capitulo 10

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Page 1: Capitulo 10
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290 Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10Introdução

Introdução

A manifestação ocular de uma doença sistêmica é uma condição ocular que resulta direta ou indi-retamente de um processo patológico de outra parte do corpo.

O exame oftalmológico proporciona muitas ve-zes ao especialista a oportunidade única de con-tribuir para o diagnóstico de doenças sistêmicas. Em outras circunstâncias, o comprometimento ocular pode ser tão sutil, que sua detecção pode passar despercebida, a não ser que o clínico sai-ba o que procurar.

Em nenhuma parte do corpo o sistema microcir-culatório pode ser investigado com tal precisão como no olho. Da mesma maneira, em nenhuma

parte do corpo os resultados de uma diminuta lesão focal podem ser tão devastadores.

Existem muitas doenças que podem levar a alte-rações oculares estruturais e/ou funcionais. Uma vez que o diagnóstico seja realizado, o maior elemento na terapia do quadro oftalmológico é freqüentemente o tratamento e a cura da doen-ça sistêmica primária. No entanto, em algumas circunstâncias o comprometimento ocular pode exigir terapia local específica, independente-mente do quadro sistêmico.

Entre as doenças sistêmicas com comprometi-mento ocular, abordaremos abaixo algumas das mais importantes: o diabetes, a hipertensão arte-rial sistêmica e as doenças infecciosas, reumato-lógicas e auto-imunes.

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291Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10 Diabetes

Diabetes

Entre os distúrbios endócrinos, o diabetes é sem dúvida a mais importante doença sistêmica com manifestações oculares.

Em países ocidentais desenvolvidos, o diabetes é responsável por aproximadamente 12% de to-dos os casos de cegueira. Nos Estados Unidos um paciente diabético tem vinte vezes mais chance de se tornar cego do que um indivíduo que não possui diabetes.

O comprometimento ocular pelo diabetes pode envolver estruturas como o cristalino, a íris e a re-tina. A duração do diabetes insulinodependente é o fator principal para o nível de comprometi-mento da retinopatia diabética. Quando o diabe-tes é diagnosticado antes dos trinta anos de ida-de, o risco cumulativo de se desenvolver a reti-nopatia é de aproximadamente 2% ao ano. Após 7 anos nessa fase de risco, aproximadamente 50% dos pacientes diabéticos irão desenvolver alguma forma de retinopatia.

A retinopatia diabética envolve basicamente es-tágios progressivos de comprometimento. Pode ser dividida em retinopatia diabética não prolife-rativa e proliferativa. Dentro desses dois grupos existem subdivisões de acordo com o nível de comprometimento e prognóstico.

A retinopatia diabética não proliferativa é carac-terizada por permeabilidade vascular anômala

dos vasos retinianos com exsudação excessiva de líquido levando ao aumento da espessura retiniana. A reabsorção do componente seroso dos exsudatos deixa depósitos amarelos bri-lhantes conhecidos como “exsudatos duros”. Outras alterações encontradas são hemorragias profundas e superficiais e beading venoso. Ex-sudatos caracterizados como “algodonosos” de-correm do bloqueio do fluxo axoplasmático das fibras nervosas, causado pelo processo de isque-mia.

A retinopatia diabética proliferativa manifesta-se como evolução do quadro previamente descrito. Nessa fase o processo de isquemia retiniana leva à liberação de fatores de crescimento vascular endotelial e ao desenvolvimento de neovasos no disco óptico e na retina. Os neovasos podem aderir-se ao humor vítreo e permitir extravasa-mento de líquido para o mesmo, o que poderia levar a sua contração. Essa contração poderia in-duzir tração dos neovasos e hemorragia vítrea.

A evolução da retinopatia diabética proliferati-va pode levar ao desenvolvimento de glaucoma secundário relacionado à neovascularização do segmento anterior com comprometimento do seio camerular e aumento da pressão intraocu-lar. Trata-se do chamado “glaucoma neovascular”.Outras mudanças incluem flutuações de erros re-fracionais relacionadas a mudança no poder re-fracional do cristalino, a desenvolvimento de ca-tarata e a paralisia de músculos extra-oculares.

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292 Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10Hipertensão arterial sistêmica

Hipertensão arterial sistêmica

As principais alterações oculares da hipertensão arterial sistêmica ocorrem na retina. A primeira resposta das arteríolas retinianas à hipertensão sistêmica é o estreitamento. No entanto, o grau de estreitamento é dependente do montante de fibrose de reposição pré-existente (esclerose in-volucional). Por esse motivo, o estreitamento por hipertensão é visto em sua forma pura somente em indivíduos jovens. Em pacientes mais idosos, a rigidez das arteríolas retinianas causada pela esclerose involucional previne esse mesmo grau de estreitamento visto nos indivíduos jovens. Em uma hipertensão arterial sistêmica mantida, há ruptura da barreira hematorretiniana em algu-mas áreas, resultando em permeabilidade vas-cular. As alterações fundoscópicas da retinopatia hipertensiva são caracterizadas por: vasocons-tricção, extravasamento e arterioesclerose.

A vasoconstricção apresenta-se como estreita-mento arteriolar focal e generalizado na retina. O extravasamento é caracterizado por hemorra-gias em “chama de vela”, por edema retiniano e por exsudatos duros. O edema de disco óptico é a alteração característica da fase maligna da hipertensão. O sinal clínico mais importante da arterioesclerose na retina é a presença de mu-danças marcantes nos cruzamentos arterioveno-sos. Apesar de essa característica sozinha não ser necessariamente um marcador de severidade da hipertensão, sua presença torna provável que esse quadro sistêmico tenha estado presente por muitos anos, na ausência de outras patolo-gias sistêmicas.

A hipertensão arterial sistêmica também está as-sociada a um risco aumentado para oclusão de ramo e de veia central da retina.

