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51 CAPÍTULO 2 Complexidade e espaço ocupacional: conceitos complementares ao de competência e fundamentais para a compreensão da gestão de pessoas Introdução Nos primeiros trabalhos em que utilizarmos o conceito de competência, verificamos uma limitação natural na sua aplicação. Oriundo da escola americana, o conceito tinha como ponto de partida o cargo e depois a adequação da pessoa ao mesmo. Mesmo em autores como Boyatzis (1982), que procura ampliar o conceito de cargo para um conjunto de expectativas em relação à pessoa no contexto organizacional, não há um aprofundamento da questão. Os autores que buscam efetuar uma discussão mais profunda do cargo, como Lawler (1990, 1992 e 1996), não conseguem propor algo consistente que possa substituí-lo como referência na gestão de pessoas dentro das organizações. A análise das empresas, entretanto, revelou que o cargo estava longe de expressar a realidade da gestão de pessoas. No final dos anos 80 e início dos anos 90 já era comum encontrar várias pessoas no mesmo cargo, com o mesmo salário e entregando coisas bem diferentes para a organização, sem que esta tivesse ferramentas confiáveis para mensuração, avaliação e tomada de decisão. Os autores franceses, por sua vez, apesar de centrar a avaliação nas pessoas e revendo a idéia de cargo (ZARIFIAN, 2001), não propunham alternativas.

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Page 1: CAPÍTULO 2 – COMPLEXIDADE - Moodle USP: e-Disciplinas · No final dos anos 80 e início dos anos 90 já era comum encontrar várias pessoas no mesmo cargo, com o mesmo salário

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CAPÍTULO 2

Complexidade e espaço ocupacional: conceitos complementares

ao de competência e fundamentais para a compreensão da gestão

de pessoas

Introdução

Nos primeiros trabalhos em que utilizarmos o conceito de competência, verificamos

uma limitação natural na sua aplicação. Oriundo da escola americana, o conceito

tinha como ponto de partida o cargo e depois a adequação da pessoa ao mesmo.

Mesmo em autores como Boyatzis (1982), que procura ampliar o conceito de cargo

para um conjunto de expectativas em relação à pessoa no contexto organizacional,

não há um aprofundamento da questão. Os autores que buscam efetuar uma

discussão mais profunda do cargo, como Lawler (1990, 1992 e 1996), não

conseguem propor algo consistente que possa substituí-lo como referência na

gestão de pessoas dentro das organizações. A análise das empresas, entretanto,

revelou que o cargo estava longe de expressar a realidade da gestão de pessoas.

No final dos anos 80 e início dos anos 90 já era comum encontrar várias pessoas

no mesmo cargo, com o mesmo salário e entregando coisas bem diferentes para a

organização, sem que esta tivesse ferramentas confiáveis para mensuração,

avaliação e tomada de decisão.

Os autores franceses, por sua vez, apesar de centrar a avaliação nas pessoas e

revendo a idéia de cargo (ZARIFIAN, 2001), não propunham alternativas.

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Procuramos responder às seguintes questões: Como mensurar a entrega e a

agregação de valor da pessoa para a empresa, o negócio ou o meio em que se

insere? Como estabelecer parâmetros para a valorização da pessoa em função da

entrega? Como orientar as pessoas para que ampliem sua capacidade de agregar

valor? Sabíamos que o cargo já não era para nós uma referência.

Algumas ocorrências nos ajudaram a encontrar o caminho. Uma delas foi a

possibilidade de efetuar trabalhos na Unilever do Brasil, na época chamada de

Industrias Gessy-Lever, empresa subsidiária da Unilever, onde entramos em

contato com a adaptação do sistema McBer ali efetuada. Essa adaptação é

trabalhada por Boulter (1992) e mostra a necessidade da empresa de criar

gradações nas competências para avaliação mais adequada de seus gerentes.

Verificamos em outras subsidiárias no Brasil que de alguma forma, ocorrera o

mesmo com o uso do conceito de competências proposto pela McBer e que a

própria empresa de consultoria já oferecia essa gradação aos novos clientes. Com

a criação da Hay/McBer, a proposição das competências já trazia propostas de

gradação. Observamos que as gradações, nas empresas estudadas apresentavam

formatações diferentes, mas todas tinham em comum a tentativa de estabelecer

padrões de complexidade.

Outra ocorrência foi a demanda de algumas empresas para revisar seus sistemas

de remuneração sem utilizar a forma tradicional de fatores e pontos. Elas queriam

sistemas mais simples e amigáveis. A busca de alternativas nos conduziu

novamente ao uso de padrões de complexidade para explicar as diferenças de

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contribuição das pessoas. Padrões para mensuração de complexidade não eram

novidade: já que existiam de forma estruturada desde a década de 50. Foram

padrões desse tipo que a Hay utilizou para desenvolver sua sistemática de

remuneração e que a tornaram mundialmente conhecida. Seu sistema de

diferenciação de cargos não considerava unicamente o posicionamento do cargo

na estrutura de comando, incluindo uma série de fatores que mensuravam a

complexidade da posição. Desse modo, pessoas em mesmo nível de comando

poderiam ter padrões de remuneração diferenciados em função da complexidade

de suas posições. Sempre houve por trás dessa proposta a premissa de que a

agregação de valor estava vinculada ao nível de complexidade das atribuições e

responsabilidades do cargo. Para definir complexidade, a Hay utilizou os seguintes

parâmetros: amplitude gerencial, conhecimentos técnicos, complexidade das

atribuições (quanto menos estruturada, maior a complexidade) e complexidade das

responsabilidades (medida em termos de grau de autonomia decisória, de impacto

nos resultados e de abrangência da decisão). A Hay, entretanto, sempre utilizou o

cargo como referência. Com a falência do cargo como elemento de caracterização

da contribuição da pessoa para a organização, algumas empresas começaram a

contestar a eficiência dessa sistemática.

