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CAPÍTULO 1 DINÂMICA SETORIAL, EVOLUÇÃO DA PRODUTIVIDADE E CRESCIMENTO DA ECONOMIA GAÚCHA NOS ANOS 2000 Cecília Rutkoski Hoff Martinho Roberto Lazzari A perda de participação da economia gaúcha na economia nacional não é um fenômeno recente. Estimase que o PIB estadual tenha representado em torno de 8,5% do PIB brasileiro entre os anos 1950 e 1970. A partir dos anos 1980, teve início um processo de redução da parcela da produção gaúcha na produção nacional, que se intensificou em dois períodos distintos: na primeira metade dos anos 1990, em resposta à abertura comercial da economia brasileira e ao Plano Real, e, mais recentemente, desde meados dos anos 2000, com a retomada do crescimento brasileiro, liderado pela expansão da produção de commodities para o mercado internacional e pelo crescimento da renda e a ampliação do consumo doméstico. Atualmente, o PIB do Rio Grande do Sul representa 6,36% do PIB nacional (segundo dados consolidados das Contas Regionais de 2011), figurando, ao lado de São Paulo e Rio de Janeiro, entre os estados que mais perderam participação na última década. Há que se considerar que a análise comparada de informações das contas regionais em séries temporais longas deve ser conduzida com cautela, uma vez que está sujeita a diferenças de mensuração. A qualidade das informações estatísticas e a metodologia costumam ser alteradas e aprimoradas com o passar do tempo, de sorte a acompanhar as mudanças ocorridas na economia e melhor retratar a realidade. Também é esperado que regiões menores aumentem a sua participação, na medida em que o país se desenvolve econômica e regionalmente. Porém, a perda de participação do Rio Grande do Sul tem sido persistente, podendo ser visualizada com clareza nas séries cuja metodologia é uniforme temporalmente, como é o caso da série mais recente, que abrange o período de 1995 a 2011. Entretanto, esse fenômeno não se constitui, isoladamente, em evidência de crise estrutural na economia gaúcha. De um lado, setores que se destacaram no crescimento nacional nos últimos anos não fazem parte da estrutura produtiva do

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CAPÍTULO 1 DINÂMICA SETORIAL, EVOLUÇÃO DA PRODUTIVIDADE  

E CRESCIMENTO DA ECONOMIA GAÚCHA NOS ANOS 2000  

Cecília Rutkoski Hoff Martinho Roberto Lazzari 

 

A perda de participação da economia gaúcha na economia nacional não é um 

fenômeno  recente.  Estima‐se  que  o  PIB  estadual  tenha  representado  em  torno  de 

8,5% do PIB brasileiro entre os anos 1950 e 1970. A partir dos anos 1980, teve  início 

um processo de redução da parcela da produção gaúcha na produção nacional, que se 

intensificou  em  dois  períodos  distintos:  na  primeira  metade  dos  anos  1990,  em 

resposta  à  abertura  comercial  da  economia  brasileira  e  ao  Plano  Real,  e,  mais 

recentemente,  desde  meados  dos  anos  2000,  com  a  retomada  do  crescimento 

brasileiro,  liderado  pela  expansão  da  produção  de  commodities  para  o  mercado 

internacional  e  pelo  crescimento  da  renda  e  a  ampliação  do  consumo  doméstico. 

Atualmente, o PIB do Rio Grande do Sul  representa 6,36% do PIB nacional  (segundo 

dados consolidados das Contas Regionais de 2011), figurando, ao lado de São Paulo e 

Rio de Janeiro, entre os estados que mais perderam participação na última década. 

 Há  que  se  considerar  que  a  análise  comparada  de  informações  das  contas 

regionais em  séries  temporais  longas deve  ser  conduzida  com  cautela, uma vez que 

está sujeita a diferenças de mensuração. A qualidade das  informações estatísticas e a 

metodologia costumam ser alteradas e aprimoradas com o passar do tempo, de sorte 

a  acompanhar  as mudanças  ocorridas  na  economia  e melhor  retratar  a  realidade. 

Também é esperado que  regiões menores aumentem a  sua participação, na medida 

em  que  o  país  se  desenvolve  econômica  e  regionalmente.  Porém,  a  perda  de 

participação do Rio Grande do Sul tem sido persistente, podendo ser visualizada com 

clareza nas séries cuja metodologia é uniforme temporalmente, como é o caso da série 

mais recente, que abrange o período de 1995 a 2011. 

Entretanto,  esse  fenômeno  não  se  constitui,  isoladamente,  em  evidência  de 

crise  estrutural  na  economia  gaúcha.  De  um  lado,  setores  que  se  destacaram  no 

crescimento  nacional  nos  últimos  anos  não  fazem  parte  da  estrutura  produtiva  do 

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estado,  como,  por  exemplo,  aqueles  vinculados  à  indústria  extrativa  mineral.  Da 

mesma  forma,  setores  tradicionais  da  estrutura  produtiva  gaúcha  enfrentaram 

dificuldades  competitivas  na  última  década,  associadas  à  condução  da  política 

macroeconômica que agravou as dificuldades na produção de bens comercializáveis.  

De outro lado, a população do Rio Grande do Sul cresceu menos do que a nacional, de 

modo  que,  apesar  da  perda  de  participação  no  PIB,  a  renda  per  capita  mostrou 

crescimento em relação à média nacional nos últimos anos, ao mesmo tempo em que 

a taxa de desemprego na região metropolitana de Porto Alegre é a menor dentre as 

demais regiões nas quais esse  indicador é calculado – em que pese o  fato de que os 

níveis  de  renda  per  capita  e  desenvolvimento  do  estado  ainda  serem  baixos  se 

comparados  aos  vigentes  nos  países  avançados.  Ou  seja,  a  resposta  da  economia 

gaúcha ao modelo de expansão nacional tem sido mediada, entre outros fatores, pelas 

suas  especificidades  setoriais  e  pela  sua  dinâmica  demográfica  e  do  mercado  de 

trabalho. 

O objetivo deste capítulo é analisar o crescimento da economia do Rio Grande 

do  Sul  nos  dez  anos  compreendidos  entre  2002  e  2011,  buscando  avaliar  o 

desempenho da economia gaúcha  frente ao modelo de  crescimento que vigorou na 

economia brasileira na última década. Na próxima seção, decompõe‐se o crescimento 

da economia gaúcha  setorialmente, a  fim de  identificar as principais  transformações 

setoriais  ocorridas  no  período.  Na  seção  seguinte,  é  abordado  o  impacto  da 

demografia  e  do  crescimento  da  produtividade  no  diferencial  de  crescimento  do 

estado em relação à média nacional. Por fim, são apresentadas algumas conclusões. 

 

Estrutura produtiva e transformações setoriais 

Será analisado o desempenho setorial da economia gaúcha, a fim de identificar 

se as especificidades da estrutura produtiva do estado podem explicar o diferencial de 

crescimento em relação à média nacional. A economia do estado representava 7,22% 

do Valor Adicionado Bruto (VAB) nacional em 2002, reduzindo a sua participação para 

6,45% em 2011. O estado de São Paulo também reduziu a sua participação de 33,70% 

para 31,40%, enquanto o Rio de Janeiro viu a sua parcela na economia nacional cair de 

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11,57% para 11,19%. Por fim, o Paraná reduziu a sua parcela de 6,07% para 5,79%, e a 

Bahia de 4,14% para 3,96%. As demais  regiões mantiveram ou aumentaram as  suas 

participações. Já os ganhos foram mais difusos, com destaque para as regiões Centro‐

Oeste, Norte  e Nordeste  (Gráfico  1).   Nota‐se  que  as  regiões  com maiores  ganhos 

foram  aquelas  em  que  houve  uma  maior  expansão  da  produção  de  commodities 

agrícolas e minerais, como Mato Grosso, Goiás, Pará e Minas Gerais. 

 

 

Gráfico 1 – Perdas e ganhos de participação no VAB nacional, 2002‐2011. NOTA: variação em pontos percentuais. Fonte: IBGE 

 

O modelo de crescimento da economia brasileira na última década privilegiou 

as regiões produtoras de commodities. É verdade que a economia gaúcha também se 

beneficiou  da  elevação  dos  preços  relativos  de  alguns  produtos  no  mercado 

internacional  –  no  caso,  a  soja  e  os  derivados  de  petróleo  –, mas  isso  ocorreu  em 

menor  proporção  do  que  em  outros  estados.  Em  primeiro  lugar,  porque  alguns 

produtos que tiveram uma forte valorização ao longo da década, como os minérios e o 

petróleo  em  bruto,  não  são  produzidos  no  estado.    Em  segundo  lugar,  porque  a 

capacidade  de  expansão  da  fronteira  agrícola  no  estado  é  reduzida,  principalmente 

quando  comparada  à  da  região  Centro‐Oeste.  A  produção  agropecuária  do  Mato 

‐3,5 ‐3 ‐2,5 ‐2 ‐1,5 ‐1 ‐0,5 0 0,5 1

Minas Gerais

Espírito Santo

Pará

Mato Grosso

Santa Catarina

Maranhão

Ceará

Mato Grosso do Sul

Rondônia

Distrito Federal

Goiás

Pernambuco

Piauí

Amazonas

Tocantins

Rio Grande do Norte

Alagoas

Paraíba

Acre

Roraima

Sergipe

Amapá

Bahia

Paraná

Rio de Janeiro

Rio Grande do Sul

São Paulo

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Grosso, por exemplo, saltou de 3,0% do Valor Adicionado Bruto  (VAB) brasileiro, em 

meados  da  década  de  1990,  para  8,04%  em  2011. No mesmo  período,  a  produção 

gaúcha acompanhou a média brasileira e ficou estável em cerca de 11,0% do VAB. De 

todo  modo,  sem  a  valorização  dos  preços  relativos,  a  perda  de  participação  da 

economia gaúcha teria sido ainda mais acentuada (Gráfico 2). 

 

Gráfico 2 – Participação do PIB do Rio Grande do Sul no PIB brasileiro, em %. Fonte: IBGE, FEE  

A  perda  de  participação  esteve  associada,  portanto,  ao  desempenho  real 

inferior à média nacional. O Gráfico 3 mostra a evolução do índice de volume do PIB do 

Brasil  e  do  Rio Grande  do  Sul. Nota‐se  que,  até  2003,  as  taxas  de  crescimento  da 

economia gaúcha coincidiam, em média, com as observadas na economia brasileira. E 

que, após a queda da produção em 2005, a economia do estado voltou a crescer em 

um  ritmo  próximo  do  nacional  (medido  pela  inclinação  da  curva),  porém  sem 

compensar a perda  relativa. A  forte estiagem que  atingiu a economia  gaúcha nesse 

período frequentemente induz à interpretação de que a agropecuária foi a responsável 

pelo menor crescimento do estado no período. Porém, essa conclusão é equivocada. 

As estiagens, que ciclicamente atingem a produção agropecuária gaúcha, tornaram a 

taxa de crescimento do PIB estadual mais volátil do que a nacional, mas não  inferior. 

6,36

7,05

7,35

5,89

5,00

5,50

6,00

6,50

7,00

7,50

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Preços correntes Preços constantes de 2000

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Na média entre 2002 e 2012, e a despeito das estiagens ocorridas em 2004, 2005 e 

2012,  a  produção  agropecuária  do  estado  cresceu  em  linha  com  a  nacional,  tendo 

apresentado um crescimento superior ao brasileiro entre 2006 e 2011 (Gráfico 4). Ou 

seja,  a  análise  de  um  período  mais  longo  não  permite  atribuir  à  agropecuária  a 

responsabilidade pelo menor crescimento relativo da economia gaúcha. 

 

Gráfico 3 – Índice de Volume do PIB, Brasil e Rio Grande do Sul.  Fonte: IBGE, FEE 

 

 

65,0

75,0

85,0

95,0

105,0

115,0

125,0

135,0

145,0

155,0

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Brasil Rio Grande do Sul

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Gráfico 4 – Índice de Volume do VAB da Agropecuária, Brasil e Rio Grande do Sul  Fonte:  IBGE, FEE 

 

Entre 2002 e 2011, o PIB brasileiro acumulou um crescimento de 44,6%, uma 

média de 3,8% ao ano. No mesmo período, o Rio Grande do  Sul  cresceu 32,9%, ou 

2,9% ao ano. Entre os  setores, a agropecuária gaúcha acumulou um crescimento de 

75,2%, enquanto na média nacional o crescimento  foi de 44,7%. A estiagem de 2012 

reduziu esse diferencial de crescimento, mas a safra recorde de 2013 o recompôs, de 

modo que a comparação ponta a ponta do desempenho da agropecuária no período 

não  parece  superestimada.  A  contribuição  estimada  da  agropecuária  para  o 

crescimento da economia gaúcha no período foi maior do que a contribuição do setor 

para  o  crescimento  da  economia  brasileira  (5,3  pontos  percentuais  da  expansão  de 

32,0% do VAB),  seja devido  à maior participação desse  setor na  economia  estadual 

(7,9% do PIB em 2011), seja devido ao maior crescimento relativo.  

Conforme  mostra  a  Tabela  1,  as  maiores  perdas  relativas  ocorreram  na 

indústria e nos serviços.  A indústria gaúcha acumulou um crescimento de 17,5% entre 

2002  e  2011,  enquanto  na média  nacional  o  setor  cresceu  35,0%.  Nos  serviços,  o 

crescimento acumulado foi de 34,7% no estado e 45,5% no Brasil. Embora o diferencial 

de crescimento nos serviços seja significativo, a análise se concentrará nos segmentos 

0,0

50,0

100,0

150,0

200,0

250,0

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Brasil Rio Grande do Sul

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da indústria, uma vez que muitas atividades de serviços (como comércio, transportes, 

instituições  financeiras,  por  exemplo)  ainda  possuem  o  desempenho  vinculado  à 

dinâmica industrial. Tem‐se que o crescimento da indústria gaúcha foi menor em todos 

os segmentos (extrativa, transformação, construção civil e produção e distribuição de 

eletricidade  e  gás,  água,  esgoto  e  limpeza  urbana).  Porém,  os maiores  diferenciais 

foram observados nas indústrias extrativa e de transformação. 

Tabela 1– Contribuições dos setores para a  taxa de crescimento do VAB, Brasil e Rio Grande do Sul.  

 

No  caso  da  indústria  extrativa,  a  produção  no  estado  é  pouco  relevante, 

representando  0,2%  do  PIB  em  2011,  de modo  que  o  seu  desempenho  tem  pouca 

influência  na  taxa  de  crescimento  total.   Na  economia  nacional,  porém,  a  indústria 

extrativa vem ganhando participação – esta passou de 1,4% do PIB em 2002 para 3,5% 

em 2011. Ademais, esse  segmento da  indústria  cresceu 69,3% entre 2002 e 2011, e 

estima‐se  que  a  sua  contribuição  para  o  crescimento  do  PIB  brasileiro  no  período 

tenha sido de 1,2 ponto percentual. No que diz respeito à indústria de transformação, 

a  participação  desta  é maior  no  PIB  do  Rio Grande  do  Sul  (16,5%  em  2011,  contra 

12,4% na economia brasileira), e o dinamismo deste segmento foi bastante inferior na 

economia  gaúcha,  apesar  de  ambas  mostrarem  dificuldades  e  terem  registrado 

crescimento abaixo do PIB no período. Enquanto a indústria de transformação nacional 

cresceu 26,6% entre 2002 e 2011, a indústria gaúcha cresceu 12,9%. 

Var. %      2002‐2011

Participação % em 2011

Contribuição em p.p. (a)

Var. %      2002‐2011

Participação % em 2011

Contribuição em p.p. (b)

PIB 32,9 100,0 ‐ 44,6 100,0 ‐ ‐VAB 32,0 86,4 32,0 42,4 85,2 42,4 ‐10,4Agropecuária 75,2 7,9 5,3 44,7 4,7 2,5 2,8Indústria 17,5 23,2 5,3 35,0 23,5 9,7 ‐4,4Extrativa 2,2 0,2 0,0 69,3 3,5 1,2 ‐1,1Transformação 12,9 16,5 3,4 26,6 12,4 5,0 ‐1,6Construção 23,1 3,9 1,1 39,7 4,9 1,9 ‐0,8

SIUP(1) 34,8 2,6 0,8 54,2 2,6 1,7 ‐0,9Serviços 34,7 55,2 21,4 45,5 57,1 30,2 ‐8,8(1) Produção e distribuição de eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana

Fonte: IBGE

Rio Grande do Sul BrasilDiferença   (a) ‐ (b)

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Tabela  2  –  Índice  de  volume  e  participação  das  atividades  da  indústria  de transformação, Brasil e RS – 2011.  

 

Conforme  pode  ser  observado  na  Tabela  2,  entre  os  setores  que  possuem 

participação similar na indústria de transformação do estado e no Brasil, destaca‐se o 

menor  crescimento  do  setor  de  Alimentos,  bem  como  a  queda  da  produção  nos 

setores  de  Bebidas  e  Borracha  e  Plástico.  Por  outro  lado,  alguns  setores  cuja 

participação  no  estado  é  elevada,  quando  comparada  com  a  importância  no  País, 

como Fumo, Calçados e Mobiliário, apresentaram quedas expressivas na década. Por 

fim, entre os setores que apresentaram desempenho superior ao nacional na década, 

contribuindo para que o desempenho do estado não fosse ainda mais baixo, estão os 

de Máquinas e Equipamentos e Veículos Automotores.  

Em  suma,  no  contexto  do  crescimento  nacional,  liderado  pela  expansão  da 

produção de commodities e pelo consumo  interno de massas, os setores da  indústria 

gaúcha  que  tiveram  melhor  desempenho  relativo  foram  aqueles  vinculados  à 

BR RS(2) BR RSTotal 130,2 111,0 ‐ ‐Alimentos 120,4 104,5 16,5 16,3Bebidas 128,0 81,3 3,7 3,2Fumo 57,0 30,5 0,7 4,2Têxtil 83,9 ‐ 1,8 1,0Vestuário e acessórios 78,5 ‐ 2,6 1,4Calçados e artigos de couro 65,5 51,6 1,8 7,8Madeira 87,1 ‐ 1,0 1,1Celulose, papel e produtos de papel 138,4 143,0 3,3 1,9Refino de petróleo e álcool 108,7 103,1 11,8 0,7Farmacêutica 168,5 ‐ 2,4 0,3Outros produtos químicos 102,1 98,4 7,8 9,6Borracha e plástico 109,6 84,0 3,9 4,1Minerais não metálicos 126,4 ‐ 4,0 3,1Metalurgia básica 122,2 123,3 5,3 2,6Produtos de metal ‐ exclusive máquinas e equipamentos 126,1 120,6 4,3 6,9Máquinas e equipamentos 170,3 201,2 5,5 10,2Veículos automotores 198,9 260,7 11,3 13,0Outros equipamentos de transporte 351,2 ‐ 1,7 1,2Mobiliário 120,2 84,3 1,4 3,9(1) Valor da Transformação Industrial.

Participação %       

no VTI(1)Índice de volume 

2001=100

Fonte: IBGE, Pesquisa Industrial Mensal (PIM‐PF) e Pesquisa Industrial Anual (PIA‐Empresa)

Setores e atividades

(2) No caso do Rio Grande do Sul, a amostra do IBGE não incorpora todos os setores pesquisados nacionalmente. É o caso das atividades Têxtil, Vestuário e acessórios, Madeira, Minerais não metálicos e Outros equipamentos de transporte.

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produção de veículos e bens de capital. Ao contrário, aqueles segmentos produtores 

de  bens  de  consumo  não  duráveis  e mais  intensivos  em  trabalho,  como  calçados, 

alimentos e mobiliário, enfrentaram dificuldades  competitivas maiores,  associadas  à 

maior  concorrência  externa  em  um  contexto  de  valorização  cambial  e  aumentos 

salariais acima da produtividade. 

 

PIB per capita, demografia e produtividade  

Conforme mostrado  nos  parágrafos  anteriores,  nos  dez  anos  compreendidos 

entre  2002  e  2011,  o  PIB  do  Rio  Grande  do  Sul  cresceu,  em média,  2,9%  ao  ano, 

enquanto o do Brasil apresentou taxa média de crescimento de 3,8% ao ano. Por outro 

lado, as taxas médias de expansão das populações gaúcha e brasileira foram de 0,7% e 

de 1,2% ao ano respectivamente. Se o objetivo for medir da melhor maneira possível o 

desempenho econômico do estado na comparação com a média nacional, essas duas 

medidas, PIB e população, devem ser analisadas conjuntamente. É isso o que o PIB per 

capita  faz.  De  certo  modo,  esse  indicador  normaliza  o  crescimento  do  produto 

agregado de uma economia a partir da variação do número de habitantes. O resultado 

é uma medida mais  fidedigna da evolução da capacidade de geração de produção e 

renda de um território e sua população. 

O  objetivo  desta  seção  é  analisar  de  forma mais  abrangente  a  evolução  da 

economia  gaúcha  no  período  e  sua  comparação  com  a  brasileira,  utilizando 

informações que  levem em conta não apenas a variação do produto, mas também a 

variação da população, a sua estrutura etária e a sua inserção no mercado de trabalho. 

Em outras palavras, a  ideia é avaliar o desempenho da capacidade produtiva do Rio 

Grande do Sul no âmbito nacional. Para isso, o estudo focará na análise da evolução do 

PIB per capita e em sua decomposição.  Isso permitirá, por um  lado, entender melhor 

as diferenças de desempenho econômico entre o Rio Grande do Sul e o Brasil e, por 

outro,  responder concretamente se, a despeito do menor crescimento econômico, o 

Rio Grande do Sul  tornou‐se menos produtivo  relativamente ao Brasil nos primeiros 

anos do novo século.  

Page 10: CAPÍTULO 1 DINÂMICA SETORIAL EVOLUÇÃO DA … do Timm... · para o crescimento da economia brasileira (5,3 pontos percentuais da expansão de 32,0% do VAB), seja devido à maior

A finalidade da decomposição do PIB per capita é possibilitar a observação de 

outros  indicadores  importantes  para  entender  a  evolução  da  economia  gaúcha  no 

período  recente. O principal deles é a  relação entre o produto agregado e o pessoal 

ocupado, que será o principal indicador a ser usado para responder à questão principal 

da  seção. De  certo modo,  o  PIB  per  capita  e  o  produto  por  trabalhador medem  a 

mesma coisa, a produtividade do trabalho, sendo que um considera a população total 

e outro, apenas a envolvida diretamente na produção. A vantagem da produtividade 

do  trabalho  é  que  este  pode  ser  decomposto  setorialmente,  fornecendo,  assim, 

informações mais  desagregadas  sobre  as  alterações  produtivas  e  os  seus  impactos 

sobre  o  crescimento  econômico  de  mais  longo  prazo.  A  decomposição  também 

permite enxergar  com maior  clareza o papel que  a demografia  tem no  crescimento 

econômico. 

O  PIB  per  capita  (PIB/Pop)  pode  ser  reescrito,  portanto,  como  o  produto 

(PIB/PO).(PO/Pop), em que Pop é a população total e PO é o pessoal ocupado. Assim, o 

PIB per capita é dado pela multiplicação da produtividade do  trabalho  (PIB/PO) e do 

quociente  entre  pessoal  ocupado  e  população  total  (PO/Pop).  A  decomposição 

algébrica do PIB per capita pode  ser estendida para adicionar dados do mercado de 

trabalho e demográficos. Desse modo, 

(PIB/Pop)=(PIB/PO).(PO/PEA).(PEA/PIA).(PIA/Pop)              (1) 

Na equação acima, o PIB representa o produto agregado da economia, Pop a 

população total, PO o pessoal ocupado, PEA a população economicamente ativa e PIA 

a  população  em  idade  ativa.  Manipulando  algebricamente  a  equação  1,  pode‐se 

concluir que a taxa de variação do PIB per capita é resultado das taxas de variação da 

produtividade do trabalho (PIB/PO), da taxa de ocupação (PO/PEA), da taxa global de 

participação  (PEA/PIA) e da parcela da população total com  idade de 10 e mais anos 

(PIA/Pop): 

∆(PIB/Pop)=∆(PIB/PO).∆(PO/PEA).∆(PEA/PIA).∆(PIA/Pop)            (2) 

A Tabela 3 apresenta as informações para o Rio Grande do Sul e o Brasil para o 

período entre 2002 e 2011. 

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Os  cinco  anos  seguintes  foram  diferentes.  Entre  2007  e  2011,  o  PIB  gaúcho 

cresceu 4,1% ao ano em média. A ausência de estiagens mais severas e o aumento da 

produção  industrial  explicam  o  maior  crescimento  da  segunda  parte  da  década. 

Entretanto, a economia gaúcha não cresceu mais que a brasileira, que avançou à taxa 

de 4,2% ao ano na média do período. Mas como a população do estado apresentou 

um crescimento mais lento, a reduzida diferença entre as taxas do PIB refletiu‐se num 

crescimento  superior do PIB per  capita no Rio Grande do Sul. Entre 2007 e 2011, o 

indicador gaúcho cresceu 3,6% ao ano em média, e o brasileiro, 3,1%. Vê‐se na prática 

que a menor expansão da população verificada no estado exige uma menor  taxa de 

crescimento do produto para que seu PIB per capita acompanhe o nacional. 

O  segundo  ponto  importante  que  a  Tabela  3  mostra  é  a  decomposição 

propriamente dita do PIB per capita. Dado que o produto por habitante aumentou, os 

números  informam a origem do maior esforço produtivo. Analisando‐se a  tabela da 

direita para a esquerda, o primeiro número  indica a variação  (e sua contribuição) da 

parcela da população apta a trabalhar; o segundo, a alteração da parcela da população 

no  mercado  de  trabalho  (ou  trabalhando  ou  procurando  trabalho);  o  terceiro,  a 

mudança na taxa de emprego; e, por fim, o quarto indica a variação na produtividade 

do  trabalho.  Ou  seja,  qualquer  aumento  de  produção  per  capita  é  resultado  do 

aumento da produtividade de quem já estava empregado ou da incorporação de novos 

trabalhadores  ao  processo  produtivo,  seja  do maior  engajamento  da  população  no 

mercado de trabalho, seja no maior crescimento populacional propriamente dito.  

Especificamente neste ponto da análise, vale a pena observar diretamente os 

subperíodos  de  2002‐2006  e  de  2007‐2011.  Os  dados  do  Brasil mostram  que  nos 

primeiros cinco anos, quase dois terços (62,1%) do aumento do PIB per capita tiveram 

origem  na  incorporação  de  novos  trabalhadores,  a  maioria  explicada  ou  pelo 

crescimento da população em idade ativa (29,0%) ou pelo aumento da parcela da PEA 

(23,9%). Somente 37,9% do crescimento do PIB per capita originou‐se do aumento da 

produtividade  do  trabalho.  No  caso  do  Rio  Grande  do  Sul,  a  divisão  entre 

produtividade e  incorporação de novos  trabalhadores  foi praticamente meio a meio 

(51,0% e 49,0%, respectivamente). Nos cinco anos seguintes (2007‐2011) os pesos das 

contribuições  foram  mais  parecidos  entre  o  estado  e  o  País.  A  produtividade  do 

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trabalho respondeu por mais de 90,0% das variações dos produtos per capita nos dois 

casos. 

Resumindo,  esses  dados  informam  que  o  crescimento  brasileiro  do  período 

2002‐2006 foi ancorado na  incorporação de novo pessoal à produção. No quinquênio 

posterior  (2007‐2011),  esse  efeito  perdeu  um  pouco  de  sua  força,  mas  ainda  foi 

fundamental para explicar as robustas  taxas de crescimento de 2007 e 2008  (6,1% e 

5,2%, respectivamente).  Segundo trabalho do IPEA, “[...] foram a incorporação de um 

grande  contingente populacional ao mercado de  trabalho e a  redução dos níveis de 

desemprego que explicaram uma parcela significativa do crescimento do PIB per capita 

no período 2001‐2009 (RADAR, 2013, p. 10)”. Nos anos seguintes, com o mercado de 

trabalho mais pressionado, a incorporação de novos trabalhadores perdeu força. 

No Rio Grande do Sul, o mercado de trabalho  já estava pressionado ainda no 

período  inicial.  Não  havia  espaço  para  aumentos  significativos  da  PIA  sobre  a 

população (que é um aspecto demográfico), nem aumentos das taxas de participação e 

de emprego. A variação da taxa de participação (PEA/PIA), que já era negativa no Rio 

Grande do Sul no primeiro período, e continuou assim no segundo, também se tornou 

negativa no Brasil nos cinco anos finais. 

Isso quer dizer que a economia gaúcha não pôde contar com a  incorporação 

expressiva  de  novos  trabalhadores  ao  processo  produtivo,  pelo  menos  não  na 

magnitude que ocorreu nacionalmente, principalmente nos primeiros anos da década. 

A explicação é de natureza demográfica e possui duas razões principais. Em primeiro 

lugar,  a  população  gaúcha  cresceu menos  do  que  a  nacional,  o  que  se  refletiu  na 

menor  expansão  da  PIA  no  estado;  em  segundo  lugar,  a  existência  de  uma  parcela 

mais  representativa  de  idosos  na  população  total  fez  com  que  a  PEA  também 

apresentasse uma taxa de crescimento menor que a do Brasil. 

O terceiro ponto trata da produtividade do trabalho, medida e apresentada na 

segunda coluna da Tabela 3. Entre 2002 e 2011, o indicador para o Rio Grande do Sul 

cresceu,  em média,  1,86%  ao  ano. Durante  os  primeiros  cinco  anos,  no  entanto,  o 

baixo  crescimento  do  PIB  redundou  em  uma  reduzida  taxa média  de  variação  da 

produtividade  (0,45%  ao  ano).  Em  contrapartida,  entre  2007  e  2011,  o  indicador 

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cresceu 3,3%  ao  ano,  em média. Além de  significar uma  importante  recuperação,  a 

taxa ganhou ainda mais relevância ao representar 92,9% da taxa de crescimento do PIB 

per  capita no período. A mesma  recuperação da produtividade ocorreu no Brasil. O 

crescimento médio da produtividade brasileira passou de 0,76% ao ano entre 2002 e 

2006 para 2,84% ao ano entre 2007 e 2011. 

