capítulo 2 - conjuntos - faculdade de ciências exatas e...

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37 Capítulo 2 - Conjuntos O principal objectivo deste capítulo é introduzir as principais noções associadas à chamada teoria intuitiva (ou ingénua) dos conjuntos. Ela constitui um ingrediente essencial da Matemática Moderna e a linguagem matemática recorre constantemente à utilização de termos e notações da teoria dos conjuntos. A generalidade dos conceitos matemáticos podem ser definidos à custa dos conjuntos 1 . Introduziremos as principais formas de construção de conjuntos e as principais operações que se considera sobre estes. Aproveitaremos ainda este capítulo para uma breve comparação entre os conjuntos e outras estruturas de dados, como sequências e "sacos" ("bags" ou “multisets”). Secção 1: Conjuntos, elementos e subconjuntos. Intuitivamente, um conjunto é encarado como uma colecção de objectos, de natureza qualquer, os quais se dizem os elementos (ou membros) desse conjunto. Representa-se simbolicamente por x A a asserção "x é um elemento do conjunto A", que também se lê "x pertence a A" (e diz-se o símbolo de pertença) 2 . A negação desta asserção pode ser descrita escrevendo x A. É usual usar letras latinas maiúsculas (como A, B, C, S, T, etc.) para nos referirmos genericamente a conjuntos. Refira-se, contudo, que um conjunto é um objecto, e como tal pode ser também membro de outros conjuntos 3 . Conjuntos específicos podem ser definidos de duas maneiras. Uma primeira maneira consiste em indicar explicitamente os elementos que compõem o conjunto, separando estes por vírgulas e pondo-os entre chavetas. Por exemplo: {-1, 0, 1, 2} designa o conjunto dos números inteiros que são maiores do que -2 e menores do que 3. Quando se define um conjunto desta 1 Uma grande parte da matemática, e certamente toda a matemática que se aprende nas licenciaturas, pode-se reduzir ou fundamentar na lógica e na teoria dos conjuntos. No entanto, o nosso objectivo aqui está bem longe de ser esse; apenas pretendemos introduzir (de uma forma informal) algumas das noções, técnicas e notações básicas da teoria dos conjuntos. As ideias essenciais desta teoria foram introduzidas por G. Cantor (1845-1918), na parte final do Século XIX. No início esta teoria foi alvo de forte contestação, em virtude de nela surgirem algumas contradições. Encontradas formas de as ultrapassar, a teoria dos conjuntos tornou-se um ingrediente essencial da matemática de hoje. A primeira axiomatização da teoria dos conjuntos deve-se a Zermelo (1907). O leitor interessado na Teoria Axiomática de Conjuntos pode consultar, por exemplo, o livro [41]. 2 Não se procura aqui definir as noções de conjunto e elemento; de facto, as noções de conjunto e pertença podem ser vistas como noções primitivas desta teoria. Por outro lado, de acordo com o que dissemos no capítulo anterior, "xA" não é propriamente uma asserção (uma vez que o seu valor lógico depende dos valores das variáveis em causa), devendo ser mais correctamente caracterizado como uma expressão proposicional (uma condição). No entanto, para facilitar a exposição, cometeremos por vezes, ao longo deste texto, esse e outros eventuais abusos similares de linguagem, muito comuns. 3 Aliás, a manipulação de conjuntos que têm como elementos outros conjuntos, é um dos aspectos que se pretende exercitar nesta (parte da) disciplina. Embora os alunos já conheçam algumas das principais operações sobre conjuntos (e, nomeadamente, a união, a intersecção e a passagem ao complementar), estão habituados a aplicá-las apenas a conjuntos em que todos os elementos são do mesmo "tipo", tipicamente conjuntos de números (reais, inteiros, etc.).

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Capítulo 2 - Conjuntos

O principal objectivo deste capítulo é introduzir as principais noções associadas à chamada teoria intuitiva

(ou ingénua) dos conjuntos. Ela constitui um ingrediente essencial da Matemática Moderna e a linguagem

matemática recorre constantemente à utilização de termos e notações da teoria dos conjuntos. A

generalidade dos conceitos matemáticos podem ser definidos à custa dos conjuntos1.

Introduziremos as principais formas de construção de conjuntos e as principais operações que se

considera sobre estes. Aproveitaremos ainda este capítulo para uma breve comparação entre os conjuntos e

outras estruturas de dados, como sequências e "sacos" ("bags" ou “multisets”).

Secção 1: Conjuntos, elementos e subconjuntos.

Intuitivamente, um conjunto é encarado como uma colecção de objectos, de natureza qualquer, os quais se

dizem os elementos (ou membros) desse conjunto. Representa-se simbolicamente por x ∈ A a asserção "x

é um elemento do conjunto A", que também se lê "x pertence a A" (e ∈ diz-se o símbolo de pertença)2. A

negação desta asserção pode ser descrita escrevendo x ∉ A.

É usual usar letras latinas maiúsculas (como A, B, C, S, T, etc.) para nos referirmos genericamente a

conjuntos. Refira-se, contudo, que um conjunto é um objecto, e como tal pode ser também membro de

outros conjuntos3.

Conjuntos específicos podem ser definidos de duas maneiras.

Uma primeira maneira consiste em indicar explicitamente os elementos que compõem o conjunto,

separando estes por vírgulas e pondo-os entre chavetas. Por exemplo: {-1, 0, 1, 2} designa o conjunto dos

números inteiros que são maiores do que -2 e menores do que 3. Quando se define um conjunto desta

1 Uma grande parte da matemática, e certamente toda a matemática que se aprende nas licenciaturas, pode-se reduzir ou

fundamentar na lógica e na teoria dos conjuntos. No entanto, o nosso objectivo aqui está bem longe de ser esse; apenas

pretendemos introduzir (de uma forma informal) algumas das noções, técnicas e notações básicas da teoria dos conjuntos. As

ideias essenciais desta teoria foram introduzidas por G. Cantor (1845-1918), na parte final do Século XIX. No início esta teoria

foi alvo de forte contestação, em virtude de nela surgirem algumas contradições. Encontradas formas de as ultrapassar, a teoria

dos conjuntos tornou-se um ingrediente essencial da matemática de hoje. A primeira axiomatização da teoria dos conjuntos

deve-se a Zermelo (1907). O leitor interessado na Teoria Axiomática de Conjuntos pode consultar, por exemplo, o livro [41].2 Não se procura aqui definir as noções de conjunto e elemento; de facto, as noções de conjunto e pertença podem ser vistas

como noções primitivas desta teoria. Por outro lado, de acordo com o que dissemos no capítulo anterior, "x∈A" não é

propriamente uma asserção (uma vez que o seu valor lógico depende dos valores das variáveis em causa), devendo ser mais

correctamente caracterizado como uma expressão proposicional (uma condição). No entanto, para facilitar a exposição,

cometeremos por vezes, ao longo deste texto, esse e outros eventuais abusos similares de linguagem, muito comuns.3 Aliás, a manipulação de conjuntos que têm como elementos outros conjuntos, é um dos aspectos que se pretende exercitar

nesta (parte da) disciplina. Embora os alunos já conheçam algumas das principais operações sobre conjuntos (e, nomeadamente,

a união, a intersecção e a passagem ao complementar), estão habituados a aplicá-las apenas a conjuntos em que todos os

elementos são do mesmo "tipo", tipicamente conjuntos de números (reais, inteiros, etc.).

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maneira também se diz que ele é definido por enumeração (a expressão definido em extensão também é

usada com o mesmo sentido).

Um conjunto pode também ser definido em compreensão (ou por abstracção) através da referência à

condição que caracteriza os elementos do conjunto. Mais precisamente, a expressão

{x: P(x)} ( ou {x| P(x)} )

que se lê "o conjunto dos x tais que P(x) (ou que verificam P(x))" designa o conjunto cujos elementos são

precisamente os objectos que convertem a condição P(x) numa proposição verdadeira4.

Por exemplo, o conjunto (acima referido) {-1, 0, 1, 2} poderia também ser designado de qualquer das

formas seguintes:

{x: x∈Z ∧ x > -2 ∧ x < 3} (ou, mais sinteticamente, {x: x∈Z ∧ -2 < x < 3})

ou

{x: x=-1 ∨ x=0 ∨ x=1 ∨ x=2}

Refira-se, antes de prosseguir, que se U é um conjunto, então o conjunto (veja-se a nota de rodapé

anterior) {x: x∈U ∧ P(x)}, formado pelos elementos de U que satisfazem P(x), é muitas vezes descrito, de

forma mais abreviada, escrevendo {x∈U: P(x)}.

Usando esta notação abreviada, o conjunto anterior ({-1, 0, 1, 2}) poderia também ser representado por

{x∈Z : -2 < x < 3} 5.

4 Nem todas as condições P(x) definem conjuntos.

Para o ver, considere-se, por exemplo, a propriedade P(x) expressa por x∉x e suponha-se que existe o conjunto A ={x:

P(x)}. Então se A∈A, verifica-se P(A) e, portanto, A∉A; e se A∉A, então A satisfaz a condição P(x) e portanto A∈A. Logo

A∈A sse A∉A, o que é uma contradição. Este exemplo ficou conhecido como o paradoxo de Russel (tendo sido descoberto por

este em 1902 e, independentemente, também por Zermelo).

