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Para entender 1964 – Paulo Timm (org) INTRODUÇÃO 1964 – Há quase cinquenta anos, neste dia.. – Paulo Timm – Publicado em 31 março de 2011. O dia 31 de março de 1964 alongou-se em apreensões, durante alguns dias, quando as tropas do General Mourão Filho saíram de Minas Gerais, em direção ao Rio, para derrubar o Presidente João Goulart. Ele proclamava: MANIFESTO DO GENERAL OLYMPIO MOURÃO, DEFLAGRADOR DO GOLPE MILITAR, EM 31 DE MARÇO DE 1964 À Nação e às Forças Armadas: Faz mais de dois anos que os inimigos da Ordem e da Democracia, escudados na impunidade que lhes assegura o Senhor Chefe do Poder Executivo, vêm desrespeitando as instituições, enxovalhando as Forças Armadas, diluindo nas autoridades públicas o respeito que lhes é devido em qualquer nação civilizada, e, ainda, lançando o povo em áspero e terrível clima de medo e desespero. Organizações espúrias de sindicalismo político, manobradas por inimigos do Brasil, confessadamente comunistas, tanto mais audaciosos quanto estimulados pelo Senhor Presidente da República, procuram infundir em todos os espíritos a certeza de que falam em nome de um Estado estrangeiro, a cujos interesses imperialistas estão servindo em criminosa atividade subversiva, para traírem a Pátria Brasileira, tão generosa e cavalheiresca. E o atual governo, a cujos projetos que negam a soberania do Brasil vêm servindo essas organizações, dá-lhes até mesmo a faculdade de nomear e demitir ministros, generais e altos funcionários, objetivando, assim, por conhecido processo, a desfazer as instituições democráticas e instituir, aberrantemente, o totalitarismo que nega a Federação, a República, a Ordem Jurídica e até mesmo o progresso social. Tentaram revoltar o disciplinado e patriótico “Círculo de Sargentos”, e, recentemente,

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Para entender 1964 – Paulo Timm (org)

INTRODUÇÃO

1964 – Há quase cinquenta anos, neste dia.. – Paulo Timm – Publicado em 31 março de 2011.

O dia 31 de março de 1964 alongou-se em apreensões, durante alguns dias, quando as tropas do General Mourão Filho saíram de Minas Gerais, em direção ao Rio, para derrubar o Presidente João Goulart. Ele proclamava:

MANIFESTO DO GENERAL OLYMPIO MOURÃO, DEFLAGRADOR DO GOLPE MILITAR, EM 31 DE MARÇO DE 1964

À Nação e às Forças Armadas:

Faz mais de dois anos que os inimigos da Ordem e da Democracia, escudados na impunidade que lhes assegura o Senhor Chefe do Poder Executivo, vêm desrespeitando as instituições, enxovalhando as Forças Armadas, diluindo nas autoridades públicas o respeito que lhes é devido em qualquer nação civilizada, e, ainda, lançando o povo em

áspero e terrível clima de medo e desespero.

Organizações espúrias de sindicalismo político, manobradas por inimigos do Brasil, confessadamente comunistas, tanto mais audaciosos quanto estimulados pelo Senhor Presidente da República, procuram infundir em todos os espíritos a certeza de que

falam em nome de um Estado estrangeiro, a cujos interesses imperialistas estão servindo em criminosa atividade subversiva, para traírem a Pátria Brasileira, tão

generosa e cavalheiresca.

E o atual governo, a cujos projetos que negam a soberania do Brasil vêm servindo essas organizações, dá-lhes até mesmo a faculdade de nomear e demitir ministros,

generais e altos funcionários, objetivando, assim, por conhecido processo, a desfazer as instituições democráticas e instituir, aberrantemente, o totalitarismo que nega a

Federação, a República, a Ordem Jurídica e até mesmo o progresso social.

Tentaram revoltar o disciplinado e patriótico “Círculo de Sargentos”, e, recentemente,

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essas organizações e esse governo tudo fizeram para desmoralizar e humilhar a Marinha de Guerra do Brasil, na mais debochada e despudorada ofensa à sua

disciplina e hierarquia, que nela devem predominar.

O povo, governos Estaduais e Forças Armadas, animados de fervoroso sentimento patriótico, repelem esse processo caprichosamente executado pelo Senhor Presidente

da República, o qual, divorciado dos preceitos constitucionais, negando solene juramento, pretende transformar o Brasil, de Nação soberana que é, a um ajuntamento

de sub-homens, que se submetem a seus planos ditatoriais.

Na certeza de que o Chefe do governo está a executar uma das etapas do processo de aniquilamento das liberdades cívicas, as Forças Armadas, e, em nome delas, o seu mais

humilde soldado, o que subscreve este manifesto, não podem silenciar, diante de tal crime, sob pena de com ele se tornarem coniventes.

Eis o motivo pelo qual conclamamos todos os brasileiros e militares esclarecidos para que, unidos conosco, venham ajudar-nos a restaurar, no Brasil, o domínio da

Constituição e o predomínio da boa-fé no seu cumprimento.

O Senhor Presidente da República, que ostensivamente se nega a cumprir seus deveres constitucionais, tornando-se, ele mesmo, chefe de governo comunista, não merece ser havido como guardião da Lei Magna, e, portanto, há de ser afastado do Poder de que

abusa, para, de acordo com a Lei, operar-se a sua sucessão, mantida a Ordem Jurídica.

Juiz de Fora, 31 de março de 1964.

Assinado por mim Olympio Mourão Filho, General-de-Divisão, Comandante da 4a

Região Militar a da 4a Divisão de Infantaria.

Fonte: MOURÃO, Laurita. Mourão: o general do pijama vermelho. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002

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Hoje se sabe que o Golpe foi apenas um dos tristes episódios da Guerra Fria, que

opunha União Soviética de um lado – comunista – e Estados Unidos – capitalista-, de

outro, levando este último a inúmeras e condenáveis intervenções na América Latina

na sua suposta “defesa”. Mas naqueles dias de 64 ninguém sabia o que poderia ocorrer.

Resistência, tal como ocorrera em agosto de 1961, quando Leonel Brizola, Governador

do Rio Grande, se opôs à tentativa de golpe com idênticas intenções com a “Luta pela

Legalidade”? Adesão dos Governadores dos Estados com grande peso político como

São Paulo – Ademar de Barros – e Guanabara (RJ), onde pontificava o vociferante

Carlos Lacerda e consagração do golpe? Guerra Civil, alimentada por facções

militares...? Distúrbios e instabilidade política...?

Poucos dias depois a expectativa assustava-se diante do inevitável: O golpe prosperara,

quase sem resistências, embora com episódios de extrema violência, no próprio âmbito

das forças armadas, como o que vitimou o Comandante da 5ª Zona Aérea, em Canoas,

Cel. Alfeu de Alcântara Machado, pai de uma velha amiga – Malena- , quem luta até

hoje pela sua memória, junto com outros amigos do referido coronel:

“Em 4 de abril de 1964, o então tenente-coronel da Aeronáutica Alfeu de Alcântara Monteiro, comandante da Base Aérea de Canoas, Rio Grande do Sul, foi morto a tiros por outros militares, dentro de seu próprio gabinete, por recusar-se a apoiar o golpe militar que derrubara o então presidente da República João Goulart em 31 de março. Há uma versão, adotada pelo livro "Tortura Nunca Mais", de que ele foi morto com 16 tiros de metralhadora, pelas costas. A versão defendida por ex-militares que apoiaram

a ditadura é de que ele foi morto com um único tiro, após ter ferido com dois tiros o major-brigadeiro que fora à base assumir seu comando, em nome dos golpistas.

Agora, um ex-colega de colégio e amigo do militar assassinado, o fotógrafo aposentado Hindemburgo Almeida Flores, 85 anos, lidera praticamente sozinho uma campanha para que o coronel Alfeu seja reconhecido como Herói da Pátria. Ele passou dias na

Câmara dos Deputados, onde instalou cartazes com a história do primeiro assassinato político cometido pelos militares de 64, pedindo que a Câmara e o presidente Lula

revejam o processo do ex-oficial morto por defender o Estado de Direito em 64. A Comissão de Direitos Humanos se interessou pela história de Hindemburgo Almeida

Flores e agora quer incluir o caso do coronel Alfeu em um trabalho mais amplo, de resgatar a história dos militares que resistiram ao golpe de 64, como o militar Sergio

"Macaco", da FAB, que se recusou a jogar presos políticos no mar e também foi punido (faleceu alguns anos atrás).

Há mais de 30 anos, todo mês de abril Hindemburgo manda espalhar na cidade gaúcha de Itaqui, fronteira com a Argentina, onde nasceu Alfeu, faixas, cartazes e distribui

material com informação sobre o que ocorreu com o ex-comandante da 5.ª Zona Aérea em 64.

(http://www.orkut.com/CommMsgs?cmm=11431697&tid=5567882640998687601)

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Foram, aliás, os militares legalistas, os primeiros perseguidos “em massa” pelo novo regime. Até hoje não se sabe ao certo quantos deles foram expulsos – caso dos praças - , expurgados – por atos administrativos e institucionais ou simplesmente punidos por se negarem a cumprir ordens criminosas de seus superiores. Foram muitos e eles abrem a galeria dos patriotas que se negaram a rasgar a Constituição para implantar um regime de força que duraria 21 anos. O "Caso das Mãos Amarradas" é emblemático e foi comentado em artigo no livro "A ditadura envergonhada", de Élio Gaspari:

A morte do torturado por descuido do torturador (

Por Elio Gaspari, jornalista - 09.09.09)

O aparelho policial do governo, que fora eficiente na desarticulação dos planos

insurrecionais de Brizola, tateara a guerrilha, mas não conseguira apanhá-la. No caminho,

praticou o mais escandaloso assassinato do Governo Castello Branco.

Em março de 1966 a polícia gaúcha prendeu o ex-sargento Manoel Raimundo Soares, um

ativo brizolista, subcomandante de um futuro foco guerrilheiro no Rio Grande. Os registros

indicam que estivera na Delegacia de Ordem Política e Social. Fora transferido para o

presídio do rio Guaíba, e repassado a agentes do DOPS no dia 13 de agosto de 1966.

Na manhã do dia 24 seu corpo, com as mãos amarradas, foi achado boiando no rio Jacuí. Um

mês antes de ser assassinado, escrevera uma carta denunciando as torturas por que passara

na 6ª Companhia de Polícia do Exército e no DOPS: "Ouvi dizer no DOPS que eu fui o detido

mais tratado até hoje, dos que por lá passaram. Que mais posso temer? Temor servil, pois,

não tenho. Ainda não foi necessário demonstrar que não temo nem a morte. Talvez, em

breve, isto venha a acontecer. O tempo dirá".

O Caso das Mãos Amarradas, como se tornou conhecido o assassínio do ex-sargento, diferia

de todos os anteriores. Não cabia nas versões habituais de suicídio ou reação violenta à

prisão. Abriram-se simultaneamente uma investigação policial e uma comissão parlamentar

de inquérito na Assembléia Estadual.

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Foram arrolados 21 nomes, que incluíam desde carcereiros até um tenente-coronel. Nos 20

anos seguintes conseguiu-se reconstituir parcialmente o que lhe sucedera.

Retirando-o à noite do DOPS durante uma sessão de tortura, dois policiais levaram-no para o

rio, onde lhe deram caldos, até que o perderam na água. Amarrado, Manoel Raimundo

afogou-se.

Acontecera um dos primeiros casos daquilo que mais tarde se denominaria "acidente de

trabalho", ou seja, a morte do torturado por descuido do torturador.

Nervosos, os dois policiais chegaram a procurar por ele no Instituto Médico Legal quatro dias

antes de as águas devolverem o corpo. Apesar de todas as provas de que o ex-sargento

estava preso e de todas as indicações a respeito do modo como fora assassinado, impôs-se a

tese segundo a qual ele fora libertado e, provavelmente, morto por correligionários.

A versão oficial prevaleceu em todas as instâncias, até o Superior Tribunal Militar. O

aparelho de repressão dera mais uma volta no parafuso que, a cada giro, amparava uma

nova forma de crime sob a regra da impunidade.

------------ (*) O artigo supra é um trecho da livro "A Ditadura Envergonhada" (Companhia das Letras, 2002), primeiro volume da premiada série de livros que o jornalista Elio Gaspari escreveu sobre a construção e o desmanche da ditadura brasileira. Os outros volumes são: "A Ditadura Escancarada" (segundo volume), "A Ditadura Derrotada" (terceiro volume) e "A Ditadura Encurralada" (quarto volume).

No dia 03 de abril , enfim, daqueles idos de 1964, instaurava-se o arbítrio. O Presidente Jango, evitando o confronto de sangue, se retira para o exílio, que só acabaria com sua própria morte- até hoje suspeita- e proclama em Manifesto :

“Brasileiros!

Na capital da República, numa noite em que forças reacionárias desencadearam u mais uma vez o golpe contra as instituições democrática e contra a libertação econômica da pátria, na plenitude de meus poderes constitucionais, que o povo

outorgou, que o povo ratificou, em pronunciamentos memoráveis, reafirmo a minha

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inabalável decisão de defender intransigentemente , numa luta sem tréguas, esse povo, mesmo contra as arremetidas da prepotência da pressão do poder econômico.

Sei que o povo não ignora o verdadeiro significado das pressões a que meu governo está sendo submetido desde que, para salvaguardar o mais legítimos interesses da

Nação, tive que adotar no plano internacional uma política externa independente e no plano interno medidas inadiáveis de proteção à sua espoliada economia. Arrastei a

fúria insensata e odienta dos impatrióticos interesses contrariados. Não acreditavam que fosse capaz de regulamentar a lei de remessa de lucros. Fui ameaçado e

intimidade. Não cedi e não cederei na sua rigorosa aplicação.

Preguei a reforma agrária quando elas estava vitoriosa na cosciência e no espírito do povo, negaram-me os meios legais para efetivá-la. Apelei para as minhas atribuições

constitucionais. E o decreto da Superintendência de Reforma Agrária – SUPRA - que possibilitou o acesso à terra a todos que dela carecem para sua subsistência, embora

não consubstanciasse uma reforma agrária verdadeira, uma reforma reclamadas pelos princípios cristãos de justiça social, foi lavrada. O que determinou o recrudescimento

de ódios e paixões.

O monopólio da importação do óleo cru, a encampação das refinarias como desdobramento indispensável da nossa política petrolífera, conquista definitiva da

vontade e da consciência soberana do nosso povo, tantas vezes adiadas por governos que me antecederam foram atos que pratiquei com serena coragem na certeza de que

servia ao Brasil, mas certo tam bem de que outra poderosa frente de luta se abril dentro de mi.

Quando meu governo se impunha vitoriosamente na repressão da ganância dos exploradores da economia popular, quando o governo se levantou contra a exploração dos preços da distribuição dos genros de primeira necessidade, quando se levantou em defesa do povo, tabelando os medicamentos, fixando aluguéis, assisti mancomunar-se

novamente contra mim uma ação insidiosa dos que sempre se locupletaram com a miséria do nosso povo..

Quanto à inflação pela qual não se pode responsabilizar o meu governo , que tudo tem feito para debelá-la, procurando inclusive atacar as suas causas estruturais através das

reformas de base, quando essa inflação corroia salários e vencimentos e ampliava a área de miséria entre as famílias da classe média, remuneração do trabalho, enviando

ao Congresso mensagem solicitando escala móvel dê de salários.

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Levantou-se a grita da incompreensão e do egoísmo, do capitalismo intolerante, desumano, anticristão.