No  período  todo  (2002  a  2011),  a  produtividade  do  trabalho  da  economia 

gaúcha  (1,86% ao ano)  cresceu, portanto, a uma  taxa  superior à nacional  (1,80% ao 

ano). De acordo com esse indicador e para os anos selecionados, pode‐se concluir que 

a economia do Rio Grande do Sul  tornou‐se  relativamente mais produtiva que a do 

Brasil e não menos. Em média, o trabalhador gaúcho aumentou o seu valor adicionado 

um pouco acima do aumento do trabalhador brasileiro. 

O  comportamento  da  produtividade  do  trabalho  também  pode  ser  visto  de 

forma  desagregada,  para  as  atividades  da  Indústria  de  transformação,  Comércio, 

Serviços e produtos agrícolas selecionados. 

Entre 2002 e 2011, a taxa média de crescimento da produtividade da indústria 

de transformação do Rio Grande do Sul foi de 2,82% ao ano, superior, portanto, à do 

Brasil,  que  foi  de  1,92%  ao  ano  (Tabela  4).  Até  2006‐07,  a  produtividade  industrial 

gaúcha avançou praticamente no mesmo ritmo da nacional. Daquele biênio em diante, 

passou a apresentar uma velocidade de crescimento maior que a brasileira, explicando 

a diferença ao final do período. Em 2007, conforme comentado na seção anterior, tem 

início um processo de mudança setorial na indústria gaúcha, que acaba por determinar 

o arranque na produtividade. Atividades tradicionais, como Alimentos, Calçados, Fumo 

e Mobiliário  perderam  espaço,  enquanto  atividades  de  Veículos  Automotores  e  de 

Máquinas e Equipamentos conquistaram maiores parcelas na produção  industrial do 

estado. Essa alteração, ao substituir parcialmente atividades de menor produtividade 

por atividades mais produtivas, acabou por determinar um salto nos níveis gerais da 

produtividade  do  trabalho  da  indústria  de  transformação  do  Rio Grande  do  Sul  no 

período. 

As  produtividades  do  Comércio  e  dos  Serviços  também  apresentaram 

desempenhos mais positivos no Rio Grande do Sul. O  indicador do Comércio cresceu 

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as dificuldades de crescimento dos países do Mercosul, em especial a Argentina, e as 

limitações  financeiras do Governo estadual. Neste quadro é exemplar a construção e 

consolidação  da  indústria  naval  e  oceânica  no  Rio  Grande  do  Sul,  como  forma  da 

economia gaúcha ligar‐se ao crescimento da indústria nacional do petróleo. 

 

Referências 

BANDEIRA, Marilene Dias. Uma visão demográfica do Estado do Rio Grande do Sul no contexto brasileiro: análise dos principais indicadores demográficos. In: CONCEIÇÃO, Octávio A. C. et al. (org.). A evolução social. Porto Alegre: FEE, 2010. (Três décadas de economia gaúcha, 3). 

DE NEGRI, Fernanda; CAVALCANTE, Luiz Ricardo. Evolução recente dos indicadores de produtividade no Brasil. RADAR: tecnologia, produção e comércio exterior, IPEA, n. 28, ago. 2013. 

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA – FEE. Estatísticas. Porto Alegre: FEE, 2013. Disponível em: <http://www.fee.tche.br>. 

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Banco de dados. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. 

LAZZARI, Martinho Roberto. A economia gaúcha na visão das Contas Regionais – 1981‐2009. In: CONCEIÇÃO, Octávio A. C. et al. (org.). O movimento da produção. Porto Alegre: FEE, 2010. (Três décadas de economia gaúcha, 2). 

 

 

 

   

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O RIO GRANDE DO SUL: FRONTEIRA

ENTRE DUAS FORMAÇÕES HISTÓRICAS

Luiz Roberto Pecoits Targa

Ao meu pai, que lendo vai saber por que, e ao

Rubinho que não vai entender mais nada.

"Separada a Província Gsplatina, que significava o Rio Grande do Sul? Que se lucrava em, derribadas as muralhas de ílion, guardar o cavalo de Tróia? "

Capistrano de Abreu, 1900

Introdução

Neste ensaio, pretendemos desenvolver os conteúdos referentes a um dos as­pectos fundamentais da formação histórica do Rio Grande do Sul, o que se refere às relações entre a sociedade dessa região com a guerra, com o mihtarismo e com a ditadura. Esse aspecto da história rio-grandense, pelos desdobramentos que apresen­tou, permite caracterizar essa sociedade como uma formação histórica diversa das sociedades que se constituíram em regiões como a Nordeste ou a L^ste do Brasü. Mostraremos que, no sul, as lutas engendradas pela existência da fronteira meridio­nal produziram uma sociedade diversa da brasileira.

Inicialmente, veremos que, desde as suas origens o Rio Grande do Sul consti­tuiu uma formação social particular dentro do Brasil, pois que esteve sempre envol-

* Este ensaio explora alguns aspectos do trabalho de tese do autor. Dessa forma, por ura pro­blema de tempo para o amadurecimento de algumas questões, não foi possível levar em con­sideração todas as excelentes sugestões e críticas da Professora Helga Iracema L. Piccolo. Registre-se o seu reconhecimento à sua autoridade e disponibilidade. O mesmo deve ser dito sobre as "provocações", as "sinalizações" e os encaminhamentos realizados pelo Prof. François Chesnais. Agradece, também, à Marinês Z. Grando e à Naira Lápis pelas meticulosas críticas e sugestões a este texto.

** Economista da FEE.

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F E E - C E f í Ü C

Ensaios FEE, Porto Alegre, 11(2):308-344,1991 \ ^ ^ . ^ ^ ^ ' ^ ' ^ ^ ^ 9 „_ •

vido com guerras de fronteiras, dadas as características e o período de formação dos Estados limítrofes. Em seguida, mostraremos que derivou de sua condição de fron­teira em guerra um conjunto de peculiaridades estruturais da sociedade gaúcha em relação à do Brasil: sua estrutura da propriedade da terra, suas classes sociais rurais, assim como a relação que sua classe dominante possuía com as classes dominantes de outras regiões e com o Governo Imperial. Por isso, o território do Rio Grande do Sul serviu de palco para uma experiência social nova no Brasil do século XIX. Tal como veremos ao longo deste ensaio, essa sociedade inédita colocou-se problemas novos dentro do contexto brasileiro da transição do escravismo para o capitalismo. Por fim, durante a I Repúbhca, no Rio Grande do Sul, o partido político que este­ve no Poder Executivo estadual estabeleceu, por um lado, laços muito estreitos com o Exército Nacional, por outro, tornou-se o primeiro partido político moderno do Brasil, tendo reahzado, à nível regional, uma longa experiência ditatorial.

1 — Orepto

À guisa do repto, apresentaremos um "retrato" dos gaúchos feito por José Honório Rodrigues. Daremos como ilustração esta página, que se encontra num estudo em que o autor critica as teses de Ohveira Viana no O Campeador Rio--Grandense. O estudo de José Honório, polêmico e ensandecido em si mesmo, é uma violenta crítica ás teses de Viana sobre a superioridade dos gaúchos frente ás outras populações regionais do Brasil. Precisamos alongar a citação, pois é difícil passar ao leitor toda a indignação e a virulência de José Honório face ao texto de Viana, face aos gaúchos e ao papel que Viana lhes atribuiu e ao papel que o próprio José Honório üies atribui na história do Brasil. Nesta página, José Honório utihzou-se de Capistrano de Abreu para iniciar a refutação das teses de Viana. Neste texto de 1984, diz José Honório:

"Capistrano de Abreu ( . . . ) já havia dito em 1900, antes de 1930 e 1964, em que os gaúchos desempenham papel dominante, palavras im­portantes sobre o caráter gaúcho e os males que os dominados pela in­fluência platina traziam á fabricação histórica nacional. Havia sido forte a sua expressão, mas está lá e Oliveira Viana não podia desconhecê-la. "'Separada a Província Cisplatina, que significava o Rio Grande do Sul? Que se lucrava em, derribadas as muralhas de Ilion, guardar o cavalo de Tróia? A resposta não se fez esperar. Em 1835 rebentou uma revolução que durou dez anos. Desde então ( . . . ) grassa o antigüismo. O doutor Francia pôde prender o corpo: mas a alma de José Artigas (Chacal con­jugado a Moloch) ulula, duende, impropiciável, pela campanha e sobre as coxilhas'. "Sabe-se como piada que nenhum ditador platino — Rosas, Urquiza, Vargas — deixou de tomar banho no rio Uruguai. E, ao contrário do que diz Oliveira Viana, nunca nenhum brasileiro deu para ditador. Só e só

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nascido nos Pampas. Eis uma imigração que o Brasil inteiro rejeita e maldiz. E que aconteceu, depois das palavras proféticas de Capistrano de Abreu? Tivemos Getúlio Vargas e infelizmente esta fileira de ditado­res, todos generais gaúchos, e quando não gaúchos, formados e educa­dos no ambiente da Escola Militar de Porto Alegre, a escola dos ditado­res brasileiros. "Capistrano de Abreu pensa em afastar o Rio Grande do Sul da comimi-dade brasileira pelos males que iria nos trazer. O cavalo de Tróia na so­ciedade democrática [sic] brasileira. E o que sucedeu? Até agora a dita­dura de Vargas e os vinte nesfastos anos de ditadores gaúchos ( . . . ) . "Reeducar o Rio Grande do Sul e sobretudo retirar-lhe qualquer resquí­cio de platinismo, de positivismo é a tarefa da Repúbhca. E é nessa hora que Ohveira Viana, numa bajulação sem medida, vem louvar a guerra e as qualidades de mando dos caudilhos gaúchos, que deveriam ser repri­midas no território brasileiro.

"Disso tudo, desse louvor exaltado do caudilho, ao gaúcho do Extremo--Sul, irmão do tiruguaio e do argentino mais do que do brasileiro, faz ele [O. Viana] nascer o espírito democrático do Sul e as singularidades da história política rio-grandense. Sim, a singularidade de Júlio de Cas-tilhos, que, se a morte não levasse cedo, talvez se tivesse perpetuado no poder, assim como Borges de Medeiros foi o ditador mais longo de toda a história do Brasil, e esses generais, sob o disfarce de sucessão, escolhi­da por eles, com exclusão inclusive de companheiros melhores, perpe­tuaram um sistema ditatorial, autoritário, totaUtário de vinte anos até agora (1964-1984), e que levou o Brasil á maior e mais grave crise de sua história colonial e nacional" (os grifos são nossos) (Rodrigues, 1988,p.56-7,63).

Poderíamos multiplicar os exemplos encontrados neste estudo de José Honó-rio, mas essa página parece-nos suficiente para sugerir uma caracterização da forma­ção gaúcha conío diversa da brasileira. Por outro lado, essa página é imi eloqüente depoimento da presença, ainda tão viva entre nós, dos regionalismos brasileiros (no seu sentido mais reacionário), pois ela atesta que mesmo um historiador do porte de José Honório mergulha nas águas turvas do regionalismo excludente e cego. Segundo ele, o Rio Grande do Sul (e não alguns homens de sua classe domi­nante) foi o principal responsável do mal maior - a ditadura - que afligiu a socieda­de brasileira no século XX. Ocorrendo mesmo ao autor propor a reeducação e a reforma cultural!

José Honório vê o gaúcho e não as classes sociais, vê o positivismo dos gaú­chos e não o das instituições. É certo que a Escola Militar de Porto Alegre foi res­ponsável pela formação positivista dos generais que chegaram ao poder em 1964, mas também foram positivistas tanto a Escola Militar do Rio de Janeiro quanto a Faculdade de Direito dç São Paulo, esta, pelo menos até o final do século XIX. Nós examinaremos, ao longo deste ensaio, os laços entre a guerra e a sociedade.

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entre o exército e o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e deixaremos claro que o Exército brasileiro não é um produto exclusivo dos gaúchos, ou um resultado da cultura regional.

Ainda sobre essa página de José Honório, assinalemos, enfim, a xenofobia, pois a perversidade e a origem de todos os males estão no estrangeiro: os inimigos são os caudilhos sangüinários do Prata, introjetados na sociedade brasileira, porque o Rio Grande do Sul "caiu no lado de cá da fronteira". É a partir do Rio Grande do Sul, quando ele "imigra" sobre o Brasil, que este se torna mais semelhante aos outros países sul-americanos: ditatorial, sangüinário, hberticida. Pelo que se pode depreender desse texto, o Brasil foi invadido e dominado pelos gaúchos como um território estrangeiro. Eis a í a moderna invasão dos bárbaros sobre uma sociedade tão civiHzada e democrática quanto a brasileira! José Honório esqueceu seja o escra­vismo, seja a circunstância maior criada pela "modernização conservadora" que fre­qüentemente passou por ditaduras. Se, na passagem do século XIX para o XX, o único caminho era a modernização e se esse caminho passava pela ditadura, então os gaúchos tinham experiência a passar. Mas foram seguramente segmentos das classes sociais de outras regiões que lucraram com essa experiência.

2 — 0 pano de fundo: formação de estados e de fronteiras

Os territórios atuahnente ocupados pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo Uruguai eram, ainda no século XVIII, uma terra de ninguém entre as regiões ocupa­das pelas colônias americanas dos Impérios Português e Espanhol. O gado selva­gem que ai se multiplicava passou a ser disputado em função de dois epicentros: o comércio exportador de couro (e de outros derivados do gado) de Buenos Aires e de Montevidéu e a demanda de animais de corte e de transporte dos minera-dores da região do hoje Estado de Minas Gerais. A luta entre os dois epicentros pelo usufruto dos rebanhos levou à formação de bandos armados de preadores de gado pelas duas facções. As planícies e o gado do sul da América Latina tornaram-se objeto de disputa entre populações que pertenciam a formações históricas dife­rentes.

Após as independências das colônias americanas, o Rio Grande do Sul passou a constituir a única verdadeira fronteira do Império do Brasil com as repúblicas hispano-americanas que rivalizavam política, mihtar e economicamente com ele: a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. Quando o Brasil fazia a guerra ou quando a sofria, o palco brasileiro afetado era sempre o território do Rio Grande do Sul: local de fácil passagem das tropas entre os Estados em guerra. As outras fronteiras com os Estados platinos eram "protegidas" dos movimentos de tropas por serem flo­restas ou pântanos; assim, por exemplo, o principal acesso brasileiro ao Mato Grosso era fluvial e se fazia através da bacia do Prata.

Durante o século XVIII, depois das lutas, das "invasões" e dos vários tratados (feitos e desfeitos) entre os Impérios Português e Espanhol em torno da posse dos

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' O ciclo de guerras e os eventos mais significativos podem ser resumidos da seguinte maneira: • 1811-14, José Artigas organiza a sublevação do Uruguai contra Espanha, forças militares portuguesas e rio-grandenses invadem a Banda Oriental. • 1816, Artigas organiza a resistên­cia contra os portugueses. • 1820, Artigas é derrotado e refugia-se no Paraguai, onde Fran-cia é ditador desde 1814. • 1821, tratado entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, pelo qual o território do Uruguai passa a fazer parte do Reino Unido de Portugal, Algarves e Brasil com o nome de Província Cisplatina. «1822 , recomeça a resistência no Uruguai. • 1 8 2 8 , inde­pendência do Uruguai. Em 1830, a Inglaterra, as Províncias Unidas do Prata (futura Argenti­na) e o Brasil reconhecem a existência da República Oriental do Uruguai. • 1835, início da ditadura de Rosas na Argentina. • 1835-45, os estancieiros do Rio Grande do Sul promo­vem uma Euerra civil contra o Império (inicialmente federalista, depois separatista). • 1848--51, Guerra Grande onde o Brasil intervém no Uruguai apoiando caudilhos da oposição. A situação uruguaia era apoiada por Rosas (Peregalli, 1984, p.58-61). Vitória "brasileira". • 1851-52, o Brasil faz guerra à Argentina;derrota e deposição de Rosas. • 1864-70, guerra do Brasil, e depois do Uruguai e da Argentina, contra o Paraguai de Solano Lopez (Pesaven-to , 1982,p.57-9).

^ Helga Piccolo resume assim: "O longo processo de Independência do Uruguai não se esgotou na luta contra a dominação espanhola (em 1814, a luta contra o poder espanhol está terminada). Ela se prolonga contra o domínio luso-brasileiro (1817-1828) e teve seu último capítulo com a Guerra Grande (1843-1851), quando, com a queda de Rosas - para a qual o Brasil se mobiUzou - se en­cerra a luta contra a política de sujeição e incorporação da antiga Banda Oriental ao governo de Buenos Aires." (Piccolo, 1985, p.42).

' Não se pense, no entanto, que o Brasil fora agredido pelo Paraguai. As questões pendentes de fronteira entre os dois países prolongavam-se há muitos anos. O Brasil, contando com o financiamento inglês, podia partir para a guerra; o objetivo maior dessa guerra parece ter sido o de abrir o mercado interno do Paraguai para os ingleses (Pomer, 1986, p.20), como veremos mais adiante.

territórios do Uruguai e do Rio Grande do Sul, um longo ciclo de guerras abalou

intermitentemente o território do Rio Grande do Sul durante o século XIX.'

Durante esse período, constituíram-se os Estados do Prata. Sua configuração

atual, no entanto, só foi atingida ao longo dessas guerras, durante as quais diferen­

tes soluções foram aventadas. A questão do equilíbrio do poder no Prata jogou um

papel decisivo na constituição desses países. Ainda depois da independência do

Uruguai, o Brasil e as Províncias Unidas do Prata (futura Argentina) tentaram apo­

derar-se do território do Uruguai.^

No entanto, ainda em 1864, os estancieiros do Rio Grande do Sul com pro­

priedades no Uruguai forçaram o Império a intervir militarmente nesse país para de­

fender seus interesses particulares (Pomer, 1986, p.36-7). Essa intervenção serviu de

pretexto final para que o Paraguai se sentisse ameaçado na sua saída para o mar e

declarasse guerra ao Brasil.'

Grosso modo, o domínio de um só Estado sobre a Bacia do Prata ou a sua in­

ternacionalização gerou o ciclo de guerras que terminou por dar origem aos Estados

de hoje. A Argentina esposava o controle único sobre o Prata, enquanto o Brasil, o

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' ' Em 1835, quando Rosas tomou o poder em Buenos Aires apoiou a ascensão de Oribe à Presidência do Uruguai, e os dois caudilhos utilizaram seu apoio aos revolucionários do Rio Grande do Sul para negociar com o império brasileiro (trataremos dessa revolução mais adiante). Os caudilhos propuseram ao Império do Brasil exigências humilhantes e ina­ceitáveis para a retirada se seu apoio aos revolucionários (Leitman, 1979, p.35).

' Helga Piccolo assinala que as disputas entre os caudilhos uruguaios pelo poder, que em geral se faziam através da luta armada, afetaram tanto o Rio Grande do Sul como a Argen­tina, e, vice-versa, a guerra civil do Rio Grande do Sul contra o Império e as lutas entre as facções argentinas intervieram nas lutas internas uruguaias (Piccolo, 1985, p.51).

* Bem mais tarde, em 1883, os rio-grandenses representavam 5.500 dos 18.237 proprietários do Uruguai (Leitman, 1979, p.169).

Paraguai, mas também a França e a Inglaterra desejavam a sua internacionalização. A variedade de soluções alternativas e sucessivas demonstram a complexidade dos interesses em jogo e as dificuldades de constituição desses Estados. Assim, por exemplo, além dos projetos brasileiro e argentino de simples anexaçâo do Uruguai, em 1832 uma das soluções fazia do Uruguai e do Rio Grande do Sul um só Estado (Sousa,1985,p.114); uma outra, aventada em 1844, reunia Corrientes e Entre -Rios -hoje províncias argentinas - ao Uruguai e ao Brasil numa Federação (Love, 1975, p . l5 ) ; Piccolo assinala que o projeto de Artigas visavg à integração do quadrilátero formado pelo Uruguai, Missões (inclusive as rio-grandenses), Entre-Rios e Corrientes em um Estado (Piccolo, 1985, p.34-5). Por fim, desde 1810, Buenos Aires estava in­teressada na independência do Rio Grande do Sul para enfraquecer os esforços por­tugueses em direção ao Prata. Para Buenos Aires, era interessante a criação de um Estado "tampão" entre o Império Português e as Províncias Unidas do Prata (Leit-man, 1979, p.51-2)f Mais tarde, entre 1825 e 1828, quando Rivera e depois La-valleja retomaram as lutas pela independência do Uruguai, ambos tentaram organizar a sublevação dos pecuaristas do Rio Grande do Sul (Leitman, 1979, p.53-6).

Caudilhos das várias Províncias do Prata, do Uruguai e do Rio Grande do Sul possuíam suas alianças particulares (militares ou não) que eram estabelecidas e desfeitas ao sabor das necessidades econômicas e de suas lutas pelo poder. Essas alianças - que envolviam a cedência de homens, cavalos, aumentos, dinheiro, armas e a concessão de asilo — se faziam à revelia mesmo das políticas e alianças dos governos dos respectivos 'Estados Nacionais', entre eles o Brasil. Esses caudilhos possuíam 'políticas externas' autônomas, por assim dizer. Em outras palavras, os Estados nãó estavam formados.^

Para os estancieiros do Rio Grande do Sul, as lutas internas do Uruguai eram importantes, pois, em 1857, calcula-se que " ( . . . ) os rio-grandenses possuíam um total de 428 estâncias sobre a fronteira, ocupando 1.780 léguas quadradas, ou se­ja, 30% do território Oriental" (PeregalU, 1984, p.69). Por seu lado, Leitman indica que, em 1860, a população brasileira no Uruguai representava 11% da população total (Leitman, 1979, p.l69).* Segundo Piccolo, a luta armada era o único meio

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Assinale-se que a autora, aparentemente, imprimiu, no trecho referido, um cunho passivo às ações dos pecuaristas do Rio Grande do Sul diante das lutas internas uruguaias, como se eles tivessem sido envolvidos e não como se eles fossem agentes imediatamente interessados nos resultados dessa luta, como ela deixara transparecer em outras passagens desse seu texto. Em um texto anterior (Piccolo, 1979, p.101-2), ela havia sido muito clara a respeito dessa interferência causada pela existência de propriedades de rio-grandenses no Uruguai. De qual­quer forma, ela negou explicitamente a passividade dos pecuaristas rio-grandenses (Piccolo, 1989) e forneceu um belo exemplo ao assinalar que os rio-grandenses aceitavam com entu­siasmo a idéia de fazer guerra ao Uruguai, mas que "espernearam" quando da convocação para a guerra do Paraguai, dizendo "essa guerra não nos diz respeito". Ela assinala, então, que eles não possuíam propriedades no Paraguai.

' Helga Piccolo foi muito clara a respeito da revolução artiguista: "Deve-se considerar ainda que a intervenção luso43rasileira concretizada e vitoriosa, ao menos temporariamente, contribuiu para a denota do projeto emancipacionista de Artigas, que ( . . . ) não podia ser bem visto pelas elites proprietárias, tanto as platinas como as do Rio Grande do Sul. Um projeto em que era defendido o Uvre acesso à terra ( . . . ) ameaçava o tipo de dominação então vigente. As classes sociais privilegiadas (latifundiários e comer-

para que a oposição uruguaia chegasse ao poder. Assim, a fronteira tornou-se fonte de asilo político para os excluídos do poder e base para a ação política dos caudi­lhos uruguaios. Piccolo diz, então: "Os caudilhos uruguaios, ao fazerem da fronteira a base de sua ação política, envolveram o Rio Grande do Sul" (Piccolo, 198.5, p .42) . '

Essa visão mais geral se complexifica se apresentarmos outros elementos das formações históricas do Uruguai e do Paraguai. Chamamos atenção para as opções realizadas por essas formações no que tange ao acesso à terra ou à sua propriedade pelas populações desfavorecidas e para o projeto realizado no Paraguai, até a guerra de 1864-70, dê um "desenvolvimento voltado para dentro" nos marcos de um mo­nopólio de Estado.

Em 1815, a revolução que Artigas promoveu na região que hoje é o Uruguai distribuiu terras a índios, negros e aos "pobres do lugar". Artigas atraiu os escravos, aí compreendidos os do Rio Grande do Sul, para a luta de independência com a promessa de liberdade e terra (Peregalli, 1984, p.48). Isso não só o afastou das Pro­víncias Unidas do Prata (cuja independência era promovida pela burguesia comercial de Buenos Aires) como preocupou os senhores de terra e os charqueadores escravis­tas do Rio Grande do Sul. De uma forma mais longínqua, a proposta de Artigas ameaçava também as bases de toda a sociedade brasileira. Forças militares luso-rio--grandenses invadiram o território do Uruguai, esmagando a revolução de Artigas. A proposta de Artigas foi vista como um sinal de perigo tanto pelas classes domi­nantes luso-brasileiras em geral quanto pelas do Rio Grande do Sul em particular, assim como pelas que governavam em Buenos Aires. Quando Artigas foi derrotado, iniciou com seu exército uma longa marcha em direção ao exílio, no outro lado do rio Uruguai. O povo seguiu atrás do seu exército. Entre 1810 e 1820, a população do Uruguai (excluída a de Montevidéu) reduziu-se de 30.000 habitantes para 6.000 (Peregalli, 1984, p.46-8).^

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dantes) não só aceitaram a conquista luso-brasileira como também foram agentes ativos da desintegração do projeto artiguista. Assim, a anexaçâo de 1821 afastou a possibilidade de uma mudança nas estruturas herdadas da colônia. Com a derrota da etapa artiguista do pro­cesso de descolonização do Uruguai não só foi vencida a etapa radical da revolução mas foram vencidas as massas de pequenos proprietários, posseiros, gaúchos, peões, índios, mulatos, e t c , que eram a base do projeto de Artigas. Esse projeto reformista, no referente à construção do Estado, visava à integração do quadrilátero - Uruguai, Missões (incluindo as brasileiras), Entre-Rios e Corrientes - e era, pois, por sua vizinhança, uma ameaça latente ao sistema de dominação tradicional no Rio Grande do Sul. Assim como Artigas não era apoiado pelas classes privilegiadas platinas - que a ele preferiram o conquistador (que lhes devolveu os bens confiscados por Artigas) esse conquistador, instrumento de uma domi­nação tradicional e senhorial, só teria a ganhar com a derrota do caudilho" (Piccolo, 1985, p.34-5).

Léon Pomer assinalou que o projeto paraguaio no século XIX se caracterizava: a) por ter dado às camadas pobres da população, inclusive aos índios, acesso à terra, em es­

tâncias do Estado, a qual era arrendada a preços acessíveis. Nessas "estâncias da Pátria", praticava-se a agricultura, a pecuária e também o artesanato. As terras arrendadas pelo Estado haviam sido anteriormente ocupadas pelos jesuítas ou haviam sido latifúndios particulares que foram expropriados;

b) pela estatização das plantações de erva-mate e dos bosques que forneciam madeira para construção;

c) pelo controle do Estado sobre a produção industrial e sua promoção (a fundição, por exemplo, onde se fabricavam implementos agrícolas e armas para o exército). Fábricas do Estado construíam barcos à vela e a vapor, construíam estradas de ferro, telégrafos, produziam papel, pólvora, louça, tintas, enxofre, exploravam o saütre e produziam cal. Em síntese, era um projeto de auto-suficiência, onde não era permitida a importação de bens suntuários e onde a produção agrícola do País não se integrava à divisão internacio­nal do trabalho nos moldes então vigentes. Não existia, pois era incipiente e seus poucos representantes haviam sido eliminados, uma burguesia comercial ligada a interesses es­trangeiros. O Estado monopolizava os meios de produção e dirigia o "desenvolvimento"; o comércio internacional do País estava sob o controle do Governo. A produção de algodão, enfim, interessou à indústria inglesa, assim como a abertura do "mercado inter­no" paraguaio (Pomer, 1986, p . l4 ,16-7) . A guerra tornou-se necessária para desmantelar esse projeto exótico.

Derrotado, Artigas refugiou-se no Paraguai, onde o Doutor Francia concreti­

zava um projeto semelhante ao seu. Francia assumira o poder no Paraguai em 1814

e, em 1816, foi designado Ditador Perpétuo, governando até 1840. Foi sucedido

por Carlos Lopes e, depois, por Francisco Solano Lopes, seu filho, que continuaram

as políticas traçadas por Francia até a derrota do Paraguai em 1 8 7 0 . .

Celso Furtado indicou que a formação dos Estados latinos-americanos com a

conseqüente deUmitação de fronteiras "que possuíam precária base histórica" pro­

vocaram a eclosão de guerras e também a modernização das forças militares desses

países, através de assistência técnica mihtar, sobretudo européia. Furtado assinala

também que as primeiras instituições a se modernizarem nesses países foram as mili­

tares (Furtado, 1979, p.5).

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2.1 — A revoluçáo dos pecuaristas contra o Império do Brasil

E preciso destacar nesse contexto de formação de Estados o caso da Revolu­ção Farroupilha no Rio Grande do Sul. Entre 1835 e 1845, os pecuaristas rebela­ram-se contra o Império do Brasil, proclamando, em 1837, a RepúbHca do Piratini na Província do Rio Grande do Sul . '" Entre 1837 e 1845, essa República constituiu--se num Estado à parte do Império do Brasil. A região da Província que esteve sob o controle da Repúbhca foi a da pecuária. Porto Alegre e a região colonial (São Leo­poldo) continuaram fiéis ao Império e sob o seu controle, assim como o Utoral dos charqueadores de Pelotas e de Rio Grande. Foram 10 anos de guerra. A pacificação não envolveu punições aos revoltosos. Pelo contrário, eles foram anistiados, integra­dos ao Exército Imperial com os mesmos postos militares que detinham no exército da Reptíbhca do Piratini e adquiriram o direito de escolher o Presidente da Provín­cia. Este último garantiu aos estancieiros (mas também aos charqueadores) a hege­monia política da região até o final do século (Freitas, 1985, p . 119). Para o Impé­rio, a pacificação do Rio Grande do Sul era sumamente importante, pois virtualiza-va-se um novo conflito entre o Brasil e a Argentina de Rosas.

