capítulo 3 - a realidade do invisível (fernanda martins) (1)

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 III Conferência A REALIDADE DO INVISÍVEL Religião: cren ça de que existe uma ordem invisível, e que nosso bem supremo reside em ajustarmo-nos harmoniosamente a ela. Há algumas peculiaridades psicológicas na crença em um objeto que não podemos ver. odas as nossas atitudes devem-se aos !objetos" de nossa consci#ncia, os quais podem estar presentes aos nossos sentidos ou apenas ao nosso pensamento $ mas, em qualquer um dos casos, eles provocam reaç%es, e, &s ve'es, os objetos do pensamento provocam reaç%es ainda maiores do que os de presença sensível. (or exemplo, &s ve'es )icamos mais 'angados com a lembrança de um insulto do que na hora em que o recebemos de )ato. *s homens conhecem os objetos mais concretos da religião, as divindades que adoram, apenas em ideia, sem que nada na experi#ncia passada do indivíduo sirva diretamente de modelo. +as, al m dos objetos concretos, a religião possui objetos abstratos em relação a eus, sua santidade, justiça, misericórdia etc/. 0manuel 1ant di'ia que eus e a)ins não são propriamente objetos de conhecimento.  2ossas concepç%e s sempre requerem conte3dos sensoriais para podermos trabalhar os conceitos, mas como palavras como !alma", !eus" etc, não cobrem nenhum conte3do sensorial distintivo, teoricamente )alando, essas palavras deveriam ser destituídas de qualquer signi)icação. (orm, na prática, elas tem um signi)icado de)inido. 4ssim, temos o estranho )en5meno e uma mente que acredita na presença real de uma srie de coisas, seja ela qual )or. * sentimento de crença pode ligar-se de maneira tão )orte ao nosso objeto de crença que toda a nossa vida pode ser polari'ada pelo sentido que damos & exist#ncia da coisa na qual acreditamos. 6deia de um universo amplo de ideias abstratas bondade, bele'a, )orça, import7ncia etc/ que emprestam sua signi)icação, de )orma que o que conhecemos só ! o que " porque  partilha da nature' a de uma dessas abstraç%es. 4 determinabilidade absoluta da nossa mente por abstraç%es um dos )atos cardeais da nossa constituição humana. 4 doutrina da realidade dos objetos abstratos tem sido conhecida desde então como teoria plat5nica das ideias, visto que (latão )e' uma notável de)esa deste sentimento humano comum. 0m algumas mentes, a ci#ncia está tomando o lugar da religião, e o cientista trata as leis da nature'a como )atos objetivos que devem ser reverenciados. 8 como se houvesse na consci#ncia humana um  sentido de realidade, um sentimento de  presença objetiva, uma percepção do que podemos chamar ! alguma coisa ali ", mais  pro)unda e geral do que qualquer um dos sentidos especiais e particulares pelos quais a  psicologia atual sup%e que as realidades existentes )ossem originalmente reveladas.

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III Conferência

A REALIDADE DO INVISÍVEL

Religião: crença de que existe uma ordem invisível, e que nosso bem supremo reside

em ajustarmo-nos harmoniosamente a ela. Há algumas peculiaridades psicológicas nacrença em um objeto que não podemos ver.

odas as nossas atitudes devem-se aos !objetos" de nossa consci#ncia, os quais podemestar presentes aos nossos sentidos ou apenas ao nosso pensamento $ mas, em qualquer um dos casos, eles provocam reaç%es, e, &s ve'es, os objetos do pensamento provocamreaç%es ainda maiores do que os de presença sensível. (or exemplo, &s ve'es )icamosmais 'angados com a lembrança de um insulto do que na hora em que o recebemos de)ato.

*s homens conhecem os objetos mais concretos da religião, as divindades que adoram,

apenas em ideia, sem que nada na experi#ncia passada do indivíduo sirva diretamente demodelo. +as, alm dos objetos concretos, a religião possui objetos abstratos emrelação a eus, sua santidade, justiça, misericórdia etc/.

0manuel 1ant di'ia que eus e a)ins não são propriamente objetos de conhecimento. 2ossas concepç%es sempre requerem conte3dos sensoriais para podermos trabalhar osconceitos, mas como palavras como !alma", !eus" etc, não cobrem nenhum conte3dosensorial distintivo, teoricamente )alando, essas palavras deveriam ser destituídas dequalquer signi)icação. (orm, na prática, elas tem um signi)icado de)inido. 4ssim,temos o estranho )en5meno e uma mente que acredita na presença real de uma srie decoisas, seja ela qual )or.

* sentimento de crença pode ligar-se de maneira tão )orte ao nosso objeto de crença quetoda a nossa vida pode ser polari'ada pelo sentido que damos & exist#ncia da coisa naqual acreditamos.

6deia de um universo amplo de ideias abstratas bondade, bele'a, )orça, import7ncia etc/que emprestam sua signi)icação, de )orma que o que conhecemos só ! o que " porque

 partilha da nature'a de uma dessas abstraç%es.

4 determinabilidade absoluta da nossa mente por abstraç%es um dos )atos cardeais da

nossa constituição humana.4 doutrina da realidade dos objetos abstratos tem sido conhecida desde então comoteoria plat5nica das ideias, visto que (latão )e' uma notável de)esa deste sentimentohumano comum.

0m algumas mentes, a ci#ncia está tomando o lugar da religião, e o cientista trata as leisda nature'a como )atos objetivos que devem ser reverenciados.