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cap. 10 Doenças reumáticas e auto-imunes

Doenças reumáticas e auto-imunes

Espondilite anquilosante

A espondilite anquilosante é caracterizada por uma artrite inflamatória, crônica, idiopática, que primariamente envolve o esqueleto axial e que atinge com maior freqüência os homens. Mani-festa-se normalmente durante a segunda e ter-ceira década de vida com apresentação gradual de dor lombar e rigidez. Entre as manifestações oculares está a irite aguda recorrente, a qual se apresenta em 30% dos pacientes. Os dois olhos raramente são envolvidos ao mesmo tempo, mas ambos são quase sempre afetados durante a doença em momentos diferentes. Apesar do alto risco de recorrência da uveíte, o prognóstico visual a longo prazo em geral é bom.

Síndrome de Reiter

Essa síndrome consiste de uma tríade que inclui uretrite, conjuntivite e artrite soronegativa, a qual acomete com maior freqüência homens du-rante a terceira década de vida. Entre as mani-festações oculares estão a conjuntivite bilateral e mucopurulenta, a irite aguda (20% dos pacien-tes) e a ceratite.

Lupus eritematoso sistêmico

O lúpus eritematoso sistêmico caracteriza-se por um envolvimento sistêmico difuso incluindo lesões cutâneas “em borboleta”, pericardite, fe-nômeno de Raynaud, comprometimento renal, artrite, anemia e sinais de doença do sistema nervoso central. Nessa doença, quase todas as

estruturas oculares podem ser acometidas, mas a esclerite, a conjuntivite e olho seco (em geral 25%) são as que predominam. As uveítes são ra-ras, e na retina podem ocorrer oclusões arteriola-res, provavelmente com manifestação de artrite.

Artrite reumatóide juvenil

A artrite reumatóide juvenil é caracterizada por uma artrite inflamatória idiopática incomum, com duração de pelo menos 3 meses, que se de-senvolve em crianças antes dos 16 anos de idade. A uveíte anterior crônica é a manifestação ocular mais importante nessa doença e mais freqüente nas formas poliarticular e pauciarticular (respon-sáveis por aproximadamente 80% dos casos).

Síndrome de Sjögren

Essa doença auto-imune é caracterizada pela presença de hipergamaglobulinemia (50% dos casos), artrite reumatóide (70-90% dos casos) e anticorpo antinuclear (até 80% dos casos). O en-volvimento das glândulas salivares leva à boca seca (xerostomia). O comprometimento ocular é caracterizado por olho seco relacionado a re-dução da produção de filme lacrimal (ceratocon-juntivite sicca). As alterações histopatológicas das glândulas lacrimais consistem em infiltração linficítica e em plasmócitos, os quais são causa-dores de atrofia e de destruição das estruturas glandulares. Essas alterações são parte da afec-ção poliglandular generalizada da síndrome, re-sultando em secura dos olhos, da boca, da pele e das membranas mucosas. O aparecimento dos sintomas oculares ocorre mais freqüentemente durante a 4a, 5a e 6a década de vida.

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cap. 10Doenças reumáticas e auto-imunes

Doença de Behçet

Trata-se de uma desordem multissistêmica idiopática que tipicamente afeta homens jovens da região leste do Mediterrâneo e do Japão. A lesão básica envolve uma vasculite obliterante provavelmente causada pela circulação anormal de imunocomplexos.

A apresentação normalmente ocorre nas terceira e quarta décadas de vida, com úlceras orais afto-sas, úlceras genitais recorrentes e lesões derma-tológicas (eritema nodoso, pústulas e úlceras). Outras características incluem tromboflebites, artropatia, lesões gastrointestinais, compro-metimento do sistema nervoso central e lesões cardiovasculares. Aproximadamente 70% dos pacientes com Behçet desenvolvem inflamação intraocular, bilateral recorrente, que pode pre-dominar no segmento anterior ou posterior. O envolvimento do segmento anterior pode incluir a iridociclite aguda recorrente com desenvolvi-mento de hipópio transitório. O segmento pos-terior pode apresentar extravasamento vascular difuso, periflebite e retinite.

Orbitopatia de Graves

A oftalmopatia de Graves ou orbitopatia disti-reoidiana constitui uma das afecções orbitárias mais freqüentes e pode levar a inúmeras altera-ções funcionais e estéticas. Trata-se de uma con-dição enigmática cuja etiopatogenia ainda não é totalmente conhecida e na qual, provavelmente em decorrência de alterações imunológicas, os músculos extraoculares são infiltrados levando à proptose, retração palpebral, distúrbios da moti-lidade ocular extrínseca, alterações congestivas nas pálpebras e conjuntiva, exposição corneana e ocasionalmente neuropatia óptica compressi-va.

Acredita-se atualmente que a orbitopatia dis-tireoidiana seja uma desordem autoimune de-corrente de uma anormalidade na reatividade do linfócito T que reconhece um antígeno com-partilhado pela tireóide e o tecido orbitário; este processo é facilitado por moléculas de adesão circulantes ou produzidas localmente, cuja ex-pressão pode ser induzida por citocinas e re-lacionadas com a atividade da doença. Vários anticorpos já foram identificados na doença de Graves incluindo anticorpos antimicrossomais e anticorpos contra tireoglobulina e receptores de TSH. O soro de indivíduos com orbitopatia pos-sui anticorpos que reagem contra fibroblastos orbitários e um anticorpo de superfície que rea-ge contra antígenos encontrados nas células dos músculos extraoculares. Uma provável ativação da tireóide por inflama-ção, trauma, cirurgia, fumo ou irradiação, parece levar à liberação na circulação de antígeno tireoi-diano que estimula tanto o sistema imune celular como o humoral. Depois disso, anticorpos contra o receptor do hormônio TSH e outros antígenos são produzidos aumentando a produção de hor-mônios tireoidianos e ampliando a produção de antígenos da tireóide. Linfócitos T ativados invadem o tecido conectivo orbital e ao mesmo tempo uma reação humoral local se inicia. Os fi-broblastos retrobulbares proliferam resultando em síntese aumentada de glicosaminoglicans. As linfocinas produzidas localmente ampliam a cascata de eventos. Um antígeno compartilhado pela órbita e pela tireóide é então apresentado e liberado para a circulação. A combinação de imunidade celular e humoral produz migração de células inflamatórias e produção de edema na órbita. O resultado é o espessamento dos mús-culos extraoculares e o aumento no volume do tecido adiposo orbitário.A alteração histopatológica predominante é a inflamação dos tecidos moles orbitários e dos músculos extraoculares. O processo inflamatório