À parte o fato de que os mercados do charque rio-grandense estavam no Brasil, um outro fato opunha pecuaristas e charqueadores. Os pecuaristas queriam que as fronteiras fossem abertas de maneira a deslocar seu gado para o Uruguai e para Cor-rientes, tanto para a engorda quanto para vendê-lo em Montevidéu. Os charqueado­res queriam o fechamento da fronteira e a tributação do gado exportado para o

José Honório Rodrigues sustenta que as revoluções populares do Nordeste do Brasil foram reprimidas a ferro e fogo, enquanto esta do Rio Grande, assim como a de São Paulo e Minas Gerais em 1842 não sofreram o mesmo tratamento. A razão, para o autor, está no fato de as re­beliões do Rio Grande do Sul, de Minas e de São Paulo terem sido rebeliões entre iguais (isto é, rebeliões de frações da classe dominante) e que eram, portanto, rebeliões que não desejavam mudar as estruturas do País, em oposição às rebeliões nordestinas (Rodrigues, 1988, p.49). Nestas, não só as elites regionais se revoltaram, mas também o povo. Essas elites regionais optaram pela submissão ao poder do Rio de Janeiro diante do levante popular (Freitas, 1985, p . l l 4 ) e da ameaça das rebeliões de escravos.

Assim, OS Estados constituíram-se ao longo do século XIX, realizando expe­riências sociais, políticas e econômicas diferenciadas; o Rio Grande do Sul foi a parte do território brasileiro mais afetada pelos problemas criados pela fronteira, pela vizinhança de projetos políticos e sociais que eram opostos à sua constituiçío e pelas guerras engendradas pelo processo de formação desses Estados. Por fim, até o final da guerra dos Farrapos (em 1845), não era clara a opção da classe domi­nante do Rio Grande do Sul pela integração ao Brasil, como veremos a seguir.

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Vejamos o que diz Spencer Leitman: "A esse respeito, quase todos os historiadores brasileiros têm posição contrária às interpreta­ções do rio-grandense Alfredo Varela. Nas suas minuciosas pesquisas sobre a Guerra dos Farrapos, Varela demonstrou o caráter separatista da revolução. Foi imediatamente alvo da hostilidade de grande niímero de escritores. Seu ponto de vista, principalmente no Brasil nacionalista de hoje, é considerado como tendo atingido o limiar da traição. Não é minha intenção tomar partido nesta permanente controvérsia histórica, mas considero as pesquisas de Varela as mais sóhdas e as mais completas" (Leitman, 1979, p,10).

Almeida analisou o discurso historiográfico oficial no Rio Grande do Sul entre 1920 e 1935, período em que se inscreve a "escalada dos gaúchos" no cenário poh'tico nacional, como veremos nas duas últimas partes deste ensaio. Em 1935, o ano do centenário da Revolução, foi realizado o Primeiro Congresso de História e Geografia, promovido pelo Museu e Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Nesse Congresso, as teses separatistas de Varela foram ácida e insistentemente corabatif'-? (Ahneida, 1987, p.61-3, 69-79, 81). No contexto brasileiro dos anos 30, com Getúlio Vargas na Presidência, a mobilização geral dos historiadores gaú­chos contra as teses separatistas de Varela justificava-se para combater a idéia de que o Rio Grande do Sul "invadira" e submetera o Srasil, defendo assim, ilegitimamente, a Presidência da República.

As mais importantes entre essas revoluções foram: em 1824, a Confederação do Equador em Pernambuco; em 1831, a Federação dos Guanais na Bahia; em 1835, a Guerra dos Farrapos no sul e a Cabanagem no Pará; em 1837, a Sabinada na Bahia; em 1838, a Balaiada no Maranhão;e, em 1848, a Praieira em Pernambuco (Freitas, 1985,p.111).

Uruguai. Pretendiam, com isso, reservar-se a oferta do gado do Rio Grande do

Sul (Leitman, 1979, p..26-31).

" ( . . . ) que o conflito representou uma rebelião dos senhores de terra e

gado do Rio Grande do Sul contra a dominação que a oligarquia do cen­

tro do país, empresária da independência, buscava impor sobre as pro­

víncias da jovem monarquia brasileira" (Pesavento, 1985, p.6).

No entanto, os historiadores dividem-se na interpretação dessa guerra civil: as­

sim, Alfredo Varela compreendeu-a como repubUcana, separatista e como fazendo

parte do ciclo de guerras platinas. ' ' Em resposta, historiadores como Dante de Lay-

tano a viram como pertencente ao ciclo de guerras civis que explodiram durante as

décadas de 30 e 40 do século passado em todo o País e que expressavam a luta fede­

rativa (se necessário separatista), republicana e liberal das províncias contra o centra-

hsmo e a monarquia do Rio de Janeiro. De qualquer modo, I^ytano afirmou que o

nacionahsmo (brasileiro) dos Farroupilhas não poderia ser posto em discussão (Lay-

t ano ,1983 ,p . l 7 -36 ) . ' 2

Para a nossa questão, a de que a formação histórica do Rio Grande do Sul é di­

versa da brasileira das Regiões Leste e Nordeste, a simples existência do debate é su­

ficiente, pois ela atesta a dificuldade de determinação da appartenance histórica des­

sa Revolução.

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Historiadores de hoje, como Pesavento, preferem compreendê-la dentro dos marcos do processo de descolonização do inicio do século XIX(Pesavento, 1985, p.9). Mas foi Helga Piccolo quem precisou a questão da descolonização para os pecuaris­tas do sul, ao assinalar que eles não somente não tinham acesso ao poder decisório superior do Império como não tinham forças para enfrentar os interesses opostos dos grupos dominantes das outras regiões, mas também porque eles atribuíam ao sistema de tributação colonial "todos os males de sua economia", e este continuava em vigor, ou seja, para os pecuaristas do sul, a descolonização não se completara (Piccolo, 1985, p.36). Do ponto de vista deles, a Independência não alterara o estatuto colonial das regiões, o poder centraHzador de Lisboa fora substituído pelo do Rio de Janeiro (Frei­tas, 1985, p . l l 2 ) ; o que se alterara fora somente o centro, não a relação do Rio Gran­de do Sul com o mesmo.

A "lista" das reclamações gaúchas frente ao Governo Imperial era extensa. Em primeiro lugar, o sistema fiscal continuava o mesmo do período colonial: 2% sobre o gado enviado ao Uruguai, um quinto do valor do couro exportado ao Uruguai e 15 % do gado importado do Uruguai (Leitman, 1979, p.l 33). Esses tributos afetavam o deslocamento do gado para engorda no Uruguai e oneravam o couro. Roberto Si-monsen indicou que, em 1835, segundo o Manifesto da República Rio-Grandense, os pecuaristas reclamavam da existência de pagamentos de direitos de entrada dos animais em cada uma das províncias no percurso até São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (Simonsen, 1962, p . l77 , 197). Isso elevava, sobremaneira, o preço dos animais e restringia o mercado. Mas os pecuaristas também desaprovavam as despesas da Corte no Rio de Janeiro e se sentiam roubados pelo Governo Imperial: Leitman indica que o Rio Grande do Sul acumulava superávits todos os anos; o Governo Im­perial pagava suas dívidas com as outras províncias, mas não as com o Rio Grande do Sul. E mais, a parte mais importante da dívida interna do Governo Imperial era a fa­vor de credores particulares do Rio Grande do Sul (soldados, agricultores, pecuaris­tas) e derivavam de dívidas de guerra. O Governo Imperial deslocava dinheiro direta­mente dos cofres púbHcos do Rio Grande do Sul para pagar suas dívidas com os ban­cos ingleses (Leitman, 1979, p.126-7).

Do ponto de vista do resultado dessa guerra, uma vez que o Rio Grande do Sul acabou por fazer parte do Brasil, a segunda interpretação seria, talvez, a mais corre­ta. Pensamos, no entanto, que esse resultado político não estava definido. Os pecua­ristas dó sul possuíam o mesmo modo de vida dos platinos (o que poderia aproximá--los), conviviam com suas experiências repubUcanas, eram o único segmento das clas­ses dominantes brasileiras que se defrontara militar e continuamente com outras nacio­nalidades, e a política centraUstado Império contrariava seus interesses. Por outro la­do, seus mercados estavam no Brasil, assim como seus povoadores eram provenien­tes de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e dos Açores - sobre os povoa­dores ver Rodrigues (1986, p.34). Pensamos, então, que a classe dominante regional hesitou entre a solução federativa e a separatista.

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'•^ Em outro texto, já indicamos as diferenças maiores entre as estruturas fundiária, agrícola e social que foram criadas no Rio Grande do Sul e as do Brasil em geral (Targa, 1988). Assi­nalávamos, então, que elas repousavam sobre trinômios básicos diferentes: a grande proprie­dade no sul não era agroexportadora, nem essencialmente escravista. No presente texto, ümitar-nos-emos à exposição dos traços particulares do Rio Grande do Sul como derivação de sua condição de fronteira em guerra.

3 — A sociedade do Rio Grande do Sul enquanto fruto da fronteira em guerra Durante o século XIX, a sociedade que se foi estruturando no Rio Grande do

Sul foi fruto da fronteira em guerra. Essa sociedade foi então simultaneamente pro­duzida pelo "Estado-Naçãò" em fase de constituição — o Brasil — e pelas forças regio­nais propriamente ditas. Esse território, assolado pela guerra intermitente, lastreou a formação de uma sociedade peculiar em relação à brasileira. Com efeito, essa socie­dade alcançou o final do século XIX com uma estrutura social inédita para o Brasil "de então. Essa estrutura social multiplicou e aprofundou os laços já existentes entre a economia do Rio Grande do Sul e as cidades dos subsistemas agroexportadores do Brasil; e o Rio Grande do Sul tornou-se o único subsistema brasileiro voltado para as trocas inter-regionais. Como veremos ao longo deste texto, a precocidade da socie­dade que se gestou no sul não se limitou ao destino que dava à sua produção. Em primeiro lugar, veremos como essa sociedade brotou da fronteira em guerra eque for­ças - internas e externas à região - entraram em jogo para estruturar, no sul, uma sociedade original em relação à sociedade brasileira do século XIX.

Sublinhamos, inicialmente, a peculiar estrutura fundiária do Rio Grande do Sul em relação à do resto do Brasil. Na magnitude da experiência sulina, nenhum outro estado do Brasil possuiu sua área rural estruturada dessa forma: de um lado, uma região de grandes propriedades (região da pecuária), de outro, uma região de pe­quenas propriedades (primitivamente região de policultura-pecuária).' ^ Essa estrutu­ra, que marca até hoje a paisagem agrária do Estado, teve sua origem na situação fron­teiriça do Rio Grande do Sul.

Faremos, então, um inventário das estruturas econômicas, sociais e políticas do Rio Grande do Sul que derivaram da sua situação fronteiriça.

Os preadores de gado que inicialmente ocuparam o território do Rio Grande do Sul o fizeram á revelia do Império Português. A Espanha protestava contra sua presença, e o Estado português remetia admoestaçOes aos preadores de gado. Mas a ocupação privada do território foi ocorrendo mesmo assim. Décio Freitas denomina--os de "empresários-guerreiros" e assinala que o Rio Grande do Sul foi "(...) a única porção do território brasileiro conquistada pelos próprios moradores, através de gueri ras contra uma potência européia" (Freitas, 1985, p . l l 5 ) . O Estado português\veio a reboque, diistribuindo títulos que legitimavam a propriedade e, assim, caucionan-

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''^ Helga Piccolo vê de outra forma: dado que o Estado português e os preadores tinham, no fundo, os mesmos interesses, Portugal simplesmente "fingia" frente aos espanhóis, posto que era mais fraco (Piccolo, 1989).

do O controle privado dos rebanhos e da terra (Rodrigues, 1988, p.47). Dessa ocupa­ção resultou a formação dos latifúndios pecuários do Rio Grande do Sul. ' ' '

Ainda segundo Rodrigues, eram os bandos armados, criados e comandados pe­lo poder privado que possuíam eficácia militar nos combates fronteiriços e não o exército regular do Império Português (Rodrigues, 1988, p.48). De 1821, data da incorporação militar do Uruguai ao Reino de Portugal, até o final da guerra do Pa­raguai (1870), foram as populações do Rio Grande do Sul que forneceram grande parte dos contingentes humanos e materiais necessários às guerras. Os Impérios, tan­to o português quanto o brasileiro, negUgenciaram o pagamento das indenizações devidas aos habitantes do território.

A produção das estâncias e das charqueadas destinava-se, predominantemente, ao mercado brasileiro, fato qtie criava conflitos de interesse entre os pecuaristas do sul e os senhores de terras e escravos do resto do País. O produto era utihzado para a aUmentação dos escravos no Brasil, não possuía tarifa protecionista em relação ao similar platino e era onerado pelas taxas de importação sobre o sal de Cadiz. Como, em geral, predominaram os interesses dos fazendeiros agroexportadores do resto do País, derivamos, desse fato, uma menor força política dos senhores de terra do sul face a seus congêneres de outras regiões do Brasil.

É necessário saHentar que para os agroexportadores escravistas brasileiros era tão importante manter dentro do território brasileiro uma área fornecedora de char­que e de animais de transporte, quanto deixar as portas abertas á concorrência es­trangeira, dada a importância estratégica dos dois produtos. No caso particular do charque, o Rio de Janeiro podia então jogar com a oferta interna e a externa do produto.

Ora, a fraqueza da classe dominante gaúcha não era senão relativa, ela possuía sua contrapartida. Pois, se os pecuaristas e charqueadores do sul não conseguiram a reserva do mercado nacional para o seu produto, eles se tornaram um segmento con-testador dentro da classe dominante dos grandes proprietários de terra no Brasil (Picco­lo, 1988). E mais, constituíram um segmento que possuía um poder militar privado não desmobiUzável, posto que necessário, dada a existência da fronteira sempre vir­tualmente èm conflito. Assim, em função da fronteira em guerra, do que produziam, dos mercados dos seus produtos, de seus concorrentes e da posição que ocupavam em relação aos outros segmentos dos grandes proprietários de terra do Brasil, os la­tifundiários pecuaristas do sul estabeleceram uma relação com o Estado do Brasil que era de mútua complementaridade, dependência e oposição.

Se a preação dogado criou a fronteira e foi responsável pela formação da gran­de propriedade no Rio Grande do Sul, em seguida foi a fronteira que determinou tanto o tipo de grande proprietário-soldado quanto a criação de uma região de pe­quenas propriedades no sul. Vejamos por quê.

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Existem outras, também, como a que se refere à admiração que José Bonifácio de Andrada e Silva possuía pelos cossacos (como veremos mais adiante).

' * Tomamos conhecimento do texto de Browne através de um participante do Seminário de História Econômica realizado em 1979 na Universidade Federal de Santa Catarina, quando este estudo foi apresentado.

' ^ É verdade que em Santa Catarina houve uma outra experiência de sucesso com os imigrantes alemães, nas regiões de Blumenau e Joinville. Mas a magnitude da experiência foi considera­velmente menor do que no Rio Grande do Sul. Um dos motivos residiu na ausência de um mercado urbano significativo nos arredores. Essa experiência não teve as repercussões histó­ricas e políticas da que ocorreu no Rio Grande do Sul. Por outro lado, Santa Catarina não teve nenhum papel no jogo poh'tico do Império e da I República.

No final do século XVIII, existirani tentativas de criação de uma classe média rural não escravista durante a administração pombalina. Fizeram parte dessa iniciati­va as experiências de colonização açoriana no Brasil, aí compreendida a que se reali­zou no Rio Grande do Sul, no século XVIII. Um dos determinantes do fracasso des­sas experiências foi que os colonos se transformavam em senhores de escravos (Obe-racker Jr., 1985,p.221).

Por outro lado, a historiografia aceita que a idéia da tentativa seguinte de cria­ção de uma área de pequenas propriedades no Rio Grande do Sul partiu da Impera­triz Dona Leopoldina, esposa de Dom Pedro I, que era de origem austro-húngara.' ^ O cinturão de pequenas propriedades que existiam nas fronteiras do Império Austro--Húngaro com a Turquia teria sugerid(ífseu estabelecimento nas fronteiras do sul do Brasil (Oberacker Jr., 1985, p.223). Mas era também um projeto que se referia à ne­cessidade de introduzir o trabalho livre (e branco) no País, respondendo, assim, tam­bém às pressões inglesas pela abolição do tráfico negreiro (abolição esta que ameaça­va a existência do Estado escravista a médio e longo prazo).

George Browne' ^ assinalou com extrema pertinência que o projeto do Trono de criar suas próprias bases sociais (fora do latifúndio escravista) envolvia a criação de colônias militares de pequenos proprietários, necessariamente imigrantes europeus, e a importação de mercenários para constituir tropas de eMte, a fim de manter as guer­ras externas e de evitar os movimentos separatistas ou republicanos intemos (Browne, 1979, p.1-2).

Considerado o Brasil de então, o significado desse projeto era de transforma­ção da estrutura social via introdução da pequena propriedade e do trabalho livre. Para o Trono, a função desse projeto era criar um apoio político alternativo ao da grande propriedade; esse projeto poderia liberar a Coroa, a longo prazo, da sua de­pendência vis-á-vis ao latifúndio escravista. Somente no Rio Grande do Sul, a expe­riência concretizou-se plenamente e com sucesso, através da Fundação de São Leo­poldo. E f oi aí que, ao longo do século XIX, ela foi sendo ampliada. ' ' Mais adiante, neste texto (na parte referente á ditadura), veremos que, a longo prazo, o projeto terminou por atingir seu objetivo: ele acabou transformando a sociedade, não dire-

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' No que diz respeito, particularmente, ao projeto de colonização no Rio Grande do Sul, Pesavento sublinha a intenção de criar uma classe fiel ao Governo Imperial para contraba­lançar o poder dos latifúndios (Pesavento, 1985, p.13).

* ' A cúpula portuguesa do Exército, as tropas mercenárias e a impopularidade das guerras con­tribuíram decisivamente para que as classes dominantes e o "povo" formassem uma idéia ra­zoavelmente antimilitarista. Esses fatos constituíram uma das raízes das dificuldades do Exér­cito brasileiro em afirmar-se enquanto instituição e força política frente a outras instituições da sociedade brasileira. Mas a diferença aindaé maiorquando a posição social do Exércitobra-sileiro no século XIX é comparada à dos outros exércitos da América do Sul. Os exércitos des­ses países foram vistos como patrióticos e nacionalistas pelas suas populações, pois estiveram engajados em longas guerras de independência contra a Espanha. O Exército do Imperador, pelo contrário, com seu oficialato português e suas tropas de elite mercenárias (o que dividia o Exército e provocava brigas entre os diversos grupos e os brasileiros), era visto como um exército de ocupação, uma força alienígena. Ã diferença dos outros povos da América do Sul, o tipo de independência que ocorreu no Brasil não oportunizou o endividamento da socieda­de para com heróis militares de guerra (Johnson, 1966, p.183-6). Por fim, a exclusão social do Exército no Brasil tornou-se patente quando da criação da Guarda Nacional, poder militar concorrente ao do Exército, controlado pelos grandes proprietários rurais (a face armada das oligarquias rurais brasileiras) e corporação onde a elite era incorporada militarmente. O Exér-

tamente a brasileira, mas uma parte dela, a sociedade do Rio Grande do Sul. Com

efeito, Browne deixou muito claro:

"(...) a queda do Imperador diminuiu as possibilidades de um fim mais próximo para a escravidão e do desenvolvimento de alternativas ao do-mínimo de uma agricultura orientada para [a] exportação e baseada na grande propriedade" (Browne, 1979, p . l ) .

Portanto, a sugestão da Imperatriz também respondia à necessidade de criação de um poder agrário alternativo ao dos grandes proprietários de terras e de escravos pela implantação de uma classe média rural em pequenas propriedades.' *

A razão para que a Coroa decidisse incentivar a formação de uma classe alter­nativa vinculou-se ás desavenças surgidas, e que foram se aprofundando, entre o Imperador Dom Pedro I e o Legislativo do Império, composto por grandes proprie­tários e comerciantes. O Legislativo tentava restringir, na Constituição em elabora­ção, os poderes do Imperador. Dom Pedro I usou suas tropas mercenárias, comanda­das por oficiais^çortugueses, para dissolver o Legislativo. O comando do Exército e a cúpula da administração do Império (cargos ocupados por portugueses) passaram a constituir as forças de apoio do Imperador, progressivamente mais isolado em relação aos grandes proprietários e grandes comerciantes "brasileiros". As próprias guerras que Dom Pedro I promoveu no Prata e na Guiana eram impopulares no Brasil e vistas cdmo atendendo mais aos interesses dos portugueses e de Portugal do que os dos brasileiros e do Brasil." O conflito estendeu-se até 1831, quando Dom Pedro I foi forçado a abdicar.

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cito brasileiro deixaria, assim, de poder recrutar seus oficiais entre as elites proprietárias do País. As conseqüências disso ficam claras quando recordamos, com Murilo de Carvalho, que o recrutamento é a relação entre a corporação militar e a sociedade (Carvalho, 1977, p.184). O exército vai, então, recrutar seus oficiais fora da classe dominante, e isso terá conseqüências importantes ao determinar as posições antioligárquicas dos tenentes durante a I Repiibüca.

O que importa reter é que esse projeto de implantação da pequena proprieda­de emanou do Estado, representando uma solução para as dificuldades da monar­quia no seu relacionamento com a classe proprietária do País. De fato, ele foi conce­bido como alternativo ao poder da grande propriedade, mesmo que tenha sido um projeto que se vinculou à necessidade de povoamento de uma região de fronteira. Nesse sentido, esse projeto era uma solução a vários problemas que o poder central do Estado brasileiro enfrentava: por um lado, frente à pressão inglesa pela abolição da escravidão, às convulsões advindas da formação dos Estados do Prata e ao conse­qüente estabelecimento de fronteiras; por outro, esse projeto permitia ao Trono dar-se uma base social alternativa à dos criadores-soldados, dentro da própria região dominada por eles.

Do fato de não terem conseguido a reserva do mercado nacional para o seu produto, havíamos derivado a 'fraqueza relativa' dos pecuaristas e charqueadores do sul face aos outros segmentos da classe de grandes proprietários de terra e de escra­vos do Brasil. Dessa fraqueza, teria decorrido a aceitação do estabelecimento de pe­quenas propriedades no Rio Grande do Sul. Por certo que os pequenos proprietários seriam assentados em áreas que não interessavam á pecuária, pela presença de flo­restas, de montanlias e de índios, ou seja, onde a pequena e a grande propriedade não disputariam o mesmo solo, nem mesmo se avizinhariam. No entanto os grandes proprietários das províncias do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de São Paulo con­seguiram afastar de suas regiões a instituição da pequena propriedade. Dessa forma, seguimos Helga Piccolo (Piccolo, 1988) quando afirma que a instituição de um poder agrário alternativo ao da grande propriedade se tornava mais necessário na região onde os grandes proprietários mais contestavam o poder central, ou seja, no Rio Grande do Sul.

As tropas de eUte do Imperador, como já referimos anteriormente, foram re­crutadas entre populações da Alemanha e da Irlanda. Os emigrantes eram atraídos corno colonos a quem eram prometidas pequenas propriedades. Mas os emigrantes eram informados tardiamente da condição imposta de prestação de serviço militar por seis anos antes de terem acesso à terra. Os irlandeses só foram informados quan­do de sua chegada ao Brasil, e as populações do sul da Alemanha, que já haviam ven­dido seus bens, eram informadas quando de sua chegada a Hamburgo. Alguns desses soldados acabariam por integrar o primeiro núcleo colonial alemão do Rio Grande do Sul - o de São Leopoldo, fundado em 1824 - depois que a Assembléia do Im­pério dissolveu os batalhões de mercenários em 1828.

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Tabela 1

Ntimero de imigrantes colocados nas colônias estratégicas

COLÔNIAS IMIGRANTES

São Leopoldo (Rio Grande do Sul) 4 856

São Luís da Leal Bragança (Rio Grande do Sul) 100

São Pedro de Alcântara das Torres (Rio Grande do Sul) 360

São Pedro de Alcântara (Santa Catarina) 635

Rio Negro (Paraná-São Paulo) 247

TOTAL 6 198

FONTE: BROWNE, George P. (1979). Soldados ou colonos: uma visão da estru­tura política do 19 Reinado. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA ECO­NÔMICA. /Santa Catarina/, UFSC.(mimeo). p.26.

Vejamos as instruções que José Bonifácio de Andrada e Silva dera ao emissá­rio que fora tratar com Francisco I, em Viena, o reconhecimento da independência do Brasil; o texto é exemplarmente claro no que tange ás intenções e objetivos:

"Depois de ter sondado às vistas da corte de Viena e dos outros Prínci'-pes d'Alemanha e de ter procurado interessá-los a favor do Brasil, passa­ra a outro ponto essencial de sua missão que vem a ser; ajustara uma co­lônia rural-iriilitar que tenha pouco mais ou menos a mesma organização dos cossacos dO Dome do Ural;a qual se comporá de duas classes. 19de atiradores que debaixo do disfarce de colonos serão transportados para o Brasil, onde deverão servir como militares pelo espaço de seis anos. 2? de indivíduos puramente colonos, aos quais se concederão terras para o seu estabelecimento, devendo porém servirem como militares em tempo de Guerra, à maneira de cossacos, ou milícia armada, ven­cendo no tempo de serviço ô mesmo soldo que têm as milícias Portu­guesas quando se acham em campanha" (os grifos são nossos) (Andrada e Silva apud Browne, 1979, P..5-6).

Browne assinalou que, entre 1823 e 1830, o projeto do Imperador atraiu de 12.000 a 15.000 mercenários e imigrantes. Os imigrantes foram distribui'dos em colôni agrícolas no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina (as entradas dos cami­nhos de tropas na floresta com índios) e uma a 300 quilômetros de São Paulo (onde o caminho saía da floresta). Segundo Brovme, a distribuição dos colonos foi a seguinte:

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Havia embutido no projeto de colonização em pequenas propriedades com europeus um pro­jeto racista de branqueamento da população do Brasil (Piccolo, 1988). De fato, a pergunta que o Trono poderia fazer a si próprio era:o que é um Imperador que reina sobre uma mas­sa de negros-escravos?

^ ' Essa é uma "classe média" em relação à estrutura social da época. Os pequenos proprietários podem tornar-se, mais tarde, camponeses pobres e serem expropriados.

Por onde se olhar, existiam sempre e somente dois pólos:grandes proprietários e escravos; ho­mens Hvres-propiietários-ricos e homens Hvres-despossuídos-pobres.

Entre as colônias criadas pelo projeto do Trono, São Leopoldo foi de longe a mais importante, e sua prosperidade esteve atrelada à proximidade do merCado ur­bano de Porto Alegre. Torres é, ainda hoje, uma pequena cidade, e as outras desa­pareceram. O projeto do Trono não foi continuado por decisão da Assembléia em 1830, quando de um mesmo golpe desapareceram as tropas de ehte e a continui­dade do projeto de colonização.

Por fim, não é demais repetir que a criação de uma área de pequenas proprie­dades agrícolas np Rio Grande do Sul procurava também sanar outros problemas que derivavam da fronteira: ahmentos para as tropas, contingentes populacionais mobihzáveis, população sedentária, concentração populacional, Hquidação dos índios nas florestas.^"

Mostramos, até aqui, como a fronteira e a guerra engendraram as estruturas econômica, fundiária e social do Rio Grande do Sul: seu latifúndio pecuário e sua classe dominante, o poder privado armado dessa classe, mas também a formação de uma classe de pequenos proprietários rurais que valorizavam a terra através do trabalho famiUar Üvre. Emanaram, portanto, da fronteira e da guerra tanto os projetos privados daqueles que se tornaram a classe dominante regional como os projetos criados pela monarquia do Brasil. O projeto do Governo Central - de formação de uma classe média rural no sul — devia constituir um duplo contrapeso ao poder regional dos grandes proprietários: por um lado, contra-arrestar o poder da grande propriedade em geral e, por outro, contra-arrestar o poder miUtarizado (e não obrigatoriamente fiel ao Império) da classe dominante da região.

Vejamos, então, nessa inovação social — concretizada no território do Rio Grande do Sul pelo Governo Imperial — o verdadeiro fundamento da idéia que Antônio Barros de Castro formulou: a economia do Rio Grande do Sul foi precoce-mente voltada para o mercado interior brasileiro (Castro, 1980, p.42). Ora, essa pre­cocidade econômica foi efeito de uma precocidade social que derivou das necessi­dades do Trono (ou, do Estado em formação), tal como foram acima expostas. Essa inovação social foi concretizada no Rio Grande do Sul: por razões políticas foi criada uma classe média rural proprietária.^' Num país onde a segmentação social era simphfícada ao máximo,^^ criou-se, por necessidades políticas, uma classe proprietária rural diversa da que detinha o poder. Insistimos, o quadro era agrário e, do ponto de vista do tipo de poder que era a monarquia brasileira, a solução encontra­da para contra-arrestar o poder dos grandes proprietários foi a de criar uma classe, tam­bém proprietária, mas cuja organização da produção fosse outra que a escravista.

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2 3 Estamos utilizando « termo inovação no sentido de introdução de uma novidade, de apareci­mento de algo que não existia; por outro lado, no que tange ao uso de "modernização", neste contexto, estamos supondo que uma sociedade mais complexa é uma sociedade mais moderna, se tivermos presente o ponto de partida: a estrutura social do Brasil de então.