O conceito de complexidade sempre esteve presente na classificação dos cargos e

se mostrou muito adequado quando atribuído às pessoas que os exerciam. Para

desenvolver métricas aplicáveis às pessoas, investigamos e pesquisamos trabalhos

já elaborados e encontramos vários autores que vinham refletindo na mesma

direção. Cabe destacar os seguintes: Dalton e Thompson (1993), Jaques (1967,

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1988, 1990, 1994), Rowbottom e Billis (1987) e Stamp (1989, 1993, 1993j, 1994j e

1994a).

Ao abandonarmos o cargo como referência tornou-se muito importante cunhar um

termo que explicasse o conjunto de atribuições e responsabilidades das pessoas

dentro de uma organização. Os autores de língua inglesa utilizavam job como

expressão genérica e que se confundia com a idéia de cargo. Passamos a utilizar a

expressão “espaço ocupacional” para expressar o conjunto de atribuições e

responsabilidades das pessoas, e constatamos que o espaço que elas ocupam é

dinâmico. O que no início era uma expressão se tornou gradativamente um

conceito. Verificamos também que a dinâmica do espaço ocupacional de uma

pessoa na organização e sua demarcação em determinado momento são

estabelecidas, de um lado, pelas necessidades da empresa, negócio ou meio

ambiente, e, de outro pela capacidade da pessoa em atender a essas necessidades.

Neste capítulo, serão aprofundados os conceitos de complexidade e espaço

ocupacional e sua articulação com o conceito de competência.

O uso do conceito de complexidade para a compreensão da gestão de

pessoas na organização contemporânea

A questão da complexidade nos processos de valorização das pessoas sempre

esteve presente. Pesquisadores como Jaques (1967) já produziam reflexões a esse

respeito no final dos anos 50. Em 1956, Jaques escrevia sobre o assunto e o livro

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Equitable Payment foi publicado pela primeira vez em 1961. Jaques lançava a idéia

de “time span”, ou seja, “o maior período de tempo durante o qual o uso do

discernimento é autorizado e esperado, sem revisão por um superior” (JAQUES,

1967:21). O autor demonstra que quanto maior o time span, maior a complexidade

da posição e maior o nível remuneratório. Em suas proposições sobre

complexidade, Jaques é muito reducionista, acreditando que somente o time span

seria suficiente para determinar a complexidade. Seus seguidores Stamp (1989,

1993, 1993j, 1994j e 1994a) e Rowbottom e Billis (1987) demonstraram a

necessidade de elementos adicionais para essa caracterização. Nossos trabalhos

no Brasil caminharam também nessa linha. Tentamos definir várias dimensões de

complexidade para estabelecer a métrica que informasse o nível de contribuição da

pessoa e sua correlação com a valorização pela remuneração. Esses trabalhos

culminaram com a monografia apresentada por Hipólito (2000 e 2001), na qual o

autor sistematiza os trabalhos de pesquisa desenvolvidos na segunda metade dos

anos 90.

Le Boterf (2003) retoma a discussão ao ampliar o debate sobre competências.

Discute o que chamou de profissionalismo, inserindo questões sobre complexidade

e carreira. O sentido da discussão de Le Boterf é muito semelhante ao que norteou

nossos trabalhos, porém a ênfase difere. A preocupação de Le Boterf se concentra

em um saber combinatório, ou seja, a capacidade de a pessoa perceber as

transformações no ambiente e suas novas exigências e, a partir daí, mobilizar

adequadamente seu repertório e/ou buscar ampliá-lo. Nossa preocupação se

concentra em discutir a mensuração desse desenvolvimento. Le Boterf discute a

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carreira como a articulação combinatória de saberes necessários ao ambiente

profissional no qual a pessoa atua. Nós pensamos a trajetória da pessoa dentro de

determinado espectro de complexidade, partindo da premissa de que a realidade

do mercado e/ou da organização estabelece naturalmente limitações de

complexidade na qual a pessoa pode atuar, conforme veremos mais adiante.

Le Boterf define o profissional como “aquele que sabe administrar uma situação

profissional complexa” (2003:37), estabelecendo complexidade como o conjunto de

características objetivas de uma situação, as quais estão em processo contínuo de

transformação. Temos também utilizado complexidade para referir as

características objetivas da realidade, buscando, porém, estabelecer padrões

estáveis no tempo, que possibilitem chegar a uma métrica perene e aplicável a

diferentes realidades. Somente dessa forma seria possível estabelecer análises

comparativas entre diferentes empresas, mercados e momentos históricos. Para

nós, portanto, complexidade é característica intrínseca de determinada realidade.

Ela se liga ao fato de a situação exigir níveis diferentes de articulação do repertório

de determinada pessoa.

