTO DOPENSAMENTO ADMINISTRATIVO

Nos livros de história, há espaço considerável dedicado aos primeiros mercadores que viajaram pelo mundo vendendo e comprando bens - fazendo trocas num período de escassez e necessidades consideráveis. Por volta do ano de 2100 a.C., as pessoas já buscavam especializar-se em diferentes ofícios. Na antiguidade, os homens estavam organizados em pequenas oficinas, onde o artesanato rudimentar era cuidadosamente executado a partir de uma demanda preestabelecida.

A Idade Média trouxe consigo uma demanda maior de necessidades do que se conhecia anteriormente. Com o surgimento do pensamento Iluminista, da Ética Protestante e do pensamento liberal, passou-se a ter outra concepção de organização social. O paulatino afastamento da Igreja do controle da ciência permitiu que o pensamento humano fosse liberto dos temores piromaníacos e torturantes do período inquisitório. Tal ruptura permite uma serie de inovações, tais como a máquina a vapor desenvolvida por James Watt.

É 1776; estamos diante da primeira Revolução Industrial. O cenário mundial passa a sofrer uma profunda, marcante e decisiva alteração. A indústria mecanizada faz com que o artesão e a oficina cedam espaço ao operário e à fabrica. Os grandes centros urbanos começam a se formar – o camponês em busca de novas oportunidades migra para as cidades. A mão-de-obra não tão especializada que se encontrava nas cidades passou a receber um reforço menos especializado ainda. O capitalismo emergente propicia alteraçõesmacroeconômicas, rompendo definitivamente com o feudalismo.

Reflexões extremamente propícias são oportunizadas nesse período. Adam Smith, em sua obra A Riqueza das Nações, já propunha a necessidade da especialização do operário, bem como da racionalização do processo de produção. O gradativo afastamento do Estado da economia deveria ser feito lentamente. Entretanto, caberia aos

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administradores assegurar a ordem, não devendo descuidar da remuneração, bem como das condições de trabalho nas organizações emergentes.

Por volta de 1860, tem-se a segunda Revolução Industrial. O aço como matéria-prima básica substitui o ferro; o petróleo como ingrediente energético básico além da eletricidade tomam o lugar do vapor. A maquinaria automatizada acarreta uma necessidade cada vez mais intensa de se desenvolver e capacitar o trabalho – em suma, especializar o trabalhador para minimizar perdas e tornar mais dinâmico o processo passa a ser fator tão essencial como respirar para as organizações industriais. A ciência entra na vida industrial – novas técnicas de produção e de trabalho surgem.

O capitalismo industrial é substituído pelo financeiro; dominação da indústria pelas instituições financeiras de crédito, trustes e fusões permitindo grande acúmulo de capital, o desenvolvimento das holdings, tudo isso cria a necessidade de se burocratizar as organizações como forma de normatização dos processos industriais.

É nesse período que o considerado “pai” da Administração, o americano Frederick W. Taylor, nascido em Germantown, Filadélfia, ingressa na Midvale Steel Company.

Tem-se o início do período designado de Administração Científica, onde a busca pelo aumento de eficiência no nível operacional para o conseqüente aumento da produtividade será uma constante. Para que se tenha uma idéia, a indústria americana em média possuía uma margem de dois terços de desperdício – trocando em miúdos, de cada três unidades de capital empregadas no processo duas eram ignoradas. Acredita-se que as análises de Taylor sejam fundamentais para a compreensão do processo de produção. Para tanto, passa-se, a seguir a uma relação entre a evolução do conceito de qualidade e produtividade com os Princípios de Administração Científica, desenvolvidos pelo autor em 1911.

2. TAYLORISMO E PRODUTIVIDADE

Apesar de uma série de restrições existentes nos dias de hoje em relação às idéias do autor, crê-se que grande parte do pensamento administrativo-gerencial encontra-se intimamente ligado à Administração Científica, uma vez que as escolas e os pensadores posteriores ao autor caracterizam-se ou por aprofundar o tema ou criticá-lo; logo, vinculadas ao pensador da gênese administrativa. Seriam os responsáveis pelo desperdício industrial:

a) vadiagem sistemática: técnicas utilizadas pelo trabalhador a fim de reduzir o ritmo de trabalho e conseqüentemente da produção, com o intuito de evitar o desemprego, bem como menores salários;

b) desconhecimento pela gerencia das rotinas de trabalho, fazendo com que não houvesse um controle eficaz em relação aos trabalhadores;

c) ausência de uma uniformidade nas técnicas de trabalho, impedindo a uniformização do processo de produção.

A necessidade da produção em massa e a necessidade de peças intercambiáveis criam a necessidade de se implementar o controle de qualidade e produtividade. Propõe Taylor a necessidade da inspeção, com o intuito básico de sanear a torneira do desperdício existente. Tal controle seria um amenizador das questões supracitadas. Todavia, mais elementos do que uma simples “inspeção” eram necessários.

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2.1 - A análise das tarefas e o tempo padrão

O “homem-tempo”, este foi o apelido carinhoso dado ao engenheiro mecânico Frederick Taylor. Durante toda sua vida, dedicou-se a observar o modus operandi de seus empregados. Buscou continuamente aperfeiçoar a maneira como as tarefas eram realizadas. Dividindo-as, eliminando os passos inúteis e aprimorando os movimentos úteis para os quais atribui um tempo padrão de execução a partir do motion-time-study.

Através desse escudo acreditava o autor estar reduzindo a fadiga do operário. Com a eliminação dos movimentos inúteis estaria sendo dado um significativo passo na direção do aumento da eficiência do trabalhador; fatalmente o aumento da produtividade passaria por esse tópico. Não obstante o fato de o ritmo ser excessivamente intenso, os Estados Unidos da América encontraram nessa teoria um forte aliado para o seu desenvolvimento industrial.

2.2 - A linha de produção e a especialização

Com o aumento da complexidade das tarefas, era preciso uma maior divisão do trabalho. A organização de forma racional urgia. Logo, segmentar o processo de produção, mais do que uma questão tecnológica, era uma questão de sobrevivência para as organizações. Os operários passam a ser classificados de acordo com suas aptidões e tarefas - cria-se a linha de montagem em que cada grupo realiza determinada atividade específica. Chaplin, em seu filme Tempos Modernos, demonstra bem a vida do operário americano, que, robotizado pelo taylorismo, possuía dificuldades em suspender seus movimentos quando em intervalos de descanso.

2.3 - Uniformizar e controlar

Outra medida proposta pelo autor foi a da uniformização das rotinas e dos procedimentos no setor produtivo. Com a separação de quem executa as tarefas de quem as planeja, o caminho era, então, uniformizar as tarefas, para que o controle se tornasse facilitado.

3. PÓS- TAYLORISMO

Da simples inspeção do período taylorista, a administração do controle da qualidade e produtividade evoluiu para as seguintes fases: Controle Estatístico de Qualidade, Garantia da Qualidade e Gestão Estratégica da Qualidade. Passemos, então, à análise.

3.1 - Controle estatístico de qualidade

Até a década de trinta, o controle de qualidade ainda estava limitado à prática da inspeção e a atividades restritas, como a contagem, a classificação por determinadas características (padrões próprios de cada organização) e a necessidade de reparos findo o período de produção. Todavia, em 1931, Shewhart, em sua obra Economic Control of Quality of Manufactured Product, passa a atribuir caráter científico à disciplina. O autor fazia parte de um grupo da Bell Telephone que investigava problemas referentes à busca de uma maior padronização e uniformidade da rede nacional americana de telefonia.

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O foco central era o complexo equipamento que estava sendo construído no laboratório da Western Electric (Experimento de Hawthorne). Os engenheiros responsáveis por esse trabalho (Harol Dodge, Harry Roming e C.D. Edwards), juntamente com Shewhart foram os responsáveis pelo desenvolvimento da disciplina intitulada “Controle Estatístico de Qualidade”.

Parecia aos autores que era improvável que duas peças fossem fabricadas precisamente de acordo com as mesmas especificações. O que estava correto: uma vez que o material empregado, bem como as habilidades dos operadores e as características dos equipamentos seriam distintas, o produto final, conseqüentemente, seria distinto.

A mesma peça produzida pelo mesmo operador sofre, eventualmente, variações a medida que o processo se desenvolve. Posto isso, o pensamento dos especialistas da área modificou seu enfoque.

Ao assumir a variabilidade do processo, passou a ser necessária identificar os graus de aceitabilidade de tal diferença, bem como a freqüência com que tais “acidentes” se manifestavam.

Para tanto, passou-se a buscar o controle do processo através de um planejamento das atividades em que cada um sofresse o estudo estatístico da probabilidade de erro (flutuações).

Vê-se que o processo passa a ser estudado como um todo; através da previsão surge a tentativa de se minimizar o erro. De uma política de verificação exclusiva no produto final (inspeção), passou-se a atacar o início da linha de produção. Com a capacitação do trabalhador, a adequação do equipamento às necessidades reais da organização, além da já mencionada previsão, buscou-se reverter o excessivo desperdício industrial. Entretanto, ainda se tem a idéia de qualidade centrada na fábrica.

3.2 - Garantia de qualidade

Com o surgimento da necessidade de se concentrar no consumidor, seus desejos e carências, há uma mudança de enfoque na estratégia das organizações. Outro dado importante a ser levado em conta é o aumento da sofisticação tecnológica dos produtos. Com os departamentos de pesquisa e desenvolvimento incorporados às empresas, numa era de competitividade acirrada, exigindo que os produtos passem a assumir vantagens diferenciais na mente dos consumidores, elementos tais como o pós-compra (assistência), além da garantia par tempo, usa ou utilidade passaram a ser decisivos.

A qualidade passou a ter caráter estratégico e a fazer parte da filosofia das empresas. Da cadeia de produção, do projeto ao mercado, passando pelos grupos funcionais que, motivados pelas novas formas de gerencia menos arbitrárias, tais como a Teoria Y de McGregor, incorporou-se à filosofia da qualidade total. Deixa-se ao leitor a inquietação de se perguntar por que motivo empresários brasileiros ainda orbitam alienados de premissa tão importante quanto esta, não apenas para sua sobrevivência, mas da própria economia nacional.

4. GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE

Via de regra, a noção de estratégia encontra-se intrinsecamente ligada ao nível institucional das organizações. É a partir desse nível que são ditados os rumos das instituições - sua ideologia, base voluntária e objetivos - em suma, sua missão.