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cap. 10 Doenças reumáticas e auto-imunes

é geralmente limitado ao tecido conectivo den-tro do músculo extraocular e outras estruturas da órbita como a glândula e a gordura orbitária são muito pouco afetados por este processo in-flamatório, embora exista um aumento no volu-me do tecido adiposo. Os pacientes com orbitopatia distiroidiana de-vem ser submetidos à avaliação endócrina clini-ca e laboratorial detalhada. Os exames principais são a dosagem sérica do T3, T4 total, T4 livre e do TSH, além da pesquisa de anticorpos anti-tireoideanos e anti-receptores do TSH (TRAb). Praticamente todos os indivíduos com doença de Graves apresentam estes anticorpos em al-gum momento da doença. O objetivo principal da avaliação laboratorial é a demonstração do hipertireoidismo sistêmico e/ou a documenta-ção de uma resposta imune alterada a antígenos relacionados com a tireóide. É importante salien-tar que indivíduos com orbitopatia distireoidea-na podem apresentar T3 e T4 séricos nos limites da normalidade. Acredita-se que 10 a 25% deles apresentem-se sem sinais clínicos ou laborato-riais de hipertireoidismo.

Manifestações clínicas

Acredita-se que aproximadamente 40% dos indi-víduos com doença de Graves desenvolvam sin-tomas e sinais oftálmicos. Alterações subclínicas observadas à ultra-sonografia ou à tomografia computadorizada, no entanto, estão presentes em um número ainda maior de pacientes. As ma-nifestações clínicas da orbitopatia distireoidiana são devidas à inflamação, edema e alterações fi-bróticas nos músculos extraoculares. O aumento de volume, processo inflamatório e alterações congestivas levam à proptose, edema e retração palpebral, hiperemia e quemose conjuntival, ce-ratite ou úlcera de córnea por exposição, distúr-bios da motilidade ocular extrínseca e menos co-mumente neuropatia óptica compressiva. Sinais

inflamatórios como edema palpebral e perior-bitário, discreta retração palpebral, hiperemia e quemose conjuntival e aumento da glândula la-crimal são muito comuns enquanto que apenas 2 a 7% dos pacientes desenvolvem oftalmopatia importante com retração palpebral acentuada, proptose, diplopia e neuropatia óptica. A expo-sição do globo ocular, a diminuição do reflexo de piscar e a dificuldade na elevação do olho po-dem levar à ulceração corneana.Retração palpebral é o termo usado para de-signar a elevação excessiva da pálpebra superior que geralmente produz a ilusão de proptose do indivíduo que a apresenta. A posição normal da margem palpebral superior é 1 a 2 mm abaixo do limbo córneo-escleral. Considera-se que existe retração palpebral superior quando esta se situa acima disto, especialmente quando existe expo-sição da esclera entre a margem da pálpebra su-perior e o limbo esclero-corneano, estando o pa-ciente com os olhos na posição primária do olhar (Figura 1). Na pálpebra inferior considera-se que existe retração palpebral quando esta e situa 1 a 2 mm abaixo do limbo.A retração palpebral (sinal de Dalrymple) consti-tui-se no sinal mais importante do acometimen-to orbitário na doença de Graves e está presente em cerca de 90% dos indivíduos com esta afec-ção. Além da retração outros sinais palpebrais podem auxiliar na caracterização da orbitopatia distiroidiana principalmente o “lag palpebral” no olhar para baixo, ou seja a pálpebra não acom-panha o movimento para baixo do globo ocular, evidenciando aumento na retração palpebral. A retração palpebral é tão característica da of-talmpatia de Graves que o diagnóstico de doença de Graves deve ser exaustivamente considerado em todo paciente com este sinal. Deve sempre ser lembrado que, no curso da doença a retração pode ser unilateral e preceder o hipertireoidismo primário, ou aparecer quando o paciente já está em hipo ou eutireoidismo.

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Proptose é outro sinal extremamente importan-te na orbitopatia distireoidiana (Figura 2). A posi-ção do globo ocular em relação rebordo orbitá-rio varia de indivíduo para indivíduo e deve ser medida com o exoftalmômetro. Existem inúme-ros modelos de exoftalmômetros, mas é sempre preferível a medida com um aparelho que utiliza os dois rebordos laterais como referência como ocorre no exoftalmômetro de Hertel.

Alguns autores consideram como proptose valo-res acima de 22 mm embora outros considerem anormal um valor maior que ou igual a 20 mm quando associado a outros sinais da orbitopa-tia. Considera-se também que assimetrias nas medidas de cada um dos olhos maiores que 2 mm devam ser valorizadas. Deve ser lembrado que exoftalmometrias isoladas são muitas vezes difíceis de avaliar uma vez que existe uma am-pla variação nos valores normais. É importante observar através de fotografias antigas se houve mudança na posição do globo ocular e também realizar medidas exoftalmométricas seqüenciais. A proptose se deve na grande maioria dos casos ao aumento de volume dos músculos extraocu-lares (Figura 3) causado por deposição de mu-copolissacárides, proliferação de fibroblastos, acúmulo de linfócitos e plasmócitos dentro dos músculos além de edema e congestão venosa. O alargamento dos músculos pode ser observado à ultrassonografia, tomografia computadorizada ou imagem por ressonância magnética da órbita. Pode-se inclusive correlacionar o grau de prop-tose com o grau de alargamento dos músculos extraoculares à tomografia. Proptose importante pode também ocorrer com pouco ou nenhum alargamento dos músculos extraoculares, sendo decorrente de aumento no tecido adiposo da ór-bita.