Embora não pretendamos discutir aqui como este problema pode ser resolvido, nem pretendamos aprofundar a problemática

de saber em que condições uma propriedade P(x) define um conjunto, podemos dizer que se U é um conjunto e se P(x) é uma

condição com significado no contexto de U (entendendo-se isso como significando que seja qual for o elemento a de U, ou P(a)

é verdadeira ou P(a) é falsa), então existe um conjunto que é formado precisamente pelos elementos x∈U tais que P(x) é

verdadeiro, conjunto que se representa por {x: x∈U ∧ P(x)} (na teoria axiomática dos conjuntos, dita de Zermelo-Fraenkel, o

axioma que estabelece a existência do conjunto anterior é conhecido pelo axioma da separação).

Refira-se, ainda, que também nem todas as colecções podem ser consideradas como conjuntos. Por exemplo, não existe o

conjunto de todos os conjuntos.

De facto, se existisse um conjunto (a seguir designado por U) formado por todos os conjuntos, então, de acordo com o que

acabámos de observar, também seria um conjunto S = {x: x∈U ∧ x∉x}. Mas então, tal como em cima se chegaria facilmente a

uma contradição: se S∉S, como S é um conjunto, e portanto S∈U, tem-se que S∈S; e se S∈S, então S∉S.

Sem queremos aprofundar o tópico, diremos apenas (informalmente) que certas colecções, como a colecção de todos os

conjuntos, são demasiado "grandes" para poderem ser consideradas conjuntos. Por vezes usa-se o termo classe para nos

referirmos a uma colecção que poderá ser eventualmente demasiado grande para poder ser tecnicamente um conjunto.5 Se assumirmos que está implícito que estamos a trabalhar no universo dos inteiros, então poderemos mesmo escrever,

simplesmente, {x: -2<x<3} (ou {x (∈Z): -2<x<3}, se se quiser, apesar de tudo, salientar tal facto).

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Naturalmente, a definição por enumeração só é possível se se tratar de um conjunto finito (na prática,

só é viável se tiver poucos elementos). Se pensarmos num conjunto infinito, como o dos naturais pares,

então teremos de o definir em compreensão, por exemplo como se segue:

{x : ∃i (i∈|N0 ∧ x = 2i)}

(ou, usando as abreviaturas introduzidas no capítulo anterior, {x : ∃i∈|Nox = 2i})

No entanto, é prática corrente estender a notação da definição por enumeração a alguns conjuntos

infinitos (como o anterior), incluindo ... após e/ou antes da listagem de alguns dos seus elementos,

deixando ao cuidado do leitor intuir qual a regra de cálculo dos restantes elementos (i.e. qual a regra que

permite determinar tais elementos). Por exemplo, o conjunto dos naturais pode ser descrito escrevendo

{0 , 1, 2, 3, ...}

o dos inteiros escrevendo

{..., -2, -1, 0, 1, 2, ...}

e o dos naturais pares escrevendo

{0, 2, 4, 6, ...}

Embora esta prática seja corrente, ela deve ser usada com cuidado, para evitar ambiguidades. A inclusão

de um termo geral na enumeração é usada por alguns autores precisamente para evitar tais ambiguidades.

Usando tal técnica, poderíamos descrever o conjunto dos naturais pares, por exemplo, como se segue:

{0, 2, 4, ..., (2i), ...}

Refira-se, a propósito, que uma estratégia análoga pode ser usada para definir certos conjuntos em

compreensão, de uma forma mais simples. Por exemplo, em vez de escrever

{x: ∃i∈|No x=2i}

para designar o conjunto dos naturais pares, escreve-se muitas vezes, de uma forma mais simples,

{2i: i∈|N0}

que se lê o conjunto dos elementos (da forma) 2i com i∈|N0, ou o conjunto dos elementos 2i tais que

i∈|N0.

Um conjunto é determinado pelos seus elementos, e não pela maneira como é descrito ou apresentado.

Daí a definição6:

6 Tecnicamente, no âmbito da teoria axiomática de conjuntos, a definição a seguir deve ser vista como um axioma ("o axioma

da extensionalidade") que caracteriza a igualdade de conjuntos em termos da relação de pertença, uma vez que = e ∈ são

ambos símbolos primitivos da linguagem dessa teoria. Sem grandes preocupações de rigor terminológico, podemos dizer que um

sistema (ou teoria) matemático consiste de axiomas, definições e termos indefinidos, para além de um conjunto de regras de

dedução. Assume-se que os axiomas são verdadeiros e que as regras de dedução preservam a veracidade. Definições são

usadas para criar novos conceitos em termos de outros existentes. Alguns termos não são explicitamente definidos, sendo apenas

implicitamente definidos pelos axiomas (que caracterizam as suas propriedades). A partir dos axiomas, usando as regras de

dedução, podemos derivar teoremas. Os teoremas são, portanto, proposições que se provaram ser verdadeiras.

Nos textos matemáticos alguns teoremas são referidos como lemas e corolários. Um lema é um teorema que não é muito

interessante em si próprio, mas que é útil para provar outro teorema. Um corolário é um teorema que sai facilmente de outro.

Estes conceitos serão analisados com maior detalhe na disciplina de Lógica (como aí se verá, a caracterização de alguns

teoremas como lemas ou corolários não é feita em Lógica Matemática).

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Definição 1 :

Dois conjuntos A e B são iguais, o que se denota escrevendo A=B, sse A e B tiverem exactamente os

mesmos elementos, isto é, sse

∀x (x ∈ A ⇔ x ∈ B)∇

Tem-se, assim, que não é relevante a ordem porque enumeramos os elementos de um conjunto, quando

definimos este por enumeração. São igualmente irrelevantes eventuais repetições de elementos que ocorram

na enumeração dos elementos de um conjunto.

Isto é, por exemplo:

{1, 2, 3, 4} = {2, 1, 1, 4, 3, 1, 3}

(Mas, naturalmente, é uma boa prática enumerar os elementos de um conjunto sem repetições e de acordo

com alguma ordem canónica, se esta existir.)

Note-se, antes de prosseguir, que um objecto é diferente do conjunto formado apenas por esse objecto.

Assim, {1,{1}} ≠ {1}, apesar de {1,1}={1}.

Aos conjuntos constituídos por um só elemento chama-se de conjuntos singulares.

Definição 2 :

Sejam A e B dois conjuntos (não necessariamente distintos).

i) Diz-se que A está contido em B, ou que A é uma parte ou um subconjunto de B, sse todos os elementos

de A pertencem a B, isto é sse

∀x (x ∈ A ⇒ x ∈ B) (isto é, de forma abreviada: ∀x ∈ A x ∈ B )

Para afirmar que A está contido em B escreve-se A ⊆ B. Com o mesmo significado pode escrever-se

também B ⊇ A (que se lê B contém A).

ii) Diz-se que A está estritamente contido em B, ou que A é uma parte própria (ou um subconjunto

próprio) de B, sse A ⊆ B ∧ A ≠ B. Escreve-se A ⊂ B (ou B ⊃ A) para denotar que A está estritamente

contido em B 7.

A negação de A ⊆ B pode ser expressa escrevendo A / ⊆ B, e corresponde a afirmar que

∃x (x ∈ A ∧ x ∉ B) (isto é, de forma abreviada: ∃x ∈ A x ∉ B )

Como exemplos de proposições verdadeiras, envolvendo estas noções, tem-se:

{2, 3} ⊆ {2,3} , {2, 3} ⊆ {2, 3, 5} , {2, 3} ⊂ {2, 3, 5} , {2, {3}} / ⊆ {2, 3}

7 Refira-se que vários autores usam, antes, A ⊂ B para expressar que A está contido em B (podendo, portanto, ser também iguala B), e usam A ⊂

≠ B para denotar que A é uma parte própria de B.

Por outro lado, em vez de dizer que A está contido em B, também se diz por vezes que A está contido ou é igual a B (comoforma de salientar que A pode ser igual a B); de qualquer forma, mesmo nesses casos, deve dizer-se que A está estritamentecontido em B, quando queremos referir que A é uma parte própria de B, como forma de evitar confusões.

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Alguns resultados, de demonstração simples (que se deixa como exercício), são enunciados no teorema

a seguir.

Teorema 1 :

Sejam A, B e C conjuntos (quaisquer). Então:

a) A ⊆ A

b) A ⊆ B ∧ B ⊆ C ⇒ A ⊆ C

c) A = B ⇔ A ⊆ B ∧ B ⊆ A

Ao trabalharmos com conjuntos, é muitas vezes útil desenhar uma figura que nos auxilie na

visualização da situação em causa. Com esse fim recorremos muitas vezes aos chamados diagramas de

Venn (assim denominados em honra do lógico John Venn (1834-1923)). Um diagrama de Venn consiste

numa ou mais curvas fechadas, desenhadas num plano, representando o interior de cada curva um conjunto.

Por exemplo o diagrama de Venn a seguir representa o facto de A ser um subconjunto próprio de B e x um

elemento de B que não pertence a A.

B

A .x

Assume-se a existência de um conjunto sem qualquer elemento. Tal conjunto pode ser definido por

compreensão como sendo o conjunto dos elementos que satisfazem uma condição P(x) que não é satisfeita

por nenhum valor de x, como por exemplo x≠x8. Naturalmente (pela definição 1), não pode existir mais

do que um conjunto sem qualquer elemento, pelo que podemos falar no conjunto vazio.

Definição 3 :

O conjunto vazio é o conjunto que não tem quaisquer elementos.

Tal conjunto representa-se por ∅ ou por {}.