O território do Rio Grande do Sul serviu de palco para uma experiência origi­nal no Brasil de então; a diversificação social. Nesse sentido, a estrutura social clás­sica brasileira foi precocemente transformada no Rio Grande do Sul na medida em que foi criada uma nova classe social rural. Podemos afirmar, também, que a socie­dade agrária do Rio Grande do Sul se modernizou precocemente em relação à socie­dade brasileira.^'

Na verdade, o binômio fronteira em guerra mais diversificação social resume, por excelência, o traço original da trajetória histórica do Rio Grande do Sul. No final das contas, foi bem desse binômio que penderam todas as outras originaUdades econômicas, sociais e políticas da história regional, como veremos mais adiante. Nesse caso, o primeiro termo do binômio criou a possibilidade do segundo, mas, em definitivo, foi exatamente a diversificação social que encaminhou a história do Rio Grande do Sul por uma estrada diferente da percorrida pelo conjunto da sociedade brasileira.

A experiência do Rio Grande do Sul foi única no Brasil, pelo conjunto (simul­tâneo, portanto) dos argumentos que apresentaremos a seguir.

a) somente três estados desempenharam um papel político decisivo na I Repú­bhca: por um lado, São Paulo e Minas Gerais, que se alternaram na Presi­dência da República, e, por outro, o Rio Grande do Sul, que substituiu a Bahia depois de 1910;

b) a partir do final do Império, em nenhum estado a diversificação social rural alcançou o nível de concretitude atingido pela sociedade do Rio Grande do Sul;

c) a existência de um segmento de pequenos proprietários rurais alternativo ao dos grandes proprietários não provocou em qualquer outro estado da Federação as conseqüências políticas, econômicas e históricas que ela criou no Rio Grande do Sul. Em São Paulo, porque ele não existiu, uma vez que se formou a partir da I Repúbhca, nas crises do café, mas, sobre­tudo depois de 1930, e em Minas Gerais, porque ele era pohticamente inexpressivo.

Pelo bem ou pelo mal, a diversificação social do sul teve iim peso definitivo na história da região. Foi por sua causa, por exemplo, que a classe dominante gaúcha pôde se cindir, e daí o sangue corrido entre 1893 e 1895, como veremos mais adian­te. Um exercício muito simples é o de tentar imaginar a história do Rio Grande do Sul na ausência dessa classe de pequenos proprietários: sem sua presença na cena, qual teria sido a história do Rio Grande do Sul? Qual seria o seu presente? Sem eles, os cenários social, econômico e político do Rio Grande do Sul teriam sido outros.

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4 — 0 Rio Grande do Sul e o Exército nacional

A partir da prodamação da República, os laços entre o poder regional do Partido Repubhcano Rio-Grandense (PRR) e o Exército nacional foram, progressi­vamente, se estreitando. A bancada do Rio Grande do Sul na Câmara Federal apoia­va medidas necessárias ao Exército, ou defendia os pontos de vista dos militares. O poder regional do PRR e o poder do Exército eram duas forças em expansão no Brasil da I Repúbhca, sendo alijadas do acesso ao poder político maior pelas oh-

2 4 A inovação política e a econômica exprimiram dois momentos distintos de diversificação so­cial, fundiária e produtiva. As pequenas propriedades do Rio Grande do Sul foram exemplo da inovação política, que resultou numa articulação com as economias regionais agroexpor-tadoras do Brasil. Na região cafeicultora, essa "classe média rural" foi um produto da opor­tunidade econômica: surgiu muito mais tarde, mais de um século depois (Loureiro, 1987, p.22), e multiplicou-se com maior rapidez. Na origem do seu aparecimento esteve o fraciona-mento das velhas fazendas de café tornadas improdutivas, seja por queda de rendimento dos solos, seja pelas medidas de política econômicado Governo Federal. Na região cafeicultora, as pequenas propriedades locahzaram-se nas proximidades de vias férreas ou de mercados ur­banos de tamanhos significativos. Nesse caso, essa nova classe rural proprietária foi um pro­duto da diferenciação econômica que porejou na região do café, a partir dos momentos de crise da história deste subsistema regional.

irreconhecíveis. A história teria percorrido outras estradas, a sociedade se teria colocado outros problemas, mas seguramente não os que a sociedade rio-grandense se colocou na passagem (brasileira) do escravismo para o capitahsmo. E mais, salien­tamos que a origem dessa inovação social, ou seja, o móvel do agente empreendedor, foi fundamentalmente política e nãó econômica. No caso do Rio Grande do Sul, insistimos na inovação política do social e não na sua inovação econômica. A ca­deia seria a seguinte: as necessidades políticas (da Coroa), a criação do social (a nova classe proprietária rural), o resultado econômico (a diversificação econômi­ca e a articulação ao mercado brasileiro).^'*

Podemos afirmar, então, que foi a fronteira conflituada que engendrou as estruturas sociais no sul. De forma imediata ou não, á partir das necessidades das populações locais ou das necessidades do poder central do Brasil, as estruturas sociais do sul podem ser sempre referidas á situação criada pela fronteira em guerra. De fato, a fronteira é uma questão de Estado. Essas estruturas foram a resposta do político ás necessidades criadas pela guerra. Elas atestam o surgimento de uma sociedade nova no Brasil de então; uma sociedade cujo aparecimento viria a ter conseqüências importantes para a história nacional. É por isso que afirmamos que o Rio Grande do Sul foi uma encruzilhada entre duas formações sociais — a platina e a brasileira — e que, ao terminar por fazer parte do Brasil, se tornou, até um certo ponto, uma formação histórica estranha a ele.

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No entanto essas três forças não foram as únicas a participar da Revolução. A oligarquia de Minas Gerais, apoiada numa produção cafeeita em decadência, recebera um golpe de parte da oligarquia paulista que rompera com o pacto de rotatividade, impondo um segundo candida­to sucessivo à Presidência. Enfim, as oligarquias do Nordeste faziam-se representar no candi­dato à Vice-Presidência, João Pessoa, cujo assassinato serviu de estopim para a Revolução.

Lemos, em Love:

"O mito em torno da vocação militar do gaúcho, de fato, tinha sua base na época republica­na, tanto quanto na imperial. O Rio Grande continuou a contribuir com mais do que lhe ca­bia, para as lideranças miUtares, Neste aspecto, o contraste com Minas e São Paulo é particu­larmente relevante: em 189.'5, oito dos 30 generais-de-divisão e de brigada haviam nascido no Rio Grande; nenhum era de Minas e somente um de São Paulo. No fim da Repúbhca Velha, oito dos 30 generais novamente eram gaúchos, sem nenhum paulista ou mineiro. Dos 25 Pre­sidentes do Clube Militar, na República Velha cinco vieram do Rio Grande, um de São Paulo e nenhum de Minas. E dos 20 Ministros da Guerra entre 18 89 e 1930, sete eram do Rio Grande, nenhum de São Paulo e apenas um de Minas - o único civil que ocupou o cargo. Tendência que persistiu na década de 20" (Love, 1975, p.l24).

Assinalamos, por exemplo, que os dados referentes às duas primeiras colunas apresentam, em bloco, os "generais" e os "mihtares no Congresso" provenientes do Rio Grande do Sul e da Corte para o período 1860-89 e do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal para o ano de 1890. Não existem informações sobre a origem de 12 ministros da guerra da 1 República.

garquias de Minas Gerais e de São Paulo. Freqüentemente, o PRR e o Exército fo­ram forças aliadas. Foram as duas forças que desestabilizaram a I República: ern 1910 e em 1930, quando estiveram aliadas, impuseram-se às oligarquias cafeiculto-ras. Ern 1920, a oligarquia política do sul tentou enfrentar a cafeicultora sem o Exército e fracassou. Em 1922e 1924, os tenentes do Exército, rompendo a hierar­quia militar, rebelarain-see foram derrotados (Love, 1975, p.112-261).

Foi a união da classe dominante do Rio Grande do Sul que, aliada ao Exército sediado no Estado e aos tenentes exilados, tornou possível a intervenção da pligar-quia gaúcha, do Exército nacional e dos tenentes no poder central da República em 1930, encerrando a República oligárquica e iniciando os 15 anos de Vargas 110 poder.^'

Boris Fausto indicou os seguintes itens como os laços mais importantes entre o Partido Republicano Rio-Grandense e o Exército nacional: o Rio Grande do Sul era a região onde se concentravam os maiores efetivos do Exército fora da Capital Federal; Porto Alegre era a sede do Comando da III Região Militar do Exército (criada em 1919), e, nesse Comando, foram recrutados muitos Ministros da Guerra; durante a I República, foram os militares gaúchos que forneceram o maior número de Ministros da Guerra e de presidentes do Clube Mihtar, organização do Exército aparentemente recreativa e realmente política (Fausto, 1977, p.404).^* A Tabela 2, malgrado a imprecisão e insuficiência das informações^'', é o exemplo quantitativo disponível para o que acabou de ser dito.

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MILITARES MINISTROS ORIGEM ISTA^ NO CONGRESSO DA GUERRA

1860-89 jg^Q 1889-930

Nordeste 21 24 SSo Paulo e Minas Gerais 3 1 — Estado do Rio de Janeiro 3 3 1 Rio Grande do Sul, Corte e

Distrito Federal 15 9 Alagoas - - 1 Rio Grande do Sul _ _ 7 Santa Catarina - - 1 Outros 9 15 Sem informação — — 12 Exterior 10 — —

TOTAL 61 52 22

FONTE: Adaptado de: CARVALHO, José Murilo de (1977). As forças armadas na Primeira Reptiblica: o poder desestabilizador. In: FAUSTO, Boris, org. História geral da civilização bra­sileira, III. O Brasil Republicano 2. Sociedade e Ins­tituições (1889-1930). Rio de Janeiro, Difel. p.205.

A intermitente luta armada na região aproximou os políticos dos oficiais e co­mandantes militares; a elite política do Rio Grande do Sul da I República professa­va uma versão regional crioula do positivismo de August Comte, o Exército nacional também possuía um bom número de oficiais positivistas (Love, 1975, p.l 10). A Constituição estadual reforçava o poder Executivo, fato que já então agradava aos militares de formação positivista, e a política econômica e financeira preconizada pelo PRR coincidia com as opções dos tenentes que também se opunham às políti­cas do bloco do café: tanto o PRR quanto os tenentes preconizavam preços está­veis e equiliiDrio orçamentário (Fausto, 1977, p.404).

Por fim, assinale-se ainda que de 20% a 30% do Exército nacional (tanto no Império como na I República) estava lotado no Rio Grande do Sul, como se pode ver na Tabela 3 . Além disso. Porto Alegre sediava a única escola de oficiais mihtares fora do Rio de Janeiro. Esses fatos suportam a idéia de convivência, de interesse comum e de coincidência de pensamento entre os políticos no poder, na região, e

Tabela 2

Origem geográfica dos oficiais do Exército no Brasil - 1860-930

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OS oficiais do Exército.^* Observe-se, na Tabela 3, a importância relativa dos efeti­

vos do Exército no Rio Grande'do Sul e no Rio de Janeiro e a relação com as res­

pectivas populações quando comparados com os de São Paulo e Minas Gerais.

Tabela 3

Efetivos do Exército e relação com a populaçío em províncias e estados escolhidos do Brasil - 1888-1920

PROVÍNCIAS E

ESTADOS Exército Soldados

p/mil hab.

Exército

1920

Soldados

p/mrl hab.

Sffo Paulo 3,29

Minas Gerais 0,96

Subtotal 4,25

Pernambuco 5,54

Bahia 5,26

Mato Grosso 10,80

Corte e Distrito Federal 15,6 5

Rio Grande do Sul 31,13

Subtotal 46,78

TOTAL 100,00

0,28

0,03

0,11

0,63

0,32

13,67

1,31

4,08

2,39

0,82

8,56

8,82

17,38

1,64

3,60

2,60

16,18

21,68

47,86

100,00

0,80

0,64

0,72

0,33

0,46

4,52

9,70

4,26

6,15

1,40

FONTE: Adaptado de: CARVALHO, José Mutilo de (1977). As forças armadas na Primeira República: o poder desesta-bihzador. In: FAUSTO, Boris, org História geral da civílizaçío brasileira, III O Brasil Repu­blicano 2, Sociedade elnstituiçBes (1889-1930). Rio de Janeiro, Difel. p .203.

Joseph Love resumiu assim as relações entre o PRR e os oficiais do Exército:

"Havia muitas razões satisfatórias justificando as ligações estreitas entre o PRR e o Exército Federal. Convicções ideológicas (positivismo), vínculos estabelecidos durante a luta de 1893--95 e lealdade regional (...). Outro fator consistia na constante defesa das verbas militares, pe­lo PRR, no Congresso, onde os rio-grandenses se colocaram emposições-chave. Por fim, o PRR significava o único aliado potencial do Exército, em caso de disputa pelo poderio corpo de oficiais isoladamente não podia derrotar a aliança mineiro-paulista, nem muito menos con­tar com as máquinas dos demais estados num levante contra organizações mais poderosas. Nas ocasiões em que os gaúchos não disputavam o poder nacional, o Exército permanecia leal ao Presidente" (Love, 1975, p.124).

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2 9

30

Segundo Murilo de Carvalho:

"E a Revolução de 30, como quase todos os movimentos militares de âmbito nacional até 1964, se caracterizaria por choques, reais ou previstos, entre tropas que subiam do Rio Gran­de do Sul e tropas que desciam do Rio de Janeiro" (Carvalho, 1977, p.204).

Durante a I República, a Constituição do Rio Grande do Sul designava o Executivo estadual por Presidente do Estado do Rio Grande do Sul. Para evitar mal-entendidos com o cargo de Presidente da República, anacronizamos o posto de Presidente do Estado e o chamamos de Governador;no que seguimos Love (Love, 1975, pXIV) .

Um exemplo eloqüente porque tardio da importância dessa relação de forças foi dado em 19 61 , quando da tentativa de golpe militar para impedir a posse de João Goulart à Presidência da República: um dos fatos militares significativos parece ter sido a coincidência de posições en­tre Brizola e a Comandância do III Exército. Nelson Werneck Sodré cita telegrama dessa Co-mandância, que indica a eclosão de uma guerra civil caso o Comandante do III Exército se posicionasse a favor da junta militar golpista. Brizola teve a Brigada Mihtar unida dentro de seu propósito legalista, distribuiu armas à população e cercou o Palácio Piratini. Os Ministros golpistas ordenaram o bombardeio aéreo de Porto Alegre, fato que não ocorreu (Werneck So­dré, 1979, p.378-80). Esse fato aconteceu dentro de um quadro em que, após 1930, o equilí­brio entre os efetivos militares estaduais e federais no Rio Grande do Sul já havia sido rompi­do em favor do Exército.

Segundo Love, por expressivo que fosse o volume de efetivos da polícia baiana, ele se disper­sava por um território muito maior e era muito mal-armado e desorganizado (Love, 1975, P.XIV, 123).

Tendo presente a magnitude da presença militar no Rio Grande do Sul, assi­nalamos que Murilo de Carvalho mostrou que o recrutamento de oficiais se fazia predominantemente entre as famílias dos próprios oficiais (Carvalho, 1977, p.204), por isso era freqüente a existência de oficiais gaúchos. Carvalho indica ainda que as guarnições militares decisivas para qualquer atitude que o Exército fosse tomar eram as do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul (Carvalho, 1977, p.204)? '

A importância da Brigada Militar, criada e organizada pelo PRR para sustentá--lo no poder, assim como a magnitude dos corpos provisórios rapidamente mobihzá-veis pelo Governador do Estado''* faziam com que fossem necessárias boas relações entre os mihtares das forças estaduais e do Comando da III Regiío, uma vez que a divergência de pontos de vista ou de tomadas de posição poderiam levar a enfrenta-mentos mihtares. Em 1920, os efetivos da Brigada Mihtar e dos corpos provisórios gaúchos somavam cerca de 12.000 homens, contra uma força de 9.000 homens do Exército no Rio Grande do Sul. Em outras palavras, deveria haver afinidade entre o Governo do Estado e o Comando da III Região (transformada depois em III Exérci­to ) . ' ' Vejamos na Tabela 4 a importância dos números.

O Exército desejava ser reconhecido e ter prestígio social. Ele queria o mono-póho do poder armado sobre o território do País. Durante a I Repúbhca, ele conse­guiria somente a extinção da Guarda Nacional, o que fora um passo importante para deter o monopóHo virtual do recrutamento no País. Mas removido esse poder con­corrente, logo surgiram os exércitos estaduais de Minas Gerais, São Paulo e do Rio Grande do Sul.'^

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Tabela 4

Efetivos das Polícias Militares e do Exército em províncias e estados

escolhidos do Brasil - 1889-1920

1920

PROVÍNCIAS E

ESTADOS Polícia Exército Polícia Exército

Bahia

Corte e Distrito Federal

Mato Grosso

Minas Gerais

Pernambuco

Rio Grande do Sul

São Paulo

TOTAL

779

1 096

37

1 230

908

780

1 424

9 892

712

1 839

1 296

113

651

3 6 5 8

386

11 748

3 019

3 987

734

2 874

1 402

2 052

7 538

30 564

1 545

11 236

1 116

3 787

706

9 304

3 675

42 920

FONTE: Adaptado de: CARVALHO, José Murilo de (1977) As forças armadas na Primeira RepúbUca; o poder desesta-

bilizador. In: FAUSTO, Boris, org História geral da civiUzaçío brasileira, III O Brasil Repu­

blicano 2, Sociedade einst i tuiçees (1889-1930). Rio de Janeiro, Difel p.230.

Os tenentes, por seu lado, representam um tipo de força com propostas muito difusas, com um ideário não claro ou definido. O mais simples tem sido identificá--los com as classes médias urbanas e suas insatisfações com uma estrutura política rural (o coronelismo) que não deixava espaço para a participação e a representativi-dade das novas camadas sociais urbanas. Os tenentes eram insurretos simultanea­mente em relação aos seus oficiais superiores, portanto à organização da sua pró­pria corporação e ao Presidente da República. Assim, é mais seguro indicar contra o que eles lutavam do que pelo que lutavam.

Insistimos, enfim, no fato de que tanto o Exército quanto os tenentes insurre­tos, assim como o Partido Republicano Rio-Grandense (e, por extensão, a oligarquia gaúcha) eram forças em expansão no quadro político brasileiro da I República. A imutabilidade do poder da Repúbhca, pela força do coronehsmo com o peso do seu voto rural e pelo poder da oligarquia mineiro-paulista controlando o acesso à Presi­dência da RepúbUca, terminou por soldar essas três forças que se encontravam blo­queadas nos seus avanços. Em 1930, elas reuniram seu máximo poder de fogo con­tra a repúbhca oligárquica.

Por fim, a oUgarquia política do Rio Grande do Sul, unida após o Pacto de Pedras Altas, que encerrou a Revolução de 1923, podia pretender disputar o poder central da República.^ ^ Apresença da oposição armadae o tipo de poder exercido pelo executivo no Rio Grande do Sul da I Repúbhca serão anaUsados no próximo item.

' Na Nota 25 deste ensaio, já indicamos as outras forças que participaram desse movimento.

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' ' ' Existe uma tese sobre uma diferenciação entredois gruposde cafeicultores paulistas nos anos que antecederam à abolição da escravidão. Grosso modo, ela define dois grupos com posições diversas face à escravidão: os das regiões novas, do oeste paulista, que utilizavam trabalho as­salariado e que seriam contra a escravidão; e os das regiões velhas, do Vale do ParaiTia, que "se agarravam" à escravidão. Entre outros, a tese encontra-se em Viotti da Costa (Viotti da Costa, 1989, 36-7, 50-2), Essa tese parece ter relação com as afirmativas freqüentemente vei­culadas por economistas paulistas a propósito da "modernidade" de um segmento da classe dos cafeicultores. Porém, Eisenberg, estudando as diferenças de mentalidade dos fazendeiros no Congresso Agrícola de 1878, não só não encontrou evidências suficientes em apoio a essa tese na sua dimensão espacial como desenvolve uma argumentação que se opõe a ela (Eisen­berg, 1980, p.167-94), De qualquer forma, essas diferenças não apresentaram, mesmo remo­tamente, um conteúdo que permita uma analogia com a cisão da classe dominante que ocor­reu no Rio Grande do Sul durante a 1 RepúbHca.

5 - 0 Rio Grande do Sul e a ditadura

Se, por um momento, esquecermos o Governo Provisório e os primeiros anos ditatoriais da república no Brasil, poderemos dizer que, entre os povos do Brasil, o do Rio Grande do Sul foi o primeiro a experimentar a ditadura: a ditadura regional do Partido Republicano Rio-Grandense, que durou 37 anos. Em 1930, Getúlio Vargas partiu do Governo do Rio Grande do Sul para instalar-se na Pre­sidência da República por 15 anos, dos quais os últimos sete foram ditatoriais; mais tarde, a partir de 1964, três dos cinco generais que exerceram a ditadura no Brasil erain gaúchos. Quais são, então, as origens da ditadura no sul? Por que a ditadura germinou no sul com tanta força? Uma vez mais vamos encontrar as respostas nesta sociedade que brotou da fronteira em guerra.

A primeira idéia importante a reter foi proposta por Antonacci no seu estudo sobre as oposições e a Revolução de 1923, onde ele constata a cisão precoce, na história do Brasil, da classe dominante rio-grandense em duas forças políticas incon­ciliáveis durante a República Velha. Em outras regiões, essas cisões ou não acontece­ram ou ocorreram mais tarde. ' ' ' Antonacci pergunta-se, então, pela razão dessa pre-cocidade e encontra sua resposta na diversificação da estrutura produtiva do Rio Grande do Sul (Antonacci, 1981, p . l9 ) . Essa diversificação teria tornado possível e oportunizado a formulação de dois projetos políticos divergentes para a sociedade rio-grandense, dentro da classe dominante regional.

No entanto, como já estabelecemos páginas atrás, definitivamente não poderia ter sido a diversificação econômica o ponto de referência, pois ela pode ser compa­tível com outras estruturas sociais e econômicas na produção de mercadorias. No caso do Rio Grande do Sul, foi a diversificação social que jogou a cartada decisiva.

Durante o Império, tanto no Brasil quanto na Região da Campanha do Rio Grande do Sul, o poder político tradicional estruturava-se segundo a rede coronelís-tica, território por excelência da classe dominante regional. Nos anos que antecede-

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ram a Proclamaçío da República, a expressão política maior desse poder congrega-vase no Partido Liberal que controlava politicamente o Rio Grande do Sul. Era na Campanha que estava a base tradicional do controle político do Rio Grande do Sul', território dos monarquistas hberais, depois dos federaUstas e, por fím, dos revolu­cionários de 1923. ,,

Nos primeiros anos da República (1889-93), o grupo de ativistas repubÜcanos que disputavam o controle do aparelho de Estado do Rio Grande do Sul, o qual controlariam de maneira intermitente nesse período, não eram somente minoritá­rios, como não possuíam a rede tradicional de apoio coronelístico que estava nas mãos dos Liberais, no final da monarquia. Não que os republicanos não fossem tam­bém grandes proprietários de terras e pecuaristas, mas eram uma geração sem com­promisso histórico com a política imperial e sem prática de controle do aparelho de Estado. Enquanto os repubUcanos de outras regiões do País saíram de diver­gências do Partido Liberal (Pinto, 1986, p . l05) , no Rio Grande do Sul eles se for­maram autonomamente.

5.1 — A conjuntura de violência

Os anos que se seguiram ao golpe de Estado militar que implantou a República

no Brasil em 1889 foram anos convulsionados pelas lutas entre os repubUcanos ra­

dicais e os restauradores da monarquia. A nível de Brasil, fora estabelecida imia

ditadura miUtar. Essa ditadura reinstalou no poder do Rio Grande do Sul o Partido Repubhca­

no Rio-Grandense, pois, entre novembro de 1889 e janeiro de 1893,17 governado­res haviam passado pelo Governo do Estado (Ferreira Filho, 1960, p.124-7). Júlio de Castilhos, chefe do PRR, elaborara uma Constituição para o Estado do Rio Grande do Sul que era sui generis no contexto brasileiro. Ela trazia embutida uma ditadura (mais adiante, voltaremos a falar dessa Constituição). Contra o domínio do PRR e contra a sua Constituição para o Estado, levantaram-se em armas os federa-listas'^ e, uiúdos aos monarquistas e aos republicanos dissidentes do PRR, inicia­ram uma guerra civil. Pensamos que essa conjuntura de violência teve muito a ver com o autoritarismo das instituições repubhcanas rio-grandenses.

Os federalistas não eram "federativos", eles propunham a predominância do poder federal so­bre o estadual, ao contrário doque resultarada Constituição Federal republicana. O PRR ha­via pugnado por uma ainda maior autonomia dos estados do que a Constituição Federal con­sagrara; os federalistas apareciaiti, assim, como centralizadores e unitários,propondo também o parlamentarismo, tal como havia existido durante a monarquia (Ferreira Filho, 1960, p.126).

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' * Antes da eclosão da guerra civil, o Presidente da Reptiblica enviou um emissário seu para tratar com os exilados no Uruguai. O telegrama do emissário ao Presidente expressa bem a situação: "Pelo modo como chegaram as coisas por aqui, acho que V.Exa. deve declarar já o Rio Gran­de em Estado de Sitio, nomeando imediatamente umgovemo mUitar, masque este seja alheio às paixões poh'ticas do Rio Grande. V.Exa. não faz idéia dos horrores que se têm praticado; os assassinatos são em número muito elevado, pois já por toda a parte se degolam homens, mulheres e crianças, como se fossem cordeiros; o saque está por demais desenvolvido, assim é que não há nenhuma garantia, quer individual, quer material" (Reverbel, 1985, p . l8) .

Degolava-se o prisioneko como uma ovelha. O prisioneiro, de mãos atadas, ajoeUiava-se entre as pernas do degolador. Existiam dois métodos: no criolo, a faca cortava a garganta de ore­lha a orelha; no brasileiro, duas pontadas de faca furavam^as carótidas (Reverbel, 1985, p.52).

' ' Um outro exemplo do nível de brutalidade é a notícia da morte do coronel uruguaio-brasilei-ro Gumercindo Saraiva (Saravia, para os uruguaios) saída no jornal do PRR, A Federação: "Miserável! Pesada como os Andes te seja a terra que generosamente cobre teu cadáver mal­dito. Caiam sobre essa cova asquerosa todas as penas concentradas das mãos que sacrificaste, das virgens que violaste, besta, fera do sul, verdugo do Rio Grande".

Quando o túmulo de Gumercindo foi descoberto por um chefe militar do PRR, seu cadáver foi exumado e mutilado (Reverbel, 1985, p.91).

A revolução partiu do Uruguai, onde cerca de 10.000 pessoas haviam se refugiado entre junho de 1892 e fevereiro de 1893 (Love, 1975, p.64-5).'* O fato de utilizarem mercenários uruguaios fez com que o PRR caracterizasse a guerra civil como uma invasão estrangeira, pois os mercenários eram de um região do Uruguai povoada por gente oriunda da Maragateria (Espanha); eles dariam o nome aos revo­lucionários: maragatos. No entanto também o PRR recrutava soldados mercenários entre os uruguaios.

Partindo do Uruguai, por três vezes os maragatos invadiram o Rio Grande do Sul. Essa guerra de 31 meses levou à morte de 10% a 12% da população do Rio Grande do Sul que, na época, estava em tomo de um milhão (Love, 1975, p.77). No período anterior ao inicio da revolução, os assassinatos de chefes políticos das duas facções e de suas famílias culminariam com a bestiahzação das populações rurais desfavorecidas, envolvidas na guerra (Love, 1975, p.77). Toda a sociedade rural rio-grandense foi enleada nas atrocidades. Duas batalhas são exemplares para dimen­sionar a brutaUdade: a batalha do Rio Negro, vencida pelos maragatos, onde 300 dos 1.000 prisioneiros foram degolados, segundo a lenda, por um só hOmem, Adão Latorre, peão de fazenda e tenente-coronel do exército maragato (Reverbel, 1985, p.54-5) - nessa batalha, foram degolados também oficiais do Exército, o que apro­ximou mais os laços entre o PRR e o Exército brasileiro - ; a segunda batalha foi a do Boi Preto, vencida pelo PRR, onde 300 prisioneiros maragatos foram degolados, como vingança pelos mortos de Rio Negro.'"'

Essa revolução extrapolou os limites do Rio Grande do Sul. Gumercindo Saraiva chegou a capturar Curitiba, enviando um ultimato ao Presidente da Repú-

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5.2 - A ditadura do Partido Republicano Rio-Grandense

Para controlar o Estado e conseguir reproduzir-se no poder, os republicanos tomaram uma série de medidas. Uma das mais importantes foi cooptar para as filei­ras do Partido Repubhcano os contingentes populacionais urbanos e coloniais que tinham muita dificuldade em participar de um partido oligárquico tradicional como o Liberal. Em geral, a bibliografia refere-se a esses contingentes como sendo grupos politicamente disponíveis. Na verdade, o Partido Liberal não possuía condições de absorvê-los (tinha por base a grande propriedade e o poder rural do coronel). O PRR, assim, enquanto partido de um grupo minoritário da classe dominante regio­nal e enquanto grupo desprovido da rede de poder tradicional para o exercício da política no Brasil, buscou na diversificação social das populações da região as bases para o exercício do seu poder (Pinto, 1986, p.104-5). O PRR ampliou a diversifi­cação social que encontrou e que lhe serviu imediatamente de lastro político. Durante os seus quase 40 anos de controle do poder, todos os 22 novos municípios criados tiveram por sede a zona colonial (Ferreira Filho, 1960, p.l71).^^

Essa relação positiva entre o PRR e a zona colonial é um dos pontos controversos para a Pro­fessora Helga Piccolo, que sustenta que a criação dos municípios visava enfraquecer politica­mente as demandas oriundas da zona colonial.

blica. Por fim, a revolta da esquadra no Rio de Janeiro associou-se aos revoltosos gaúchos. A revolta da Marinha fora um fracasso, e os navios revoltados acabaram se exilando em Buenos Aires. José Maria Bello diz que o Rio Grande do Sul foi o campo de provas para a sobrevivência do regime repubhcano no Brasil (Love, 197.5, p.70). Entre as seqüelas menores da guerra, esteve o fato de circularem rumores de iminentes invasões federaüstas, quase todos os anos, até 1923 (Love, 1975,p . l41) . Segundo Carlos Reverbel, os ódios que restaram das atrocidades dessa guerra fize­ram com que os historiadores do Rio Grande do Sul chegassem a se recusar a falar dela (Reverbel, 1985).