O comprometimento dos músculos extroculares leva também a desequilíbrios na motilidade

ocular extrínseca. Os músculos mais afetados, em ordem de freqüência são: o reto inferior, o reto medial e o complexo reto superior elevador da pálpebra. A alteração mais comum é a limi-tação da elevação do globo ocular que resul-ta em hipotropia (Figura 4) e diplopia no olhar para cima. A segunda alteração em ordem de freqüência é a limitação do músculo reto medial, seguido pelo envolvimento do complexo reto superior-elevador da pálpebra e por último o envolvimento do reto lateral. O desequilíbrio na motilidade ocular decorre do não relaxamento do músculo extraocular envolvido que impede a contração do seu antagonista.

Sinais externos: hiperemia conjuntival, é um sinal de atividade da doença. Geralmente em cima dos músculos retos. A quemose cojuntival ocorre também nesta fase. Edema palpebral é um sinal frequente e importante. Ulceração cor-neana é devido à ceratite de exposição e varia desde mínima alteração na córnea inferior até a ulceração severa com perfuração ocular. Pode ser decorrente da proptose, retração palpebral , lagoftalmo ou uma combinação destes fatores. O comprometimento do nervo óptico é a com-plicação mais grave da oftalmopatia de Graves. A perda visual pode ser insidiosa ou menos comu-mente de evolução rápida. A redução da acuida-de visual pode ser discreta ou acentuada e envol-vimento é bilateral na maioria dos casos. Muitas vezes a alteração visual é melhor evidenciada através do campo visual, observando-se escoto-mas centrais, arqueados ou defeitos altitudinais. Cerca de 50% dos pacientes acometidos apre-sentam acuidade visual normal ou levemente comprometida, sendo melhor que ou igual a 20/40 e neles o comprometimento é melhor ca-racterizado pelo exame campimétrico, que é de fundamental importância para o diagnóstico. Os principais defeitos são: constrição difusa das isópteras, escotomas paracentrais, centrais ou

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cap. 10 Doenças reumáticas e auto-imunes

cecocentrais, aumento da mancha cega ou retra-ção localizada das isóperas, mais freqüentemen-te no setor inferior do campo.

Vários autores sugerem que a neuropatia óptica ocorra com maior freqüência em pacientes com idade avançada e do sexo masculino. A orbitopa-tia incide mais em mulheres, mas a neuropatia óptica parece ocorrer mais em homens. A prop-tose muitas vezes é discreta, mas se observa res-trição importante da motilidade ocular, particu-larmente da abdução do olho e acredita-se que os pacientes possam ter uma conformação orbi-tária predisponente. O espessamento do múscu-lo reto medial parece ser o fator mais importante no desenvolvimento da neuropatia óptica asso-ciada a Oftalmopatia de Graves.A tomografia computadorizada é a modalida-de preferida na avaliação da doença de Graves. Pode-se observar espessamento dos músculos extraoculares, aumento da gordura orbitária, e compressão do nervo óptico pelos músculos aumentados no ápice da órbita. Os músculos extraoculares são aumentados de forma fusifor-me, com aumento maior na porção central e afi-lamento na região do tendão do músculo. Oca-sionalmente, no entanto, mesmo o tendão dos músculos pode estar aumentado. O encontro de músculos espessados à tomogra-fia computadorizada e à imagem por ressonân-cia magnética é um achado bastante sugestivo de orbitopatia distireoidiana. No entanto, outras condições que podem ocasionar tal aumento devem ser lembradas no diagnóstico diferencial que são: o pseudotumor inflamatório da órbita, a fístula carótido-cavernosa, tumores metastáti-cos, doença linfoproliferativa, acromegalia, ami-loidose, cisticercose e triquinose.

Tratamento clínico e radioterápico

O tratamento clínico pode ser sintomático, me-

dicamentoso (corticóide e imunossupressores) e radioterápico. Muitos pacientes se beneficiam de medidas simples como elevação da cabeceira da cama para reduzir o edema periorbitário ma-tinal. Os efeitos da retração palpebral na interfa-ce filme lacrimal/epitélio corneano (diminuição do break up time, lagoftalmo noturno, epitelio-patia) podem ser minorados com medidas con-servadoras como oclusão palpebral noturna e uso de lubrificantes. Em relação à retração propriamente dita o único tratamento médico proposto é o uso tópico de guanetidina a 0,5%. A guanetidina é um bloque-ador adrenérgico cuja principal ação é depletar o neuro-transmissor (nor-epinefrina) das fibras pós-ganglionares ao nível das junções mioneu-rais. Assim, quando administrada sob a forma de colírio, a droga agiria no músculo de Müller diminuindo a retração palpebral. Embora teori-camente a guanetidina seja uma opção aceitável para a correção de retrações de pequena mag-nitude, na prática a sua utilizadade é muito limi-tada. O efeito sobre a posição palpebral é transi-tório, desaparecendo com a suspensão da medi-cação; a administração crônica da droga provoca vasodilatação conjuntival e epiteliopatia corne-ana e finalmente o produto não é disponível no mercado nacional, a não ser quando manipulado em farmácias especializadas.Quadros mais graves caracterizados por sinais congestivos progressivos incluindo rubor e ede-ma palpebrais, hiperemia e quemose conjuntival (Figura 5) com piora progressiva da proptose e oftalmoplegia, comprometimento corneano, edema de papila e diminuição da acuidade visu-al são indicações para o uso de corticóide, que representa um método terapêutico bem estabe-lecido no tratamento da doença, devido à sua ação anti-inflamatória e imunosupressora.O uso da radioterapia é uma forma de tratamento da orbitopatia distireoidiana que pode também ser usada no controle do quadro inflamatório da

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cap. 10Doenças reumáticas e auto-imunes

doença. O objetivo é também reduzir a infiltra-ção linfocitária e controlar a atividade inflama-tória da doença e representa uma alternativa te-rapêutica importante para casos de progressão aguda (muitas vezes associada ao corticóide) ou subaguda da doença.

Tratamento cirúrgico

As cirurgias utilizadas no tratamento da orbito-patia distireoidiana podem ser utilizadas basica-mente em duas situações: 1) quando há risco de perda visual na fase aguda da doença a despeito do tratamento clínico e radioterápico adequa-dos e 2) na reabilitação funcional e estética do paciente na fase crônica, após a estabilização do processo.