Para explicar melhor é necessário estabelecer uma distinção entre complexidade e

dificuldade. Se uma atividade de difícil execução puder ser sistematizada e

reproduzida com facilidade por outros profissionais de mesmo nível ela deixa de ser

complexa, mas continua sendo de difícil execução, como intervenções cirúrgicas

para extração de apêndice ou tonsilas; embora difíceis, porque uma pessoa sem

um preparo em medicina dificilmente poderia executá-las, não são complexas, pois

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são atividades facilmente incorporáveis ao repertório de cirurgião. Um transplante

de coração, por sua vez, mesmo que possa ser sistematizado, requer o

conhecimento de especialidades diferentes e a possibilidade de ocorrências

inesperadas é muito grande. Desse modo, o transplante de coração é uma atividade

de grande complexidade e irá exigir do profissional, que lidera uma equipe de

cirurgiões, larga experiência, legitimidade perante seus colegas e ter dado mostras

para seus clientes de que é competente para executar esse tipo de intervenção

cirúrgica. Pode ser que em futuro próximo, com os avanços da medicina, essa

intervenção deixe de ser complexa, mas continuará sendo de difícil execução.

Analogamente, na realidade vivida pelas organizações contemporâneas, em

ambiente em constante transformação, a complexidade não está na situação em si,

mas no que ela exige da pessoa. Esse padrão de exigência é a base para a

construção de nossas fitas métricas. Para cada realidade organizacional e de

trajetória de carreira, temos procurado estabelecer dimensões de complexidade que

retratem esses padrões de exigência. De forma genérica, podemos verificar essas

dimensões na Figura 2.1.

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Figura 2.1 – Dimensões de complexidade

Eixo de

Desenvolvimento

Estratégica

Tática

Operacional

Organização

Várias unidades

de negócio

Unidadede negócio

Área

Atividades

Baixo nível depadronização,estruturação e

rotina

Alto nível depadronização,estruturação

e rotina

Decide / Responde

Participa da decisão

Analisa e Recomenda

Sistematiza / Organiza

Coleta

Nível de

AtuaçãoEscopo de

Responsabilidade

Nível de Estruturação

das AtividadesTratamento da

Informação

Internacional

Nacional

Regional

Local

Abrangência

da Atuação

Baixo nível de

autonomia

Alto nível deautonomia

Autonomia e

Grau de Supervisão

I

II

III

IV

V

VI

Variáveis Diferenciadoras

Figura desenvolvida por José Hipólito para apresentação dessa sistemática em palestras sobre o tema.

Um aspecto importante para mensurar a complexidade é o impacto no contexto de

decisões ou ações da pessoa que pode ser medido, conforme mostra a figura 2.1,

pelo nível de atuação, abrangência da atuação e/ou escopo da responsabilidade.

Outros aspectos importantes da complexidade são: o nível de estruturação da

atividade, quanto menos estruturada maior a complexidade; como a pessoa trata a

informação e seu nível de autonomia decisória.

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Ao longo de sua utilização, a complexidade revelou-se um conceito importante para

se compreender a realidade da gestão de pessoas na empresa moderna.

Inicialmente, ele nos permitiu perceber com maior nitidez o processo de

desenvolvimento, favorecendo uma definição operacional de desenvolvimento

profissional. As pessoas se desenvolvem quando lidam com atribuições e

responsabilidades de maior complexidade. Observamos que o mercado e as

organizações utilizam naturalmente a complexidade como elemento de

diferenciação, mas nunca de forma estruturada. Ao estruturá-la, temos tido

facilidade em demonstrar o conceito para diferentes gestores, tanto nas empresas

onde temos atuado quanto em nossos cursos de extensão para esse público. A

facilidade não ocorre por acaso, e sim porque ajuda a explicar para as pessoas

aspectos de uma realidade que já conheciam, mas não conseguiam sistematizar de

forma lógica e coerente. A questão da complexidade, portanto, sempre esteve

presente nos critérios de diferenciação dos cargos, mas só passou a ocupar o

primeiro plano na avaliação das pessoas com a falência dos cargos como elemento

de diferenciação. Em relação aos cargos, percebemos também alterações

importantes. As descrições de cargo ao longo dos anos 90 sofreram transformações

em suas características. No final dos anos 80, eram tipicamente descrições de suas

funções e atividades; hoje, procuram traduzir as expectativas de entrega desses

cargos e apresentam escala crescente de complexidade. Percebemos que as

empresas procuram intuitivamente adequar-se à realidade. Ao fazê-lo

conscientemente, entretanto, tornam mais eficientes os sistemas de gestão.

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É alta a relação entre a complexidade das atribuições e responsabilidades e o nível

de agregação de valor da pessoa para o ambiente no qual se insere (HIPÓLITO,

2001). Essa constatação permite inferir que o uso da complexidade da entrega, na

construção de um sistema de gestão do desenvolvimento, gera os seguintes

desdobramentos:

Análise das pessoas a partir de sua individualidade – elas deixam de ser

olhadas a partir do cargo que ocupam ou de um perfil (moldura) no qual

devem enquadrar-se, e passam a ser observadas a partir de sua entrega.

