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CARLOS FIOLHAIS e DAVID MARÇAL DARWIN AOS TIROS E OuTRAS HISTÓRIAS DE CIÊNCIA

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Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

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CARLOS FIOLHAIS e DAVID MARÇAL

DARWIN AOS TIROS E OuTRAS HISTÓRIAS DE CIÊNCIA

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CARLOS FIOLHAIS • DAVID MARÇAL

DARWIN

AOS TIROS

e Outras Histórias de Ciência

gradiva

Page 6: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

© Carlos Fiolhais e David MarçallGradiva Publicações, S. A.

Revisão de texto Rita Almeida Simões Capa Armando Lopes (concepção gráfica)/© José Souto-

6 - Criatividade, Imagem e Publicidade, L.d. - Olifante (cartune)/© Mário Rainha Campos (foto de David Marçal)

Fotocomposição Gradiva Impressão e acabamento Manuel Barbosa & Filhos, L.da

Reservados os direitos para Portugal por Gradiva Publicações, S. A. Rua Almeida e Sousa, 21- r/c esq. -1399 -041 Lisboa Telef. 21 393 3760 - Fax 21 39534 71

Dep. comercial Telefs. 2139740 6718 - Fax 2139714 11

[email protected] I www.gradiva.pt

V edição Outubro de 2011 2.a edição Fevereiro de 2012 Depósito legal 340 034 1201 2 ISBN 978-9 89-616-447- 8

gradiva Editor GUILHERME VALENTE

Visite-nos na Internet www.gradiva.pt

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"

Indice

A abrir ....................................................................... 9

o POWERPOINT SETECENTISTA E OUTRAS HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA

o PowerPoint setecentista ................. ....... ...................... 1 3

Homens nus por todo o lado ...... ................................... 1 6

Mozart, a matemática e a lotaria ............... ... ........ . ....... 1 9

Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown ............. 21

Um escaravelho matemático ......................................... .. 24

PROCURAM-SE NÓNIOS DE NUNES E OUTRAS HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA

Procuram-se nónios de Nunes ....... .......... .. .............. ....... 29

Um buraco de onze dias.... .... ... ... ... ...... ... .... ... ... ............. 3 2

O intrépido capitão Lunardi e os lulanos ...................... 34

Einstein eclipsa Newton ....... ..... .... ............................ ...... 3 7

Da órbita de Clarke ao elevador espacial. .................. ... 3 9

O pai incógnito do Sputnik ......... ....... .... ........................ 41

Porque está lá! ............................................................ .... 43 Viagem planetária com dormida na heliosfera .... ... ... .... 45

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6 DARWIN AOS TIROS

Galileo no vidro da frente com uma ventosa ................ 47

Bactérias extraterrestres? Outra vez? ............................ . 49

Alô, Marte, está aí alguém? ....................... .... ................ 52

O eixo do mal na abóbada celeste ................ ...... ........... 54

Multiverso, Alices e coelhos brancos ............................. 56

UM PALIMPSESTO PARA LER NO BANHO E OUTRAS HISTÓRIAS DE FíSICA

Um palimpsesto para ler no banho ................................ 59

Atraso judicial no Vaticano ............................................ 62

Deus e os gigantes da ciência.. ....................................... 66

O padre voador...... ...................... .................. .......... ...... 69

A ilustre família Magalhães .... .............. ........... ... .... . ....... 73

Engenheiro morre no cárcere após suicídio falhado ...... 75

A saga do Vasa: demasiado bonito para flutuar ........... 77

Cientistas incendiários ........................ ............ ................ 8 1

As cores do embaixador Sampayo ....... .... ... .... ............... 84

O maior erro de Einstein ................................................ 86

Prémios Nobel da Física para todos os gostos .............. 8 9

As namoradas de Schrodinger e o significado da vida .... 92

O carteiro de Reguengos traz carta de Einstein .... ........ 94

.0 incrível Hulk ............................................................... 97

Um físico na prisão de Estaline ...................................... 99

O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta com quem nunca era visto ....................................................................... 102

O laser, uma solução à procura de um problema ......... 105

Dinossauros, pirâmides e JFK ......................................... 106

A impunidade do homem invisível ....................... ..... ..... 108

O medo do nuclear .................................. .... ................... 111

A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete ....... 115

A física do futebol ......... ... .............................................. 117

O melhor da existência humana .................................... 119

Uma bomba sexual .......................................... ............... 121

Do Ig Nobel ao Nobel ........................ ........ ................... 123

Gelo quente é possível, Sr. Dr . ....................................... 125

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INDICE 7

GUERRA E PAZ NO MUSEU E OUTRAS HISTÓRIAS DE QUíMICA

Guerra e paz no museu ...................... ......... ................... 129

O cheiro dos ricos .......................................................... 131

Há muito espaço lá em baixo ........................ ................ 13 4

A ilha dos superpesados ................ ................................. 13 7

O mistério da cebola e o verniz estragado .................... 139

Sabe Deus que isto é vitamina C ................................... 141

Nos gloriosos dias do DDT ... ......................................... 143

Gasolina nas torradas e manteiga no depósito de gaso-lina ............................................................................... 145

«ó MAR SALGADO, QUANTO DO TEU SAL...» E OUTRAS HISTÓRIAS DE GEOLOGIA

«6 mar salgado, quanto do teu sal...» .......................... 149

Pânico no clima europeu ................................................ 152

O temor da terra .... . . ..... ................................................. 154

Uma desgraça de profeta ........ ........................................ 156

A MIRABOLANTE FLORA DO DESERTO E OUTRAS HISTÓRIAS DE BIOLOGIA

A mirabolante flora do deserto ...................................... 159

Darwin e o seu amigo açoriano ..................................... 161

A origem da espécie .......... .................. . . ..................... ..... 164

África nossa .. ................................................. ................. 166 Darwin aos tiros ............................................................. 167

A origem da vida: não tente fazer isto em casa ....... ..... 169

Previsões só no fim do jogo: selecção natural irrelevante 172

Previsões só no fim do jogo: o fim das doenças infec-ciosas .......... .......................... .............. ......................... 175

Bullying eterno ........... ...... . . o o o o o ........... ............................. 177

Prémio Nobel para os brócolos . . . ................................... 178

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8 DARWIN AOS TIROS

Geração nada espontânea e o herói dos pacotes de leite 18 1

A festa dos macacos e a base genética da alma ............ 186

« Obrigado, alforreca», diz o coelhinho fluorescente ..... 189

Os homens são todos iguais ........................................... 193

A FABRICA DO CORPO HUMANO

E OUTRAS HIST6RIAS DE MEDICINA

A Fábrica do Corpo Humano ........................................ 197

Um judeu errante ............................................................ 200

Sexo e violência em Egas Moniz ................................... 202

Revolucionários muito conservadores ............................ 205

O lugar da longa vida ................. . . . . . .............................. 207

A matança dos porcos ..................................... . . . ............ 209

Bactérias assassinas ......................................................... 211

A imortal Henrietta ..... ................................................... 213

Presos nas entranhas da Terra ....................................... 215

O ADN de Bin Laden ........................... . . . . . . . . . ................ 217

O CULTO DA CARGA E OUTRAS HIST6RIAS DE PSEUDOCIÊNCIA

o culto da carga ............................................................. 221

Magos e sábios . . ................ . . ........................................... 224

Comunicação extra-sensorial? ........... ............................. 226

A notícia da treta mais deprimente do ano ................... 228

O Dr. House receita testículos de touro e abelhas esma-

gadas ............................................................................ 231

Uma overdose de água e açúcar ..................................... 23 3

A autobiografia emocionante de uma molécula de água 235

O génio solitário e a imortalidade na Internet .............. 238

Lavar a roupa limpa com cerâmicas Kung Fu ............... 242

Notas e referências ...................................................... 247

Créditos das figuras ........................................... . . . ...... 281

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A abrir

NÃO É s6 A FíSICA QUE É DIVERTIDA. Também outras ciências, como a matemática, a astronomia e a astronáu­tica, a química, as ciências da Terra, a biologia e a medi­cina o são. O esforço do homem para compreender o mundo à sua volta e para aplicar esse conhecimento em seu benefício resulta de um impulso interior que dá auto-satisfação intelectual e garante bem-estar materia l . Outras actividades humanas tentam fazer-se passar por ciência sem o serem - daí o nome de pseudociências -, mas são defin itivamente outra coisa. Não se passa a saber mais do mundo através delas. Nem, em geral , a lém daqueles que as praticam, há quem lucre alguma coisa com elas. Não deixa, porém, de ser divertido observar o esforço inglório que muita gente faz para « macaquear» a ciência . . .

Este l ivro conta histórias, mais ou menos divertidas (quando não são divertidas, serão pelo menos curiosas) da ciência, cujos temas foram extraídos tanto da longa história da ciência como da actual idade científica . Foram precisos dois autores, porque a ciência hoje, mais do que ontem, é especializada. O primeiro autor, Carlos

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10 DARWIN AOS TIROS

Fiolhais ( CF) , que é físico, escreveu as histórias de matemática, astronomia, física e geologia, e atreveu-se também a contribuir com algumas histórias de química ( Guerra e paz no museu, O cheiro dos ricos, Há muito

espaço lá em baixo e A ilha dos superpesados), de bio­logia (A mirabolante flora do deserto, Darwin e o seu

amigo açoriano, A origem da espécie e Africa nossa) e todas as de medicina, para além de ter metido uma colher na sopa das pseudociências (O culto da carga,

Magos e sábios e Comunicação extra-sensorial?). Por seu lado, o segundo autor, David Marçal (DM), que é bioquímico, escreveu a maioria das histórias de química e de b iologia (as restantes) , para além de ter tido a seu cargo a maioria das histórias de pseudociência (idem) .

Contribuiu ainda para o capítulo da física com a última h istória (Gelo quente é possível, Sr. Dr.) Os dois, que, juntos, têm divulgado ciência no blogue de ciência, educação e cultura De Rerum Natura (Sobre a Natureza

das Coisas), esperam que as h istórias fiquem bem jun­tas, divertindo quem as leia. Quem quiser saber mais - e ambos esperam que haja leitores que o queiram -encontrará no final do livro algumas notas e muitas sugestões de leitura .

CF quer agradecer à Teresa Pena, ao José Cabrita Saraiva e ao Nuno Pacheco, que editam respectivamente a Gazeta de Física, revista da Sociedade Portuguesa de Fís ica, a secção de ciência da revista Tabu, que acom­panha o semanário Sol, e as colunas de opinião do diário Público, o espaço onde pôde exercitar a pena para escrever a lgumas destas histórias ou, melhor, o rascunho delas, porque foram agora aqui todas revistas e em muitos casos aumentadas. Quer também agrade­cer ao João Filipe Queiró e à Helena Damião a leitura

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A ABRIR 1 1

crítica de alguns desses textos. E ainda quer agradecer a DM a leitura atenta e as excelentes dicas, muitas delas acrescentando uma pitada de humor onde ele fal­tava. Quer, finalmente, agradecer à Anica não só os comentários sempre pertinentes sobre as prosas quen­tinhas, acabadas de sair do forno do processador de texto, como sobretudo o encorajamento à escrita e a compreensão pelo tempo que, com este e outros l ivros, tem sido retirado à vida familiar.

DM quer agradecer à Ana Teresa Gonçalves e à Cata­rina Silva, pela leitura e as propostas construtivas que fizeram para a maioria dos textos. Quer também agra­decer de um modo muito especial a todos os Cientistas de Pé, o grupo de investigadores que fazem stand-up

comedy num projecto coordenado por DM e pelo actor Romeu Costa desde 2009, com quem vários destes temas foram discutidos. Um agradecimento também ao co-autor CF pelo convite para participar neste livro. E, acima de tudo, à Joana, não só pela tolerância de ponto do tempo roubado à vida familiar para preparar este livro, como pelas inúmeras sugestões e discussões acerca da ciência e histórias da ciência, que têm eco nestas páginas.

Os dois autores fazem questão de agradecer a Gui­lherme Valente, editor da Gradiva, pelo óptimo acolhi­mento dado a este livro, tal como no passado deu a outros. Orgulham-se de fazer parte de um projecto consistente e continuado (começou no início dos anos 80 do século passado e prossegue hoje com o mesmo entusiasmo) que tem em vista a expansão da cultura científica entre nós, e que tantos e tão bons frutos tem dado.

Figueira da Foz e Canas de Senhorim,

15 de Agosto de 2011

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o PowerPoint setecentIsta

e outras histórias de " .

m atematIca

o PowerPoint setecentista

A GEOMETRIA DO GREGO EUCLIDES ( 360 a .C.-295 a .c.), que tanto impressionou o físico Albert Einstein quando este era muito jovem, é, de facto, uma das maiores marcas da intel igência humana. Uma gravura numa edição dos Elementos de Euclides do século XVlII mos­tra um grupo de náufragos que chegam, exaustos, a uma praia para eles desconhecida. Não sabem se a ilha é habitada e se podem, por isso, esperar ajuda. Ao encontrarem algumas figuras geométricas traçadas na areia, exclamam com alegria :

Tenhamos esperança, aqui há humanos ...

Um optimismo comovente, tendo em conta as pessoas que actualmente declaram preferir a companhia dos

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animais ou dos jogos de computador . . . Numa versão mais contemporânea e ecológica, um grupo de focas­-monges quando confrontado com figuras geométricas, e se acaso pudessem falar, diriam qualquer coisa como:

Estamos tramadas, aqui há humanos . . .

D e qualquer modo s ó os humanos são capazes de traçar figuras geométricas. O livro encontra-se numa estante da Sala de São Pedro, no edifício central da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a biblio­teca multicentenária que a lberga várias outras valiosas versões dos Elementos, que permitem ilustrar a evolu­ção, ao longo dos séculos, não apenas da recepção da matemática antiga mas também da arte tipográfica. Foram os árabes da Península Ibérica que salvaram a obra de Euclides do esquecimento, preservando-a, atra­vés de sucessivos manuscritos, até aos finais da Idade Média, quando surgiu a imprensa de tipos móveis e com ela os primeiros incunábulos.

Em Portugal, além dos desenhos geométricos manus­critos e impressos guardados em bibliotecas, também existem desenhos dos teoremas de Euclides gravados em azulejo, uma tecnologia com nome e influência árabes. Com efeito, das pranchas matemáticas de uma das edições do século XVII dos Elementos - mais exac­tamente, uma edição de 1 654 saída em Antuérpia, com o título Elementa Geometriae -, devida ao j esuíta belga André Tacquet ( 1 6 1 2- 1 660), foram feitas cópias quase fiéis para azulejo - essa bela arte que os portugueses fizeram sua ( figura 1 ).

Há, porém, um mistério nestes azulejos, que perten­cem na sua maioria ao Museu Nacional de Machado

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H I STÓRIAS DE M ATEMÁTICA

Figura 1 - Azulejo pertencente à colecção

do Museu Nacional de Machado de Cas­

tro, em Coimbra. Diz respeito à proposição

29 do Livro I dos Elementos de Euclides

15

de Castro, em Coimbra (há alguns, poucos, no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, e outros, ainda menos, em mãos de particulares): ninguém sabe ao certo nem de quando são nem de onde vieram. Provavelmente serviram para ensinar os estudantes do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, antes da expulsão, por ordem do Marquês de Pombal em 1 759, dos j esuí­tas, que governaram durante muitos anos esse colégio. A permanente visão dos azulejos nas paredes da sala de aula ou nos muros dos claustros limítrofes tornava mais acessível aos estudantes a geometria euclidiana. Era uma espécie de PowerPoint dos séculos XV1! e XVIII . . . Hoje em dia as apresentações de PowerPoint são usadas nas salas de aula na esperança de que tenham o mesmo efeito hipnotizante nos a lunos do que a televisão.

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1 6 DARWIN A O S TIROS

Apesar de, nesse tempo, ainda não haver televisão, talvez nos séculos XVII e XVIII os j esuítas já achassem que era bom encher o olho dos pupilos com imagens e pala­vras-cha ve.

Os azulejos que se conhecem são cerca de vinte: faltam muitos para completar a reprodução das cente­nas de figuras do l ivro. E há alguns azulejos que não são de matemática, contendo motivos de astronomia e hidráulica, os quais, com toda a certeza, não foram extraídos daquele l ivro. Haverá mais « azulejos que en­sinam» ? Onde estão eles? Este é o enigma dos azulejos matemáticos que aguarda quem o desvende. O facto de, em escavações arqueológicas recentes realizadas no Largo do Marquês de Pombal, perto do Colégio das Artes, em Coimbra, ter sido encontrado um fragmento de um desses azulejos faz pensar que uma parte deles tenha sido desfeita . . . É possível que a fúria restaura­dora do Marquês tenha levado à destruição da maioria dos azulejos que serviram como auxiliar pedagógico nos espaços dos j esuítas . A ser assim, e como Euclides continua e continuará eternamente actual, será lógico concluir que nem sempre há progresso na ciência . Por vezes, há perdas irreparáveis . . .