O conjunto vazio satisfaz, entre outras, as seguintes propriedades:

Teorema 2 :

a) ∀x x ∉ ∅

b) Qualquer que seja o conjunto A9, ∅ ⊆ A

8 Isto é, o conjunto {x: x≠x} é o conjunto vazio.9 Repare-se que a condição x∈∅⇒x∈A é vacuosamente verdadeira (de acordo com a terminologia introduzida no capítulo 1).

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Definição 4 :

Dado um conjunto A, ao conjunto formado por todos os subconjuntos de A chama-se o conjunto das

partes de A, e representa-se esse conjunto por ℘(A) (ou simplesmente, omitindo parenteses, por ℘A)10.

Isto é:

℘(A) = {x: x ⊆ A}∇

Note-se que, seja qual for o conjunto A, o conjunto ℘(A) nunca é vazio, pois o conjunto ∅ pertence

sempre a ℘(A) (ver teorema 2-b)). E se A não for o conjunto vazio, então ℘(A) tem sempre pelo menos

dois elementos: o conjunto ∅ e o conjunto A (ver teorema 1-a)).

Exemplos :

1. ℘({5}) = {∅, {5}}

2. ℘({5, 7}) = {∅, {5}, {7}, {5, 7}}

3. ℘({5, 7, 9}) = {∅, {5}, {7}, {9}, {5, 7}, {5, 9}, {7, 9}, {5, 7, 9}}

4. ℘(∅) = {∅}

5. ℘(℘(∅)) = {∅, {∅}}

6. ℘(℘(℘(∅)) ) = {∅, {∅}, {{∅}}, {∅, {∅}}}

Observação (cálculo do conjunto das partes de um conjunto) :

Os alunos têm por vezes dificuldades em determinar as partes de conjuntos como {∅}, ou {∅, {∅}}, em

virtude de lá aparecer o conjunto vazio, ou o conjunto formado pelo conjunto vazio, como elemento. No

entanto, tal não envolve qualquer dificuldade. Uma técnica, como a que se ilustra a seguir (e que se baseia

em dar nomes aos elementos que compõem o conjunto de que se quer calcular as partes), permite efectuar

tal cálculo, de forma simples, sem erros.

• Cálculo de ℘(℘(∅)):

Tem-se ℘(∅) = {∅}. Designe-se por a o único elemento de ℘(∅), isto é, seja a = ∅. Então:

℘(℘(∅)) = ℘({∅}) = ℘({a}) = {∅,{a}}

Logo, substituindo a pelo elemento que denota (no caso o conjunto vazio), tem-se:

℘(℘(∅)) = {∅,{∅}} .

• Cálculo de ℘(℘(℘(∅)) ):

Tem-se ℘(℘(∅)) = {∅,{∅}} . Designe-se por a e b os elementos de ℘(℘(∅)), isto é, seja a = ∅ e

b = {∅}. Então:

℘(℘(℘(∅)) ) = ℘({∅,{∅}}) = ℘({a,b}) = {∅,{a},{b},{a,b}}

Logo, substituindo a e b pelos elementos que denotam, tem-se:

℘(℘(℘(∅)) ) = {∅,{∅},{{∅}},{∅,{∅}}}

• Um último exemplo - cálculo de ℘({1,{1},{{1}}} ):

Designe-se por a, b e c os três elementos do conjunto {1,{1},{{1}}}, de que se quer calcular as partes.

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Mais precisamente, seja a =1, b = {1} e c ={{1}} (notar que {{1}}≠{1}). Tem-se:

℘({1,{1},{{1}}} ) = ℘({a,b,c}) = {∅,{a},{b},{c},{a,b},{a,c},{b,c},{a,b,c}}

Substituindo a, b e c pelos elementos que denotam, obtém-se:

℘({1,{1},{{1}}} ) = {∅,{1},{{1}},{{{1}}},{1,{1}},{1,{{1}}},{{1},{{1}}},{1,{1},{{1}}}}

(O conjunto obtido parece complicado! Mas se se aplicar esta técnica, passo a passo, não se cometem

erros e chega-se ao conjunto pretendido facilmente.)

Informalmente, o cardinal de um conjunto (finito) A é o número de elementos de A. Representaremos

o cardinal de A por #(A), ou (simplesmente) por #A 11.

Naturalmente, se A ⊆ B então #(A) ≤ #(B). E, se A ⊂ B, então A tem menos elementos do que B,

pelo que #(A) < #(B).

Estas ideias acerca da cardinalidade de um conjunto, aparentemente tão evidentes, nem sempre são

verdadeiras quando consideramos conjuntos infinitos. Quando passamos ao infinito, muitas das nossas

intuições falham. Por exemplo, apesar do conjunto dos naturais estar estritamente contido no conjunto dos

inteiros, os dois conjuntos têm a mesma cardinalidade. O tópico da cardinalidade de um conjunto voltará a

ser abordado mais à frente, neste texto, clarificando-se então qual o significado a dar à noção de número de

elementos de um conjunto infinito, e definindo-se, com maior precisão, o que se entende por cardinal de

um conjunto. Por enquanto, limitar-nos-emos a trabalhar com a cardinalidade de conjuntos finitos.

Teorema 3 :

Para todo o número natural n e todo o conjunto A se #(A) = n então #(℘(A)) = 2n.

Demonstração:

Demonstremos este resultado "por indução em n".

Mais precisamente, seja P(n) (com n ∈ |N0) a condição:

"Qualquer que seja o conjunto A, se A tem n elementos, então ℘(A) tem 2n elementos."

Queremos demonstrar que ∀n∈|No P(n).

Pelo princípio da indução finita 12, que nos diz neste caso que:

( P(0) ∧ ∀k∈|No (P(k) ⇒ P(k+1)) ) ⇒ ∀n∈|No P(n)

basta-nos demonstrar que as duas proposições seguintes são verdadeiras:

1. P(0) (base da indução)

2. ∀k∈|No (P(k) ⇒ P(k+1)) (passo de indução)

Dem. de 1 (base da indução) :

Considere-se um qualquer conjunto A e suponha-se que A tem 0 elementos. Então A = ∅, e #(℘(A)) =

#(℘(∅)) = #({∅}) = 1 = 20 = 2#(A) (c.q.d.).

10 Por razões que seria prematuro indicar agora, usa-se também a notação 2A para representar o conjunto das partes de A.11 Alguns autores usam |A| para representar o cardinal de A.12 A problemática das provas por indução será abordada mais detalhadamente no capítulo 7.

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Dem. de 2 (passo de indução) :

Seja k∈|N0 qualquer. Queremos provar que P(k) ⇒ P(k+1).

Suponha-se então que se verifica P(k) (a chamada hipótese de indução - HI) e provemos que se

verifica P(k+1) (a tese da indução), isto é, provemos que:

"Qualquer que seja o conjunto A, se A tem k+1 elementos, então ℘(A) tem 2k+1 elementos."

Considere-se então um conjunto A qualquer com k+1 elementos. Queremos provar que #(℘(A))=2k+1.

Fixemos um elemento c∈A e designemos por B o conjunto formado pelos restantes elementos de

A (B será o conjunto vazio se A só tiver um elemento).

Como B tem k elementos, de HI (i.e. da veracidade de P(k)), conclui-se que #(℘(B))=2k.

Por outro lado, é fácil verificar que os subconjuntos de A são os subconjuntos de B, mais os

conjuntos que se obtêm juntando a estes o elemento c. Assim #(℘(A)) = 2 #(℘(B)).

Logo: #(℘(A)) = 2 #(℘(B)) = 2 * 2k = 2k+1 (c.q.d.).

Exercícios :

1. Indique dois conjuntos A e B que satisfaçam A ⊆ B e A ∈ B

2. Diga qual é o cardinal dos seguintes conjuntos:

a) {2, 3, 1}

b) {2, 3, 2}

c) ∅

d) {∅}

e) {∅, 2}

f) {1, {1}}

g) {{1, 2}}

h) {|N0}

i) {{a, b, c}, {1, 2}}

3. Diga a que são iguais os conjuntos:

a) ℘({1, 2, 3})

b) ℘(℘({0,1}))

c) ℘({|N0})

d) ℘({1, {2}, {1,{2}}})

4. Demonstre que: A ⊆ B ⇔ ℘(A) ⊆ ℘(B)

5. Indique quais das proposições seguintes são verdadeiras:

a) ∅ ⊆ ∅

b) 1 ∈ {1}

c) 1 ∈ {1, 2, 3}

d) 2 ∈ {1, 2}

e) 1 ∈ {2, 3} ,

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f) 1 ∈ {{1}}

g) {1} ⊆ {1}

h) {1} ∈ {1}

i) {1} ⊆ {1, {2, 3}}

j) {{1}, 2} / ⊆ {{1}, 2, 3}

k) ∅ = {x: x∈|N0 ∧ x = x+1}

l) ∅ = {x: x∈Z ∧ ∀y∈Z x≤y}

m) ∅ = {x: x∈|N0 ∧ ∀y∈|No x≤y}

n) ∅ ⊆ {x: x∈|N0 ∧ ∀y∈|No x≤y}

6. Considere a linguagem de programação Mathematica. Um conjunto (finito) é naturalmente representado

nessa linguagem por uma lista: a lista dos elementos do conjunto. Mas, como num conjunto não

interessa a ordem por que enumeramos os seus elementos, e repetições não contam, diferentes listas

podem representar o mesmo conjunto.

Construa um programa (i.e. uma função) Mathematica que, recebendo duas listas de números,

retorna True se elas representam o mesmo conjunto, e retorna False, no caso contrário.