8 como se houvesse na consci#ncia humana um sentido de realidade, um sentimento de

 presença objetiva, uma percepção do que podemos chamar !alguma coisa ali", mais

 pro)unda e geral do que qualquer um dos sentidos especiais e particulares pelos quais a psicologia atual sup%e que as realidades existentes )ossem originalmente reveladas.

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9egundo essa hipótese, poderíamos cuidar que os sentidos nos despertam as atitudes e ocomportamento, como habitualmente o )a'em, excitando primeiro o sentido derealidade, mas qualquer outra ideia capa' de excitá-lo teria as mesmas prerrogativas queos objetos dos sentidos normalmente possuem de parecerem reais.0xemplos:depoimentos de pessoas que so)reram alucinaç%es e sua crença de que elas

realmente existiam em presença etc. escrição de sensaç%es e experi#nciasaparentemente sensoriais de algo que teoricamente não era real. (rovam a exist#ncia deum sentido da realidade presente mais di)undido e geral do que aquele que os nossossentidos especiais nos )ornecem.

* sentido de realidade tem seu oposto negativo na )orma de uma sensação de irrealidadeque pode perseguir as pessoas.

 2a es)era puramente religiosa da experi#ncia, muitas pessoas possuem os objetos da suacrença não na )orma das meras concepç%es que seus intelectos aceitam por verdadeiras,mas em )orma de realidades quase sensíveis, diretamente apreendidas.

epoimento que tra' a ideia de sentido de realidade mais parecido com uma sensaçãodo que com uma operação intelectual propriamente dita.

8 comum nas páginas da biogra)ia religiosa o modo com que se alternam as temporadasde ) viva e ) di)ícil $ provável que toda pessoa religiosa tenha a lembrança de crises

 particulares em que uma visão mais direta da verdade sucedesse & tepide' mais comumda ).

epoimento; !eus não tinha )orma, nem cor, nem cheiro nem sabor .../ eus estava presente, embora invisível< não caiu debaixo de nenhum dos meus sentidos, e, noentanto, minha consci#ncia o percebeu."

* adjetivo !místico" aplica-se, em sua maioria, tecnicamente a estados de breveduração.

epoimento; !4 sensação de que 0le meu e de que eu sou ele nunca me deixa econstitui para mim uma alegria permanente. 9em ela a vida seria um branco, umdeserto, um ermo sem praias e sem pistas."

epoimento; !eus per)eitamente real para mim. =alo com 0le e muitas ve'es

obtenho respostas. (ensamentos s3bitos e distintos de quaisquer outros que já tive meacodem & mente depois de pedir-lhe a orientação."

epoimento; !eus me envolve como a atmos)era )ísica. 0le está mais perto de mim doque a minha própria respiração."

epoimento; !+omentos há em que eus parece muito distante, mas, nesses casos, aculpa sempre minha."

epoimento; !2a verdade, senti-me, se possível, o menos real dos dois." sobre ele eeus/

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9eres irretratáveis são concebidos com uma intensidade quase igual & de umaalucinação. 0les determinam nossa atitude vital de )orma decisiva.

ais sensaç%es de realidade são tão convincentes para os que as tem como pode s#-loqualquer experi#ncia sensível direta. .../ 8 provável que muitos não tenham isto de

)orma acentuada, mas se tem, e as tem rigorosas, a probabilidade a de que não  possível deixar de considera-las genuínas percepç%es da verdade, revelaç%es de umaespcie de realidade que nenhum argumento contrário alcançará expelir de sua crença.

4 opinião oposta ao misticismo quali)icada de racionalismo. * racionalismo insisteem que todas as nossas crenças devem )inalmente encontrar para si mesmas basesde)iníveis. ais bases, para o racionalismo, consistem em quatro coisas; >/ princípiosabstratos de)inidamente constáveis< ?/ )atos de sensação de)inidos< @/ hipótesesde)inidas baseadas nestes )atos< A/ in)er#ncias de)inidas dedu'idas logicamente umasdas outras. 6mpress%es vagas de algo inde)inido não tem lugar no sistema racionalístico.

9em embargo disso, se olharmos para toda a vida mental de um homem .../, temos decon)essar que a parte dele explicada pelo racionalismo relativamente super)icial.

6n)erioridade do racionalismo $ a vasta literatura das provas da exist#ncia de eustiradas da ordem da nature'a hoje em dia )a'em pouco mais do que juntar poeira nas

 bibliotecas, pela simples ra'ão de que nossa geração deixou de acreditar na espcie deeus em cujo )avor ela argumentava.

4 verdade que, na es)era meta)ísica e religiosa, as ra'%es de)iníveis só são irresistíveis para nós quando nossos sentimentos inde)iníveis da realidade já )oram impressionadosem )avor da mesma conclusão. 0ntão, com e)eito, nossas intuiç%es e nossa ra'ãotrabalham juntas .../. 2ossa crença impulsiva sempre o que ergue o corpo original daverdade, e a nossa )iloso)ia de)inivelmente verbali'ada apenas a sua aparatosatradução em )órmulas.

* indivíduo condu', a intelig#ncia acompanha. 9e uma pessoa sente a presença de umeus vivo & maneira descrita pelas citaç%es, os argumentos críticos de outros, por superiores que sejam, debalde buscarão alterar-lhe a ).

4 religião do homem envolve tanto os estados mentais de contração quanto os estadosmentais de expansão do ser. +as a mistura quantitativa e a ordem desses estados

mentais variam tanto de uma poca do mundo, de um sistema de pensamento e de umindivíduo para outro.