Homens nus por todo o lado

Podemos com relativa facilidade encontrar um ho­mem nu no nosso bolso: esse homem está na moeda de 1 euro cunhada em Itália, o que não admira, pois o autor da imagem original, que data de 1 490, o artista e inventor Leonardo Da Vinci ( 1 452-1 5 1 9), nasceu em Anchiano, lugarejo perto de Vinci, província de Flo-

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HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 17

rença . O governo do seu país quis deste modo e muito j ustamente homenageá-lo à escala europeia.

Leonardo é não só um dos maiores génios italianos e europeus mas também, para muitos, o maior génio da h istória. E o seu génio, que chegou até nós tanto atra­vés das suas criações artísticas como através das suas criações tecnológicas, está condensado na representa­ção que fez de um homem nu (há quem diga que é um auto-retrato) contido simultaneamente dentro de uma circunferência e de um quadrado ( figura 2). A figura humana toca graciosamente na circunferência ou no

Figura 2 - Original d'O Homem de Vitrúvio de Leonardo Da Vinci. A escrita

só se pode ler ao espelho

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1 8 D A RWIN AOS TIROS

quadrado conforme está com as pernas e os braços em V ou com as pernas unidas e os braços na horizontal . O centro da circunferência e do quadrado não coinci­dem: o primeiro está no umbigo, perto do centro de gravidade do corpo, e o segundo está no sexo.

A representação, cujo original se encontra na Gale­ria da Academia em Veneza, pode ter s ido inspirada, em últ ima anál ise, nas palavras do filósofo grego Protágoras de Abdera, que viveu no século v a.c. : O homem é a medida de todas as coisas. Não se sabe. Mas não há dúvida de que Leonardo foi influenciado pela obra do arquitecto e engenheiro romano Marco Vitrúvio Polião, que escreveu no século I a.c. a obra Dez Livros de Arquitectura, uma vez que glosa esse autor, usando a sua extraordinária caligrafia que só pode ser lida ao espelho, no manuscrito que contém o desenho (daí o nome O Homem de Vitrúvio). O objec­tivo tanto do artista-inventor como do arquitecto que o inspirou era a busca das proporções perfeitas . O sim­bolismo era e é a integração do homem no mundo, o mundo que está escrito em linguagem matemática e onde, por isso, se encontra geometria por todo o lado.

Há homens nus de Leonardo ou aparentados por todo o lado na Terra e até no espaço. Como as boas propor­ções indiciam saúde, é natural que várias instituições médi­cas ou relacionadas com a medicina tenham adoptado, por todo o mundo, o desenho de Leonardo como sua imagem de marca. Os fatos da NASA usados pelos astro­nautas para executarem actividades fora do vaivém ou da Estação Espacial Internacional também mostram o ho­mem de Vitrúvio. E o logotipo da agência de exploração interestelar no filme Contacto, baseado no romance do astrofísico norte-americano Carl Sagan ( 1934-1996), é

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HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 1 9

u m homem d e Vitrúvio estilizado. A visão do homem de Vitrúvio evoca ao mesmo tempo a ciência e a arte. Da Vinci conseguiu, com o homem de Vitrúvio, casar a ciência e a arte melhor do que ninguém. E esse casamento man­teve-se até hoje sem nenhuma possibilidade de divórcio.

Parece, porém, nesta omnipresença de homens nus, haver alguma discriminação. De facto, é uma pena que nenhum país da zona euro tenha feito a moeda feminina correspondente, ou seja, por exemplo, que a França não tenha feito uma representação da Mona Lisa tal como veio ao mundo inscrita em triângulos, quadra­dos, círculos, ou o que quer que fosse!

Mozart, a matemática e a lotaria

o que tem a música do compositor austríaco Wolf­gang Amadeus Mozart ( 1 756- 1 791) a ver com a mate­mática ? Já houve quem dissesse que a escuta da música de Mozart por bebés com menos de três anos aumenta a capacidade de raciocínio espaciotemporal e, portanto, a aptidão para a matemática. Este é o chamado « efeito Mozart» , uma expressão inventada pelo médico fran­cês Alfred Tomatis ( 1 920-200 1 ) , que teria detectado um maior desenvolvimento cerebral de crianças peque­nas depois de elas ouvirem peças de Mozart. Acredi­tando piamente nisso, os governadores norte-america­nos do Tennessee e da Geórgia decidiram oferecer CD com música de Mozart a todas as parturientes dos seus estados. De facto, o efeito Mozart não está de modo nenhum provado. É um daqueles mitos que os media espalharam profusamente sem estarem apoiados por qualquer tipo de confirmação científica. Pseudociência,

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20 D A RWIN AOS TIROS

portanto. Aliás, se a escuta de peças de certos compo­sitores de música pudesse melhorar qualquer tipo de raciocínio, em vez de professores teríamos disc-jockeys

e as salas de aula seriam pistas de discoteca, com os alunos a abanarem o capacete enquanto desenvolviam a legremente as suas aptidões.

Mas Mozart tem mesmo a ver com a matemática. Não que ele fosse um grande conhecedor dessa ciência. Mas, na imensa e rica obra do génio de Salzburgo, encon­tram-se bons exemplos de um importantíssimo conceito matemático - a simetria - que tem numerosas aplica­ções na física e na química. Um espelho exibe uma simetria particular entre um objecto e a sua imagem, trocando a esquerda e a direita. Em certas peças mozartianas, há mesmo um espelho: é tocada a imagem ao espelho de um certo excerto da pauta. Encontra-se, além de um espelho. no espaço, também um espelho no tempo: um excerto da pauta é repetido, mas tocado do fim para o princípio. É ainda frequente encontrarmos nas obras mozartianas simples repetições de um tema musical, uma simetria dita de translação. E Mozart revela-se extre­mamente exímio em combinar de maneira harmónica todas estas simetrias. O nosso ouvido fica tão entretido com a música, que só quem conhece a notação musical e olha com atenção para a pauta é que consegue detec­tar esses verdadeiros truques matemático-musicais.

Alguns matemáticos estudaram com cuidado a mú­sica de Mozart, com o intuito de procurarem esses e outros elementos matemáticos. Procuraram, por exem­plo, a proporção áurea, ou razão dourada, isto é, um número fraccionário (cerca de 1 ,6 1 8) que, desde o tem­po dos gregos, está associado a uma «boa proporção » , n a arquitectura, na escultura, n a pintura, etc . Porque

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H ISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 21

não também na música ? E houve, de facto, estudiosos que reclamaram ter encontrado essa razão nalgumas sonatas para piano de Mozart, quando dividiram os tempos correspondentes às duas partes em que essas obras musicais se compõem: a introdução e o desenvol­vimento. Não há, porém, uma concordância exacta em medidas desse tipo efectuadas em diversas sonatas, o que deve querer significar que, mais do que obedecer rigidamente a uma fórmula matemática, a divisão tem­poral das peças obedeceu a um excepcional sentido de harmonia do genial autor.

Não faltou quem procurasse fórmulas matemáticas por todo o lado nas partituras originais do autor de Eine Kleine Nachtmusik. Todavia, só se encontrou, à margem de uma pauta, um rabisco de um cálculo de probabilidades feito pelo compositor numa sua tenta­tiva, aparentemente vã, de ganhar a lotaria . . . Mozart não era propriamente rico e, como muita gente na sua situação, sonhava com a sorte grande. Teve, depois de morrer, a sorte grande da fama musical, mas em vida nem sequer uma terminação.

Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown

o romance O Símbolo Perdido (Bertrand, 2009), do escritor norte-americano Dan Brown (n . 1 964) , é, tal como outras obras do mesmo autor que a precederam, Anjos e Demónios e O Código Da Vinci, uma obra de ficção, pura ficção. No terceiro livro do autor de superêxitos, a instituição omnipresente no enredo não é a Igreja Católica, tal como nos outros livros, mas a Maçonaria, a associação em grande medida secreta

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fundada em Londres em 1 7 1 7 e que se desenvolveu ao longo de todo o século das Luzes, chegando em crescendo até aos dias de hoje. Brown localiza a sua acção na capital norte-americana, Washington D.e. (District of Columbia), uma cidade fundada precisamente nesse século. Com efeito, foi em 1 791 que o presidente George Washing­ton ( 1 732-1 799), provavelmente maçom, encarregou o arquitecto franco-americano Pierre Charles L'Enfant ( 1 754-1 825), que tanto quanto sabemos não pertencia à associação, de desenhar o projecto da nova cidade, o que este fez conforme o contratado, embora pouco depois viesse a abandonar a obra, incompatibilizado com os mandantes. Brown, no seu livro, revela o que são, na sua óptica, alguns segredos da arquitectura da cidade onde se situam a Casa Branca e o Capitólio. Embora seja possível encontrar elementos maçónicos na grande urbe norte­-americana, como de resto em várias outras da mesma época, é pouco crível que os traços urbanísticos de Wa­shington contenham mensagens secretas, como é dito ou insinuado naquele que se tornou instantaneamente um best-seller. Isso não impede que a capital dos Estados Unidos seja visitada por hordas de turistas, hordas essas recentemente reforçadas pelo romance de Brown.

Na capital portuguesa, reconstruída em grande escala após o grande terramoto de 1 755, portanto antes da cons­trução de Washington D .e., também não são difíceis de encontrar « símbolos perdidos» , isto é, sinais, maiores ou menores, a que se pode atribuir um significado maçó­nico. Tal resulta do facto de, no século XVlI1, terem come­çado a surgir na capital portuguesa lojas maçónicas ligadas a congéneres inglesas. Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782), que alguns dizem ter sido iniciado em Londres quando aí era embai-

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HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 23

xador (não, não há a certeza de que tenha sido maçom), tolerou a maçonaria entre nós. O nosso Iluminismo foi aliás protagonizado por algumas notáveis figuras maçó­nicas como, por exemplo, só para referir cientistas, o botânico e diplomata abade Correia da Serra (o que mostra que, na época, não havia incompatibilidade essen­cial entre a Maçonaria e a Igreja Católica), o médico de origem j udaica António Nunes Ribeiro Sanches (que, tal como o abade Correia da Serra, se « estrangeirou»), o químico e naturalista italiano Domingos Vandelli (que de Pádua se transferiu primeiro para Lisboa e depois para Coimbra) e o botânico Félix Avelar Brotero (que, depois de estudar em Paris, fez carreira em Coimbra). Um dos arquitectos da reconstrução de Lisboa após o grande terramoto de 1 755, o húngaro Carlos Mardel ( 1 696 - 1 763), era também maçom. A primeira loja maçónica mesmo portuguesa, o Grande Oriente Lusi­tano, só foi criada em 1 802, sendo o seu primeiro grão­-mestre um neto do Marquês de Pombal. Apesar de ter passado por vicissitudes várias, essa loja ainda hoje existe. Mas, para grande desgosto de a lgumas mentes mais fantasiosas, é pouco provável, tal como no caso de Washington, que Lisboa esconda segredos cósmicos, ocultados por simbologia maçónica.

Muitos dizem ver no Terreiro do Paço medidas com um significado esotérico. Até o número de colunas nos pórticos j á foi associado às cartas do tarô. Também vêem mistérios na estátua do soberano que teve tanto medo do terramoto, que entregou o poder ao Marquês de Pombal e passou a viver numa barraca. Vêem ainda elementos geométricos ligados à maçonaria (a palavra maçom significa pedreiro e os maçons também são co­nhecidos por pedreiros l ivres) nos edifícios em volta da

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praça, hoje ocupados em grande parte por ministérios. Por exemplo, no cimo do Arco do Triunfo (uma constru­ção que, apesar de ser de inspiração pombalina, só foi concluída em 1 873), à entrada da Rua Augusta, vê-se um triângulo equilátero, um símbolo maçónico muito comum, cujos vértices são dados por três figuras alegóricas, obra do escultor francês Anatole Camels ( 1 822-1 906). As figuras são a Lusitânia Gloriosa que coloca coroas de louros nas cabeças de Apolo e Minerva: a glória coroa o génio e o valor. Por baixo, está em latim:

Virtvtibvs Maiorvm Vt Sit Omnibvs Docvmento. PPD {Pecunia Publica Dicatum}.

Não, PPD não é referência a nenhum partido polí­tico . . . Traduzido para português, o letreiro significa:

Às virtudes dos maiores [mais velhos), para ensina­mento de todos. Dedicado a expensas públicas.

o investimento de dinheiros públicos em obras urba­nas avultadas aconteceu num tempo em que eles exis­

tiam em maior abundância do que hoje . Mas, se o Turismo de Lisboa quer aumentar as excursões à capital portuguesa e com isso aumentar os proventos nacIO­nais, fará bem em chamar Dan Brown . . .

Um escaravelho matemático

Benolt Mandelbrot ( 1 924-2 0 1 0), uma das mentes

mais brilhantes do século passado, foi um matemático polaco-franco-americano (nasceu na Polónia, de uma

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HISTÓRIAS D E MATEMATICA 25

família judaica, mudou-se para França, onde fez estu­dos secundários e superiores, e transferiu-se para os Estados Unidos no pós-guerra). Ficou mundialmente famoso como o criador, a meio dos anos 70, do neolo­gismo {ractal, construído a partir da palavra latina {ractus, que s ignifica fracturado, partido. O « conjunto de Mandelbrot» ( figura 3 ) , uma figura que, apesar de parecer um estranho escaravelho, é obtida a partir de uma fórmula matemática bastante simples, apresenta uma fronteira partida, extremamente partida. Se se olhar mais de perto, continua a estar partida. Trata-se, de facto, de uma figura matemática extremamente com­plexa, havendo até quem lhe tenha chamado a figura matemática mais complexa do mundo, apesar de ser obtida por um processo iterativo simples, facilmente reprodutível num vulgar computador pessoal .

-2

Re[e]

Figura 3 - Representação do conjunto de Mandelbrot. Os eixos horizontal e vertical representam a parte real

e a parte imaginária dos números complexos

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Como se pode reconhecer, fazendo contínuo zoam

sobre o conjunto de Mandelbrot, os objectos fractais que ele exemplifica são infinitamente partidos, isto é, são partidos em todas as escalas, de modo que podem ser caracterizados pela propriedade chamada invariância de escala: o seu aspecto é semelhante qualquer que seja a escala a que os observemos. Na Natureza, abundam objectos desse tipo: por exemplo, a acidentada costa da Grã-Bretanha, formada por numerosos promontórios e baías, é fractal, tal como o é a fronteira entre Portugal e Espanha, desenhada na sua maior parte por cursos sinuosos de rios. Estes dois exemplos aparecem no artigo publicado por Mandelbrot em 1967 na revista Science

com o sugestivo título « Quanto mede a costa da Grã­-Bretanha ? » , um artigo inspirado em dados estatísticos do polímato inglês Lewis Fry Richardson. A resposta à pergunta do título é: depende do tamanho da régua, uma vez que, quanto mais pequena for a régua, maior será o comprimento da costa. No caso da fronteira luso-espanhola, os portugueses, habitantes do país mais pequeno, usam réguas mais pequenas e indicam, por isso, um valor maior para o perímetro fronteiriço do que os seus colegas espanhóis.

A palavra fractal entrou com todas as honras na l íngua portuguesa na capa do livro de Mandelbrot Objectos Fractais, saído na Gradiva em 1 991 (tradução de Carlos Fiolhais e José Luís Malaquias Lima) e encon­tra-se já devidamente dicionarizada. O prefácio desse livro termina com uma paráfrase dos conhecidos versos de Álvaro de Campos:

o conjunto de Mandelbrot é tão belo como a Vénus de Mi/o.

E há cada vez mais gente a dar por isso.

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H ISTÓRIAS D E M ATEMÁTICA 27

o conjunto de Mandelbrot estava reproduzido na capa e, ao referir o seu apelo estético, pretendia chamar a atenção para a relação, profunda mas nem sempre evidente, entre a matemática e a arte.

Porque é que só no início dos anos 80 esse conjunto viu a luz do dia ? Acontece que a figura não pôde ser visualizada satisfatoriamente antes do advento das modernas máquinas de cálculo, porque o seu desenho exige o recurso a um computador digital. Não foi por acaso que ela apareceu quando Mandelbrot trabalhava num instituto de investigação da International Business Machines, IBM, que na época estava a introduzir no mercado o primeiro computador pessoal de grande venda, o IBM-PC.

Além dos objectos fractais do mundo ideal da mate­mática e dos outros que se encontram omnipresentes na Natureza, há ainda outros que surgem em resultado da actividade humana: Mandelbrot, no final dos anos 50, décadas antes do seu livro seminal, interessou-se pela evolução dos preços nos mercados, cujos gráficos em ziguezague haveria mais tarde de reconhecer como figuras fractais . As suas estranhas ideias tardaram um pouco mas acabaram por se entranhar nas escolas de Economia. Anos volvidos, o seu livro O (Mau) Com­

portamento dos Mercados, escrito em co-autoria com Richard Hudson (Gradiva, 2006), celebrou o casamento dos fractais com a economia. A tese aí defendida é a de que o acaso se manifesta nos mercados de uma forma bastante mais irregular do que se pensava. Quando o leitor vê o seu orçamento delapidado pelo aumento do custo de vida, pode encontrar consolo em saber que a evolução dos preços está apenas a desenhar uma bonita figura fracta!. Actualmente, num tempo de grande tur-

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bulência dos mercados financeiros internacionais, bem pode dizer-se que o « pai dos fractais » morreu após ter assistido à confirmação das suas ideias ...

