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50 CAPÍTULO IV QUALIDADE ANALÍTICA E RASTREABILIDADE DOS RESULTADOS DE TECIDO VEGETAL Godofredo Cesar Vitti 1 , Fernanda Latanze Mendes 1 , Cintia Masuco Lopes 1 1 Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Avenida Pádua Dias, nº 11, CEP 13418-900 Piracicaba, SP, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO Considerando a importância de diagnóstico adequado do estado nutricional das plantas para correta orientação quanto às práticas de manejo que visam atingir altas produtividades, a análise de tecido vegetal tem extrema importância para o sucesso do agronegócio. Nesse contexto, vêm crescendo a realização de análises de tecidos vegetais e, assim, verifica-se a importância da existência controle de qualidade em âmbito nacional e internacional sobre os laboratórios que as realizam. O Programa Interlaboratorial de Análise de Tecido Vegetal (PIATV) tem por objetivo a preservação das práticas de análise de tecido vegetal e incentivo às mesmas; o controle da qualidade do trabalho dos laboratórios, através da análise estatística de resultados e comparação entre médias; o constante aprimoramento de metodologias de análises; a contribuição para o aperfeiçoamento dos analistas; por fim, possibilitar aos laboratórios participantes diferencial no mercado, garantindo aos usuários desses serviços a confiabilidade e confiança nos resultados obtidos perante seus clientes. Em seu 25º ano (biênio 2010/2011), o PIATV contou com a participação efetiva de 118 laboratórios, inclusive a nível internacional. Desses 118 laboratórios, 69% obtiveram conceito A (faixa de acerto entre 100 e 85%) ou B (faixa de acerto entre 85 e 70%), tendo, portanto, direito ao uso do selo de qualidade do Programa durante o ano de 2012. PALAVRAS CHAVE: diagnóstico, nutrição de plantas, análise laboratorial INTRODUÇÃO As plantas absorvem os elementos minerais essenciais ao seu desenvolvimento. Quando as plantas apresentam redução no crescimento, produtividade e qualidade faz-se necessário avaliar o estado nutricional destas, a fim de identificar os nutrientes limitantes e possível desbalanceamento entre eles. Neste caso, o uso da análise química do solo e da planta torna-se ferramenta fundamental.

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CAPÍTULO IV

QUALIDADE ANALÍTICA E RASTREABILIDADE DOS RESULTADOS DE TECIDO VEGETAL

Godofredo Cesar Vitti 1, Fernanda Latanze Mendes1, Cintia Masuco Lopes1

1Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Avenida Pádua Dias, nº 11, CEP 13418-900 Piracicaba, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

RESUMO Considerando a importância de diagnóstico adequado do estado nutricional das plantas para correta orientação quanto às práticas de manejo que visam atingir altas produtividades, a análise de tecido vegetal tem extrema importância para o sucesso do agronegócio. Nesse contexto, vêm crescendo a realização de análises de tecidos vegetais e, assim, verifica-se a importância da existência controle de qualidade em âmbito nacional e internacional sobre os laboratórios que as realizam. O Programa Interlaboratorial de Análise de Tecido Vegetal (PIATV) tem por objetivo a preservação das práticas de análise de tecido vegetal e incentivo às mesmas; o controle da qualidade do trabalho dos laboratórios, através da análise estatística de resultados e comparação entre médias; o constante aprimoramento de metodologias de análises; a contribuição para o aperfeiçoamento dos analistas; por fim, possibilitar aos laboratórios participantes diferencial no mercado, garantindo aos usuários desses serviços a confiabilidade e confiança nos resultados obtidos perante seus clientes. Em seu 25º ano (biênio 2010/2011), o PIATV contou com a participação efetiva de 118 laboratórios, inclusive a nível internacional. Desses 118 laboratórios, 69% obtiveram conceito A (faixa de acerto entre 100 e 85%) ou B (faixa de acerto entre 85 e 70%), tendo, portanto, direito ao uso do selo de qualidade do Programa durante o ano de 2012.