Quando a pessoa não consegue entregar o que dela se espera, pode-se

avaliar o quanto essa deficiência foi motivada por problemas que a

organização precisa sanar e o quanto foi motivada por deficiências

individuais;

Análise das deficiências individuais – ao olharmos a capacidade de

entrega da pessoa, é possível detectar o porquê da não entrega: deficiências

no nível de informação, conhecimento ou habilidades; questões

comportamentais; problemas de orientação do desenvolvimento; falta de

formação básica etc. É possível estabelecer com a pessoa um plano de ação

para o seu desenvolvimento e aferir se ele foi ou não efetivo;

Análise da efetividade das ações de desenvolvimento – ao estabelecer

com a pessoa um plano de ação de desenvolvimento, temos a cumplicidade

dela e de sua chefia em relação ao plano. Essa cumplicidade aumenta as

chances de sucesso, o qual pode ser medido ao analisar mudanças ou não

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na entrega da pessoa após as ações de desenvolvimento. Assim, pode-se

medir o quanto foram efetivas as ações de desenvolvimento;

Adequação das ações de desenvolvimento – do mesmo modo que

analisamos as pessoas respeitando sua individualidade e singularidade,

devemos pensar no seu desenvolvimento. Pessoas se desenvolvem usando

de forma cada vez mais elaborada e sofisticada seus pontos fortes (STAMP,

1993). Ações de desenvolvimento devem, portanto, centrar-se nos pontos

fortes das pessoas.

Além do aspecto ligado ao desenvolvimento, temos o efeito integrador do conceito

de complexidade. O fato de ao lidar com maior complexidade, a pessoa agregar

valor à empresa, negócio ou meio aumenta seu valor. Essa valorização tem alta

relação com padrões remuneratórios. Infere-se, portanto, que ao se desenvolver a

pessoa vale mais para a organização e para o mercado de trabalho. Pode-se da

mesma forma, relacionar desenvolvimento e remuneração. Em síntese, a mesma

fita métrica que se usa para mensurar o desenvolvimento da pessoa pode ser

utilizada para definir padrões remuneratórios. Dessa forma, tem-se um único

referencial que integra a gestão de pessoas. Como veremos mais adiante, essa

mesma fita métrica poderá ser empregada em processos de escolha de pessoas de

dentro ou de fora da organização, nas avaliações e nas definições de carreira. Com

o mesmo referencial, portanto, pode-se simultaneamente integrar a gestão de

pessoas em si e com as estratégias empresariais. É o que veremos na parte II deste

livro.

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Principais abordagens para mensurar a complexidade

Vamos apresentar, a seguir, formas utilizadas no estabelecimento de escalas para

mensurar a complexidade. Os autores nos quais nos apoiamos são Charan (2001),

Dalton e Thompson (1993), Jaques (1994), Rowbottom e Billis (1987) e Stamp

(1993).

Os níveis de complexidade podem ser medidos, segundo Elliott Jaques (1967 e

1994), a partir do intervalo de tempo entre a tomada de decisão de forma autônoma

e a possibilidade de avaliação dos resultados dela decorrentes. Quanto maior o

tempo, mais elevado é o nível de abstração exigido para que a decisão tomada

esteja correta e seja efetiva. Jaques identifica sete estratos de complexidade nas

organizações, aos quais chama de níveis de trabalho (work levels) e relaciona à

dimensão temporal, conforme as categorias apresentadas a seguir:

Work level 1 - 0 a 3 meses: trabalhadores do chão de fábrica e trabalhadores

qualificados, inclusive os supervisores;

Work level 2 - 3 a 12 meses: gerentes que respondem por operações ou

processos simples (primeiro nível gerencial).

Work level 3 - 1 a 2 anos: gerentes de nível médio e táticos, que respondem

por um conjunto de processos;

Work level 4 - 2 a 5 anos: gerentes seniores, que respondem por decisões

estratégicas, geralmente posicionados como diretores;

Work level 5 - 5 a 10 anos: nível típico de presidentes de empresas nacionais;

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Work level 6 - 10 a 20 anos: profissionais responsáveis por um grupo de

empresas ou mesmo organizações de atuação transnacional;

Work level 7 - Mais de 20 anos: esta é uma característica de CEO (chief

executive officer) de empresas de grande porte, que atuam em vários países

e com operações diversificadas.1

A Figura 2.2 alinha essas dimensões ao nível de responsabilidade pelo presente e

futuro organizacional, onde verificamos que os níveis 1, 2 e 3 são responsáveis pelo

valor agregado para o presente do negócio, os níveis 3, 4 e 5 são responsáveis pelo

valor agregado para o futuro do negócio e os níveis 5, 6 e 7 são responsáveis pelos

valores e pela criação de valores para a organização/negócio.

1 Vale a pena destacar que, segundo os trabalhos do autor, nem sempre as organizações de grande porte de

caráter transnacional vão demandar um CEO atuando nesse nível de complexidade. Dependendo do tipo de

negócio e características do ambiente no qual está inserida a organização, pode ser necessário um executivo

atuando no nível 6 ou 7.

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Fonte: Jaques (1994)

Rowbottom e Billis (1987) desenvolveram, a partir dos trabalhos de Jaques, um

conjunto maior de referenciais para medir os níveis de complexidade. Acreditavam

que a utilização do intervalo de tempo como única medida é de difícil aceitação,

além de muitas vezes não levar em consideração características de desenhos

organizacionais específicos ou da natureza dos problemas a serem gerenciados.

Os autores procuraram associar a cada estrato definido por Jaques a complexidade

das responsabilidades da posição.