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de

de

Pr ocuram-se " .

n onIos

Nunes e outras histórias . " .

astronomIa e astronautIca

Procuram-se nonzos de Nunes

o MATEMÁTICO PORTUGUÊS PEDRO NUNES ( 1 502-1 578), Petrus Nonius em latim, no seu livro De Crepusculis

(Lisboa, 1 542), considerou que a astrologia eram « qui­meras e superstições quase extintas» . A este respeito, o historiador Jorge Couto escreveu, no catálogo da expo­sição «Estrelas de Pape! » , que esteve patente em 2009 na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, que se assistia então ao:

epitáfio da Astrologia como ramo do saber que gozara de significativa influência durante vários séculos, designa­damente em Portugal, mas que fora reduzida a um papel residual de cariz não científico devido ao desenvolvimento da náutica astronómica que conduziu à emancipação da Astronomia.

Podemos perguntar o que teria acontecido se a astrologia tivesse prevalecido: como teriam corrido as

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viagens mantlmas se a navegação tivesse s ido feita com base na carta astral do capitão da caravela ou a causa dos naufrágios fosse atribuída a horóscopos pouco auspiciosos de determinados membros da tri­pulação?

Mas isso é história virtual . Facto é que à astrologia deixou lentamente de ser reconhecido estatuto de utili­dade pública . Estava-se, então, na véspera da grande revolução na história da ciência que foi desencadeada pela publicação do livro De Revolutionibus Orbium

Coelestium ( Nuremberga, 1 543) da autoria do cónego polaco Nicolau Copérnico ( 1473- 1 543), obra que Nunes conheceu e até, nalguns pontos, comentou, apesar de não se ter tornado copernicano.

Foi no l ivro acima referido do matemático português que surgiu pela primeira vez a ideia de nónio, um instru­mento de dupla escala que permitia aumentar a precisão das medidas angulares de astronomia e que haveria de ser referenciado e mostrado em duas gravuras num livro do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe ( 1 546- 1 6 0 1 ) ( figura 4) e num livro do alemão Johannes Kepler ( 1 57 1 -- 1 63 0), seu discípulo e sucessor. O livro de Kepler Astro­

nomia Nova ( Praga, 1 609) veio a revelar-se essencial para o desenvolvimento da lei de gravitação universal do inglês Isaac Newton, ao apresentar a ideia da forma elíptica das órbitas planetárias. Mas foi numa gravura do frontispício de um livro posterior de Kepler, as Tabu­

lae Rudolphinae (Ulm, 1 627), que apareceu o nónio de Nunes ao lado de Tycho Brahe. Como se vê, já havia, há quatro séculos, l ivre circulação de ideias, de objectos e de livros na Europa. Foi aliás essa circulação que permitiu a eclosão n o Velho Continente da Revolução Científica, que os portugueses, com as suas grandes

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HIST6RIAS D E ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 31

Figura 4 - Quadrante

com nónio de Pedro Nu­

nes, conforme gravura

no livro Astronomiae Ins­tauratae Mechanica, de

1602, de Tycho Brahe

viagens marítimas, ajudaram a exportar para outros continentes.

Apesar de conhecido de Brahe e de Kepler, não che­garam até nós muitos modelos antigos do nónio de Nunes . . . De facto, só chegou um e mesmo o seu conhe­cimento acabou por ser obra do acaso. O comandante Estácio dos Reis, oficial da Marinha portuguesa e his­toriador da ciência e da tecnologia, conta como um dia, ao visitar uma exposição de réplicas de instrumen­tos antigos, possuídas pela IBM, no Planetário Hayden de Nova Iorque, encontrou um quadrante com um nónio, semelhante ao que tinha sido reproduzido por Brahe. Esse encontro fortuito conduziu-o ao Museu e Instituto de História da Ciência de Florença, para onde a legenda do instrumento remetia. Contudo, ainda que

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recorrendo aos simpáticos préstimos de uma curadora, não encontrou nesse museu o quadrante reproduzido na réplica, mas sim um outro quadrante, um aparelho metálico e ainda em bom estado, no qual o diligente historiador pôde inequivocamente identificar o nónio de Nunes. Ficou ele e ficámos todos nós sem saber a partir de onde foi feita a réplica da IBM. De algum instrumento antigo ou simplesmente do livro de Brahe ? A empresa foi inquirida, mas não deu qualquer res­posta .

É pouco, um só nónio antigo de Pedro Nunes? É, mas pode ser que surjam mais . . . A descoberta seria tão inte­ressante para a história da ciência, que quem a fizer ganhará as alvíssaras do reconhecimento público.

Um buraco de onze dias

o astrofísico norte-americano Carl Sagan gostava, para referir a idade de uma pessoa, de usar a expressão «voltas ao Sol » em vez de anos. Morreu, vítima de cancro, a 20 de Dezembro de 1 993, após ter dado 62 voltas ao Sol. O ano não é mais do que a unidade de tempo que corresponde a uma volta completa do nosso planeta em torno da sua estrela. Bem se pode dizer que um raio que do Sol vai para a Terra funciona como um ponteiro de um gigantesco relógio. E é com base nesse relógio que estabelecemos as unidades de tempo, como o segundo, usadas hoje nos nossos relógios terrestres.

Que o ano comece a 1 de Janeiro, entre o solstício de Inverno a 2 1 de Dezembro e a data do periélio terrestre a 3 de Janeiro (quando a Terra está à menor distância do Sol, por mais estranho que isso possa

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parecer) , não passa de uma mera convenção. Podia começar noutro dia ? Podia e era a mesma coisa . . . As revoluções do nosso planeta em torno do astro-rei repe­tem-se com uma extraordinária regularidade e poder­-se-ia ter começado o calendário noutro ponto. Porém, como todas as convenções, também essa tem uma his­tória. O início do ano no dia 1 de Janeiro começou com o estabelecimento do calendário j uliano pelo impe­rador romano Júlio César, no ano 46 a .c. Antes disso, o ano começava no mês de Março. Acrescentaram-se então dois meses ao ano (Novembro e Dezembro) e os últimos dois meses do ano antigo (Janeiro e Fevereiro) passaram a ser os primeiros do novo ano. O ano da mudança decretada por Júlio César, para um tempo que ficou conhecido como « era de César» , ficou j usta­mente conhecido por « ano da confusão » .

Uma outra confusão, embora ligeiramente menor, ocorreu em 1582. A fim de melhor obedecer aos movi­mentos astronómicos, uma bula do papa Gregório XIII, datada de 24 de Fevereiro desse ano, revogou o calen­dário j uliano, decretando que fossem retirados alguns dias ao ano em curso. O dia 1 5 de Outubro surgiu nesse ano logo após o 4 de Outubro, criando assim um « buraco» de onze dias no calendário. O dia 1 de Janei­ro de 2 0 1 1 no calendário gregoriano, que ainda hoje vigora, é o dia 1 9 de Dezembro de 201 0 do calendário juliano. Como era de esperar, países e regiões católicas como Portugal, Espanha, Roma (não existia ainda Itália na forma actual) e Danzigue (pertencente à actual Poló­nia) passaram imediatamente a seguir o édito papal. Desta vez, Portugal estava na linha da frente de uma mudança que haveria de ser global. O novo calendário tinha sido preparado por uma douta comissão que

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incluía o j esuíta alemão Christophorus Clavius ( 1 53 8 -- 1 6 12 ) , talvez o mais famoso estudante d e Coimbra, uma vez que estudou durante cinco anos no Colégio das Artes coimbrão antes de ir dirigir o Colégio Romano, a escola maior dos jesuítas. Outros países seguiram o calendário mais tarde, como, por exemplo, a Inglaterra e a Rússia. Comentou o astrónomo Johannes Kepler, que aliás era protestante, em relação aos ingleses:

Preferiam estar em desacordo com o Sol a estar de acordo com o papa.

o intrépido capitão Lunardi e os lulanos

O que têm em comum Johannes Kepler e Edgar AlIan Poe ( 1 809- 1 84 9 ) ? Pois ambos foram motivo de celebra­ções em 2009: passaram nessa altura 400 anos da publi­cação da Astronomia Nova, o livro que contém as duas primeiras leis do astrónomo alemão, e 200 anos do nas­cimento do poeta e contista norte-americano. Mas os paralelos não se esgotam por aí: Kepler foi o autor da que é considerada a primeira obra de ficção científica da história, Somnium (título em latim, vertido em portu­guês para Sonho) , publicada postumamente em 1 634, na qual descreve uma viagem da Terra à Lua, ao passo que Poe retomou o mesmo tema no seu conto A Aventura

sem Paralelo de Um tal Hans Pfaall, saído em 1 835, que narra uma subida à Lua a bordo de um balão.

Entre as duas datas de que se assinalaram as efeméri­des, s itua-se uma outra : a da primeira ascensão em balão de ar quente, ainda que num protótipo não tripu­lado, con seguida pelo padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão no paço de el-rei D. João V; em 1 709 . Se

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HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 35

Poe relatou no século XIX uma arrojada subida em balão até à Lua foi porque muitos aventureiros tinham antes efectuado demonstrações tripuladas nesse meio de trans­porte. A primeira ascensão humana num balão, dos irmãos Montgolfier, só foi concretizada 74 anos após o ensaio de Gusmão, havendo quem especule sobre a pos­sibilidade de ter havido uma transferência tecnológica através de Alexandre de Gusmão, irmão do inventor da Passarola, que andou por Paris. A bordo iam Pilâtre de Rozier, o professor de Física e Química que se haveria de tornar a primeira vítima mortal de um desastre aéreo quando, anos volvidos, tentava atravessar o canal da Mancha, e o marquês de Oeslambre, um nobre interes­sado em altos voos.

Também em Portugal se realizaram em finais do século XVlII e princípios do século XIX algumas admirá­veis proezas de balonismo. O destemido balonista ita­liano Vincenzo Lunardi ( 1 759-1 806) , que tinha sido o primeiro a subir aos céus na Inglaterra (levando a bor­do um gato, um cão, uma pomba e uma garrafa de vinho ! ) , fez uma exibição da sua perícia no Terreiro do Paço, em Lisboa, que levou o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage ( 1 765- 1 805 ) a escrever o folheto Elogio poético à admirável intrepidez, com que em

domingo 24 de Agosto de 1 794 subiu o capitão Lunardi

no balão aerostático ( Lisboa, 1 794 ) . Bastam dois ver­sos para se ver o estilo grandiloquente do nosso vate:

Guardai da glória no imortal tesouro O nome de Lunardi em letras de ouro.

Lunardi acabou por se fixar em Lisboa, onde veio a falecer.

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Em 1 8 1 9 foi a vez de o professor belga de Física Étienne-Gaspard Robert ( 1 763- 1 837) , mais conhecido por Robertson, e o seu filho Eugene efectuarem um novo espectáculo de subida em balão em Lisboa, que incluiu o primeiro salto em pára-quedas feito em solo português. O pai já tinha realizado vários voos, um dos quais em Copenhaga, que muito impressionou o então j ovem físico dinamarquês Hans Christian 0rsted (mais tarde famoso pela sua descoberta da acção magnética da corrente eléctrica) , a ponto de o ter levado a escrever poemas sobre o voo. Mas, desta vez, o poeta de serviço não era um candidato a cientista mas sim um rival de Bocage, José Daniel Rodrigues da Costa ( 1 757- 1 832) , conhecido por josino Leiriense na Arcádia Lusitana, que escreveu no mesmo ano do espectáculo o poema O Balão

aos Habitantes da Lua: Uma Epopeia Portuguesa. Numa reedição de 2006 da Faculdade de Letras da Universi­dade do Porto, pode ler-se a engraçada sátira social, que roubou a forma a Os Lusíadas. O argumento é bastante científico, como se percebe de um curto extracto:

Matemáticos pontos combinando, Tendo por base a grande Astronomia, Um Génio, que não tem nada de brando, Projecta ir ver o Sol, fonte do dia: Em pejado Balão vai farejando, Subindo mais e mais como devia; Divisa a Lua, mete-se por ela, Pasma de imensas cousas que viu nela.

Mas, partindo da ciência, a literatura voa livre. A Lua, nesta utopia portuguesa, é povoada pelos Lulanos, nome parecido com Lusitanos. Mas, como numa utopia à Thomas More tudo deve ir ao contrário, eis que nessa

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Lua habitada, ao contrário do que se passava em Por­tugal, a justiça funciona:

Aqui não há ladrões! Se um aparece, É logo e sem demora castigado; Tenha empenhos ou não, ele padece, Sofrendo o que na Lei lhe é destinado.

A cntIca aos atrasos da j ustiça não terá perdido actual idade . . . Há que fazer j ust iça a Bocage e a Rodrigues da Costa, não só por terem feito um bom retrato do seu país, mas também e principalmente por terem cruzado a ciência, ou melhor, a sua filha directa, a tecnologia, com a arte. Se não têm a notoriedade mundial de Kepler e de Poe, deviam, pelo menos, ter uma maior notoriedade no vasto espaço de língua por­tuguesa.

Einstein eclipsa Newton

o eclipse do Sol que celebrizou Albert Einstein ( 1 879-- 1 955) ocorreu no dia 29 de Maio de 1 91 9. Foi obser­vado por uma equipa britânica chefiada pelo astrónomo Arthur Eddington ( 1 8 82-1 944) , na ilha do Príncipe, que na altura era uma colónia portuguesa, associada à ilha de São Tomé (o conjunto constitui o arquipélago de São Tomé e Príncipe, hoje país independente) . Tra­tava-se de confirmar, ou de infirmar, um desvio dos raios de luz provenientes de certas estrelas, que era previsto pela teoria da relatividade geral de Einstein, pelo simples facto de eles passarem perto do Sol. Numa reunião da Royal Society realizada em Londres, em

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conjunto com a Royal Astronomical Society, a 6 de Novembro de 1 9 1 9, os resultados das observações realizadas no Príncipe foram anunciados urbi et orbi. E estes, em concordância com observações realizadas em simultâneo em Sobral, no Norte do Brasil, por uma outra equipa inglesa, deram razão a Einstein.

O criador da teoria da relatividade geral não duvi­dou um só momento que fosse da correcção da sua teoria. Nesse mesmo ano de 1 9 1 9, quando alguém lhe perguntou como teria reagido se não tivesse havido confirmação, Einstein respondeu, exibindo uma abas­tada autoconfiança:

Nesse caso eu teria pena do bom Deus. A teoria está certa de qualquer modo.

E, mais tarde, comentou a respeito do seu colega e amigo Max Planck, por este ter sido mais céptico:

Mas ele realmente não entendia muito de física, [por­que J durante o eclipse de 1 9 1 9 ficou a noite toda acorda­do para ver se iria confirmar a deflexão da luz pelo campo gravitacional. Se tivesse realmente entendido a teoria da relatividade geral, teria ido para a cama tal como eu fiz.

O êxito de Einstein correu logo todo o mundo. O jornal Times de Londres titulava em caixa alta a 7 de Novembro de 1 9 1 9: « Revolução na ciência . Nova teoria do Universo. » Na notícia dizia-se que Einstein acabava de destronar o gigante Isaac Newton do lugar maior da história da Física. Chegou também, passados alguns dias, a Portugal ( que não tinha enviado astróno­mos para acompanhar a expedição, apesar de a revista

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coimbrã O Instituto ter publicado, anos antes, um artigo alertando para a importância do eclipse ) . A 1 5 de Novembro, um título do jornal O Século, publicado em Lisboa, era tão conciso como exacto: «A luz pesa . »

A vida do sábio suíço-americano de origem alemã mudou radicalmente a partir dessa altura. Einstein não seria Einstein sem a fama que lhe deu o eclipse. Pode dizer-se que há duas fases na biografia de Einstein : antes do Príncipe e depois do Príncipe, duas fases que alguém descreveu respectivamente como « Dos Princípios para o Príncipe » e « Do Príncipe para Princeton» . Ainda hoje se recorda o eclipse solar de 1 9 1 9, quando não se re­cordam muitos outros bastante semelhantes. Se o eclip­se celebrizou Einstein, não é menos certo que Einstein celebrizou aquele eclipse. O ano de 1 9 1 9 não poderia ter ficado na história da astronomia como ficou sem o abono que o eclipse concedeu à teoria da relatividade.