Tais medidas e tudo o mais substanciado na política autenticamente popular decorrente da minha fidelidade ao ideário de Vargas e as compromissos do meu passado, em lutas nacionalistas, somaram-se forças políticas e econômicas desavindas entre si, mas que se uniam , entretanto, na impatriótica tentativa de impedir que ao povo brasileiro fosse assegurado melhores padrões de cultura, de segurança econômica, de bem estar social. Exploraram o sentimento religiosos, como se meu governo não fosse daqueles que na

história da República mais se empenharam em cercar de prestígio, de conciliação e de respeito os dignitários do Episcopado da Igreja Católica e dos demais credos

religiosos. Mistificam-se com a supervalorização do perigo comunista, como se não fôssemos uma democracia plantada irremovivelmente no coração de nossa gente.

Estou firme da defesa e ao lado do povo. Do povo em que acredito e em quem deposito a certeza da vitória de nossa causa.

Não recuarei, não me intimidarão. Reagirei aos golpes dos reacionários , contando com a lealdade e a honra das forças militares e com a sustentação das forças populares

do nosso país.”

João Goulart , 03 de abril de 1964

O Golpe de 1964 impressiona por várias razões. A primeira, pela sua duração, até 1985.

Ninguém acreditava que ele sobrevivesse politicamente até o final de 64, tanto entre

seus protagonistas, que esperavam “restaurar a democracia”, como entre os derrotados,

inclusive comunistas. Era voz corrente que a falta de apoio popular, a crise econômica

que se pensava fosse “estrutural” e não apenas conjuntural – mito que só se desfez

muitos anos mais tarde, graças, aliás a um famoso artigo de Maria de Conceição e José

Serra (Mas Allá de la estagnación) que tive a honra de ler em manuscrito no Chile,

alimentavam ilusões sobre a transitoriedade do feito. Guardo na memória apenas uma

advertência: Luiz Treiguer, pai do meu grande e saudoso amigo Cláudio, economista,

disse-nos : “Vai durar 30 anos...! Quase durou, Luiz...! V. tinha razão...Veja-se o

“estado de espírito” que se estava preparando junto à opinião pública:

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Editorial do jornal "O Globo" do Rio de Janeiro, em sua edição de 02 de setembro de 1964.

RESSURGE A DEMOCRACIA

Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.

Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo. Poderemos, desde hoje,

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encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez.

Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. Devemos felicitar-nos porque as Forças Armadas, fiéis ao dispositivo constitucional que as obriga a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, não confundiram a sua relevante missão com a servil obediência ao Chefe de apenas um daqueles poderes, o Executivo. As Forças Armadas, diz o Art. 176 da Carta Magna, "são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República E DENTRO DOS LIMITES DA LEI.

No momento em que o Sr. João Goulart ignorou a hierarquia e desprezou a disciplina de um dos ramos das Forças Armadas, a Marinha de Guerra, saiu dos limites da lei, perdendo, consequentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade, assim como as condições indispensáveis à Chefia da Nação e ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras na reunião realizada no Automóvel Clube, vincularam-no, definitivamente, aos adversários da democracia e da lei. Atendendo aos anseios nacionais, de paz, tranqüilidade e progresso, impossibilitados, nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-os do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal.

Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais. Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo. A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo. Mas, por isto que nacional, na mais ampla acepção da palavra, o movimento vitorioso não pertence a ninguém. É da Pátria, do Povo e do Regime. Não foi contra qualquer reivindicação popular, contra

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qualquer idéia que, enquadrada dentro dos princípios constitucionais, objetive o bem do povo e o progresso do País.

Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos. Confiamos em que o Congresso votará, rapidamente, as medidas reclamadas para que se inicie no Brasil uma época de justiça e harmonia social. Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos e luto. Sejamos dignos de tão grande favor.

Este "estado de espírito" revela o que todo mundo sentia: A grande imprensa apoiava o golpe. Mais recentemente, o insuspeito jornalista Mino Carta, revela o óbvio: Ela queria o golpe e o aplaudiu:

O jornalista Mino Carta afirmou em entrevista ao programa Provocações, da TV

Cultura, que os donos de veículo de comunicação do País apoiaram o golpe militar de

1964. Em conversa com o apresentador Antônio Abujamra, na atração que foi exibida

na noite desta terça-feira (29/3), o criador e diretor de redação da revista Carta

Capital afirmou que a mídia imprensa apoiou o golpe militar de 1964.

“A imprensa nativa no fim de 1963 implorando pelo golpe de 64, que é uma das

grandes desgraças brasileiras. Acho que a maior desgraça é a escravidão, três séculos

de escravidão, mas essa é uma desgraça muito grande. Eles (donos dos veículos de

comunicação) queriam que os ‘milicos’ chegassem e assumissem o poder, em nome

deles”, disse Mino.

Ao ser questionado por Abujamra que, depois de implantada a ditadura militar no

Brasil, a “censura entrou” na imprensa, o diretor da Carta Capital declarou que “todos

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os jornais queriam o golpe e conseguiram”. Mino ainda comentou que o único veiculo

impresso que chegou a ser censurado foi O Estado de S. Paulo, mas de forma “branda”.

“O Estadão passou a sofrer censura, mas uma censura muito branda. Uma censura

que autorizava o Estadão a publicar versos de Camões (…) ou então, as receitas de

bolo no Jornal da Tarde. Os demais jornais não foram censurados”, declarou o

fundador da revista Carta Capital.

Para Mino, dizer que os jornais brasileiros foram censurados durante o período de

ditadura militar “é uma piada, uma mentira. Uma mentira grossa”.

Mas dentre outras impressões, entre elas s o terror de Estado implantado nos “Anos de

Chumbo – 1968-1974” interposto pelo famigerado Ato Institucional nº5, de 13 de

dezembro de 1968, com o velado apoio dos órgãos da grande imprensa e de grandes

empresários, o Golpe de 64 impressiona, principalmente, apesar de seu longo

predomínio na vida nacional, pela inconsistência ideológica e pelo seu hibridismo. Não

“reproduz”...Ao contrário da Revolução de 1930, cujas emanações políticas ele

pretendeu abolir e que prosperam, seja como reconhecimento, seja como herança

política em personagens como Lula. Apesar de seu suposto caráter “liberal”, o regime

de 64 não se impôs como tal , nem na economia, muito menos na política. Roberto

Campos, seu primeiro mentor econômico, criador do IPEA, do BNH e do Estatuto da

Terra, sucumbiu à crise e cedeu lugar a um novo Czar, Delfim Neto, um

intervencionista, hoje conselheiro de Lula-Dilma. O General Castelo Branco, oficial de

escol, quem assumiu a Presidência da República pelo voto indireto de um Congresso

Nacional emasculado, com o intuito de “completar” o mandato de Jango, considerado

vago, cedeu lugar à “cavalaria rusticana” de inteligência formal - mas duvidosa- dos

aparelhos de segurança do Estado. Tanto que o último Presidente, João Figueiredo, fora,

antes, Chefe do temível Serviço Nacional de Informações – SNI, extinto por Fernando

Collor. Assim, o liberalismo econômico de mercado teria que esperar redemocratização

com Collor e mais enfaticamente Fernando Henrique Cardoso, este franco opositor do

regime, para instaurar-se como inspiração governamental. E o liberalismo político...?

Este jamais vingou. Virou maldição. Tanto que o Brasil é o único país moderno no qual

nenhum Partido é “liberal”. Todos são mais ou menos social-democratas, de centro,

centro-esquerda, centro-direita, distantes do ideário clássico do liberalismo. A ARENA,

partido do “sim” à ditadura, mesmo metamorfoseando-se em PDS, Frente Liberal, PP,

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DEM etc não tinha, rigorosamente, nenhuma consistência ideológica, apenas

“interesses”. O regime militar ficou, assim, à deriva da História, defendido apenas por

alguns de seus protagonistas, alguns honrados como Jarbas Passarinho, outros

simplesmente caricaturais, dos quais descende o Deputado Coronel Bolsonaro.

I - E-livros Sexta-Feira, 13 Os últimos dias do governo João Goulart de Abelardo Jurema Clique aqui e faça o download do livro. Quem dará o golpe no Brasil? de Wanderley Guilherme Clique aqui e faça o download do livro. *Agradecimento especial para Abelardo Jurema Filho e Wanderley Guilherme que nos autorizaram a reproduzir as obras "Sexta-feira, 13" e "Quem dará o golpe no Brasil?", respectivamente. Bibliografia BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. A renúncia de Jânio Quadros e a crise pré-64. São Paulo: Brasiliense, 1979. ___________. O caminho da revolução brasileira. Rio de Janeiro: Melso, 1962. BORGES, Mauro. O golpe em Goiás - história de uma grande traição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Coleção Retratos do Brasil, 1965. BRANCO, Carlos Castelo. Os militares no poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, vol. 1, 1976. CAMARGO, Aspásia; GOES, Walder de. Meio século de combate: diálogo com Cordeiro de

Farias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. CONY, Carlos Heitor. O ato e o fato. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. CASTELLO BRANCO, Humberto de Alencar. A Revolução de 31 de março. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,1966. COUTINHO, Lourival. O General Góes depõe. 2ª ed., Rio de Janeiro: Livraria Editora Coelho Branco. D'ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon, & CASTRO, Celso. Visões do golpe:

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política: 1961-1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. GOES, Walder de. O Brasil do General Geisel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. GORENDER, Jacob. O Combate nas trevas. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1998. GUEDES, Carlos Luis. Tinha que ser Minas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1979. MELLO, Jaime Portella. A Revolução e o Governo Costa e Silva. Rio de Janeiro: Editora Guairra Editores. 1979. MOURÃO FILHO, Olympio. Memórias: a verdade de um revolucionário. Rio de Janeiro: L&PM. 1978. OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de et alli. As Forças Armadas no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987. IANNI, Octávio. O colapso do Populismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. JUNIOR, Caio Prado. A Revolução Brasileira. 1ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1966. JUREMA, Abelardo. Sexta-feira 13 - Os últimos dias do governo João Goulart. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1964. REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro - Os comunistas no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. ROMAGNOLI, Luis Henrique & GONÇALVES, Tânia. A Volta da UNE – de Ibiúna a Salvador. São Paulo, SP: Alfa-Ômega, 1979. SALLUM, Brasílio Jr. Labirintos: dos Generais à Nova República. São Paulo: Hucitec. SANFELICE, José Luis. Movimento Estudantil – A UNE na Resistência ao Golpe de 64. São Paulo, SP. Cortez, 1986. SANTOS, Francisco Rua (org). Marechal Castello Branco. Seu pensamento militar: 1946-

1964. Rio de Janeiro: Imprensa do Exército. 1968. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Sessenta e quatro - Anatomia da crise. São Paulo: Vértice, 1986. SCHILLING, Paulo R. Como se coloca a direita no poder. São Paulo: Global. Vol. I: Os Protagonistas. Vol. II: Os Acontecimentos, 1979. SILVA, Hélio. 1964 - Golpe ou Contragolpe?. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Saga, 1969. STARLING, Heloisa Maria Murgel. Os senhores das Gerais - Os novos inconfidentes e o

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ÂNGELO, Ivan. A Festa. 8ª ed., São Paulo: Geração Editorial, 1995. BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Zero. 12ª ed., São Paulo: Global, 2001. CALLADO, Antonio. Quarup. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. ___________. Bar Don Juan. 8ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. CONY, Carlos Heitor. Pessach: a travessia. 3ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1999. CONY, Carlos Heitor; VENTURA, Zuenir; VERÍSSIMO, Luis Fernando. Vozes do Golpe. São Paulo: Companhia das Letras, 2004 ( 4 vol.) GUIMARÃES, Josué. Camilo Mortágua. 7ª ed., Porto Alegre: L&PM, 2000. VERÏSSIMO, Erico. Incidente em Antares. Rio de Janeiro: Globo, 2002. Poesia* MELLO, Thiago de. Faz escuro mas eu canto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. 14ª edição, 1993.

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___________. A canção do amor armado: 7ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, 1993. GULLAR, Ferreira. História de um valente (cordel). (Cordel feito sob encomenda para o Partido Comunista, a fim de ajudar na campanha de libertação de Gregório Bezerra. O livro foi publicado na clandestinidade e Gullar usou o pseudônimo de José Salgueiro, numa referência à sua escola de samba. Na época, foi divulgado que José Salgueiro era um poeta popular, e só muitos anos depois Gullar assumiu a autoria do cordel).

II - Filmografia* A derrota, Mário Fiorani. (1966) Ação entre Amigos, Beto Brant (1998) Alma Corsária, Carlos Reichenbach (1994) Anos Rebeldes, Denis Carvalho (1992) As armas, Astolfo Araújo. (1969). As Meninas, Emiliano Ribeiro (1995) Barra 68 - Sem Perder a Ternura, Vladimir Carvalho (2000) Brasilianas 16 - Anistia no Cinema (1978/79) Cabra Marcado Para Morrer, Eduardo Coutinho (1964-1984) Dois Córregos, Carlos Reichenbach. (1999) Feliz Ano Velho, Robert Gervitz (1988) História do Brasil Vol. VII (1993) Jango, Silvio Tendler (1984) Jânio a 24 Quadros, Luiz Alberto Pereira (1981) Jardim de guerra, Neville d'Almeida. (1968). Kuarup, Ruy Guerra (1988) Lamarca, Sergio Rezende (1994) Leila Diniz (1987) Muda Brasil, Oswaldo Caldeira (1985) O Bandido da Luz Vermelha, Rogério Sganzerla (1968) O bravo guerreiro, Gustavo Dahl. (1968). O Desafio, Paulo Cezar Saraceni (1965) O Evangelho Segundo Teotônio, Vladimir Carvalho (1984) O País dos Tenentes, João Batista de Andrade (1987) O Que É Isso Companheiro?, Bruno Barreto (1997) O Velho, Toni Venturi (1997) Opinião pública, Arnaldo Jabor. (1967). Os Anos JK - Uma Trajetória, Silvio Tendler (1980) Os fuzis, Ruy Guerra. (1965). Pra frente Brasil, Ronaldo Farias. (1981). Que Bom Te Ver Viva, Lúcia Murat (1989) Terra em transe, Glauber Rocha. (1967). Testemunha da História, Boris Casoy (2000). Ulysses Cidadão, Eduardo Escorel (1993) Vida de Artista, Haroldo Marinho Barbosa (1972) *Agradecimento especial à professora Walnice Nogueira Galvão e ao Centro Sérgio Buarque de Holanda pelas indicações aqui apresentadas.

Revista O CRUZEIRO – numero especial – 1964

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III -Dossiê elaborado por Ricardo Bergamini- Editoriais e Artigos

www.ricardobergamini.com.brAos Vitoriosos de 64 - Janer CristaldoA desculpa dos vencedores - Jarbas PassarinhoRéquiem em vez de ação de graçasNacionalismo e esquerdismo nas Forças ArmadasRenato Penteado Teixeira José Batista Pinheiro Wilson Chiareli Ernesto Caruso Claudio Buchholz Ferreira Wilson Chiareli Renato Penteado Teixeira Paulo P. Sampaio Roberto Marinho Editorial do Jornal O Estado de MinasVictor Leonardo da Silva ChavesJosé Antônio Bayma Kerth Editorial do jornal Correio da ManhãEditorial do jornal "O Estado de São PauloEditorial do jornal "O Globo" - Editorial do jornal Correio da ManhãFrancisco Batista Torres de MeloWenscelau Malta - Diálogo Pai x FilhoAirton Alcantara Gomes

Luciano Salgado Campos - 31 de março na AMANWenscelau Malta Wenceslau Malta - Análise do movimento de 1964Wenceslau Malta José Américo Gonçalves BarrosWenceslau Malta - 31 de marçoFrancisco Jander de Oliveira - José Batista Pinheiro - Reflexão sobre o passadoEditorial do Correio da Manhã Editorial do Diário Carioca Editorial - MÁGOAS DE MARÇOEditorial Diário de Notícias

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Dossiê elaborado por Ricardo Editoriais e Artigos

www.ricardobergamini.com.br Janer Cristaldo

Jarbas Passarinho ação de graças - Jarbas Passarinho - 08/12/2002

Nacionalismo e esquerdismo nas Forças Armadas - Félix Maier - 26/10/2003

Editorial do Jornal O Estado de Minas - O dever dos militares Victor Leonardo da Silva Chaves

Editorial do jornal Correio da Manhã - FORA! Editorial do jornal "O Estado de São Paulo - O exército e os desmandos do presidente

Ressurge a democracia do jornal Correio da Manhã - BASTA!