Na fase aguda podem ser utilizados a tarsorrafia temporária no sentido de proteger a córnea e a descompressão orbitária. Na fase crônica o obje-tivo é a reabilitação do paciente e a cirurgia visa corrigir a proptose, a alteração da motilidade ocular extrínseca, o malposicionamento palpe-bral e a remoção de pele e gordura das pálpe-bras através da realização de uma blefaroplastia. A corrreção cirúrgica deve ser feita apenas após um período de observação de 4 a 6 meses, certi-ficando-se que a doença endócrina se encontra sob controle e que não haja tendência a melhora espontânea da retração. É importante também considerar que a correção da retração palpebral deve ser feita apenas após a correção da prop-tose e do desequilíbrio da motilidade ocular se estas estiverem presentes e com indicação cirúr-gica. Isto é fundamental, pois a proptose e espe-cialmente o estrabismo restritivo que acomete o reto inferior, podem influenciar grandemente na

posição da pálpebra devendo ser corrigidos an-tes da cirurgia da retração.

A correção do estrabismo deve ser realizada quando há diplopia na posição primária do olhar. A cirurgia deve ser feita quando o ângu-lo está estável por pelo menos seis meses e no momento da cirurgia não deve haver evidência de atividade da cirurgia. O objetivo é obter visão única na posição primária e na posição de leitu-ra. Isto pode também ser auxiliado com o uso de lentes prismáticas.

A descompressão orbitária é um procedimen-to cirúrgico utilizado há muito tempo no trata-mento da doença de Graves. Como na doença o conteúdo da órbita se mostra aumentado, pelas alterações histopatológicas anteriormente men-cionadas, levando ao deslocamento anterior do globo ocular, a cirurgia visa corrigir este desequi-líbrio seja reduzindo o conteúdo da órbita, que pode ser feito pela remoção da gordura orbitá-ria, seja aumentando o seu continente, através da remoção de parte de uma ou mais paredes da órbita.

A descompressão orbitária está indicada na fase aguda da orbitopatia quando ocorre compres-são do nervo óptico e úlceras de córnea com ris-co de desenvolvimento de leucoma ou perfura-ção corneana. A descompressão da órbita deve preceder os demais procedimentos cirúrgicos indicados no tratamento da oftalmopatia, sendo seguida por ordem de indicação pelo tratamen-to do estrabismo, da retração palpebral e, por úl-timo pela blefaroplastia estética. A maioria dos pacientes, no entanto não necessita de todos es-tes procedimentos e isto deve ser analisado caso a caso.

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cap. 10 Doenças reumáticas e auto-imunes

Figura 01Figura 04

Figura 02

Figura 05

Figura 03

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300 Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10Doenças infecciosas

Doenças infecciosas

Sífilis

A sífilis adquirida é uma infecção sexualmente transmitida pelo agente Treponema pallidum. É uma doença sistêmica, a qual, quando não trata-da, evolui através de três estágios.

A sífilis ocular é rara e não há sinais patogno-mônicos. O comprometimento ocular ocorre ti-picamente no segundo e no terceiro estágio. A habilidade de a sífilis simular muitas desordens oculares pode levar ao diagnóstico errado e atra-sar a terapia apropriada. Dessa maneira a doença deve ser considerada em qualquer caso de infla-mação intraocular que seja resistente a terapia convencional.

As alterações de segmento anterior incluem ma-darose, cancro primário da conjuntiva, escle-rite e ceratite intersticial (sífilis congênita). A irido-ciclite ocorre em 4% dos pacientes com sífilis secundária. O comprometimento do segmento posterior pode ser através de coroidite multi-focal (ocorre tipicamente durante o estágio se-cundário), coroidite unifocal (menos freqüente) e neurorretinite (envolve primariamente a retina e o disco óptico). As alterações neurooftalmo-lógicas incluem alterações pupilares, lesões do nervo óptico (neurite retrobulbar), paralisia de músculos oculares inervados pelo III e VI pares cranianos e defeitos de campo visual por com-prometimento de vias ópticas no cérebro.

Tuberculose

O comprometimento ocular ocorre em aproxi-madamente 1% a 2% dos pacientes com tuber-culose.

Entre as alterações oculares estão formação de tubérculos nas pálpebras, conjuntivite, ceratite intersticial, uveíte anterior, esclerite, granuloma de coróide, uveíte posterior e vasculite retiniana.A uveíte pela tuberculose é atualmente rara e sua possibilidade é sempre presuntiva. É basea-da em evidências indiretas como, por exemplo, uma uveíte intratável não responsiva a terapia com esteróides e achados negativos para outras causas de uveíte e achados sistêmicos positivos para tuberculose e ocasionalmente uma respos-ta positiva ao teste com isoniazida. A iridoclite crônica é o achado mais freqüente, mas a coroi-dite e a vasculite retiniana também podem ocor-rer.

Toxoplasmose

O Toxoplasma gondii é um protozoário intra-celular obrigatório. O gato é o hospedeiro defi-nitivo do parasita, e outros animais como ratos, bem como os humanos, são hospedeiros inter-mediários. O parasita pode apresentar três for-mas diferentes: esporocisto, bradizoíta, taquizo-íta. Os humanos podem se infectar por ingestão de carnes mal cozidas contendo bradizoítas de um hospedeiro intermediário, por ingestão de esporocistos devido a contaminação das mãos e da comida a ser ingerida ao manusear dejetos de gato ou por via transplacentária de parasitas (taquizoítas) para o feto quando a gestante apre-senta infecção aguda por toxoplasmose.