Da órbita de Clarke ao elevador espacial

O escritor de ficção científica inglês Arthur C. Clarke ( 1 9 1 7-2008 ) morreu, no Sri Lanka, onde residia há longos anos, alguns meses depois de ter soprado 90 velas no seu bolo de aniversário. A foto da festa de anos, com o aniversariante em cadeira de rodas, correu o mundo, pois ele foi o autor, com o norte-americano Stanley Kubrick, de um dos filmes mais famosos de sempre: 2001 : Uma Odisseia no Espaço. Poucos sabem, porém, que Clarke era, por formação, físico, tendo estudado no King's College de Londres depois da Se­gunda Guerra Mundial. Durante essa guerra serviu o seu país na Royal Air Force, tendo ajudado ao desen-

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volvimento da tecnologia do radar, verdadeiro respon­sável pelos sucessos aéreos dos Aliados.

Foi em Outubro de 1 945, quando tinha apenas 28 anos, que Clarke, numa revista de electrónica amadora (Wireless World), avançou com uma das maiores ideias das ciências espaciais: o satélite geoestacionário. O artigo intitulado « Extra-terrestrial relays» « < Retransmissores extraterrestres» ) e subintitulado « Can Rocket Stations Give Worldwide Radio Coverage ? » « < Podem estações em foguetões fornecer uma cobertura mundial de rá­dio ? » ), especulava sobre a possibi lidade de uma rede de satélites fornecer uma cobertura radiofónica global. Um satélite geoestacionário situa-se numa órbita geoes­tacionária, conhecida como órbita de Clarke. Essa órbita, a 35 mil quilómetros de altitude, está hoje tão densamente povoada de satélites (tem mais de três cen­tenas), não só de comunicações mas também de meteo­rologia, que faz lembrar a praia da Costa da Caparica em pleno mês de Agosto . . .

Porquê 35 mil quilómetros? Para obter esse valor, basta fazer algumas contas, usando a segunda lei de Newton e a fórmula da força de gravitação. Ensina-se nos actuais programas de Física do 1 0 .0 ano de escola­ridade que um satélite a essa altitude, colocado sobre o equador, demora exactamente 24 horas a dar a volta a Terra. Como o meu planeta faz uma rotação completa nesse tempo, o satélite está sincronizado com ele: é visto do equador como estando permanentemente parado. Em 1 945 não se sabia que a tecnologia dos satélites era viável e ela só se viria a concretizar em 1 957, a data da subida aos céus do primeiro Sputnik . O Sputnik 1 girava a uma órbita baixa, bem longe da órbita de Clarke, e apenas em 1 963 foi lançado pelos

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americanos o primeiro satélite geoestacionário. Clarke ficou célebre na ficção científica, mas o seu artigo da Wireless World não era, portanto, ficção: era científico.

Modernamente, há ideias que parecem tão lunáticas como a órbita de Clarke parecia no final da guerra . Uma das mais interessantes consiste em construir um elevador espacial, isto é, um fio estendido na vertical até essa órbita e que se mantenha esticado, a rodar com a Terra pelo facto de a ponta estar numa órbita geoes­tacionária. O fio teria de ser muito resistente para per­mitir içar objectos para o espaço, dispensando assim os dispendiosos foguetões que hoje se usam (no seu artigo original, Clarke falhou quando previu foguetões a energia nuclear) . Há quem proponha usar nanotubos de carbono, fios constituídos por camadas de carbono enroladas que conseguem ser ultrafinos e ao mesmo tempo ultra-resistentes, faltando porém saber se essa tecnologia assegura a necessária « magia » . O mais curioso é que Clarke tenha previsto (bem, ele não foi o primeiro . . . ) o elevador espacial no seu romance de ficção científica As Fontes do Paraíso (edição original de 1 979 ) . Situava-o precisamente no seu local de elei­ção, o Sri Lanka, a antiga ilha de Ceilão, chamada, pelos portugueses do tempo dos Descobrimentos, Tapro­bana. O elevador espacial não nos levará, como escre­veu Luís de Camões n' Os Lusíadas, para « além da Taprobana» , mas sim para cima da Taprobana !

o pai incógnito do Sputnik

O chamado « pai do Sputnik » foi o ucraniano Sergei Pavlovich Korolev ( 1 906- 1 966 ) . Em contraste com o

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engenheiro alemão (depois naturalizado norte-ameri­cano) Wernher von Braun ( 1 9 12- 1 977), o « pai do Saturno

V» e portanto o « pai da viagem à Lua » , o engenheiro Korolev não é muito conhecido, pelo menos no mundo ocidental . Muita gente sabe que von Braun construiu durante a Segunda Guerra Mundial as bombas voadoras V2 ao serviço dos nazis que, lançadas de bases no Norte da Alemanha, espalharam o terror no Centro e Sul de Inglaterra. E muitos sabem também que ele foi preso por tropas norte-americanas e levado à força para o outro lado do Atlântico, onde mais tarde veio a desenvolver os poderosos foguetões que levaram as naves Apolio na ponta do nariz para cumprir missões lunares.

Mas pouca gente conhece o que quer que seja da biografia de Korolev. Ele está praticamente esquecido no Ocidente. Pouca gente sabe que, antes de dirigir o programa espacial soviético, Korolev foi apanhado numa purga ordenada pelo ditador José Estaline e pas­sou a guerra internado, primeiro, num gulag da Sibéria e, depois, num campo de prisioneiros cujo trabalho escravo era precisamente construir aviões. Um dos seus companheiros nessa prisão foi outro grande génio da aviação - Andrei Tupolev ( 1 8 8 8- 1 972 ) , nome mais conhecido por estar associado a uma bem-sucedida em­presa aeronáutica. E pouca gente sabe que a ideia da ida do homem à Lua pertenceu, não ao engenheiro Von Braun nem ao presidente Kennedy, mas sim . . . ao enge­nheiro Korolev. Essa posição nunca foi assumida publi­camente pelos soviéticos porque seria uma verdadeira confissão de derrota na corrida ao espaço, depois de o génio de Korolev lhes ter permitido obter uma mão­-cheia de estrondosas vitórias. O primeiro engenho a alunar, um aparelho forte e feio que ostentava orgu-

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lhosamente a foice e o martelo, foi o Luna 2, em 1 959 . E o primeiro homem a viajar no espaço foi o russo Yuri Gagarin, que entrou em órbita terrestre a bordo da nave Vostok em 1 96 1 . Contudo, a União Soviética não estava em condições, em finais dos anos 60, de compe­tir com os norte-americanos na corrida com tripulação humana ao nosso satélite natural. Em 1 969, nas véspe­ras da missão Apollo 1 1 , von Braun ainda receava que, nesse tempo em que a Guerra Fria exigia segredos fecha­dos a sete chaves, pudesse haver uma surpresa de ú ltima hora do outro lado da Cortina de Ferro. Mas não houve.

Uma das razões foi a morte prematura do grande engenheiro-chefe. Korolev tinha falecido em 1 966, no auge da sua carreira, durante uma operação cirúrgica de rotina. O presidente russo Vladimir Putin prestou­-lhe uma merecida homenagem em 2006, por ocasião do centenário do seu nascimento. Korolev pode não ter concretizado o seu sonho de ver humanos pisarem solo lunar, mas, sem ele, primeiro a União Soviética e depois a Rússia nunca teriam podido voar tão alto como voaram.

Porque está lá!

Quando um repórter perguntou ao montanhista in­glês George Mallory ( 1 8 8 6 - 1 924 ) porque é que ele queria escalar até ao cimo do monte Evereste, ele terá respondido:

Because it's there! ( << Porque está lá ! » )

Ainda hoje constitui um mistério sa ber se Mallory atingiu O cume da maior elevação do mundo, a mais de

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44 DARWIN AOS TIROS

oito qui lómetros de altitude, uma vez que ele morreu durante a tentativa, em 1 924, não existindo provas do­cumentais de que tenha estado no cimo, como existem em relação ao neozelandês Sir Edmund Hillary ( 1 9 1 9--2008 ) e ao nepalês Tenzing Norgay ( 1 9 1 4- 1 986 ) , que chegaram ao cume em 1 953 , tendo regressado sãos e salvos. Tardaram 75 anos até que o corpo do malo­grado Mallory fosse encontrado pelo a lpinista norte-ame­ricano Conrad Anker (n . 1 962) numa expedição espe­cialmente preparada para esse fim. Mas não foi achada a câmara fotográfica com a qual ele poderia ter regis­tado o sucesso. Ela provavelmente estará com Andrew lrvine ( 1 902-1 924), o seu jovem companheiro de ascen­são, cujo corpo não foi até hoje encontrado. Na reali­dade, estes pioneiros do Evereste têm tido azar com as máquinas fotográficas, uma vez que também não há nenhuma fotografia de H illary no cume, apenas uma do nepalês Norgay, que não sabia usar uma máquina fotográfica. Segundo o seu companheiro neozelandês, « o cume do Evereste não era o lugar para lhe começar a ensinar » . Muito sensato . . .

Os astronautas norte-americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin, os membros da missão Apollo 1 1 que, no dia 20 de Julho de 1 969, foram os primeiros seres humanos a pisar o solo poeirento da Lua ( << One small

step for man . . . », «Um pequeno passo para o homem . . . » ) ,

fazendo-nos chegar inequívocos registos fotográficos e cinematográficos da sua excursão e regressando depois na perfeição ao seu planeta natal, poderiam muito bem ter respondido como Mallory a uma pergunta seme­lhante, no seu caso sobre a viagem ao nosso satélite natural. De facto, a Lua está lá, dia após dia, noite após noite, por cima das nossas cabeças, bem mais visível

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H ISTÚRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 45

para todos do que a montanha Evereste. É por isso que, desde pelo menos o sírio Luciano de Samósata (c. 1 20-c. 1 80) , o astro mais próximo de nós tem ins­pirado muitos sonhos de viagem. Foi o caso de escritos do alemão Johannes Kepler e do francês Cyrano de Bergerac. A ânsia humana de chegar a todos os sítios que « estejam lá » constitui o verdadeiro motivo de todas as explorações, tanto na Terra como fora dela. Se o ensejo da primeira viagem à Lua foi a competição dos Estados Unidos com a União Soviética, que conduziu ao famoso anúncio da intenção de chegar à Lua antes do final da década feito pelo presidente John Fitzgerald Kennedy em 1 96 1 , em reacção política às proezas orbitais soviéticas do Sputnik e de Yuri Gagarine, o verdadeiro impulso, tanto individual como colectivo, foi decerto a descoberta de mais mundos, a travessia das fronteiras, a auto-superação. Foi Edmund Hillary que afirmou:

Não conquistamos a montanha, mas sim a nós mes­mos.

A Lua continua lá, à mesma distância de nós. E é o mesmo impulso de sempre, o impulso de conquista de nós mesmos, que nos vai levar - esperamos que em breve - a lá voltar.

Viagem planetária com dormida na heliosfera

o termo heliosfera, l iteralmente « esfera do Sol » , de­signa o casulo envolvente da nossa estrela e também de todo o sistema solar onde os ventos solares (chuveiro

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46 DARWIN AOS TIROS

de partículas carregadas ou plasma emitidos pelo Sol) encontram o espaço interestelar. A sonda Voyager 2, lançada pela Agência Espacial Norte-Americana, NASA, de cabo Canaveral, na Florida, no dia 20 de Agosto de 1 977, chegou trinta anos depois à heliosfera. No longo caminho da viagem passou sucessivamente por Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno, aproveitando uma rara conjugação na mesma zona do espaço destes grandes planetas, e enviou reportagens espectaculares desse grande tour planetário.

A sonda sua irmã Voyager 1 já tinha chegado um pouco antes à heliosfera, apesar de ter sido lançada ligeiramente depois. Acontece que, apesar do parentesco no nome e nos objectivos, as órbitas das duas naves são bastante diferentes, dirigindo-se a Voyager 1 para cima do plano do equador terrestre e a Voyager 2 para baixo dele. Acontece ainda que a hel iosfera, apesar do seu nome, não é bem uma esfera, devido à influência de campos magnéticos interestelares. A Voyager 2 , ao contrário da Voyager 1 , manteve os seus detectores de plasma em pleno funcionamento, pelo que nos enviou informações preciosas sobre o conteúdo de uma zona remota do nosso sistema planetário na altura em que estava a findar 2007, declarado pelas Nações Unidas Ano Internacional da Heliofísica .

Enquanto fechava esse ano, as duas naves continua­vam a sua prodigiosa viagem, à velocidade de 50 000 quilómetros por hora . Ambas estão mergulhadas na heliosfera e por lá irão continuar durante vários anos, dada a enorme vastidão dessa zona. O limite da helios­fera , que se chama hel iopausa, está pelo menos a 4 anos de viagem das sondas. A Voyager 2 enviar-nos­-á registos da travessia dessa última fronteira solar.

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HISTÚ RIAS DE ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 47

É preciso alguma sorte, pois pode esgotar-se a energia fornecida pela sonda e, consequentemente, os seus ins­trumentos deixarem de funcionar. Se isso acontecer, será como um carro ao qual acaba o combustível quase no fim da viagem, com a diferença de que à sonda nin­guém lhe pode valer.

Por sugestão do astrofísico norte-americano Carl Sagan, cada uma das naves transporta uma placa que tem inscritas saudações em várias l ínguas, incluindo a língua portuguesa. É muito pouco provável que, na heliopausa ou para lá dela, haja alguém que fale portu­guês, mas vá-se lá saber . . . Se houver e encontrar a placa, ficará decerto todo contente ao reconhecer a língua de Camões numa nave naufragada por aquelas remotas paragens! Para além da heliopausa é muito, muito mais longe do que para além da Taprobana.

Galileo no vidro da frente com uma ventosa

A 27 de Abril de 2008 foi lançado da base espacial de Baikonur, no Cazaquistão, a bordo de um foguetão russo Soyuz, o segundo satél ite do sistema de navega­ção Gal ileo, o grande projecto que a União Europeia preparou para concorrer com o GPS norte-americano. O primeiro satélite tinha sido lançado em 2005 pela Agência Espacial Europeia, ESA.

O GPS - Global Positioning System é, na sua ori­gem, um sistema militar de localização e continua a sê­-lo em larga medida. Em 1 983 , na sequência do trágico abate de um avião civil sul-coreano que atravessava o espaço aéreo sovletlcO, o presidente norte-americano Ronald Reagan decidiu abrir o GPS ao uso civil . Na

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48 D A RWIN AOS TIROS

pratica, coexistem actualmente um sistema militar, de elevada precisão, e um sistema civil, de menor precisão, que tem conhecido um boom por todo o mundo (quem é que ainda não usou, por exemplo, o TomTom? ) . Em 2000, o presidente norte-americano, Bill Clinton, man­dou desactivar a « disponibi lidade selectiva » , isto é, a possibilidade de as autoridades militares interferirem destrutiva mente no sinal GPS público em caso de neces­sidade imposta por um conflito. Mesmo assim, a União Europeia decidiu que era necessário um sistema a lter­nativo só para uso civil, devendo esse sistema ter maior precisão do que a do GPS actual (o objectivo último é a precisão de apenas um metro ) . A discussão entre a União Europeia e os Estados Unidos foi bastante dura após os ataques do 1 1 de Setembro de 200 1 da AI-Qaeda às Torres Gémeas de Nova Iorque, que have­riam de conduzir a guerras no Iraque e no Afeganis­tão. No entanto, em 2004, as duas partes chegaram finalmente a um acordo, que incluiu a mudança das frequências do Galileo e a regulação de toda e qual­quer actuação conj unta em caso de guerra . As duas tecnologias até então rivais entraram a partir de então numa fase de cooperação. Se não os podes vencer, jun­ta-te a eles . . .

Como funciona o GPS e como v a i funcionar o Galileo? Essencialmente da mesma maneira, uma vez que a tecnologia subjacente é muito semelhante. Pelo menos três satélites, equipados com relógios atómicos, que são relógios extraordinariamente precisos, enviam sinais por microondas para terra, que são l idos por receptores do GPS ou Galileo, também equipados com relógios mas menos precisos. A posição do receptor determina-se computacionalmente a partir das posições

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H ISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 49

dos satél ites em linha de vista, assim como dos instan­tes de emissão e de recepção dos sinais.

O Galileo, que usará 30 satélites e duas bases de rastreio, é extremamente dispendioso: em 2007 eram precisos mais 3 ,4 mil milhões de euros para o desenvol­ver. As empresas privadas tremeram perante o montante desse investimento. Só no final desse ano, durante a presidência portuguesa da União Europeia, se deu um passo decisivo para desbloquear o projecto, alocando ao Galileo fundos comunitários retirados à agricultura e à administração comunitária . O sistema europeu (de facto, não é só europeu, pois à Europa já se j untaram países asiáticos como a China, a Índia e a Coreia do Sul ) , deverá estar operacional em 2 0 1 3 , se tudo correr bem. Nessa altura, vamos poder escolher entre o GPS e o Galileo. Na competição entre os dois, não se sabe quem vai ganhar. Vamos ver qual deles vai aparecer em maior número colado com uma ventosa no vidro da frente dos carros . . .