PALAVRAS ChAVE: diagnóstico, nutrição de plantas, análise laboratorial

INTRODUçãO As plantas absorvem os elementos minerais essenciais ao seu desenvolvimento. Quando as plantas apresentam redução no crescimento, produtividade e qualidade faz-se necessário avaliar o estado nutricional destas, a fim de identificar os nutrientes limitantes e possível desbalanceamento entre eles. Neste caso, o uso da análise química do solo e da planta torna-se ferramenta fundamental.

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O solo, por ser um meio complexo e heterogêneo, além de ocorrer diversas reações químicas, físico-químicas e microbiológicas, interfere na disponibilidade e aproveitamento dos nutrientes aplicados via fertilizantes, o que nem sempre é detectado nessas análises. A folha, por sua vez, responde mais às variações no suprimento do nutriente, seja pelo solo ou pelo fertilizante, por utilizar um extrator biológico, ou seja, a própria planta. Assim, a análise vegetal mostra o estado nutricional em um determinado momento da planta (diagnose foliar), bem como possibilita as quantidades de nutrientes extraídos e ou exportados pela planta (Malavolta et al., 1997). Entretanto, as análises do solo aliada à foliar permitem diagnóstico mais eficiente do estado nutricional da planta e das necessidades de alterações ou ajustes no programa de adubação. A análise de tecidos torna-se mais importante ainda em nutrientes que apresentam fenômenos simultâneos de mobilização e mineralização como o nitrogênio, lembrando que as raízes das plantas absorvem preferencialmente minerais.

As interpretações dos resultados analíticos dos métodos clássicos de extração e quantificação são feitas comparando com parâmetros previamente obtidos em experimentação de laboratório, casa de vegetação e campo. Desta forma, quando dois ou mais nutrientes estão abaixo ou acima do nível adequado, não se consegue isolar qual o elemento mais limitante ou tóxico. Para sanar essa interpretação individual, os resultados podem ser interpretados através do sistema intergrado de diagnose e recomendação (DRIS), o qual não indica se o nutriente está em concentração tóxica ou de deficiência, mas o grau, ordem de limitação e desequilíbrios nutricionais. Por este motivo, faz-se necessário a análise de foliar em conjunto a do solo e as práticas de manejo adotadas pelo produtor.

A adequada análise foliar depende de diversas etapas (Figura 1) que requerem cuidados seja do agricultor ou do laboratório contratado, como:

(a) correta amostragem do tecido vegetal, considerando o tipo de folha, época definida e número de folhas por área (talhão, hectare) homogêneas para cada cultura e genótipo, quando do caso da diagnose foliar;

(b) identificação da amostra e informações da área amostrada; (c) armazenamento correto das amostras; (d) envio do material para o laboratório, considerando o tempo

decorrido entre a coleta e o preparo de amostra para análise; (e) análise propriamente dita do tecido vegetal; (f) interpretação dos resultados; (g) avaliação dos resultados e uso correto dessas informações.

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Figura 1. Etapas para correta utilização da análise de tecido vegetal.

A avaliação do estado nutricional das plantas através da análise foliar é de fundamental importância não só por permitir diagnóstico adequado do estado nutricional das plantas, mas, principalmente, a interpretação destes resultados. Estes são usados para recomendação e aplicação de adequada de nutrientes, visto que, são os fertilizantes envolvem grandes investimentos do agricultor e devem ser usado corretamente. Além disso, os resultados discrepantes entre laboratórios contribuem para colocar em descrédito, junto aos leigos, a prática de análise do material vegetal, o que, além de representar retrocesso tecnológico, pode trazer grandes prejuízos para a agricultura e para a pesquisa.

Para proporcionar maior qualidade aos resultados das analises foliares, criou-se o Programa de Análise de Tecido Vegetal (PIATV). Esse programa visa:

(a) preservar e estimular a prática da análise de plantas, visando avaliação da fertilidade do solo para diagnóstico da nutrição das plantas e recomendação de corretivos e fertilizantes;

(b) controlar a qualidade do trabalho dos laboratórios garantindo-lhes diferencial no mercado;

(c) garantir aos usuários a confiança nos resultados;(d) permitir aprimoramento constante da metodologia e de analistas,

corrigindo possíveis erros dos laboratórios; (e) melhorar a cada ano, proporcionando aos laboratórios participantes

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maior qualidade e rapidez nos serviços prestados.