7. Considere a linguagem de programação Mathematica. Construa um programa (nessa linguagem) que,

recebendo um conjunto de números (representado por uma lista), retorna o seu cardinal.

8. Considere a linguagem de programação Mathematica. Construa um programa que, recebendo dois

conjuntos de números (representados por listas), retorna:

a) True, se o primeiro conjunto está contido no segundo, e False, no caso contrário.

b) True, se o primeiro conjunto está estritamente contido no segundo, e False, no caso contrário.

9P*. Continue a considerar a linguagem de programação Mathematica, mas em vez de considerar apenas

conjuntos de números, como nos exercícios anteriores, pretende-se agora que considere descrições de

conjuntos (através de listas do Mathematica), que podem incluir outros conjuntos como elementos.

Assumindo que qualquer lista Mathematica representa um conjunto, construa um programa que,

recebendo dois conjuntos (representados por listas), retorna:

a) True, se o primeiro conjunto é igual ao segundo, e False, no caso contrário.

b) True, se o primeiro conjunto está contido no segundo, e False, no caso contrário.

c) True, se o primeiro conjunto está estritamente contido no segundo, e False, no caso contrário.

10. Considere a linguagem de programação Mathematica e continue (neste e nos próximos exercícios) a

considerar que os conjuntos são representados por listas e que qualquer lista representa um conjunto.

a)P* Construa um programa que, recebendo um conjunto, retorna tal conjunto sem elementos repetidos.

b) Construa um programa que, recebendo um conjunto, retorna o seu cardinal.

11P*. Considere a linguagem de programação Mathematica. Construa um programa que, recebendo um

elemento (que poderá ser um conjunto) e um conjunto, retorna True se o elemento pertence ao

conjunto, e retorna False, no caso contrário.

12. Considere a linguagem de programação Mathematica. Construa um programa que, recebendo um

conjunto, retorna o conjunto das suas partes.

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Secção 2: Operações com conjuntos.

Recordamos a seguir algumas operações elementares com conjuntos, que permitem obter novos conjuntos

a partir de conjuntos dados. Mais concretamente, recordaremos as operações de união, intersecção e

diferença de dois conjuntos13.

Definição 1 :

Dados dois conjuntos, A e B, a união (ou reunião) de A com B, que se designa por A ∪ B, é o conjunto

formado por todos os elementos que pertencem a (pelo menos) um dos conjuntos A e B. Simbolicamente:

A ∪ B = {x: x ∈ A ∨ x ∈ B}

Exemplo 1 :

• {1, 2, 3} ∪ {2, 6, 8} = {1, 2, 3, 6, 8}

• {1, 3, 5} ∪ ∅ = {1, 3, 5}

• {1, 3} ∪ {{1},3} = {1, {1}, 3}

Definição 2 :

a) Dados dois conjuntos, A e B, a intersecção de A com B, que se designa por A ∩ B, é o conjunto

formado pelos elementos comuns a A e a B. Simbolicamente:

A ∩ B = {x: x ∈ A ∧ x ∈ B}

b) Dois conjuntos dizem-se disjuntos sse têm intersecção vazia (i.e. não têm elementos comuns).

Exemplo 2 :

• {1, 2, 3} ∩ {6, 8} = ∅

• {1, 3, 5} ∩ {3, 4, 5} = {3, 5}

• {1, 3, 5} ∩ ∅ = ∅

• {1, 3} ∩ {{1}, 3} = {3}.

Os diagramas de Venn a seguir ilustram as posições relativas em que dois conjuntos se podem

encontrar (um em relação ao outro):

• Sem elementos em comum (conjuntos disjuntos):

13 Para além destas operações, já vimos na secção anterior uma outra operação que permite obter novos conjuntos a partir de

conjuntos dados: a operação de passagem de um conjunto ao conjunto das suas partes.

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• Um dos conjuntos contido no outro:

• Com intersecção "não nula"14, sem que nenhum deles esteja contido no outro:

Definição 3 :

Dados dois conjuntos, A e B, chama-se diferença dos conjuntos A e B (ou complementar de B em A) ao

conjunto que se designa por A-B (ou por A\B), e que é formado pelos elementos de A que não pertencem a

B. Simbolicamente:

A - B = {x: x ∈ A ∧ x ∉ B}

O conjunto A-B pode ler-se "A menos B".

É de realçar que A-B é diferente de B-A (={x: x∈B ∧ x∉A}).

Exemplo 3 :

• {1, 2, 3} - {6, 8} = {1, 2, 3}

• {1, 3, 5} - {3, 4, {5}} = {1, 5}

• {3, 4, 5} - {1, 3, 5} = {4}

• {1, 3, 5} - ∅ = {1, 3, 5}

• ∅ - {1, 3, 5} = ∅

• {3, 5} - {1, 3, 4, 5, 6} = ∅ .

No estudo de diversas questões sucede, por vezes, poder fixar-se de início um conjunto U, tal que todos

os conjuntos que interessa considerar no desenvolvimento da teoria são subconjuntos de U. Quando está

assim fixado um "conjunto universal" (também referido, às vezes, como o "universo (ou domínio) de

trabalho", ou "universo do discurso"), é usual chamar apenas complementar de um dado conjunto A (com

A ⊆ U , naturalmente) ao conjunto U - A, que se denota então por Ac. Mais ainda, nesse caso pode

14 O termo "intersecção nula" é também empregue significando "intersecção vazia" (e, naturalmente, "intersecção não nula"

significa "intersecção não vazia").

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escrever-se (uma vez que está implícito que todos os elementos em consideração pertencem ao dito

conjunto universal):

Ac = {x: x ∉ A}

(em vez de Ac também se usa a notaçãoA )

Nota :

Se A e B forem finitos, tem-se as seguintes regras imediatas de cálculo da cardinalidade de A∪B e de A-B

(como dissemos atrás, por enquanto limitar-nos-emos a trabalhar com a cardinalidade de conjuntos finitos):

#(A ∪ B) = #(A) + #(B) - #(A ∩ B)

#(A - B) = #(A) - #(A ∩ B)

As principais propriedades destas operações (de união, intersecção e diferença de conjuntos) são descritas

em alguns dos exercícios a seguir.

Antes de terminar esta breve revisão deste tópico, justificam-se apenas algumas observações acerca das

regras de precedência no cálculo destas operações, bem como acerca do interrelacionamento entre estas e as

outras notações atrás introduzidas para relacionar conjuntos, ou elementos e conjuntos (como ∈, ∉, =, ⊆ e

⊂). Estas regras são fundamentais para podermos omitir alguns parênteses na escrita de expressões

envolvendo estas noções.

Como a ∪ é associativa (ver exercícios a seguir), é irrelevante se se interpreta A∪B∪C como

(A∪B)∪C, ou como A∪(B∪C). Igual comentário pode ser feito a propósito do significado de A∩B∩C.

Por outro lado, apesar das relações óbvias existentes entre as operações de intersecção e união e as

operações lógicas de conjunção e disjunção, não iremos aqui assumir que a operação de intersecção tenha

precedência sobre a operação de união (ao contrário do que assumimos a propósito das correspondentes

operações lógicas15). Assim, por exemplo, não escreveremos neste texto expressões como A∩B∪C; ou

escrevemos (A∩B)∪C ou escrevemos A∩(B∪C). Mais geralmente, qualquer sequência de operações com

conjuntos, que não seja uma sequência de uniões, ou de intersecções, exige a utilização de parênteses para

especificar a ordem em que tais operações devem ser executadas.

Por outro lado, no que respeita à avaliação de expressões envolvendo ∈ (ou ∉, =, ⊆, ⊂) e operações

com conjuntos (∪, ∩ ou -), o usual é considerar-se (tal como noutros domínios) que as operações são

realizadas antes (da avaliação) dos "testes"16. Assim, por exemplo,

15 Em que, à semelhança do que se passa com as operações de multiplicação e adição, se assumiu que a operação de conjunção

(também conhecida como o "produto lógico" - o valor de verdade de uma conjunção pode ser obtido como o produto dos valores

de verdade das proposições argumento) tem precedência sobre a operação de disjunção (também conhecida como a "soma

lógica" - mas onde a soma lógica de 1 com 1 dá 1, e não 2, que não é um valor de verdade).16 O termo "teste" é vulgarmente utilizado com o mesmo sentido que predicado (ou função booleana: função com resultado

verdadeiro ou falso, i.e. com resultado nos booleanos). Podemos ver =, ∈, etc. como símbolos de predicados especiais, tais como

podemos ver <, >, etc. como predicados (de facto, qualquer relação binária pode ser vista como uma, ou pode ser traduzida por

uma, função booleana: ver próximos capítulos).

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x ∈ A ∪ B significa x ∈ (A ∪ B) (e não (x ∈ A) ∪ B, expressão que aliás não faria sentido)

D ⊆ A - B significa D ⊆ (A - B) (e não (D ⊆ A) - B, expressão que também não faria sentido)

Exercícios :

1. Demonstre que (para A, B e C conjuntos, quaisquer):

a) A ∪ ∅ = A

b) A ∪ B = B ∪ A (∪ é comutativa)

c) (A ∪ B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C) (∪ é associativa)

d) (A ∪ A) = A

e) A ⊆ A ∪ B

f) A ⊆ B ⇔ A ∪ B = B

2. Enuncie as propriedades que correspondem às propriedades anteriores quando se considera as intersecções

em vez das uniões ? Demontre-as.