Francisco Batista Torres de Melo - Um pedaço gosto 31 de março de 1964 Diálogo Pai x Filho

31 de março na AMAN

Análise do movimento de 1964

Barros - A revolução que eu vi 31 de março

O cadete e a revolução Reflexão sobre o passado

MÁGOAS DE MARÇO

ito e os desmandos do presidente

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Diogo Chiuso - 1964. Revolução ou Golpe? Editorial do Diário de Notícias Olavo de Carvalho - A vaca louca da história nacional Wenceslau Malta - Aos jovens, aos falseadores da verdade, aos"esquecidos".(I) Editorial do Jornal do Brasil Editorial da Tribuna da Imprensa A.Eduardo G. C. Malcher - O movimento militar e a ditadura Ivan Arantes Junqueira Dantas - Homenagem, em 31 de março de 2001, à "Revolução de 31 de março de 1964" Editorial do O Dia Olavo de Carvalho - Traição sem fim Olavo de Carvalho - Os militares e a memória nacional Olavo de Carvalho - Mentiras que rendem Hélio Ibiapina Lima - Viva o 31 de março de 1964! General Castello Branco - Não somos milícia Olavo de Carvalho - Filhotes do genocídio Jornalista do jornal O Povo - CEARÁ Jarbas Passarinho - Ato institucional Nº 5 - de 13 de dezembro de 1968 Jarbas Passarinho - Os vencidos, agora, querem reduzir o 31 de março de 64 a um mero golpe de estado César Augusto Nicodemus de Souza Themístocles de Castro e Silva - A história falsa Olavo de Carvalho - A nova ordem nacional Olavo de Carvalho - Reparando uma injustiça pessoal Aimar Baptista da Silva - "Operação Urubu" Aimar Baptista da Silva - "Guerra suja? Operação URUBU!" Murilo Melo Filho - O dia em que Jango caiu Olavo de Carvalho - Os novos ditadores Paulo Napoleão Nogueira da Silva - Revanchismo Aimar Baptista da Silva - "Os militares, os vermelhos e os 'reds'"

Raymundo Negrão Torres - O terrorismo no Brasil Raymundo Negrão Torres - As sementes do AI-5 Aimar Baptista da Silva - " 31 de março de 1964: 38 anos " Mário Magalhães - Campanha de Serra está nas mãos de comunista Grupo Anhanguera - A revolução nacionalista Aimar Baptista da Silva - 31 de março de 1964: contribuição ao painel do Clube Militar Félix Maier - A tv Lumumba e o AI-5 Ternuma Regional Brasília - Justiça duvidosa, insjustiça de fato José Apolônio da Fontoura Rodrigues Neto - Até onde os calabares querem chegar? Raymundo Negrão Torres - Sinopse do livro - " 1964 - uma revoluçõa perdida". Aimar Baptista da Silva - Limpeza no calendário Félix Maier - A febiana bete, mentes? Carlos Alberto Brilhante Ustra - Bete Mendes e as seqüelas do seu veneno Raymundo Negrão Torres - Justiça sumária Grupo Anhanguera - Guerra e paz Ternuma Regional Brasília - O convívio dos cantrários Sandro Guidalli - Duas histórias, uma mentira Ernesto Gomes Caruso - Tolerância tem limite Félix Maier - "La Piñara" brasileira Ternuma Regional Brasília - Os estilingues dos "Guerrilheiros Heróicos" do Jabor Sandro Guidalli - A época e o dops Sandro Guidalli - Dossiê Geisel: Censura e Imprensa A Contra-Revolução de 1964 - Huáscar Terra do Vall Projeto História Oral do Exército na Revolução de 1964 - Coronel Adalto Luiz Lupi Barreiros - 11/09/2005 O Castrismo no Brasil (2010) - Josino Moraes (26/08/2010)

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IV - DISCURSO DO JANGO NA CENTRAL E MANIFESTO EM 03 ABRIL 64

O 13 DE MARÇO NA CENTRAL DO BRASIL

Para fazer um pouco de justiça ao grande presidente João Goulart, deposto pelos gorilas e vendidos ao imperialismo.

Os mesmos que hoje continuam a querer entregar o país ao capital estrangeiro, que andam encastelados no tal “mercado” , no Pig e nos “clubes militares”, fábricas de golpismo e atentados contra a democracia.

É bom também para lembrar àqueles que não tem memória histórica.

Corajoso discurso de João Goulart no comício de 13 de março de 1964, na Central do

Brasil, no Rio de Janeiro.

Poucos dias depois, em 1 de abril, os generais – a serviço dos latifundiários e do grande

capital nacional e estrangeiro, com o apoio direto do governo dos EUA e o respaldo da

mídia patronal – deram o golpe e depuseram um presidente eleito democraticamente,

que prometia importantes reformas de base no país:

Devo agradecer em primeiro lugar às organizações promotoras deste comício, ao povo em geral e ao bravo povo carioca em particular, a realização, em praça pública, de tão entusiasta e calorosa manifestação. Agradeço aos sindicatos que mobilizaram os seus associados, dirigindo minha saudação a todos os brasileiros que, neste instante, mobilizados nos mais longínquos recantos deste país, me ouvem pela televisão e pelo rádio.

Dirijo-me a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país.

Presidente de 80 milhões de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os nossos patrícios.

Vou falar em linguagem que pode ser rude, mas é sincera sem subterfúgios,

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mas é também uma linguagem de esperança de quem quer inspirar confiança no futuro e tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura realidade do presente.

Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e lideranças populares deste país.

Chegou-se a proclamar, até, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda fosse a dona da democracia, e a proprietária das praças e das ruas. Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas.

Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reinvindicações.

A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam.

A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.

Ainda ontem, eu afirmava, envolvido pelo calor do entusiasmo de milhares de trabalhadores no Arsenal da Marinha, que o que está ameaçando o regime democrático neste País não é o povo nas praças, não são os trabalhadores reunidos pacificamente para dizer de suas aspirações ou de sua solidariedade às grandes causas nacionais. Democracia é precisamente isso: o povo livre para manifestar-se, inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o mínimo de perigo à segurança das instituições.

Democracia é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do seu

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dever, não só para interpretar os anseios populares, mas também conquistá-los pelos caminhos da legalidade, pelos caminhos do entendimento e da paz social.

Não há ameaça mais séria à democracia do que desconhecer os direitos do povo; não há ameaça mais séria à democracia do que tentar estrangular a voz do povo e de seus legítimos líderes, fazendo calar as suas mais sentidas reinvindicações.

Estaríamos, sim, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que de norte a sul, de leste a oeste levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria.

Ameaça à democracia não é vir confraternizar com o povo na rua. Ameaça à democracia é empulhar o povo explorando seus sentimentos cristãos, mistificação de uma indústria do anticomunismo, pois tentar levar o povo a se insurgir contra os grandes e luminosos ensinamentos dos últimos Papas que informam notáveis pronunciamentos das mais expressivas figuras do episcopado brasileiro.

O inolvidável Papa João XXIII é quem nos ensina que a dignidade da pessoa humana exige normalmente como fundamento natural para a vida, o direito ao uso dos bens da terra, ao qual corresponde a obrigação fundamental de conceder uma propriedade privada a todos.

É dentro desta autêntica doutrina cristã que o governo brasileiro vem procurando situar a sua política social, particurlamente a que diz respeito à nossa realidade agrária.

O cristianismo nunca foi o escudo para os privilégios condenados pelos Santos Padres. Nem os rosários podem ser erguidos como armas contra os que reclamam a disseminação da propriedade privada da terra, ainda em mãos de uns poucos afortunados.

Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra

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tranqüilizadora para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela justiça social.

Perdem seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais; como perdem igualmente o seu tempo os que esperam deste governo uma ação repressiva dirigida contra os interesses do povo. Ação repressiva, povo carioca, é a que o governo está praticando e vai amplia-la cada vez mais e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus preços.

Ainda ontem, trabalhadores e povo carioca, dentro da associações de cúpula de classes conservadoras, levanta-se a voz contra o Presidente pelo crime de defender o povo contra aqueles que o exploram nas ruas, em seus lares, movidos pela ganância.

Não tiram o sono as manifestações de protesto dos gananciosos, mascarados de frases patrióticas, mas que, na realidade, traduzem suas esperanças e seus propósitos de restabelecer a impunidade para suas atividades anti-sociais.

Não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar, e tenho proclamado e continuarei a proclamando em todos os recantos da Pátria – a necessidade da revisão da Constituição, que não atende mais aos anseios do povo e aos anseios do desenvolvimento desta Nação.

Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada, injusta e desumana; o povo quer que se amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e seja assegurada a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas.

Todos têm o direito à liberdade de opinião e de manifestar também sem temor o seu pensamento. É um princípio fundamental dos direitos do

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homem, contido na Carta das Nações Unidas, e que temos o dever de assegurar a todos os brasileiros.

Está nisso o sentido profundo desta grande e incalculável multidão que presta, neste instante, manifestação ao Presidente que, por sua vez, também presta conta ao povo dos seus problemas, de suas atitudes e das providências que vem adotando na luta contra forças poderosas, mas que confia sempre na unidade do povo, das classes trabalhadoras, para encurtar o caminho da nossa emancipação.

É apenas de lamentar que parcelas ainda ponderáveis que tiveram acesso à instrução superior continuem insensíveis, de olhos e ouvidos fechados à realidade nacional.

São certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos, porque poderão, com tanta surdez e tanta cegueira, ser os responsáveis perante a História pelo sangue brasileiro que possa vir a ser derramado, ao pretenderem levantar obstáculos ao progresso do Brasil e à felicidade de seu povo brasileiro.

De minha parte, à frente do Poder Executivo, tudo continuarei fazendo para que o processo democrático siga um caminho pacífico, para que sejam derrubadas as barreiras que impedem a conquista de novas etapas do progresso.

E podeis estar certos, trabalhadores, de que juntos o governo e o povo – operários , camponeses, militares, estudantes, intelectuais e patrões brasileiros, que colocam os interesses da Pátria acima de seus interesses, haveremos de prosseguir de cabeça erguida, a caminhada da emancipação econômica e social deste país.

O nosso lema, trabalhadores do Brasil, é “progresso com justiça, e desenvolvimento com igualdade”.

A maioria dos brasileiros já não se conforma com uma ordem social imperfeita, injusta e desumana. Os milhões que nada têm impacientam-se com a demora, já agora quase insuportável, em receber os dividendos de um

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progresso tão duramente construído, mas construído também pelos mais humildes.

Vamos continuar lutando pela construção de novas usinas, pela abertura de novas estradas, pela implantação de mais fábricas, por novas escolas, por mais hospitais para o nosso povo sofredor; mas sabemos que nada disso terá sentido se o homem não for assegurado o direito sagrado ao trabalho e uma justa participação nos frutos deste desenvolvimento.

Não, trabalhadores; sabemos muito bem que de nada vale ordenar a miséria, dar-lhe aquela aparência bem comportada com que alguns pretendem enganar o povo. Brasileiros, a hora é das reformas de estrutura, de métodos, de estilo de trabalho e de objetivo. Já sabemos que não é mais possível progredir sem reformar; que não é mais possível admitir que essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação nacional para milhões de brasileiros que da portentosa civilização industrial conhecem apenas a vida cara, os sofrimentos e as ilusões passadas.

O caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos.

Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da SUPRA com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos.

Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido.

Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado.

Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.

O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de

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saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.

Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, quese apoderaram das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve bemeficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim o povo.

Não o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática corrente em todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação de terras abandonadas em títulos de dívida pública e a longo prazo.

Reforma agrária com pagamento prévio do latifundio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da SUPRA não é a reforma agrária.

Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária. Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.

Graças à colaboração patriótica e técnica das nossas gloriosas Forças Armadas, em convênios realizados com a SUPRA, graças a essa colaboração, meus patrícios espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios aos lados das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reinvindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalham para o dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer reforma sem mexer a fundo na

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Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi suprimido do texto constitucional parte que obriga a desapropriação por interesse social, a pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.

No japão de pós-guerra, há quase 20 anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o General MacArthur de subversivo ou extremista?

Na Itália, ocidental e democrática, foram distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira fase de uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há quinze anos, 150 mil famílias foram beneficiadas.

No méxico, durante os anos de 1932 a 1945, foram distribuídos trinta milhões de hectares, com pagamento das indenizações em títulos da dívida pública, 20 anos de prazo, juros de 5% ao ano, e desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.

Na índia foram promulgadas leis que determinam a abolição da grande propriedade mal aproveitada, transferindo as terras para os camponeses.

Essas leis abrangem cerca de 68 milhões de hectares, ou seja, a metade da área cultivada da Índia. Todas as nações do mundo, independentemente de seus regimes políticos, lutam contra a praga do latifúndio improdutivo.

Nações capitalistas, nações socialistas, nações do Ocidente, ou do Oriente, chegaram à conclusão de que não é possível progredir e conviver com o latifúndio.

A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reinvindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.

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A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.

Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não tem dinheiro para comprar.

Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às industrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano.

Interessa, por isso, também a todos os industriais e aos comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do seu povo.

Como garantir o direito de propriedade autêntico, quando dos quinze milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois milhões e meio são proprietários?

O que estamos pretendendo fazer no Brasil, pelo caminho da reforma agrária, não é diferente, pois, do que se fez em todos os países desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que precisamos conquistar e que haveremos de conquistar.

Esta manifestação deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo de que a reforma agrária será conquistada para o povo brasileiro. O próprio custo daprodução, trabalhadores, o próprio custo dos gêneros alimentícios está diretamente subordinado às relações entre o homem e a terra. Num país em que se paga aluguéis da terra que sobem a mais de 50 por cento da produção obtida daquela terra, não pode haver gêneros baratos, não pode haver tranquilidade social. No meu Estado, por exemplo, o Estado do deputado Leonel Brizola, 65% da produção de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento ascende a mais de 55% do valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é que um arrendatário de terras para plantio de arroz paga, em cada ano, o valor total da terra que ele trabahou para o proprietário. Esse inquilinato rural desumano é medieval é o grande

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responsável pela produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de vida para as classes populares em nosso país.

A reforma agrária só prejudica a uma minoria de insensíveis, que deseja manter o povo escravo e a Nação submetida a um miseravel padrão de vida.

E é claro, trabalhadores, que só se pode iniciar uma reforma agrária em terras economicamente aproveitáveis. E é claro que não poderíamos começar a reforma agrária, para atender aos anseios do povo, nos Estados do Amazonas ou do Pará. A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.

Governo nenhum, trabalhadores, povo nenhum, por maior que seja seu esforço, e até mesmo o seu sacrifício, poderá enfrentar o monstro inflacionário que devora os salários, que inquieta o povo assalariado, se não form efetuadas as reformas de estrutura de base exigidsa pelo povo e reclamadas pela Nação.

Tenho autoridade para lutar pela reforma da atual Constituição, porque esta reforma é indispensável e porque seu objetivo único e exclusivo é abrir o caminho para a solução harmônica dos problemas que afligem o nosso povo.

Não me animam, trabalhadores – e é bom que a nação me ouça – quaisquer propósitos de ordem pessoal. Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me sucederem. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a História nos legou. Dentro de 48 horas, vou entregar à consideração do Congresso Nacional a mensagem presidencial deste ano.

Nela, estão claramente expressas as intenções e os objetivos deste governo. Espero que os senhres congressistas, em seu patriotismo, compreendam o sentido social da ação governamental, que tem por finalidade acelerar o progresso deste país e assegurar aos brasileiros melhores condições de vida

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e trabalho, pelo caminho da paz e do entendimento, isto é pelo caminho reformista.

Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas destes país. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias particulares.