PREPARO DE MATERIAL (AMOSTRA) PARA ANáLISE Após a entrada da amostra de tecido vegetal ao laboratório, o material coletado passa por vários processos de preparo que irá modificar as propriedades químicas e físicas do tecido vegetal. Esses processos são: lavagem, secagem, moagem e armazenamento da amostra. LAVAGEM A lavagem das folhas remove a poeira, resíduo de fertilizantes foliares e de defensivos que interferem nos resultados analíticos. As folhas frescas devem ser lavadas agitando-as por alguns segundos em água destilada contendo solução diluída de detergente neutro (0,1%); em seguida, enxaguadas diversas vezes com água destilada para remover todo o detergente, e colocadas sobre papel absorvente. Esse procedimento de lavagem deve ser feito rapidamente, com o mínimo de exposição da solução de lavagem, para evitar perdas de elementos solúveis como B, Cl e K dos tecidos vegetais.

SECAGEM Após a lavagem, as amostras são imediatamente colocadas em sacos de papel perfurados e submetidas à secagem em estufa com circulação forçada de ar, com temperatura variando de 65ºC a 70ºC, por cerca de 72 horas. A secagem é necessária para a retirada da água dos tecidos, paralisando, assim, a respiração e as atividades enzimáticas e microbiológicas responsáveis pelo processo de decomposição do material.

MOAGEM Para moagem das amostras utilizar de preferência moinho de facas de aço inoxidável, para evitar a contaminação da amostra principalmente por Fe, Zn e Cu, passando à amostra em peneiras de 1 mm de malha (20 mesh), no caso do uso de moinhos do tipo Wiley. A limpeza do moinho deve ser realizada entre as amostras para evitar contaminação.

ARMAzENAMENTOO armazenamento das amostras moídas dever ser acondicionadas

em frascos de vidro com tampa plástica. Dessa maneira, a amostra pode ser armazenada por longo período de tempo se mantida a baixa temperatura (4º C), protegida da luz e umidade.

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ANáLISE PROPRIAMENTE DITAA análise química dos tecidos vegetais da amostra seca refere-

se às operações efetuadas no laboratório e compreende a mineralização ou destruição da matéria orgânica e quantificação dos elementos químicos que a compõem por diferentes métodos.

A qualidade da análise foliar envolve fatores que influenciam o sucesso desta etapa. Esses fatores são:

(a) experiência e preparo do analista é fundamental para bom preparo laboratorial, com adequada técnica de pipetagem, calibração dos equipamentos, homogeneização e pesagem das subamostras;

(b) reagentes utilizados (validade, qualidade, procedência); (c) padrões de referências; (d) metodologia adequada para análise do teor total e análise da forma

iônica; (e) equipamentos utilizados (qualidade, calibração, manutenção); (f) organização do laboratório (contaminação); (g) transformação dos dados; (h) digitação e conferência dos dados.

A determinação dos teores de nutrientes no tecido vegetal envolve as etapas de digestão da amostra ou extração do nutriente, podendo ser aberta ou fechada, e a quantificação deste. Na extração do nutriente dos componentes orgânico, quando da avaliação do teor total, a amostra sofre digestão, usualmente ou ácido nítrico e ácido perclórico, com o que se destrói a matéria orgânica, mineralizando os elementos, com ácido sulfúrico (N), ou incineração, como no caso do boro. Outras formas de extração dos nutrientes podem ser solúvel em água, ou em ácidos fracos, forma iônica (NO3

-, NH4+, H2PO4

-2, SO4-2, K+,

Cl-). O teor total é o mais determinado na diagnose foliar. O teor solúvel quase sempre é determinado para análise do pecíolo ou da bainha e para culturas de ciclo curto, como as hortaliças. Os métodos de decomposição para análise vegetal variam de acordo com o elemento a ser determinado (Tabela 1).