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Ao deslocar-se o foco da qualidade e produtividade dos níveis intermediário e operacional para o topo da organização, está-se fatalmente implementando o processo. Esse deslocamento não quer dizer que os outros níveis deixem de pensar e atuar em termos de qualidade. Longe disso. Ocorre, nada mais nada menos, que a disseminação de tais conceitos para o “todo” organizacional. A cultura da empresa centra-se nas necessidades, desejos e anseios do mercado.

O consumidor passa a ser o alvo. A fim de que sejam levados a cabo tais procedimentos, torna-se indispensável amplo e profundo trabalho de conscientização de todos os integrantes da vida organizacional, não apenas no que tange à empresa que produz o produto, bem como aos fornecedores de insumos e distribuidores.

A cadeia econômica tem de estar contemplada e regida pela idéia de qualidade e produtividade. A escolha dos fornecedores e estratégica; a conformidade dos produtos em termos internacionais é estratégica; a produção com vantagens diferenciais, a distribuição e o preço competitivo também são, igualmente, estratégicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não basta a simples idealização ou importação a partir de experiências japonesas, par exemplo de teorias que contemplem qualidade e produtividade. Tal binômio precisa ser compreendido e infundido na cultura das organizações. O referido processo vem passando por uma evolução considerável nas organizações de Primeiro Mundo; está-se aprendendo a trabalhar neste sentido. Nós, tupiniquins, temos preferido moldar nossas realidades empresariais a cenários obtusos ao dia-a-dia verde e amarelo.

Ousar implementar sem adaptar é parte de um “harakiri organizacional” há muito em voga no nosso País. É fundamental a adoção do processo de conscientização no sentido preconizado por Paulo Freire. A produtividade e a qualidade iniciam não dentro das organizações produtivas, mas sim na base educacional da sociedade. Ou será que o leitor acredita que o Japão, a América do Norte e a Europa desenvolvida atingem índices de rendimento apenas por suas tecnologias operacionais e empresariais? Nunca refletir foi tão importante, ainda mais agora que falamos em globalização e internacionalização de negócios.

Tornar o País competitivo é muito mais que tomar as organizações produtivas. É buscar alternativas que criem condições de infra-estrutura, saúde e educação. Uma vez que a capacidade de produção se encontra intimamente ligada às diretrizes macroeconômicas e estas às ações governamentais, crê-se que, mais do que nunca, é chegada a hora de uma ação conjunta entre todos os setores da sociedade organizada de buscarem alternativas pertinentes a realidade nacional para que o caminho do desenvolvimento efetivo, e não ilusório, seja encontrado.

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QUALIDADE E CRENÇASPRESSUPOSTOS SUBJACENTES

Qualidade não pode ser obtida com as seguintes crenças; portanto, elas são:

Qualidade pode, potencialmente, ser obtida com as seguintes crenças; portanto, elas são:

Pressupostos inapropriados Pressupostos apropriados

1. Qualidade pode ser alcançada sem que exista, profundamente internalizada, a necessidade e a preocupação com seu atingimento e com tudo que diga respeito à atitude dos trabalhadores, supervisores e gerentes.

1. Qualidade não pode ser obtida sem que exista uma necessidade real e uma preocupação sincera de parte de todos aqueles relacionados ao sistema produtivo da organização.

2.a. Qualidade pode ser obtida pelo simples fato de estabelecer objetivos e metas específicos e fixar controles severos sobre o processo de produção.

2.a. Qualidade demanda trabalhadores, supervisores e gerentes que exerçam um esforço persistente e bem direcionado e que irão esforçar-se para seu constante aperfeiçoamento, mesmo quando faltam objetivos explícitos para orientá-los.

b. Ou melhor dizendo, para alcançar qualidade é suficiente explicitar objetivos e metas.

b. Tanto objetivos e metas, na forma de um conjunto de políticas consistentes e atitudes que são largamente disseminadas em toda a organização, bem como um desejo internalizado de todos para irem além do que está escrito, são necessários para que se atinja qualidade.

c. É suficiente ter políticas escritas que, uma vez comunicadas a todos, podem ser deixadas em uma prateleira.

c. Uma mensagem simples e única deve ser comunicada repetida e persistentemente; “qualidade do produto” é um objetivo que todos na organização devem compartilhar e se esforçar para atingir.

3.a. Qualidade pode ser obtida ainda que a concentração seja nos prazos de produção; isto é, “colocar os produtos na rua” é o objetivo nº 1 da organização.

3.a. Qualidade só pode ser obtida quando a tornamos o objetivo nº 1 da organização, não permitindo que nenhum outro objetivo se superponha.

b. Qualidade pode ser obtida como um objetivo secundário ou terciário.

b. Os gerentes devem enfatizar que Qualidade é seu objetivo principal na fabricação.

c. O lucro é o objetivo máximo que deve dominar todos os outros objetivos da organização.

c. As pessoas devem não somente compreender, mas acreditar, firmemente, que não terão lucro a não ser que o desejo de ganhar dinheiro esteja subordinado à qualidade dos bens produtivos. Deve-se gostar do “negócio” em que se trabalha; deve-se gostar de fazer os produtos pelo simples fato de fazê-los.

4. Os trabalhadores não estão preocupados com qualidade ou, na melhor das hipóteses, têm baixo interesse nela.

4. Há trabalhadores que têm um interesse básico em produzir produtos de qualidade ou então que podem desenvolver tal produto; você deve estabelecer, como prioridade máxima, somente contratar aqueles que cultivam tal interesse.

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5.a. Fábricas são sistemas fechados. 5.a. Fábricas são sistemas abertos.

b. Portanto, a obtenção da qualidade é principalmente obtida do lado de dentro da fábrica, isto é, apenas considerados aqueles fatores que são internos à organização.

b. Portanto, a obtenção da qualidade deve levar em consideração tanto os fatores internos como externos. Ambos devem receber igual importância no gerenciamento da organização.

c. Portanto, as causas da má qualidade podem ser o despreparo da mão-de-obra ou a baixa manutenção da fábrica e dos equipamentos.

c. Portanto, as causas da má qualidade podem ser o despreparo da mão-de-obra, etc., mas também outros fatores, tais como peças defeituosas e materiais que ingressam na organização, ou mesmo o desenho básico dos produtos.

d. Logo, a culpa pela elaboração de produtos de baixa qualidade pode ser atribuída a causas internas.

d. Logo, a culpa pode ser atribuída tanto a fatores internos como a fatores externos, ou a ambos.

e. Logo, os trabalhadores são os mais óbvios culpados potenciais.

e. Portanto, os trabalhadores são os mais prováveis bodes-expiatórios quando os problemas não são pesquisados e buscada sua real causa.

DOCs

1. Teorias e conceitos meramente importados tendem a não funcionar. É preciso levar em consideração a cultura da organização - nação ou empresa - importadora. O Japão é um belo exemplo de importação crítica. Todo o conhecimento externo buscado passa por um processo de incorporação seletiva, isto é, só ingressa aquele conhecimento que não agride a cultura local e a integridade nacional. O resto é simplesmente expurgado. Portanto, seja cuidadoso com novos conhecimentos e tecnologias trazidas de outras nações ou de outras empresas. O fato de lá funcionarem apenas significa “que lá funcionam”. Nada mais do que isso.

2. Se vivemos em uma nação pré-taylorista, em que as necessidades básicas e de segurança do trabalhador não se encontram atendidas, e melhor pensarmos duas vezes antes do usa de tecnologias supersofisticadas. A casa é começada pelos alicerces e não pelo telhado.

3. Não é preciso que o Brasil, no que tange a qualidade, siga os mesmos passos ou as mesmas fases pelos quais passaram os Estados Unidos (Inspeção, Controle Estatístico de Qualidade, Garantia de Qualidade e Gestão Estratégica de Qualidade). Entretanto, é preciso salientar que lá a preocupação com qualidade começou pouco depois da Grande Depressão (1931). Portanto, ao estruturar o programa de qualidade de sua organização, leve tal fato em consideração e não se desespere antes do tempo.

4. “Produtividade e qualidade iniciam não dentro das organizações produtivas, mas sim na base educacional da sociedade”. Se isso é verdade, enquanto não equacionarmos o problema em nível macro, teremos de investir maciçamente em treinamento e desenvolvimento, como forma compensatória.

5. Revise seus pressupostos a respeito de “como obter qualidade”. Se seus pressupostos forem inadequados, suas ações serão inapropriadas.

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6. Discuta com outros gerentes sobre a experiência deles no que tange à implantação de programas de qualidade. Procure identificar os fatores que impulsionaram a implantação e os que dificultaram. Anote o que lhe parecer relevante. Não confie só na memória.

7. Finalmente, ao estruturar seu próprio programa de qualidade, faça-o de uma forma crítica, não só a partir do sucesso e dos insucessos de outras organizações, mas especialmente de sua vivência e experiência no contexto cultural de sua organização.

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9 Qualidade e produtividade: mais do que uma questãogerencial uma questão educacional

“Qualidade não é uma idéia ou uma coisa concreta, mas uma terceira entidade independente das duas... Embora não se possa definir qualidade, sabe-se o que ela é”.

Robert M. Pirsing

“Qualidade é atingir ou buscar o padrão mais alto em vez de se contentar com o mal feito ou fraudulento”.

Bárbara W. Tuchman

Parto do princípio de que os executivos têm uma vida atribulada, tempo muito restrito para reflexão e, nesse contexto, as regras são de enorme valia.

Examinando os vários textos sobre qualidade, selecionei um que me parece absolutamente adequado para que se tenha uma visão histórica do conceito. Este artigo – “Qualidade e Produtividade: Mais do que uma Questão Gerencial, uma Questão Educacional” - insiste que qualidade transcende a mera noção de aplicação pura e simples de técnicas.

Um breve documento elaborado pelo colega Mitroff, da Escola de Business da Universidade do Sul da Califórnia, lidando com Qualidade e Crenças, complementa magnificamente bem o artigo sobre qualidade e produtividade. Espero que a tradução - que diga-se de passagem fiz às pressas – faça jus à reflexão de Mitroff.

QUALIDADE E PRODUTIVIDADE: MAIS DO QUE UMA QUESTÃOGERENCIAL, UMA QUESTÃO EDUCACIONAL

Considerações iniciais

Didaticamente, costuma-se designar o período que vai do início dos anos oitenta até os nossos dias como sendo “A Era da Incerteza”. Caracterizado pela escassez de recursos humanos e materiais, turbulência ambiental, acentuado grau de desenvolvimento tecnológico e por profundas modificações de concepção no que tange a modelos econômicos.