A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional.

Procurei, trabalhadores, depois de estudos cuidadosos elaborados por órgãos técnicos, depois de estudos profundos, procurei ser fiel ao espírito da Lei n. 2.004, lei que foi inspirada nos ideais patrióticos e imortais de um brasileiro que também continua imortal em nossa alma e nosso espírito.

Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça pública, o decreto de encampação de todas as refinarias de petróleo particulares, desejo prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve presente nos sentimentos do nosso povo, o grande e imortal Presidente Getúlio Vargas.

O imortal e grande patriota Getúlio Vargas tombou, mas o povo continua a caminhada, guiado pelos seus ideais. E eu, particurlamente, vivo hoje momento de profunda emoção ao poder dizer que, com este ato, soube interpretar o sentimento do povo brasileiro.

Alegra-me ver, também, o povo reunido para prestigiar medidas como esta, da maior significação para o desenvolvimento do país e que habilita o Brasil a aproveitar melhor as suas riquezas minerais, especialmente as riquezas criadas pelo monopólio do petróleo. O povo estará sempre presente nas ruas e nas praças públicas, para prestigiar um governo que pratica atos como

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estes, e também para mostrar às forças reacionárias que há de continuar a sua caminhada, no rumo da emancipação nacional.

Na mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro reclama, porque é exigência do nosso desenvolvimento e da nossa democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil. Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.

Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros. Pelos universitários, classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda de todos os movimentos populares nacionalistas.

Ao lado dessas medidas e desses decretos, o governo continua examinando outras providências de fundamental importância para a defesa do povo, especialmente das classes populares.

Dentro de poucas horas, outro decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento em dólares. Apartamento no Brasil só pode e só deve ser alugado em cruzeiros, que é dinheiro do povo e a moeda deste país. Estejam tranqüilos que dentro em breve esse decreto será uma realidade.

E realidade há de ser também a rigorosa e implacável fiscalização para seja cumprido. O governo, apesar dos ataques que tem sofrido, apesar dos insultos, não recuará um centímetro sequer na fiscalização que vem exercendo contra a exploração do povo. E faço um apelo ao povo para que ajude o governo na fiscalização dos exploradores do povo, que são também exploradores do Brasil. Aqueles que desrespeitarem a lei, explorando o povo – não interessa o tamanho de sua fortuna, nem o tamanho de seu poder, esteja ele em Olaria ou na Rua do Acre – hão de responder, perante a lei, pelo seu crime.

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Aos servidores públicos da Nação, aos médicos, aos engenheiros do serviço público, que também não me têm faltado com seu apoio e o calor de sua solidariedade, posso afirmar que suas reinvindicações justas estão sendo objeto de estudo final e que em breve serão atendidas. Atendidas porque o governo deseja cumprir o seu dever com aqueles que permanentemente cumprem o seu para com o país.

Ao encerrar, trabalhadores, quero dizer que me sinto reconfortado e retemperado para enfrentar a luta que tanto maior será contra nós quanto mais perto estivermos do cumprimento de nosso dever. À medida que esta luta apertar, sei que o povo também apertará sua vontade contra aqueles quenão reconhecem os direitos populares, contra aqueles que exploram o povo e a Nação.

Sei das reações que nos esperam, mas estou tranqüilo, acima de tudo porque sei que o povo brasileiro já está amadurecido, já tem consciência da sua força e da sua unidade, e não faltará com seu apoio às medidas de sentido popular e nacionalista.

Quero agradecer, mais uma vez, esta extraordinária manifestação, em que os nossos mais significativos líderes populares vieram dialogar com o povo brasileiro, especialmente com o bravo povo carioca, a respeito dos problemas que preocupam a Nação e afligem todos os nossos patrícios. Nenhuma força será capaz de impedir que o governo continue a assegurar absoluta liberdade ao povo brasileiro. E, para isto, podemos declarar, com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo das bravas e gloriosas Forças Armadas da Nação.

Hoje, com o alto testemunho da Nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.

Antonio Roberto Bertelli

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O MANIFESTO DE JANGO E O GOLPE

COLUNA DO TIMM - 1964 - HÁ QUASE MEIO SÉCULO, NESTES DIAS...

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1964 – Há quase cinquenta anos, neste dia.. – Paulo Timm.

O dia 31 de março de 1964 alongou-se em apreensões, durante alguns dias, quando as tropas do General Mourão Filho saíram de Minas Gerais, em direção ao Rio, para derrubar o Presidente João Goulart. Ele proclamava:

MANIFESTO DO GENERAL OLYMPIO MOURÃO, DEFLAGRADOR DO GOLPE MILITAR, EM 31 DE MARÇO DE 1964

À Nação e às Forças Armadas:

Faz mais de dois anos que os inimigos da Ordem e da Democracia, escudados na impunidade que lhes assegura o Senhor Chefe do Poder Executivo, vêm desrespeitando

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as instituições, enxovalhando as Forças Armadas, diluindo nas autoridades públicas o respeito que lhes é devido em qualquer nação civilizada, e, ainda, lançando o povo em

áspero e terrível clima de medo e desespero.

Organizações espúrias de sindicalismo político, manobradas por inimigos do Brasil, confessadamente comunistas, tanto mais audaciosos quanto estimulados pelo Senhor Presidente da República, procuram infundir em todos os espíritos a certeza de que

falam em nome de um Estado estrangeiro, a cujos interesses imperialistas estão servindo em criminosa atividade subversiva, para traírem a Pátria Brasileira, tão

generosa e cavalheiresca.

E o atual governo, a cujos projetos que negam a soberania do Brasil vêm servindo essas organizações, dá-lhes até mesmo a faculdade de nomear e demitir ministros,

generais e altos funcionários, objetivando, assim, por conhecido processo, a desfazer as instituições democráticas e instituir, aberrantemente, o totalitarismo que nega a

Federação, a República, a Ordem Jurídica e até mesmo o progresso social.

Tentaram revoltar o disciplinado e patriótico “Círculo de Sargentos”, e, recentemente, essas organizações e esse governo tudo fizeram para desmoralizar e humilhar a Marinha de Guerra do Brasil, na mais debochada e despudorada ofensa à sua

disciplina e hierarquia, que nela devem predominar.

O povo, governos Estaduais e Forças Armadas, animados de fervoroso sentimento patriótico, repelem esse processo caprichosamente executado pelo Senhor Presidente

da República, o qual, divorciado dos preceitos constitucionais, negando solene juramento, pretende transformar o Brasil, de Nação soberana que é, a um ajuntamento

de sub-homens, que se submetem a seus planos ditatoriais.

Na certeza de que o Chefe do governo está a executar uma das etapas do processo de aniquilamento das liberdades cívicas, as Forças Armadas, e, em nome delas, o seu mais

humilde soldado, o que subscreve este manifesto, não podem silenciar, diante de tal crime, sob pena de com ele se tornarem coniventes.

Eis o motivo pelo qual conclamamos todos os brasileiros e militares esclarecidos para que, unidos conosco, venham ajudar-nos a restaurar, no Brasil, o domínio da

Constituição e o predomínio da boa-fé no seu cumprimento.

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O Senhor Presidente da República, que ostensivamente se nega a cumprir seus deveres constitucionais, tornando-se, ele mesmo, chefe de governo comunista, não merece ser havido como guardião da Lei Magna, e, portanto, há de ser afastado do Poder de que

abusa, para, de acordo com a Lei, operar-se a sua sucessão, mantida a Ordem Jurídica.

Juiz de Fora, 31 de março de 1964.

Assinado por mim Olympio Mourão Filho, General-de-Divisão, Comandante da 4a

Região Militar a da 4a Divisão de Infantaria.

Fonte: MOURÃO, Laurita. Mourão: o general do pijama vermelho. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002

Hoje se sabe que o Golpe foi apenas um dos tristes episódios da Guerra Fria, que

opunha União Soviética de um lado – comunista – e Estados Unidos – capitalista-, de

outro, levando este último a inúmeras e condenáveis intervenções na América Latina

na sua suposta “defesa”. Mas naqueles dias de 64 ninguém sabia o que poderia ocorrer.

Resistência, tal como ocorrera em agosto de 1961, quando Leonel Brizola, Governador

do Rio Grande, se opôs à tentativa de golpe com idênticas intenções com a “Luta pela

Legalidade”? Adesão dos Governadores dos Estados com grande peso político como

São Paulo – Ademar de Barros – e Guanabara (RJ), onde pontificava o vociferante

Carlos Lacerda e consagração do golpe? Guerra Civil, alimentada por facções

militares...? Distúrbios e instabilidade política...?

Poucos dias depois a expectativa assustava-se diante do inevitável: O golpe prosperara,

quase sem resistências, embora com episódios de extrema violência, no próprio âmbito

das forças armadas, como o que vitimou o Comandante da 5ª Zona Aérea, em Canoas,

Cel. Alfeu de Alcântara Machado, pai de uma velha amiga – Malena- , quem luta até

hoje pela sua memória, junto com outros amigos do referido coronel:

“Em 4 de abril de 1964, o então tenente-coronel da Aeronáutica Alfeu de Alcântara Monteiro, comandante da Base Aérea de Canoas, Rio Grande do Sul, foi morto a tiros por outros militares, dentro de seu próprio gabinete, por recusar-se a apoiar o golpe militar que derrubara o então presidente da República João Goulart em 31 de março.

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Há uma versão, adotada pelo livro "Tortura Nunca Mais", de que ele foi morto com 16 tiros de metralhadora, pelas costas. A versão defendida por ex-militares que apoiaram

a ditadura é de que ele foi morto com um único tiro, após ter ferido com dois tiros o major-brigadeiro que fora à base assumir seu comando, em nome dos golpistas.

Agora, um ex-colega de colégio e amigo do militar assassinado, o fotógrafo aposentado Hindemburgo Almeida Flores, 85 anos, lidera praticamente sozinho uma campanha para que o coronel Alfeu seja reconhecido como Herói da Pátria. Ele passou dias na

Câmara dos Deputados, onde instalou cartazes com a história do primeiro assassinato político cometido pelos militares de 64, pedindo que a Câmara e o presidente Lula

revejam o processo do ex-oficial morto por defender o Estado de Direito em 64. A Comissão de Direitos Humanos se interessou pela história de Hindemburgo Almeida

Flores e agora quer incluir o caso do coronel Alfeu em um trabalho mais amplo, de resgatar a história dos militares que resistiram ao golpe de 64, como o militar Sergio

"Macaco", da FAB, que se recusou a jogar presos políticos no mar e também foi punido (faleceu alguns anos atrás).

Há mais de 30 anos, todo mês de abril Hindemburgo manda espalhar na cidade gaúcha de Itaqui, fronteira com a Argentina, onde nasceu Alfeu, faixas, cartazes e distribui

material com informação sobre o que ocorreu com o ex-comandante da 5.ª Zona Aérea em 64.

(http://www.orkut.com/CommMsgs?cmm=11431697&tid=5567882640998687601)

Foram, aliás, os militares legalistas, os primeiros perseguidos “em massa” pelo novo regime. Até hoje não se sabe ao certo quantos deles foram expulsos – caso dos praças - , expurgados – por atos administrativos e institucionais ou simplesmente punidos por se negarem a cumprir ordens criminosas de seus superiores. Foram muitos e eles abrem a galeria dos patriotas que se negaram a rasgar a Constituição para implantar um regime de força que duraria 21 anos. O "Caso das Mãos Amarradas" é emblemático e foi comentado em artigo no livro "A ditadura envergonhada", de Élio Gaspari:

A morte do torturado por descuido do torturador (

Por Elio Gaspari, jornalista - 09.09.09)

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O aparelho policial do governo, que fora eficiente na desarticulação dos planos

insurrecionais de Brizola, tateara a guerrilha, mas não conseguira apanhá-la. No caminho,

praticou o mais escandaloso assassinato do Governo Castello Branco.

Em março de 1966 a polícia gaúcha prendeu o ex-sargento Manoel Raimundo Soares, um

ativo brizolista, subcomandante de um futuro foco guerrilheiro no Rio Grande. Os registros

indicam que estivera na Delegacia de Ordem Política e Social. Fora transferido para o

presídio do rio Guaíba, e repassado a agentes do DOPS no dia 13 de agosto de 1966.

Na manhã do dia 24 seu corpo, com as mãos amarradas, foi achado boiando no rio Jacuí. Um

mês antes de ser assassinado, escrevera uma carta denunciando as torturas por que passara

na 6ª Companhia de Polícia do Exército e no DOPS: "Ouvi dizer no DOPS que eu fui o detido

mais tratado até hoje, dos que por lá passaram. Que mais posso temer? Temor servil, pois,

não tenho. Ainda não foi necessário demonstrar que não temo nem a morte. Talvez, em

breve, isto venha a acontecer. O tempo dirá".

O Caso das Mãos Amarradas, como se tornou conhecido o assassínio do ex-sargento, diferia

de todos os anteriores. Não cabia nas versões habituais de suicídio ou reação violenta à

prisão. Abriram-se simultaneamente uma investigação policial e uma comissão parlamentar

de inquérito na Assembléia Estadual.

Foram arrolados 21 nomes, que incluíam desde carcereiros até um tenente-coronel. Nos 20

anos seguintes conseguiu-se reconstituir parcialmente o que lhe sucedera.

Retirando-o à noite do DOPS durante uma sessão de tortura, dois policiais levaram-no para o

rio, onde lhe deram caldos, até que o perderam na água. Amarrado, Manoel Raimundo

afogou-se.

Acontecera um dos primeiros casos daquilo que mais tarde se denominaria "acidente de

trabalho", ou seja, a morte do torturado por descuido do torturador.

Nervosos, os dois policiais chegaram a procurar por ele no Instituto Médico Legal quatro dias

antes de as águas devolverem o corpo. Apesar de todas as provas de que o ex-sargento

estava preso e de todas as indicações a respeito do modo como fora assassinado, impôs-se a

tese segundo a qual ele fora libertado e, provavelmente, morto por correligionários.

A versão oficial prevaleceu em todas as instâncias, até o Superior Tribunal Militar. O

aparelho de repressão dera mais uma volta no parafuso que, a cada giro, amparava uma

nova forma de crime sob a regra da impunidade.

------------ (*) O artigo supra é um trecho da livro "A Ditadura Envergonhada" (Companhia das Letras, 2002), primeiro volume da premiada série de livros que o jornalista

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Elio Gaspari escreveu sobre a construção e o desmanche da ditadura brasileira. Os outros volumes são: "A Ditadura Escancarada" (segundo volume), "A Ditadura Derrotada" (terceiro volume) e "A Ditadura Encurralada" (quarto volume).

No dia 03 de abril , enfim, daqueles idos de 1964, instaurava-se o arbítrio. O Presidente Jango, evitando o confronto de sangue, se retira para o exílio, que só acabaria com sua própria morte- até hoje suspeita- e proclama em Manifesto :

“Brasileiros!

Na capital da República, numa noite em que forças reacionárias desencadearam u mais uma vez o golpe contra as instituições democrática e contra a libertação econômica da pátria, na plenitude de meus poderes constitucionais, que o povo

outorgou, que o povo ratificou, em pronunciamentos memoráveis, reafirmo a minha inabalável decisão de defender intransigentemente , numa luta sem tréguas, esse povo,

mesmo contra as arremetidas da prepotência da pressão do poder econômico.

Sei que o povo não ignora o verdadeiro significado das pressões a que meu governo está sendo submetido desde que, para salvaguardar o mais legítimos interesses da

Nação, tive que adotar no plano internacional uma política externa independente e no plano interno medidas inadiáveis de proteção à sua espoliada economia. Arrastei a

fúria insensata e odienta dos impatrióticos interesses contrariados. Não acreditavam que fosse capaz de regulamentar a lei de remessa de lucros. Fui ameaçado e

intimidade. Não cedi e não cederei na sua rigorosa aplicação.