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De outro lado, Stamp (1993) procurou definir os diferentes níveis de complexidade

a partir do processo de tomada de decisão, relacionando-os à maturidade do

profissional. A Tabela 2.1 demonstra o alinhamento das abordagens de ambos.

Tabela 2.1 – Comparativo entre trabalho requerido e processo de tomada

de decisões para os níveis de trabalho

Nível de

complex.

Trabalho requerido

(Billis, D. & Rowbottom, R.)

Processo de tomada de decisão

(Stamp, G. & Stamp, C.)

7

- Assegurar viabilidade para as futuras

gerações da organização

- Prever campos futuros de

necessidade de uma sociedade

Prever

- Interpreta e molda configurações de

economias, políticas, nações, regiões,

religiões e ideologias para criar futuros

desejados

6

- Ajustar as características de uma

organização para contextos

multiculturais

- Formar opiniões e conceitos sobre

os contextos econômico, político,

social, tecnológico e religiosos

Revelar

- Estende sua curiosidade e análise

além das áreas conhecidas de

influência real ou potencial, explorando

recursos inesperados de oportunidade

ou instabilidade

5

- Cobrir um campo geral de

necessidades em uma sociedade

Tecer

- Compreende relações entre diferentes

sistemas

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- Definir qual é a razão de existência

de uma organização complexa

- Identifica relações e vínculos

potenciais entre questões e eventos

desconectados

4

- Fornecer um espectro completo de

produtos e serviços para a totalidade

de um território ou organização

- Introduzir, desenvolver e manter

uma unidade de negócios, integrando-

a ao ambiente no qual está inserida

Modelar

- Utiliza idéias e conceitos, testando

possíveis combinações e produzindo

inovações

- Constrói modelos a partir do que vê

em diversas realidades

3

- Fornecer respostas sistemáticas de

acordo com a necessidade de

situações com início, meio e fim

definidos

- Garantir o funcionamento pleno de

um sistema

Conectar

- Examina cuidadosamente várias

atividades na busca de idéias,

tendências ou princípios que criem um

todo coerente

2

- Realizar tarefas concretas, cujos

objetivos e implicações devem ser

julgados de acordo com as

especificidades da situação

- Identificar as necessidades de

clientes específicos

Acumular

- Reúne informações, passo a passo,

para revelar aspectos óbvios e

implícitos de cada situação,

identificando resultados das possíveis

respostas

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1

- Realizar tarefas separadas e

concretas, cujos objetivos e produtos

podem ser totalmente especificados

Perceber

- Fornece respostas direta para tarefas

imediatas

Fonte: Rinow (1998) a partir dos trabalhos de Rowbottom e Billis (1987) e Stamp (1993).

A partir da estruturação da gestão de pessoas em empresas nacionais e

multinacionais, foi possível integrar os conceitos de complexidade e competência.

O conceito de competência permite estabelecer o que é esperado da pessoa de

forma alinhada ao intento estratégico e às competências organizacionais. O

conceito de complexidade permite melhor especificar e mensurar a entrega da

pessoa para a organização. Ao associar os conceitos de complexidade e de

competência é possível definir, para cada competência, diferentes níveis de

complexidade de entrega. Esses níveis não precisam estar diretamente associados

aos estratos sugeridos por Jaques (1994), mas é fundamental que mantenham

relação consistente com as características da empresa e os elementos relevantes

do mercado no qual ela está inserida. Essa relação permite maior atendimento às

especificidades de cada uma das empresas e garante maior flexibilidade, gerando

estratos alinhados às características e cultura de cada uma das organizações.

Para exemplificar os diferentes níveis de entrega, apresentamos nos Quadros 2.1,

2.2 e 2.3 três competências desenhadas para a carreira gerencial e, para cada uma

delas, um detalhamento de cinco níveis de complexidade de entrega esperada.

Essas competências são: orientação estratégica, organização e gestão de

processos de mudança. Elas não foram escolhidas por acaso. Em pesquisa

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realizada por intermédio da FIA-FEA-USP, com apoio da DBM do Brasil (DUTRA,

1998), comprovou-se a correlação entre a complexidade de atuação e os níveis

salariais de executivos. Essas competências foram as mais valorizadas pelos

participantes para identificar diferenças de complexidade e remuneração nos níveis

gerenciais.

Quadro 2.1 - Níveis de complexidade para competência gerencial orientação

estratégica

Nv ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES

5

A. É co-responsável pelo estabelecimento da Visão Estratégica, Missão e Valores

corporativos para a organização.

B. Define, em colegiado, estratégias de longo prazo para a organização como um

todo, trabalhando intensamente na análise de cenários incertos.

C. Avalia tendências do ambiente e responde pela identificação de oportunidades

para o negócio.

D. Estabelece resultados esperados e avalia o grau de sucesso global da

Organização.

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Nv ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES

4

A. Participa do estabelecimento da Visão Estratégica, Missão e Valores

corporativos para a organização.

B. Participa do estabelecimento dos objetivos estratégicos de longo prazo para a

organização.

C. Responde pelo estabelecimento de metas e objetivos das áreas sob sua

responsabilidade que contribuam para o alcance dos resultados estratégicos

da empresa.

3 A. Responde pelo estabelecimento de metas e objetivos para sua área, atentando

para a coerência com os objetivos da unidade e da empresa.