Haverá certamente algumas pessoas, mais desconfia­das, que gostarão de ter os dois: «O GPS diz que che­gámos a casa dos primos, mas no Galileo ainda faltam dois metros. É melhor telefonar. »

Bactérias extraterrestres? Outra vez?

Em 1 996, circulou por todo o mundo a notIcIa de que tinham sido encontrados vestígios de bactérias num meteorito caído nos gelos da Antárctida e, em princí­pio, proveniente de Marte. A origem dessa informação foi a NASA, e a proporção que ela atingiu teve a ver com o facto de o próprio presidente Bill Clinton se ter

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50 DARWIN AOS TIROS

pronunciado sobre o assunto numa apresentação tele­visiva difundida da Casa Branca. Mas a controvérsia foi grande e hoj e permanecem sérias dúvidas sobre a h ipótese de descoberta de vida extraterrestre que foi formulada na altura. Pode muito bem ter havido uma contaminação da amostra por bactérias terrestres, pelo que as bactérias marcianas ficaram por confirmar.

Apesar de esforços incessantes de numerosos inves­tigadores, não sabemos ainda se há vida noutros sítios do nosso vasto cosmos além da Terra . A astrobiologia, o cruzamento da astronomia com a biologia, é actual­mente uma das áreas mais activas e mais interessantes da ciência : os astro biólogos perscrutam, com os seus poderosos telescópios, sinais de complexos químicos no espaço, enviam a Marte e a outros astros do sistema solar bem equipadas sondas capazes de detectar formas de vida, e procuram marcas biológicas em meteoritos caídos no nosso planeta. A notícia devidamente confir­mada do achamento de vida extraterrestre, qualquer que fossem o sítio e o meio usados, causaria decerto um grande alvoroço na Terra.

Mas, até agora, nenhum organismo vivo que possa ser considerado extraterrestre se achou de um modo que não deixe margem para dúvidas. Nenhum? Bem, o Journal of Cosmology publicou em 20 1 1 um artigo de Richard Hoover (n. 1 943 ) , cientista da NASA, que, a acreditar na interpretação do autor, mostra fósseis de cianobactérias em meteoritos carbonáceos, isto é, meteo­ritos que contêm carbono. Esses meteoritos, examina­dos agora com modernas técnicas físico-químicas, já não são novos, estando guardados em museus de ciên­cia (dois deles caíram em França no século XIX e foram examinados por grandes químicos da época) . Hoover

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HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 51

notou que alguns filamentos microscopiCos presentes

nos meteoritos se assemelham às cianobactérias, bacté­

rias que são comuns nas águas dos oceanos e cuja capa­

cidade de fotossíntese terá s ido responsável pela forte

presença de oxigénio na Terra. O padrão dos elementos

químicos identificados levou-o a afirmar que essas bac­

térias não eram como as terrestres, defendendo por isso

a tese de que elas tinham vindo de fora do p laneta.

O canal de televisão de pendor sensacionalista Fox

News, do norte-americano Rupert Murdoch (o mesmo

dono do News of the World, que fechou em 201 1 com

um enorme escândalo ) , propalou a novidade aos qua­

tro ventos, logo ampliada por outros órgãos de comu­

nicação social em vários países. Mas a questão não é

nada simples e, tal como quinze anos antes, as reacções

adversas não se fizeram esperar. Foi sobretudo discu­

tida a credibilidade da revista, uma recente publicação

de acesso l ivre na Internet cujo rigor no processo de

avaliação por peritos pode deixar a desejar. Em revistas

científicas credíveis, nada é publicado sem passar no

exigente crivo de referees escolhidos pelos editores. Ora

o editor da área de astrobiologia daquela publicação

pode ter uma visão enviesada. Trata-se de Chandra

Wickramasinghe (n . 1 939 ) , um cientista indiano acér­

rimo defensor da ideia de panspermia, teoria segundo a qual a vida na Terra teve uma origem extraterrestre

(é autor de um livro sobre o tema em co-autoria com

o norte-americano Fred Hoyle, o bem conhecido adver­

sário da teoria do Big Bang). Essa tese não resolve o

problema da origem da vida, simplesmente expl ica a

vida da Terra dizendo que ela veio doutro lado. A pans­permia não deixa, porém, de ser um conceito interes­

sante, que até poderia ser aplicada na política se os

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52 DARWIN AOS TIROS

decisores públicos tivessem suficiente imaginação para

alegarem que a origem da crise económica é extrater­

restre . . .

A s opiniões dividiram-se, mas a comunidade dos

astrobiólogos achou precária a sustentação científica

que Hoover fornecia no seu artigo. O mais provável é

que esta « descoberta » , tal como a das bactérias marcia­

nas de 1 996, não venha a passar na avaliação externa,

que demora algum tempo e costuma ser mais severa do

que a interna. A ser assim, não será ainda o fim dos

extraterrestres ( ET) fora dos cinemas. A sua busca irá

continuar . . .

Alô, Marte, está aí alguém?

A resposta à pergunta sobre se há vida no planeta

Marte tem sido intensamente procurada pelos terrestres.

De facto, só conhecemos vida na Terra, dando-se o caso

de alguma dessa vida ser inteligente. Mas, atendendo à

extensão do espaço, é não só possível como provável

que haja vida, quiçá vida inteligente, noutros sítios do

vasto cosmos. Em Marte, por exemplo, que está rela­

tivamente perto de nós. É o planeta mais próximo do

nosso depois de Vénus (o <<p laneta irmão da Terra» ) , o

qual, devido às suas altíssimas temperaturas provocadas

por efeito de estufa, se apresenta como um verdadeiro

inferno, e não pode, por isso, abrigar seres vivos.

Depois de um voo de dez meses, a sonda Fénix (em

inglês, Phoenix), um projecto da NASA, liderado pela

Universidade de Arizona, sediada na cidade de Phoenix (daí o nome), nos Estados Unidos, pousou perto do pólo norte de Marte no dia 25 de Maio de 2008. Foi

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HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRO NÁUTICA 53

um verdadeiro alívio no centro de controlo quando a

sonda, já em solo marciano, respondeu à chamada da

Terra, por ondas de rádio, uma vez que a exploração de

Marte parecia amaldiçoada. Dos 19 engenhos que

tinham sido enviados nos dez anos anteriores, cerca

de metade tinha falhado. Dessa vez, felizmente, tudo

correu bem e ao leitor bastará consultar a Internet

(http://phoenix. lpl .arizona.edu/) para se encantar com

vários retratos de Marte feitos pela Fénix. Com a mis­

são perfeitamente cumprida, a sonda calou-se passados

alguns meses, devido à falta de energia.

O escritor norte-americano de ficção científica Ray

Bradbury (n . 1920) escreveu nas suas Crónicas Marcia­

nas que existem marcianos: os marcianos somos nós . . .

quando chegarmos a Marte. D e facto, através desta e

das sondas anteriores, estamos a preparar a nossa pri­

meira viagem ao Planeta Vermelho. Convém por isso

saber o que vamos encontrar. Com certeza que a Fénix

não procurou nem encontrou homenzinhos verdes, mais

ou menos semelhantes a nós, mas procurou encontrar

microrganismos. Não seria uma completa surpresa se

os tivesse detectado, mas seria decerto um marco não

só na história da ciência como na história da humanidade.

A sonda dispunha de um braço robótico com mais de

dois metros destinado a escavar o solo marciano. Suspei­

tava-se de que a superfície extremamente fria do Norte

de Marte escondesse gelo. Já se sabe, de resto, que

existe água em Marte, embora apenas água gelada. E a

água é uma das substâncias essenciais para a vida tal

como a conhecemos no nosso planeta. Mas, a respeito

de microrganismos marcianos nada, zero, coisa nenhuma . . . Os microrganismos não lêem. Mas, não vá dar-se o

caso de aparecer algum deles letrado (sabe-se lá , talvez

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54 DARWIN AOS TIROS

com um curso das « Novas Oportunidades» feito à dis­

tância), a Fénix levou a bordo uma biblioteca, a pri­

meira biblioteca em Marte, de outras que mais tarde se

deverão seguir. Trata-se de um conjunto de l ivros com­

pactados em forma digital num DVD intitulado Visions

of Mars (Visões de Marte). A biblioteca reúne a melhor

ficção que tem sido escrita sobre Marte : não só textos

da autoria de Bradbury, mas também dos ingleses

Herbert George Wells e Arthur C. Clarke, e dos norte­

-americanos Wil liam Burroughs e Isaac Asimov. Inclusi­

vamente, a voz de Sir Arthur C. Clarke está lá gravada,

numa saudação fraterna aos marcianos.

O ezxo do mal na abóbada celeste

Partículas nuas e com charme, supergigantes e super­

novas, buracos negros, matéria escura, quinta-essência,

inflação: os astrofísicos gostam muito de nomes que

chamem a atenção. Pois o << eixo do mal » , que era uma

curiosa expressão da política, usada pelo presidente

George Bush num dos seus discursos sobre o <<Estado

da União» para designar alguns países inimigos do seu,

com programas nucleares em curso, como a Coreia do

Norte, o Irão e o Iraque, também entrou na l inguagem

da física . . .

Com efeito, <<Ü eixo do mal » (no original inglês,

<< The axis of evi l » ) foi o título de um artigo publicado

na prestigiada revista científica Physical Review Letters,

em 2005, pelo astrofísico português João Magueijo

(n. 1 967, em Évora ), professor e investigador no Impe­rial Col lege de Londres) e pela sua aluna de doutora­

mento inglesa Kate Land ( hoje investigadora na Univer-

Page 57: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 55

sidade de Oxford) . Magueijo e Land deram esse nome

a uma linha que, segundo eles, marcava uma acentuada

assimetria na chamada « radiação cósmica de fundo» , o

clarão de microondas que ficou como resto fóssil do

momento da criação dos átomos por todo o Universo,

há cerca de 14 mil milhões de anos, quando o Universo

só tinha 300 mil anos (um bebé, portanto, comparado

com a idade que tem hoje ) . A observação rigorosa dessa

radiação com a ajuda de um satél ite da NASA, que se

fartou de dar voltas à Terra, valeu o Prémio Nobel da

Física, em 2006, aos norte-americanos George Smoot e

John Mather, chefes de uma numerosa equipa, tal como

a observação de um ruído esquisito numa antena na

Terra já tinha valido, em 1978, o Prémio Nobel da

Física a outros dois norte-americanos, Arno Penzias e

Robert Wilson, que, em contraste com os seus sucesso­

res, trabalhavam com um pequeno grupo. O cosmos é,

assim, como um enorme forno de microondas. E as

microondas cósmicas chegam cá ao fundo da atmosfera,

embora se apanhem muito melhor lá em cima.

De início, o «eixo do mal » não passava de uma

mera especulação, mais uma entre tantas outras que se

fazem na astrofísica. Segundo os seus autores, nem todas

as direcções do espaço seriam equivalentes, ao contrá­

rio do que se supunha. Mas, poucos anos passados,

dois estudos independentes um do outro, um belga e

outro norte-americano, vieram aparentemente confir­

mar a existência do referido eixo. A ser verdade, o

modelo do Big Bang (um outro nome curioso criado

pelo astrofísico inglês e autor de ficção científica Fred

Hoyle só para denegrir a ideia de momento inicial da criação, que ele pura e simplesmente abominava), que actualmente reúne um amplo consenso na comunidade

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56 DARWIN AOS TIROS

científica, estará confrontado com um novo e impor­

tante desafio. O dito eixo poderá abalar a teoria do Big

Bang!

De facto, a teoria do Big Bang, apesar de ser hoje

largamente partilhada pela maioria dos cientistas que

estudam o Universo em grande escala, não é indiscutí­

vel, tal como o não é, de resto, nenhuma teoria cientí­

fica. O aceso debate sobre a origem do Universo irá

continuar e provavelmente até avivar-se. Curioso é que

seja o mesmo Magueijo que há poucos anos tinha pro­

curado contrariar a teoria da relatividade restrita de

Einstein, atacando um dos seus pilares essenciais (a

constância da velocidade da luz), que venha agora opor­

-se a uma ideia cosmológica associada à teoria da rela­

tividade geral, também de Einstein. Magueijo não se

cansa de contrariar Einstein. Da outra vez, a sua voz

não se conseguiu impor no seio da comunidade cientí­

fica. Será desta?

Multiverso, A/ices e coelhos brancos

Certas áreas da física contemporânea aproximam-se

perigosamente da ficção científica. O astrónomo polaco

Nicolau Copérnico ensinou-nos que era o Sol, e não a

Terra, o centro do mundo {que, na altura, estava res­

trito ao sistema solar). De início, quase ninguém deu

ouvidos ao que ele dizia e, com o avolumar de provas,

tornámo-nos todos copernicanos. Hoje, alguns astrofí­

sicos querem fazer-nos crer que o Universo não é ape­

nas um, mas que existe o Multiverso, uma pluralidade eventualmente infinita de universos, nos quais o nosso

não assume de modo nenhum o papel central. É apenas

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HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 57

um entre uma multidão de outros. Acontece que há

cada vez mais gente a acreditar nessa nova tese . . .

Se descontarmos as extravagâncias de alguns escri­

tores de ficção, a ideia de « muitos mundos» ou « mun­

dos paralelos» surgiu nos anos 50 do século passado no

contexto das tentativas de interpretação da teoria quân­

tica . Debatendo-se, como tantos outros, com as dificul­

dades da noção quântica da probabilidade, o físico

norte-americano Hugh Everett III ( 1 930-1 982) teve uma

saída muito original : propôs a existência de vários uni­

versos ou mundos. Em cada um deles concretizava-se

um dos futuros possíveis oferecidos pelas leis quânticas

probabilísticas. O chamado «gato de Schrodinger» é o

protagonista de uma célebre experiência conceptual : o

pobre animal estava fechado numa caixa, podendo mor­

rer devido a um fenómeno quântico. Segundo a teoria

quântica convencional, haveria uma certa probabilidade

de ele estar vivo e a probabilidade remanescente de ele

estar morto. Segundo a teoria dos muitos mundos de

Everett, ele estaria vivo num certo mundo físico e morto

num outro. Quer dizer, o gato estava ao mesmo tempo

morto e vivo, conforme o mundo. Parecia, e era mesmo,

uma teoria do outro mundo. O estranho conceito dos mundos paralelos ressusci­

tou nos tempos mais recentes, impulsionado por mo­

dernas teorias cosmológicas, embora noutras vestes.

Sendo o início do Universo um processo quântico,

poderá ter acontecido que o Universo que habitamos

e conhecemos seja apenas um dos resultados possíveis

e que haja outros, muitos outros. Onde estão eles? Pois,

mal comparado, o nosso Universo poderá ser apenas

uma bolha que está, perfeitamente incógnita, no seio de uma espuma, j untamente com inúmeras outras, para

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58 DARWIN AOS TIROS

nós inacessíveis. Como se esta teoria não fosse suficien­

temente estranha, há quem defenda que o « borbulhar>>

do Big Bang é um processo contínuo e eterno, isto é,

que estão sempre a nascer e irão sempre nascer mais

universos no incomensurável Multiverso.

Outros autores há que pugnam pela pluralidade de

universos por uma via diferente desta. Para eles, os

outros universos não estão para além do nosso hori­

zonte cósmico, mas antes têm portas abertas dentro do

nosso próprio mundo. Sabemos hoje, por via tanto

teórica como observacional, que o cosmos a que temos

acesso possui « buracos>> - chamados mesmo buracos

negros- onde o espaço-tempo acaba. Existe muita

especulação sobre esses abismos cósmicos, pois neles

acaba também toda a física que conhecemos. Alguns

físicos imaginam que tais sítios, devido a uma qualquer

modificação da gravidade, são túneis para outros uni­

versos do Multiverso. Carl Sagan, que além de repu­

tado astrofísico foi também o autor do muito vendido

romance de ficção científica Contacto, em que se serve

de viagens no espaço-tempo ao longo de « buracos de

minhoca >> (wormholes), para mover personagens para

paragens d istantes, escreveu num estilo poético-l iterário:

Os buracos negros podem ser entradas para Países das

Maravilhas. Mas haverá lá A/ices e coelhos brancos?

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Um palimpsesto no banho e

de outras física

para ler histórias

Um palimpsesto para ler no banho

JÁ ALGUÉM, NUMA BELA METÁFORA, disse que Deus CO­

nhece o futuro mas, para conhecer o passado, criou os

h istoriadores. E os historiadores fazem, por vezes, des­

cobertas fascinantes. É o caso da descoberta em 1 906,

na cidade de Constantinopla, na Turquia, do Palim­

psesto de Arquimedes ( figura 5 ) , um precioso manus­

crito da autoria do grande sábio grego Arquimedes (287

a.C.-212 a.C.) , que habitou na cidade de Siracusa, na

Sicília, no tempo em que essa i lha de Itália pertencia ao

mundo grego. Um palimpsesto, para quem por acaso

não saiba, é uma obra escrita por cima de outra, um

processo que se usava num tempo em que era preciso

economizar materiais. Um l ivro sobre essa descoberta, e tão fascinante

como ela, saiu em Portugal quase em simultâneo com

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60 DARWIN AOS TIROS

Figura 5 -Página do palimpsesto de Arquimedes. Repare-se na escrita sobreposta

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HISTÓRIAS DE FISICA 61

o seu ruidoso lançamento a nível mundial. Tem o título

O Codex Arquimedes (Edições 70, 2007) e são seus

autores dois norte-americanos: o historiador de ciência

Reviel Netz e o conservador de manuscritos e livros

raros William Noel, que dirige um projecto de investi­

gação sobre o precioso manuscrito.