Preguei a reforma agrária quando elas estava vitoriosa na cosciência e no espírito do povo, negaram-me os meios legais para efetivá-la. Apelei para as minhas atribuições

constitucionais. E o decreto da Superintendência de Reforma Agrária – SUPRA - que possibilitou o acesso à terra a todos que dela carecem para sua subsistência, embora

não consubstanciasse uma reforma agrária verdadeira, uma reforma reclamadas pelos princípios cristãos de justiça social, foi lavrada. O que determinou o recrudescimento

de ódios e paixões.

O monopólio da importação do óleo cru, a encampação das refinarias como desdobramento indispensável da nossa política petrolífera, conquista definitiva da

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vontade e da consciência soberana do nosso povo, tantas vezes adiadas por governos que me antecederam foram atos que pratiquei com serena coragem na certeza de que

servia ao Brasil, mas certo tam bem de que outra poderosa frente de luta se abril dentro de mi.

Quando meu governo se impunha vitoriosamente na repressão da ganância dos exploradores da economia popular, quando o governo se levantou contra a exploração dos preços da distribuição dos genros de primeira necessidade, quando se levantou em defesa do povo, tabelando os medicamentos, fixando aluguéis, assisti mancomunar-se

novamente contra mim uma ação insidiosa dos que sempre se locupletaram com a miséria do nosso povo..

Quanto à inflação pela qual não se pode responsabilizar o meu governo , que tudo tem feito para debelá-la, procurando inclusive atacar as suas causas estruturais através das

reformas de base, quando essa inflação corroia salários e vencimentos e ampliava a área de miséria entre as famílias da classe média, remuneração do trabalho, enviando

ao Congresso mensagem solicitando escala móvel dê de salários.

Levantou-se a grita da incompreensão e do egoísmo, do capitalismo intolerante, desumano, anticristão.

Tais medidas e tudo o mais substanciado na política autenticamente popular decorrente da minha fidelidade ao ideário de Vargas e as compromissos do meu passado, em lutas nacionalistas, somaram-se forças políticas e econômicas desavindas entre si, mas que se uniam , entretanto, na impatriótica tentativa de impedir que ao povo brasileiro fosse assegurado melhores padrões de cultura, de segurança econômica, de bem estar social. Exploraram o sentimento religiosos, como se meu governo não fosse daqueles que na

história da República mais se empenharam em cercar de prestígio, de conciliação e de respeito os dignitários do Episcopado da Igreja Católica e dos demais credos

religiosos. Mistificam-se com a supervalorização do perigo comunista, como se não fôssemos uma democracia plantada irremovivelmente no coração de nossa gente.

Estou firme da defesa e ao lado do povo. Do povo em que acredito e em quem deposito a certeza da vitória de nossa causa.

Não recuarei, não me intimidarão. Reagirei aos golpes dos reacionários , contando com a lealdade e a honra das forças militares e com a sustentação das forças populares

do nosso país.”

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João Goulart , 03 de abril de 1964

O Golpe de 1964 impressiona por várias razões. A primeira, pela sua duração, até 1985.

Ninguém acreditava que ele sobrevivesse politicamente até o final de 64, tanto entre

seus protagonistas, que esperavam “restaurar a democracia”, como entre os derrotados,

inclusive comunistas. Era voz corrente que a falta de apoio popular, a crise econômica

que se pensava fosse “estrutural” e não apenas conjuntural – mito que só se desfez

muitos anos mais tarde, graças, aliás a um famoso artigo de Maria de Conceição e José

Serra (Mas Allá de la estagnación) que tive a honra de ler em manuscrito no Chile,

alimentavam ilusões sobre a transitoriedade do feito. Guardo na memória apenas uma

advertência: Luiz Treiguer, pai do meu grande e saudoso amigo Cláudio, economista,

disse-nos : “Vai durar 30 anos...! Quase durou, Luiz...! V. tinha razão...Veja-se o

“estado de espírito” que se estava preparando junto à opinião pública:

Editorial do jornal "O Globo" do Rio de Janeiro, em sua edição de 02 de setembro de 1964.

RESSURGE A DEMOCRACIA

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Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.

Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo. Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez.

Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. Devemos felicitar-nos porque as Forças Armadas, fiéis ao dispositivo constitucional que as obriga a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, não confundiram a sua relevante missão com a servil obediência ao Chefe de apenas um daqueles poderes, o Executivo. As Forças Armadas, diz o Art. 176 da Carta Magna, "são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República E DENTRO DOS LIMITES DA LEI.

No momento em que o Sr. João Goulart ignorou a hierarquia e desprezou a disciplina de um dos ramos das Forças Armadas, a Marinha de Guerra, saiu dos limites da lei,

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perdendo, consequentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade, assim como as condições indispensáveis à Chefia da Nação e ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras na reunião realizada no Automóvel Clube, vincularam-no, definitivamente, aos adversários da democracia e da lei. Atendendo aos anseios nacionais, de paz, tranqüilidade e progresso, impossibilitados, nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-os do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal.

Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais. Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo. A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo. Mas, por isto que nacional, na mais ampla acepção da palavra, o movimento vitorioso não pertence a ninguém. É da Pátria, do Povo e do Regime. Não foi contra qualquer reivindicação popular, contra qualquer idéia que, enquadrada dentro dos princípios constitucionais, objetive o bem do povo e o progresso do País.

Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos. Confiamos em que o Congresso votará, rapidamente, as medidas reclamadas para que se inicie no Brasil uma época de justiça e harmonia social. Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos e luto. Sejamos dignos de tão grande favor.

Este "estado de espírito" revela o que todo mundo sentia: A grande imprensa apoiava o golpe. Mais recentemente, o insuspeito jornalista Mino Carta, revela o óbvio: Ela queria o golpe e o aplaudiu:

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O jornalista Mino Carta afirmou em entrevista ao programa Provocações, da TV

Cultura, que os donos de veículo de comunicação do País apoiaram o golpe militar de

1964. Em conversa com o apresentador Antônio Abujamra, na atração que foi exibida

na noite desta terça-feira (29/3), o criador e diretor de redação da revista Carta

Capital afirmou que a mídia imprensa apoiou o golpe militar de 1964.

“A imprensa nativa no fim de 1963 implorando pelo golpe de 64, que é uma das

grandes desgraças brasileiras. Acho que a maior desgraça é a escravidão, três séculos

de escravidão, mas essa é uma desgraça muito grande. Eles (donos dos veículos de

comunicação) queriam que os ‘milicos’ chegassem e assumissem o poder, em nome

deles”, disse Mino.

Ao ser questionado por Abujamra que, depois de implantada a ditadura militar no

Brasil, a “censura entrou” na imprensa, o diretor da Carta Capital declarou que “todos

os jornais queriam o golpe e conseguiram”. Mino ainda comentou que o único veiculo

impresso que chegou a ser censurado foi O Estado de S. Paulo, mas de forma “branda”.

“O Estadão passou a sofrer censura, mas uma censura muito branda. Uma censura

que autorizava o Estadão a publicar versos de Camões (…) ou então, as receitas de

bolo no Jornal da Tarde. Os demais jornais não foram censurados”, declarou o

fundador da revista Carta Capital.

Para Mino, dizer que os jornais brasileiros foram censurados durante o período de

ditadura militar “é uma piada, uma mentira. Uma mentira grossa”.

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Mas dentre outras impressões, entre elas s o terror de Estado implantado nos “Anos de

Chumbo – 1968-1974” interposto pelo famigerado Ato Institucional nº5, de 13 de

dezembro de 1968, com o velado apoio dos órgãos da grande imprensa e de grandes

empresários, o Golpe de 64 impressiona, principalmente, apesar de seu longo

predomínio na vida nacional, pela inconsistência ideológica e pelo seu hibridismo. Não

“reproduz”...Ao contrário da Revolução de 1930, cujas emanações políticas ele

pretendeu abolir e que prosperam, seja como reconhecimento, seja como herança

política em personagens como Lula. Apesar de seu suposto caráter “liberal”, o regime

de 64 não se impôs como tal , nem na economia, muito menos na política. Roberto

Campos, seu primeiro mentor econômico, criador do IPEA, do BNH e do Estatuto da

Terra, sucumbiu à crise e cedeu lugar a um novo Czar, Delfim Neto, um

intervencionista, hoje conselheiro de Lula-Dilma. O General Castelo Branco, oficial de

escol, quem assumiu a Presidência da República pelo voto indireto de um Congresso

Nacional emasculado, com o intuito de “completar” o mandato de Jango, considerado

vago, cedeu lugar à “cavalaria rusticana” de inteligência formal - mas duvidosa- dos

aparelhos de segurança do Estado. Tanto que o último Presidente, João Figueiredo, fora,

antes, Chefe do temível Serviço Nacional de Informações – SNI, extinto por Fernando

Collor. Assim, o liberalismo econômico de mercado teria que esperar redemocratização

com Collor e mais enfaticamente Fernando Henrique Cardoso, este franco opositor do

regime, para instaurar-se como inspiração governamental. E o liberalismo político...?

Este jamais vingou. Virou maldição. Tanto que o Brasil é o único país moderno no qual

nenhum Partido é “liberal”. Todos são mais ou menos social-democratas, de centro,

centro-esquerda, centro-direita, distantes do ideário clássico do liberalismo. A ARENA,

partido do “sim” à ditadura, mesmo metamorfoseando-se em PDS, Frente Liberal, PP,

DEM etc não tinha, rigorosamente, nenhuma consistência ideológica, apenas

“interesses”. O regime militar ficou, assim, à deriva da História, defendido apenas por

alguns de seus protagonistas, alguns honrados como Jarbas Passarinho, outros

simplesmente caricaturais, dos quais descende o Deputado Coronel Bolsonaro.

CARTAS ÁCIDAS – WWW.CARTAMAIOR.COM.BR - 2004

Ai de ti, 64 Há uma praça de menos em Porto Alegre. Essa praça devia se chamar

“Tenente-Coronel Aviador Alfeu de Alcântara Monteiro”. Esse gaúcho

de Itaqui foi assassinado em 4 de abril de 1964, vítima do Golpe do dia

1º. Flávio Aguiar

“Memento, homo, quia pulveris es, et in pulverem reverteris”. (Gênesis: 3, 19)

A Malena Monteiro

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Há uma praça de menos em Porto Alegre. Essa praça devia se chamar “Tenente-Coronel Aviador Alfeu

de Alcântara Monteiro”.

Alfeu de Alcântara Monteiro nasceu em Itaqui, Rio Grande do Sul, em 31 de março de 1922. A Semana

de Arte Moderna tinha um mês e meio de realização. Naquele ano também seria fundado o Partido

Comunista do Brasil. O menino Alfeu tinha três meses e meio de vida quando do episódio dos 18 do

Forte, em Copacabana.

Tinha dois anos mais ou menos quando o Capitão Luís Carlos Prestes começou a marcha de sua coluna,

naquela região mesma em que nascera, as Missões. Tinha oito anos na Revolução de 30, dez na de 32,

vinte quando o Brasil entrou na Segunda Guerra, ao lado dos aliados e da União Soviética, contra os

nazi-fascistas e o Eixo. Teria 44 anos recém completos ao morrer, em 4 de abril de 1964, em

conseqüência do golpe recém dado.

Em 1941 ingressou na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, e em 1942 passou para a Escola da

Aeronáutica, onde se formou como aspirante em 1943, designado para servir na base aérea de

Fortaleza.

Fez uma carreira bastante protocolar e rápida, marcada por elogios oficiais. Recebeu louvores individuais

em diversas ocasiões. Em 1946 já era Tenente Aviador e estava na Base Aérea de São Paulo. Em 1947

estava de volta na Escola de Aeronáutica, no Rio de Janeiro, onde recebeu louvor, destacando “suas

qualidades de caráter e esmerada educação, aliadas à correta noção de disciplina e dos assuntos

profissionais, que o fazem apontar entre os oficiais de escol da FAB”. Serviu ainda em Natal nesse

período.

Por seus méritos integrou a equipe de oficiais aviadores que em 1948 foi buscar aviões de combate

adquiridos nos Estados Unidos. Nos dez anos seguintes serviu em Natal, Rio de Janeiro, São Paulo e

Porto Alegre. Recebeu vários elogios em sua folha de serviço por participação em eventos esportivos e

em manobras de campo, simulando combates. Muitos desses elogios ressaltam sua capacidade de

superar as dificuldades e precariedades provocadas por falta de suprimentos ou aparelhos adequados.

Em 1957 recebeu um elogio por escrito do Brigadeiro do Ar Nelson Freire Lavanère Wanderely, do

Comando da Primeira Zona Aérea. Em 1964 o já Tenente Coronel Alfeu Alcântara Monteiro seria acusado

de tentar assassinar o Brigadeiro Lavanère Wanderley na Base Aérea de Canoas.

Em 1958 fez o curso do Estado Maior da Aeronaútica no Rio de Janeiro. Em 1959 passou a integrá-lo, e

em dezembro desse ano estava servindo na Sub-Seção do Exterior do Comando de Segurança Nacional.

Nos elogios recebidos em sua folha de serviço nesta função, destacam-se os seguintes termos e

expressões: “personalidade marcante”, “destacado piloto da FAB”, “impecável apresentação”, “correção

e franqueza de atitudes”, “discreto, trabalhador e inteligente”, “espírito de cooperação”. Diz o elogio de

27 de julho de 1960: “Embora constantemente solicitado para cumprir seus deveres como piloto da FAB,

tem em dia seus encargos”.

Em 31 de janeiro de 1964 recebeu o que provavelmente foi seu último elogio oficial, da parte do General

de Divisão Ernestino Gomes de Oliveira, Diretor Geral de Saúde do Exército, nos seguintes termos:

“Tenente Coronel Aviador Alfeu de Alcântara Monteiro, oficial disciplinado, competente e proficiente,

comandou com destreza e perfeição o transporte de que me utilizei. Sempre pronto para o serviço, o

Ten. Cel. Alfeu deu demonstração cabal de pontualidade e de espírito militar. Louvo pois o Ten. Cel.

Alfeu e auguro-lhe o melhor êxito em sua brilhante carreira”.

Tudo isso consta em cópia autenticada da folha corrida do Tenente-Coronel, que lhe foi passada em 23

de março de 1964, na Base Aérea de Canoas, de que tenho reprodução.

Aqui vale a pena transcrever trecho do seu obituário, publicado em 5 de abril daquele ano, no Diário de

Notícias de Porto Alegre:

“[serviu] no Comando de Segurança Nacional até fevereiro de 1961. Foi exonerado nesse mês daquele

órgão, ficando 90 dias sem função e sem vencimentos, ao que dizem por ser antijanista. Ao terceiro mês

de afastamento foi classificado em Recife. Este fato levou-o a dirigir carta a um oficial do Ministério da

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Aeronáutica, dizendo-lhe que só lhe servia Porto Alegre, pretensão que lhe foi satisfeita um pouco mais

tarde. Quando da renúncia do sr. Jânio Quadros e com a ida do Brigadeiro Aureliano Passos para o Rio,

Alfeu Monteiro assumiu o comando da Quinta Zona Aérea, em face de sua ligação com o esquema

organizado pelo Sr. Leonel Brizola’’.

O “esquema organizado pelo Sr. Leonel Brizola” era a Rede da Legalidade, para garantir a posse de João

Goulart na Presidência da República em agosto/setembro de 1961, diante da disposição golpista dos

ministros militares Odylio Denis, Sílvio Heck e Grum Moss para impedi-la. De fato, o Tenente-Coronel

acabou tendo participação decisiva nos acontecimentos.

No torvelinho político que se seguiu à inesperada renúncia de Jânio, a obstinação do governador do Rio

Grande do Sul em não se dobrar diante da tentativa de golpe exasperou o comando militar em Brasília.