2

A. Participa do estabelecimento de metas e objetivos para sua área.

B. Fornece informações relevantes de sua área que contribuam para a

construção de cenários e definição das estratégias de sua unidade.

C. Estimula a disseminação, em sua área, dos valores, metas e objetivos

definidos corporativamente, assegurando que estejam explicitadas as

expectativas da organização frente a seus colaboradores.

D. Compatibiliza as ações de sua área com as estratégias, políticas e objetivos

definidos pela unidade e pela empresa.

1

A. Orienta equipes em atividades operacionais na busca dos objetivos e metas

organizacionais, identificando prioridades e direcionando as alternativas para

atingir resultados em sua área de atuação.

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Quadro 2.2 - Níveis de complexidade para competência organização.

Nv ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES

5

A. Estabelece as diretrizes sobre padrões de atuação e organização para a

empresa como um todo.

B. Estabelece políticas de gestão, explicitando as expectativas da companhia em

relação aos colaboradores.

4

A. Estabelece padrões de atuação e organização para a unidade sob sua

responsabilidade, garantindo o seu alinhamento às diretrizes organizacionais.

B. Participa da formulação de políticas de gestão para a companhia.

3 A. Sugere mudanças nos padrões de atuação e organização da área,

considerando o impacto em outras áreas da empresa.

2

A. Sugere mudanças nos padrões de atuação e organização da área, tendo em

vista o seu aprimoramento.

B. Estabelece e dissemina padrões de atuação e organização para a área de

atuação.

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71

Nv ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES

1

A. Determina o melhor arranjo logístico capaz de oferecer agilidade de resposta

às necessidades operacionais.

B. Verifica a adoção, pelos níveis inferiores de carreira, das políticas e práticas

definidas pela organização.

C. Informa e orienta sobre a necessidade de se manter limpos e organizados a

área de trabalho e os equipamentos.

D. Define padrões de atuação e organização para as atividades que coordena.

Quadro 2.3 - Níveis de complexidade para competência Gestão de processos

de mudança

Nv ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES

5

A. Identifica tendências no ambiente de negócios, respondendo pelo sucesso e

adequação dos processos de mudança da empresa às novas configurações

ambientais.

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72

Nv ATRIBUIÇÕES E RESPONSABILIDADES

B. Responde pelo planejamento e gerenciamento dos processos de mudança

estratégicos para a organização.

4

A. Identifica tendências de mudança no ambiente, respondendo pela adequação

da unidade sob sua responsabilidade à nova configuração ambiental.

B. Avalia tendências, impactos e diagnostica riscos estratégicos e operacionais dos

processos de mudanças estabelecidos para a organização.

C. Participa do planejamento e gerenciamento dos processos de mudanças

estratégicos para a empresa.

3

A. Responde pela gestão dos processos de mudanças em sua área, assegurando

sua efetiva implementação.

B. Responde pela sinergia e adequação entre os processos de mudança existentes

em sua área com os de outras áreas da empresa.

2

A. Monitora o “sentimento” da equipe sob sua responsabilidade no tocante ao

andamento das mudanças existentes na empresa e, em caso de problemas,

encaminha sugestões de ações corretivas.

B. Transmite tranqüilidade à sua equipe no que diz respeito às mudanças

existentes na empresa.

1

A. Identifica pontos passíveis de melhoria nas atividades sob sua coordenação.

B. Alerta sua equipe para a necessidade de repensar/ questionar constantemente

o trabalho realizado.

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73

Outro trabalho importante para a compreensão da complexidade foi desenvolvido

por Dalton e Thompson (1993). Através de pesquisas realizadas nos Estados

Unidos, esses autores perceberam a existência de quatro estágios de

desenvolvimento ligados ao nível de complexidade da atuação da pessoa. As

pessoas migram de um estágio para outro na medida em que ganham experiência

e formação e desenvolvem a disposição de efetuar transformações em sua vida

profissional, ou seja, assumir um conjunto de atribuições e responsabilidades mais

exigentes. O processo foi chamado pelos autores de novação, termo derivado da

área jurídica que significa a negociação de novos parâmetros em um contrato. A

passagem para um estágio de maior complexidade implica, na visão dos autores,

que as pessoas estejam dispostas e conscientes para mudar sua forma de

percepção da realidade, de suas expectativas e para efetuar ajustes a um novo nível

de pressões.

Os estágios de desenvolvimento descritos pelos autores são:

Aprendiz – Desenvolve atividades estruturadas, com autonomia para inovar

dentro de parâmetros preestabelecidos. Necessita de supervisão para

conseguir entregar o que a organização espera dele;

Profissional independente – Atua de forma independente e não necessita

de supervisão para entregar o que a empresa espera dele. Está pronto para

assumir a responsabilidade por projetos, consegue atuar com profundidade

em sua área técnica ou funcional e desenvolve credibilidade e reputação em

torno de sua atuação;

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Mentor ou Integrador – Responsável por desenvolver outras pessoas, lidera

grupos, orienta-os técnica e administrativamente e assume a supervisão

formal de projetos e pessoas. É tido como referência técnica e/ou funcional;

Diretor ou Estrategista – Responsável pela direção estratégica de empresa

ou negócio. Exercita poder formal e informal para influenciar decisões dentro

e fora da organização, obter recursos, aprovar projetos e trabalhos.