Desde 1893, quando da eclosão da Revolução Federalista, Júlio de Castilhos iniciara a construção de uma das principais bases do poder do PRR, a estruturação da Brigada Mihtar, exército regional sob o comando do Governador do Estado, fre­qüentemente melhor treinada e equipada que o Exército nacional. Joseph Love assi­nalou que a Brigada Militar possuía mais rifles que as outras polícias mihtares esta­duais e que somente após 1930 o Exército nacional passou a ser melhor equipado que essas forças estaduais (Love, 1975, p . l23) . Essa corporação foi um instrumento de poder decisivo nas mãos do Executivo do Rio Grande do Sul para enfrentar tan­to as desobediências internas do PRR quanto a oposição gaúcha e para intimidar os adversários do PRR na política nacional. No contexto nacional, por exemplo, a Brigada Mihtar desencorajava qualquer tentativa de intervenção militar da Presidên­cia da Repúbhca no Rio Grande do Sul.

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O PRR estimulou a colonização e a diversificação econômica do Rio Gran­de do Sul apôs diagnosticar a decadência da pecuária e da charqueada (Fonseca, 1984, p.6-10). Seu projeto econômico para a região foi o de atingir a auto-suficiên­cia na produção-consumo (Antonacci, 1981, p . l l 2 ) . Assinale-se a diferença em re­lação ao projeto econômico do complexo cafeeiro: fundamentalmente exportador--importador, possuindo por horizonte a manutenção-ampliação de sua participa­ção na divisão internacional do trabalho e professando um livre-cambismo li­beral.

Para garantir a reprodução do PRR no poder, o líder do PRR, Júlio de Cas­tilhos, dotou o Estado de uma Constituição muito peculiar, e, tal como já foi assinalado, essa constituição serviu não somente de pomo de discórdia entre o PRR e as oposições gaúchas, como entre o PRR e os_ outros partidos republicanos do Brasil. Vejamos algumas de suas características básicas: um Executivo muito forte e ausência de Legislativo. Ausência de Legislativo, pois a Assembléia eleita, que se reunia durante dois meses ao ano, tinha como finahdade aprovar o orçamento e verificar as contas do Executivo (Osório, 1982, p.3). O Executivo legislava através de decretos-lei. Quando o Presidente do Estado promulgava um decreto, as câmaras municipais tinham um prazo de 90 dias para discuti-lo, fazer sugestões de alteração, discordar e t c ; se tal não ocorresse no período, o decreto tornava-se lei. Na prática, a emissão pública do decreto fazia-se acompanhar de telegramas-circulares, onde era exigido o silêncio obediente das câmaras municipais (Antonacci, 1981, p.25),

A estrita disciplina partidária jogou um papel decisivo na organização e na manutenção do poder do PRR no Rio Grande do Sul. São traços como esse, de uma estrita e rígida discipHna partidária, que permitem que se afirme que o PRR foi o primeiro partido moderno do Brasil. Joseph Love, por exemplo, diz que era gritante a diferença entre o PRR e os demais partidos repubUcanos do País, por ele qualifica­dos de amorfos (Love, 1975, p.78). Além de tudo, era um partido que possuía um ideário (o positivismo) que foi insistentemente destilado em todos os pronuncia­mentos do Executivo - discursos,justificativas, mensagens, etc. - , nos discursos dos membros da Assembléia e no belicoso jornal do Partido: A Federação. Era um par­tido com princípios e que procurava administrar o Estado em função desses princí­pios, assim como justificar suas opções através deles. Isso era realmente uma novi­dade no Brasil!

Arrolaremos alguns exemplos. Seguindo Comte, os positivistas gaúchos pro-pugnavam por impostos diretos e não indiretos; o Rio Grande do Sul foi o único estado da Federação onde vigorou o imposto territorial, que chegou a ser o pri­meiro item da arrecadação estadual e que sempre guardou inrportantes postos na hierarquia tributária estadual. Um outro exemplo: o Governo Estadual não deveria favorecer, com a sua ação, grupos ou classes, competia a ele cuidar do "bem co­mum", fazer o que atendesse "ás necessidades de toda a sociedade": o PRR dedi­cou-se à construção de estradas de rodagem, encampou ferrovias e o único porto marítimo do Estado e, diante das dificuldades para reunir fundos para abrir o úrüco frigorífico nacional no Estado (cuja abertura era importante para impedir o mono-

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pólio estrangeiro), ele participou do empreendimento?' Por fim, pertencia ao ideá­rio desses positivistas a crença de que a sociedade era irremediavelmente formada por capitalistas e operários, que era assim que deveria ser, e que uma das maneiras de o Estado e, por extensão, de o capital se responsabilizarem pelos pobres era dando-lhes instrução. Assim, à originahdade das receitas oriundas do imposto territorial so­mava-se esta de gastos importantes com educação, isso era outro fato inédito no Brasil. Somente durante os períodos de guerra, as despesas militares foram mais importantes que as da educação (Love, 1975, p . l09) . Certamente que um plano de instrução púbUca que se somasse âs escolas católicas e protestantes para os imi­grantes obrava no sentido de ampÜar os contingentes eleitorais. Deve ser registrado que o Rio Grande do Sul apresentou os mais elevados níveis de alfabetização do Brasil na I Repúbhca. Love assinalou-nos que, em 1907, o Rio Grande do Sul esco­larizava 228 sobre 1.000 crianças em idade escolar, enquanto os nlimeros eram de 162 para São Paulo e de 141 para Minas (Love, 1975, p . l l 6 ) .

A Constituição de 14 de julho, elaborada por Castilhos e contestada dentro e fora do Rio Grande do Sul, é uma versão local de aspectos do positivismo de Augus­to Comte. Enquanto tal, a administração da Repúbhca foi vista como uma questão de competência e não de representatividade;aos "sábios" cabia a tarefa de adminis­trar "cientificamente" a sociedade, pairando acima das classes e dos interesses de grupos. Era a ditadura republicana. A partir dessa proposta, era sempre o bem co­mum que era visado pelas ações do Executivo, o interesse geral do corpo social e não os interesses de uma classe ou de uma fração de classe. O capitaUsmo era con­cebido como eterno, e ao Governo cabia a promoção da conciUação entre os inte­resses do capital e do trabalho. Tudo dentro da ordem e do progresso. Ceh Pinto indicou que o PRR construiu um discurso não oHgárquico, diverso, portanto, dos demais discursos regionais brasileiros?"

É evidente que essa neutralidade foi utilizada para arrefecer as demandas dos pecuaristas da oposição, ao mesmo tempo que permitia a promoção de irúciativas do Executivo estadual no sentido de promover e beneficiar outros grupos, tais como o dos agricultores imigrantes e dos industriais. Pensamos, no entanto, que õs Exe­cutivos dos estados cafeicultores e, por extensão, o Executivo federal da I RepúbH-

Mais uma vez, asdiferenças em relação a São Paulo são gritantes: lá, tudo para o café, e só pa­ra ele. Os cafeicultores no poder, em São Paulo e na Presidência da República, expressaram bem o "comitê executivo" dos plantadores, utilizando o aparelho do Estado em seu único benefício,

Ceü Pinto resumiu assim o papel do positivismo na construção do discurso poh'tico do PRR:

"Portanto, se por um lado foi no positivismo que o PRR foi buscar um modelo para as insti­

tuições políticas autoritárias que implantou no estado, por outro, foi através dele que cons­

truiu um discurso não-oligárquico e que apresentou estas instituições [as republicanas] como

as únicas capazes de responder às necessidades [do conjunto] da população do estado" (Pin­

to, 1986,p. l06) .

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Por fim, antes da Revolução de 30, o Rio Grande do Sul envolveu-se ainda em três episódios militares, segundo Ferreira Filho.

1) Em junho de 1924, estourou em São Paulo uma rebelião militar de unidades do Exército e da Força Pública de São Paulo; os rebeldes tomaram a capital e cidades do Interior. A pedi-

ca expressavam uma identidade entre o Estado e o bloco do café, ou seja, eram os interesses desse bloco que ocupavam o Executivo. Era o Estado de um bloco de interesses, os do café. O Executivo rio-grandense concebia-se como um estado acima das classes sociais e dos interesses particularistas. Note-se que esse Executivo precisava "conceber-se", ou seja, ele não era dado "naturalmente". Nesse sentido, ele se construía com um cunho de modernidade, pois a proposição de neutraUdade abria espaço para a promoção de grupos e classes emergentes.

Nós já fizemos alusão, repetidas vezes neste ensaio, á revolução de 1923, esta foi a última guerra movida pela oposição ao PRR. A solução encontrada, no Pacto de Pedras Altas, soldou num só bloco a oligarquia gaúcha, estabelecendo as condi­ções finais para que ela se propusesse á disputa da Presidência da República. Vamos examiná-la.

Dado que os resultados das eleições de 1922, como sempre fraudulentas, con­firmaram a vitória de Borges de Medeiros, que iniciaria, assün, o seu quinto manda­to como Governador do Estado (cada mandato era de cinco anos), as oposições unidas na Ahança Libertadora levantaram-se novamente em armas sob a liderança de Assis Brasil, candidato derrotado (Love, 1975, p.217-8). Através da guerra civil, a oposição desejava provocar a intervenção político-mihtar do Governo Federal no Rio Grande do Sul (Antonacci, 1981, p.98) e assim conseguir a revisão da Constitui­ção do Estado e a deposição de Borges de Medeiros. O término da Revolução de 23 possibilitou a união da classe dominante regional (o PRR e a oposição passaram a re­presentar uma única força política), cuja coesão foi acentuada por Getúho Vargas, quando se tornou Governador do Rio Grande do Sul, em 1928. Essa união possibi-Htou a base política regional para que Getúho aceitasse a candidatura à Presidência da Repúbhca em 1929, perdesse a eleição e liderasse a Revolução de 30 que acabou com a Repúbhca oligárquica.

Os pontos mais importantes reivindicados pela oposição gaúcha em 1923 eram: a) estabelecer a ilegitimidade do novo mandato de Borges de Medeiros; b) promover a revisão da Constituição Estadual de forma a permitir a rotatividade nos cargos púbhcos, impedindo a reeleição do Governador; c) tornar elegível o cargo de vice-governador; e d) dar mais poderes à Assembléia Legislativa do Estado.

O verdadeiro vencedor dessa revolução parece ter sido o Presidente da Repú­bhca, que não fora apoiado por Borges quando de sua eleição. Ele desejava encetar uma intervenção militar no Rio Grande do Sul, mas seus desentendimentos com o Exército não lhe davam condições de arriscar-se nessa aventura. A intervenção di­plomática do Governo Federal encaminhou a aceitação da legitimidade do novo mandato de Borges e da revisão da Constituição nos termos da Aliança Libertadora.'"

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Conclusão

Ao longo deste texto, evocamos as origens da sociedade do Rio Grande do Sul e apresentamos as estruturas fundiária, social e política como resultados da fronteira e da guerra. Assinalamos a importância da inovação de uma classe rural proprietária para conferir à sociedade do Rio Grande do Sul uma dimensão de modernidade que era precoce no Brasil. Enfim, fizemos derivar da fronteira em guerra e da diversificação social os outros traços originais da história do Rio Gran­de do Sul. Originais porque eles apareceram no sul muito antes de se manifestarem na sociedade brasileira: a divisão da classe dominante regional, a construção de um partido político moderno e o exercício da ditadura.

do da Presidência da República, o Governo do Rio Grande do Sul enviou cerca de 1.000 ho­mens da Brigada Militar do Estado para ajudar a sufocar a rebelião. Os rebeldes refugiaram-se em Foz do Iguaçu, fronteira com Argentinae Paraguai, onde se uniram à Coluna Prestes, mo­vimento que subia do sul (indicado abaixo).

2) No mesmo ano, unidades do Exército nacional, sediadas na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina, rebelaram-se sob a liderança de Luis Carlos Prestes. Os rebeldes convulsio-naram a zona missioneira do Rio Grande do Sul durante algum tempo. Subiram em direção ao Norte, perseguidos pela Brigada Militar. A coluna dos revolucionários atravessou o Brasil tentando "levantar as massas rurais" contra a Presidência. Foram ao sul da Bahia e termina­ram exilando-se na Bolívia. Essa marcha de 24.000 quilômetros foi considerada o símbolo da insatisfação com o poder rural das oligarquias da I República. Prestes levou o título de "ca­valeiro da Esperança".

3) Em novembro de 1926, tenentes do Exército rebelaram-se em Santa Maria. Caudilhos in­vadiram o Rio Grande do Sul vindos do Uruguai, mas as forças legalistas do Governo do Esta­do forçaram sua retirada (Ferreira F<>, 1960, pp.167-169).

Esses três últimos levantes referidos expressam rebeliões simultâneas contra os poderes regio­nais e contra a Presidência da República. São manifestações dos tenentes do Exército, que expressam sua insatisfação com o domínio das oligarquias rurais-regionais e do sistema coro-nelístico brasileiro da I Repúbhca.

Do ponto de vista da intenção de Júlio de Castilhos, homem que concebeu e construiu as bases do sistema do PRR, os objetivos foram alcançados. O PRR ocupou ininterruptamente o poder de 1893 até 1930,da segumte maneira: 1893-98, Júlio de Castilhos; 1898-908, Borges de Medeiros; 1908-13, Carlos Barbosa; 1913--28, Borges de Medeiros; 1928-30, Getúlio Vargas. Quando Castilhos passou o po­der do Executivo Estadual para Borges de Medeiros, conservou a direção do PRR. Borges fez a mesma coisa quando seus prepostos, Carlos Barbosa e Getúlio Vargas, ocuparam o Executivo Estadual.

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Acreditamos haver discutido e qualificado o repto fortriulado por José Honó­rio Rodrigues e que foi apresentado no inicio deste ensaio. A guerra, o militarismo e a ditadura possuem uma relação fundamental com a formação histórica do Rio Grati-de do Sul, mas não na forma simplista, excludente e passional construída por José Honório. Por fim, apelamos para:as palavras do "poeta" àguisa de resposta:afetiva ap.historiadpi:,,,,.;/ ^ . ; Í , V < ; - , „ /

"Somos uma fronteira. No século XVin,quandp spldados de Pfjrtugal e Espanha disputavam a ppsse definitiva deste 'imenso deserto', tivemos de fazer a nossa opção: ficar com os portugueses ou com os castelhanos. Pagamos um pesado tributo de sofrimento e sangue para continuar des­te lado da fronteira meridional do Brasil. Como pode você acusar-nos de espanhohsmo? Fomos desde Ós tempos coloniais até o final do século um território cronicamente conflagrado. Em setenta e sete anos tivemos doze conflitos armados, contadas as revoluções. Vivíamps permanente­mente em pé de guerra. Nossas mulheres raramente despiram, o lu-t o ( . , . ) "

Érico Veríssimo

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Abstract

First of ali we showed that - right from the beginning - Rio Grande do Sul made up a specific social formation in Brazil, since this region was always confronted to frontier wars because of the characteristics and the settingup period of the frontier States. We then examined a series of structural features which were particular for Rio Grande do Sul society in relation to the rest of Biazil and which derived from its frontier wars. These features are: its landowning structure; its rural social classes as well as the relation of its regional ruling class with the government of the Empire. That is why the Rio Grande do Sul tenitory was the scene of a new social experience in XIXth century Brazil. As we can see along this essay, it was the first agrarian society that carne to differentiate itself socially and the new rural landowing class did not rely basically on slavework. Rio Grande do Sul society faced itself with totally new problemas with regard to the Brazilian context of the transition from slaverytocapitalism.Moreover,duringtheoligarchicRepublic,thegoverning political party in the region established on one hand closed links with the Brazilian Army and on the other hand, it became the first modem political party in Brazil and achieved at regional levei a long experience of djctatoiship. That is why we wonder if the Brazilian conservative modemization did not start first in Rio Grande do Sul.

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COMENTÁRIO SOBRE OS "PARADIGMAS" DA ECONOMIA GAÜCHA*

Luiz Roberto Pecoits Targa *

C o m e n t a r e m o s , b r e v e m e n t e , alguns dos paradigmas de e c o n o m i a regional que fo ram ut i l izados para t e n t a r compreende r o R io Grande d o Sul após os anos 6 0 . Es­sa cu r t a ref lexão nos levou a identif icar o per íodo-chave de nosso t r a b a l h o , assim c o m o as ques tões que n o s in teressam explorar .

A p r o d u ç ã o de c o n h e c i m e n t o sobre a reahdade sócio-econômica d o E s t a d o t e m se depa rado c o m m u i t a s dif iculdades. U m a das barreiras é cons t i t u ída pelos pa­radigmas u t ihzados e cuja subs t i tu ição t e m sido difícil. Apresen ta remos , de mane i ra suc in ta , dois desses paradigmas e mais u m te rce i ro , q u e c h a m a m o s u m "quase-para-d i g m a " . Eles e x p r i m e m , á sua mane i ra , u m a reahdade e m t r ans fo rmação : ref le tem diferentes m o m e n t o s da reahdade sócio-econômica d o R io Grande d o Sul .

Nos anos 6 0 , o R i o Grande d o Sul foi p e n s a d o , po r alguns dos seus melhores economis tas , c o m o se fosse u m a economia fechada (e i so lada) , c o m o se ele pudesse t e r u m pro je to p r ó p r i o . L e m b r a m o s aqu i , s o b r e t u d o , o excelente t r aba lho de Accur-so , Candal e Veras, d e n o m i n a d o O Insuficiente Desenvolvimento d o Rio Grande d o Sul. Nessa análise, po r e x e m p l o , o Brasil e " o resto d o m u n d o " fo ram t r a t ados co­m o mercados ex te rnos — q u e m sabe, m u n d o s ex te rnos — a o E s t a d o . Para dar a ênfa­se necessária , esse e spaço e c o n ô m i c o foi visto c o m o u m a economia nac iona l . É evi­d e n t e q u e essa p ropos ição n ã o e ra exphc i t ada (mas vejam algumas das p ropos tas de po l í t i ca econômica lá con t idas , e m conf ron to c o m o q u e acontec ia n o Pa ís ) . Cada u m dos economis tas q u e par t ic iparam dessa e laboração jamais formular ia u m a idéia dessa na tu reza . E , n o e n t a n t o , ela estava lá. P o d e m o s imaginar , c o m jus t iça , q u e sua fo rmulação derivava de concepções keynesiano-cepal inas . Essa resposta fácil é insuf ic iente .

Esse parad igma persis t iu n o t e m p o . Acred i t amos q u e essa d u r a ç ã o , que at in­giu a m d a os anos 7 0 , n ã o foi u m simples defei to de compreensão da r eahdade , se b e m que n o s t enha pa rec ido assim q u a n d o dos esforços de sua subs t i tu ição . Mesmo que n ã o p u d e r m o s afastar essa h ipó tese def ini t ivamente - j á que Walter Isard en-

Na falta de melhor expressão, chamamos de "paradigma" a idéia-base, explícita ou não, de certos trabalhos sobre a economia regional do Rio Grande do Sul.

Economista da FEE.

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c o n t r o u essa m e s m a posição en t re os economis tas regionais dos Es tados Unidos —, achamos necessário avançar u m a ou t r a h ipótese paralela para a formulação desse p r ime i ro paradigma.

Pensamos , a t u a l m e n t e , que esse paradigma expr imiu a força de u m a realidade q u e d e i x o u de exist i r . Ã idéia persist iu n o t e m p o , m u i t o após o desaparec imento da r eahdade social que sugeriu sua formulação . É provável que o R io Grande d o Sul t e n h a se c o n s t i t u í d o , a lguma vez, o u t r o r a , ^ m . u m país d e n t r o do Pa í s , po r assim dizer , po is , a lém de suas acen tuadas especifícidades econôrmcas e sociais, naque le t e m p o ele possuía u m poder p ú b h c o regional c o m u m elevado grau de a u t o n o m i a face ao p o d e r da U n i ã o . Mas esse foi o t e m p o da real idade q u e se expr imiu , tardia­m e n t e , n o pr imei ro parad igma. De qualquer fo rma, o paradigma serviu-nos de pista .

j , N a segunda m e t a d e dos anos 7 0 , esse p r imei ro paradigma foi subs t i t u ído pela idéia de q u e a e c o n o m i a gaúcha era subordinada o u subsidiária da economia brasi­leira. Pensamos , aqu i , nos t raba lhos sobre a indúst r ia e a agricul tura do R io Grande do Sul , ed i tados n a série dos 2 5 Anos de Economia Gaúcha d a F E E . Esse segundo parad igma j á era b e m me lho r para pensar a economia rio-grandense tal qual ela exis­tia após os anos 6 0 . Mas ele p o d e ser cr i t icado de dois p o n t o s de vista ( q u e , ahás , se i m b r i c a m ) .

P r ime i r amen te , ele a inda obscurece a compreensão dessa real idade, p o r q u e cons idera as at ividades produt ivas da região c o m o u m a e c o n o m i a , coisa q u e ela já deixara de ser. Seu l ado posi t ivo era o de compreender a região den t ro d o movimen­t o d a e c o n o m i a nac iona l ; j á era u m passo i m p o r t a n t e , mas , face à reahdade existen­t e , era , todavia , msuf ic iente .

E m segundo lugar, esse paradigma p o d e ser cr i t icado pe lo ângulo de a econo­mia regional ser par te da e c o n o m i a brasileira (pa r t e subord inada , pa r t e subsidiária) . D o nosso p o n t o de vista, essa concepção é equivocada , pois , depois dos anos 6 0 , as par tes d a economia brasileira - as par tes legí t imas , por assim dizer - n ã o p o d e m ser ou t ra s senão os d e p a r t a m e n t o s p rodu t ivos , as classes sociais fundamenta is e ou t ros " c o r t e s " , cuja in te ração d inâmica permi t ia a compreensão do m o v i m e n t o t o t a l da

^ a c u m u l a ç ã o n o Brasi l . /Queremos dizer q u e , a par t i r da in tegração d o m e r c a d o nacio­na l , as economias regionais p e r d e m o seu status de p a r t e s / O r a , essa idéia pe rmi t e a e laboração d o "quase -pa rad igma" de que falamos n o in íc io d o t e x t o . Ele p o d e ser e sboçado da segumte mane i r a :

— depois da mtegração d o mercado i n t e m o , o espaço geoeconômico d o R i o Grande do Sul c o n t é m segmentos das par tes da economia e da sociedade brasileiras. Ele c o n t é m frações da burguesia agrária e frações da burguesia industr ia l d o Brasil, frações da classe operária e do campes ina to brasileiros, ele c o n t é m frações dos depa r t amen tos p rodu t ivos da economia nacional . O que move as " c o i s a s " são as relações en t r e essas par tes , as au tên t icas . A economia do R i o Grande do Sul (assim c o m o as demais economias regio­nais) n ã o consegue expHcar mais o m o v i m e n t o . Desse m o d o , as atividades econômicas d o E s t a d o n ã o expl icam mais nada : e n q u a n t o c o n j u n t o e m si, elas n ã o são n e m u m a economia n e m par te de coisa alguma. E isso po rque a economia do R io Grande do Sul pe rdeu suas fontes dinâmicas in ternas

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e n q u a n t o economia regional . Hoje , o dinant ísmo de suas atividades econô­micas possui laços que n ã o se encer ram mais no seu espaço geográfico. Re­pe t imos , as par tes q u e m o v e m a economia (e ela agora é nac ional e n ã o t e m mais qua lquer sen t ido regional) e, e n t ã o , as frações delas que se encon­t r a m localizadas n o R io Grande do Sul se definiram de ou t r a manei ra . A economia regional de ixou de ser u m " t o d o " , u m a un idade . Isso pe r t enceu a u m o u t r o t e m p o , A economia regional de ixou d e se tota l izar e m si mes­m a e foi apr is ionada pe lo mov imen to de to ta l ização da economia nacional . Nes te ú l t imo m o v i m e n t o , ela se des tota l izou, o que somente quer dizer que o m o v i m e n t o de to ta l ização da economia brasileira t ransforma com­p le t amen te a economia regional, destota l izando-a . É c o m o se, na econo­mia gaúcha, t u d o mudasse de n o m e , de iden t idade . E ela, e n q u a n t o ta l , n ã o emerge mais desse m o v i m e n t o . Ela de ixou de exist i r , ela exp lod iu .

É po r isso q u e pensamos que esse "quase-parad igma" poder ia ser enunc i ado c o m o o da des t ru ição da p a r t e . V e m o s , n o e n t a n t o , que a dif iculdade de sua cons­t r u ç ã o e de sua operac ionahzação t e m seu fundamen to na reahdade que e m b a s o u o p rhne i ro paradigma, Esse cor respondeu a u m a ou t ra economia brasileira e a u m a o u t r a economia gaúcha , cuja fo rma foi t ão jus t amen te expressa por Chico de Ohvei-ra : " ( . . .) a e c o n o m i a brasileira era formada por várias economias regionais ( . . . ) " .

O segundo parad igma e o "quase-parad igma" co r re spondem às tenta t ivas de compreende r a economia gaúcha apc^ a integração do m e r c a d o nacional , e n q u a n t o o p rhne i ro co r respondeu à real idade social e econômica d o R i o Grande d o Sul antes da mteg ração . Is to é : a economia d o R i o Grande d o Sul const i tu ía-se , e m p a r t e , da e c o n o m i a brasileira (leia-se: u m a cer ta economia brasileira, o u seja, c o m u m a certa conf iguração) an tes da unif icação do mercado m t e r n o ; depois da in tegração, ela se dissolveu e n q u a n t o pa r t e .

Cons ideramos t a m b é m q u e , antes da unif icação, a economia gaúcha era u m a par te c o m propr iedades diferentes das demais par tes da economia brasileira; as ou­tras hav iam sido economias agroexpor tadoras para o m e r c a d o mund ia l , e n q u a n t o a d o R i o G r a n d e d o Sul era ag roexpor tadora para o m e r c a d o in te rno brasileiro. Bar-ros de Cast ro chegou a dizer que ela foi a mais diversificada d o País e a única que se vo l tou c o m sucesso para o m e r c a d o i n t e r n o ,

O fato de que a economia gaúcha tivesse sido pensada c o m o isolada, c o m o u m a e c o n o m i a o u c o m o par te da economia brasileira ( e l ementos dos dois pr imeiros paradigmas) der ivou da forma que t o m o u essa economia du ran te a Primeira Repú­blica. Sua sobrevida, e n q u a n t o economia regional , foi possível pelo in ter regno cria­do pela crise mundia l dos anos 30 e pe lo p e r í o d o da II Guer ra Mundia l .

Esses dois p e r í o d o s , o de cons t i tu ição (1889-30) e o de sobrevida ( 1 9 3 0 - 6 0 ) , es tabeleceram as bases para a formulação d o pr imei ro paradigma. Se b e m que , devi­d o a c i rcunstâncias his tóricas m u i t o part iculares ( locais , nacionais e in ternacionais ) , a soc iedade r io-grandense p ra t í cou e formulou o que p o d e r í a m o s c h a m a r de u m " p r o j e t o " de cap i t ahsmo n ã o concen t r ado ( em comparação ao que se desenvolvia n o res to d o País) e que se revelou u m fracasso face às caracter ís t icas da acumulação de capi tal que t e rmina ram po r prevalecer n a economia brasileira. Fo i a diferença en-

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* Em texto anterior, já esboçamos alguns desses traços (Targa, 1988, p.147-58). No entanto, para um excelente e muito melhor esboço dessas transformações, consultar o texto de Pedro Fernando Cunha de Almeida (1989).

t r e O t i po de capi ta l i smo que se desenvolvia n o Sul e o que se desenvolvia n o pó lo paulista que esteve n a base da crise e m que mergu lhou o R i o Grande d o Sul q u a n d o da in tegração . Abriu-se , para e le , u m longo p e r í o d o de reorganização de u m a ou t r a a r t icu lação .

Essa reorganização apresen tou u m a dupla face : m u d a r a m as relações i n t e m a s à e c o n o m i a e à sociedade d o R i o Grande d o Sul e m u d o u a re lação das atividades econômicas locahzadas n o espaço d o E s t a d o c o m a e c o n o m i a nacional .* Nesse pro­cesso de d isso lução , o R i o Grande d o Sul p e r d e u algumas de suas especifícidades n a fo rma que t o m a v a m a t é a í . A acumulação de capi ta l n o sul aproximou-se mais d o m o d e l o concent rac ion is ta brasi leiro.

Parece-nos q u e foi a real idade vivida pelos r io-grandenses, an tes da imificação d o m e r c a d o nac iona l , que sugeriu a fo rmulação d o pr imei ro parad igma, assim c o m o as ilusões dos gaúchos d ian te de u m pro je to social par t icular o u m e s m o u m pro je to à pa r t e da e c o n o m i a brasi leira.

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O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 1

Da querência ao mouse:

uma avaliação das mudanças estruturais na

economia gaúcha dos anos 80 aos anos 2000

Octavio A. C. Conceição

―A teoria de Schumpeter, apresentada no seu Business Cycles, faz muitas referências ao fato de que a história do crescimento econômico tende a se dividir em eras e que, dentro de cada uma

em particular, há um conjunto relativamente pequeno de tecnologias e setores que dirigem o crescimento econômico. [...] Recentemente, Carlota Perez e Christopher Freeman propuseram que tecnologias e setores-chave de diferentes eras, geralmente, requerem diferentes conjuntos de instituições de apoio. O argumento deles é que as nações que tendem a ser líderes em diferentes eras são as que tinham, ou trataram de construir, o conjunto apropriado de instituições.‖

Nelson (2006, tradução nossa)1.