O referido cenário tem trazido, implicitamente, conseqüências consideráveis para a vida das organizações. Estratégias competitivas são desenvolvidas nos quatro cantos do planeta. A globalização tende a se tornar cada vez mais efetiva. Todavia as organizações parecem, pelo menos em nível de nações em desenvolvimento, estar tomando “emprestados” conceitos sem com eles terem afinidade.

Tal quadro de importações teóricas não nos é surpreendente. A formação gerencial brasileira é toda alicerçada sob a égide dos modelos norte-americanos e europeus. Entretanto, existem consideráveis lacunas a serem preenchidas, uma vez que as teorias foram edificadas para realidades e necessidades um tanto quanto diferentes.

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Vivemos numa nação pré-taylorista na maioria dos segmentos produtivos. As necessidades fisiológicas e de segurança da maioria da população não estão satisfeitas.

De um modelo de Estado estatizante, fracassado, indolente e deficitário está-se, a duras penas, tentando suspensar o caminho do desenvolvimento. Entrementes, do outro lado encontramos um empresariado acostumado a subsídios a fundo perdido e habituado a repassar ao consumidor não apenas a extravagante carga tributária, mas também seus insucessos gerenciais de produção e vendas.

A fim de que revertamos o quadro entrópico vivido pela nação em termos gerenciais, mais do que discutir privatização versus estatização é fundamental que invistamos em educação organizacional. Sócrates, o filósofo, enunciou em sua época a magnitude da Administração; não importando ser ela pública ou privada, o importante era contemplar as necessidades básicas do cidadão habitante da “polis”.

Com o intuito de discutirmos a questão qualidade e produtividade é preciso que embasemos nosso pensamento em termos de história. Para tanto, faremos uso da Evolução do Pensamento Administrativo como referencial básico da questão imposta. Acredita-se que a partir de tal discussão o leitor se tornará capaz de compreender a importância dessa relação. Apenas educando administradores, gerentes, investidores, fornecedores, parceiros e colaboradores é que se poderá obter como produto final resultados satisfatórios e diferenciados, que tomem o segmento industrial brasileiro competitivo em termos globais.

2. AS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS E O SURGIMENTO DOPENSAMENTO ADMINISTRATIVO

Nos livros de história, há espaço considerável dedicado aos primeiros mercadores que viajaram pelo mundo vendendo e comprando bens - fazendo trocas num período de escassez e necessidades consideráveis. Por volta do ano de 2100 a.C., as pessoas já buscavam especializar-se em diferentes ofícios. Na antiguidade, os homens estavam organizados em pequenas oficinas, onde o artesanato rudimentar era cuidadosamente executado a partir de uma demanda preestabelecida.

A Idade Média trouxe consigo uma demanda maior de necessidades do que se conhecia anteriormente. Com o surgimento do pensamento Iluminista, da Ética Protestante e do pensamento liberal, passou-se a ter outra concepção de organização social. O paulatino afastamento da Igreja do controle da ciência permitiu que o pensamento humano fosse liberto dos temores piromaníacos e torturantes do período inquisitório. Tal ruptura permite uma serie de inovações, tais como a máquina a vapor desenvolvida por James Watt.

É 1776; estamos diante da primeira Revolução Industrial. O cenário mundial passa a sofrer uma profunda, marcante e decisiva alteração. A indústria mecanizada faz com que o artesão e a oficina cedam espaço ao operário e à fabrica. Os grandes centros urbanos começam a se formar – o camponês em busca de novas oportunidades migra para as cidades. A mão-de-obra não tão especializada que se encontrava nas cidades passou a receber um reforço menos especializado ainda. O capitalismo emergente propicia alteraçõesmacroeconômicas, rompendo definitivamente com o feudalismo.

Reflexões extremamente propícias são oportunizadas nesse período. Adam Smith, em sua obra A Riqueza das Nações, já propunha a necessidade da especialização do operário, bem como da racionalização do processo de produção. O gradativo afastamento do Estado da economia deveria ser feito lentamente. Entretanto, caberia aos

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administradores assegurar a ordem, não devendo descuidar da remuneração, bem como das condições de trabalho nas organizações emergentes.

Por volta de 1860, tem-se a segunda Revolução Industrial. O aço como matéria-prima básica substitui o ferro; o petróleo como ingrediente energético básico além da eletricidade tomam o lugar do vapor. A maquinaria automatizada acarreta uma necessidade cada vez mais intensa de se desenvolver e capacitar o trabalho – em suma, especializar o trabalhador para minimizar perdas e tornar mais dinâmico o processo passa a ser fator tão essencial como respirar para as organizações industriais. A ciência entra na vida industrial – novas técnicas de produção e de trabalho surgem.

O capitalismo industrial é substituído pelo financeiro; dominação da indústria pelas instituições financeiras de crédito, trustes e fusões permitindo grande acúmulo de capital, o desenvolvimento das holdings, tudo isso cria a necessidade de se burocratizar as organizações como forma de normatização dos processos industriais.

É nesse período que o considerado “pai” da Administração, o americano Frederick W. Taylor, nascido em Germantown, Filadélfia, ingressa na Midvale Steel Company.

Tem-se o início do período designado de Administração Científica, onde a busca pelo aumento de eficiência no nível operacional para o conseqüente aumento da produtividade será uma constante. Para que se tenha uma idéia, a indústria americana em média possuía uma margem de dois terços de desperdício – trocando em miúdos, de cada três unidades de capital empregadas no processo duas eram ignoradas. Acredita-se que as análises de Taylor sejam fundamentais para a compreensão do processo de produção. Para tanto, passa-se, a seguir a uma relação entre a evolução do conceito de qualidade e produtividade com os Princípios de Administração Científica, desenvolvidos pelo autor em 1911.

2. TAYLORISMO E PRODUTIVIDADE

Apesar de uma série de restrições existentes nos dias de hoje em relação às idéias do autor, crê-se que grande parte do pensamento administrativo-gerencial encontra-se intimamente ligado à Administração Científica, uma vez que as escolas e os pensadores posteriores ao autor caracterizam-se ou por aprofundar o tema ou criticá-lo; logo, vinculadas ao pensador da gênese administrativa. Seriam os responsáveis pelo desperdício industrial:

a) vadiagem sistemática: técnicas utilizadas pelo trabalhador a fim de reduzir o ritmo de trabalho e conseqüentemente da produção, com o intuito de evitar o desemprego, bem como menores salários;

b) desconhecimento pela gerencia das rotinas de trabalho, fazendo com que não houvesse um controle eficaz em relação aos trabalhadores;

c) ausência de uma uniformidade nas técnicas de trabalho, impedindo a uniformização do processo de produção.

A necessidade da produção em massa e a necessidade de peças intercambiáveis criam a necessidade de se implementar o controle de qualidade e produtividade. Propõe Taylor a necessidade da inspeção, com o intuito básico de sanear a torneira do desperdício existente. Tal controle seria um amenizador das questões supracitadas. Todavia, mais elementos do que uma simples “inspeção” eram necessários.

2.1 - A análise das tarefas e o tempo padrão

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O “homem-tempo”, este foi o apelido carinhoso dado ao engenheiro mecânico Frederick Taylor. Durante toda sua vida, dedicou-se a observar o modus operandi de seus empregados. Buscou continuamente aperfeiçoar a maneira como as tarefas eram realizadas. Dividindo-as, eliminando os passos inúteis e aprimorando os movimentos úteis para os quais atribui um tempo padrão de execução a partir do motion-time-study.

Através desse escudo acreditava o autor estar reduzindo a fadiga do operário. Com a eliminação dos movimentos inúteis estaria sendo dado um significativo passo na direção do aumento da eficiência do trabalhador; fatalmente o aumento da produtividade passaria por esse tópico. Não obstante o fato de o ritmo ser excessivamente intenso, os Estados Unidos da América encontraram nessa teoria um forte aliado para o seu desenvolvimento industrial.

2.2 - A linha de produção e a especialização

Com o aumento da complexidade das tarefas, era preciso uma maior divisão do trabalho. A organização de forma racional urgia. Logo, segmentar o processo de produção, mais do que uma questão tecnológica, era uma questão de sobrevivência para as organizações. Os operários passam a ser classificados de acordo com suas aptidões e tarefas - cria-se a linha de montagem em que cada grupo realiza determinada atividade específica. Chaplin, em seu filme Tempos Modernos, demonstra bem a vida do operário americano, que, robotizado pelo taylorismo, possuía dificuldades em suspender seus movimentos quando em intervalos de descanso.

2.3 - Uniformizar e controlar

Outra medida proposta pelo autor foi a da uniformização das rotinas e dos procedimentos no setor produtivo. Com a separação de quem executa as tarefas de quem as planeja, o caminho era, então, uniformizar as tarefas, para que o controle se tornasse facilitado.

3. PÓS- TAYLORISMO

Da simples inspeção do período taylorista, a administração do controle da qualidade e produtividade evoluiu para as seguintes fases: Controle Estatístico de Qualidade, Garantia da Qualidade e Gestão Estratégica da Qualidade. Passemos, então, à análise.

3.1 - Controle estatístico de qualidade

Até a década de trinta, o controle de qualidade ainda estava limitado à prática da inspeção e a atividades restritas, como a contagem, a classificação por determinadas características (padrões próprios de cada organização) e a necessidade de reparos findo o período de produção. Todavia, em 1931, Shewhart, em sua obra Economic Control of Quality of Manufactured Product, passa a atribuir caráter científico à disciplina. O autor fazia parte de um grupo da Bell Telephone que investigava problemas referentes à busca de uma maior padronização e uniformidade da rede nacional americana de telefonia.

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O foco central era o complexo equipamento que estava sendo construído no laboratório da Western Electric (Experimento de Hawthorne). Os engenheiros responsáveis por esse trabalho (Harol Dodge, Harry Roming e C.D. Edwards), juntamente com Shewhart foram os responsáveis pelo desenvolvimento da disciplina intitulada “Controle Estatístico de Qualidade”.

Parecia aos autores que era improvável que duas peças fossem fabricadas precisamente de acordo com as mesmas especificações. O que estava correto: uma vez que o material empregado, bem como as habilidades dos operadores e as características dos equipamentos seriam distintas, o produto final, conseqüentemente, seria distinto.

A mesma peça produzida pelo mesmo operador sofre, eventualmente, variações a medida que o processo se desenvolve. Posto isso, o pensamento dos especialistas da área modificou seu enfoque.

Ao assumir a variabilidade do processo, passou a ser necessária identificar os graus de aceitabilidade de tal diferença, bem como a freqüência com que tais “acidentes” se manifestavam.