Representa a empresa perante todos os níveis dentro da organização e

perante pessoas e instituições externas.

Empresas que incorporam esse referencial de complexidade associam as

competências aos diferentes estágios, descrevendo cada uma delas nos quatro

estágios de desenvolvimento. As competências são descritas de forma genérica e

as entregas são caracterizadas dentro de cada estágio. Desse modo, tanto a

empresa quanto a pessoa têm condições de identificar em que estágio se encontra

e o que é necessário para ascender ao estágio seguinte. Esse trabalho nos permitiu

desenvolver com maior profundidade o conceito de espaço ocupacional.

Cabe destacar o trabalho de Ram Charan (2001) que propõe níveis de

complexidade das atribuições e responsabilidades dos líderes organizacionais aos

quais chamou de pipeline leadership. Esses níveis de complexidade são análogos

aos work levels definidos por Jaques (1994), conforme demonstrado no quadro 2.2.

Um aspecto importante do trabalho desenvolvido por Charan são as dificuldades

típicas vividas pelos líderes ao mudar de nível de complexidade. A lógica

estabelecida por Charan (2001) é análoga aos trabalhos desenvolvidos por Dalton

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e Thompson (1992) quando analisam as dificuldades das pessoas ao mudar de

nível de complexidade. Em nossas pesquisas no Brasil procuramos verificar se os

problemas de passagem de nível de complexidade apontados por Charan também

ocorriam em nossas organizações. Verificamos que sim, encontramos dificuldades

análogas (DUTRA 2016), conforme demonstrado na figura 2.3.

Fonte: Dutra (2016) com base em Ran Charan (2001)

A figura 2.3 aponta os problemas de transição. Verificamos que quando a pessoa

deixa de ser líder de si mesmo para liderar um grupo de executores tende a

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continuar executando e tem grandes dificuldades para delegar. Quando a pessoa

ascende de líder de equipe para líder de líderes tende a tratar seus subordinados

como executores, como fazia na posição anterior, e tende a assumir uma posição

de defesa de seu espaço, erguendo muros altos, construindo um fosso profundo ao

redor dos muros e colocando jacarés ferozes no fosso, quando na verdade deveria

construir pontes e estradas. Há uma dificuldade típica nessa transição que é a de

construir ou aprimorar as interfaces da área ou unidade com as demais. Quando a

pessoa assume uma posição de gestor funcional ou gestor estratégico deveria

dedicar boa parte de seu tempo no relacionamento com stakeholders, no entanto,

volta-se para dentro da organização e tem dificuldade para construir um

relacionamento mais intenso com o público externo.

Apresentamos a seguir um quadro comparativo dos níveis de complexidade

trabalhados pelos diferentes autores: Charan, Jaques e Thompson e Dalton.

Quadro 2.2 – Comparativo de diferentes caracterizações de níveis de

complexidade

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Níveis de Complexidade

Gestor de Empresas WL 7 – CEO -

Ram CharanLeadership Pipeline

Elliott JaquesWork Level

Dalton & ThompsonNovations

Gestor de Grupo de Negócios WL 6 – Presidente Região -

Gestor de Negócios WL 5 – Presidente Nacional Estágio 4 - Estrategista

Gestor Funcional WL 4 – Gerente Estratégico Estágio 4 - Estrategista

Gestor de Lideres WL 3 – Gerente Tático Estágio 3 - Mentor

Gestor de Equipe WL 2 – Gerente Tático-Operac. Estágio 3 - Mentor

Executor WL 1 – Não Gerente Estágio 2 - Profissional

- - Estágio 1 - Aprendiz

Fonte: Material desenvolvido pelo autor com base em Charan (2001), Dalton e Thompson

(1993) e Jaques (1994)

O espaço ocupacional como conceito para compreender o posicionamento e

o movimento das pessoas na organização

O espaço ocupacional surgiu inicialmente como uma expressão para designar o

conjunto de atribuições e responsabilidades das pessoas. Gradualmente, tornou-se

um conceito que procura estabelecer a correlação entre complexidade e entrega.

Uma pessoa pode ampliar o nível de complexidade de suas atribuições e

responsabilidades e, portanto, agregar mais valor sem mudar de cargo ou posição

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na empresa. Esse processo que chamaremos de ampliação do espaço ocupacional,

ocorre em função de duas variáveis: as necessidades das empresas, negócios ou

meio e a competência da pessoa em atendê-las, conforme mostra a Figura 2.4 a

seguir:

Figura 2.4: Espaço ocupacional na organização

Fonte: Dutra (2002:56)

Temos observado que essa é outra característica comum da relação entre a pessoa

e seu trabalho. Há uma tendência de as pessoas mais competentes serem

demandadas a encarar desafios e, na medida em que se saem bem, recebem

desafios maiores. Os sistemas tradicionais não conseguem dar respostas

adequadas a essa característica; primeiramente, porque reconhecem as pessoas

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pelo que elas fazem e não pelo que elas entregam e, em segundo lugar, porque não

conseguem mensurar a ampliação do espaço ocupacional das pessoas.