Expectativas, governança, credibilidade, padrões de qualidade,

vantagens competitivas, capacitação e aprendizagem, institucionalidade,

estratégias de seleção e adaptação, paradigmas tecnológicos,

financeirização globalizada e outras tantas palavras são conceitos, hoje,

relativamente disseminados no debate econômico. Tais noções, no

Economista, Técnico da FEE, Professor do PPGE-UFRGS. O autor agradece a Marinês Grando, Luiz Faria e Sonia Teruchkin — que, com ele, dividiram a coordenação deste livro — o convívio, as leituras e as sugestões à primeira versão deste texto. Estende sua gratidão às preciosas contribuições do Professor Achyles

Barcelos da Costa e do Professor Cláudio Accurso, que ajudaram a explicitar pontos imprecisos na versão inicial deste texto. Como de praxe, isenta a todos de equívocos porventura remanescentes na atual versão. 1 No original: ―[T]here is a lot to Schumpeter’s theory, presented in his Business Cycles,

that the history of economic growth tends to divide up into eras, and that within any particular era there is a relatively small set of technologies and industries that are driving economic growth. […] Recently Carlotta Perez and Christopher Freeman have proposed

that the key technologies and industries of different eras generally require different sets of supporting institutions. Their argument is that the nations that tend to be leaders in the different eras are those that had, or managed to build, the appropriate set of institutions.” Nelson (2006).

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O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 2

entanto, raramente apareciam no vocabulário econômico corrente, ou

eram tratadas como questões de menor importância no início dos anos 80.

Naquela época, discutiam-se a crise, os planos de desenvolvimento ou sua

ausência, a dívida externa, a concentração da renda, a superação da

industrialização restringida, a inflação galopante, o déficit público, a

correção monetária e questões relacionadas ao curto prazo. Tais conceitos

municiavam o debate econômico da ainda inominada ―década perdida‖. O

que se quer enfatizar aqui é que as expressões mencionadas no início do

parágrafo ou eram incompreendidas, ou careciam de fundamentos

analíticos para sua compreensão. Naquela época, havia carência de um

instrumental teórico capaz de dar conta da magnitude das transformações

em curso. De lá para cá, mudou a linguagem, mudou a forma de

compreensão dos diferentes conceitos, e estabeleceu-se uma nova agenda

de pesquisa. A questão que se poderia colocar é se mudaram apenas os

termos, ou se esses novos conceitos se originaram de uma ―nova‖ teoria

econômica?

Este texto procura demonstrar que a mudança na percepção

conceitual é decorrente de novos enfoques econômicos, que, hoje, dão

conta, com maior profundidade e densidade teórica, das enormes

transformações gestadas no início dos anos 80. Estabeleceu-se, na

agenda de pesquisa econômica e social, uma nova dimensão analítica,

capaz de nos capacitar a entender a importância das referidas

transformações ou mutações estruturais. Este artigo busca discutir um

dos enfoques que tratam dessa perspectiva analítica, que pode,

genericamente, ser designado como evolucionário e institucionalista.

Poucos períodos da história recente do Rio Grande do Sul foram

palco de tão profundas e complexas transformações como as que

transcorreram ao longo das últimas três décadas. Atravessou-se, desde o

final dos anos 70, um período de uma profunda crise econômica,

associado a um processo inflacionário sem precedente na história do País,

que exigiu uma drástica correção de rumo. Ali, já se podia observar que

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tanto a economia nacional quanto a economia gaúcha exigiam reformas

estruturais profundas para sobreviverem. Tal correção, apesar de lenta e,

às vezes, aparentemente, sem norte, veio ocorrendo desde então,

tornando-se perceptível apenas no início dos anos 90.

Os anos 80 explicitaram a impossibilidade de a economia funcionar,

ou continuar funcionando, da forma como estava estruturada. Para poder

sustentar alguma trajetória de crescimento de mais longo prazo, faziam-

se necessárias reformas (estruturais) que rompessem, simultaneamente,

com a ―lógica‖ da memória inflacionária, com um padrão de ação

governamental que não produzia mais resultados, senão déficits

recorrentes, com um regime de competitividade (que, mais tarde, o

cepalino Fernando Fajnzylber denominou ―competitividade espúria‖)

assentado na desvalorização cambial, com um padrão produtivo herdado

do modelo tecnologicamente passivo do processo de substituição de

importações (PSI) e com uma organização do trabalho incapaz de

propiciar ganhos de produtividade e qualificação da mão de obra. Some-se

a isso o fato de que esse quadro de mudanças ocorreu em meio ao triunfo

do mal denominado ―neoliberalismo‖, que defendia maior flexibilização do

mercado de trabalho, políticas restritivas à demanda agregada e um

padrão de ação estatal avesso a qualquer identificação com o

keynesianismo2. Esse elenco de medidas, que John Williamson chamou de

―Consenso de Washington‖, articulou a grande orquestração

macroeconômica dos anos 80 e 90, que regeu a política econômica das

nações ocidentais. O alinhamento a essas reformas foi responsável, em

grande parte, pelas diferentes performances nacionais ao longo dos anos

90.3

2 O qualificativo aí referido justifica-se pelo fato de que as ditas políticas ―neoliberais‖ seguem os mesmos princípios da doutrina liberal, não se caracterizando como algo novo. Na verdade, a referida concepção tratou de resgatar e reeditar os fundamentos do

liberalismo econômico clássico, os quais, centrados no laissez faire e no Estado mínimo, visavam opor-se às políticas keynesianas implementadas no pós-guerra. 3 A adesão às diretrizes preconizadas pelo Consenso de Washington não foi unânime, o que replicou em diferentes performances econômicas, ao longo do tempo, entre países,

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A série de mudanças levadas a efeito no Brasil, nesse período, não

fugiu desse espectro. Tal processo desencadeou-se de maneira contínua,

irreversível e não sem sobressaltos. Manifestou-se, também, através da

geração de um enorme ônus para a população, para as empresas e para o

próprio Estado, cujo processo de ―ajuste‖, revelado através de sucessivas

mudanças estruturais, transformou irreversivelmente a face das

economias nacional e gaúcha.

A trajetória econômica do RS, desde o início dos anos 80 até os dias

de hoje, não pode ser entendida sem a devida compreensão e sem o

consequente aprofundamento teórico dessas mudanças em curso. É a

respeito delas que se busca tratar ao longo deste texto. Mas, para situá-

las teoricamente, faz-se necessária uma discussão sucinta das abordagens

teóricas que as incluem no centro de sua agenda pesquisa. E a abordagem

evolucionária contempla essa perspectiva analítica.

1 A EVOLUÇÃO ECONÔMICA E O PAPEL DA MUDANÇA

TECNOLÓGICA

A economia evolucionária trata de sistemas complexos que

interagem em um mundo de diversidade, onde as inovações exercem

papel central. Nesse sentido, o processo de crescimento e de

desenvolvimento econômico está inserido em um processo de mudança

estrutural, que permite que as mudanças tecnológicas e institucionais se

alimentem reciprocamente (embora com timings diferentes), operando,

assim, as mudanças sociais. Daí o conceito de paradigma tecnoeconômico.

O conceito de mudança e o processo de mudança estrutural são,

aqui neste texto, entendidos como, simultaneamente, de natureza tanto

tecnológica quanto institucional. Sua compreensão está igualmente

particularmente entre os da América Latina e os da Ásia. Estes últimos, por não aderirem totalmente àquelas normas de conduta — ao contrário de países como o Brasil —, apresentaram altas taxas de crescimento econômico, aumentando sua participação na estrutura produtiva mundial.

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associada à descrição, dentro das diferentes realidades regionais, dos

elementos que constituem o processo de crescimento econômico, que lhes

são específicos. Para tal descrição, porém, é necessário que se realize, no

plano analítico e teórico, a inclusão das instituições que operam dentro do

referido ambiente evolutivo.

Do ponto de vista adotado neste trabalho, compreender crescimento

e instituições ―fora‖ da noção evolutiva, além de empobrecer a análise,

esvazia-a de conteúdo histórico, como, aliás, o fazem as abordagens

convencionais ou standard (Nelson, 2002). Instituições, crescimento

econômico e evolução são noções indissociáveis. Por essa razão, julga-se

pertinente retomar a definição do que vem a ser, em termos atuais, o

conceito de evolução.

Muito se tem discutido sobre as noções evolucionárias. Autores

institucionalistas ligados à tradição de Veblen e do Antigo

Institucionalismo, como Geoffrey Hodgson, vêm dando um tratamento

mais sistemático ao conceito de ―evolução‖, procurando vinculá-lo ao meio

ambiente institucional. Evolução deve envolver os três princípios

darwinianos: variação, herança e seleção. Considerando-se os três

isoladamente, tem-se que, primeiro, deve haver alguma explicação sobre

como ocorre a variedade e como ela é realimentada em uma população.

Não há mecanismos análogos à biologia (como recombinação genética e

mutações) na evolução das instituições sociais, mas a existência e a

realimentação da variedade permanecem sendo uma questão vital na

pesquisa evolucionária (Metcalfe, 1998; Nelson, 1991; Saviotti, 1996,

apud Hodgson; Knudsen, 2006, p. 1).

Deve haver também, em segundo lugar, uma explicação sobre como

uma informação útil, relativa a soluções de problemas adaptativos

particulares, é conservada e passada adiante. Esse procedimento decorre

diretamente de hipóteses relativas à natureza do complexo sistema da

população, através do qual deve haver algum mecanismo pelo qual as

soluções adaptativas são copiadas e difundidas. Na biologia, tais

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O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 6

mecanismos frequentemente envolvem os gens e o DNA. Na evolução

social, podem-se incluir a replicação de hábitos, costumes, regras e

rotinas, que podem conduzir a soluções para problemas de adaptação.

Deve haver algum mecanismo que assegure que tais soluções

(incorporadas nos hábitos ou nas rotinas) resistam e repliquem. De outra

forma, a continuidade de retenção de conhecimento útil não seria

possível. Saliente-se que esse seria o princípio através do qual os

paradigmas tecnoeconômicos se constituiriam, se difundiriam e se

superariam.

Em terceiro lugar, deve haver uma explicação sobre o fato de que as

entidades diferem em suas longevidade e fecundidade. Por meio da

seleção, um conjunto de entidades, uma população, gradualmente,

adaptar-se-á em resposta ao critério definido pelo fator meio ambiente.

Observe-se que os resultados do processo de seleção não são

necessariamente nem morais, nem justos. Além disso, não há qualquer

exigência de que os mesmos sejam ótimos ou melhores em relação a seus

precursores. Por conta disso, a noção de eficiência é relativa a

determinado ambiente, onde, antes de ótima, ela é tolerável.

Saliente-se que esses três princípios darwinianos contemplam uma

interessante analogia com os períodos vividos pela economia gaúcha

nestas três últimas décadas. Sem qualquer veleidade ou pretensão

determinista que alguém possa querer atribuir a este trabalho, pode-se

sugerir que a noção de variação parece adequar-se ao ambiente de

mudança estrutural explicitado na década perdida; da mesma forma, a

noção de seleção parece estar mais presente nos anos 90, quando dos

desafios da reestruturação produtiva; e a noção de herança integra o

legado cultural da economia gaúcha, que teve que se reformular para

subsistir.

Outra noção importante é a da auto-organização. A existência de

resultados auto-organizados, complexos, demonstra que nem sempre se

tem que procurar um designer para explicar sua emergência. Isto é

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O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 7

relevante porque todas as ciências sociais contêm a visão de que os

fenômenos sociais são resultado de desígnios conscientes. Muitas

instituições humanas eficazes e complexas, tal como a linguagem e a lei

comum, não são resultados de um plano global. Essas referências

evolucionárias são importantes para justificar a relevância do conceito de

mudança (ou variação, em termos darwinianos).

A compreensão da natureza da mudança econômica tem sido um

dos mais férteis campos teóricos da Economia nas últimas três décadas.

Várias correntes articularam-se e desenvolveram-se, buscando responder

o que a determina. Contrasta com essa busca a ausência de tratamento

teórico ao referido processo pelo mainstream ortodoxo, que,

deliberadamente, o negligenciou. Um dos pilares fundamentais no avanço

da compreensão do processo de mudança econômica foi o trabalho

seminal de Richard Nelson e Sidney Winter, publicado em 1982, intitulado

An Evolutionary Theory of Economic Change. Nesse estudo,

desenvolveu-se a base do que seria uma interpretação alternativa ao

processo de crescimento econômico, que exigiria a construção de um novo

marco de análise. Tal tarefa foi levada a efeito pela contribuição então

denominada neoschumpeteriana, que, com vários trabalhos em sequência,

perseguindo uma agenda de pesquisa comum, avançou substancialmente

na compreensão dos fenômenos de crescimento e desenvolvimento

tecnológico, mudança estrutural, paradigmas tecnológicos ou

tecnoeconômicos, trajetórias tecnológicas e sistemas nacionais de

inovação. Além de Nelson e Winter, somaram-se a essa escola Giovanni

Dosi, Christopher Freeman, Lundvall, Carlota Perez, Luc Soete, Brian

Arthur e muitos outros. Para eles, o que dava sustentação ao processo de

crescimento e de desenvolvimento econômico era a forma como se

organizavam e se disseminavam as novas tecnologias, o ambiente

favorável à inovatividade, o padrão de competitividade e o ambiente

institucional mais ou menos propício às mesmas. O grau de êxito ou

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O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 8

fracasso dos países em direção a esse desiderato era resultante da forma

como, nacional ou regionalmente, operou esse padrão.

O ambiente econômico, ao ser instigado pela necessidade de

mudanças, adapta-se ao novo paradigma, construindo uma rede

institucional capaz de sustentar o espectro de transformações dele

decorrentes. Essas se disseminam no âmbito tanto da firma quanto do

processo de trabalho, na gestão dos novos métodos produtivos,

estabelecendo capacitações (Dosi, 1988a) e aprendizagem. Essas

absorvem os novos padrões de competitividade, decorrentes da mudança

estrutural originária do paradigma dominante e os disseminam. Por essa

razão, na ótica neoschumpeteriana, tecnologia é definida como um

processo de busca de novos produtos e processos, que se difundem por

todo o sistema. Aliás, é por essa razão que Nelson (2008) vem propondo

o conceito de ―tecnologia social‖, que articula as rotinas das firmas com as

instituições e com a tecnologia (Conceição, 2009).

Essa interação produz, ao longo do tempo, mudança nos padrões de

comportamento, nos hábitos, nas normas e nas regras do jogo,

estabelecendo um novo marco institucional. Hodgson (2007) designa essa

noção como de reconstitutive downward causation, que estabelece o nexo

entre os indivíduos, seus hábitos e suas crenças e as instituições, que

determinam e são influenciadas pelos mesmos.

O referido processo, ao contrário da visão dominante no

mainstream, tem pouco a ver com o desenho de uma trajetória de

crescimento convergente a um ponto de ―equilíbrio ótimo‖, compatível

com a noção de steady state, embora possa advir alguma estabilidade

provisória dessas transformações. Mudanças, instabilidade e incerteza

predominam ante o quadro hipotético de convergência à estabilidade e ao

equilíbrio de longo prazo. Douglass North, importante referência da Nova

Economia Institucional (NEI), tem afirmado, em seus trabalhos mais

recentes, que as diferentes performances econômicas dos países (e

consequentemente das regiões) são resultados das mudanças

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institucionais ali operadas. Tal proposição credencia a enfatizar-se a

importância teórica de identificar como as referidas mudanças

institucionais se processaram nos diferentes espaços regionais, entre os

quais se inclui, naturalmente, o caso da economia gaúcha.

1.1 O conceito de paradigma tecnoeconômico

A importância da mudança tecnológica dentro da abordagem

neoschumpeteriana produziu conceitos que procuravam entender todo o

entorno da atividade econômica. Daí o conceito de paradigma

tecnoeconômico ou de noções próximas, como o paradigma tecnológico de

Dosi (1983) ou a trajetória natural de Nelson e Winter (1982). O referido

conceito incorpora não só as mudanças tecnológicas e organizacionais

ligadas a determinado padrão técnico, como a forma de solucionar

problemas dentro de certo domínio do conhecimento. Indo mais além, o

conceito de paradigma tecnoeconômico, proposto por Christopher

Freeman e Carlota Perez (Freeman; Perez, 1988), atinge o elenco de

transformações que afetam a vida das pessoas, constituindo formas

alternativas de atividades econômicas, tecnológicas, sociais e

institucionais, ligadas a determinado padrão produtivo. Após um longo

período de prosperidade, os efeitos de tal ―onda‖ se desvanecem, dando

origem a novo surto de descobertas e inovações4. Saliente-se que, entre

um surto e outro, a economia é abalada por uma profunda crise, de

natureza estrutural, que se ―resolve‖ por meio de novas descobertas,

invenções e ramos de atividade. A alma desse processo era, e continua

sendo, a inovação tecnológica, que orienta a atividade humana.

4 Os limites à expansão devem-se à queda da taxa de lucro, em decorrência da saturação dos mercados e do aumento da oferta dos produtos associados às tecnologias implementadas.

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A história do capitalismo, segundo proposição de Perez (2002), foi

regida por cinco paradigmas tecnoeconômicos, ou cinco grandes ―eras‖. A

Revolução Industrial, a era da máquina a vapor e da estrada de ferro, a

era da engenharia pesada e do aço, a era da produção em massa e a era

da tecnologia da informação. Segundo a referida autora, em 1771, no

alvorecer da Primeira Revolução Industrial, quando irrompeu a

mecanização na indústria têxtil, iniciou-se o primeiro paradigma;

posteriormente, em 1829, surgiu a era do motor a vapor e da estrada de

ferro; em 1875, impôs-se a engenharia pesada e a indústria do aço; em

1908, o modelo-T de Henry Ford inaugurou a era da produção em massa;

e, em 1971, o microprocessador da Intel inaugurou a era da tecnologia da

informação. Atualmente, está-se na transição desse paradigma para a

―era da nanotecnologia‖, ou da biotecnologia, para a qual a crise de 2008

parece ter sido o divisor de águas entre duas eras (Freeman; Louçã,

2001; Perez, 2002, 2004).

Saliente-se, a propósito, que a atual crise econômica é fruto da

transição paradigmática, que sempre eclode em momentos de mudanças

estruturais, face às baixas possibilidades de valorização do capital nas

óticas tecnológica, produtiva e financeira. Tal obstáculo engendra um

processo de busca de novas oportunidades e de inovações, face ao

esgotamento do paradigma então dominante. A isso, Schumpeter (1942)

denominou ―destruição criadora‖. Mantidas as diferenças, poder-se-ia

estabelecer uma analogia da noção de paradigma tecnoeconômico com as

ondas longas, ou os ciclos longos, das economias capitalistas, que se

estendiam por 50 a 60 anos, intermediadas por grandes crises ou

depressões. A diferença é que, para os neoschumpeterianos, quem

estabelece a duração das referidas flutuações é a mudança tecnológica. O

invólucro que caracteriza determinada era — ou ciclo longo, ou paradigma

— é acentuado por características sociais e econômicas que lhe conferem

especificidades, inerentes às diferentes fases históricas da humanidade ou

do capitalismo (Quadro 1).

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Voltando para os objetivos do presente texto, é importante

mencionar-se que, ao longo dos últimos 30 anos, se atravessou uma fase

da economia mundial dominada pelo ―paradigma tecnológico da

informação‖. Esse definiu, para os países periféricos, as possibilidades de

abrir (ou fechar) as ―janelas de oportunidade‖, conforme a forma de

enfrentamento dos desafios da tecnologia e da competitividade. A escolha

de uma ou outra forma é que determinará as condições de avanços

tecnológico, social, econômico e institucional.

O fenômeno da globalização, que tomou forma a partir do início dos

anos 80, está, na ótica neoschumpeteriana, vinculado à ideologia do livre

mercado. Isto porque a necessidade de reconhecer todo o Planeta como

um espaço econômico é uma característica específica da atual revolução

tecnológica e do paradigma tecnoeconômico vigente. Tal ―modelo‖

contrasta com o paradigma anterior. No paradigma de ―produção em

massa‖ (ou paradigma fordista, em linguagem ―regulacionista‖), a

intervenção estatal assumia funções proeminentes dentro das economias

nacionais, definindo formas específicas nos diferentes estados nacionais.

Na globalização, cuja inserção se dá no paradigma da produção

flexível, ou da ―tecnologia da informação‖, poderia ser social e

politicamente esboçada uma outra forma de sustentar o desenvolvimento

global e o pleno emprego. Em outros termos, a globalização não precisa

necessariamente ser ―neoliberal‖. Ou seja, uma ―versão pró-

desenvolvimentista da globalização‖ ainda não foi e não tem sido

devidamente defendida. Poder-se-ia argumentar que, sem ela, como vem

acontecendo, tem sido muito difícil relançar o desenvolvimento no

Hemisfério Sul, como também superar a presente instabilidade, os

desequilíbrios e as tendências recessivas oriundas das economias do

Norte. Esse aspecto repercute diretamente sobre as trajetórias das

economias brasileira e gaúcha. E isso tem a ver com a natureza da crise

norte-americana de 2008, que afetou toda a economia mundial e pôs em

xeque a própria noção de globalização.

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Sob a ótica de Perez (2007), o período atual, após o colapso da

grande bolha da tecnologia, estaria no ponto médio da grande onda

corrente, que ocorre quando as tensões estruturais realçam as

instabilidades e as tendências recessivas, as quais, por sua vez, exigem

outra recomposição institucional. Assim, o momento presente é, pelas

razões expostas, o mais apropriado possível para se levarem adiante

corajosas propostas para um profundo redesenho da regulação global e

das instituições.

No que tange às previsões de duração da crise e de sua superação,

adverte-se que não há data final, uma vez que a disseminação de cada

revolução tecnológica persiste após a sua maturação (deployment), em

um processo de lento declínio e de migração para periferias ulteriores,

enquanto outras revoluções já estão tomando forma. Há, portanto, uma

longa sobreposição entre as ondas.

Como as cinco grandes ―eras‖ de desenvolvimento, sustentadas por

sucessivas ―revoluções tecnológicas‖, transformaram a economia

capitalista em escala mundial, cada um desses ―vendavais de destruição

criadora‖ articulou uma constelação de novos insumos, produtos e

indústrias, uma ou mais infraestruturas, envolvendo também novas

formas de transporte de bens, pessoas e informações, bem como fontes

alternativas de energia e novas formas de acesso às mesmas. Cada uma

delas explorou novas frentes, trazendo riqueza e possibilidades de

inovações nos campos tecnológico, produtivo e, mais tarde, financeiro,

caracterizando uma fase de gold rush. Entretanto é importante salientar-

se que essas fases não seguem a cronologia schumpeteriana usual dos

ciclos longos ou ―ondas longas‖. Isto porque não representam um

(re)começo de uma expansão, mas a erupção de uma revolução

tecnológica, quando a anterior atingiu a maturidade e quando a economia

demonstra dar sinais de um lento declínio e de estagnação. Assim, a

noção de paradigma tecnoeconômico:

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[...] captura a semente da mudança futura antes que a

mesma possa ser registrada nos agregados econômicos. O

autor propôs o termo Grande Onda de Desenvolvimento para referir-se ao processo de difusão e assimilação social de

cada revolução tecnológica como um todo, do big-bang à

maturidade (Perez, 2002, p. xxx, tradução nossa).5

Portanto, é sob essa forma que ocorre a mudança tecnológica, que

arrasta consigo — não de forma automática, mas ―induzida‖ pelo processo

de busca — as mudanças institucionais que proliferam em conjunto e de

forma articulada. São essas as circunstâncias que levam ao progresso

econômico.

1.2 Instituições e mudança institucional

Dentro desse contexto, pode-se definir instituição como conjunto de

normas, regras, hábitos e sua evolução (Hodgson, 2000; North, 1990;

Nelson, 1995). Daí, infere-se que a instituição passa a viabilizar, em

função das raízes históricas e estruturais que lhes são específicas,

distintas trajetórias de crescimento econômico. Por essa razão, os

conceitos de instituição, crescimento econômico e paradigma

tecnoeconômico são interligados.

Essas ponderações recolocam a ênfase em questões que,

formalmente, nunca deveriam ter sido omitidas, tais como a de que

crescimento econômico constitui-se em: (a) um processo de rupturas e

reconstruções; (b) as características da transição de um velho para um

novo processo de crescimento são elementos decisivos para a análise; (c)

as mudanças estruturais de natureza tanto tecnológica quanto

institucional são fundamentais; e (d) apesar de o mesmo sempre se

apresentar quantitativamente como um incremento na relação

5 No original: ―[…] captures the seed of future change before it can be registered in economic aggregates. The author has proposed the term Great Surge of Development to refer to the whole process of diffusion and social assimilation of each technological revolution, from big-bang to maturity‖ (Perez, 2002, p. xxx).

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capital/produto — ou aumento da acumulação de capital per capita

superior ao crescimento populacional, ou ainda crescimento da

produtividade do trabalho em relação ao aumento da população —, ele se

reveste de características bastante distintas de região para região, às

vezes sequer comparáveis. E é exatamente desses aspectos que se ocupa

a tradição institucionalista: a história importa, as formas de crescimento

capitalista são diferenciadas e múltiplas, o processo de crescimento é

contínuo e tem raízes históricas profundas (North, 2005, Hodgson, 2002).

Genericamente, podem-se agrupar as correntes institucionalistas em

três: o Antigo Institucionalismo Norte-Americano, de Veblen, Commons e

Mitchell; a Nova Economia Institucional, de Coase, Williamson e North; e o

Neoinstitucionalismo, de Hodgson, Samuels e Rutherford (Samuels, 1995;

Hodgson, 1993).

A semelhança entre essas três correntes dá-se pelas razões

expostas acima, quais sejam: entendem crescimento econômico como

―processo‖; incorporam seu ambiente histórico e suas especificidades

locais; rejeitam o pressuposto de que trajetórias de determinadas

economias possam ser historicamente copiadas; e enfatizam que o

desenho institucional para o crescimento é necessariamente marcado pela

―incerteza‖ e pela especificidade histórica. Em suma, o processo de

crescimento econômico funda-se no ambiente microeconômico da ação

individual dos agentes, das firmas e das organizações, os quais definem

as diferentes trajetórias.

As três abordagens citadas não são excludentes, embora o que uma

priorize a outra coloque em segundo plano. Elas concordam com a

importância da mudança institucional e tecnológica como fator

desencadeador do processo de crescimento. O que se procura extrair

dessa discussão é que os institucionalistas estão em linha de convergência

com o campo de pesquisa evolucionário, que avança, conforme referido

por Nelson (2002), na construção de uma ponte entre a incorporação do

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conceito de instituição e a compreensão do processo de crescimento

econômico.

1.3 A relação entre instituições, crescimento e (nem sempre)

eficiência

Para os seguidores do Antigo Institucionalismo de Veblen — como

Hodgson, por exemplo —, há forte discordância sobre a ideia de que os

rígidos pressupostos da racionalidade (substantiva) da teoria econômica

sejam capazes de proporcionar explicações factíveis e realísticas, no

sentido de que o comportamento humano seja considerado efetivamente

―eficaz‖, em contextos onde já exista uma considerável experiência

comum. Já para os teóricos afiliados à NEI, as instituições definem,

modelam e mantêm o referido ―comportamento racional‖ nos diferentes

contextos: os indivíduos não deduzem ou pensam por si mesmos sobre o

que é uma ação adequada, senão que atuam apenas fazendo o que é

convencional no respectivo contexto (Nelson; Sampat, 2001).

A diferença entre uma teoria que estabelece que as instituições

implicam uma planificação consciente e coordenada e uma teoria que as

concebe como resultado de um processo evolutivo não coordenado não se

traduz, necessariamente, em uma diferença sobre se as instituições

vigentes são ―eficientes‖ ou não. Dentro da tradição institucionalista

neoclássica, os trabalhos de Demsetz sobre direitos de propriedade

incluíam a pressuposição de que ―[...] a lei era eficiente e que as

mudanças legais refletiam mudanças em regras socialmente ótimas‖ (op.

cit., 2001, p. 24). Da mesma forma, parte dos estudos sobre organização

dos negócios supõe que as formas organizacionais são escolhidas

racionalmente, sendo, portanto, ótimas.

Atualmente, observa-se, nas escolas institucionalistas,

principalmente dentro da NEI, um afastamento dessas posições. Douglass

North, que, nos primeiros estudos, supunha que as instituições evoluíam

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de forma a alcançar níveis mais elevados de eficiência (Nelson; Sampat,

2001, p. 25), tem defendido que sociedades que possuem instituições

relativamente eficientes são relativamente mais afortunadas. Nesse

sentido, a ideia de que não é necessário que as instituições sejam

eficientes desencadeia uma nova vertente teórica, segundo a qual são as

instituições vigentes que, em última instância, explicam as diferenças de

desempenho econômico entre os países, e que as mesmas assumem

distintos arranjos institucionais locais. Estudos mais recentes de North e

Nelson revelam essa convergência. Depreende-se daí que ―construir‖ um

ambiente institucional adequado e mutante não implica, necessariamente,

torná-lo mais eficiente: só a construção e a evolução do mesmo poderão,

no futuro, fornecer essas respostas, com base na experiência histórica

adquirida.