Na toxoplasmose sistêmica congênita, o agen-te é transmitido para o feto através da placenta quando uma gestante contrai a forma aguda da doença. Se a mãe é infectada antes da gravidez, o feto não será comprometido. A severidade do envolvimento do feto varia com a duração da gestação no momento da infecção materna. A infecção no início da gestação pode resultar em

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cap. 10 Doenças infecciosas

abortamento, enquanto que uma infecção na fase tardia da gestação pode levar a convulsão generalizada, paralisia, febre e envolvimento vis-ceral. Calcificações ósseas podem ser observadas em radiografias. No entanto, assim como na for-ma adquirida, a maioria dos casos de toxoplas-mose congênita são subclínicos.Nessas crianças, cicatrizes de coriorretinite sem atividade nos dois olhos podem ser descobertas mais tarde, por acaso ou quando a criança apresenta uma deficiência visual.

A recorrência de uma infecção ocular antiga por toxoplasmose congênita é a causa mais comum de retinite infecciosa em indivíduos sem outras doenças sistêmicas. A recorrência freqüente-mente ocorre entre 10 e 35 anos de idade, quan-do os cistos se rompem e liberam centenas de taquizoítas nas células retinianas normais. A pri-meira lesão é uma retinite interna, e acre-dita-se que a reação inflamatória observada na coróide, na íris e nos vasos sangüíneos retinianos tenha origem imunológica e não seja resultado de uma infestação direta. A iridociclite associada, que pode ser granulomatosa ou não, é relativamente comum. A taxa de cicatrização depende da viru-lência do organismo, da competência do sistema imunológico do hospedeiro, do tama-nho da le-são e do uso de antimicrobianos.

A infecção sistêmica por toxoplasmose adqui-rida agudamente é em geral assintomática em indivíduos imunocompetentes, podendo haver em alguns casos linfadenopatia e febre. A uveíte pode se manifestar nesses pacientes sem lesões oculares prévias.

AIDS

As alterações oculares desenvolvem-se em apro-ximadamente 75% dos pacientes com AIDS. As quatro principais categorias são: microangiopa-tia retiniana, infecções oportunísticas, tumores e lesões neurooftalmológicas associadas a tumo-res e infecções intracranianos.

Alterações de segmento anterior incluem: irite, herpes zoster oftálmico severo e sarcoma de Kaposi acometendo as pálpebras e a conjuntiva. A microangiopatia retiniana é caracterizada por manchas ìalgodonosasî as quais podem estar as-sociadas com hemorragias retinianas e microa-neurismas.

A retinite por citomegalovírus afeta aproximada-mente 40% dos pacientes com AIDS e sua pre-sença em geral significa envolvimento sistêmico severo. A retinite pode se manifestar de maneira central (áreas de necrose retiniana geográficas de aspecto esbranquiçado, denso e bem delimi-tado) ou periférica (aparência mais granular, me-nos intensa).

A coroidite por Pneumocistis carinii pode ser um importante sinal de disseminação sistêmica ex-trapulmonar desse agente infeccioso.Caracteri-za-se por lesões planas amareladas, localizadas atrás do equador e bilaterais em 75% dos casos.A coroidite por criptococos é a infecção fúngi-ca mais comum. Está freqüentemente associada à meningite e caracteriza-se por lesões assinto-máticas com aspecto cremoso e sem associação com vitreíte.

A retinite por toxoplasmose na AIDS é mais se-vera, bilateral, multifocal e freqüentemente as-sociada a comprometimento do sistema nervoso central.

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302 Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10Doenças infecciosas

Edema de papila da hipertensão intracrania-na (papiledema)

Edema de papila é o termo genérico utilizado para designar uma alteração oftalmoscópica caracterizada pelo velamento e elevação das margens da papila ou disco do nervo óptico que pode ser causada por várias afecções do nervo. É importante salientar que o termo papiledema não dever ser usado como sinônimo de edema de papila, já deve ser reservado para designar apenas o edema de papila da hipertensão intra-craniana. Os outros tipos de edema de papila de-vem ser qualificados de acordo com a sua etiolo-gia, ou seja, edema de papila da neurite óptica, edema de papila da neuropatia óptica isquêmica etc.

Várias condições podem simular um edema de papila. Portanto a primeira consideração frente a um paciente com velamento dos bordos da papi-la óptica é verificar se estamos diante de um ede-ma de papila verdadeiro ou um pseudo-edema de papila. A principal condição lembrada quan-do falamos de pseudo-edema de papila são as drusas de papila. Estas são concreções hialinas, acelulares, de etiologia desconhecida que po-dem ser calcificadas, podem ser uni ou bilaterais. As drusas podem ser ocultas, ou seja, situadas abaixo das fibras nervosas retinianas, quando a confusão com edema de papila é muito freqüen-te (Figura 1). Mais tarde na vida as drusas se tor-nam expostas e podem ser visíveis à oftalmos-copia, o que facilita o seu diagnóstico (Figura 2).Algumas características clínicas permitem a dife-renciação entre drusas ocultas e o edema de pa-pila. Os discos ópticos com drusas apresentam as margens indefinidas e as bordas elevadas, mas os vasos retinianos se mostram bem definidas nas margens da papila, visíveis em todo o seu trajeto e sem velamento. Em grande número de casos, observa-se uma distribuição anômala dos

vasos na saída da papila e muitas vezes a papila apresenta bordos com aspecto bocelado, com maior elevação em um determinado setor. Oca-sionalmente, as drusas podem ser parcialmente visíveis em um determinado setor facilitando seu diagnóstico. O diagnóstico das drusas pode ser auxiliado também por exames complementares, em especial a angiofluoresceinografia, a ultras-sonografia e a tomografia computadorizada. A angiofluoresceinografia pode ser muito útil, pois pode revelar a existência de auto-fluorescência, e não existe extravasamento de contraste nas fa-ses tardias do exame como ocorre no edema de papila. A ultrassonografia e a tomografia com-putadorizada podem auxiliar o diagnóstico de-monstrando calcificação no disco óptico.