Esse fato tem contribuído para a existência de muitas injustiças nas empresas. Por

exemplo: tenho na minha equipe alguém que resolve os problemas para mim; tendo

a carreá-los para essa pessoa sem que ela seja necessariamente reconhecida ou

recompensada por isso. Na verdade, a pessoa mais competente tende a ser

sobrecarregada com atribuições mais complexas e exigentes sem ter qualquer

reconhecimento por isso. Outro exemplo comum é a chefia ficar tão dependente

dessas pessoas que passa a bloquear-lhes qualquer possibilidade de ascensão

profissional. É importante perceber a ampliação de espaço ocupacional como uma

indicação do desenvolvimento da pessoa e de sua maior capacidade de agregar

valor, devendo, portanto, estar atrelada ao crescimento salarial.

Os trabalhos de Dalton e Thompson (1993) nos auxiliaram a caracterizar degraus

de complexidade e, portanto, de espaço ocupacional, que temos considerado como

carreira. A carreira da pessoa não é determinada pelos cargos que ocupa, mas por

assumir um conjunto de atribuições e responsabilidades em outro patamar de

complexidade. Nossa análise das organizações nos levou a um número mais

elevado de níveis de complexidade do que os quatro estágios sugeridos pelos

autores. Na prática, procuramos estabelecer tantos degraus quanto nos for possível

identificar com nitidez. Embora esses degraus variem em função das diferentes

realidades organizacionais, encontramos um padrão que nos permite realizar

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pesquisas salariais em diferentes empresas e encontrar elementos comparativos. A

aplicação desse conceito para discutir carreira será abordada no próximo capítulo.

Outros trabalhos que nos auxiliaram no desenvolvimento do conceito de espaço

ocupacional foram desenvolvidos por Stamp (1993) e Jaques & Cason (1994).

Neles, os autores procuram identificar o que favorece que uma pessoa desenvolva

sua capacidade para lidar com níveis crescentes de complexidade. O trabalho de

Dalton e Thompson (1993) é superficial nesse aspecto. Segundo Stamp, o que faz

uma pessoa desenvolver a capacidade de lidar com maior complexidade é sua

capacidade de abstração, ou seja, de ler com maior nitidez o contexto no qual se

insere. Essa capacidade está atrelada à percepção da pessoa sobre o que não é

concreto ou captado com facilidade através dos sentidos, mas apreendido pela

experiência e pelo uso de técnicas, teorias, conceitos ou instrumentos. Em suas

pesquisas, Stamp estabeleceu a correlação entre o nível de complexidade em que

a pessoa atua e seu nível de abstração. Para tanto, ela utilizou as categorias de

complexidade desenvolvidas por Jaques (1967) e definiu padrões de abstração por

meio de questionários, análise da biografia profissional e de técnicas especialmente

desenvolvidas para esse fim. A reflexão de Stamp nos levou a perceber que uma

pessoa, ao atuar em determinado nível de complexidade, pode transferir-se para

outra atividade profissional, mesmo que totalmente diferente da anterior, no mesmo

nível de complexidade. Isso porque o que importa no desenvolvimento da pessoa

não é o conjunto de conhecimentos e habilidades acumuladas, e sim em que nível

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de complexidade ela consegue articulá-las. Essas conclusões seguem a mesma

direção das reflexões mais recentes oferecidas por Le Boterf (2001).

Ao procurar estabelecer parâmetros quantitativos para o desenvolvimento das

pessoas nos diferentes níveis de complexidade, Jaques & Cason (1994:25)

realizam pesquisas de campo e chegam a conclusões semelhantes às de Stamp

(1993). Em seu trabalho, estabelecem que a Capacidade Aplicada Correntemente

(CAC) é função do nível de complexidade mental da pessoa (CMP) que segue a

mesma definição estabelecida por Stamp (1993), do grau de interesse no trabalho

que executa (Valor), da experiência e do domínio dos conhecimentos e habilidades

(ex/cn/ha) necessários para realizar seu trabalho e, se existirem, qualidades

pessoais disfuncionais (Q). Todos esses elementos são dispostos na seguinte

equação:

CAC = f(CMP) x V x (EX/CN/HA) x (-Q).

Os trabalhos de Jaques & Cason (1994) são muito reducionistas, na medida em que

procuram basear-se apenas em observações e entrevistas para o estabelecimento

de correlações entre a complexidade e o nível de abstração. O trabalho de Stamp

é mais denso e gera instrumentos de aferição do nível de abstração. Esses

instrumentos são utilizados por várias empresas no Brasil para avaliar potencial e

orientar ações de desenvolvimento.

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Conclusões

Os conceitos de complexidade e espaço ocupacional complementaram o conceito

de competência e nos permitiram uma visão mais nítida da realidade da gestão de

pessoas na empresa moderna. Em paralelo ao amadurecimento desses conceitos,

durante a década de 90, procuramos desenvolver instrumentos para aplicá-los em

várias organizações. Em algumas experiências, não obtivemos os resultados

esperados, mas a maioria delas foi bem avaliada por nós, por nossos parceiros nas

empresas e pelos gestores de forma geral. Sucessos e insucessos nos auxiliaram

a descobrir caminhos e a consolidar os já trilhados.

Uma das descobertas importantes foi sobre como as competências individuais são

distribuídas nas organizações. Esse é o objeto do próximo capítulo.

Esse aprendizado nos conduziu a pensar em sistemas de gestão de pessoas

integrados entre si e com as estratégias empresariais. A caracterização e análise

desses sistemas serão o objeto da parte II deste livro.