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Tabela 1: Métodos de decomposição para análise de tecido vegetal

Fonte: Malavolta et al., 1997

Os métodos de decomposição de tecido vegetal para análises líquidas podem ser via digestão aberta ou fechada. Na extração aberta, as amostras podem ser quantificadas pelos métodos titulometria, colorimetria, turbidimetria, fotometria de chama e espectrofotometria de absorção atômica com chama. Para a digestão de tecido vegetal assistida por microondas (fechada), utiliza ácido bastante forte, porém algumas plantas contendo silicatos e outros compostos refratários podem não ser completamente digeridas. Este método é adequado para determinação em absorção atômica com chama (FAAS) e com atomização eletrotérmica com forno de grafite (GFAAS), emissão atômica com plasma indutivamente acoplado – espectrometria de emissão ótica (ICP-OES) e espectrometria de massas (ICP-MS) (Tabela 2). Entretanto, não há um método de decomposição do tecido vegetal assistida por microondas oficial, como há para análise de solo (USEPA 3051), pois cada modelo de microondas atinge potência diferente. Os métodos para extração de tecido vegetal assistido por microondas variam com a concentração do ácido, potência do microondas e tempo de digestão, um exemplo de método de extração dentre vários é 0,25 g amostra de tecido vegetal, alíquota de 2,0 mL de peróxido de hidrogênio, 2,0 ml de ácido nítrico e 5,0 ml de água ultra pura.

Os laboratórios que realizam as análises para fim de controle de qualidade, digerem suas amostras via aberta, que empregam menores temperaturas, o que diminui os riscos de perdas por volatilização; e determinam os elementos pelos métodos de titulometria, colorimetria, turbidimetria, absorção atômica com chama e emissão atômica com fotometria de chama dependendo do elemento a ser quantificado.

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Tabela 2. Métodos de análise para análises líquidas.

Fonte: Skoog et al., 2006

Esses métodos de determinação diferem entre si quanto à sensibilidade de detecção do elemento (Tabela 3). A espectrometria de absorção atômica com chama (FAAS) é a técnica mais utilizada para análises elementares em níveis de mg L-1, enquanto a espectrometria de absorção atômica com atomização eletrotérmica em forno de grafite (ETAAS) é utilizada para determinações de baixas concentrações (µg L-1) (Krug et al., 2004), uma vez que determinam os mesmos elementos químicos.

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Tabela 3. Limites de Detecção (ng mL-1) para alguns elementos em espectrometria atômica¹

¹ Valores obtidos de Skoog et al., 2006; ² Com base em uma amostra de 10 µL.

RASTREABILIDADE DOS RESULTADOS

RASTREABILIDADE INTERNAO controle das análises de tecido vegetal engloba em diminuir ao

máximo os erros sistemáticos no preparo de amostras nos laboratórios. As principais fontes de erros sistemáticos podem ser agrupadas nas

diferentes etapas da sequencia analítica (Krug & Santos Jr, 2008, adaptado de Tschöpe & Tölg, 1982):

(a) amostragem inapropriada, manuseio da amostra, armazenamento e homogeneidade inadequada;

(b) contaminação da amostra e/ou solução da amostra por instrumentos, aparelhos frascos, reagentes e poeira durante o procedimento analítico;

(c) efeitos de adsorção e dessorção nas paredes internas dos frascos e fases sólidas de diferentes materiais (filtros, colunas, precipitados);

(d) perdas de elementos (Hg, As, Se, Cd, Zn) e compostos (óxidos, haletos, hidretos de elementos) por volatilização;

(e) reações químicas incompletas ou indesejáveis, como mudança do estado de oxidação, precipitação, troca iônica, formação de complexos;

(f) influências da matriz na geração dos sinais analíticos, como atomização incompleta, interferências espectrais de fundo (“background”);

(g) calibração e avaliação incorretas, como resultados do uso de padrões inapropriados, soluções-padrão instáveis, funções matemáticas falsas, por exemplo.

O “branco analítico”, solução resultante de todas as etapas do procedimento analítico na ausência da amostra, possibilita erros mais significativos para as determinações de baixas concentrações. Por exemplo, o resultado final da determinação de elementos-traço deverá levar em

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consideração o valor do “branco”. De forma geral, o “branco” é mais afetado na etapa de preparo da amostra, devido aos riscos de perdas do analito e/ou contaminação. Na prática, o “branco analítico” pode ser eficientemente diluído, controlando-se as principais fontes: qualidade do ar do laboratório; pureza dos reagentes (inclui-se a água); e, qualidade dos materiais, equipamentos e/ou assessórios. O valor do “branco” é indispensável para obtenção de resultados com confiabilidade metrológica, incluindo o limite de detecção, e deve ser feito sempre que as amostras forem analisadas.