Forçado pelas circunstâncias e por vários de seus comandados, entre eles os Generais Pery Bevilacqua e

Oromar Osório, o Comandante do 3o. Exército, General Machado Lopes, decide também se insurgir

contra o golpe. Nesse momento o Gabinete do Ministério da Guerra transmitiu ao General Machado

Lopes a seguinte mensagem, às seis horas da manhã de 28 de agosto:

“O 3o. Exército deve compelir imediatamente o Sr. Leonel Brizola a por termo à ação subversiva que

vem desenvolvendo e que se traduz pelo deslocamento e concentração de tropas (…) Faça convergir

sobre Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente, inclusive a 5a. DI, se

necessário. Empregue a Aeronáutica, realizando inclusive o bombardeio, se necessário(…)”.

Radioamadores captaram a mensagem. A senha definitiva para o ataque aéreo, que também chegou a

ser transmitida era: “Tudo azul em Cumbica. Boa viagem.”, porque os jatos da Base Aérea de Canoas,

depois da missão, deveriam seguir para aquela base em São Paulo.

Em Canoas seguiram-se momentos indescritíveis de tensão. Alertados pelo Capitão Alfredo Daudt, os

sargentos da base aérea se insurgiram, decididos a impedir que os oficiais levantassem vôo. Estes se

dirigiram a um dos prédios para vestir os uniformes. A partir daí os relatos são muitos. Uns dizem que

os pneus dos jatos foram esvaziados. Outros dão conta de que os sargentos cercaram os oficiais no

prédio, e que todos, de ambos os lados, dispunham de armamento pesado e estavam dispostos à luta.

Os sargentos conseguiram enviar um jipe até o centro de Porto Alegre (naquele tempo o sistema de

comunicações era muito precário) para pedir ajuda. O jipe quase foi virado por uma multidão enfurecida

pela notícia da ameaça de bombardeio. Consta que um dos sargentos só conseguiu impedir o

linchamento gritando que era parente de Brizola.

Os emissários conseguiram passar, e o General Machado Lopes enviou uma força tarefa para assumir o

controle da situação. Foi feito um acordo: o comandante da base, Brigadeiro Aureliano Passos, e os

oficiais favoráveis ao golpe a abandonaram e foram para Cumbica. Assumiu o comando o Tenente

Coronel Aviador Alfeu de Alcântara Monteiro, legalista.

Ao assumir o comando da base, o Tenente Coronel deu declarações no sentido de tranqüilizar a opinião

pública. Anunciou - o que confirmava fatos sabidos da véspera - que o Brigadeiro Aureliano deixara a

base com mais oficiais levando os jatos que seriam utilizados no bombardeio da cidade, em número de

dez. Alegava que isso afastava o perigo do ataque, e, além disso, negava a existência da ordem que a

base, de fato, recebera: “Na realidade os oficiais, inclusive o Comandante da Esquadrilha de Caças,

estavam contrários à atitude das autoridades gaúchas, mas não houve nem intenção e muito menos

ordem para que a FAB bombardeasse o Palácio de Governo ou qualquer outro local”. Esse “qualquer

outro local” seriam pelo menos as torres da Rádio Guaíba, base da Rede da Legalidade que o governo

gaúcho já formara em escala nacional.

Entretanto alguns dias depois, o Tenente Coronel daria nova entrevista ao mesmo jornal (o Jornal do

Dia), em 3 de setembro, em que denunciava manobras dos ministros de Brasília para “desunir” as forças

da Legalidade, segundo as quais ele não mais obedeceria à orientação prevalecente no Rio Grande do

Sul. Diz o texto:

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“Trata-se de uma manobra do Ministério para tentar separar as forças do Rio Grande, Terceiro Exército,

FAB e Governo do Estado. Estamos indissoluvelmente unidos e reina harmonia nas forças da

Legalidade”.

Essa harmonia não devia ser tanta assim. A própria notícia, mais adiante, dizia curiosamente que na

Base Aérea de Canoas havia 216 sargentos, cabos e soldados prisioneiros de cerca de 30 oficiais! Ou

seja, isso mostra que houvera, ao lado da negociação sobre o impedimento do bombardeio do centro de

Porto Alegre, uma negociação formal sobre o destino das ordens e contra-ordens dadas e recebidas.

Os aviões tinham cumprido a ordem recebida, ou seja, decolaram de Canoas e pousaram em Cumbica.

Se não realizaram o bombardeio, é porque não tinham bombas a bordo, impedidas de embarcar pelos

sub-oficiais e pela presença da força-tarefa enviada pelo General Machado Lopes. Ao mesmo tempo os

sub-oficiais e praças rebelados permaneceram sob a custódia dos oficiais remanescentes. Mantinha esse

delicado equilíbrio e presença e o prestígio do Tenente-Coronel Aviador Alfeu de Alcântara Monteiro. Não

deixava de ser uma saída bem à brasileira: tudo estava de acordo com os manuais, e dessa forma a

carreira de ninguém seria prejudicada, é o que se pode concluir.

O fato é que a ordem de bombardeio houve, e só não se cumpriu graças à decisão contrária dos

sargentos, dos sub-oficiais, e dos oficiais legalistas, logo a seguir amparada pela atitude do Tenente-

Coronel, assumindo o comando da Base Aérea. O cumprimento da ordem teria conseqüências

imprevisíveis: o Palácio Piratini, alvo do bombardeio, fica em bairro densamente povoado; nesta época

já havia até alguns edifícios em redor. A Praça da Matriz, como a população ainda a chama, em frente ao

Palácio, estava sempre cheia de povo, naqueles dias de mobilização. Haveria um morticínio, como o que

houve em junho de 1955 em Buenos Aires, quando aviões da Marinha e da Aeronáutica bombardearam

a Casa Rosada e outros prédios públicos numa tentativa de derrubar Perón.

A importância dos acontecimentos de Canoas foi atestada pelo fato de que na Base Aérea, começaram

as comemorações do Sete de Setembro seguinte, quando a crise da posse de Goulart já estava

resolvida. Às nove da manhã houve um desfile que homenageava as autoridades que para lá se

deslocaram, o governador Brizola, o General Machado Lopes, o Comandante da Brigada Militar, o

Arcebispo do Rio Grande do Sul. No fundo, os homenageados por tal deslocamento eram os praças,

sargentos, sub-oficiais e oficiais legalistas da Base. Nas fotos, o Tenente-Coronel Alfeu tem lugar de

destaque.

Neste momento o Vice-Presidente João Goulart já embarcara para Brasília, depois de chegar a Porto

Alegre ao fim de uma longa viagem da China, onde estava quando da renúncia de Jânio, com escala final

em Montevidéu. A ida de João Goulart para a capital da República, depois da sua aceitação da emenda

parlamentarista, também teve participação especial da FAB. Chegou a se montar uma operação para

derrubar o avião presidencial, a “Operação Mosquito”. Contrária a ela, e com a participação de sargentos

e sub-oficiais de Brasília, montou-se uma “Operação Tática”, destinada a impedir que aviadores golpistas

pudessem cumprir aquela determinação. A base da “Operação Tática” foi o Aeroporto Salgado Filho, em

Porto Alegre, de onde partiu o avião presidencial. Fizeram parte dela iniciativas como a de impedir que

os demais aeroportos do caminho obtivessem informações sobre o plano de vôo, e de divulgação de

dados meteorológicos enganosos sobre o sul do Brasil, como a de que chuvas torrenciais impediam o

sobrevôo de Porto Alegre. O comandante da “Operação Tática” foi o Tenente Generoso Resende Lacerda,

mas o responsável por todas as ordens mais as mensagens, enganosas ou não, para o resto do país, foi

o Ten. Cel. Alfeu.

Essa posição proeminente nos acontecimentos de 1961 valeu a ele algumas promoções a seguir. Duas

são muito significativas. Chegou a ser piloto do avião presidencial, depois da posse de João Goulart. E foi

nomeado para dirigir a Superintendência da Fronteira Sudoeste, que abrangia os estados sulinos mais o

Estado do Mato Grosso (hoje, na região, Mato Grosso do Sul). Mas o Tenente Coronel Aviador não

permaneceu nos cargos. Do primeiro não tenho informação de porque nem quando saiu. Mas do

segundo afastou-se em 20 de janeiro de 1963, enviando o seguinte telegrama às autoridades

competentes:

“Informo Vossência serei substituído breve Superintendência Fronteira Sudoeste devido imposição

Governador Leonel Brizola e Presidente PTB Rio Grande do Sul o estrangeiro [sic] João Caruso. Motivo

real não mencionado Presidente Jango é que não sou político e assim jamais permitirei transformar

órgão sob minha direção em cabide de emprego para cabos eleitorais que deverão agir próximas

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eleições para prefeito de Palegre e outros municípios do RGS. Adianto Vossência que pessoalmente só

tenho prejuízos naquela função. Esses prejuízos estavam sendo compensados tendo em vista

possibilidades promover patrioticamente desenvolvimento sócio-econômico área Fronteira Sudoeste, no

menor espaço de tempo, com máxima economia, contando naturalmente cooperação governo objetivo e

profícuo Vossência e demais governadores, conforme poderão testemunhar elementos credenciados

[n]esse Estado e outros compreendidos fronteira Sudoeste, que lá estiveram e presenciara[m] a minha

orientação administrativa imprimida ao Órgão. Lamento informar Vossência esses fatos mas faço

pretendendo ressalvar minha responsabilidade no caso e dar nome aos bois, para que o povo dos quatro

estados, que fazem parte da área, não fique às escuras sobre o assunto. Sentindo não mais poder

dedicar meus esforços nessa direção, despeço-me atenciosamente. ALFEU DE ALCÂNTARA MONTEIRO.

TENENTE CORONEL AVIADOR.”

Pouco depois de deixar a Superintendência, o Tenente-Coronel se envolveu numa luta de rua em Porto

Alegre, ao ser interpelado por guardas de trânsito de forma que considerou inadequada. O episódio se

passou às 23 horas de um sábado, no mês de fevereiro, e acabou na Chefatura de Polícia, além de ser

publicado com estardalhaço em jornais do dia seguinte.

Por esse tempo o Tenente-Coronel havia se separado de sua mulher e constituído nova família. A

primeira foi residir no Rio. Mas ao longo de 1963 ele acabou reconsiderando sua situação. Reconciliou-se

com a primeira mulher, decidindo ambos voltar a morar juntos. Querendo seguir para o Rio, dirigiu-se

para a Base Aérea de Canoas a fim de colher documentos e pertences que lá deixara. E foi onde estava

quando eclodiu o Golpe de Abril, depondo o Presidente João Goulart. O Comandante da Base, Brigadeiro

Otelo da Rocha Ferraz, deixou o local, depois de ser nomeado novo Comandante pelos golpistas, o

Brigadeiro Nelson Lavanère Wanderely. Mas os sargentos e sub-oficiais, incoformados, se rebelaram. E

junto com eles estava o seu antigo Comandante Legalista.

É difícil saber exatamente o que aconteceu a seguir. Lavanère Wanderley se apresentou na Base

acompanhado pelo Coronel-Aviador Roberto Hipólito da Costa. Por volta das 21 horas do sábado, 4 de

abril de 1964, reuniram-se numa sala do Comando. Estavam apenas os três. Segundo informações da

imprensa, houve um tiroteio. A versão divulgada estabelecia que, ao receber ordem de prisão, ou de se

apresentar no Rio de Janeiro, o Tenente-Coronel Alfeu se insurgiu, sacou da arma, fez cinco disparos

contra o Brigadeiro, à queima-roupa, acertando um ou dois de raspão. No futuro, ao ser empossado

como Ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro tinha, segundo o Ministro que lhe transmitia o cargo, a

cicatriz de um ferimento de raspão no olho. Uma versão diz que “elementos de segurança” acorreram e

alvejaram o Tenente-Coronel.

Outra, que foi a versão levada a julgamento, estabeleceu que o autor dos disparos contra o Ten. Cel. foi

o Coronel Hipólito. A nota oficial distribuída pela Aeronáutica em 5 de abril dizia que o Tenente-Coronel

fora morto por “circunstante”. De um modo geral, os comentários ressaltavam que o oficial morto era de

“tendências brizzolistas” (sic). Numa circunstância, pelo menos, foi chamado de “fanático”.

Tempos depois, o Coronel Hipólito foi a julgamento no Rio de Janeiro, sendo absolvido. Segundo o

noticiário, a alegação da defesa foi a de legítima defesa de terceiros. O caso é até hoje mencionado em

publicações de todos os tipos, impressas ou na internet, desde as que arrolam as vítimas da ditadura

àquelas que fazem a apologia do golpe e acusam o Ten. Cel. de ter atentado contra a vida do Brigadeiro

Lavanère. As versões extremas falam em assassinato com dezesseis tiros de metralhadora, ou com um

único tiro, disparado pelo Coronel Hipólito em defesa do Brigadeiro. Sobre o acontecimento, obtive

depoimento da filha do Tenente Coronel, Malena Monteiro.

Conversamos em 22 de maio de 1983, em Brasília, depois de uma correspondência que começou em

1980. Caracterizou seu pai como um homem impulsivo, algo autoritário e ao mesmo tempo carinhoso,

dividido em casa entre manter a ordem e cuidar das meias, dos sapatos e das roupas dos filhos. Era

nacionalista, não de esquerda. Disse também que por ocasião da morte do pai a família recebeu cinco

passagens para ir do Rio a Porto Alegre da Varig, mas chegaram atrasados ao enterro, que se deu no dia

5 de abril, no Cemitério de São Miguel e Almas, com honras militares. Depois, no Rio, foram perseguidos

e ameaçados por oficiais da Aeronáutica, o que fez sua mãe mudar-se para a Inglaterra.

No dia da morte do pai ela disse terem os três, Lavanère, Alfeu e Hipólito, se dirigido para um gabinete

do QG. Fecharam-se lá dentro, e depois de uma discussão ocorreram os disparos.

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O Tenente-Coronel foi atingido por oito disparos, sendo quatro pelas costas e quatro pela frente. Como

os disparos estavam em linha ascendente, suspeitou-se de uma metralhadora, mas é verdade que uma

pistola automática faria o mesmo efeito. Supõe-se que ao ser atingido pelas costas ele tenha se virado,

e recebido novos disparos pela frente. Um gesto desses levanta a hipótese de que o Brigadeiro Lavanère

tenha sido atingido de raspão por uma das balas disparadas pelo Coronel Hipólito. Neste caso, o Tenente

Coronel Alfeu não atirou primeiro, e se chegou a sacar a arma foi para se defender, ao contrário da

versão oficial, em que ele foi o agressor.

Há uma versão dos acontecimentos que afirma Ter o Ten. Cel. apenas ameaçado o Brigadeiro com sua

arma, e que com a chegada do Coronel Hipólito e outros assessores começou "uma troca de tiros".*

Mas segundo Malena, quem acorreu de fora para dentro foi o ajudante-de-ordens do Tenente-Coronel.

Ele, ao entrar, deparou-se com a cena consumada. Disse-me que este rapaz também foi perseguido

pelos vencedores do golpe, bem como vários sargentos e oficiais da Base, entre eles o Capitão Alfredo

Daudt, que estava presente na base no momento do tiroteio.

Seu pai foi levado para o Hospital do Pronto Socorro em Porto Alegre, onde chegou com vida e ainda

sobreviveu por meia-hora. Não falou sobre os acontecimentos, só sobre os filhos. Ela disse que a família

soube de alguns desses fatos por uma freira, que estava presente no hospital, e que o médico que

atendeu seu pai resolveu calar-se, por medo das conseqüências. Na ocasião em que a entrevistei o

Coronel Hipólito já tinha morrido. O Brigadeiro Lavanère também, ou morreu algum tempo depois. Em

nenhum momento, em nenhum documento, encontrei referência a exame de balística nas armas

presentes.

O que se passou exatamente naquela sala? Jamais se saberá. Ela virou uma caixa-preta. Só poderia se

saber com exames de balística nessa altura impossíveis, com o exame da sala em busca de possíveis

vestígios que tenham ficado depois de quarenta anos, com a exumação dos restos mortais do Tenente

Coronel, se ainda existirem. O depoimento de Malena, a partir do da freira e do ajudante-de-ordens, é

consistente. A versão de que seu pai disparou cinco tiros à queima-roupa e errou todos é inverossímil.