3. Demonstre as seguintes propriedades, ditas distributivas (onde A, B e C designam conjuntos quaisquer):

a) A ∩ (B ∪ C) = (A ∩ B) ∪ (A ∩ C)

b) A ∪ (B ∩ C) = (A ∪ B) ∩ (A ∪ C)

4. Demonstre as seguintes propriedades, ditas leis de De Morgan (onde A, B e C designam conjuntos

quaisquer):

a) A - (B ∪ C) = (A - B) ∩ (A - C)

b) A - (B ∩ C) = (A - B) ∪ (A - C)

5. Demonstre que se tem (para A, B, C e D conjuntos, quaisquer):

a) A - B = A - (A ∩ B)

b) A - B = (A ∪ B) - B

c) A = (A - B) ∪ (A ∩ B)

d) A ∩ (B - C) = (A ∩ B) - (A ∩ C)

e) (A - B) - C = A - (B ∪ C)

f) A - (B - C) = (A - B) ∪ (A ∩ C)

g) (A - B) ∩ (C - D) = (A ∩ C) - (B ∪ D)

h) A - B = A ⇔ A ∩ B = ∅

i) (A - B) ∪ B = (A ∪ B) - B ⇔ B = ∅

6. Supondo fixado um conjunto universal U, demonstre as seguintes propriedades da operação de

passagem ao complementar:

a) ∅c = U

b) Uc = ∅

c) (Ac)c = A

d) A ⊆ B ⇔ Bc ⊆ Ac

7. a) Interprete geometricamente (como subconjuntos de |R) os seguintes conjuntos:

A = {x: |x| <2} , B = {x: |x-5| < 0.5} , C = {x: |x| ≥ 1}

b) Determine A ∩ C , B ∩ C , A ∪ C , B ∪ C

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8. a) Interprete geometricamente (como subconjuntos do "plano" |R2) os seguintes conjuntos:

A = {(x,y): x2 + y2 ≤ 1} , B = {(x,y): x > 12

} , C = {(x,y): x < y} , D = {(x,y): xy ≥ 0}

b) Recorrendo à interpretação geométrica, determine:

A ∩ D , A ∩ Bc , B ∩ C ∩ D , B ∪ D

9. Considere a linguagem de programação Mathematica. Construa um programa nessa linguagem que,

recebendo dois conjuntos de números (representados por listas), retorna:

a) o respectivo conjunto intersecção.

b) o respectivo conjunto união.

c) a diferença entre o primeiro e o segundo conjunto.

10. Considere a linguagem de programação Mathematica. Construa um pacote Mathematica que permita a

manipulação de conjuntos (finitos) de "forma abstracta" (independente da representação que está a ser

considerada para os conjuntos). Tal pacote deverá disponibilizar as principais operações (e "testes")

sobre conjuntos, bem como uma operação que recebendo um conjunto e um elemento, acrescenta este

ao conjunto.

Secção 3: Uniões e intersecções de conjuntos generalizadas.

A operação de união pode ser definida, de uma forma natural, para uma colecção arbitrária de conjuntos,

como se mostrará nesta secção.

Como vimos, se A e B são conjuntos, então a união de A com B é o conjunto formado pelos

elementos que pertencem a A ou a B, conjunto que se denota por A ∪ B.

Se temos uma colecção finita de conjuntos {A1, ..., An}, então, como a união é associativa, podemos

escrever

A1 ∪ ... ∪ An

para designar a união desses n conjuntos. (Está implícito que n>1; no entanto, se n=1, então surge natural

definir A1 ∪ ... ∪ An = A1 17 .)

Outras notações utilizadas para designar o conjunto anterior são:

i=1

n

U Ai ou 1≤ i≤ nU Ai ou

i=1,...,nU Ai

Até agora considerámos apenas a união finita de conjuntos (i.e. a união de um número finito de

conjuntos). Mas, suponha-se agora que temos um conjunto infinito de conjuntos {Ai: i∈|N1}. Qual o

significado a dar à união de todos os conjuntos dessa colecção ?

A extensão natural da união finita consiste em dizer que tal união deve ser igual ao conjunto formado

pelos elementos que pertencem a algum dos Ai, isto é, ao conjunto

17 Pode mesmo estender-se esta definição ao caso em que n = 0, definindo A1 ∪ ... ∪ An como sendo, nesse caso, o elemento

neutro para a união, isto é o conjunto vazio. No entanto, uma extensão análoga para a intersecção depararia com problemas

(salvo quando se fixa um universo de trabalho U, considerando que todos os conjuntos em consideração são subconjuntos desse

universo de trabalho, em cujo caso se pode definir A1 ∩ ... ∩ An como sendo o próprio U, quando n = 0).

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{x: x ∈ Ai para algum i∈|N1} (i.e., {x: ∃i∈|N1 x ∈ Ai})

conjunto que poderemos denotar de qualquer uma das maneiras que se segue:

A1 ∪ A2 ∪ ... ∪ An ∪ ...

i≥1U Ai

i∈N1U Ai

i=1

U Ai

Esta ideia pode ser generalizada de modo a se definir a união de um qualquer conjunto não vazio de

conjuntos (falando-se então, por vezes, de união generalizada de conjuntos):

Definição 1 :

Se B é um conjunto não vazio de conjuntos, então a união da colecção B denota-se por

A∈βU A , ou por ∪B ,

e define-se como se segue18:

∪B = {x: x ∈ A para algum A ∈ B} (i.e., {x: ∃A ∈ B x ∈ A})

Analogamente se estende a intersecção finita à intersecção de um qualquer conjunto não vazio de

conjuntos (intersecções generalizadas):

Definição 2 :

Se B é um conjunto não vazio de conjuntos, então a intersecção da colecção B denota-se por

A∈βI A , ou por ∩B ,

e define-se como se segue:

∩B = {x: x ∈ A para todo o A ∈ B} (i.e., {x: ∀A ∈ B x ∈ A})

Exemplos :

1. Seja Xi = {y∈|R: 2 ≤ y ≤ 2+

1i} (i.e. o intervalo de reais [2, 2+

1i]), para i∈|N1, e seja B = {Xi: i∈|N1}.

• Neste caso, a união generalizada ∪B (i.e. ∪{Xi: i∈|N1}) pode ser representada não só por

18 Se B pudesse ser o conjunto vazio, então a definição a seguir conduziria a definir a união de uma colecção vazia de

conjuntos como sendo o conjunto vazio. No entanto, a intersecção de uma colecção vazia de conjuntos daria origem a uma

colecção (a colecção de "todos os elementos") demasiado "grande" para poder ser considerada um conjunto (sobre isto veja-se

também a nota de rodapé anterior).

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AA∈{X i :i∈|N1}

U

mas também, mais simplesmente, por

i≥1U Xi

e é igual a {y∈|R: 2 ≤ y ≤ 3} (i.e. o intervalo de reais [2, 3])

• Analogamente: ∩{Xi: i∈|N1} =

i≥1I Xi = {2}

2. Seja B = {{1,2,3}, {2,4,5,7}, {1,2,5}}. Neste caso:

• ∪B = A∈βU A = {1,2,3} ∪ {2,4,5,7} ∪ {1,2,5} = {1,2,3,4,5,7}

• ∩B = A∈βI A = {1,2,3} ∩ {2,4,5,7} ∪ {1,2,5} = {2}

Exercícios :

1. Seja Ai = {0, ..., i-1}, para i∈|N1. Diga a que é igual ∩{Ai: i∈|N1}.

2. Seja E um conjunto qualquer. Demontre que ∪℘(E) = E.

3. Seja A um conjunto e B um conjunto não vazio de conjuntos. Demonstre que se têm as chamadas leis

distributivas generalizadas:

a) A ∩ (∪B) = ∪{A ∩ X : X ∈ B}

b) A ∪ (∩B) = ∩{A ∪ X : X ∈ B}

4. Seja A um conjunto e B um conjunto não vazio de conjuntos. Demonstre que se têm as chamadas leis

de De Morgan generalizadas:

a) A - (∪B) = ∩{A - X : X ∈ B}

b) A - (∩B) = ∪{A - X : X ∈ B}

Secção 4: Sacos ("Bags", "Multisets").19

Duas das características fundamentais dos conjuntos são (no que se segue podemos pensar essencialmente

em conjuntos finitos):

i) num conjunto não interessa a ordem porque enumeramos os seus elementos;

ii) eventuais repetições de elementos, que ocorram na enumeração dos elementos de um conjunto, são

irrelevantes.

19 Nesta secção segue-se, essencialmente, o texto [30].

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Se alterarmos estas características ("restrições") obtemos outras estruturas de dados:

• mantendo i) e "eliminando" ii) (ou, mais precisamente, substituindo ii) pela sua negação) obtemos os

"sacos", estrutura que discutiremos nesta secção;

• "eliminando" i) e ii) obtemos as sequências, estrutura que discutiremos na próxima secção20.

Um saco ("bag" ou "multiset") é uma colecção de objectos que pode ter um número finito de

ocorrências repetidas de certos objectos. Duas importantes características de um saco são:

1) num saco não interessa a ordem porque enumeramos os seus elementos;

2) eventuais repetições de elementos, que ocorram na enumeração dos elementos de um saco, contam.

Como exemplos, do dia a dia, e de problemas em que ocorrem estruturas deste tipo (que de algum

modo podem servir de motivação do nome de "saco" que lhes é dado) podemos pensar nos problemas bem

conhecidos de probabilidades em que se considera que num saco (ou numa urna) ocorrem x bolas brancas e

y bolas pretas (e em que p.ex. se retira uma bola e se quer saber qual a probabilidade de ser branca).