Para tanto, passou-se a buscar o controle do processo através de um planejamento das atividades em que cada um sofresse o estudo estatístico da probabilidade de erro (flutuações).

Vê-se que o processo passa a ser estudado como um todo; através da previsão surge a tentativa de se minimizar o erro. De uma política de verificação exclusiva no produto final (inspeção), passou-se a atacar o início da linha de produção. Com a capacitação do trabalhador, a adequação do equipamento às necessidades reais da organização, além da já mencionada previsão, buscou-se reverter o excessivo desperdício industrial. Entretanto, ainda se tem a idéia de qualidade centrada na fábrica.

3.2 - Garantia de qualidade

Com o surgimento da necessidade de se concentrar no consumidor, seus desejos e carências, há uma mudança de enfoque na estratégia das organizações. Outro dado importante a ser levado em conta é o aumento da sofisticação tecnológica dos produtos. Com os departamentos de pesquisa e desenvolvimento incorporados às empresas, numa era de competitividade acirrada, exigindo que os produtos passem a assumir vantagens diferenciais na mente dos consumidores, elementos tais como o pós-compra (assistência), além da garantia par tempo, usa ou utilidade passaram a ser decisivos.

A qualidade passou a ter caráter estratégico e a fazer parte da filosofia das empresas. Da cadeia de produção, do projeto ao mercado, passando pelos grupos funcionais que, motivados pelas novas formas de gerencia menos arbitrárias, tais como a Teoria Y de McGregor, incorporou-se à filosofia da qualidade total. Deixa-se ao leitor a inquietação de se perguntar por que motivo empresários brasileiros ainda orbitam alienados de premissa tão importante quanto esta, não apenas para sua sobrevivência, mas da própria economia nacional.

4. GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE

Via de regra, a noção de estratégia encontra-se intrinsecamente ligada ao nível institucional das organizações. É a partir desse nível que são ditados os rumos das instituições - sua ideologia, base voluntária e objetivos - em suma, sua missão.

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Ao deslocar-se o foco da qualidade e produtividade dos níveis intermediário e operacional para o topo da organização, está-se fatalmente implementando o processo. Esse deslocamento não quer dizer que os outros níveis deixem de pensar e atuar em termos de qualidade. Longe disso. Ocorre, nada mais nada menos, que a disseminação de tais conceitos para o “todo” organizacional. A cultura da empresa centra-se nas necessidades, desejos e anseios do mercado.

O consumidor passa a ser o alvo. A fim de que sejam levados a cabo tais procedimentos, torna-se indispensável amplo e profundo trabalho de conscientização de todos os integrantes da vida organizacional, não apenas no que tange à empresa que produz o produto, bem como aos fornecedores de insumos e distribuidores.

A cadeia econômica tem de estar contemplada e regida pela idéia de qualidade e produtividade. A escolha dos fornecedores e estratégica; a conformidade dos produtos em termos internacionais é estratégica; a produção com vantagens diferenciais, a distribuição e o preço competitivo também são, igualmente, estratégicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não basta a simples idealização ou importação a partir de experiências japonesas, par exemplo de teorias que contemplem qualidade e produtividade. Tal binômio precisa ser compreendido e infundido na cultura das organizações. O referido processo vem passando por uma evolução considerável nas organizações de Primeiro Mundo; está-se aprendendo a trabalhar neste sentido. Nós, tupiniquins, temos preferido moldar nossas realidades empresariais a cenários obtusos ao dia-a-dia verde e amarelo.

Ousar implementar sem adaptar é parte de um “harakiri organizacional” há muito em voga no nosso País. É fundamental a adoção do processo de conscientização no sentido preconizado por Paulo Freire. A produtividade e a qualidade iniciam não dentro das organizações produtivas, mas sim na base educacional da sociedade. Ou será que o leitor acredita que o Japão, a América do Norte e a Europa desenvolvida atingem índices de rendimento apenas por suas tecnologias operacionais e empresariais? Nunca refletir foi tão importante, ainda mais agora que falamos em globalização e internacionalização de negócios.

Tornar o País competitivo é muito mais que tomar as organizações produtivas. É buscar alternativas que criem condições de infra-estrutura, saúde e educação. Uma vez que a capacidade de produção se encontra intimamente ligada às diretrizes macroeconômicas e estas às ações governamentais, crê-se que, mais do que nunca, é chegada a hora de uma ação conjunta entre todos os setores da sociedade organizada de buscarem alternativas pertinentes a realidade nacional para que o caminho do desenvolvimento efetivo, e não ilusório, seja encontrado.

QUALIDADE E CRENÇASPRESSUPOSTOS SUBJACENTES

Qualidade não pode ser obtida com as seguintes crenças; portanto, elas são:

Qualidade pode, potencialmente, ser obtida com as seguintes crenças; portanto, elas são:

Pressupostos inapropriados Pressupostos apropriados

1. Qualidade pode ser alcançada sem que exista, profundamente internalizada, a necessidade e a

1. Qualidade não pode ser obtida sem que exista uma necessidade real e uma preocupação sincera de parte

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preocupação com seu atingimento e com tudo que diga respeito à atitude dos trabalhadores, supervisores e gerentes.

de todos aqueles relacionados ao sistema produtivo da organização.

2.a. Qualidade pode ser obtida pelo simples fato de estabelecer objetivos e metas específicos e fixar controles severos sobre o processo de produção.

2.a. Qualidade demanda trabalhadores, supervisores e gerentes que exerçam um esforço persistente e bem direcionado e que irão esforçar-se para seu constante aperfeiçoamento, mesmo quando faltam objetivos explícitos para orientá-los.

b. Ou melhor dizendo, para alcançar qualidade é suficiente explicitar objetivos e metas.

b. Tanto objetivos e metas, na forma de um conjunto de políticas consistentes e atitudes que são largamente disseminadas em toda a organização, bem como um desejo internalizado de todos para irem além do que está escrito, são necessários para que se atinja qualidade.

c. É suficiente ter políticas escritas que, uma vez comunicadas a todos, podem ser deixadas em uma prateleira.

c. Uma mensagem simples e única deve ser comunicada repetida e persistentemente; “qualidade do produto” é um objetivo que todos na organização devem compartilhar e se esforçar para atingir.

3.a. Qualidade pode ser obtida ainda que a concentração seja nos prazos de produção; isto é, “colocar os produtos na rua” é o objetivo nº 1 da organização.

3.a. Qualidade só pode ser obtida quando a tornamos o objetivo nº 1 da organização, não permitindo que nenhum outro objetivo se superponha.

b. Qualidade pode ser obtida como um objetivo secundário ou terciário.

b. Os gerentes devem enfatizar que Qualidade é seu objetivo principal na fabricação.

c. O lucro é o objetivo máximo que deve dominar todos os outros objetivos da organização.

c. As pessoas devem não somente compreender, mas acreditar, firmemente, que não terão lucro a não ser que o desejo de ganhar dinheiro esteja subordinado à qualidade dos bens produtivos. Deve-se gostar do “negócio” em que se trabalha; deve-se gostar de fazer os produtos pelo simples fato de fazê-los.

4. Os trabalhadores não estão preocupados com qualidade ou, na melhor das hipóteses, têm baixo interesse nela.

4. Há trabalhadores que têm um interesse básico em produzir produtos de qualidade ou então que podem desenvolver tal produto; você deve estabelecer, como prioridade máxima, somente contratar aqueles que cultivam tal interesse.

5.a. Fábricas são sistemas fechados. 5.a. Fábricas são sistemas abertos.

b. Portanto, a obtenção da qualidade é principalmente obtida do lado de dentro da fábrica, isto é, apenas considerados aqueles fatores que são internos à organização.

b. Portanto, a obtenção da qualidade deve levar em consideração tanto os fatores internos como externos. Ambos devem receber igual importância no gerenciamento da organização.

c. Portanto, as causas da má qualidade podem ser o despreparo da mão-de-obra ou a baixa manutenção da fábrica e dos equipamentos.

c. Portanto, as causas da má qualidade podem ser o despreparo da mão-de-obra, etc., mas também outros fatores, tais como peças defeituosas e materiais que ingressam na organização, ou mesmo o desenho básico dos produtos.

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d. Logo, a culpa pela elaboração de produtos de baixa qualidade pode ser atribuída a causas internas.

d. Logo, a culpa pode ser atribuída tanto a fatores internos como a fatores externos, ou a ambos.

e. Logo, os trabalhadores são os mais óbvios culpados potenciais.

e. Portanto, os trabalhadores são os mais prováveis bodes-expiatórios quando os problemas não são pesquisados e buscada sua real causa.

DOCs

1. Teorias e conceitos meramente importados tendem a não funcionar. É preciso levar em consideração a cultura da organização - nação ou empresa - importadora. O Japão é um belo exemplo de importação crítica. Todo o conhecimento externo buscado passa por um processo de incorporação seletiva, isto é, só ingressa aquele conhecimento que não agride a cultura local e a integridade nacional. O resto é simplesmente expurgado. Portanto, seja cuidadoso com novos conhecimentos e tecnologias trazidas de outras nações ou de outras empresas. O fato de lá funcionarem apenas significa “que lá funcionam”. Nada mais do que isso.

2. Se vivemos em uma nação pré-taylorista, em que as necessidades básicas e de segurança do trabalhador não se encontram atendidas, e melhor pensarmos duas vezes antes do usa de tecnologias supersofisticadas. A casa é começada pelos alicerces e não pelo telhado.

3. Não é preciso que o Brasil, no que tange à qualidade, siga os mesmos passos ou as mesmas fases pelos quais passaram os Estados Unidos (Inspeção, Controle Estatístico de Qualidade, Garantia de Qualidade e Gestão Estratégica de Qualidade). Entretanto, é preciso salientar que lá a preocupação com qualidade começou pouco depois da Grande Depressão (1931). Portanto, ao estruturar o programa de qualidade de sua organização, leve tal fato em consideração e não se desespere antes do tempo.

4. “Produtividade e qualidade iniciam não dentro das organizações produtivas, mas sim na base educacional da sociedade”. Se isso é verdade, enquanto não equacionarmos o problema em nível macro, teremos de investir maciçamente em treinamento e desenvolvimento, como forma compensatória.

5. Revise seus pressupostos a respeito de “como obter qualidade”. Se seus pressupostos forem inadequados, suas ações serão inapropriadas.