1.4 Três visões da relação entre instituições, crescimento e (isto

sim) mudança

Matthews (1986), embora reconheça certa convergência nas

modernas abordagens institucionalistas, argumenta que há várias

diferenças entre elas. A começar pelo próprio conceito de instituição, que,

segundo ele, gravita em torno de três eixos. O primeiro identifica

instituições econômicas alternativas como resultado de sistema de

―direitos de propriedade‖ (property rights) alternativos. Essa noção é

particularmente importante para as abordagens seguidoras de Coase

(1937). A segunda definição associa instituição a convenções ou normas

de comportamento econômico, servindo como suporte à execução e ao

cumprimento das leis. Nessa abordagem, não há uma vinculação tão

direta à economia dos custos de transação. Na França, desenvolveu-se

uma derivação dessa concepção, constituindo a denominada ―Economia

das Convenções‖, cujo expoente é Olivier Favereau (1995). E uma terceira

derivação centra-se nos tipos de contrato, que pode refletir-se em

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diferentes formas de autoridade. Essas são as razões que levam a

definição de ―instituição‖ a assumir conotações múltiplas.

Sob essa perspectiva conceitual, o fenômeno do crescimento

econômico deve ser entendido como manifestação de mudanças

institucionais. Portanto, o vínculo entre crescimento e instituições deve ser

realizado pelo conceito de mudança, que pressupõe inovações (Matthews,

1986, p. 908). Assim, o processo de mudança econômica, institucional e

tecnológica é completamente diferenciado de um processo de melhoras

sucessivas e adaptativas, que levam a uma única situação de

convergência ao ótimo paretiano. Na realidade, há uma série de fatores

que obstaculizam tal perspectiva, como o papel do Estado, as interações

não voluntárias, a inércia e a complexidade. Matthews conclui seu artigo

enfatizando que as mudanças institucionais são mais lentas e mais difíceis

de ocorrer do que as mudanças tecnológicas, embora raras vezes ambas

não ocorram simultaneamente.

John Zysman (1994) enfatiza que as trajetórias de crescimento são

criadas historicamente, a partir do desenvolvimento de trajetórias

nacionais institucionalmente inventadas ou enraizadas (Historically Rooted

Trajectories of Growth). Ou seja, as instituições importam, porque

determinam diferentes trajetórias de crescimento econômico nos diversos

ambientes nacionais. Há várias formas de se organizar as economias de

mercado, os mercados são diferentes, e há vários tipos de capitalismo.

Essa abordagem procura associar mais diretamente o

institucionalismo à teoria econômica, estabelecendo nexos entre escolhas

individuais, tipos de contrato e estrutura dos problemas enfrentados pelas

suas respectivas empresas e organizações. Tal concepção é uma espécie

de ―institucionalismo histórico‖, sem deixar de referir que levanta

problemas e propõe soluções, considerando aspectos relacionados ao

microeconomic-based institutionalism. Nesse sentido, diferentes

conformações históricas e institucionais desenham, nos diversos contextos

regionais, os sistemas nacionais de inovação, que distinguem as

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trajetórias tecnológicas. Por isso, institucionalismo e evolucionismo são

fenômenos impossíveis de serem compreendidos de maneira

desvinculada.

Nesse contexto, é importante mencionar-se que são as estratégias,

quer em nível empresarial, quer governamental, que, ao exercerem

influência decisiva sobre as inovações, formam um ambiente adequado

para os novos produtos e processos. Estabelece- -se daí um importante

ponto da passagem micro para a macro, pois não é o Governo quem

define estratégias para as firmas implementarem, mas o contrário, pois,

analiticamente, o salto manifesta-se do particular para o geral. Em outros

termos, a capacidade do Governo de produzir resultados em mercados

específicos não cria inevitavelmente vantagens de crescimento no mais

longo prazo, e, alternativamente, seu fracasso em gerar ou criar

vantagens não produz inevitavelmente desvantagens.

Tais conclusões requalificam o debate sobre formas alternativas de

crescimento, colocando o mercado e suas especificidades nacionais como

fator condicionante primordial para tal objetivo. Entretanto tal entidade

(ou, melhor dizendo, instituição) deve ser entendida não como um

princípio regulador e racionalizador de decisões ótimas, mas como produto

de interações, estratégias, decisões frente à incerteza, que repercutem,

favoravelmente ou não, através da atuação de toda uma rede

institucional, que lhe assegura sustentabilidade. Por essa razão, a noção

de mercado é indissociável da noção de instituição, pois a primeira, mais

do que produto da segunda, é sua própria manifestação.

Segundo Zysman, as trajetórias de crescimento — cujas instituições

são fontes geradoras — dão-se tanto pela existência de padrões de

inovação quanto pelo desenvolvimento tecnológico. Através de rotinas e

políticas específicas, estabelecem-se os termos do desenvolvimento

econômico. A opção que determina quem é perdedor ou ganhador se

torna parte do problema de alocação de custos nas mudanças industriais,

envolvendo, independentemente do modelo de desenvolvimento industrial

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adotado, três aspectos sempre presentes: capacidade técnica da ação do

Estado na economia; estabelecimento de uma política de alocação de

custos da mudança industrial; e processo político para permitir tais

cumprimentos.

Essa é a ideia motora da abordagem de crescimento institucional,

pois não basta a geração de investimento para criar as bases para um

processo de crescimento. Faz-se necessária a construção de um ambiente

institucional adequado, capaz de transformá-lo em crescimento, o que,

obviamente, implica uma série de outros fatores:

A tecnologia, assim como os processos de mercado, não é desincorporada. Ela se desenvolve em comunidades; tem raízes locais. Os processos de aprendizagem que dirigem seu desenvolvimento são moldados pela comunidade e pela estrutura institucional, e, consequentemente, as trajetórias tecnológicas só podem ser definidas se tomarem como referência sociedades particulares (Zysman, 1994, p. 261, tradução nossa).6

Portanto, as instituições não são neutras e podem proporcionar

explicações sobre trajetórias específicas. Assim, uma dada estrutura

política e institucional induz à formação de uma lógica de mercado que

orienta e dirige a trajetória de crescimento.

Para Douglass North (1990), o fundamental no campo do

desenvolvimento econômico é buscar a formulação de uma ainda

inexistente ―teoria da dinâmica econômica‖. E essa reside,

fundamentalmente, na compreensão e na sistematização do processo de

mudança. Em sendo assim, as trajetórias das mudanças institucionais são

elementos essenciais na definição das diferentes formas de crescimento

econômico, o que revela notável semelhança com o pensamento

evolucionário.

6 No original: “Technology, like market processes, is not disembodied. It develops in

communities; it has local roots. The processes of learning that drive its development are shaped by the community and institutional structure, and consequently the technological trajectories can only be defined in reference to particular societies.‖ (Zysman, 1994, p. 261).

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Para North, a mudança econômica de longo prazo é uma

―consequência cumulativa‖ de inúmeras decisões de curto prazo tomadas

por políticos e empresários, que, direta ou indiretamente (via efeitos

externos), determinam a performance econômica. Entretanto a

consistência entre os resultados e as intenções dos empresários refletirá o

grau através do qual os seus modelos são efetivamente ―verdadeiros‖.

Isto porque os modelos refletem ideias, ideologias e crenças, que são, na

melhor das hipóteses, apenas parcialmente refinadas e melhoradas por

feedback de informações sobre as consequências atuais das políticas

tornadas legitimamente legais. Em outros termos, as consequências de

políticas específicas não são apenas incertas, mas imprevisíveis.

Em seu livro de 2005, North reforça a argumentação da necessidade

de se compreender o processo de mudança econômica como principal

fonte de explicação dos fenômenos vinculados ao processo de

crescimento. Ao tentar desvendar a lógica de tão complexo processo, que

necessariamente deve contemplar analiticamente aspectos institucionais

relevantes e de difícil sistematização, North, mais uma vez, confronta tal

necessidade com a fragilidade do instrumental neoclássico, apesar de seus

notáveis avanços na área quantitativa. Para ele, o processo de mudança

econômica (e institucional) deve, necessariamente, contemplar os

seguintes aspectos: a incerteza em um mundo não ergódico; os sistemas

de crenças, cultura e ciência cognitiva; a consciência e a intencionalidade

humanas. Esses aspectos, em conjunto, definem o que ele designa de

arcabouço de interações humanas que permitem a construção da

estrutura institucional. North salienta ainda que a mudança institucional

segue cinco proposições centradas: na importância da interação entre

instituições, organizações e, portanto, na competitividade que se

estabelece; no conhecimento derivado dessa interação; na estrutura de

incentivos; nas formas de percepção dos agentes sobre as regras de como

o ―jogo é jogado‖; e nas economias de escopo, nas complementaridades e

nas externalidades da rede de uma dada matriz institucional. Assim: ―[...]

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essa caracterização da mudança institucional é o bloco estrutural mais

importante em nossa construção da compreensão do processo de

mudança econômica‖ (op. cit., p. 64, tradução nossa)7. Essa afirmativa

revela importante insight a respeito da complexa relação entre instituição

e crescimento econômico, que tem, na mudança institucional, seu traço

mais revelador.

2 TRÊS DÉCADAS DE EVOLUÇÃO DAS ECONOMIAS GAÚCHA E

BRASILEIRA

A instrumentalização teórica de noções como as de mudança

tecnológica e institucional integra uma rica agenda de pesquisa, que,

entende-se, vem repercutindo, de maneira ainda tímida, sobre o ambiente

econômico nacional e regional. Poucos estudos ocupam-se dessa questão.

A forma como vêm operando, no espaço regional, as referidas

transformações econômicas (entendidas como mudanças tecnológicas e

institucionais) é fundamental para que se entenda o atual desenho da

economia gaúcha, sua relação com a dinâmica nacional, sua forma de

inserção no exterior e os desafios futuros daí decorrentes. Este artigo

supõe que a literatura institucionalista e evolucionária vem dando

importantes passos nesse sentido. A partir dessa visão, seria pouco

frutífero, senão impossível, tentar compreender-se o amplo elenco de

mudanças que ocorreram nas economias gaúcha e brasileira, no período

em questão, sem a incorporação do instrumental teórico evolucionário e

institucionalista, que acabou de ser discutido.

A economia gaúcha, outrora denominada ―celeiro do Brasil‖, tem

hoje outro caráter. Inclui um setor industrial fortemente integrado

nacionalmente, como o metal-mecânico; vários segmentos produtivos

7 No original: “[...] [t]his characterization of institutional change is a major building block in our construction of an understanding of the process of economic change.‖ (op. cit., p. 64).

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ligados à exportação; segmentos industriais ligados à tecnologia da

informação; outros ligados à automação; um agronegócio modernizado e

integrado internacionalmente, etc. Mas subsistem também segmentos

tradicionais à margem da modernidade, como a pecuária extensiva,

alguns segmentos industriais pouco integrados aos avanços tecnológicos e

setores resistentes a qualquer mudança de hábitos e rotinas. Enfim, há

segmentos sintonizados com a ―inovatividade‖ e com os novos padrões de

competitividade, e outros segmentos totalmente à margem desse

ambiente.

A hipótese deste artigo é que, apesar de certa letargia que persiste

em setores não vinculados ao paradigma tecnológico dominante — como

alguns segmentos da agropecuária e a indústria ―antiga‖, herdada do

padrão substitutivo, cuja estratégia de sobrevivência, via ganhos de

produtividade, de competitividade e de busca de inovação, não evoluiu —,

a economia gaúcha tem encontrado, principalmente a partir da ―abertura

externa‖ e da ―estabilidade‖ advinda do Plano Real, importantes fontes de

modernização e avanço tecnológico. Entendendo-se a tecnologia como um

processo de ―busca de novos produtos e processos‖, assume-se que os

setores produtores gaúchos mais capacitados e com maiores condições de

avançar são justamente os mais ―sintonizados‖ com o paradigma

tecnológico nacional, ou, melhor dizendo, com a forma difusa e nebulosa

que o mesmo, de maneira periférica, assumiu no território nacional.

Entende-se que, cada vez mais, a sinergia oriunda da integração

tecnológica responderá pelas novas janelas de oportunidade, capazes de

relançar produtivamente o RS. E as oportunidades de emprego, de

melhoria de renda, de conhecimento e de aprendizado advirão dessa

estratégia, tal como ocorreu em vários países de industrialização tardia.

Ou seja, o atraso industrial não condena as nações submetidas a

esse padrão à fatalidade histórica da irreversibilidade de tal situação. As

dificuldades inerentes a essa superação não necessariamente levam a

uma situação de impossibilidade de superação, a qual, por sua vez,

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conduziria a sociedade a uma situação de passividade social e política. Da

mesma forma, mas em sentido contrário, não se acredita que a retórica

das receitas únicas para a superação do atraso e do subdesenvolvimento,

oriundas dos fundamentos de eficiência e racionalidade dos mercados,

possam levar os países ao catching up. Neste texto, a trajetória de

superação das debilidades e das fragilidades estruturais será enfrentada

com percalços, descontinuidades e contradições, que somente se

revelarão mediante o avanço de seu próprio movimento em direção a seu

respectivo processo de desenvolvimento econômico. Essa, aliás, é a

primeira lição extraída dos autores discutidos anteriormente: não há

roteiro prévio para o desenvolvimento econômico, e sua busca dá-se

através da forma como operaram as mudanças tecnológicas e

institucionais.

2.1 Cenário produtivo

O cenário de crise na década perdida dos anos 80 sugeria que a

economia gaúcha tinha sua grande vocação centrada em duas vertentes.

Uma seria a promissora alternativa voltada à exportação de calçados, que

se constituiu em um forte setor da economia regional. Além da abertura

de novos mercados, principalmente o norte-americano, a modernização do

setor calçadista regional permitiu visualizarem-se novos nichos de

mercado para exportação. Porém muito dos estímulos setoriais ao referido

ramo era oriundo da desvalorização cambial, originária da elevada taxa

inflacionária, que utilizava o câmbio como forte estímulo à exportação,

determinando um padrão de competitividade considerado ―espúrio‖. Outro

setor que incorreu em forte estímulo foi o de máquinas e implementos

agrícolas, tendo crescido fortemente, apoiado na exportação e na

modernização do Setor Primário regional, apesar da forte crise. O setor

metal-mecânico como um todo foi o carro chefe da indústria gaúcha no

período de crise e permitiu que os desafios rumo a um novo padrão de

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competitividade começassem a ser percebidos nas formas organizacionais

ali gestadas. Exemplos foram as novas técnicas de trabalho ali esboçadas

(Just in Time, Kanban, Círculo de Controle de Qualidade), que tiveram,

nesse setor, o palco de importantes ensaios de aprendizado, capacitação e

learning by doing, embora o ambiente, abalado pela crise,

desaconselhasse, inadvertida e equivocadamente, novos ensaios

inovadores.

A par das transformações que começaram a tomar forma nos

setores mencionados, a indústria gaúcha movia-se lentamente nos demais

segmentos. Isto porque a crise da década de 80 e as expectativas de

hiperinflação estabeleceram estratégias de sobrevivência ―defensivas‖8.

Tal postura impedia avanços na ótica produtiva, colocando o setor,

passivamente, no aguardo da definição de um ambiente mais estável para

o crescimento, que se demonstrava cada vez mais difícil, distante e menos

visível.

O que importa reter-se aqui não é examinar pormenorizadamente as

mudanças no âmbito de estrutura produtiva regional — isso será realizado

no Volume 2 desta obra —, mas enfatizar, isto sim, a amplitude dessas

mudanças, que se esboçaram no plano microeconômico da firma e se

disseminaram no âmbito mesoeconômico, conferindo certa especificidade

na forma como o paradigma tecnoeconômico se desenvolveu no interior

da estrutura produtiva local. Explicando melhor: o esgotamento do

paradigma de produção em massa, que respondeu por enormes avanços

industriais nas economias brasileira e gaúcha, nos anos 50 a 70, deu

sinais de esgotamento nos anos 80. Perda de competitividade,

desestímulo a inovações tecnológicas, passividade tecnológica e ajustes à

8 Saliente-se que esse tipo de ―estratégia defensiva‖ foi típico na economia brasileira, mas de forma mais visível nos anos 90, quando as empresas, para sobreviverem ante a

abrupta abertura externa, adotaram estratégias de enxugamento de seus quadros funcionais, downsizing, etc., que, muito mais do que revelar um quadro de modernização dos ganhos de produtividade do trabalho frente às novas tecnologias, geraram forte precarização do mercado de trabalho (Castro, 1996; 1997).

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estrutura de custo dada, sem busca de novas tecnologias e, portanto, sem

ganhos de produtividade, inibiram as frentes de expansão produtiva,

culminando em estratégias defensivas e ganhos eventuais em

lucratividade, via câmbio ou via inflação.

Esse padrão criou um ambiente produtivo pouco ousado e pouco

eficiente, explicitando o esgotamento do padrão industrial originado pelo

PSI. As mudanças faziam-se necessárias, mas a base produtiva regional,

em sua grande maioria, não percebia para onde as direcionar. Essa

indefinição culminou na denominação ―década perdida‖, ou na ausência de

novas janelas de oportunidade.

O que se sucedeu a partir daí foi o aparecimento de uma série de

transformações cumulativas, que poderiam originar uma ―nova‖ economia

brasileira e uma ―nova‖ economia gaúcha. Pôs-se em marcha o processo

de destruição criadora, encorajado pelo surgimento de mutações internas.

Sob essa ótica, a abertura externa, no início dos anos 90, surgiu não

como fruto de uma decisão ―autônoma‖ nacional, face à precária inserção

nacional no padrão de competitividade internacional, mas, isto sim, como

uma necessidade estrutural às novas condições de crescimento da

economia brasileira, ainda longe de serem visualizadas no espaço

produtivo nacional. Não se sabia o que adviria daí, mas era certo que a

economia brasileira deveria ter um desenho estruturalmente diferente do

que persistira até o início dos anos 90. O mesmo diz-se para a economia

gaúcha.

Dois outros fatores de natureza interna — foram eles a

desindexação com o Plano Real e a convivência com a paridade cambial

fixa — terminaram por quebrar (de forma supostamente definitiva) os

hábitos, as regras e os padrões de conduta herdados do PSI, que se

enraizaram na forma de ―produzir‖ dentro da economia brasileira (e

gaúcha). Trata-se do padrão de comportamento associado à inflação,

onde o produtor habituou-se a incorporar, no seu preço final, as

expectativas inflacionárias, delegando aos ganhos de produtividade e de

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eficiência produtiva um padrão marginal e exógeno à linha de produção

nacional. Esse comportamento precário e refratário frente aos desafios da

competitividade explica, em parte, a fragilidade tecnológica do padrão

produtivo nacional herdado do referido processo. A mudança de regras

para a sobrevivência aos novos padrões (mais modernos) de

competitividade não se fez sem grandes transtornos, falências,

quebradeiras. Autores como Conceição Tavares, parodiando Schumpeter,

mas em sentido negativo, preferiram designar esse período como o de

―destruição não criadora‖ (Tavares, 1999). O estudo do ECIB buscou, com

grande fôlego, identificar, de maneira precisa, os desafios dessa época

(Coutinho; Ferraz, 1994).

2.2 Cenários político e social

Não só do ponto de vista produtivo ocorreram as transformações

dos anos 80. Dos pontos de vista social e, principalmente, político, muitas

mudanças também ocorreram, originando novos cenários nacional e

regional. O fenômeno urbano foi alvo de ampla proliferação, dando lugar a

grandes metrópoles, que se agigantaram, à medida que a crise se

aprofundava. As desigualdades acentuaram-se, e a deterioração dos

postos de trabalho também, dando origem à denominada precarização do

trabalho, que, no ambiente dos anos 80, encontrou condições ideais para

sua disseminação. A deterioração do quadro social nacional foi visível. No

Rio Grande do Sul, tal situação também se agravou, mas em escala menor

que a nacional, face à menor desigualdade em relação aos parâmetros

nacionais. Esses pontos serão explorados detalhadamente nos demais

artigos que compõem esta obra.

Do ponto de vista político, a redemocratização ocorreu em meio ao

agravamento da crise econômica, revelando que a construção de um novo

país foi, simultaneamente, acompanhada por uma semidevastação do

cenário econômico, atrofiado pela ameaça constante da hiperinflação.

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A abertura democrática, as eleições diretas e a Constituição de

1988 conferiram à nação novo status, cuja degradação econômica não

conseguiu enfraquecer. Pelo contrário, estabeleceram-se daí elementos

institucionais que permitiram ingressar nos anos 90, com uma maior

visibilidade política sobre quais mudanças deveriam ser implementadas.

Em outros termos, o regime democrático possibilitou que se elegesse uma

plataforma de transformações sociais e políticas que a década seguinte

tratou de efetivar. Entretanto todo esse processo passava pela vitória da

luta contra a inflação, que acabou consumando-se e consolidando-se

apenas em meados dos anos 90, com o Plano Real. Esses elementos

sugerem genericamente uma periodização das últimas três décadas,

conforme se segue.

QUADRO 2

2.3 Anos 80: inflação e corrosão da herança substitutiva

A década perdida dos anos 80 revelou perda de dinamismo da

economia brasileira, que, depois do período de grande crescimento,

caracterizado pelo ―milagre econômico‖ de 1967-73, desacelerou, no pós

74, sua taxa de crescimento até chegar a variações negativas do PIB já

em 1981. Até então, não se tinha conhecimento, dentro da estrutura

produtiva brasileira, de crescimento negativo, pelo menos desde a

construção da industrialização via PSI. Vários artigos e textos, que se

tornaram clássicos, analisaram essa questão, e não caberia recapitulá-los

aqui. O fundamental é destacar-se que importantes elementos de

natureza estrutural bloquearam, impediram e obstaculizaram a

possibilidade de a economia nacional — e, consequentemente, as

economias regionais — continuar ―crescendo‖ e ―funcionando‖ nos moldes

vigentes. Esgotara-se a capacidade de acumulação de capital via

substituição de importações. O aparecimento da capacidade ociosa não

planejada nos segmentos industriais líderes (bens de capital e bens de

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consumo duráveis), já em meados dos anos 70, prenunciava que a crise

dificilmente poderia ser resolvida através de uma distribuição de renda

aos segmentos sociais das classes menos favorecidos pelo ―milagre‖. Nem

mesmo o crédito doméstico abundante e barato, que se encarregou de

suprir o consumo das famílias no final do milagre, conseguiria reverter a

crise imanente já instalada no regime de acumulação da economia

brasileira. Ela se agravaria, como ocorreu com o primeiro e o segundo

choques do petróleo (de 1973 e 1979 respectivamente), mesmo se ambos

não tivessem eclodido. A única possibilidade de contornar a crise

estrutural, ainda latente, na economia brasileira dos anos 70, residiria na

adoção de profundas e necessárias transformações na matriz produtiva

nacional, que o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), de 1974,

tratou de explicitar parcialmente. Tal estratégia, que ficou conhecida

nacionalmente como ―marcha forçada‖ (Castro, 1985), deu sobrevida à

estrutura industrial cambaleante herdada do milagre. Tal plano

estabeleceu as bases de uma economia fortemente ancorada em uma

avançada matriz energética, na implantação de setores de insumos

modernos e bens de capital e na descentralização dos polos industriais

pelo País.

Ensaiava-se, assim, uma ―nova‖ estrutura na evolução econômica

brasileira, com mudanças na esfera econômica, tecnológica e institucional.

Elas explicitavam, de um lado, o esgotamento da matriz produtiva que

viabilizou a construção das bases da estrutura industrial voltada ao

consumo de bens finais duráveis para as famílias de altas rendas, e, de

outro, evidenciava-se que tais mudanças emergiam como estratégias de

adaptação e sobrevivência aos novos tempos, oriundos da crise do

petróleo e da necessidade de a economia avançar em áreas deficientes em

bens de capital, insumos intermediários e energia. Porém tal processo

articulava-se com um desenho institucional não compatível com o que

emergiria na década de 80: a presença do Estado, até então, fazia-se

central e ativa, tanto como empresário quanto como indutor da atividade

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econômica. Inexistia, e nem se criava internamente, uma contrapartida

em termos de uma participação mais efetiva dos capitais privados, tanto

na inovação tecnológica quanto na busca de novos padrões de

competitividade, compatíveis com a (nova) dinâmica na estrutura

produtiva nacional. Avançava-se no capital físico sem uma contrapartida

no capital humano. Nem se tentava endogenizar o processo de avanço

tecnológico com a incorporação de novos processos e rotinas.

Genericamente, a ―competitividade espúria‖, aliada ao baixo dinamismo

das inovações e à precariedade do sistema de P&D — ou à inexistência de

um ―sistema nacional de inovação‖ à la Nelson —, imprimiu ao País

escassas condições capazes de reverter o quadro recessivo da produção

doméstica que se avizinhava. Somem-se a isso as pesadas restrições

externas, advindas dos dois ―choques‖ do petróleo e do colapso do

sistema financeiro internacional em 1981 (que, literalmente, fizeram

explodir as taxas de juros internacionais), fazendo recair o ônus do

―ajustamento‖ (em linguagem convencional) ou a própria ―crise do

paradigma‖ (em linguagem neoschumpeteriana) sobre os países

endividados. Incluía-se aí um choque frontal com a economia brasileira

(Belluzzo; Almeida, 2002).

A despeito da modernização induzida pelo Estado através do II PND,

extraiu-se daí uma segunda lição, que os anos de crise tratariam

dolorosamente de explicitar. Não obstante isso, o brutal esforço de

indução ao investimento público nos programas setoriais, que, meritória e

reconhecidamente, adiaram a crise do ―milagre‖ para o início dos anos 80,

sua capacidade efetiva de reversão da crise estrutural era bastante

limitada. Isto porque as exigências oriundas da inserção no paradigma

tecnológico da informação, em fase de ―montagem‖ nas principais nações

avançadas, exigiam não apenas um substancial montante físico de

investimentos produtivos, que o País não dispunha, mas também um perfil

qualitativo dos mesmos, que era precariamente compreendido pelos

formuladores de políticas de desenvolvimento. Não bastava apenas

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investir, mas criar internamente condições tecnológicas e institucionais

para a disseminação e a incorporação das novas tecnologias. E,

relembrando Zysman, tais condições se materializariam não apenas no

plano ―macro‖, como ocorrera no II PND, mas essencialmente no plano

―micro‖. Faltou-lhes a construção de uma plataforma organizacional, no

âmbito das firmas, para a modernização tecnológica. Sem isso, quaisquer

esforços produtivos se esvairiam, pois a ―novidade‖ trazida pelo salto

tecnológico teria escassas oportunidades de êxito. Faltou a construção de

um ambiente institucional capaz de criar, internamente, sinergias e

janelas de oportunidade para o novo modelo.

Aqueles setores que, na economia gaúcha, se aperceberam dessa

mutação conseguiram sobreviver e se modernizaram no avançar dos anos

80. Foi o caso dos segmentos metal-mecânico, de equipamentos

eletrônicos, dos setores ligados à informática e à automação. Quem

reeditava práticas do ―velho‖ paradigma estava condenado à extinção, ou,

na melhor das hipóteses, a reorientar ou a reconverter drasticamente suas

estratégias de sobrevivência. Esse fenômeno passou genericamente a ser

chamado, mais explicitamente na década subsequente, de ―reestruturação

produtiva‖.

Em outros termos, a reorientação produtiva capaz de ―reverter‖ a

crise estrutural, originária do esgotamento do ―milagre econômico‖ dos

anos 70, só seria possível mediante profunda reestruturação macro e

microeconômica da forma de produzir. E esta deveria estar sintonizada

com os desafios, já em marcha em outros países, como o Japão. Saliente-

se que, na época, esse fenômeno era extremamente difícil de ser

percebido, já que seus ecos dificilmente poderiam ser convenientemente

decifrados no combalido ambiente econômico nacional. Leia-se: as

instituições nacionais não percebiam que era necessária uma drástica

modificação em seus hábitos, suas rotinas e seus padrões de

comportamento.

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2.3.1 A inevitabilidade do desastre: a inflação inercial

A incompreensão das mudanças em curso reeditou, no plano das

―convenções‖ ou das normas de comportamento doméstico (leia- -se

instituições), práticas produtivas totalmente incompatíveis com a

―modernidade‖ de então. Como estratégia de sobrevivência à dramática

crise dos 80, o mecanismo de reindexação dos ativos como forma de

proteção ao setor financeiro — que, diga-se de passagem, fora criado em

1966 pela Reforma Campos-Bulhões, que instituiu o expediente da

correção monetária — disseminou-se por toda a economia. Tal mecanismo

não se constituiu apenas em proteção dos ativos financeiros contra a

inflação, mas contagiou todos os contratos da economia, desde os

financeiros de crédito, os de compra e venda, até os de trabalho e

tributação e, mais importante, passou a fazer parte da decisão de produzir

dos agentes. A decisão empresarial de qualquer empreendimento embutia

a expectativa de inflação no período, que passou a superar qualquer risco

oriundo da própria atividade capitalista. Ingressava-se no pior dos

mundos: a produção sem risco, caucionada pela inflação e avalizada pela

dívida pública interna, que também passou a financiar-se com o referido

processo (Quadro 2).

A perversidade dessa política é por demais conhecida como

elemento altamente concentrador da renda. Além disso, a instituição da

convenção do ―crescimento com inflação‖ (Castro, 1997) minava qualquer

possibilidade de modernização da economia brasileira, já que anulava

quaisquer perspectivas de enfrentamento de novas estratégias frente à

crise. O ―curto prazismo‖ e as preocupações com a inflação e com o

consequente financiamento da mesma, via aplicações financeiras,

alimentaram não só um processo de resistência à desinflação, como

fomentaram uma voraz financeirização, que obstaculizava a queda da

inflação. O cálculo econômico das empresas, das famílias e do Governo

sancionava a vigência e a suposta necessidade do referido mecanismo. As

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estratégias empresariais de modernização eram, assim, bloqueadas, e as

aplicações de curtíssimo prazo passaram a reger a economia brasileira.

As tentativas de reverter esse processo, que só alimentava a

concentração da renda, resultaram em grande fracasso. Os planos

heterodoxos de combate à inflação não conseguiam quebrar a inércia

desses mecanismos. O Plano Cruzado, o Plano Bresser, o Plano Verão —

e, posteriormente, os Planos Collor I e II nos anos 90 — não conseguiram

romper com a memória inflacionária, que nada mais era senão a

institucionalização da inflação dentro da economia brasileira. Fazia-se

necessária uma ―nova economia‖, que começou a ser construída apenas

em meados da década seguinte.