Uma das principais causas de edema de papila é a hipertensão intracraniana, que neste caso de-nominamos papiledema. Estudos experimentais mostraram que o papiledema se desenvolve na hipertensão intracraniana quando existe trans-missão da pressão ao longo da bainha do nervo óptico. Além disso, o papiledema só se desenvol-ve quando existem células ganglionares retinia-nas presentes, uma vez que o bloqueio do fluxo axoplasmático destas fíbras é etapa fundamen-tal do seu desenvolvimento. Não há, portanto, papiledema em casos de atrofia óptica grave.Clinicamente, o papiledema pode ser inicial (Fi-gura 3), bem desenvolvido (Figura 4), crônico ou atrófico (Figura 5). Além das características clíni-cas o papiledema pode ser diferenciado de ou-tras formas de edema de papila pelo fato de ser bilateral e preservar a visão quando comparado com outras afecções do nervo óptico causado-ras de edema de papila. No entanto, embora na grande maioria dos casos o papiledema seja bila-teral, este pode também seu unilateral ou muito assimétrico.

A avaliação da função visual também é um ele-

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303Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10 Doenças infecciosas

mento importante na diferenciação do papilede-ma e outras formas de edema de papila. Numa fase inicial, o papiledema se caracteriza por fun-ção visual preservada observando-se apenas au-mento da mancha cega ao exame campimétrico e acuidade visual normal. Quando questionados ou mesmo espontaneamente, muitos pacientes referem obscurecimentos transitórios da visão com duração de alguns segundos, mas de início geralmente não existe déficit visual permanente. No entanto, quando o papiledema persiste por um tempo prolongado ou ainda quando a eleva-ção da pressão intracraniana é muito acentuada pode haver perda importante da função visual. Isto ocorre especialmente no pseudotumor cere-bral, onde a hipertensão intracraniana é bem to-lerada por períodos prolongados. Nestes casos, o exame campimétrico é extremamente impor-tante. Além do aumento da mancha cega, obser-

va-se contração difusa do campo visual (Figura 6) e a retração nasal inferior além de escotomas arqueados. É importante salientar também que a perda de acuidade visual é uma alteração tardia e que estes pacientes devem ser monitorados com campos visuais periódicos.

O tratamento do papiledema deve ser dirigido à causa da hipertensão intracraniana, particular-mente nos pacientes com processos expansivos e hidrocefalia. Nos pacientes com síndrome do pseudotumor cerebral, é necessário o tratamen-to clínico no sentido de reduzir a hipertensão intracraniana com acetazolamida e redução de peso (no caso de pacientes obesos). Quando existe perda visual a despeito do tratamento clí-nico, pode ser feito o tratamento cirúrgico com a fenestração da bainha do nervo óptico ou a deri-vação lomboperitoneal.

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304 Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10Sumário

Sumário

O exame oftalmológico proporciona muitas ve-zes ao especialista a oportunidade única de con-tribuir para o diagnóstico de doenças sistêmicas.

Em doenças crônicas como o diabetes e a hiper-tensão arterial sistêmica, o exame de fundosco-pia é fundamental para se avaliar o nível de com-prometimento da retina e do disco óptico por essas patologias.

Em doenças auto-imunes e reumáticas, altera-ções como conjuntivites, olho seco, esclerites e uveítes, anteriores e posteriores, podem ser ob-servadas, muitas vezes auxiliando no diagnósti-co do quadro sistêmico.

Doenças infecciosas sistêmicas também levam muitas vezes a alterações oculares que em al-guns casos podem ser devastadoras, com impor-tante comprometimento visual.

O conhecimento das patologias sistêmicas com alterações oculares é fundamental para a pre-venção da cegueira bem como para o auxílio diagnóstico em circunstâncias nas quais o exa-me oftalmológico pode fazer a diferença.

LITERATuRA SuGERIDA

• Kanski, J.J. Clinical Ophthalmology: A systemic approach. 3rd

edition. Butterworth-Heinemann. Oxford, England. 1995.

• Vaughan, D.; Asburry, T. Oftalmologia Geral. 3ª edição. Ateneu.

1990.

• Pavan-Langston, D. Manual of ocular diagnosis and therapy.

6th edition. Lippincott Williams & Wilkins.

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305Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10 Saiba mais

Saiba mais

Diabetes

Três grandes estudos clínicos foram conduzidos pelo National Eye Institute para determinar a evo-lução da retinopatia diabética proliferativa e não proliferativa, bem como seus guias para trata-mento.O “Diabetic Retinopathy Study (DRS)” mostrou que a fotocoagulação a laser em múltiplas áre-as (panfotocoagulação) reduziu a incidência de perda visual severa em pelo menos 50% em olhos com neovascularização do disco óptico ou dentro de um espaço de um diâmetro do disco a partir deste. Uma redução semelhante na taxa de perda visual severa foi observada em olhos com neovascularização em outras áreas associadas à hemorragia vítrea. O “Early Treatment Diabetic Retinopathy Study” mostrou que olhos com edema macular clini-camente significativo beneficiaram-se de apli-cações com laser focal de argônio em áreas de extravasamento e de fotocoagulação em “grade” para áreas com extravasamento difuso. O trata-mento com laser reduziu o risco de perda visual moderada em 50% ou mais e aumentou a chan-ce de melhora da acuidade. A fotocoagulação fo-cal para casos de risco de perda visual por edema macular dever ser realizada antes da panfotoco-agulação em casos de retinopatia diabética pro-liferativa de alto risco.O “Diabetic Retinopathy Vitrectomy Study” mos-trou que os diabéticos do tipo I com hemorragia vítrea severa, associada a perda visual pior do que 5/200, submetidos a vitrectomia precoce (dentro de 6 meses) tiveram uma chance maior de atingir uma acuidade visual igual ou melhor do que 20/40 em relação àqueles que se subme-teram a vitrectomia após um ano. Pacientes com diabetes do tipo II ou misto não se beneficiaram de vitrectomia precoce para hemorragia vítrea.