Os erros sistemáticos podem ser devidos: à contaminação pelo ar, por impurezas em reagentes e por impurezas em matérias; às perdas de elementos por volatilização e por adsorção; e, à decomposição ou dissolução incompleta das amostras.

A contaminação pelo ar é a principal responsável por altos valores de “branco” quando a qualidade do ar do laboratório não está adequada. A atmosfera do laboratório pode apresentara partículas provenientes das paredes, da pintura, do piso, do mobiliário, dos equipamentos, das vestimentas e do próprio analista, que ao entrar em contato com a amostra, pode ocorrer contaminação severa.

Os reagentes ou a água podem contribuir para a ocorrência de altos valores de “brancos”. Desta forma, quanto mais pura for a água e de qualidade for os ácidos e reagentes menores os riscos de contaminação.

Os recipientes também podem apresentar certa contaminação, pois nenhum material é absolutamente resistente a uma solução. Cada elemento presente no material será encontrado na solução em maior ou menor quantidade, e está quantidade dependerá do material, do tempo de contato e da temperatura. O vidro borossilicato contem diversos elementos, principalmente B, Na, Al, Si (Krug & Santos Jr, 2008) que podem interferir na análise.

A moagem proporciona contaminação das amostras. Desta forma, deve se atentar a homogenização da amostra, ao tipo de moinho, a intensidade da moagem, o tempo de duração da moagem, do desgaste das peças, da natureza do pó e dos materiais de moagem, da atmosfera ambiente, entre outros fatores.

A limpeza dos materiais (frascos, ponteiras, funis, vidraria e outros) é pré-requisito indispensável para evitar erros ocasionados pela dessorção de contaminantes e/ou adsorção dos analítos. Para isso, há vários métodos na literatura.

Os erros podem estar associados à decomposição ou dissolução incompleta das amostras. Quando se decompõe uma amostra, é possível a obtenção de soluções verdadeiras, que podem ser ou não compatíveis com os métodos de determinação escolhidos. Em alguns casos, o analito pode estar na forma de um complexo solúvel que não interage com um reagente colorimétrico, ou que interfere na sua determinação. Se o teor de carbono residual for alto,

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interferências nos métodos de determinação poderão prejudicar a exatidão dos resultados analíticos. As interferências podem ser previstas, e devidamente evitadas, dependendo da amostra orgânica e do método de decomposição escolhida (Krug & Santos, 2008). Por exemplo, substâncias que contém proteínas e gorduras, produzem resíduos orgânicos (Krug & Santos, 2008 aptado Würfels et al., 1987, 1988), os quais não são atacados pelo ácido nítrico se a temperatura for de 180º C.

Desta forma, há vários fatores que podem interferir nos resultados analíticos provocando erros. Outro exemplo, bastante comum nos laboratórios ocorre durante a análise de enxofre por turbidimetria. Essa análise está sujeita a erros devido ao tempo de reação do bário com o enxofre, ao ser determinada por diferentes analistas, entre outros fatores; no caso do B, o excesso de temperatura pode causar a volatilização do elemento.

Os laboratórios para encontrar e minimizar estes erros adotando sistemas de rastreabilidade interna através de parâmetros que demonstram a qualidade dos métodos de digestão e determinação, como a seletividade, linearidade, exatidão, precisão, limite de detecção e de qualidade. Além do uso de cartas de controle e amostras padrão que visam monitorar o desempenho da qualidade dos resultados obtidos das análises de tecido vegetal.

A seletividade indica se o sinal resposta provém do analito. Os interferentes da matriz podem aumentar ou reduzir o sinal, como pode ocorrer turbidez em determinação colorimétrica, onde a turbidez diminui a radiação que atinge o detector como se houvesse absorção pelo analito. A linearidade é o valor máximo de concentração para a qual a resposta é proporcional. A exatidão verifica a recuperação e tendência decorrentes de erros aleatórios e sistemáticos, como os ensaios interlaboratoriais, ensaios de adição e recuperação de padrão; e, uso de materiais de referências certificados (MRC). A precisão considera o número de repetições de um ensaio, considerando o tempo, espaço e custo.