Também é a de que tenha sido atingido por um único tiro, pois ainda foi transportado para o Hospital do

Pronto Socorro em Porto Alegre e lá sobreviveu por meia-hora, e falando. É mais provável mesmo que

tenha sido atingido várias vezes e tenha morrido em conseqüência da hemorragia e da falência de

órgãos atingidos. A versão de que foi atingido por “dezesseis tiros” cabe na de que levou oito, pois como

se sabe, um tiro nas condições em que estavam, atravessa o corpo. Se o Tenente Coronel foi atingido

por oito, teria dezesseis orifícios pelo corpo. E é possível mesmo que uma das balas disparadas pelo

Coronel Hipólito tenha ferido o Brigadeiro, saindo do corpo do Tenente Coronel ou não, passando-lhe ao

lado enquanto este se virava. As versões divulgadas oficial ou oficiosamente se desmentem na sua

multiplicidade.

Mas o importante a ressaltar é que o Golpe de 64 criou esse tipo de caixa-preta na vida de todo mundo.

Sempre há algo para onde é difícil ou mesmo impossível olhar. No caso, essa caixa-preta se refere à

vida de um homem com quem a cidade e o povo de Porto Alegre têm uma dívida imorredoura.

Malena ressaltou que seu pai gostava de voar. Foi daí que pensei ser uma praça homenagem adequada

a ele, já que elas costumam abrigar muitos pássaros, e estes também gostam de voar. De resto, só sei

dizer que quando pedi a ela que me dissesse como era seu pai, ela teve um olhar que eu gostaria que

vissem no rosto de minhas filhas, se a elas um dia perguntarem qualquer coisa sobre mim.

*. > www.reservaer.com.br/estrategicos/deJKa64/movimentorevolucionario.html

Mais informações em:

> www.torturanuncamais.org.br

Page 47: Para entender 1964 – Paulo Timm (org) INTRODUÇÃO do Timm... · a ditadura é de que ele foi morto com um único tiro, após ter ferido com dois tiros o major-brigadeiro que fora

> www.acervoditadura.rs.gov.br

> www.planalto.gov.br/

> www.ternuma.com.br/

Além disso há a bibliografia clássica sobre o assunto: Brasil nunca mais, Dos filhos deste solo, entre

outros. Veja também “O dia em que o povo ganhou”, em Brasil Agora nº 0. São Paulo, Partido dos

Trabalhadores, 1991.

V – A JUSTIFICATIVA DOS MILITARES

A) AULA PROFERIDA NA AMAN NO DIA 31 DE MARÇO DE 2011

31 de Março na AMAN

E-Mail recebido de Eduardo Bohrer, militar reformado – Email:

<[email protected]>

Não houve comemoração do 31 de março na AMAN, mas a cadeira de História da Academia Militar das Agulhs Negras deu uma aula para todos os oficiais, cadetes e praças sobre esse evento histórico.

Foi uma aula sensacional. O professor, oficial de Intendência - formado

em História e em Direito – fez uma pesquisa muito trabalhosa e

interessante: trouxe fotos da época, páginas de todos os jornais que

cobriram a história do país de 1935 – cobrindo a Intentona Comunista - até

1984.

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As fotos e as páginas e manchetes de jornais e revistas mostraram os

FATOS e como esses acontecimentos foram vistos pela população.

Não sei onde ele conseguiu fotos da população aplaudindo as tropas que

se deslocavam para o Rio, nem onde conseguiu as fotos, reportagens de

rádio e vídeos - inclusive discursos do Brizola pedindo que os sargentos

invadissem as reservas de armamento e matassem os oficiais... Teve

discurso do Jango na Central do Brasil, no comício em que ele

DECRETOU a expropriação de fazendas ao longo das rodovias,

determinou que o governo iria dizer quanto valeria o aluguel de casas e

aptos, o que praticamente abolia o direito de propriedade.

OUVIMOS vários discursos feitos no rádio - principal meio de

comunicação social da época... palavras que não podem ser

DESMENTIDAS...

Uma pesquisa EXCELENTE... Praticamente ele não falou nada, apenas

MOSTROU à nossa juventude militar o que realmente ocorreu, por meio

de filmes, fotos, gravações, manchetes e artigos dos jornais e revistas

ELOGIANDO o que estava ocorrendo... Tudo documentado com

IMAGENS e SONS ao vivo da época - não dá para desmentir!

Mostrou fotos e arquivos dos que foram fazer cursos na CHINA, ainda

em 1961... Mostrou fotos de corpos, carros, agências bancárias e quartéis,

vítimas dos atentados terroristas... Muitas e muitas fotos e manchetes de

jornais e revistas da época CONDENANDO os atentados...

Mostrou que os atentados iniciaram ANOS antes do AI 5 – a esquerda

diz que o terror foi reação ao AI 5... Mostrou fotos de ex-terroristas

justiçados pelos próprios "cumpanheros"... Mostrou fotos das grandes obras

do período militar... Apresentou dados do próprio IBGE - órgão do governo

(insuspeito) sobre os índices do progresso que o Brasil teve em todas as

áreas...

A aula está disponível na Sec de História da AMAN, mas fica difícil enviar por e-mail - muito "pesada". Vou tentar obter, repartir a aula e enviar em partes de um MEGA... Foi uma AULA! Não foi palestra, nem formatura comemorativa de nada.. Não houve comemoração nem também crítica a ninguém... só foram apresentados artigos, fotos e gravações do que foi divulgado pelos meios de comunicação social da época.

Foi emocionante ver a juventude militar prestando atenção em tudo...

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B) Grupo Guararapes GRANDE VITÓRIA doc. N 67 – 2011 www.fortalweb.com.br/grupoguararapes A INTERNET encontra-se cheia de revolta contra a ordem de suspender todas as solenidades que comemorassem a vitória de 31 de março de 1964. O ódio explodiu e o GRUPO GUARARAPES vai em outra direção. Pensamos que atingimos o nosso GRANDE OBJETIVO. Esta ordem veio provar que a contra-revolução de 1964 é a VERDADE. A ORDEM É A DEMONSTRAÇÃO DO MEDO. Estão apavorados com a opinião do povo brasileiro. Vamos desenvolver o nosso documento por intermédio de perguntas. Primeira pergunta. A proibição das Comemorações indica que vivemos numa DITADURA? Sim. Na Democracia podemos comemorar datas históricas que não indiquem a quebra da disciplina e se enalteçam os valores morais da Nação Brasileira. Crime seria comemorar a revolta dos sargentos no governo GOULART ou lembrar os grandes roubos praticados no governo passado ou em outros governos. Segunda pergunta. O não cumprimento da ordem de suspensão das comemorações não seria uma indisciplina? Seria. As nossas Forças Armadas sempre foram disciplinadas, respeitadoras dos princípios morais e éticos brasileiros. Em 1964 foram os governadores civis e o povo brasileiro que gritavam nas ruas pela salvação nacional. As Forças Armadas acudiram ao apelo do seu povo brasileiro e salvaram a nossa DEMOCRACIA. Cumpriram ordens de chefes do quilate de um GENERAL CASTELLO BRANCO. O Congresso continuou a funcionar e o STF aberto e julgando e fazendo justiça. Terceira pergunta: A ordem dada foi legal e por autoridade que tem condições morais de dá-la? Legal não foi. Feriu a Constituição no seu item IV art. 5 (é livre a manifestação do pensamento). A autoridade não tem condições morais para exercer cargo público, pois o ministro da defesa é réu confesso de que falsificou a CONSTTTUIÇÃO FEDERAL que passou a vigorar no País. Como criminoso deveria se encontrar preso ou proibido de exercer cargo público de qualquer natureza por ser um falsário. O pior é que tem como seu assessor ex-terrorista, proibido pela Constituição, envolvido em vários crimes graves (mensalão, Araguaia e dólar na cueca). Chefe e assessor formam uma quadrilha , pois são dois criminosos perigosos. Quarta Pergunta. Quais as conseqüências desta ordem descabida que foi dada? Serviu para relembrar e reverenciar os grandes chefes: CASTELLO, ARAGÃO, COSTA E SILVA, DENIZ, MÉDICI, e outros muitos; e os nomes dos generais SALVADOR E HELENO sendo glorificados. E outros foram lembrados como falsos chefes. Soube-se que o desmonte do dispositivo foi um verdadeiro enterro. Soldados tristes, oficiais da ativa revoltados e contidos e a reserva dizendo e falando livremente, e alguns com lágrimas nos olhos relembrando os grandes chefes do passado. Onde os Castellos? Estamos sós e abandonados. O pior é que os chefes de agora talvez pensem que estão sendo queridos. ACEITOS, sim, pela disciplina, mas sem moral desejável para comandar. É um perigo esta situação . SERIA MUITO BOM QUE FOSSE DADA ORDEM PARA COMEMORAR, EM TODOS OS QUARTEIS, O RESULTADO DO RELATÓRIO DAS 332 PÁGINAS QUE EXTAMPAM O MENSALÃO NO GOVERNO PASSADO. SERIA A GLÓRIA DO SISTEMA “COMEMORAÇÃO” DO ROUBO IMPLANTADO NO PAÍS. NO FIM, SERIA DADA GLÓRIA AOS FALSÁRIOS, ASSASSINOS E LADRÕES DA COISA PÚBLICA E OS BUSTOS DOS GRANDES LADRÕES SUBSTITUIRIAM OS DE CASTELLO E CAXIAS, POR SEREM HOMENS DIGNOS E HONRADOS. Quinta pergunta: Será que os chefes de hoje esqueceram as palavras sábias do GRANDE CASTELLO BRANCO? Parece que sim. Castello jamais andaria com comunista, ladrão, falsário, terrorista, mentiroso e assassino. O GRUPO GUARARAPES transcreve as palavras proféticas do GRANDE LIDER MARECHAL HUMBERTO DE ALENCAR CASTELLO BRANCO QUE DEVERIAM SE ENCONTRAR

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NAS MESAS DOS VERDADEIROS CHEFES: Em 1962, em seu ensaio A Guerra escreveu suas ideias: …A guerra revolucionária é uma luta de classes, de fundo ideológico, imperialista, para a conquista do mundo; tem uma doutrina, a marxista-leninista. É uma ameaça para os regimes fracos e uma inquietação para os regimes democráticos. Perfaz, com outros, os elementos da guerra fria. …A guerra fria foi concebida por Lênin para, de qualquer maneira, continuar a revolução mundial soviética. É uma verdadeira guerra global não declarada. Obedece a um planejamento e tem objetivos a conquistar, desperta entusiasmo e medo em grupos sociais e reações contrárias na opinião pública. …Seus objetivos capitais: dissociação da opinião pública, nacional e internacional, criação da indecisão e, o principal, retirar das nações a capacidade de luta. BRASILEIROS E MILITARES! CASTELLO ERA E É O SÍMBOLO DO BRASIL DIGNO! NUNCA SE FALOU TANTO NELE. É UM NOME JÁ CONSAGRADO PLA HISTÓRIA. UM NOME SEM MANCHA. DE UM PATRIOTA DE TODOS OS QUILATES. CASTELLO É A VITÓRIA! É UM SÍMBOLO DA GRANDEZA E DA VERDADE ! A ORDEM DADA É A DEMONSTRAÇÃO DO MEDO, DA PUSILAMINIDADE E DA COVARDIA! CASTELLO, NO TÚMULO DOS HERÓIS, CHORA DE PENA DOS COVARDES DE AGORA. VAMOS REPASSAR! A INTERNET É A NOSSA ARMA! ESTAMOS VIVOS! GRUPO GUARARAPES! PERSONALIDADE JURÍDICA sob reg. Nº12 58 93. Cartório do 1º registro de títulos e documentos, em Fortaleza . Somos 1.780 civis – 49 da Marinha - 474 do Exército – 51 da Aeronáutica; 2.354. In Memoriam 30 militares e dois civis. [email protected]. WWW,fortalweb.com.br/grupoguararapes. 4/4/2011 INDIQUE AMIGOS QUE QUEIRAM RECEBER NOSSOS E-MAILS. OBRIGADO Se você não deseja mais receber nossos e-mails, cancele sua inscrição através do link http://marketing.guararapesgrupo.com.br/admin/sair.php?id=74577|97|0&uid=100816200737715147483

6. DEPOIMENTOS –

RECORDANDO A DITADURA

Flavio Lyra -Brasília, 04 de Abril de 2011. Flavio Lyra

Decorridos vinte e cinco anos da queda da ditadura no Brasil, ainda circula

nos quartéis do país o mito de que o golpe militar de 31 de Março de 1964

foi uma guerra do bem contra o mal que estava prestes a se estabelecer

no Brasil, sob a forma do comunismo. Aliás, entre os países irmãos que

também foram vítimas de semelhante violência institucional na mesma

época, parece ser o Brasil o único em que ainda prevalece o sentimento

de que os militares realizaram uma obra merecedora de elogios e de

comemorações.

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Não vai aqui qualquer libelo contra as pessoas dos militares que estiveram

envolvidos no golpe e nos governos autoritários que vieram em seqüência

durante vinte anos. Muitos deles eram bem intencionados e certamente

realizaram esforços e sacrifícios em defesa da nova ordem institucional.

Não é pretensão atingir os homens individualmente, mas sim o tipo de

instituições autoritárias que foram implantadas no Brasil. São essas

instituições que respondem pelas violências cometidas, quer se trate de

assassinatos, de torturas e de perseguições de toda ordem de que foram

vítimas tantos brasileiros.

Mais importante do que tais violências cometidas contra pessoas foram as

de impedir o livre funcionamento das instituições democráticas e da

condução de uma política econômica, nitidamente em favor das classes

proprietárias e em detrimento da classe trabalhadora e de seus órgãos

representativos. O chamado “milagre econômico” entre fins da década de

60 e inícios da década de 70, apoiou-se em forte contenção salarial,

levando a concentração da renda pessoal do país a um nível dificilmente

encontrável em todo o mundo.

É muito importante que os mais jovens, que não viveram aqueles anos

negros, tomem conhecimento do que significa viver num regime ditatorial.

Relatarei em seguida alguns episódios que tive oportunidade de vivenciar

nessa época.

Assisti de muito perto a deposição e prisão do Governador de

Pernambuco, Miguel Arraes, deportado para a ilha de Fernando de

Noronha e, posteriormente, forçado ao exílio na Argélia. Pela primeira

vez, Pernambuco havia elegido um governador autenticamente popular e

que vinha realizando uma política voltada para os seguimentos mais

pobres da população, especialmente na Zona da Mata, onde os

trabalhadores eram explorados vergonhosamente e não dispunham de

qualquer proteção jurídica contra o abuso dos patrões.

Também estive presente, como funcionário, à verdadeira “operação de

guerra” montada contra a recém-criada SUDENE, órgão instituído pelo

governo de Juscelino Kubistchek e entregue ao comando do economista

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Celso Furtado, com a função primordial de propor e executar uma política

para o desenvolvimento da região mais pobre do país.

Nos primeiros dias depois do golpe militar as instalações da SUDENE

foram literalmente varridas pelas forças militares em busca de pessoas,

estudos e livros considerados “subversivos”. Num segundo momento, foi

nomeado o General Salvador para sua direção e instalado um tribunal

militar para ouvir o pessoal técnico. Muitos dos técnicos saíram

diretamente do tribunal para a prisão.

A SUDENE, embora mantida pelos militares, nunca se recuperou do

trauma sofrido inicialmente, que dispersou seu corpo técnico e alterou a

essência de sua estratégia para desenvolvimento da região. O economista

Celso Furtado, com a ajuda de diplomatas estrangeiros, foi embora para o

exterior.

Na administração pública em geral os cargos mais importantes passaram a

ser exercidos por oficiais da reserva e informantes das forças armadas,

não qualificados para ditas funções. O comandante do IV Exército, o

General Justino Alves, de triste memória, aproveitou-se do posto para

realizar compras no comércio do Recife, que nunca pagou.