O conteúdo do livro não é ficção, embora por vezes

pareça. A obra conta, de uma forma que prende o lei­

tor tal como um thriller, como o dito códex foi arrema­

tado em leilão por dois milhões de dólares, oito anos

antes de o livro sair, uma quantia oferecida por um

investidor anónimo, que logo cedeu a obra a especialis­

tas para estudo. No século x, um escriba, ainda mais

anónimo do que o referido comprador, tinha copiado

do grego um conjunto de obras avulsas de Arquimedes.

Essa cópia foi, dois séculos depois, rasurada por um

monge cristão para dar lugar a um livro de orações, a

obra que chegou até nós. As mais modernas tecnologias

permitiram, nos últimos anos, reconstituir nesse l ivro

de orações originais únicos, que estavam semiocultos,

mas apesar disso legíveis: Dos Corpos Flutuantes, Do

Método Relativo aos Teoremas Mecânicos e Stomachion.

O primeiro é o tratado que contém a famosa Lei de

Arquimedes, relativa à impulsão, que é ensinada na

escola: todo o corpo mergulhado num líquido está

sujeito a uma força vertical, de baixo para cima, cujo

valor é igual ao peso do volume de líquido deslocado.

O segundo é, em certos aspectos, precursor do cálculo

diferencial que o inglês Isaac Newton e o alemão Gott­

fried Wilhelm von Leibniz formularam quase vinte sécu­

los mais tarde para descreverem matematicamente os movimentos. E, finalmente, o terceiro, que inclui um

intrigante puzzle, coloca interessantes questões de com-

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62 D A RWIN AOS TIROS

binatória, um ramo da matemática que se julgava ser

bem mais recente.

Os autores deste thriller histórico-científico não têm

quaisquer dúvidas em afirmar que «Arquimedes é o

maior cientista de todos os tempos». Para eles, Arqui­

medes bate Newton e Einstein aos pontos. Quase dois

mil anos antes da Revolução Científica, aquele que, se

não foi o maior cientista de todos os tempos, foi decerto

o cientista mais avançado de toda a Antiguidade, conse­

guiu descobrir como funcionava o mundo - no caso

da descoberta da impulsão foi mesmo caso, segundo a

lenda, para gritar Eureca! e correr nu pelas ruas da

cidade -, aliando o raciocínio lógico-matemático à

experimentação. Usando, portanto, o método cientí­

fico, muito antes de ele ter sido forma lizado e apl icado

de forma sistemática.

Atraso judicial no Vaticano

A 25 de Agosto de 1 609, o físico italiano Galileu Gali lei ( 1 564- 1 642), numa demonstração do primeiro

telescópio, construído por si próprio, aos senadores da

República de Veneza, apontava com o dedo indicador

a ocular por onde eles deviam olhar. O invento do novo

instrumento valeu- lhe um bom reforço de salário.

Quem quiser hoje, passados mais de 400 anos, ver,

dentro de uma redoma, um dos dedos de Galileu terá

de se deslocar a Florença, ao Museu e Instituto de

História da Ciência, no centro histórico da cidade. Tal

como uma relíquia de um santo, o dedo foi retirado do

cadáver do sábio italiano, acabando por entrar nas colecções do museu.

Page 65: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

H ISTÓRIAS DE FfSICA 63

Mais tarde, Galileu haveria de apontar o seu teles­

cópio ao planeta Júpiter, em cujas imediações desco­

briu quatro satélites, aos quais hoje chamamos galilai­

cos, mas aos quais ele na altura chamou estrelas de

Médici, numa tentativa de agradar aos grandes senho­

res de Florença . Essas e outras primeiras observações

do céu feitas por Galileu com o seu telescópio foram

logo confirmadas por padres jesuítas interessados pela

astronomia . Olhando para onde apontava o dedo de

Galileu, membros dessa ordem viram o mesmo que ele

tinha visto. Um dos maiores astrónomos da época, o

jesuíta alemão Cristophorus Clavius, que tinha estuda­

do em Coimbra e que era grande admirador de Pedro

Nunes, manifestou simpatia pelo trabalho de Galileu,

embora essa simpatia não se tivesse traduzido na acei­

tação do heliocentrismo, que Galileu defendia aberta­

mente e que considerou confirmado ou pelo menos

reforçado pela sua observação das luas de Júpiter ( fi­

cou para ele claro que a Terra não era o centro de

todos os movimentos celestes) .

Quem estiver e m Florença - e o visitante terá toda

a vantagem, tal como no filme do realizador norte­

-americano James lvory, em reservar um quarto com

vista sobre a cidade- não pode, para além do Palácio

dos Mediei (Palazzo Vecchio) e da Catedral (Duomo)

com o Baptistério de São João (Battistero di San Giovanni)

em anexo, deixar de visitar o túmulo de Galileu, na

Basílica de Santa Cruz (Basílica di Santa Croce), que

aliás aparece em cenas desse filme. Perto dos túmulos

de Dante, Maquiavel e Rossini, encontra-se o de Galileu,

uma preciosa obra artística que merece as atenções dos turistas . O conteúdo tem atraído os cientistas: uma

equipa de investigadores ingleses e italianos já pediu

Page 66: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

64 DARWIN AOS TIROS

autorização à Igreja Católica para abrir o túmulo e

estudar os restos mortais do astrónomo e físico. A res­

posta das autoridades eclesiásticas poderá ser diferente

da das autoridades civis portuguesas, que recusaram

terminantemente a abertura do túmulo de D . Afonso

Henriques, na Igreja de Santa Cruz em Coimbra, a fim

de uma equipa científica internacional, liderada pela

antropóloga forense Eugénia Cunha, realizar exames

antropológicos que nos permitissem saber mais sobre o . . .

nosso pnme1ro re1.

Pode parecer estranho que um cientista condenado

em 1 630 por um tribunal da Igreja Católica, e que mor­

reu a cumprir a pena de prisão perpétua domiciliá­

ria, tenha sido sepultado num templo dessa instituição.

Mas a estranheza talvez diminua se se souber que o

processo judicial, que radicou na defesa por Galileu

das ideias heliocêntricas de Copérnico, contrariando

ordens recebidas da Inquisição, nunca abalou a fé de

Galileu.

Galileu não via incompatibilidade entre fé e ciência.

Quando notou, numa carta à grã-duquesa Cristina de

Lorena, consorte de Fernando I de Médici, grão-duque

da Toscânia, que «a intenção do Espírito Santo é ensi­

nar-nos como se vai para o céu e não como o céu vai >> ,

estava a citar o cardeal Caesar Baronius, bibliotecário

do Vaticano, que tinha resolvido dessa forma o conflito

entre religião e ciência. É certo que a Bíblia afirmava,

a certo passo do Antigo Testamento, que o Sol andava

em volta da Terra. Falava até de um milagre, porque o

Sol teria parado a meio do seu movimento. Se o Sol

não se movesse, permanecendo quieto no centro do

mundo, como seria possível esse milagre ? Mas contra­dições entre o texto da Bíblia e o conhecimento cientí-

Page 67: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS D E FÍSICA 65

fico já tinham surgido antes e sido u ltrapassadas pelos

religiosos mais esclarecidos. Por exemplo, certos trechos

das Escrituras segundo os quais a Terra é plana levaram

alguns padres antigos a rejeitar o conhecimento grego

de que o nosso planeta tinha forma esférica . Contudo,

os cristãos mais cultos aceitaram a esfericidade do nosso

planeta muito antes de ela ter sido demonstrada pelas

viagens de circum-navegação. O físico norte-americano

Steven Weinberg (n. 1 933 ) , especialista em física de

partículas e cosmologia e laureado Nobel, i ronizou a

este respeito:

Dante achou até que o interior da Terra redonda era

um bom lugar para os pecadores.

Há compatibil idade entre ciência e religião? Para se

admitir que sim, é preciso, como bem mostra o caso de Gal i leu, abandonar a ideia de que a Bíblia é um l ivro

de ciência. A Bíblia não pode, obviamente, ser levada

à letra, como fizeram ontem os cardeais à frente do

Santo Ofício e fazem hoje os criacionistas evangélicos. Em 1 992, o papa João Paulo II ( 1 920-2005) , depois de

uma demorada revisão do processo por uma comissão ad

hoc, admitiu publicamente que a condenação de Gali leu

pelo Tribunal da Inquisição tinha sido afinal um erro.

A Igreja organizou, depois dessa reabi litação muito pós­

tuma, no Ano Internacional da Astronomia, celebrado

em 2009, um congresso em Florença, com ampla parti­

cipação dos j esuítas, onde se discutiu o julgamento de

Galileu, e uma exposição em Roma sobre « Galileu e a

ciência astronómica>> . Não sendo possível a canonização, só falta agora erguer uma estátua a Galileu nos jard ins

do Vaticano. E, pelos vistos, pouco falta, pois uma

Page 68: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

66 DARWIN AOS TIROS

proposta já foi avançada nesse sentido. Quem j ulga que

a justiça portuguesa é demasiado lenta, com montanhas

de processos acumulados há tantos anos que parecem

séculos, devia considerar a justiça do Vaticano . . .

Deus e o s gigantes da ciência

Foi o físico inglês Isaac Newton (1643-1727) que

afirmou, numa carta escrita em 1676:

Se consegui ver mais longe foi porque estava aos

ombros de gigantes.

A carta dirigia-se ao seu rival Robert Hooke (1635-

-1703 ) , e havia na redacção escolhida pelo signatário '

uma deselegante a lusão, ainda que velada, à pequena

estatura do seu interlocutor, que na altura reclamava a

precedência de uma descoberta da óptica, numa disputa

em curso na Royal Society de Londres. Newton era, de

facto, uma pessoa de muito poucos amigos. Cultivava,

a liás, as inimizades. Seja qual for o sentido da frase, o

carácter cumulativo da ciência não podia ter sido mais

bem explicitado. Com efeito, sem os contributos do

astrónomo polaco Nicolau Copérnico, do astrónomo

alemão Johannes Kepler e do astrónomo e físico italiano

Galileu Galilei, Newton não teria podido realizar a sua

notável obra, que unifica os movimentos no céu e os

movimentos na Terra com um só formalismo universal .

E , sem conhecer bem todos esses contributos (como

aliás de muitos outros) , o físico suíço, nascido na Ale­

manha, Albert Einstein não poderia, bem mais tarde, ter alargado a nossa descrição do cosmos.

Page 69: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE FÍSICA 67

E onde está Deus em tudo isso ? Que visão tinham de

Deus os referidos gigantes da ciência ? A Revolução

Científica, iniciada em 1 543 com a publ icação do livro

que divulgava a teoria heliocêntrica de Copérnico, ocor­

reu no seio de uma Igreja que vivia tempos de grande

convulsão interna devido à reforma luterana. O monge

alemão Martinho Lutero ( 1 483-1546) foi aliás um dos

primeiros a ridicularizar as ideias científicas de Copér­

nico, que era cónego na catedral católica de Frauenburg,

na Polónia (um cónego não era padre, mas quase ) . Fê­

-lo antes mesmo de elas serem publicadas em forma de

livro. Tanto Kepler como Galileu foram ardorosos cren­

tes. Kepler era luterano, tendo começado por se prepa­

rar na Universidade de Tübingen para uma carreira

teológica que acabou por não seguir, em favor de uma

carreira científica. Cedo abraçou as ideias de Copérnico,

com as quais contactou em Tübingen. Por seu lado, o

seu contemporâneo Galileu era católico, tendo estudado

a doutrina da Igreja num mosteiro perto de Florença

antes de ingressar como estudante de Medicina na

Universidade de Pisa, um curso que não chegou a con­

cluir. Kepler deu provas nos seus livros da sua religio­

sidade, ao alardear nalguns passos um elevado misti­

cismo. E a fé de Galileu, um cristão bem relacionado

com a mais alta hierarquia da Igreja de Roma, não

esmoreceu com a severa pena a que o Tribunal da

Inquisição o condenou.

Por seu lado, Newton era, por formação, anglicano,

comungando naturalmente da religião oficial de Ingla­

terra. Tal como os gigantes a cujos ombros subiu, tam­

bém ele estudou Teologia. Para o sábio inglês, não havia dúvidas de que o Universo era obra de Deus, iniciada

na Criação e continuad,a desde então até à actualidade.

Page 70: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

68 DARWIN AOS TIROS

Porém, o seu pensamento religioso estava bem longe de

ser ortodoxo. Não aceitava, por exemplo, a doutrina

da Santíssima Trindade, defendendo antes a ideia de

que Deus era unipessoal. Teve, porém, de manter secreta

essa sua posição, até porque era membro do Trinity

Col lege ( Colégio da Trindade) na Universidade de

Cambridge. E também teve de manter secretos a lguns

dos seus heterodoxos estudos sobre a Bíblia . . . Tão se­

cretos como os seus labores alquímicos, mantidos du­

rante séculos na escuridão.

Einstein conseguiu, do ponto de vista religioso, ser

ainda mais heterodoxo do que Newton. De ascendên­

cia judaica, nunca entrou, contudo, numa sinagoga para

rezar ou assistir a qualquer acto de culto. Não acredi­

tava pura e simplesmente num Deus pessoal, um Deus

tal como aparece no Antigo Testamento. Antes achava

que o transcendente se encontrava na ordem misteriosa

do mundo, que a ciência conseguia decifrar. Um rabino

de Nova Iorque perguntou-lhe um dia, por telegrama,

se acreditava em Deus. E a resposta foi curta, uma vez

que era pré-paga e havia que respeitar um número l i­

mite de palavras:

Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmo­

nia ordenada daquilo que existe, não num Deus que se

preocupa com os destinos e as acções dos seres humanos.

O Deus do judeu Einstein era o mesmo do judeu holan­

dês de origem portuguesa Bento de Espinosa ( 1 632-

- 1 677) que, em 1 656, tinha sido excomungado (o chérem

de que foi alvo é a mais alta punição no judaísmo) na

Sinagoga Portuguesa de Amesterdão devido às suas posi­ções declaradamente heréticas. Mas esse Deus de Eins-

Page 71: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE FISJCA 69

tein e Espinosa pouco ou nada tem a ver com o Deus,

de barbas e vozeirão, do Antigo Testamento, que ralha

e castiga os humanos quando eles não Lhe obedecem .

O padre voador

A quem entra na Biblioteca Joanina, em Coimbra, pode

parecer que penetra num templo, tal é o esplendor do

barroco que logo salta à vista no seu interior. Há até

alguns turistas desprevenidos que se persignam. Mas o

altar está substituído pelo retrato do poderoso monarca

que mandou construir a Casa da Livraria e que mereceu,

assim, dar o nome à biblioteca: D . João V ( 1 689- 1 750) .

Foi um período de ouro da nossa história, ou pelo menos

de folha dourada, pelo brilho e ostentação que o Rei

Sol português gostava de mostrar em tudo quanto fazia.

Nisso imitava o Rei Sol autêntico, Luís XIV, que reinava

em França, quando D. João V foi, em 1 707, entronizado.

Passados dois anos do seu longo reinado,_ um inusi­

tado acontecimento veio acrescentar brilho a esse tempo.

Um estudante de Cânones da Universidade de Coimbra, de 23 anos, o padre Bartolomeu Lourenço, que mais

tarde tomou o nome de Gusmão ( 1 685- 1 724), nascido

em Santos, Brasi l , escreveu ao rei, na a ltura apenas

com 1 9 anos, uma petição para construir um «instru­

mento para se andar pelo ar> > , da qual se conserva uma

cópia na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

A l inguagem da petição é deliciosa, valendo a pena

saborear um bocadinho:

Senhor, diz Bartolomeu Lourenço que ele tem desco­berto um instrumento para se andar pelo ar, da mesma

sorte que pela terra e pelo mar, e com muito mais brevi-

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70 DARWIN AOS TIROS

dade, fazendo-se muitas vezes 200 e mais léguas de cami­

nho por dia, no qual instrumento se poderão levar os

avisos de mais importância aos exércitos e terras mui

remotas quase no mesmo tempo em que se resolverem:

o que interessa a Vossa Majestade muito mais que a

nenhum dos outros Príncipes pela maior distância do seu

domínio, evitando-se desta sorte os desgovernos das con­

quistas, que procedem em grande parte de chegar muito

tarde a notícia deles a Vossa Majestade.