Para diferenciarmos sacos de conjuntos, iremos supor que na definição de um saco os seus elementos

são escritos, separados por vírgulas, entre parênteses rectos (em vez de ser entre chavetas).

Por exemplo, [h, u, g, h] será um saco com 4 elementos, e um saco (urna) com três bolas brancas e

duas bolas pretas pode ser representado por [b, b, b, p, p] (ou por [p, b, b, b, p], uma vez que a ordem

porque enumeramos os elementos do saco é irrelevante). Usando o símbolo # para representar o número de

elementos (o cardinal) de um saco, tem-se, por exemplo, #([h, u, g, h]) = 4 e #([b, b, b, p, p]) = 5.

A noção de pertença a um saco pode representar-se usando o mesmo símbolo que para os conjuntos:

x∈A sse existir alguma ocorrência do objecto x no saco A.

O facto de um saco se caracterizar por não interessar a ordem porque enumeramos os seus elementos,

mas por contarem eventuais repetições que ocorram na enumeração dos seus elementos, traduz-se

naturalmente na forma como definimos igualdade entre sacos:

Dois sacos A e B são iguais, o que se denota escrevendo A=B, se o número de ocorrências de cada

elemento x em A (i.e. pertencente a A) coincide com o número de ocorrências de x em B, e (vice-versa) o

número de ocorrências de cada elemento x em B coincide com o número de ocorrências de x em A 21.

Por exemplo, [h, u, g, h] = [h, h, u, g], mas [h, u, g, h] ≠ [h, u, g] e [h, u, g, h] ≠ [h, u, g, h, z].

20 Normalmente não se considera as estruturas de dados que se obteriam mantendo ii) e "eliminando" i), isto é, estruturas em

que a ordem de enumeração dos elementos fosse relevante, mas eventuais repetições de elementos não (embora se considere,

por vezes, sequências onde não se permite repetições de elementos).21 Saliente-se que os sacos não são uma estrutura de dados essencial, no sentido em que poderíamos (falando informalmente)

representar a informação que eles contêm recorrendo aos conjuntos (eventualmente de uma forma um pouco mais complicada).

Por exemplo, usando a noção de par ordenado, a introduzir na próxima secção, podíamos representar um saco A como o

conjunto de pares ordenados: {(x,n): x∈A ∧ n = nº de ocorrências de x em A}. Esta situação, em que um mesmo conceito pode

ser representado de várias maneiras, é uma situação comum em Matemática e em Ciência e Engenharia em geral: conforme a

natureza do problema em análise deve-se depois escolher a representação (desse conceito) mais adequada a tal problema.

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Igualmente se pode definir uma noção se "subsaco". Um saco A é um subsaco de um saco B, o que se

pode denotar (usando o mesmo símbolo que para os conjuntos) escrevendo A⊆B, se o número de

ocorrências de cada elemento x em A é menor ou igual do que o número de ocorrências de x em B.

Por exemplo [a, b] ⊆ [a, b, a], mas [a, b, b, a] / ⊆ [a, b, a]. Tal como para os conjuntos, tem-se que A

= B ⇔ A ⊆ B ∧ B ⊆ A.

No que respeita à junção de dois sacos, podemos definir duas operações distintas.

Uma operação, que podemos designar de soma de A e B, e representar por A+B, pode definir-se como

se segue: o número de ocorrências de um elemento x em A+B = ao número de ocorrências de x em A + o

número de ocorrências de x em B.

Por exemplo: [2, 2, 3] + [2, 3, 3, 4] = [2, 2, 2, 3, 3, 3, 4].

Por outro lado, podemos também definir uma operação de união de A com B, e representá-la (como

para os conjuntos) por A ∪ B, como se segue: o número de ocorrências de um elemento x em A ∪ B =

ao máximo entre o número de ocorrências de x em A e o número de ocorrências de x em B.

Por exemplo: [2, 2, 3] ∪ [2, 3, 3, 4] = [2, 2, 3, 3, 4]

Repare-se que, sendo A e B dois sacos, se A ⊆ B, então (tal como acontecia com os conjuntos) A ∪ B

= B. Pelo contrário em geral A + B ≠ B, mesmo que A ⊆ B (a única excepção consiste no caso em que A

é o saco vazio, isto é, A = [ ]).

Analogamente se pode definir uma operação de intersecção de A com B, e representá-la (como para os

conjuntos) por A ∩ B , como se segue: o número de ocorrências de um elemento x em A ∩ B = ao

mínimo entre o número de ocorrências de x em A e o número de ocorrências de x em B.

Por exemplo: [2, 2, 3] ∩ [2, 3, 3, 4] = [2, 3].

Exemplo :

Suponha-se que FP(x) denota o saco de números primos que ocorrem na factorização em números primos

do número inteiro positivo x (maior que 1). Por exemplo, tem-se:

FP(54) = [2, 3, 3, 3] e FP(12) = [2, 2, 3]

Se calcularmos a união destes dois sacos, obtém-se

FP(54) ∪ FP(12) = [2, 2, 3, 3, 3] = FP(108)

e 108 é o menor múltiplo comum de 54 e 12.

E se calcularmos a intersecção destes dois sacos, obtém-se

FP(54) ∩ FP(12) = [2, 3] = FP(6)

e 6 é o máximo divisor comum de 54 e 12.

Será que estas constatações são generalizáveis ?

Não aprofundaremos aqui o estudo dos sacos, uma vez que estas estruturas de dados não são muito

utilizadas em Matemática.

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Exercícios :

1. Diga se as afirmações seguintes são verdadeiras ou falsas:

a) #([0, 1, 1, 2, 2, 3, 3, 3]) = 4

b) [0, 0, 1, 2, 3] = [0, 1, 2, 3]

c) [0, 0, 1, 2, 3] ⊆ [0, 1, 2, 3]

2. Calcule:

a) [0, 1, 1, 2, 2, 3, 3, 3] + [0, 1, 2, 3]

b) [0, 1, 1, 2, 2, 3, 3, 3] ∪ [0, 1, 2, 3]

c) [0, 1, 1, 2, 2, 3, 3, 3] ∩ [0, 1, 2, 3]

3. Encontre um saco B que satisfaça simultaneamente as equações:

B ∪ [2, 2, 3, 4] = [2, 2, 3, 3, 4, 4, 5] e B ∩ [2, 2, 3, 4, 5] = [2, 3, 4, 5]

4. Como definiria uma operação de diferença para sacos ? Procure que a sua definição de A-B coincida com

a definição dessa operação para conjuntos, sempre que os sacos sejam como os conjuntos (i.e. sempre

que os sacos não tenham repetições de quaisquer elementos).

5. Considere a linguagem de programação Mathematica e considere que os sacos são representados nessa

linguagem por listas (embora, naturalmente, como num saco não interessa a ordem por que

enumeramos os seus elementos, diferentes listas podem representar o mesmo saco).

Construa um programa Mathematica que, recebendo dois sacos de números, retorna True se eles são

iguais, e False, no caso contrário (isto é, de outra forma, recebendo duas listas de números, retorna

True se elas representam o mesmo saco, e False, no caso contrário).

6. Considere a linguagem de programação Mathematica. Pretende-se construir um pacote Mathematica que

permita a manipulação de sacos de "forma abstracta" (independente da representação que está a ser

considerada para os sacos). Considerando, para simplificar, que tal pacote apenas tem de suportar a

manipulação de sacos de números (pelo que não tem de considerar sacos cujos elementos possam ser

outros sacos), construa esse pacote, disponibilizando as principais operações e "testes" sobre sacos

(cardinal, teste de igualdade, teste de pertença, teste de subsaco, soma, união e intersecção), bem como

uma operação que recebendo um saco e um número, acrescenta este ao saco.

Secção 5: Sequências e produto cartesiano de conjuntos.

Consideremos agora estruturas em que, ao contrário dos conjuntos e dos sacos, a ordem porque

enumeramos os elementos que as compõem é relevante (e em que eventuais repetições de elementos na

enumeração também contam, sendo essas ocorrências distinguidas pela posição em que ocorrem na

sequência).

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Informalmente, uma sequência, ou tuplo, é uma colecção de objectos, chamados os seus elementos,

onde existe um primeiro elemento, um segundo elemento, e assim por diante22. Os elementos de uma

sequência também são chamados membros ou componentes da sequência.

Descreveremos uma sequência escrevendo os seus elementos, separados por vírgulas, entre parênteses

curvos.

Por exemplo, o tuplo (2, R, 2) tem 3 elementos. O primeiro elemento do tuplo é 2, o segundo

elemento é a letra R e o terceiro elemento é 2.

Observação 1 (Descrição de sequências):

Como dissemos, descreveremos uma sequência escrevendo os seus elementos, separados por vírgulas, entre

parênteses curvos. No entanto, essa não é a única notação que é usada para descrever sequências. Por

exemplo, algumas vezes, em vez de se pôr os elementos de uma sequência entre parênteses curvos, põe-se

esses elementos entre < e >. Usando essa notação, a sequência (12, 3, 4) seria descrita por <12, 3, 4>.