Por ocupar um cargo no governo estadual que era disputado por um

oficial da reserva, sofri fortes pressões e ameaças a minha integridade

física e acabei tendo que responder a um inquérito promovido pela

Comissão Geral de Investigações do Governo Federal sobre a gestão que

realizava no Conselho de Desenvolvimento de Pernambuco. O deflagrador

do inquérito foi uma denuncia de dois funcionários que me acusavam de

coisas tão bizarras quanto: ter promovido uma “explosão demográfica”

nesse órgão, contratar jovens idealistas e de manter no corpo técnico

pessoas que assistiam a cursos de russo na Sociedade Cultural Brasil-União

Soviética. Esse inquérito nada apurou contra minha gestão, mas serviu

posteriormente para o IV Exército solicitar minha demissão da SUDENE

com base no que o inquérito “havia apurado”.

Não suportando o clima de tensão permanente em que vivia, temendo ser

preso e torturado, à semelhança dos relatos que ouvia diariamente,

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acabei tomando a decisão de abandonar meu trabalho e meu país e ir

viver no exterior, onde permaneci por mais de cinco anos.

Muitos imaginam que a ditadura no Brasil foi muito suave, dado que

consideram reduzido o número dos que foram mortos, presos e

torturados, quando comparado com os trinta mil mortos pela ditadura

Argentina e os outros tantos mil pela ditadura no Chile. Essa impressão

pode mudar radicalmente, se tiverem em conta o vasto número dos que

sofreram outros tipos de perseguição que não ficaram registradas e os

males acarretados à maioria do povo brasileiro pela falta de liberdades e

pela política econômica posta em prática pela ditadura.

É preciso estar atentos para o fato de que o mal é executado por pessoas,

mas sua verdadeira causa está nas instituições que destroem a liberdade e

tornaram a repressão e a ordem objetivos primordiais, em nome da

defesa dos interesses do povo. Ditadura, nunca mais!

Publicado em

http://blogln.ning.com/forum/topics/recordando-a-

ditadura?xg_source=activity

Com os seguintes comentários:

Agência Brasil - 01/04/2011 - 09h24

O ex-general argentino Eduardo Cabanillas foi condenado à prisão

perpétua por dirigir um centro de detenção e tortura durante a ditadura

militar no país, entre 1976 e 1983.

Três ex-integrantes do serviço secreto da Argentina também foram

condenados por homicídio, tortura e prisões ilegais. Honorio Martinez e

Eduardo Ruffo foram condenados a 25 anos de prisão cada um e o ex-

oficial de inteligência militar Raul Guglielminetti, a 20 anos...

� ► Responder

Per malin k Responder até marco fernandes 1 dia atrás

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Muitos documentos secretos da época têm sido colocados no domínio

público pelo governo americano nos últimos anos. Este é um boletim

sigiloso enviado a Washington em 30 de março, véspera do golpe, por

agentes da CIA lotados em Belo Horizonte.

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ENTREVISTA / LIRA NETO

"O sargentão derrotou o estrategista"

Por Marinilda Carvalho em 9/3/2004

Castello – a marcha para a ditadura, de Lira Neto, 432 pp., Editora Contexto (www.editoracontexto.com.br), São Paulo, 2004; preço: R$ 43,90; lançamento em 10/3

O jornalista e escritor cearense Lira Neto, 40 anos, lança nesta quarta-feira, dia 10/3, Castello: a marcha para a ditadura, biografia do primeiro presidente do regime militar – talvez o mais desconhecido protagonista da ditadura, embora um dos mais falados. Dono de belíssimo texto, o autor conta, nesta entrevista por e-mail, que procurou fugir do maniqueísmo que costuma rechear as opiniões sobre o polêmico biografado. "Sei que corro o risco de desagradar a todos, de uma só vez", diz. "Os que colocam Castello no pedestal talvez se sintam profundamente incomodados ao ver narradas, com todas as letras, suas hesitações, artimanhas, ardis e dissimulações. De modo idêntico, os que simplesmente o satanizam encontrarão, no livro, situações ambíguas, em que o mesmo Castello se mostra radicalmente contrário aos rumos que a história tomou".

Lira não é estreante no gênero: em 1999 publicou O poder e a peste (Fundação Demócrito), a fascinante história, ignorada pela maioria dos brasileiros, do farmacêutico Rodolfo Teófilo, que no início do século 20 combateu praticamente sozinho, no Ceará, uma epidemia de varíola que já dizimara um quinto da população de Fortaleza. Em 2000 Lira publicou também A herança de Sísifo, a arte de carregar pedras como ombudsman na imprensa (Demócrito): depois de ser repórter, editor e chefe de redação de O Povo, do Ceará, foi o primeiro ombudsman do jornal (suas colunas eram reproduzidas aqui no Observatório).

A pesquisa de Castello exigiu três anos de leitura e muita negociação com os militares da Eceme, que abriga o arquivo pessoal do marechal, morto em 1967 em acidente de avião dado como suspeito. O livro conta um bem guardado segredo de família – as circunstâncias da morte do coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, no Rio Grande do Sul – e revela a maior derrota de Castello Branco, que se julgava estrategista imbatível: perder a disputa pela sucessão presidencial para o general Costa e Silva, a seu ver "um sargentão rude e semi-analfabeto". Abaixo, a entrevista de Lira Neto.

Como lembra o texto de apresentação do livro, o Brasil é dividido entre os que vêem Castello Branco como intelectual e estrategista e os que o vêem como truculento e vaidoso. O senhor pendeu para que lado, após a pesquisa?

Lira Neto – O livro, na verdade, procura fugir dos estereótipos típicos do gênero biografia. Biógrafos, com honrosas exceções, costumam cair na vala comum para onde escorregam apologistas e detratores. Preferi mostrar Castello em toda a sua complexidade, ou seja, revelar um sujeito imerso em inevitáveis contradições, a exemplo de qualquer ser humano. Como se trata de um personagem central da história brasileira, protagonista de um momento crítico e controvertido da vida nacional, é normal que sobre ele recaiam admirações e ódios. De fato, os militares o têm na conta do mais culto e democrático entre seus pares. Tal opinião, inclusive, não está restrita aos quartéis. Dia desses, Luís Nassif escreveu um artigo na Folha em que classificava Castello Branco como um grande estadista, um dos maiores que o país já teve. Por outro lado, quem amargou, na própria carne a violência do regime inaugurado pelo marechal terá, sem dúvida, idéia absolutamente diversa. Mais do que proceder a um julgamento póstumo, procurei oferecer ao leitor o maior número possível de informações, traçar um retrato do corpo inteiro do biografado.

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Sei que corro o risco de desagradar a todos, de uma só vez. Os que colocam Castello no pedestal talvez se sintam profundamente incomodados ao ver narradas, com todas as letras, suas hesitações, artimanhas, ardis e dissimulações. De modo idêntico, os que simplesmente o satanizam encontrarão, no livro, situações ambíguas, em que o mesmo Castello se mostra radicalmente contrário aos rumos que a história tomou. Não é, portanto, um livro maniqueísta, apesar das armadilhas que o gênero – e, principalmente, o tema – proporcionam a quem se aventure nele.

É impossível não comparar: foi difícil fazer um livro em área paralela (embora anterior) à de Elio Gaspari, depois de todo aquele carnaval em torno da obra dele? O que o senhor achou do trabalho de Gaspari? Sua pesquisa contradiz Gaspari em alguma questão?

L.N. – O trabalho do Gaspari é muito bom. Claro que li os três volumes que já saíram, e que estão devidamente incluídos na bibliografia de meu livro sobre Castello. Estamos falando de um assunto ainda rico do ponto de vista jornalístico e histórico. Uma fonte inesgotável de pesquisa, apesar de já existir uma considerável produção editorial sobre o regime militar. Porém, penso que quanto mais livros se publicarem sobre o tema, mais luz se jogará sobre aquele que foi, indiscutivelmente, um dos períodos mais escuros de nossa história. Gaspari, como não poderia deixar de ser, por causa da natureza e dos objetivos de seu projeto, faz um vôo rasante sobre a vida e o governo de Castello Branco. Meu livro tem por obrigação descer às minúcias, mostrar o cotidiano do poder, as tramas palacianas, mas também pôr em foco a personalidade contraditória de Castello, vasculhar a intimidade do marechal, compreender suas motivações, inclusive as mais inconfessáveis.

Um detalhe que julgo importante no livro é que, entrelaçado à narrativa da vida pessoal e profissional do personagem central – militar de longa carreira –, todo um contexto histórico se desdobra ao longo das páginas, explicitando as recorrentes interferências das Forças Armadas na vida política nacional. O tenentismo, a Coluna Prestes, a Revolução de 30, a "Intentona Comunista", o Estado Novo, a participação da FEB na Segunda Guerra, o anticomunismo típico da Guerra Fria, o suicídio de Getúlio, a ascensão de Juscelino, os contragolpes de Lott, a renúncia de Jânio, a queda de Jango, está tudo lá. É a história de Castello, mas é também, por tabela, a história da política brasileira ao longo do século XX.

Quais são os documentos inéditos no livro? Há alguma revelação "espetacular" (como foi vista por alguns a declaração de Geisel sobre a execução de presos políticos, neste último livro de Elio Gaspari)?

L.N. – O livro Castello: a marcha para a ditadura é fruto de quase três anos de pesquisa. Utilizei como fonte básica, além das entrevistas, o arquivo particular de Castello Branco, que está sob a guarda da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, a Eceme, localizada na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Foram consultados mais de três mil documentos – cartas pessoais, correspondência oficial, memorandos secretos, bilhetes, anotações de próprio punho do ex-presidente, diários etc. Muito disso estava inédito até aqui.

Também me foi bastante útil a ajuda do brasilianista John Walter Foster Dulles, o primeiro biógrafo de Castello Branco. Dulles me mandou, generosamente, dos Estados Unidos, nove volumes enormes, com as notas datilografadas das cerca de 300 entrevistas que fez à época, no início dos anos 70, para escrever seus dois livros sobre Castello. Como Dulles fez uma biografia autorizada, submetida à família do marechal, muita coisa ali não pôde ser utilizada por ele. No arquivo de Castello existem inclusive cópias dos originais de seus livros, com trechos assinalados e

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suprimidos pelo filho do marechal, Paulo Castello Branco, já falecido.

Um dos segredos mais bem guardados da família, por exemplo, diz respeito à ligação de parentesco entre Castello Branco e o então capitão da Aeronáutica Roberto Hipólito da Costa, que fuzilou, quatro dias após o golpe, o coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, no Rio Grande do Sul. Alfeu, deposto do comando da Base Aérea de Canoas, havia se recusado a receber a ordem de prisão em nome da "Revolução". Ao resistir, acabou morto pelas costas por Hipólito da Costa. Castello, tio de Hipólito, tratou de despachar o sobrinho para os Estados Unidos, como adido militar. Os militares até hoje evitam falar no assunto. Nem a família do oficial morto sabia de tal ligação. Quando, há dois anos, procurei Malena Monteiro, filha de Alfeu, para tratar do assunto, ela ficou surpresa.

Como a família do marechal recebeu sua intenção de fazer essa biografia? Houve algum atrito? E a receptividade do Exército? Algum documento lhe foi sonegado?

L.N. – Nas muitas viagens que fiz ao Rio de Janeiro durante a pesquisa, liguei várias vezes para a filha de Castello, Antonieta Castello Branco, tentando marcar uma entrevista. Ela, porém, nunca encontrou tempo para me receber. Vi então que teria de prosseguir por outros rumos, atacar em outros flancos. Procurei, em Belo Horizonte, a família da mulher de Castello – dona Argentina Vianna Castello Branco, morta poucos meses antes do marido assumir a presidência. Os parentes de Argentina me abriram o baú da família. Contaram-me histórias, confiaram-me fotos e documentos, deram pistas para novas descobertas.

Já no Exército, após uma notória e esperada desconfiança inicial, também consegui importantes informações. Contudo, nas primeiras visitas à Eceme, fui proibido de abrir uma série de pastas, vedadas à consulta, segundo me informaram, por exigência da própria filha da Castello. Percebi, é lógico, que ali estava o quente para minha pesquisa. Não adiantou argumentar que, por força de lei, toda aquela documentação era considerada de utilidade pública. Não, não me deixariam pôr os olhos nela, avisaram. Aos poucos, porém, após alguma negociação, fui tendo acesso às pastas proibidas. A cada nova visita, conseguia a liberação de uma nova prateleira de documentos. As peças foram se juntando e o livro sendo finalmente escrito.

O livro chega a alguma conclusão sobre a posição de Castello quanto aos rumos do regime?

L.N. – A correspondência pessoal de Castello não deixa margens para dúvida. Ao assumir o poder, ele tinha a convicção de que passaria a faixa presidencial para um civil. Para Castello Branco, o golpe de 64 deveria ser uma intervenção cirúrgica, rápida e precisa. Logo as circunstâncias acabaram demonstrando que as coisas não correriam como ele planejara. O racha entre a linha-dura e o grupo a que pertencia Castello – o dos militares ligados à Escola Superior de Guerra, a chamada "Sorbonne dos quartéis" – contribuiu para conduzir o país a outro rumo. Castello estabeleceu uma estratégia perigosa, feita de avanços e recuos táticos, para segurar as rédeas da linha-dura, enquanto impunha ao país um receituário econômico amargo, idealizado por Roberto Campos.

Acabou seu governo sem quase nenhuma sustentação política, com um dos maiores índices de impopularidade já experimentada por um presidente brasileiro e, ainda por cima, pressionado pelos militares radicais, pela classe média, pelos latifundiários e pelo empresariado – justamente aqueles que haviam apoiado e construído o golpe. Seu tão decantado senso de estratégia resultou em retumbante fracasso, ao ponto de ser obrigado a engolir como sucessor na presidência um

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adversário dentro da caserna: o general Costa e Silva. A morte precoce de Castello – vítima de um espetacular acidente aéreo, episódio sob o qual até hoje ainda pairam acirradas controvérsias – impediu que ele viesse a ser, talvez, uma voz até certo ponto dissonante dentro do regime que ajudou a criar. Isso não significa que viria a estabelecer uma dissidência aberta com Costa e Silva – pois foi justamente o receio de dividir as Forças Armadas que o levou a aceitá-lo, sem protestos, como seu sucessor.

Castello foi vítima ou algoz?

L.N. – Se Castello foi alguma espécie de vítima, terá sido de seus próprios erros. E, também, de suas incontáveis contradições. Era, de fato, um homem bem complexo. Feio, atarracado, quase corcunda, estava longe da figura atlética e de porte marcial perseguida pelos colegas de farda. Quando cadete, não podendo competir nas instruções de campo e nos puxados exercícios físicos, tratou de construir para si próprio uma reputação de soldado culto, imagem que cultivaria cuidadosamente pelo resto da vida. Mas os próprios admiradores reconheciam que ele era um poço de recalques. Castello cultivava uma vaidade intelectual exacerbada e fora de propósito, justamente como defesa para seu notório complexo de inferioridade. Era um homem taciturno e, ao mesmo tempo, irreverente, descrito como uma ostra e casmurro por uns, brincalhão e espirituoso por outros.

Gabava-se de ser imbatível estrategista, mas perdeu a batalha principal de sua vida – a disputa pela sucessão presidencial – para aquele que considerava apenas um sargentão rude e semi-analfabeto. Nunca se conformaria com o fato de Costa e Silva, o inveterado jogador de pôquer, ter derrotado a ele, o ardiloso estrategista da Sorbonne. Entre as tantas contradições que vivenciou, uma delas, no entanto, a maior de todas, afetaria a vida uma nação inteira: o presidente que, após ser "eleito" por um Congresso acuado, jurou entregar o país saneado e pleno de democracia, acabou empurrando o Brasil para vinte anos de arbítrio. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=267AZL004