Genericamente, pode-se concluir que a década de 80 foi perdida pelo

fato de não se ter conseguido construir qualquer possibilidade de

recuperação econômica. Isso se deu por três razões: pela precária

capacidade de inserção no paradigma tecnológico em construção; pela

cegueira generalizada em relação a perspectivas de longo prazo que o

processo de aceleração inflacionária trouxe; e pela inexistência de um

padrão de ação estatal capaz de vislumbrar alternativas de política

econômica para reverter esse caótico quadro.

Mais ainda, nos anos 80, explicitou-se que não bastava à política

econômica governamental ―querer‖ acabar com a inflação, era necessário

que a população acreditasse em tais intenções. Em outros termos, era

necessário combinar intenção e consistência macroeconômica com

credibilidade no âmbito microeconômico dos agentes e tomadores de

decisão. Essa foi a terceira lição herdada dos tempos da crise: não basta

a política econômica ter intenção de extirpar elementos nocivos à

economia enraizados institucionalmente no País. Era e continua sendo

necessário estabelecer um horizonte de credibilidade capaz de torná-los

aceitáveis e passíveis de incorporação no âmbito microeconômico das

decisões descentralizadas dos agentes econômicos. Leia-se, é

fundamental uma mudança de hábitos (à la Veblen), para obter-se tal

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objetivo. Em outros termos, o fracasso dos planos heterodoxos de

combate à inflação, nos anos 80, deveu-se menos à consistência interna

dos mesmos (que, como se viu anos mais tarde, também era

problemática) do que à falta de um ambiente institucional e

microeconômico para sua aceitação.

2.4 Os anos 90 e a necessidade de reestruturação

O ingresso nos anos 90 ocorreu em meio a grandes perspectivas de

mudanças. O País acabara de ter eleições diretas para a Presidência da

República, a inflação encontrava-se em elevação acelerada, e o fracasso

dos choques heterodoxos, herdados da era Sarney, exigia drásticas

―correções de rumo‖ (para se usar expressão da época). Sucederam-se

daí os Planos Collor I e II, em 1990 e 1991, respectivamente, que não só

foram incapazes de reverter a inércia inflacionária, como desorganizaram

ainda mais a economia do País.

Entretanto uma medida relevante foi tomada: a abertura comercial.

A abrupta exposição às condições de competitividade externa revelou a

precariedade da estrutura produtiva nacional para sobreviver a condições

adversas. A fragilidade do padrão de competitividade vigente no País

explicitou-se não só como resultado direto do mecanismo de proteção

cambial, oriundo do regime de alta inflação, mas também como resultado

de anos de convívio com uma economia fechada (pouco exposta à

concorrência externa), fruto do PSI, que, nessa época, explicitava seu

esgotamento. O ajuste foi dramático, e várias empresas faliram. Mas,

estruturalmente, tal exposição foi necessária, visto que, anos mais tarde,

as empresas sobreviventes saíram fortalecidas. Estava em marcha o

mecanismo de destruição criadora a que Schumpeter se referia. E a

economia gaúcha valeu-se desse mecanismo.

Apesar do duro e penoso desafio de reinserção externa — sem uma

contrapartida doméstica em termos de infraestruturas organizacional,

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produtiva e tecnológica para enfrentar os padrões de concorrência do

―novo‖ paradigma tecnológico em plena ascensão —, tornou-se clara a

necessidade de reestruturação produtiva brasileira. E isso foi feito,

caracterizando a primeira grande mudança estrutural dos anos 90. Vários

estudos trataram dessa questão e não será feita uma releitura dos

mesmos (Coutinho; Ferraz, 1994; Franco, 1995). Interessa reter-se aqui

que a economia brasileira buscava novos fundamentos para sua evolução,

cujo primeiro passo havia sido dado.

O episódio do impeachment de Collor e a posse de Itamar Franco,

em 1992, evidenciaram a imperiosidade em reverter-se, e rapidamente, o

caótico cenário de instabilidade inflacionária, que carregava consigo a

ameaça de hiperinflação e a perda total da governabilidade do País.

Começou-se a gestar aí um novo desenho de estabilização econômica: um

outro plano, mas sem congelamento de preços, sem choques, sem

surpresas, sem bloqueio de liquidez, com regras claras de desindexação e

alguma garantia de que a população não seria surpreendida com

congelamento de preços, como acontecera em planos anteriores. Além

disso, implícita nesse novo plano estava a preocupação central com o

ajuste fiscal e com o papel do Governo como gerenciador da política

econômica. Tais elementos constituíram a base do Plano Real,

implementado em julho de 1994.

Originou-se daí a segunda mutação estrutural nos alicerces da

economia brasileira dos anos 90, que, simultaneamente, operou duas

outras mudanças institucionais de grande profundidade. De um lado,

mudou o regime monetário, introduzindo uma nova moeda, com paridade

cambial equivalente ao dólar, e, de outro, mudou a forma de ação do

Estado, que passou a perseguir ajuste fiscal, metas de superávit fiscal,

controle monetário e compromisso orçamentário. Desfazia-se o Estado

empresário da substituição de importações, e incorporavam-se novos

elementos compatíveis com um maior rigor fiscal.

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Como se viu, mudança não significa ―melhora‖, mas evolução,

mutação, o que implica afirmar-se que o novo desenho institucional do

Estado passou a compatibilizar-se com o ideário da globalização. Como

salientado por Perez, a nova função do Estado, introduzida com o Plano

Real, passou a sintonizar-se com o denominado ―Consenso de

Washington‖, seguindo os princípios, ditos neoliberais, de Estado mínimo,

privatizações, superávit fiscal e renúncia a atividades produtivas (ou

empresariais). Com o ambiente de estabilização e sem inflação, tais

funções passaram a ser exigidas, já que o financiamento do déficit via

inflação, como ocorrera na década de 80, não mais seria possível. O papel

do Estado redefiniu-se, e as metas de superávit fiscal passaram a

desempenhar papel proeminente, embora o endividamento financeiro do

mesmo continuasse elevado.

No Rio Grande do Sul, a visualização mais clara desse novo papel do

Estado foi percebida durante o Governo Britto, que coincidiu com o

primeiro mandato de FHC.

O desenho institucional do País e do Estado, nesse período, passou a

orientar-se por uma adesão explícita ao modelo vigente nos países

desenvolvidos, orientados pelo que se convencionou chamar de Consenso

de Washington. Ideias liberalizantes, controle da ação estatal,

flexibilização dos mercados e privatizações passaram a ser a tônica da

gestão pública, revelando uma total fragmentação do ―velho‖ estado

desenvolvimentista, sem se apropriar de um novo papel, a não ser uma

oposição aos princípios até então dominantes.

Tal falta de rumo foi acompanhada por um brutal crescimento da

dívida pública, herança do regime inflacionário, sem a constituição de

maior rigor fiscal, que tornou a administração pública extremamente

difícil. Tal processo se deu na órbita tanto federal quanto estadual. No

âmbito federal, a perseguição de uma maior carga fiscal, via contração

fiscal (que, nos manuais de macroeconomia, é traduzido como aumento

de tributos e contração dos gastos públicos), teve dois efeitos. De um

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lado, os esforços da União para debelar o processo inflacionário (via maior

rigor fiscal e monetário) expunham à população a firme intenção de criar

um ambiente de estabilização, fomentando expectativas nesse sentido, e,

de outro, induzia uma mudança de mentalidade, através da tentativa de

zerar a memória inflacionária. Entretanto, mesmo com aumento da carga

tributária, a ação estatal não conseguia ―fazer caixa‖, gerando uma

situação de deterioração financeira, que, apesar das tentativas de

governos posteriores, persiste até os dias de hoje.

Todo esse quadro revela que o custo da estabilização, que se

consolidava ao longo da década, do ponto de vista da gestão estatal,

principalmente nos estados regionais, foi extremamente difícil, implicando

perda de controle sobre os gastos, o que, por sua vez, gerou aumento da

dívida pública dos estados, oriunda da escassez de fontes de

financiamento em um regime sem inflação. Por conta desse processo,

reduziu-se sobremaneira a ação estatal, delegando à administração

governamental pouca (ou nenhuma) autonomia em relação à decisão de

expandir ou estimular a capacidade produtiva, frente à incapacidade de

investimento.

Esse processo, porém, cunhou uma nova realidade de administração

pública: criou a consciência e a premência de controle dos gastos, a

necessidade de metas de receitas e despesas (para que esta última

coubesse na primeira), a busca de maior equilíbrio fiscal, e, naturalmente,

o encolhimento da capacidade de ação estatal, no sentido de gerar

investimentos produtivos. O Estado, no âmbito tanto nacional quanto

regional, deixou de ser ―empresário‖ para se constituir em gerente,

parceiro e gestor. Essa mudança institucional foi fundamental para o

desenho da nova forma de ação estatal, que se tornou mais clara na

década seguinte.

2.4.1 A incapacidade de crescer: um ambiente em mutação

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A persistência do quadro referido acima, pautado pelas dificuldades

oriundas das diretrizes da estabilização, trouxe consigo a ―convenção‖ de

que sem ―arrumar a casa‖, ou, em linguagem corrente na época, construir

―bons fundamentos macroeconômicos‖, dificilmente poderia ser trilhada

qualquer trajetória de crescimento mais consistente. Por essa razão, a

economia brasileira e a gaúcha não conseguiam obter saltos expressivos

em termos de taxa de crescimento do produto.

A reversão das expectativas inflacionárias, que se foi consolidando

com o Plano Real, realizou-se mediante um desenho de política econômica

centrado no tripé metas de inflação, superávit fiscal e juros altos. Tal

opção, além de não deixar muito espaço para que novas trajetórias de

crescimento econômico pudessem ser trilhadas, reforçou o alinhamento da

política econômica nacional — e, por derivação, o ambiente regional da

economia gaúcha — às regras vigentes no ambiente econômico

internacional, orientado pelos princípios do Consenso de Washington.

Contraditoriamente, o cenário econômico externo experimentou, ao longo

dos anos 90, um surpreendente — mas não sustentável — clima de

prosperidade e de crescimento econômico (aparentemente)

autossustentado, amparado pela forte financeirização e pela expansão dos

mercados asiáticos.

A economia brasileira, ao contrário, amargou uma situação de

baixas taxas de crescimento doméstico, pesada carga tributária, rígido

controle da demanda agregada e forte fluxo financeiro externo,

sintonizado com os altos juros praticados internamente. Como resultado,

elevaram-se a dívida pública interna e os desequilíbrios fiscais,

inviabilizando estratégias governamentais mais ousadas, principalmente

no sentido de vincular as decisões de investimento às atividades

geradoras de inovação em P&D. Dessa forma, deixou-se de estimular um

padrão de organização industrial mais sintonizado com os avanços do

novo paradigma tecnológico da informação, inviabilizando um ambiente

mais propício a sinergias e janelas de oportunidade nesse sentido.

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De fato, o País cresceu pouco, mas as mudanças institucionais foram

significativas. Vivia-se o novo, sem o conhecimento prévio do que, de

fato, este se constituiria. E negava-se o velho, com a certeza de que

jamais voltaria a predominar. Tal foi o quadro da mutação dos anos 90

que deixou um legado fundamental para o primeiro decênio do século XXI.

As reformas econômicas operaram de forma agressiva, não obstante os

avanços sociais não terem ocorrido de forma expressiva. Porém o terreno

para que tais avanços se consumassem estava virtualmente construído.

Caberia aos futuros governantes abrir janelas de oportunidade nesse

sentido. O palco histórico dos anos 2000 revelaria ou sepultaria tais

possibilidades.

2.5 Os anos 2000 e a década do “reordenamento obediente”

A economia brasileira ingressou no século XXI instigada por dois

momentos que, literalmente, puseram em xeque os alicerces

macroeconômicos, construídos a partir dos primeiros desdobramentos do

Plano Real. O primeiro momento ocorreu em janeiro de 1999, quando do

início do segundo mandato de FHC, que explicitou a crise cambial de

1999. Na época, temia-se que a mesma abalaria os alicerces da

estabilização nacional. A reação de então, respondida pela adoção da

política de maior flexibilização cambial, superando o mecanismo de

paridade fixa (com bandas cambiais), foi capaz de contornar os efeitos

nefastos do obstáculo externo e inspirou o desenho de uma nova política

macroeconômica, que, em linhas gerais, persiste até os dias de hoje. Ao

invés da âncora cambial como mecanismo de estabilização dos preços

domésticos, que fora inaugurada com o Plano Real, passou-se a adotar o

regime de metas inflacionárias, que combinava uma maior flexibilidade da

taxa de câmbio, a fixação de um alvo de inflação com patamares fixos de

variação para mais ou para menos e uma rígida e obstinada política de

geração de superávits fiscais.

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Os resultados dessa política logo se fizeram sentir, apesar das

profundas críticas de economistas heterodoxos de formação

desenvolvimentista. Para eles, estariam privilegiando-se metas de

estabilização, ao invés de se estimularem políticas de crescimento. Apesar

do aumento da carga fiscal, a política cambial produziu efeitos positivos

sobre a balança comercial, e o temor da volta da inflação desvaneceu-se.

Reconhecendo a procedência da crítica heterodoxa, o País pagou o preço

da estabilização, sacrificando expressivos passos rumo à constituição de

um ambiente para o crescimento. Entretanto esse processo trouxe uma

importante lição para os tempos futuros. A construção de uma plataforma

consistente para o processo de crescimento econômico não poderia ser

feita sem a vigência de um maduro (leia-se estável e duradouro)

ambiente de estabilização econômica. E a opção de política econômica

adotada consolidou esse processo. Essa foi a quarta lição herdada do

duro período de ajustamento estrutural: a estabilização dos preços é um

processo lento, penoso, e que não necessariamente (leia-se

automaticamente) conduz ao crescimento econômico, mas, por definição,

é uma condição necessária para tal desiderato. A adoção do novo desenho

da política econômica foi consolidando um novo ambiente

macroeconômico e fiscal, que vem persistindo e que explicitou um novo

compromisso com a gestão pública: metas de geração de sistemáticos

déficits orçamentários passaram a ser banidas em ambientes de

estabilização9.

O segundo momento que balançou os alicerces da estabilização

construída através do Plano Real ocorreu em dezembro de 2002. A eleição

9 Em defesa de Keynes, se é que hoje o referido autor precise dela, saliente-se que tais práticas também explicitaram o equívoco do nexo causal entre políticas de inspiração keynesiana com práticas fiscais gastadoras ou irresponsáveis, herança de uma má formação teórica de economistas obstinadamente antikeynesianos. Reitere-se, mais uma vez, que um Estado keynesiano moderno não é incompatível com a perseguição de

superávits fiscais. A circunstância e a inserção da política econômica nortearão as decisões governamentais, que não podem prescindir do seu legado. Em outros termos: ser keynesiano não implica ser favorável à geração sistemática de déficits públicos e irresponsabilidade fiscal.

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presidencial de Lula criou expectativas de que um suposto (e

conceitualmente ―falso‖) desenvolvimentismo superaria a equivocada

dicotomia ―estabilização versus crescimento‖, fazendo crer, aos mais

inadvertidos, que o novo Presidente mudaria drasticamente (e até

ingenuamente) os rumos da economia brasileira e, por consequência, os

próprios fundamentos da estabilização.

No imediato pós-eleição, os índices de preços dispararam, sugerindo

que a inflação rapidamente se (re)instauraria. Obviamente, se tal

infortúnio ocorresse e se a suposta mudança de rumo se consumasse, o

caminho para a ingovernabilidade estaria aberto, e o retorno ao ambiente

de descrédito na política econômica (tão comum e reiterado na década de

80) voltaria à cena.

Passada a turbulência inicial, oriunda da frustração de expectativas

inflacionárias crescentes — e por conta de uma drástica mudança de rumo

que não ocorreu —, o País passou a colher frutos de uma inserção externa

mais competitiva, de uma recuperação expressiva do mercado interno e

de um novo desenho para o crescimento econômico, que contemplava

maior dinamismo das exportações e um crescimento doméstico puxado

pelo consumo das famílias. Tal quadro foi abalado seriamente quando da

eclosão da crise financeira, oriunda da subprime norte-americana, de

setembro de 2008, que parece ter sido, atualmente, superada, pelo

menos em escala nacional.

O que ficou desse processo? Apesar das mudanças percebidas no

âmbito das firmas, que operam no ambiente econômico nacional, e das

mudanças institucionais, que caminharam no sentido de conferir uma

maior maturidade econômica ao País, essas transformações, não

perceptíveis pelo simples exame dos principais agregados

macroeconômicos, sugerem a consistência das mudanças em curso. O

exame dos principais agregados revela uma perceptível melhora no

desempenho econômico nacional, tanto em termos internos quanto no

front externo (ver principais séries: PIB, dívida pública, exportações,

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superávit comercial, metas fiscais, produção agrícola e industrial, mercado

de trabalho, desemprego, etc.). É a esse resultado que se chama de

―reordenamento obediente‖, uma vez que a conformação produtiva

nacional e regional passou a sintonizar-se mais com as mudanças

ocorridas no ambiente externo (ditadas pelo paradigma tecnológico da

informação), cuja busca por ganhos de competitividade e produtividade

nesse âmbito, aliada a um projeto macroeconômico desenhado a partir do

Plano Real, gerou um comportamento doméstico de aceitação dessas

regras e estratégias de adaptação ao referido padrão tecnológico. A

disciplina macroeconômica passou a ser perseguida e obedecida pela

política econômica vigente.

Chama-se, portanto, de ―reordenamento‖ não apenas a adesão às

regras de política macroeconômicas estabelecidas, sem miragens, nem

milagres, mas também às sucessivas tentativas de inserção na ordem

tecnológica vigente, e de ―obediente‖, na medida em que a busca de

aprofundamentos dentro da mesma vai criando, ao longo do tempo,

janelas de oportunidade, que se entreabrem recursivamente dentro desse

(novo) ambiente. Em outros termos, o País vem buscando, e de forma

mais visível nesse início de século, o estabelecimento de condições que

permitam alcançar substanciais melhoras nos níveis de ―expectativas,

governança, credibilidade, padrões de competitividade, etc.‖. Em suma,

busca-se avançar nos conceitos propostos no início deste texto. E o RS

deve estabelecer estratégias capazes de tirar proveito dessas condições.

A lição que se extrai desse processo é que a aposta na

―continuidade‖ do processo de ajustamento estrutural produzido pelo

Plano Real revelou não só a maturidade da economia brasileira em

conviver com um novo regime de preços, mas de adequar-se a uma nova

realidade mundial, onde a busca por competitividade, por novos

mercados, por novos processos de trabalho e por novas tecnologias é não

somente irreversível, como também deve constituir-se em meta micro e

macroeconômica. E tal busca, ao contrário do que possam supor,

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equivocadamente, alguns estudiosos avessos à compreensão do processo

de avanço tecnológico, não pode impedir avanços sociais. Dito de outra

forma, a melhoria de indicadores sociais — que, por herança histórica,

têm sido dos mais baixos do mundo — deve ser buscada e alcançada

tendo por suposto o cenário econômico construído a partir desse novo

desenho estrutural, recém-montado no País, cuja abertura externa e o

Plano Real foram dois importantes desencadeadores e artífices. Os dois

novos fundamentos institucionais daí decorrentes — a saber, a moeda e o

novo padrão de concorrência entre as empresas — são elementos que

vieram para ficar no novo desenho institucional, que vem orientando o

País. O mesmo se diz do papel do Estado nessa ―nova economia‖.

Entretanto, apesar de alguns avanços, percebe-se que a capacitação

tecnológica interna para as novas janelas de oportunidade, abertas pelo

novo paradigma tecnológico em formação, ainda são tímidas. Assim, é

importante que se estabeleçam, internamente, novos vínculos com a

capacitação tecnológica e com a montagem de um efetivo sistema

nacional de inovação. Tal sistema deverá, por definição, articular firmas,

Estado e universidades, para gerar o estabelecimento de uma plataforma

para o crescimento econômico e para o desenvolvimento tecnológico. Só

assim a enorme dívida social, que continua assolando o País, poderá ser

equacionada.

Entende-se que a superação da fase de ―reordenamento obediente‖

da última década deverá ser orientada por uma política mais agressiva de

P&D, sintonizada com os avanços tecnológicos do paradigma em gestação.

Maiores gastos em pesquisa, educação e capacitação profissional serão

elementos decisivos para a construção de um novo modelo de crescimento

autossustentado, distributivo e com maior qualificação tecnológica e

social. O primeiro passo no sentido da construção de instituições capazes

de assegurar essa nova etapa parece que vem sendo dado, na medida em

que a economia brasileira vem respondendo positivamente, mas ainda de

maneira tímida, aos desafios desse novo ambiente.

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Em termos de Rio Grande do Sul, o cenário é o mesmo. Apesar de

uma dimensão regional que contém suas especificidades, o desafio é

idêntico ao enfrentado em termos nacionais. O peso do agronegócio na

estrutura produtiva local sugere vantagens ainda maiores de uma inserção

competitiva, tecnológica e inovadora, se confrontadas com a capacidade

nacional de inserção no novo paradigma tecnológico das nanotecnologias

e biotecnologia, em fase de gestação. Caberá aos agentes locais tirar

proveito dessas oportunidades, caso contrário o que se terá será

localmente um ambiente involuído. E isso contraria a tradição histórica da

economia gaúcha.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exame das transformações ocorridas ao longo das três últimas

décadas, na economia gaúcha, explicitou que todas as suas formas

institucionais de estrutura sofreram mutações. A moeda mudou seu papel,

o padrão de concorrência foi drasticamente reconcebido (até por conta da

estabilização econômica), o papel do Estado sofreu um profundo

redesenho, as relações salariais foram tornando-se mais flexíveis, a

precarização do mercado de trabalho aumentou, e, por fim, o padrão de

inserção externa também se transformou, havendo, hoje, uma

participação mais efetiva, ainda que relativamente baixa.

A economia, do ponto de vista produtivo, teve que se reorganizar,

de forma a se adaptar aos desafios dos tempos modernos. E, nesse

sentido, a noção de paradigma tecnoeconômico parece ser uma

interessante trilha teórica a ser perseguida, de forma a compreender-se o

sentido em que as mudanças estão operando. Por essa razão, os termos

incluídos no título deste artigo não são meros artifícios de retórica, mas

símbolos ou ícones de duas eras sobrepostas, cuja dominância da última

é, por demais, eloquente.

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O que fica de concreto de toda essa discussão é que a velha herança

do passado não mais consegue gerar progresso econômico sem que haja,

de fato, a incorporação das mudanças estruturais (aqui entendidas como

mudanças simultaneamente tecnológicas e institucionais) dentro do

ambiente interno das firmas e do processo de trabalho. E tais mudanças

operam de forma visivelmente vinculada ao paradigma tecnológico

dominante, que tem, na tecnologia da informação, seu traço mais

perceptível. Caberá tirarem-se vantagens da inserção nesse ambiente,

pois, caso contrário, só restará a lembrança de um tempo que já se foi. Só

restará a lembrança da querência!

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Quadro 1 Cinco revoluções tecnológicas em 230 anos: principais indústrias, infraestruturas e diferentes

paradigmas tecnoeconômicos

REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

NOVAS TECNOLOGIAS E

NOVAS OU REDEFINIDAS INDÚSTRIAS

NOVA OU REDEFINIDA

INFRAESTRUTURA

PARADIGMA TECNOECONÔMICO:

“SENSO COMUM” DOS PRINCÍPIOS DE INOVAÇÃO

Primeira: 1771 Revolução Industrial. Na Inglaterra.

- indústria mecanizada do algodão;

- ferro forjado; - maquinaria.

- canais e hidrovias;

- estradas com barreiras (pedágios);

- força da água (melhoramento dos moinhos).

- produção fabril; - mecanização; - produtividade/economia e

poupança de tempo; - fluidez de movimento

(para máquinas a vapor e transporte por canais e hidrovias);

- redes locais.

Segunda: 1829 Era do vapor e das ferrovias. Da Inglaterra para o continente europeu e os EUA.

- máquina a vapor (feita de ferro, abastecida por carvão);

- ferro e mineração de carvão (agora com papel central no crescimento);

- construção de ferrovias;

- produção movida por estoque;

- motor a vapor em muitas indústrias (incluindo a têxtil).

- estrada de ferro (máquina a vapor);

- serviço postal universal;

- telégrafo (ao longo das ferrovias nacionais);

- grandes portos, grandes estações ferroviárias, e navegação em escala mundial;

- cidades abastecidas com gás.

- economias de aglomeração/cidades industriais/mercados nacionais/poderosos centros com redes nacionais;

- escala como progresso; - partes standard/máquinas

produtoras de máquinas; - energia onde necessária

(vapor); - movimentos

interdependentes (de máquinas e de meios de transporte).

Terceira: 1875 Era do aço, da eletricidade e da engenharia pesada. Nos EUA e na Alemanha, ultrapassando a Inglaterra.

- aço barato (especialmente o Bessemer);

- pleno desenvolvimento do motor a vapor para a indústria naval (aço);

- química pesada e engenharia civil;

- equipamento elétrico industrial;

- cabos elétricos; - alimentos

enlatados e engarrafados;

- papel e embalagens.

- navegação mundial em rápidos navios de aço (uso do Canal de Suez);

- estradas de ferro por todo o mundo (com aço barato em trilhos tamanho standard);

- grandes pontes e túneis;

- telégrafo por todo o mundo (nacionalmente);

- redes elétricas (para iluminação e uso industrial).

- estruturas gigantescas (aço);

- economias de escala da planta/integração vertical;

- energia distribuída pela indústria (eletricidade);

- ciência como força produtiva;

- cadeias mundiais e impérios (incluindo carteis);

- padronização universal; - contabilização de custo

para controle e eficiência; - poder de mercado

mundial em grande escala (pequeno é bem-sucedido, se local).

(continua)

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Quadro 1 Cinco revoluções tecnológicas em 230 anos: principais indústrias, infraestruturas e diferentes

paradigmas tecnoeconômicos

REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

NOVAS TECNOLOGIAS E

NOVAS OU REDEFINIDAS INDÚSTRIAS

NOVA OU REDEFINIDA

INFRAESTRUTURA

PARADIGMA TECNOECONÔMICO:

“SENSO COMUM” DOS PRINCÍPIOS DE INOVAÇÃO

Quarta: 1908 Era do petróleo, do automóvel e da produção em massa. Nos EUA, espalhando-se para a Europa.

- automóveis produzidos em massa;

- petróleo barato e combustíveis de petróleo;

- petroquímica (sintética);

- motores de combustão interna em automóveis, meios de transporte, tratores, aviões, tanques de guerra e eletricidade;

- eletricidade nas residências;

- rádio e televisão; - refrigeradores e

alimentos congelados.

- redes de rodovias, estradas, portos e aeroportos;

- redes de oleodutos;

- eletricidade universal (indústria e residências);

- telecomunicação (telefone, telex e telegrama) analógica por todo o mundo por fio e sem fio;

- redes nacionais de difusão.

- produção em massa/mercados de massa;

- economias de escala (volume do produto e do mercado)/integração horizontal;

- padronização dos produtos;

- energia intensiva (baseada no petróleo);

- materiais sintéticos; - especialização

funcional/pirâmides hierárquicas;

- centralização/centros metropolitanos suburbanizados;

- poderes nacionais, acordos mundiais e confrontação.

Quinta: 1971 Era da informação e das telecomunicações (ICT). Nos EUA, espalhando-se para a Europa e a Ásia.

Revolução da informação: - microeletrônica

barata; - computadores,

software; - telecomunicações; - instrumentos de

controle; - computador-

adicionado à biotecnologia e novos materiais.

- telecomunicação mundial digital (cabo, fibra ótica, rádio e satélite);

- internet/correio eletrônico e outros serviços;

- múltiplas fontes, uso flexível, redes elétricas;

- meios de transporte físico de alta velocidade (por terra, mar e água);

- rede global com “poucos atores”.

- informação intensiva (baseada na ICT);

- integração descentralizada/estruturas de rede;

- conhecimento como capital/valor adicionado intangível;

- heterogeneidade, diversidade, adaptabilidade;

- segmentação dos mercados/proliferação de nichos;

- economias de escopo e especialização combinada com a escala;

- globalização/interação entre o global e o local e cooperação externa/clusters;

- contato e ação instantânea/comunicações globais instantâneas.

FONTE: PEREZ, Carlota. Technological Revolutions and Financial Capital: The Dynamics of Bubbles and Golden Ages. Cheltenham: Elgar, 2002. p. 14 e 18. NOTA: ICT é igual a information and telecommunication technologies.

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Quadro 2

Dados sintetizados das economias brasileira e gaúcha — 1980-08

VARIÁVEIS 1980-89 1990-99 2000-08

Taxas de crescimento do PIB no Brasil (% médio ao ano) (1)

1,7 2,4 3,6

Taxas de crescimento do PIB no RS (% médio ao ano) (2)

1,0 2,7 2,6

Taxas anuais médias de inflação (IGP-DI)

340,6 209,5 9,8

Dívida total do setor público líquida/PIB (médias anuais)

80,72 59,83 49,82

Superávit comercial (exportações menos importações) (US$ bilhões) (3)

9,956 2,530 28,768

Coeficiente de abertura (%) (4) 9,83 7,43 12,57

Participações médias do PIB RS no PIB do Brasil (%)

8,04 7,59 6,95

Estratégias empresariais Memória inflacionária (indexação)

Defensiva (frente à inflação e à

abertura externa)

Adaptada (à ordem

macroeconômica)

Paradigma dominante Produção em massa

Tecnologia da informação (TI)

TI mais ensaios em biotecnologia

FONTE: Fundação de Economia e Estatística/Centro de Informações Estatísticas/Núcleo de Contas Regionais. (1) Média no período 2,5% a.a. (2) Média no período 2,1% a.a. (3) Médias anuais. (4) Exportações médias/PIB a.a.