A solicitação foi logo deferida por alvará regw de

1 9 de Abril de 1 709, guardado hoje na Torre do Tombo

em Lisboa:

Hei por bem fazer-lhe mercê ao Suplicante de lhe con­

ceder o privilégio de que, pondo por obra o invento, de

que trata, nenhuma pessoa de qualidade que for, possa

usar dele em nenhum tempo deste Reino e suas Conquis­

tas, com qualquer pretexto, sem licença do Suplicante, ou

de seus herdeiros.

Hoje chamaríamos ao pedido um registo de patente

e bem se poderá dizer que a resposta foi simplex.

As notícias do invento correram logo o mundo, sus­

citando não só geral admiração, mas também e sobre­

tudo abundante chacota. O jornal Wienerisches Diarium

(Diário de Viena) saído na capital da Áustria, país da

esposa de D. João V, publicou, de 1 a 4 de Junho de

1 709, a primeira tradução em alemão de um folheto

português, num suplemento especial de quatro pági­

nas, com figura e tudo a exibir a « nova barca» ( fi­

gura 6 ) .

Gusmão, a quem o rei emprestou também a s chaves

da sua quinta em Alcântara para nela construir e testar

Page 73: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS D E FISICA 71

Figura 6- Passarola de Bartolomeu de Gusmão, numa gra­vura sem data apensa a um manuscrito do século XVIII na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Esta represen­tação da «barca voadora>> é mais plausível do que a gravura

que foi publicada na Áustria em 1709

o engenho, não demorou a « pô-lo por obra>> . O balão de Gusmão - pois de um pequeno balão se tratava­

foi, finalmente, demonstrado diante do rei D. João V,

no Paço Real, no Terreiro do Paço em Lisboa, no dia

8 de Agosto de 1 709. Entre as testemunhas oculares,

contava-se o núncio italiano Michelangelo Conti ( 1 655-

- 1 724 ) , que haveria de se tornar papa sob o nome Ino­

cêncio XIII. Conti contou, a 1 6 de Agosto, ao Vaticano

o que tinha visto:

O sujeito, que se comunicou faz tempo pretendia de

querer fabricar um engenho para voar, fez por estes dias a experiência na presença do Rei havendo formado um

corpo esférico de pouco peso: mas como a virtude impu!-

Page 74: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

72 DARWIN AOS TIROS

siva ou atractiva parece ser constituída por espíritos [ál­

cool], estes pegaram fogo, e queimou-se o engenho da

primeira vez sem se mover da terra, e da segunda embora

se elevasse duas canas, igualmente se queimou; onde ele,

empenhado em fazer crer que não corre perigo a sua inven­

ção, está fabricando outro engenho maior.

Tratou-se, nada mais nada menos, da primeira ascen­

são de um objecto mais pesado do que o ar, precedendo

várias dezenas de anos a primeira ascensão humana em

balão, que se ficou a dever aos irmãos Étienne e Joseph

Montgolfier, em França. O povo haveria, jocosamente,

de designar por Passarola a máquina voadora do padre,

cuja fama foi modernamente ampliada graças ao ro­

mance Memorial do Convento, do nobelizado José

Saramago.

Teria depois havido outros ensaios, mas não há gran­

des certezas sobre a sua realização. Gusmão terá desis­

tido de prosseguir o seu empreendimento, pelo que não

conseguiu enriquecer com a patente. Certo é que os

l ivros de história da ciência e da tecnologia são hoje

unânimes - ou quase- em reconhecer que as primei­

ras experiências de ascensão em balão, embora não

tripulado, foram feitas por Gusmão com os seus protó­

tipos de ar quente.

O fim de Gusmão foi, infelizmente, trágico, tão trá­

gico como o dos seus primeiros balões. Com apenas 39

anos, morreu, de doença e inanição, em Toledo, numa

apressada fuga à Inquisição portuguesa, que o levou a

tomar nome falso. A perseguição não teve provavel­

mente a ver com as suas invenções ( fez outras, além do

balão, como um dispositivo para drenar água dos bar­cos, que registou na Holanda ) . Nem, ao contrário do

Page 75: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE FISICA 73

que alguns insinuam, com uma eventual pa1xao por

uma amante real (D. João V é também conhecido por

o Freirático, por ter mantido relações amorosas com

várias freiras, como a madre Paula, do Mosteiro de

Odivelas, a quem terá oferecido uma banheira revestida

a ouro) . É que havia uma acusação, aparentemente bem

fundamentada, de judaísmo, um libelo bem perigoso

numa época em que o rei gostava de assistir a autos­

-de-fé, cujos alvos preferidos eram precisamente os

judeus.

A ilustre família Magalhães

O Magalhães foi um computador portátil que o

governo socialista do primeiro-ministro José Sócrates

andou a distribuir, a dez réis de mel coado, pelos miú­

dos das escolas. A televisão fartou-se de mostrar os

miúdos a receber ou a trabalhar com o Magalhães,

dando razão àqueles que diziam que o computador não

passava de uma bem montada operação de propaganda. Não sei se a lguma televisão se lembrou de ir perguntar

aos alunos quem foi o Magalhães que deu o nome à

maquineta . Suspeito que a resposta seria reveladora do

estado do nosso ensino da história. E duvido de que as

crianças sejam sequer capazes de usar o portátil para

obter a resposta correcta. Aliás, quem perguntar ao

Google não pode deixar de ficar surpreendido ao des­

cobrir que o portátil Magalhães está mais acima, na

l ista das páginas mostradas por aquele motor de busca,

do que o navegador Fernão de Magalhães (Sabrosa ? , 1480- Filipinas, 1521), um fidalgo português que, ao

serviço do rei de Espanha, empreendeu em 1 5 1 9, sem

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74 DARWIN AOS TIROS

pessoalmente a terminar ( morreu numa escaramuça já

depois de passado o estreito que tem hoje o seu nome),

a primeira viagem de circum-navegação à Terra.

A família Magalhães remonta ao tempo da fundação

da nossa nacionalidade e inclui, além de Fernão de

Magalhães, outros Magalhães i lustres, os quais podiam

ser dados a conhecer pelo sistema escolar, se este esti­

vesse mais preocupado com a história do que com o

último grito da tecnologia . Por exemplo, o padre Gabriel

de Magalhães ( Pedrógão Grande, 1 6 09- Pequim,

1 677) foi um missionário que, depois de ter estudado

no Colégio de Jesus em Coimbra, embarcou para o

Oriente. Esteve na Índia, em Malaca e na China. Já

passaram mais de 400 anos sobre o nascimento deste

jesuíta que demandou o Império do Meio antes de outro

notável jesuíta, Tomás Pereira, que chegou a chefe do

Tribunal das Matemáticas de Pequim (o Tribunal de

Matemáticas era o departamento da corte chinesa que

era consultado para todos os assuntos de astronomia) .

Na China, Gabriel de Magalhães foi perseguido, várias

vezes preso e torturado e inclusivamente duas vezes

condenado à morte (da primeira salvou-se, in extremis,

só porque o tirano que o tinha aprisionado lhe pediu

em troca da vida uma carta astrológica, que ele eviden­

temente não se importou de fazer) . Grande construtor

mecânico, montou relógios e outros instrumentos para

a corte imperial .

Um outro Magalhães famoso, d o ramo dos Maga­

lhães de Pedrógão, também estudou em Coimbra ( mais

precisamente no Mosteiro de Santa Cruz ) , também

emigrou do reino e também foi um grande construtor

de instrumentos mecânicos, incluindo relógios. João Jacinto de Magalhães (Aveiro, 1 722- Londres, 1 790)

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HISTÓ R IAS DE FfSICA 75

tornou-se « estrangeirado >> por receio das perseguições

que o Marquês de Pombal movia a muitos clérigos.

Com base em Londres, viajou pela Europa, tendo con­

vivido com alguns dos nomes maiores da ciência e da

cultura da sua época, como James Watt, Joseph Priestley,

Antoine-Laurent Lavoisier, Alessandro Volta, Benjamin

Franklin, etc. Para Portugal enviou alguns instrumen­

tos científicos de sua concepção, que hoje pertencem às

colecções do Museu de Ciência da Universidade de

Coimbra . Doou ao seu colega e amigo Benjamin

Franklin ( 1 706-1 790), físico e diplomata norte-ameri­

cano que fundou em Filadélfia a Sociedade F ilosó­

fica Norte-Americana, a quantia de 200 guinéus desti­

nada a criar um prémio científico que ainda hoje existe

nos Estados Unidos e que tem, justamente, o nome

da família . O Magellan da Magellan Medal, que é o

prémio científico mais antigo dos Estados Unidos, ainda

hoje outorgado, e que já distinguiu os inventores norte­

-americanos da navegação por satél ite e a descobridora

inglesa das estrelas de neutrões, não é, portanto, o nave­

gador, mas sim o físico experimental e instrumentista.

Como, porém, o físico é bisneto do navegador, fica

tudo em famíl ia.

Engenheiro morre no cárcere após

suicídio falhado

A Royal Society de Londres, a Academia das Ciências

do Reino Unido, é a mais antiga academia do género

ainda em actividade: comemorou em 201 0 os seus 350 anos de funcionamento inimerrupto. Com efeito, foi a

28 de Novembro de 1 660 que uma dúzia de sábios

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76 D A RWIN AOS TIROS

britânicos decidiu fundar um « colégio para promover a

aprendizagem físico-matemática experimental», uma

associação que o rei Carlos I I ( marido da nossa Cata­

rina de Bragança, filha de D. João IV, cujo dote incluiu

a passagem para a coroa britânica das cidades portu­

guesas de Tânger e Bombaim) haveria de reconhecer

oficialmente dois anos mais tarde.

Logo em 1 668 era e leito o primeiro membro portu­

guês da nova sociedade, o arquivista António Álvares

da Cunha ( 1 626-1 690) , guarda-mor da Torre do Tombo

e pai de D. Luís da Cunha, que haveria de ser embai­

xador em Londres no tempo do rei D. João V. Ao longo

dos séculos xvu, xvm e XlX, os livros de assentos da

Royal Society incluíram 25 nomes portugueses. O dé­

cimo foi o Marquês de Pombal, que, tal como D. Luís

da Cunha, foi embaixador português na capital britâ­

nica. Decerto que a sua entrada como fellow da Royal

Society, em 1 740, foi mais uma gentileza diplomática

do que o reconhecimento do mérito científico do nosso

futuro primeiro-ministro. Já o mesmo não se pode di­

zer do português eleito logo no ano seguinte, o décimo

primeiro membro português daquela sociedade: Bento

de Moura Portugal ( 1 702- 1 776 ) , nascido em Moimenta

da Serra, perto de Gouveia, um dos nossos maiores

físicos e engenheiros ( foi comparado a Newton por um

sábio alemão da época : « depois do grande Newton em

Inglaterra, só Bento de Moura em Portugal»). Moura

Portugal calcorreou durante anos a Europa, onde apren­

deu a desenvolver engenhos e obras hidráulicas .

Moura Portugal, apesar de estar próximo do marquês

nos anais das entradas na Royal Society, acabou por ser

uma das numerosas vítimas do regime pombalino. Acu­

sado por carta anónima de nutrir simpatia pelos Távoras,

Page 79: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

H ISTÓRIAS D E FfSICA 77

foi preso e acabou por falecer, no Forte da Junqueira,

Lisboa, em 1 760, depois de dez anos de cativeiro em

condições absolutamente miseráveis, que o levaram à

loucura e mesmo a uma frustrada tentativa de suicídio.

De nada lhe valeram os notáveis serviços prestados à

coroa, designadamente no planeamento de obras hidráu­

licas. Nem a invenção de uma «máquina simples de fogo >>,

um modelo de máquina a vapor, que foi demonstrada em

Belém perante a família real em 1 742 e divulgada mais

tarde ao mundo científico, na Philosophical Transactions,

a revista da Royal Society, pelo engenheiro inglês John

Smea ton ( 1 724-1 792) , considerado pelos estudiosos da

história da tecnologia o primeiro engenheiro civi l .

Na sua minúscula cela nos cárceres da Junqueira,

onde também padeceram alguns membros da antes

poderosa família dos Távoras, Moura Portugal ainda

conseguiu papel, pena e tinta improvisados (o papel era pardo e untado, a pena um osso de galinha e a tinta um

preparado de ferrugem) para escrever secretamente al­

gumas notas de engenharia que só viriam a lume pos­

tumamente, 60 anos mais tarde, num livro saído do

prelo da Imprensa da Universidade de Coimbra inti­

tulado Inventos e Vários Planos de Melhoramento para

Este Reino ( figura 7 ) . Que a melhoria do reino foi lenta

e difícil é mostrado pelo facto de, ao longo de todo o

século XIX, só ter sido acrescentado mais um nome

português ao livro de fellows da Royal Society.

A saga do Vasa: demasiado bonito para flutuar

Um visitante de Estocolmo não pode deixar de visi­

tar o Museu Vasa, um museu edificado expressamente

Page 80: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

78 D A RWIN AOS TIROS

l't

r •'i.• ; J I r I INVENTOS�- ' · ·- -.:.

.. .. . - . .

VARIOS PLANOS DE

MELllORAYEXfO PAR.o\ ESTE REI::'\0;

ZSCRIPTOS

NAS PR!SOES DA JUNQUEIRA POJl

DENTO Dt. 1\IOl'l\ \ 1'01\Tl:GAL.

-!TI é-�•c �� . • . . ·.. . . .

e . C O I III D R A 1

l 8!1 ••

Figura 7- Capa do livro póstumo de Bento de Moura Portugal publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra (exemplar da Biblio-

teca Geral da Universidade de Coimbra)

para albergar o Vasa ( figura 8 ) , grande e bel íssimo navio

construído nos estaleiros da capital sueca e naufragado,

muito perto do seu actual pouso, na sua viagem inau­

gural a 1 0 de Agosto de 1 62 8 . O edifício do museu, nas margens de um braço de mar, reconhece-se facilmente,

por a lguns mastros saírem do telhado.

Page 81: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS D E FÍSICA 79

Figura 8 -O Vasa, tal como pode ser visto no Museu Vasa, em Estocolmo

O Vasa repousou nas águas frias do Báltico ao longo

de 333 anos. Só no dia 24 de Abril de 1 96 1 foi resga­

tado, após uma demorada manobra de elevação que

requereu a passagem de cabos de aço por seis túneis

debaixo do casco, a cargo de mergulhadores escafan­

dristas, e o posterior içamento, efectuado com o auxí­

lio de um pontão. O interior estava incrivelmente bem

preservado: os arqueólogos passaram a ter à sua dispo­

sição uma cápsula do tempo, vinda directamente do

século XVII, que, depois de um árduo trabalho investiga­

tivo, legaram ao público. Os numerosos turistas que

hoje demandam o museu ficam impressionados ao con­

templar os canhões de bronze ( alguns deles resgatados ainda no século XVI I, graças a primitivos submarinos

em forma de sino), assim como os vários artefactos que

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80 D A RWIN AOS TIROS

deviam permitir uma muito razoável vida a bordo, caso

o navio flutuasse. Não faltam sequer os restos mortais

da meia centena de membros da tripulação perecidos

no naufrágio, que os antropólogos forenses estudaram

ao pormenor, ao ponto de terem identificado idade,

doenças e condição física, e que hoje são exibidos na

planta inferior do museu.

A pergunta é imediata : por que razão naufragou essa

espécie de Titanic seiscentista ? O rei Gustavo Adolfo

( 1594-1 632) , que mandou construir o navio mobil i ­

zando avultados recursos do tesouro da coroa, ficou

visivelmente irritado quando, em viagem pela Prússia,

soube do infausto acontecimento. O comandante foi

aprisionado ( não, parece que não estava bêbedo!) e

longa e duramente interrogado pelo Conselho do Reino.

O mesmo aconteceu a todos os marinheiros sobrevi­

ventes e ao construtor. As culpas eram por uns endos­

sadas a outros e por outros endossadas a uns. No final ,

ninguém foi condenado. Em última análise, o próprio

monarca era o responsável, por ter ordenado a execu­

ção de um projecto tão grandioso e exigente (o navio,

de 69 metros de comprimento e 52 metros de a ltura,

com um peso de 1 200 toneladas, era um dos maiores

da época). Um dos tripulantes resumiu o sentir geral ao

exclamar:

Só Deus saberá!

Mas hoje, de posse de meios científicos e tecnológicos

que na época da construção eram simplesmente impen­

sáveis, as causas do naufrágio são sabidas pelo homem: concepção deficiente. Um navio, para flutuar de forma

estável, em obediência à Lei de Arquimedes, tem de

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HISTÓRIAS D E FfSICA 81

possuir uma forma adequada e ter a carga d istribuída

de um modo que não o desequilibre. No caso, foi mais

um problema de forma do que de carga, até porque a

embarcação não ia muito pesada. Na época, não havia

obviamente desenho por computador nem simulações

de estabil idade baseadas na matemática e na física. Tal

como as catedrais na Idade Média e mesmo ao longo

de muitos anos depois dessa época, os pequenos e gran­

des navios construíam-se por tentativa e erro. Cada

novo navio poderia ser um bocadinho diferente dos

outros, desde que fosse essencialmente igual aos que já

tinham dado boas provas no mar. Muitas foram as

tentativas. Infelizmente para o reino da Suécia, o Vasa

foi um dos erros.