6. Discuta com outros gerentes sobre a experiência deles no que tange à implantação de programas de qualidade. Procure identificar os fatores que impulsionaram a implantação e os que dificultaram. Anote o que lhe parecer relevante. Não confie só na memória.

7. Finalmente, ao estruturar seu próprio programa de qualidade, faça-o de uma forma crítica, não só a partir do sucesso e dos insucessos de outras organizações, mas especialmente de sua vivência e experiência no contexto cultural de sua organização.

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Todos são iguais; alguns, entretanto, são mais iguais do que os outros: o papel da liderança executiva

“Nenhuma empresa pode fazer mais do que permite o seu principal Administrador. Afinal de contas, o gargalo está sempre colocado na parte superior da garrafa. De todas as tarefas de uma empresa, a mais difícil, mas também a mais importante é organizar sua alta administração”.

Peter Drucker

“Os homens de negócio não têm outra alternativa senão tornarem-se, eles mesmos, reformistas, fazendo um sério esforço, procurando adaptar o sistema de mercado ao nosso cambiante contexto social, político e tecnológico.A questão fundamental se resume no seguinte: - irão nossos líderes empresariais tomar a iniciativa de fazer as mudanças que se fazem necessárias e assumir novas responsabilidades voluntariamente ou irão esperar até que elas lhes sejam impostas pela lei?”.

David Rockfeller

ADMINISTRAÇÃO CENTRADA NO CLIENTE

“O sistema de administração de parte significativa das empresas é ainda pré-tayloriano. Algumas poucas já aprimoraram, preocupando-se com a eficiência de seu desempenho e com a racionalidade dos meios empregados. Creio que muito poucas chegaram ao nível de olhar para fora de suas próprias fronteiras, perscrutar o contexto que as cerca e, muito especialmente, perguntar-se quem são os clientes a quem devem servir, sua única razão de ser.

Fico imaginando como seria uma empresa cuja tônica efetivamente fosse o cliente, o cliente-rei, o alvo de todas as atenções de parte do empresário. Com toda a certeza, a qualidade do produto atingiria níveis de quase-perfeição, qualidade muito próxima a dos japoneses. A assistência técnica, a rede de apoio aos compradores agiria com presteza para que o cliente não tivesse nada a reclamar, nunca. O atendimento seria personalizado, gentil e eficaz. Evidentemente, cliente satisfeito com o produto e com o atendimento recebido é cliente que retorna.

São necessárias, em minha visão pessoal, lideranças capazes de fazerem uma ‘releitura’ do ambiente em que vivemos. O líder de negócios de hoje deve transcender a visão meramente técnica para bem gerir sua empresa. Ele não pode mais meramente administrar finanças, tecnologia e afins. É preciso que ele assuma o papel de clarificador da missão institucional (na qual deve estar explicitamente contemplada a clientela), de definidor dos objetivos e metas relevantes a serem atingidos, das estratégias fundamentais para garantir a implementação do planejado. E mais: deverá ser a capacidade de ouvir; comunicar e educar.

Creio que a administração centrada no cliente é antes de mais nada uma administração que demanda uma nova visão, uma postura empresarial mais flexível, atenta

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ao ambiente, capaz de se auto-renovar e de estimular o crescimento de todos os que estão ao seu redor. As empresas bem-sucedidas serão aquelas que aprenderem adequadamente tal lição”.

O que este texto deixa muito claro é que existem papéis específicos a serem desempenhados no mundo organizacional, e que especialmente os altos Executivos - ou elementos da cúpula organizacional – detém algumas responsabilidades indelegáveis, isto é, que se eles não assumirem, ninguém o fará, com impactos negativos para a organização. Só para exemplificar: a clarificação da missão institucional e das macroestratégias capazes de viabilizá-la fazem parte das tais mencionadas responsabilidades. Quando o rumo da organização ou seu propósito não é claro, a tendência dos empregados é andar como moscas tontas dentro da organização. Eles se ocupam, às vezes até trabalham muito, mas seus esforços são dispersos, não canalizados em uma direção especifica e o resultado todos conhecemos: são as organizações que, de uma forma mais ou menos acelerada, se deterioram, não cumprem o que se propõem a cumprir e acabam por desaparecer.

Há formas diferentes de dizer a mesma coisa e que possivelmente auxiliem na compreensão do que pretendo transmitir: a um general que empregasse seu talento em revisar os fuzis de seus soldados ou a qualidade de seus uniformes, sobraria muito pouco tempo para exercer seu papel primordial: o de formulador das estratégias de combate. Não só não cumpre o que dele se espera, mas impede que os outros níveis - cabos, soldados, sargentos - cumpram o seu próprio. Em outras palavras, nada pior para a organização do que ser dirigida por executivos que trabalham muito e com afinco, mas que não sabem o que deles se espera ou para onde se dirigem.

Há algum tempo, criei um material intitulado O Decálogo do Administrador Excelente. A intenção era, baseado em minha experiência como executivo e consultor de empresas, destilar e materializar este conhecimento em 10 regras básicas, que, se seguidas, garantiriam o sucesso de quem as utilizasse. E elas crescentemente fazem sentido, pois num mundo turbulento e competitivo é fundamental cultivar a habilidade de obter resultados positivos, de forma sistemática, em todas as ações que empreendemos. Você não concorda comigo?

O ADMINISTRADOR EXCELENTE

É aquele capaz de transformar idéias e desejos em realidade concreta. Eis suas características fundamentais, assim como nós as concebemos:

1. Postura centrada na eficácia, isto é, nos resultados de sua organização. Ele tem consciência clara de que não existem desculpas que justifiquem a não consecução dos objetivos e metas propostos. O lucro, num sistema de livre iniciativa, é bem-vindo e desejável e deve ser resultado de um desempenho bem-sucedido.

2. Sensibilidade ao ambiente externo, aí incluída a responsabilidade pública, tanto para com a clientela da sua organização como em relação a outras instituições e pessoas que fazem parte da ecologia maior.

3. Capacidade de identificar e solucionar problemas, sendo definido como problema o gap existente entre o ponto em que se encontra sua organização e o objetivo a ser por ela alcançado.

4. Motivação pelo uso do poder, isto é, uma vez definido o objetivo, lançar mão de todos os recursos - políticos, tecnológicos, financeiros e materiais, de forma a levar a efeito o pretendido.

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5. Competência interpessoal, pois se o produto de seu trabalho visa o homem e é feito através de pessoas, ele deve desenvolver sua capacidade de relacionamento com seus superiores, pares e subordinados, chegando ao ponto de empatia, isto é, ser capaz de colocar-se em lugar daqueles com quem se relaciona e pensar e sentir como eles.

6. Competência técnica, que é o conhecimento e o uso adequado das técnicas, equipamentos e instrumentos inerentes à função de administrar: a tecnologia administrativa, em última análise, representada pelo planejamento, orçamento, administração de recursos humanos e materiais. O ato de administrar adquiriu complexidade tal, que o amadorismo perdeu sua vez e o profissionalismo impõe-se, agora, como um imperativo. Quando alguém de nossa família necessita submete-se a uma intervenção cirúrgica, nós vamos buscar o médico, e não outro profissional. E mais: o melhor cirurgião dentre os médicos disponíveis. Como então podemos entregar uma empresa – a cujo destino estão vinculados milhares de empregados e suas famílias – nas mãos de amadores, não adequadamente preparados e exercer a função gerencial?

7. Alta tolerância à mudanças e à ambigüidade, mantendo sua capacidade de avaliar os resultados obtidos por sua organização e de corrigir rumos sempre que necessário. Afinal, vivemos num ambiente turbulento e não há nada que justifique posições tipo “palavra de rei não volta atrás”.

8. Capacidade de refletir-em-ação, confiando não apenas em suas teorias e modelos pré-elaborados, mas também em sua própria sensibilidade, especialmente a relacionada ao caso concreto.

9. Atitude parentética, isto é, a capacidade psicológica inerente ao indivíduo de separar a si mesmo de seu ambiente interno e externo, alcançando um nível de pensamento conceptual e, portanto, de liberdade.

10. Concepção do caos como algo administrável, compreendendo e aceitando a idéia de que embora todos os sistemas tendam à entropia, à desagregação, sempre é possível administrá-los, mantendo, dentro de certos limites, ordem no caos.

Creio poder afirmar, sem temor de cometer erros maiores, que esta é a fórmula do sucesso dos administradores eficazes e que merece ser imitada. É exatamente nos momentos de crise, de uma economia desaquecida, de desencanto, de desemprego, de padrão de vida decrescente, que temos necessidade de profissionais capazes de transformar crise em oportunidade, desencanto em motivação, desaquecimento em soerguimento acelerado e padrão de vida decrescente em enriquecimento.

E para exercer tal papel transformador na sociedade que nós, administradores, fomos educados e treinados.

O Decálogo me tem sido muito útil, pois tem-me obrigado a sistematicamente voltar minha atenção para o cliente - que está no ambiente - e perguntar-me o que ele efetivamente deseja. Quando o ponto de partida está claro (a opção pelo cliente), fica mais fácil fazer os ajustamentos necessários a partir deste referencial.

Mas você sabe, nada é estático. Eu procurei fazer a síntese da síntese e o Decálogo acabou se transformando no que chamei de Requisitos do Sucesso. Talvez não seja muito original, mas permite que os executivos e Administradores mantenham claro, em suas memórias, aquilo que não pode faltar, caso queiram ser bem-sucedidos.

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REQUISITOS DO SUCESSO

Conhecimento

Motivação

Objetivos claros e desafiantes

Ação

Resultados

1. Conhecimento: Não importa qual o seu negócio - busque o maior volume de informações sobre o mesmo. Leia revistas especializadas, comentários nos jornais. Assista palestras e conferências. Converse com outras pessoas do ramo. Procure detectar as tendências. Só então tome sua decisão.

2. Motivação: Lembre-se que “sem tesão não há solução”. Se você efetivamente “não estiver a fim”, não há conhecimento que possa movê-lo de onde se encontra. Já pessoas altamente motivadas, ainda que com conhecimentos modestos, são capazes de mover montanhas.

3. Objetivos claros e desafiantes: Trace para você próprio e seus subordinados rumos claros, objetivos definidos: o que você quer, quando você quer, em que quantidade você quer. Preocupe-se em detectar se tais objetivos não são fáceis demais ou, ao contrário, impossíveis de serem atingidos. Em ambos os casos, eles não despertariam a motivação, nem a sua nem a deles.

4. Ação: A conversa “fiada”não resolve nada. Uma vez que você sabe o que deve ser feito, faça. Se você quiser um exemplo pelo lado negativo, lembre-se de políticos e governantes tradicionais: falam demais, mas agem pouco.