Embora estas sejam talvez as duas notações mais usadas para representar sequências em matemática,

outras notações são também usadas em certos contextos, ou quando estamos a trabalhar com certos tipos

de sequências. Nomeadamente, por vezes omitem-se os parênteses na descrição de uma sequência,

enumerando-se simplesmente os seus elementos, e separando-os por vírgulas; e, quando se trabalha com

sequências de caracteres (strings), então é vulgar omitir-se mesmo as vírgulas, não incluindo qualquer

separação entre os elementos da sequência (o que não é problemático, em virtude de ser claro onde começa

e acaba cada elemento da sequência, uma vez que se assume que esta é formada por simples caracteres).

Por outro lado, as listas da linguagem de programação Mathematica são (aí) representadas pondo os

seus elementos, separados por vírgulas, entre chavetas, apesar de tais listas corresponderem a sequências, e

não a conjuntos.

Do que se disse anteriormente, facilmente se extraem as principais noções relevantes, associadas às

sequências.

Dada uma sequência s, o comprimento de s é o número de elementos de s (em vez do termo

comprimento de uma sequência também se utiliza, com o mesmo sentido, o termo cardinal da sequência).

Pode usar-se #s para denotar o comprimento de s (por analogia com o cardinal de um conjunto). Para

efeitos do cálculo do número de elementos de uma sequência, diferentes ocorrências de um mesmo

elemento na sequência contam como elementos diferentes. Assim, por exemplo, #(2, 1, 3, 2, 2) = 5.

Admite-se a existência de uma sequência vazia (i.e. sem qualquer elemento), que se representa por ( ).

22 Quando falamos em sequências estamos a pensar em "sequências finitas" . Na escola matemática portuguesa, usa-se o termo

sucessão para se referir a "sequências infinitas". Voltaremos a abordar este assunto mais tarde. Como veremos, uma sequência

de elementos de um certo conjunto E pode ser vista como uma família de elementos de E indexada por um conjunto apropriado

({1,...,k} (k>0) para as sequências finitas, |N1 para as sucessões). No entanto, a definição de família indexada por um conjunto

envolve a noção de função, que só abordaremos no capítulo 4.

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Uma sequência com n elementos também se diz um tuplo n-ário (ou sequência n-ária), um tuplo de

aridade n ou, ainda, um n-tuplo. Para certos valores de n, são dados particulares nomes aos tuplos n-ários:

aos tuplos de aridade 1 também se chama (como é usual) de tuplos unários23; aos tuplos de aridade 2 (ou

tuplos binários) chama-se vulgarmente de pares ordenados; aos tuplos de aridade 3 (ou tuplos ternários)

chama-se de ternos (ou triplos) ordenados; aos tuplos de aridade 4, chama-se de quádruplos ordenados; e

assim sucessivamente. Mais ainda, por vezes omite-se a palavra "ordenados" e fala-se simplesmente em

pares (ternos, ...), ficando implícito que se trata de pares (ternos, ...) ordenados.

Dada uma sequência s = (a1, ..., an), não vazia, diz-se que o elemento ai (com 1≤i≤n), que está na i-

ésima posição de s, é o i-ésimo elemento, ou a i-ésima componente de s 24. Igualmente se diz que ai é a i-

ésima projecção, ou a i-ésima coordenada de s.

Esta última terminologia pode ser vista como uma extensão a qualquer sequência da terminologia

vulgarmente usada para os pares ordenados, e que decorre da sua associação com a Geometria Analítica

plana. Esta tem como objecto o estudo do plano Cartesiano, o qual é identificado com o conjunto dos

pares de reais25, interpretando-se geometricamente (num dado referencial) cada par de reais (a,b) como um

ponto do plano: o ponto que tem como primeira coordenada a (a qual corresponde à projecção do ponto no

eixo horizontal das abcissas) e como segunda coordenada b (correspondente à sua projecção no eixo vertical

das ordenadas).

Uma sequência (a1, ..., an) (com n≥0) também se pode denotar escrevendo (ai)i=1,...,n, ou (ai)1≤i≤n,

subentendo-se que (a1, ..., an) é a sequência vazia () se n=0.

Definição 1 :

Duas sequências, s1 = (a1, ..., an) e s2 = (b1, ..., bk) são iguais, o que se denota escrevendo, s1 = s2, sse:

i) têm o mesmo número de elementos (i.e. n = k)

ii) e (ou são ambas vazias ou) têm as mesmas coordenadas (i.e. a1 = b1 ∧ ... ∧ an = bn).

Uma outra noção importante associada às sequências é a noção de subsequência.

Informalmente, uma sequência s1 = (a1, ..., an) é uma subsequência de uma sequência s2 = (b1, ..., bk)

sse s1 se pode obter de s2 retirando alguns (eventualmente nenhum) dos elementos de s2 (sem alterar a

ordem dos restantes).

Por exemplo, (a, b) é uma subsequência de (c, a, d, b), mas (a, a, a) não é uma subsequência de (a, b,

a). Por outro lado (a, b, a) é uma subsequência de (a, b, a), uma vez que uma sequência s é (sempre) uma

subsequência de si própria. Se se quiser especificar que s1 é uma subsequência de s2, distinta de s2 (i.e. que

s1 é uma subsequência de s2 e #s1<#s2), então diz-se que s1 é uma subsequência própria (ou estrita) de s2.

23 Uma sequência unária (a) é muitas vezes identificada com o próprio objecto a. No entanto, em certos contextos temos

interesse em distinguir a sequência unária (a) do único objecto a que a compõe, pois existem certas operações que faz sentido

efectuar sobre sequências (como concatenação, ou junção, de duas sequências), mas não sobre objectos.24 A i-ésima componente de uma sequência s também se denota, por vezes, escrevendo si.25 O termo produto Cartesiano, a introduzir à frente, vem de Rene Descartes, o "pai" da Geometria Analítica.

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Apesar do conceito de subsequência ser intuitivamente evidente, a definição rigorosa de tal noção,

recorrendo apenas aos conceitos dados até ao momento, não é simples26. Assim, com o fim de não

obscurecer a assimilação destes conceitos básicos, não nos preocuparemos, pelo menos por enquanto, em

formalizar tal noção (de qualquer forma, uma possível formalização é indicada na última nota de rodapé).

Observação 2 (Representação de sequências como conjuntos):

Tal como os sacos não eram uma estrutura de dados essencial, no sentido em que podíamos representar a

informação que eles contêm recorrendo aos conjuntos (veja-se a nota de rodapé 21), também as sequências

não são estruturas de dados essenciais27, podendo ser representadas recorrendo a conjuntos (embora de

forma mais complicada).

Uma hipótese possível é descrita a seguir (basicamente a título de curiosidade):

• a sequência vazia () pode ser representada pelo conjunto vazio ∅;

• uma sequência unária (a) pode ser representada pelo conjunto singular {a};

• e as sequências mais interessantes (i.e. aquelas em que a noção de ordem é relevante, por terem pelo

menos dois elementos), podem ser representadas, a partir de uma apropriada representação dos pares

ordenados, p.ex. como se segue:

- um par ordenado (a, b) pode ser representado28 por um conjunto da forma {a, {a,b}}

- um triplo ordenado (a, b, c) pode ser identificado com um par ordenado ((a, b), c), e portanto

representado por um conjunto da forma {{a, {a,b}}, {{a, {a,b}}, c}};

- e assim sucessivamente (de forma recursiva), identificando cada sequência (a1, ..., an) (com n>2)

com o par ordenado ((a1, ..., an-1), an).

Embora a definição de um par ordenado (a, b) como um conjunto da forma {a, {a,b}} permita efectuar

as deduções lógicas em que intervêm a noção em causa (e obter, portanto, as mesmas propriedades para os

pares ordenados), tal definição "parecerá certamente demasiado abstracta - por excessivamente afastada da

noção intuitiva de par ordenado - a quem inicia o estudo da teoria dos conjuntos. Parece-nos por isso

26 Considere-se, por exemplo, a seguinte tentativa de definir subsequência: s1=(a1, ..., an) é uma subsequência de s2=(b1, ..., bk)

sse n≤k ∧ ∀1≤i≤n ∀1≤j≤n ∃1≤k≤n ∃1≤t≤n (bk = ai ∧ bt = aj ∧ (i<j ⇒ k<t)). De acordo com esta definição (a, a, a) seria uma

subsequência de (a, b, a), o que não é o caso.

Uma definição simples de subsequência pode ser obtida, recorrendo a funções crescentes entre os respectivos conjuntos de

índices, como se segue: s1=(a1, ..., an) é uma subsequência de s2=(b1, ..., bk) sse n≤k e existe uma aplicação f, estritamente

crescente (noção definida no capítulo 6), entre {1,...,n} e {1,...,k} tal que, para qualquer i=1,...n, se tem ai = bf(i).27 Dizer que as sequências não são estruturas de dados essenciais é enganador! Elas são essenciais! O que se pretende dizer

em cima é que elas não são estruturas básicas (não têm de ser primitivas), podendo ser definidas à custa dos conjuntos.28 Esta representação foi proposta por Kuratovski em 1921. Não iremos mostrar aqui que esta representação serve, no sentido

de que garante que (a,b) = (c,d) sse (a=c ∧ b=d): tal é deixado ao cuidado do leitor. Veja-se, no entanto, porque é que algumas

possíveis representações mais simples não funcionam: a representação de (a,b) por {a,b} não serve, pois conduziria a

(a,b)=(b,a) mesmo com a≠b; pela mesma razão não serve representar (a,b) por {{a},{b}}; e igualmente não serve representar

(a,b) por {a,{b}} - obter-se-ia, por exemplo, ({2},2) "=" {{2},{2}} = {{2}} "=" ({2}) (usando a representação indicada acima

para as sequências unárias), bem como ({{2}},2) "=" {{{2}},{2}} = {{2},{{2}}} "=" ({2},{2}).