Quando as determinações das amostras apresentam baixos níveis do analito é importante conhecer o limite de detecção, permitindo assim, que a escolha da técnica analítica e os resultados sejam confiáveis. O limite de detecção é a concentração mínima de uma substância medida e declarada com 95 ou 99% de confiança de que a concentração do analito é maior que zero. O limite de quantificação que é a menor concentração com um nível aceitável de exatidão e precisão. A diferença entre os dois limites é a ordem de grandeza das incertezas associadas.

As cartas de controle são gráficos gerados a partir das médias (µ) dos resultados obtidos e seus desvios-padrão (µ±2σ e/ou µ±3σ ), determinando, assim, uma faixa de limite superior e uma inferior de controle. Os dados que estiverem fora dessas faixas, deverão ser descartados ou revisto pelo analista o

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problema que gerou essa discrepância.A utilização de amostras padrão geralmente são aquelas amostras

provenientes do programa de qualidade de análise vetegal. Desta forma, o analista compara os resultados obtidos da sua amostra com a do padrão.

RASTREABILIDADE ExTERNAIntroduzido no Brasil em 1982 e idealizado no programa existente

e único no mundo da Universidade de Wageningen - Holanda, o PIATV iniciou suas atividades de rastreabilidade em resultados analíticos de tecido vegetal com a participação de 15 laboratórios. Atualmente (Ano 26 – biênio 2011/2012), o Programa tem a participação efetiva de 121 laboratórios, inclusive a nível internacional (2 laboratórios do Uruguai e 1 do Paraguai). O PIATV tem a finalidade de preservar e estimular a prática de análise de plantas, bem como controlar a qualidade do trabalho dos laboratórios, adotando medidas para corrigir possíveis problemas, após a comparação com os demais laboratórios analisando amostras semelhantes. Resultados corretos conferem melhores manejos de solo e adequada aplicação de fertilizantes e corretivos. Dessa forma, o Programa possui também caráter sócio-ambiental, contribuindo para a sustentabilidade da agricultura mundial. Dos laboratórios participantes, a maioria deles situam-se no Estado de São Paulo (25,6%) e de Minas Gerais (25,6%) (Tabela 4). Dentre os participantes do PIATV, 50% são laboratórios particulares, 20% são centros de pesquisas, 17% pertencem às universidades públicas, 10% são cooperativas e indústrias e 5% pertencem às universidades particulares. Destes, 82% realizam análise de tecido vegetal completa, ou seja, N, P, K, Ca, Mg, S, B, Cu, Fe, Mn e Zn.

Tabela 4. Distribuição dos laboratórios participantes do Programa Interlaboratorial de Análise de Tecido Vegetal

(PIATV), por Estado da Federação no ano 26 (biênio 2011/2012).

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O PIATV consiste na coleta, preparo e envio, por parte da coordenação do mesmo, de amostras prontas para serem analisadas pelos laboratórios participantes (Tabela 5).

Tabela 5. Identificação das amostras e material vegetal analisado no ano 25 (biênio 2010/2011).

As amostras enviadas, num total de 16, foram separadas em 4 lotes contendo 4 amostras cada. Dentro de cada lote, há sempre uma amostra que se repete, denominada como amostra padrão, no ano 25 foi casca de arroz (Tabela 5). Todas as amostras são utilizadas na elaboração estatística final do programa, o que permite avaliar melhor o laboratório e classificá-la de acordo com seu desempenho, garantindo-lhes ou não o direito ao uso do selo do Programa no ano seguinte. A avaliação dos resultados é feita pelo critério das médias. São calculadas as médias (m), os desvios padrões (s) e os coeficientes de variação (CV). O intervalo de confiança (IC) é calculado em função do CV, segundo o seguinte esquema:

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CV < 20% = m – 2,0s < IC < m + 2,0s 20% < CV < 50% = m – 1,5s < IC < m + 1,5s CV > 50% = m – 1,0s < IC < m + 1,0s