O resultado são manchetes de jornais falando de habitações populares e pontes que serão construídas, escolas que serão inauguradas, exportações que serão aumentadas e inflação drasticamente reduzida. Só que tudo fica em nível de manchete.

Se você julga que seus objetivos têm relevância e merecem ser implementados, então faça alguma coisa. Em administração não existe substitutivo para a ação. E nesse caso, quando você decidir, cultive o que chamo de obstinação equilibrada. Tal expressão parece um paradoxo, uma contradição em termos. E efetivamente é. Você deve ser insistente. “Se não dá de um jeito, deverá dar do outro”. Apenas mude a estratégia. Insista. Esta é a regra.

Já o ser equilibrado significa que você deve insistir sem, entretanto, “abusar” de sua insistência e acabar o feitiço virando contra o feiticeiro.

5. Resultados: Concentre-se no produto final. Ele deve ser seu norte orientador. Em administração, o fazer deve necessariamente conduzir aos resultados previamente planejados. Concentre-se neles. Use todo seu talento, energia, motivação e obstinação.

Por fim, tenho para mim que um executivo não criativo não pode aspirar à longevidade. Por isso, a inclusão do que fazer: algumas sugestões de meu colega W. Schultz, da Universidade de Buffalo, pareceu-me pertinente.

Obstinação equilibrada

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CRIATIVIDADE

Whitt Schultz e inventor, consultor de negócios e professor na Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos, conhecida pelos seus cursos de criatividade. Num desses cursos, Whitt ensina algumas coisas para que sejamos mais criativos:

1. Faça anotações. Não saia sem papel e lápis. Anote tudo, não confie na memória.2. Observe tudo cuidadosamente. Observe e absorva. Aproveite o que você observa.

E, principalmente, observe tudo como se fosse a ultima vez que você fosse ver.3. Desenvolva uma forte curiosidade sobre pessoas, coisas, lugares. Ao falar com

outra pessoa, faça com que ela se sinta importante.4. Aprenda a escutar e a ouvir, tanto com os olhos quanto com os ouvidos. Perceba

o que não foi dito.5. Compreenda primeiro; depois julgue.6. Mantenha o sinal verde de sua mente sempre ligado, sempre aberto.7. Procure ter uma atitude positiva e otimista. Isso ajuda você a realizar seus

objetivos.8. Escolha uma hora e um lugar para pensar alguns minutos, todos os dias.9. Crie grandes metas, grandes objetivos.10. Lembre-se de que uma idéia razoável colocada em ação é muito melhor que uma

grande idéia arquivada.

DOCs

O Administrador Excelente.

Lembre-se de suas características:1. Postura centrada na eficácia.2. Sensibilidade ao ambiente externo.3. Capacidade de identificar e solucionar problemas.4. Motivação pelo uso do poder.5. Competência interpessoal.6. Competência técnica.7. Tolerância à mudança e à ambigüidade.8. Capacidade de refletir-em-ação.9. Atitude parentética.1O. Concepção do “caos” como algo administrável.

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Potencial e desempenho efetivo: o Programa de Desempenho Máximo

“Nós estamos gerenciando sistemas e organizações do século XXI com o pensamento e filosofias do século XIX”.

Ian Mitroff

“Planeje ou seja planejado”.Planejador da Comunidade de Mantua

Sem pessoas capacitadas, em postos-chave, nossas organizações correm o sério risco de terem de fechar as portas. A era do amadorismo na gestão das organizações está fincada e paulatinamente sendo substituída pelo profissionalismo.

Nossa sociedade, não só a brasileira mas a mundial, atravessa uma crise complexa, multidimensional, gerando impacto direto sabre todos os aspectos de nossa vida: saúde física e mental, nosso modo de vida, a qualidade do meio ambiente e das relações do homem, da economia, da tecnologia e da política.

Nosso ecossistema global está ameaçado. A poluição de nossas cidades maiores, produzida principalmente pela indústria e pelos automóveis, esta tornando o ar que respiramos intolerável. Megalópoles como São Paulo, Cidade do México e Los Angeles são exemplos de uma atitude quase suicida de milhões e milhões de pessoas e de seus governantes. A água que bebemos e os alimentos que ingerimos não ficam atrás, pois em grande parte estão contaminados por uma variedade de produtos químicos tóxicos. Assim é que, enquanto os habitantes do Terceiro Mundo continuam morrendo de doenças nutricionais e infecciosas, nos países altamente industrializados as doenças predominantes são aquelas chamadas “doenças da civilização” como coração, mal de Parkinson e câncer.

Paralelamente, nosso ambiente social está também passando por um processo de desagregação. As doenças mentais, como depressão grave e esquizofrenia, entre tantas outras, estão se avolumando. Outros indicadores da deteriorização do sistema social estão aí para quem quiser analisar: recrudescência de crimes violentos, acidentes, suicídios, aumento do alcoolismo, consumo de drogas, crianças com deficiência alimentar e biologicamente incapazes de aprenderem.

Somando-se a essas patologias sociais, temos um sistema econômico débil, sujeito a crises cíclicas, com grande parte dos países enfrentando inflação alta, grande dificuldade de manter um processo de crescimento qualificado, e apresentando uma distribuição de renda altamente injusta.

O que estou procurando tornar explícito é que a ecologia maior, nosso environment, adquiriu enorme complexidade e que as mudanças em nível social, político e tecnológico estão se processando em ritmo crescente e conduzindo a resultados desastrosos. Por outro lado, é preciso examinar como estão nossas instituições e nossos dirigentes para fazer face à complexidade e velocidade da mudança.

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No campo organizacional, a marca registrada de nossa época é a consolidação de aparatos burocráticos autocomplacentes, pesados, extremamente onerosos e incapazes de gerarem os produtos e serviços necessitados pela sociedade. Um fato interessante em tudo isso é que tais burocracias, eivadas de ineficiência, não estão ligadas única e exclusivamente ao setor público.

Os acionistas de grandes companhias privadas começaram a reagir contra a existência de executivos que constroem estruturas pesadas e sofisticadas, dispõem de jatinhos particulares, limusines, telefone celular, mas são incapazes de administrar organizações lucrativas e que atendam seus desejos enquanto investidores.

Muitas empresas brasileiras, especialmente governamentais, estão sob fogo cerrado. São demasiadamente onerosas para o contribuinte, os salários de seus dirigentes totalmente fora de propósito e seus resultados demasiadamente modestos quando comparados com outras alternativas possíveis: verdadeiros mamutes sociais. Lembram-me canhões de 155 mm, mas que disparam projeteis de 4,5 mm - aqueles chumbinhos usados em rifles de ar comprimido.

E é exatamente essa inadequação de estruturas organizacionais e a presença de executivos acomodados que merece maior atenção e reflexão de nossa parte, pois nossas instituições e nossos gerentes estão mostrando incapacidade de lidarem com a crise, com os problemas com que se defrontam. Os think tanks norte-americanos, como o Hudson Institute e a Rand Corporation, de Santa Mônica, parecem confusos, incapazes de “lerem” a nova realidade e proporem soluções inovadoras aos problemas que enfrentamos.

Em resumo, aqueles em quem a sociedade poderia buscar apoio para equacionar seus problemas - scholars e governantes - parecem ter pouco a oferecer.

É nesse contexto que surge o Peak Performance Program (PPP) ou Programa de Desempenho Maximo, cujo objetivo é fazer com que pessoas normais sejam capazes de atingir, de forma sistemática e continuada, desempenhos excepcionais, isto é, serem eficientes, eficazes e efetivos, tanto em sua vida pessoal como organizacional.

Existem alguns pressupostos básicos que orientam o Peak Performance Program:• Em primeiro lugar, o faro de que em sua vida normal o homem não utiliza mais

do que 10% (dez por cento) de sua potencialidade latente. Assim, o que o PPP se propõe é trabalhar sabre o potencial intocado - os outros 90% -, de modo que ele possa vir a enriquecer suas ações, aumentando seu grau de eficácia, de impacto real.

• Em segundo lugar, a consciência de que as teorias e os modelos que utilizamos em nosso dia-a-dia estão calcados em uma visão de mundo e de ciência influenciada pelo cartesianismo e pela física newtoniana e que tais modelos e teorias não são suficientes para interpretar a realidade e tampouco modular comportamentos mais funcionais. Inspirado em visões alternativas de mundo - nas quais aquilo que normalmente consideramos fato (estático) passa a ser visto como processo, portanto em fluxo e capaz de sofrer alterações e ajustes -, o PPP força o abandono da monoidéia, do modelo único, da visão simplificada do homem e do universo, criando a possibilidade de que novos modelos e caminhos antes nem cogitados possam emergir.

• O terceiro pressuposto do Peak Performance Program é que o processo da mudança - crítico para a nossa sobrevivência -, embora complexo, é menos difícil do que julgamos. Afinal, se olharmos retrospectivamente para nossas

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vidas, veremos quanto nós já mudamos, não só em atividades como em comportamentos efetivos.

O que o PPP introduz como novidade, dentro de uma visão holística, são o processo de mudar algumas tecnologias novas e a integração de ciências diversas, visando a construir um modelo harmônico, integrado e de alto impacto na geração de novos comportamentos. Das Ciências Sociais, especialmente da Administração, a contribuição da Administração por Objetivos e Resultados, a partir de uma visão sócio-técnica, é significativa, identificando valores predominantes, clarificando a missão institucional/individual, novos rumos desejáveis, objetivos e estratégias a serem utilizados. Da área da Lingüística, a contribuição de Noam Chomsky e de Alfred Korzybski mostra o peso das palavras, dos patterns lingüísticos no processo de comunicação e no comportamento efetivo. O surgimento do que hoje se convencionou chamar de Programação Neurolinguística (PNL) permite uma abordagem quase revolucionária ao processo de mudança. Outra ciência não nova, mas de crescente valor e utilização nos círculos científicos, é a hipnose. Esta, quando acoplada à PNL e sob orientação de profissionais capacitados, eticamente embasados e confiáveis, é capaz de conduzir a resultados surpreendentes.

É interessante notar que a filosofia que embasa o PPP, de lançar mão de nossa capacidade mental, de nosso reservatório quase inesgotável de conhecimentos e potencialidades, provém de pesquisas realizadas nos Estados Unidos, na União Soviética e na Alemanha visando ao aprimoramento do desempenho no esporte. Basta que nos lembremos dos Jogos Olímpicos de 1976, quando os russos ganharam mais medalhas de ouro do que todos os outros países. Naquela ocasião, levantou-se inclusive a suspeita – não confirmada – do uso de esteróides por parte dos atletas, já que seu desempenho foi muito acima dos níveis que, na melhor das hipóteses, poderiam ser esperados.