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preferível não definir aqui a noção de par ordenado, a qual poderá ser encarada como noção primitiva." (O

comentário entre " ", com que se concorda, é extraído da nota de rodapé 2, da pág. 22, do texto [19]).

Por outro lado, embora se possa identificar um triplo ordenado com um par ordenado, preferimos (ao

contrário do que se faz no texto acabado de referir, e em muitos outros textos) não efectuar tal

identificação, pelo menos para já. O facto de uma estrutura poder ser representada por outra, não significa

que conceptualmente não sejam estruturas distintas (por exemplo, em certos contextos, e pelo menos em

termos intuitivos, um par de pontos, da forma ((a1,b1), (a2,b2)), não é o mesmo que um quádruplo

(a1,b1,a2,b2), apesar de qualquer uma das estruturas poder ser usada para representar a outra). Assim, para já

encararemos a noção de sequência de n elementos como uma noção primitiva.

Associados a certos tipos de sequências aparecem certos tipos de conjuntos, de grande importância em

matemática. A eles passamos imediatamente.

Definição 2 :

a) Dados dois conjuntos A e B, chama-se de produto cartesiano de A e B (ou de A por B), ao conjunto,

que se representa por A x B, que é formado por todos os pares ordenados cujo primeiro elemento

pertence a A e cujo segundo elemento pertence a B. Simbolicamente:

A x B = {(y, z): y ∈ A ∧ z ∈ B}

b) Se A = B, o produto cartesiano A x B (isto é, A x A) chama-se quadrado cartesiano de A e designa-se

usualmente por A2.

Como é imediato de verificar, o produto cartesiano não é comutativo (veja-se o exemplo já a seguir).

Exemplo 1 :

Sendo A = {1, 2, 3} e B = {3, 4}, tem-se:

• A x B = {(1,3), (1,4), (2,3), (2,4), (3,3), (3,4)}

• B x A = {(3,1), (3,2), (3,3), (4,1), (4,2), (4,3)}

• A2 = {(1,1), (1,2), (1,3), (2,1), (2,2), (2,3), (3,1), (3,2) (3,3)}

• B2 = {(3,3), (3,4), (4,3) (4,4)}

• A x ∅ = ∅ x A = ∅

A definição anterior estende-se trivialmente a quaisquer n (≥2) conjuntos:

Definição 3 :

a) Dados n (≥2) conjuntos A1, ..., An, chama-se de produto cartesiano de A1, ..., An, ao conjunto, que se

representa por A1 x ... x An, assim definido:

A1 x ... x An = {(y1, ..., yn): y1 ∈ A1 ∧ ... ∧ yn ∈ An}

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b) Se A1 = ... = An = A, então o conjunto A1 x ... x An diz-se a n-ésima potência cartesiana de A e

representa-se usualmente por An.

Exemplo 2 :

Seja A = {1, 2, 3}, B = {3, 4}, C = {a,b} e D = {5}. Então:

• A x B x C =

{(1,3,a), (1,4,a), (2,3,a), (2,4,a), (3,3,a), (3,4,a), (1,3,b), (1,4,b), (2,3,b), (2,4,b), (3,3,b), (3,4,b)}

• A x B x D = {(1,3,5), (1,4,5), (2,3,5), (2,4,5), (3,3,5), (3,4,5)}

• A x D x B = {(1,5,3), (1,5,4), (2,5,3), (2,5,4), (3,5,3), (3,5,4)}

• B2 = {(3,3,3), (3,4,3), (4,3,3) (4,4,3), (3,3,4), (3,4,4), (4,3,4) (4,4,4)}

• D2 = {(5,5)} e D3 = {(5,5,5)}

Por outro lado, a noção de potência cartesiana de um conjunto pode-se também generalizar aos casos

em que n=1 ou n=0, como se segue :

Definição 4 :

a) Dado um conjunto A, por A1 entender-se-á o conjunto A1 = {(x): x ∈ A}.

(Muitas vezes define-se A1 como sendo o próprio conjunto A, identificando a sequência unária (a) com

o objecto a: sobre isto veja-se a nota de rodapé 23).

b) Dado um conjunto A, define-se29 A0 = {( )}.

E, usando as definições anteriores, pode definir-se o conjunto A* formado por todas as sequências de

elementos de A (incluindo a sequência vazia), bem como o conjunto A+ formado por todas as sequências,

não vazias, de elementos de A, como se segue:

29 Talvez se justifique algumas palavras para a definição, a seguir, de A0 como {()}. Pense-se por exemplo na potência de um

número a, e nas razões por que se define a0 como sendo 1: pretende-se que an = a0+n = a0 * an ; logo a0 tem de ser o elemento

neutro para a multiplicação * (i.e. 1). No caso das sequências, nomeadamente se pensarmos em sequências de caracteres

(strings - ver nota de rodapé a seguir), a operação de base é a concatenação (ou junção) de sequências, a seguir designada por

um ponto "•" (por exemplo, (a,b)•(c) = (a,b,c), (a,b)•(c,d) = (a,b,c,d), etc). Estendendo esta operação a conjuntos de sequências,

podemos definir a "concatenação" de conjuntos de sequências, X e Y, como se segue: X • Y = {s1•s2 : s1∈X ∧ s2∈Y}, e definir

a potência cartesiana da seguinte forma: A1 = {(x): x∈A}, A2 = A1+1 = A1•A1 = {(a)•(b): (a)∈A1 ∧ (b)∈A1} = {(a,b): a,b∈A}

e, assim sucessivamente, An+1 = An • A1 (para n≥1). Deste modo, se quisermos dar significado a A0, deve ter-se: An = A0+n =

A0•An, pelo que A0 terá de ser o elemento neutro para a operação de concatenação em causa, i.e. o conjunto formado pela

sequência vazia (uma vez que a sequência vazia () concatenada com qualquer sequência s dá esta mesma sequência s).

No capítulo 4, quando nos debruçarmos sobre as famílias, abordaremos esta definição (de A0 como {()}) noutra

perspectiva.

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Definição 5 :

Dado um conjunto A, define-se:

a) A* = i≥ 0U Ai

b) A+ = i≥1U Ai

Para terminar esta introdução às sequências, refira-se que, nomeadamente em Computação, existe um

conjunto de outros termos que são usados para estruturas que na sua essência não são mais do que

sequências, como, por exemplo, listas, arrays (vectores), strings, etc. O que distingue tais estruturas de

dados são fundamentalmente as operações que se considera associadas a elas: por exemplo, associado às

strings temos a operação de concatenação (ou junção) de duas strings; associado às listas temos

normalmente (entre outras) uma operação que nos dá a cauda de uma lista (não vazia)30; etc. A noção de

tipo de dados como consistindo num conjunto de valores31 e num conjunto de operações predefinidas sobre

esses valores é um conceito fundamental em Ciência da Computação, mas que não aprofundaremos nesta

disciplina.

Exercícios :

1. Seja A o conjunto {3, 4, 7, 8, 9, 23}. Sem calcular A3, diga quantos elementos tem esse conjunto.

2. Sejam A e B os seguintes conjuntos de letras: A = {a, b, c} e B = {a, b}. Diga a que é igual:

a) A x B

b) B x A

c) A x B x A

d) A0

e) A1

f) A2

g) A3

h) A2 ∩ A x B

3. Sejam A, B, C, D conjuntos, quaisquer. Demonstre que:

a) Se A, B, C e D são não vazios, então A x B = C x D ⇔ A = C ∧ B = D

b) Se A e B não são vazios, então A x B ⊆ C x D ⇔ A ⊆ C ∧ B ⊆ D

c) A x (B ∪ C) = (A x B) ∪ (A x C)

d) (A ∪ B) x C = (A x C) ∪ (B x C)

e) A x (B ∩ C) = (A x B) ∩ (A x C)

f) (A ∩ B) x C = (A x C) ∩ (B x C)

g) (A - B) x C = (A x C) - (B x C)

30 Operação Rest na linguagem de programação Mathematica.31 Que podem ser números, sequências, etc.

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4. (União disjunta de dois conjuntos)

Por vezes queremos juntar dois (ou mais) conjuntos, mas de maneira a que, ao contrário do que se

passa com a união usual, não se identifique o mesmo elemento, quando ele provém de diferentes

conjuntos (de forma de certo modo análoga à que se passa com a soma de dois sacos). Tal é

conseguido, efectuando "cópias" dos elementos, de modo a que cópias provenientes de diferentes

conjuntos sejam necessariamente distintas.

A união disjunta de dois conjuntos (operação a seguir designada pelo símbolo ⊕) pode ser definida

(por exemplo) como se segue32:

A ⊕ B = (A x {0}) ∪ (B x {1})

Por exemplo, {a, b} ⊕ {b, c} = {(a,0), (b,0), (b,1), (c,1)}.

Considere a linguagem de programação Mathematica. Representando um par ordenado (x,y) pela

lista {x,y} e um conjunto pela lista dos seus elementos, construa um programa (i.e. uma função)

Mathematica que, recebendo (a representação de) dois conjuntos, retorna (a representação) da sua união

disjunta.

32 O nome de união disjunta vem de que tal operação corresponde a fazer a união de duas "cópias" de A e B - Ax{0} e Bx{1} -

que são disjuntas, i.e. que satisfazem (A x {0}) ∩ (B x {1}) = ∅, como é imediato de verificar.