Os resultados que ficarem fora do IC recebem um asterisco e não são inclusos na próxima rodada de cálculos de m, s, CV e IC. O procedimento acima é novamente aplicado e outro asterisco é concedido às determinações que ficarem fora do IC, inclusive aquelas que já foram excluídas dos cálculos. Este procedimento, com distribuição dos asteriscos, se repete até que o CV atinja um valor de 20% ou até um valor máximo de 3 rodadas. Quanto maior o número de asteriscos que uma determinação recebe, mais discrepante ela será em relação à média. Para obtenção da média de cada elemento analisado e do seu respectivo desvio padrão (na estatística final), são somente utilizados os laboratórios sem problemas (sem asterisco) na análise descrita anteriormente, e, dentro da faixa de acerto, o laboratório recebe uma nota. Para conceituação dos laboratórios são utilizadas todas as amostras das quatro etapas do programa. É válido destacar que cada elemento marcado com asterisco (seja com um asterisco, dois ou três) equivale a um erro. Dessa forma, o número máximo de erros que um laboratório pode adquirir é 176 erros (100% de erros), visto que podem ser analisados 11 elementos por amostra em cada etapa. Sobre esse valor é calculada a porcentagem de acertos e a avaliação final é realizada através do seguinte cálculo:

É importante ressaltar que os laboratórios são avaliados de acordo com os elementos que avaliam, ou seja, aqueles que avaliam apenas determinados elementos serão avaliados de acordo com a porcentagem de acertos e frequência de envio de resultados daqueles elementos. Caso o laboratório obtenha de 85 a 100% de acertos recebe nota A, de 70 a 85% recebe nota B, de 55 a 70% recebe nota C e caso obtenha porcentagem inferior a 55% recebe nota D. Os laboratórios que recebem certificado do Programa e possuem o direito ao uso dos selos são aqueles que obtêm conceito A ou B. Ao final do ano, cada laboratório participante recebe um relatório de desempenho informando o número de erros que o mesmo obteve nas 16 amostras para cada elemento em cada uma das quatro etapas (Figura 2).

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Figura 2. Representação gráfica dos resultados obtidos por elemento por um laboratório participante que obteve o conceito A, nas quatro etapas de analises para as 16 amostras. Desde 2006, encontra-se disponível o site www.piatv.com.br que visa facilitar a comunicação dos laboratórios com os coordenadores do programa, além de agilizar o processo de inserção de resultados das análises e conferência de resultados parcial e final.

CONSIDERAçõES FINAISAs avaliações frequentes do estado nutricional das lavouras através da

análise foliar são imprescindíveis para a detecção da necessidade de corrigir desequilíbrios nutricionais ao longo do tempo, para proporcionar melhor aproveitamento dos nutrientes fornecidos pelos corretivos e fertilizantes, aumentar a produtividade, qualidade, longevidade das culturas e menor impacto ambiental.

O sucesso da análise de tecido vegetal envolve toda a rastreabilidade interna dos laboratórios, e de duma coordenação a nível nacional, para organização, interpretação e avaliação do desempenho dos laboratórios que realizam análise de tecido vegetal.

AGRADECIMENTOSAo Grupo de Apoio a Pesquisa e Extensão (GAPE), ao Prof. Dr.

Dilermando Perecin (FCAV/UNESP) e a Msc. Marina Colzato (ESALQ/USP).

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Coordenação Geral de Acreditação. Orientação sobre Validação se Métodos Analíticos .Documento de caráter orientativo DOQ-CGCRE-008 Revisão 04 JUL/2011. 20 p. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/Sidoq/Arquivos/Cgcre/DOQ/DOQ-Cgcre-8_04.pdf. Acessado em: 20 de agosto de 2012.

Krug, F.J.; Santos Jr., D. Erros sistemáticos no preparo de amostras. In: Krug, F.J. Métodos de Preparo de Amostras. 1º Ed. Piracicaba. p. 13-58. 2008.

Malavolta, E.; Vitti, G.C.; Oliveira, S.A. de. Avaliação do Estado Nutricional das Plantas: Princípios e Aplicações. 2º edição. São Paulo: POTAFOS. 1997.319 p.

Mills, H.A.; Jones Jr. J.B. Plant Analysis Handbook II: A Practical Sampling, Preparation, Analysis and Interpretation Guide. MicroMacro Publishing. 1996. 422 p.

Skoog, D. A.; West, D.M.; Holler, F.J.; Crouch, S.R. Fundamentos de Química Analítica. Tradução de Marco Grassi. São Paulo: Cengage Learning, 2008. 1000 p.