Pacientes com retinopatia diabética proliferati-va com acuidade visual igual ou melhor do que 10/200 tiveram melhor chance de atingir visão igual ou melhor que 20/40 se eles fossem sub-metidos a vitrectomia precocemente, compara-dos aos pacientes tratados com terapia conven-cional. O guia de manejo e o seguimento para reti-no-patia diabética recomendados pela Academia Americana de Oftalmologia é apresentado abai-xo:

Classificação Conduta

Exame normal ou microaneurismas rarosExame anualManter bom controle do diabetesRetinopatia diabética não proliferativa (RDNP) leve (poucas hemorragias e microaneurismas em um quadrante ou mais, mas sem edema macular ou exsudatos) Exame a cada 9 mesesManter bom controle do diabetesRDNP moderada (hemorragias e ou exsudatos em todos os quadrantes, anormalidades micro-vasculares intra-retinianas (IRMA ñ intraretinal microvascular abnormality)

- Exame a cada 6 meses

Manter bom controle do diabetes

RDNP severa (um ou mais dos seguintes aspectos: número importante de hemorragias retinianas, número moderado de IRMAs, beading venoso

- Exame a cada 4 meses

Edema macular a qualquer momento: exame a cada 3-4 meses, laser focal se houver desenvol-vimento de edema macular clinicamente signi-ficativo.

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306 Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10Saiba mais

O edema macular clinicamente significativo in-clui qualquer uma das seguintes características:

- Espessamento da retina ou exsudatos duros dentro de uma área partindo a 500 µm do centro da mácula.

- Zonas de espessamento retiniano com área de um disco óptico ou maior apresentando uma parte dentro da área partindo a 500 µm do cen-tro da mácula.A retinopatia diabética proliferativa sem alto ris-co ocorre quando neovasos retinianos existem, mas o olho não apresenta características de alto risco definidas pelo DRS. Esses olhos devem ser acompanhados a cada 2-3 meses. Em pacientes com retinopatia diabética proliferativa sem alto risco, a panfotocoagulação deve ser considerada em um olho. Na retinopatia diabética proliferativa com alto risco, a panfotocoagulação da retina é o trata-mento de escolha. Esse quadro é caracterizado por:

- Neovascularização de disco maior do que um quarto da área do disco.

- Hemorragia vítrea ou hemorragia pré-retiniana associada com neovascularização de disco me-nos extensa ou neovascularização em outros se-tores com tamanho maior ou igual a ½ da área do disco.

Retinopatia hipertensiva

A retinopatia hipertensiva pode ser dividida em 4 estágios descritos na tabela abaixo

Estágio I Atenuação arteriolar leve generaliza-da, particularmente dos pequenos ramosAlargamento do reflexo de luz arteriolar Estágio II Constricção arteriolar generalizada e localizada mais severa associada a deflexão das veias no cruzamento arteriovenoso (sinal de Sa-lus)Estágio III Arteríolas com aspecto de “fios de cobre”, banking (sinal de Bonnet) e redução das veias nos dois lados do cruzamento arterioveno-so (sinal de Gunn); deflexão em ângulo reto das veiasExsudatos duros, hemorragias em “chama de vela” e exsudatos algodonosos Estágio IV Alterações observadas no estágio III associadas a edema de papila

A classificação tem valor particular no estabele-cimento do prognóstico dos pacientes com hi-pertensão.

Outras formas de retinopatia hipertensiva

Uma retinopatia hipertensiva grave pode ser vista em doença renal avançada, em pacientes com feocromocitoma e toxemia da gravidez. Es-ses pacientes devem ser submetidos a todos os exames indicados para estabelecer a natureza da hipertensão.

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307Manifestações oculares das doenças sistêmicas

cap. 10 Auto-avaliação

Auto-avaliação

1. Qual das afirmações abaixo é verdadeira:

a. Entre as doenças sistêmicas de comprome-timento ocular destacam-se o diabetes, a hip-ertensão arterial sistêmica e distúrbios auto-imunes.b. Um vez estabelecido o diagnóstico da doen-ça sistêmica, a terapia do quadro oftalmológico secundário a essa condição, é sempre local.c. O comprometimento ocular de doenças sistêmicas é geralmente limitado ao segmento posterior do olho.d. Alterações estruturais sem comprometimento funcional podem ser observadas na maioria das doenças oftalmológicas secundárias à quadros sistêmicos.

2. É errado afirmar que:

a. O comprometimento ocular pelo diabetes pode envolver estruturas como o cristalino, íris e e a retina.b. O nível glicêmico em jejum no diabetes insuli-no-dependente é o principal fator para o nível de comprometimento da retinopatia diabética.c. A retinopatia diabética não proliferativa é car-acterizada por permeabilidade vascular anômala dos vasos retinianos com exsudação excessiva de líquido levando ao aumento da espessura retiniana. d. Na retinopatia diabética proliferativa, o pro-cesso de isquemia retiniana leva à liberação de fatores de crescimento vascular endotelial e ao desenvolvimento de neovasos no disco óptico e na retina.

3. É correto afirmar que:

a. As principais alterações oculares da hiperten-são arterial sistêmica ocorrem no segmento an-terior do olho.b. Diferente dos idosos, em indivíduos jovens a manifestação ocular da hipertensão arterial sistêmica é bem menos evidente.c. O cruzamento arterio-venoso patológico na retina é a alteração característica da fase maligna da hipertensão arterial sistêmica.d. A hipertensão arterial sistêmica está associada a um risco aumentado para oclusão de ramo da veia central da retina.

4. Qual das afirmativas abaixo é verdadeira:

a. Na espondilite anquilosante, a ceratite aguda pode se manifestar de maneira aguda e recor-rente em até 30% dos casos.b. Na síndrome de Reiter, manifestações oculares como conjuntivite bilateral aguda e mucopuru-lenta, e irite podem estar presentes.c. No lúpus eritematoso sistêmico, a manifesta-ções ocular mais comum é a uveíte.d. Na doença de Behçet, aproximadamente 70% dos pacientes desenvolvem inflamação intra-ocular, bilateral recorrente, que se restringem ao segmento posterior.

5. Sobre a orbitopatia de Graves é incorreto:

a. Os principais sinais são retração palpebral, pro-ptose e alteração da motilidade ocular.b. A neuropatia óptica é incomumc. Os níveis séricos de T3/T4 estão sempre au-mentados nesta doençad. A alteração histopatológica predominante é a inflamação dos tecidos moles orbitários e dos músculos extraoculares.