Alexander Romen, na União Soviética, foi o responsável pela pesquisa básica que conduziu a elaboração de programas de treinamento para o aprimoramento do empenho nos esportes, redundando, posteriormente, no uso de técnicas yogi para ensinar os astronautas a controlarem processos psíquico-fisológicos no espaço. Tal área passou a ser conhecida com self-regulation training ou psychic self-regulation (auto-regulação psíquica).

O PPP insere-se no fluxo do movimento social que recebeu, nos Estados Unidos, como o nome de batismo The New Age (A Nova Era). Este movimento defende a idéia e apóia-se em um novo paradigma, i.e., um novo padrão de comportamento que deriva de uma outra maneira de ver o mundo, maneira esta calcada na teoria e na física quântica, na cibernética, na teoria do caos e nas tradições espirituais, tanto orientais como ocidentais. E o resultado final é uma nova visão, onde tudo esta interconectado, em que a realidade não é absoluta, mas sim um subproduto da consciência humana.

Esta nova visão não mais pertence a um grupo de scholars, mas começa a permear o mundo dos negócios. Jack Welch, ex-Presidente da General Eletric, empresa que vem se reformulando de acordo com os ditames do novo paradigma, recentemente afirmou que “ele desejava que seus empregados fossem recompensados tanto em seus bolsos como em seus espíritos”. Como foi relatado em uma edição da revista Fortune, “se as pessoas são efetivamente o maior recurso de uma organização e a criatividade a chave do sucesso, então os resultados empresariais não podem estar divorciados da realização pessoal dos indivíduos”. Breve estaremos chegando à conclusão de que business e potencial humano devem formar um binômio inseparável. O movimento New Age, evidentemente, não caiu do céu. É o produto de uma retomada da reflexão filosófica e inspirado em movimentos

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mais recentes, como demonstra o quadro da página a seguir. O Novo Paradigma: uma visão histórico-evolutiva.

Em sua primeira fase, o PPP lidará com grupos de executivos de organizações. Em um segundo momento, tal experiência será levada para outras áreas.

A idéia básica que permeia o programa é a de que qualquer indivíduo – não importa qual sua profissão, se estudante, médico, advogado, esportista, só para exemplificar – ou instituição, pode se beneficiar.

Afinal, os problemas de nossa sociedade só poderão ser resolvidos por pessoas que, tanto individualmente como em grupo, sejam mais eficientes, eficazes e efetivas. Ousaria dizer, por pessoas que, alem dessas qualificações, estejam bem consigo mesmas. Felizes, em ultima análise.

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O PEAK PERFOMANCE PROGRAM EM AÇÃOOS SEIS ITENS FUNDAMENTAIS

É ilusório pensar que algo complexo - produto da integração de diferentes áreas do conhecimento humano – possa ser destilado e decodificado em meia-dúzia de tópicos. Isso seria magia, e magia, em minha opinião, talvez possa ser realizada, mas não explicitada, pelo menos de forma tão sintética. Ainda assim, aí vão os seis itens fundamentais do PPP:

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Tais itens não estão ordenados, mas devem fazer parte de qualquer programa que tenha como propósito último aumentar o desempenho dos indivíduos.

Quero ressaltar que eles são concordantes com minhas próprias observações, produto de cantatas com centenas de executivos, em cursos de treinamento, tanto em organizações privadas quanto públicas.

Minha questão orientadora, uma vez identificados aqueles executivos bem-sucedidos, era simplesmente: “O que eles efetivamente faziam para que tudo aquilo em que tocassem desse certo?”

O pesquisador Charles Garfield, que se dedica, desde o início da década de 70, a “aumentar sua compreensão da produtividade humana em níveis máximos”, entrevistou mais de 300 executivos classificados como top performers, nas várias áreas do conhecimento: ciências, esportes, artes, business, entre outras.

Nossas conclusões são praticamente as mesmas e estão incorporadas nos seis itens fundamentais.

1. Missões que motivam.

Este é o ponto de partida. É preciso que exista algo que literalmente “acenda” as pessoas, uma tarefa significativa, algo que implique desafio, que exija um esforço adicional; que as pessoas possam se orgulhar quando os resultados forem atingidos; que sintam que deixarão sua marca, sua contribuição pessoal.

A equipe do projeto Apolo, por exemplo, tinha como norte orientador, como missão, “colocar o homem na Lua”. Isso conduzia suas ações, isso os estimulava a avançar a trabalharem 12, 15 horas, muito acima do que lhes era exigido. Quando a missão é ambiciosa, grande, as pessoas se superam para concretizá-la. Talvez fique muito claro raciocinando pelo oposto. Quando o sentido de missão não é claro, ou então inexistente, a conseqüência é uma postura “morna”, média, burocrática, e fazer o mínimo necessário para não ser expelido da organização ou o suficiente para sobreviver.

Um exemplo tupiniquim foi a implantação do Programa de Desburocratização no Brasil, sob a orientação do então Ministro Hélio Beltrão. Havia entusiasmo dos que nele trabalhavam e crédito de parte da população. Razão: um ministro que explicitou claramente sua missão: “libertar o país dos grilhões da burocracia”. Simples, não é? E esta deve ser uma característica de se estabelecer uma missão: simplicidade. Todos, sem exceção, da organização, devem entendê-la e incorporá-la, como sua, de imediato.

2. Resultados em tempo real

A missão é o norte orientador e que captura a atenção e agrega as pessoas. É a idéia capaz de mobilizar, segundo Ortega y Gasset. Entretanto, para que ela não se torne estéril e caia no esquecimento, é fundamental o estabelecimento de objetivos e metas - marcos quantitativos e temporais – que garantam e demonstrem, a cada momento, que estamos caminhando em direção a concretude da missão. O Projeto Apolo, cuja missão era a “colocação do homem na Lua”, foi iniciado em 1961, com o desafio proposto pelo Presidente J. F. Kennedy. Foi concluído, em julho de 1969, quando Armstrong pisou no solo lunar. Entretanto, entre 1961 e 1969, inúmeros programas e projetos, com prazos determinados, - foram rigorosamente traçados e cumpridos para viabilizar a grande missão.

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Objetivos e metas podem ser interpretados como “a missão decodificada no dia-a-dia”.

3. Autogerência

Implica que cada indivíduo, nos vários níveis organizacionais, assuma dupla capacidade: entenda de sua área, de sua especialização, mantendo simultaneamente a visão do todo organizacional. E mais do que isso: uma vez relacionadas a macrovisão organizacional com a microvisão operacional, seja capaz de decidir e agir.

A autogerência transforma organizações povoadas de empregados que esperam ordens para agir em indivíduos que se autopropulsionam dentro dos limites de comum acordo estabelecidos com suas chefias. Os indivíduos de desempenho máximo tendem, também, a ser bons analistas de ambiente.

4. Team Building/team playing

Na medida em que cultiva uma visão sistêmica e integradora, um top performer sabe que seu sucesso depende não só dele, isoladamente considerado, mas do relacionamento com outros indivíduos fora de sua área de atuação e, com freqüência, fora de seu sistema organizacional. .

Lidar com pessoas, motivadas, orientá-las e apoiá-las para o desempenho de uma tarefa comum a todos, faz parte de sua cosmovisão e eles o fazem com gosto e competência.

5. Capacidade para corrigir o curso

“Palavra de rei volta atrás”, e volta sim. Os performers cultivam a flexibilidade em seus comportamentos: “se não dá de um jeito, deverá dar de outro”. Eles não acreditam em fracasso ou resultados negativos, mas apenas em resultados. E quando os resultados não lhes agradam, mudam a estratégia ate chegarem onde pretendem chegar. Possivelmente esta é a característica que os diferencia dos fracassados, que geralmente insistem em uma única estratégia e, quando esta não funciona, desistem.

6. Capacidade para administrar a mudança

Os peak performers não reagem à mudança. Ao contrário, eles seguem o fluxo dos acontecimentos, procuram entendê-lo em sua complexidade, detectar seu sentido, para só então agir.

Os peak performers não são pessoas profundamente diferentes do comum dos mortais. O que eles tem de diferente é uma crença em si próprios, uma predisposição para utilizarem um pouco mais de seu potencial disponível, que eles sabem estar subutilizado. Clarificam o que realmente querem fazer e cultivam cuidadosamente suas habilidades, num processo de contínuo aprimoramento.

Atributos dos “peak performers”: um resumo

1. Missões que motivam

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2. Resultados em tempo real3. Autogerência4. Team building / team playing5. Capacidade para corrigir o curso6. Capacidade para administrar a mudança* Antecipar* Adaptar* Agir

DOCs

Lembre-se:1. Na melhor das hipóteses, em seu dia-a-dia, você utiliza não mais de 10% de seu

potencial. Você já pensou que é possível, com modestos ajustes comportamentais, tornar-se um superindivíduo, capaz de realizar feitos surpreendentes, de tornar sua vida muito mais interessante de ser vivida?

2. Nossa forma de ver o mundo depende fundamentalmente de como fomos educados, dos valores que temos enraizados; enfim, do paradigma predominante em nossa época, que, em ultima análise, estabelece as regras orientadoras de como o mundo que nos cerca deve ser interpretado. Se você se der conta de que muitas dessas regras estão inadequadas, que elas o forçam a ver o mundo de uma forma que o torna menos feliz, então admita que é hora de revisá-las. Dê asas a sua imaginação. Preencha seu potencial. Torne-se aquilo que você quer e pode ser.

3. Os norte-americanos caracterizam-se por um pragmatismo exacerbado. É costume você ouvir, em varias situações sociais, a seguinte expressão: “you have to do your homework”, o que literalmente significa: “você tem de cumprir com suas tarefas de casa”, querendo dizer que se você deseja chegar a algum lugar, há certos pré-requisitos a serem cumpridos. Se você deseja ser um top performer - e você pode sê-lo, então estude, cultive e pratique os seis itens fundamentais do PPR. Lembre-se: nada há a perder. Só a ganhar.

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O ser total: um processo de autoconstrução

“A natureza humana não é nem boa, nem má, mas aberta à contínua transformação e transcendência. Ela tem apenas de descobrir-se”.

Marilyn Ferguson, in A Conspiração Aquariana

Tenho a sensação de que já disse quase tudo o que pretendia repartir com meus leitores. Entretanto, este quase tudo ainda me preocupa... Parece restar sempre algo mais a ser dito, aquela palavra ou reflexão - aparentemente relevante - e que fazia grande diferença se pudesse introduzi-la antes de encerrar o livro.

Evidentemente, isso pode ser mera pretensão do autor, mas como ele, em última análise, é o responsável final pelo produto livro, só resta ao leitor ser um pouco tolerante...O que pretendo é democratizar algumas de minhas “verdades”, alguns pressupostos que orientam minha forma de ver o mundo e de agir e que, espero, possam ser úteis como elementos estimuladores da reflexão de meus leitores. Concordar - ou discordar – não é relevante. Refletir, isso sim é que importa. E as reflexões que proponho estão centradas, todas elas, no indivíduo – não importa o papel organizacional que ele esteja desempenhando num momento específico, seja o de Diretor, Superintendente, Supervisor, Coordenador de Grupo não faz diferença. Eu creio que um dos problemas mais sérios que enfrentamos em nosso mundo organizacional é exatamente a separação entre as duas faces a que chamamos homem organizacional – aquele que opera dentro de uma organização produtiva e desempenha papéis diferenciados -, e a outra, a daquele que vive a sua vida fora da organização, que cria seus filhos, que se preocupa com seu companheiro(a), que torce para o Flamengo, Fluminense ou para o Chicago Bulls. Eu não nego o grau de utilidade que essa dicotomização proporciona, pois, em certa medida, favorece o processo de gerenciamento da realidade. Entretanto, ao fazermos tal divisão, acabamos por concluir, até mesmo inconscientemente, que ela é real, que o mundo é mesmo segmentado, dividido, que o homem que entra na organização às 8 horas da manhã, ao cruzar o portão da organização, deixou lá fora todas as suas preocupações, ansiedades e aspirações e tornou-se o homem organizacional.

Creio que, se em nossas mentes, começarmos a cultivar uma visão sistêmica e globalista, teremos melhores condições de entender o homem como ser total e, por assim o concebermos, aumentaremos as possibilidades de construirmos organizações mais saudáveis e responsivas a ecologia turbulenta de que falamos, simplesmente porque iremos atentar a outros fatores que, habitualmente, não fazem parte de nosso quadro de referência. Assim, permitam-me falar sobre a vida e o indivíduo do meu jeito.

A vida pode ser comparada a uma viagem, em que o ponto de destino talvez seja o menos importante. Relevante é o processo da viagem, o que acontece entre o ponto de partida - nosso nascimento - e o ponto de chegada.

Podemos tornar esse processo algo rico, interessante de ser vivido, onde predomine uma atmosfera de amor, cooperação, colaboração com o próximo, preocupação efetiva com

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a geração atual mas também com as gerações futuras. Ou simplesmente encarar a vida como um verdadeiro vale de lágrimas, onde só visualizamos problemas, dificuldades intransponíveis, doenças e desgraças, o que acaba por criar ao nosso redor um clima pesado, lúgubre, uma atmosfera doentia não só para nós próprios mas para todos aqueles que, de uma forma ou de outra, compartilham suas vidas conosco: esposa(o), filhos, amigos, alunos.

* É importante que nos apercebamos que encarar a vida de uma forma positiva ou não é uma opção nossa. Mudar de paradigma, ou seja, alterar o complexo de suposições e valores que criam a realidade para nós depende fundamentalmente de nós próprios. Isso é possível de ser feito, embora às vezes, eu reconheço, não tão fácil.

Entretanto, não há nada que nos obrigue a permanecer prisioneiros de um paradigma que nos torna cegos a formas alternativas de ver as coisas e, muitas vezes, desnecessariamente infelizes. É possível trazer; a tona a maioria das suposições não examinadas que orientam nossas vidas e que também limitam nosso entendimento da realidade. A idéia é que se não nos sentimos confortáveis com nosso jeito de ser ou com aquilo que fazemos, a pergunta crítica a ser feita é por que insistir com aquilo que nos torna menos felizes? Par que não mudar se existem formas para tal?

Nessa viagem chamada vida – que pode ser mais ou menos longa, mas com quase toda certeza menos longa do que gostaríamos - nós podemos adotar pelo menos três opções básicas.

• Expectadores: aqueles que vêem a vida passar não se envolvem com muita intensidade com receio de se machucarem, de serem rejeitados ou derrotados. Preferem viver uma vida de “segunda mão”, observando-a na TV: Sabem sempre o que os outros fazem; conhecem a vida dos artistas de cinema ou televisão. Sabem as últimas fofocas sabre a vida de Madonna e qual o último filme dirigido por Tarantino. O que menos conhecem é sobre sua própria vida.

• Vítimas: eles colocam a culpa de seu insucesso no contexto, na situação ou nos outros. Não me refiro aqui aos pobres e destituídos economicamente, aos have-nots, mas sim aos pobres de espírito que jamais conseguem pensar com seriedade a respeito de si próprios, e consomem suas vidas tentando ser iguais a uma outra pessoa, ter ou ganhar tanto quanta outros tem ou ganham. Inveja profunda e crítica doentia são suas características. Criam uma situação em que jamais podem ser ganhadores. Consomem suas vidas nesse processo.

• Vencedores: aqueles que adotam uma postura que lhes permite extrair da vida tudo aquilo que de bom ela pode lhes oferecer. Os vencedores não são necessariamente os mais ricos, os economicamente melhor aquinhoados, mas sim aqueles que se reconhecem como seres criados a imagem e semelhança do Senhor, portadores de um potencial intocado, um manancial inesgotável e que se dispõem a transformar tal potencial em realidade efetiva, canalizando-o para a realização de seus objetivos de vida.

Meu trabalho como consultor, voltado ao desenvolvimento de indivíduos e de grupos, tem-me mostrado que as duas primeiras categorias apontadas respondem pela maioria dos indivíduos. Mas esse mesmo trabalho, como consultor em comportamento, tem também me mostrado que é possível migrar das duas primeiras categorias para a de vencedor. E a reflexão é necessariamente o ponto de partida. Se não gosto de mim da forma como sou; se não me agrada o tipo de trabalho que realizo, se a vida é uma só, por que,

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então, não buscar outra forma de ser, outra tarefa que me agrade, tomando minha vida algo que mereça ser vivido? Tornar-me um vencedor, em última análise.

Kurt Lewin, ao tentar explicar o comportamento humano, representava-o através da seguinte formula: c=f (P,M), em que o comportamento (c) e função (f) ou resultado da interação entre a pessoa (P) e o meio (M). Não se trata aqui de uma distinção entre hereditariedade e meio, porque pessoa nesta equação é apenas em parte, geneticamente determinada.

De acordo com a teoria contemporânea, a pessoa, depois da primeira semana de vida, é parcialmente um produto da aprendizagem. A equação, no entanto, faz-nos logo lembrar que, se quisermos entender, explicar ou predizer comportamento humano a qualquer instante, precisamos tornar em consideração o homem por inteiro (tanto geneticamente formado como educado) e o seu meio.

O ser total que concebemos transcende sua programação genética e o próprio ambiente onde atua. É capaz de, calcado em seu potencial latente e através de um processo de aprendizagem permanente, ir além das limitações - consciente ou inconscientemente - auto-impostas.

O ser total é um processo interminável de autoconstrução, através da aprendizagem continuada.

É preciso que retomemos algo que esquecemos em nossa infância. No capacitar, nos tornar hábeis para a vida e a luta, embora tenhamos transformado aquilo em uma grande quantidade de conhecimento, também adquirimos hábitos e limitações para o processo de aprendizagem. Em parte significativa dos adultos, a aprendizagem espontânea foi substituída pelo hábito e pela rotina, por ideologia e valores culturais arraigados, visão estreita, percepção seletiva e acatamento do julgamento dos outros.

Acabamos por nos tornar seres parciais, menores do que podemos ser, sem que tomemos consciência de tal fato.

O novo mundo que criamos está a exigir um novo homem, não mais o homem-mosaico, esfacelado, dividido e perdido entre as múltiplas atividades do mundo organizacional: o ser total, consciente de suas potencialidades e ávido por utilizá-las. Ético em suas ações, preocupado com seu mundo, mas também com o mundo que legara para os filhos de seus filhos. Cônscio e desejoso de assumir a responsabilidade indelegável que a ele compete em todo esse processo.

Galbraith produziu magnífica obra cujo título é Uma Era de Incertezas, procurando descrever o mundo em que vivemos. Se concordarmos com sua abordagem somos levados a aceitar a idéia de que a única certeza de que dispomos é a de que o dia de amanhã será diferente do dia de hoje e, por conseqüência, o homem do terceiro milênio e seu hábitat - as organizações – deverão necessariamente ser também diferentes dos predominantes neste final de milênio.

O aparente dilema diante do qual estamos colocados pode ser assim formulado: “Será possível garantir, simultaneamente, organizações que sejam eficientes, eficazes e efetivas e indivíduos reflexivos, felizes/atualizados?”.

Esse é o grande desafio a ser por nós enfrentado nessa transição de milênio. De nossa capacidade de interpretá-lo corretamente e equacioná-lo a contento dependerá nossa própria sobrevivência e a de nosso mundo organizacional.

Minha visão pessoal é que a busca do ser total do homem efetivamente desenvolvido – “aquele em que estão introjetadas as noções de experimentação, de melhor preocupação com o precedente, com o convencional, com as regras e com as normas

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escritas, aquele que se lança para frente, se projeta como ser humano, que tem consciência de que as perguntas são sempre mais importantes que as respostas; aquele que se propõe a reinventar sua própria humanidade” – e simultaneamente o ponto de partida e a resposta aos desafios que nos são colocados.

E o melhor de tudo: detemos o potencial para tal. Basta que venhamos a concretizá-lo.

DOCs

Não mais Docs. Creio já ser a hora de você escrever suas próprias Dicas Operacionais. Só para testar:

1. Escreva, na planilha anexa, aquelas três sugestões de ação (objetivos) que você daria a você próprio, algo que você julgue relevante para melhorar sua vida em geral ou seu trabalho em específico, ou ambos.

2. Depois de tê-las escrito, fixe um prazo definido de quando você gostaria de vê-las executadas.

3. Descreva algumas maneiras de como você pretende agir para obter os resultados desejados. Em outras palavras, suas estratégias.

Agora, só resta implementá-las. Vá em frente e faça o que tem de ser feito.Boa sorte!

Prazo (dia/mês/ano) Estratégias

Objetivo 1

Objetivo 2

Objetivo 3