Cientistas incendiários

Para o filósofo grego Heraclito de Éfeso, que viveu

nos séculos vr e v a.C. , tudo provinha do fogo e tudo

seria consumido pelo fogo. Mas o que é o fogo? Na

Antiguidade, era um dos quatro elementos (os outros

eram a terra, o ar e a água). O conceito de fogo só

ficou, porém, claro quando emergiram a física e a quí­

mica, respectivamente nos séculos xvrr e xvm. A meio

do século xvm, a Academia de Ciências de Paris, a con­

génere francesa da Royal Society, anunciou um prémio

para a melhor memória sobre a natureza do fogo.

Embora o primeiro lugar tenha sido conquistado pelo

maior matemático da época, e, acrescente-se, um dos

maiores de todos os tempos, o suíço Leonhard Euler

( 1 707- 1 783) , aconteceu algo absolutamente inédito: um

escrito da autoria de uma mulher foi pela primeira vez

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82 DARWIN AOS TIROS

galardoado pela Academia com a respectiva publicação.

A autora da Dissertação sobre a Natureza e a Propaga­

ção do Fogo foi a francesa Madame du Châtelet (nascida Émilie Breteuil, 1 706- 1 749), amante do filósofo François

Marie Arouet, conhecido como Voltaire ( 1 694- 1 778 ),

o qual também viu o trabalho com que concorreu ser

distinguido. Os dois amantes, consumidos pelo fogo da

paixão, eram autoridades máximas no campo do fogo.

Para se perceber o que era uma combustão foi pre­

ciso, no entanto, esperar pelos trabalhos do químico

francês Antoine-Laurent Lavoisier ( 1 743- 1 794) , que

identificou o oxigénio quase ao mesmo tempo que dois

outros cientistas, o inglês Joseph Priestley ( 1 73 3 - 1 804 )

e o sueco Carl Scheele ( 1 742- 1 786 ) . Lavoiser, note-se,

foi muito ajudado pela mulher, Marie-Anne, que gostava

tanto de ciência que depois de o marido ter sido guilhoti­

nado casou com outro cientista, especialista em calor, o

norte-americano Benjamin Thomson, conde de Rumford

( 1 75 3- 1 8 14 ) . . . O oxigénio é um elemento químico, sem

o qual o fogo não pode existir. Quando uma árvore

arde, compostos de carbono das fibras da madeira com­

binam-se com o oxigénio da atmosfera, produzindo

dióxido de carbono e água, numa reacção que liberta

energia, manifesta pela imediata emissão de calor e de

luz. No século XIX, de posse dessa explicação, o físico­

-químico inglês Michael Faraday ( 1 79 1 - 1 867) conseguiu

descrever << a história química de uma vela», em conferên­

cias populares, vertidas num livro com o mesmo título,

que procuravam tornar simples o que é, em boa verdade,

um fenómeno extremamente complexo (a tradução em

português desse livro só saiu em 201 1 , Ano Internacio­nal da Química, do prelo da Imprensa da Universidade

de Coimbra).

Page 85: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

H ISTÓ RIAS DE FÍSICA 83

Um fogo é, portanto, química. Mas, mostrando que

a química e a física andam juntam como duas irmãs

siamesas, a propagação de um fogo só se consegue expli­

car com a ajuda da física . Tomemos um fogo florestal,

esse mal infelizmente tão comum no nosso país durante

a época estival, que pode começar por uma pequena

combustão como a da chama de uma vela. Para expli­

car o modo como progride um desses fogos, temos de

invocar fenómenos físicos complicados, como a difu­

são, a convecção, a radiação, etc. Ora, se a chamazinha

de uma vela já é uma coisa que tem muito que se lhe

diga, o que dizer de um imenso e demorado braseiro

por tudo quanto é faldas de uma serra ? O engenho dos

físicos é, porém, aguçado pela necessidade de saber e

de saber fazer: nos nossos dias, os físicos criaram mode­

los cujo objectivo é captar o essencial dos muitos e

variados processos que ocorrem no alastramento de um

grande incêndio. Dada uma configuração orográfica e

uma paisagem vegetal, qual é a forma mais provável de

um incêndio que alastra a partir de um pequeno foco?

Curiosamente, esses mesmos modelos, envolvendo o

conceito de percolação, que são testados em simulações

computacionais antes de o serem no laboratório e no

campo, servem não só para descrever fogos florestais

mas também para descrever o espalhamento do petróleo

acidentalmente derramado no mar, ou ainda o avanço

de uma grande epidemia mundial, tal como uma gripe.

No campo ? Trabalho de campo a atear fogos ? Sim, há,

de facto, fogos provocados, que são deixados crescer

de forma controlada, designadamente no Sul de França,

só para ver como as chamas alastram e como elas dimi­nuem e finalmente se extinguem com um ataque deci­dido dos bombeiros. Em Portugal, os incendiários terão

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84 DARWIN AOS TIROS

uma formação científica mais baixa, mas igual ou su­

perior eficácia à dos cientistas que, em França e nou­

tros lados, experimentam acender fogos . . .

Os incêndios, os derrames petrolíferos e as epide­

mias podem ser mais bem combatidos se se fizer me­

lhor ideia do modo como essas tragédias progridem.

Mas j á não será uma boa ideia espalhar, com fins

científicos, petróleo no mar ou iniciar uma epidemia a

fim de a estudar. Francis Bacon ( 1 5 6 1 - 1 626), Lorde

Verulam, o filósofo inglês da Revolução Científica ,

afirmou: «Saber é poder.» Como mostram os exem­

plos dos incêndios, ou dos derrames petrolíferos ou

ainda das epidemias, essa asserção pode funcionar em

duas etapas: saber é prever e, evidentemente, prever é

poder.

As cores do embaixador Sampayo

O grande l i terato a lemão Johann Wol fgang von

Goethe ( 1 748- 1 8 32 ) citou, no seu l ivro Teoria da Cor

( 1 820), o português Diogo de Carvalho Sampayo:

O autor, um cavaleiro da Ordem de Malta, foi con­

duzido casualmente à observação das sombras de cor.

Após poucas observações precipita-se para uma espécie

de teoria e procura convencer-se da mesma mediante

várias experimentações. As suas experiências e modos

de pensar estão esboçados nos quatro escritos acima cita­

dos e resumidos no último [Memória] . Ainda as espre­

memos mais para dar conta aos nossos leitores desses esforços que, embora honestos, são todavia estranhos e

insuficientes.

Page 87: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE FISICA 85

Quem foi esse português ? Sampayo, nascido em

Lamego em 1750, fez o curso de Direito na Universi­

dade de Coimbra. Foi depois magistrado em Coimbra,

tendo vivido nessa cidade durante a reforma pombalina.

Nomeado j uiz na comarca de Viana do Castelo, seguiu

depois para a i lha de Malta como cavaleiro da Ordem

com esse nome. Regressado, mudou-se para Madrid,

onde foi embaixador da coroa portuguesa. Finalmente,

fixou-se como agricultor na sua terra natal . Morreu em

1807, um escasso ano depois de se casar. O solteirão

inveterado mal teve tempo para gozar o conforto do

casamento.

Embora apenas autodidacta em assuntos científicos,

Sampayo estudou em profundidade as cores, tal como

Goethe. É o autor de três l ivros sobre o assunto: o Tra­

tado das Cores ( La Valetta, 1787), a Dissertação sobre

as Cores Primitivas . . . ( Lisboa, 1788) e a Memória sobre

a Formação Natural das Cores ( Madrid, 179 1 ) . A Dis­

sertação e a Memória foram reeditadas numa obra coor­

denada pelo historiador Rui Graça Feijó ( O Sistema

das Cores, Porto Editora, 2008). Os génios também se

enganam e Goethe é autor de uma teoria errada das

cores, com semelhanças à de Sampayo e oposta à de

Newton . Mas será que Goethe conseguia ler português ?

Não lia, mas deve ter usado um dicionário para fazer

uma apressada tradução da Memória. Chegou até nós

uma tradução manuscrita desse l ivro em alemão, do

punho do seu secretário, mas que provavelmente é da

autoria do próprio Goethe.

Como é que o poeta nascido em Frankfurt-am-Main

soube de Sampayo? Pois, em 1799, em Madrid, o ale­mão Wilhelm von Humboldt ( 1 767- 1835), irmão do

naturalista Alexander von Humboldt ( 1769-1859), ele

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86 DARWIN AOS TIROS

próprio um académico eminente que fundou a Univer­

sidade de Berlim, conheceu Sampayo, que na ocasião

lhe ofereceu a sua Memória. E o l ivro foi logo enviado

por Wilhelm von Humboldt ao seu amigo Goethe, uma

vez que ele sabia do grande interesse do poeta pela

teoria das cores.

Sampayo era um espírito curioso, mas um homem

isolado, e o isolamento não ajuda a curiosidade a fru­

tificar. Tendo aprofundado o estudo das cores com os

l ivros da Biblioteca Joanina, na universidade coimbrã,

teve a sorte de encontrar em Madrid um sábio a lemão

que prontamente o d ivulgou a um espírito superior da

cultura europeia . Goethe reconheceu o valor do portu­

guês, mas a sua arrogância tê-lo-á levado a menospre­

zar o trabalho que, por obra do acaso, foi parar às suas

mãos. A atitude não lhe valeu de muito, pois a sua

porfiada oposição à teoria das cores de Newton nunca

foi bem-sucedida.

O mazor erro de Einstein

As Nações Unidas decidiram que 2 0 1 1 seria o Ano

Internacional da Química, pretendendo celebrar os

extraordinários resultados obtidos por essa ciência e as

suas contribuições para o progresso da Humanidade.

Para essa decisão contribuiu o facto de passar um sé­

culo desde que foi atribuído o Prémio Nobel da Quími­

ca à francesa de origem polaca Madame Curie, de nas­

cimento Maria Sklodowska ( 1 867- 1 934) . Foi o segundo

Nobel que recebeu, dessa vez sozinha, depois de oito anos antes ter partilhado o Nobel da Física com o seu

marido, Pierre Curie, e com o também francês Antoine

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HISTÓRIAS DE FISICA 87

Henri Becquerel, pelos seus trabalhos sobre a radioacti­

vidade. Até hoje, Madame Curie é a única pessoa que

recebeu dois prémios Nobel de duas disciplinas cientí­

ficas. Não é, por isso, de estranhar que no ano de 20 1 1

se celebre também a contribuição das mulheres para a

ciência.

A ascensão das mulheres na ciência foi prodigiosa

no último século. Numa famosa fotografia do Congresso

Solvay em 1 9 1 1 , Madame Curie é a única presença

feminina entre os 24 sábios retratados. Hoje, em mui­

tos congressos de física ou de química, há uma repre­

sentação quase paritária dos dois sexos.

Em Portugal, esse progresso da participação femini­

na na ciência foi particularmente nítido. Em 1 9 1 1 come­

çou a dar aulas na Universidade de Coimbra a primeira

professora do ensino superior português: a notável fi ló­

loga de origem a lemã Carolina Michaelis de Vasconce­

los ( 1 85 1 - 1 925; o apelido Vasconcelos vinha do marido,

o historiador e crítico de arte Joaquim de Vasconcelos ) ,

que, no ano seguinte, entrou, não sem alguma discus­

são interna, na Academia das Ciências de Lisboa. No

livro Breve História da Ciência em Portugal ( de Carlos

Fiolhais e Décio Martins) , que só conta a história da

ciência nacional até à Revolução de 1 974, é referida

apenas uma mulher, Matilde Bensaúde ( 1 890- 1 969) ,

pioneira da genética entre nós no início do século pas­

sado e filha do fundador do Instituto Superior Técnico,

o engenheiro Alfredo Bensaúde. Mas, actualmente, o

país bem pode orgulhar-se não só da quantidade como

da qualidade das suas cientistas. Temos uma das per­

centagens mais elevadas de mulheres na ciência na

Europa e até no mundo: Portugal, nas estatísticas euro-

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88 D A RWIN AOS TIROS

peias do Eurostat de 2008 , aparece em quinto lugar na

percentagem de investigadoras, com 45 por cento,

quando a média da União Europeia não chega a 30

por cento. Desde há vários anos que, consistentemente,

há um número maior de mulheres do que homens a

terminarem um doutoramento em Portugal . A conti­

nuar esta tendência, não estará longe de se j ustificar

um prémio para estimular a participação masculina na

ciência . . .

Apesar d e ter sido premonitória d a chegada maciça

das mulheres à ciência, a notícia da atribuição do Nobel

a Madame Curie há mais de cem anos foi ofuscada, na

imprensa francesa e internacional, por um escândalo,

surgido pouco antes, sobre uma sua ligação amorosa com

o físico francês Paul Langevin ( 1 872-1 946), que era seu

colega e tinha sido discípulo de Pierre Curie ( Madame

Curie era viúva há já cinco anos, mas Langevin era

casado) . Por obra e graça de um wikileaks doméstico,

um jornal francês publicou algumas cartas de amor

trocadas entre os dois, facto que motivou um duelo à

pistola entre Langevin e um j ornalista ( nenhum dos

dois chegou, felizmente, a disparar) . Não faltou quem,

na imprensa e na boataria, denegrisse a i lustre físico­

-química chamando-lhe uma estrangeira perigosa para

as famílias francesas. E, por causa desse indesmentível

affaire, a lguns membros da Academia Sueca tentaram

que ela não fosse receber o prémio a Estocolmo. Toda­

via, Marie Curie não hesitou em ir, a legando que o

motivo do prémio - a descoberta de dois novos elemen­

tos químicos, o rádio e o polónio - não tinha rigoro­

samente nada a ver com a sua vida privada. Madame Langevin consegu iu logo a seguir o divórcio e a custó­

dia dos seus filhos, sem que o tribunal tivesse meneio-

Page 91: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE FÍSICA 89

nado uma vez que fosse o nome da dupla laureada

Nobel . Esta e Langevin (os dois estão a uma distância

prudente na fotografia do Congresso Solvay, pois na

altura o caso era escaldante) acabaram por se afastar,

seguindo destinos diferentes. Mas, por uma daquelas

ironias em que o acaso é fértil , os genes de um e de

outro viriam a cruzar-se mais tarde, quando uma neta

de Curie se casou com um neto de Langevin . . .

E Einstein ? Qual foi, afinal, o erro de Einstein? O autor

da teoria da relatividade achava que as mulheres não

tinham aptidão para a ciência por não serem criativas.

Apesar disso, nutria sincera admiração por Madame

Curie, considerando-a uma excepção à regra. Tal não o

impediu de comentar a um amigo: « [ela] não é suficien­

temente atraente para ser perigosa para quem quer que

sej a >> . Einstein cometeu a lguns erros. A depreciação que

fez das mulheres foi, decerto, o maior.

Prémios Nobel da Física para todos os gostos

Os físicos têm os mais variados gostos. Há aqueles

que preferem confrontar-se com grandes questões funda­

mentais, como a de saber quais são as partículas últi­

mas do mundo e as respectivas interacções, e aqueles

que optam por investigar fenómenos complexos obser­

vados no mundo e resultantes de processos de organi­

zação sobre os quais as teorias ditas fundamentais nada

dizem porque nada podem dizer. O primeiro grupo segue

uma linha que se pode chamar reducionista, uma linha

que procura desmontar o Universo nos seus blocos, ao passo que o segundo grupo se interessa pela auto-orga­

nização da matéria numa certa extensão e pelas proprie-

Page 92: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

90 DARWIN AOS TIROS

dades dela emergentes, propriedades que se perdem

completamente quando os blocos são separados.

Por outras palavras: o primeiro grupo quer explicar

tudo ao mesmo tempo e arrisca-se a ficar sem trabalho

caso tenha sucesso. O segundo procura diligentemente

resolver uma coisa de cada vez, como um mestre-de­

-obras que vai descobrindo trabalhos adicionais à me­

dida que a empreitada avança.

As duas visões são complementares. A invocação da

história da física ajuda a perceber essa complementari­

dade. A 7 de Março de 1 9 1 1 , o britânico, nascido na

Nova Zelândia, Ernest Rutherford ( 1 8 7 1 - 1 937) apre­

sentava à Sociedade Literária e Filosófica de Manchester,

cidade onde vivia e trabalhava, uma comunicação

intitulada <<A Dispersão dos Raios Alfa e Beta e a Estru­

tura do Núcleo » , na qual anunciava a sua descoberta

do núcleo atómico a partir do embate de partículas alfa

numa fina película de ouro:

É considerada a dispersão de partículas electrizadas

para um tipo de átomo que consiste de uma carga eléctrica

central concentrada num ponto e rodeada por uma distri­

buição esférica uniforme de electricidade oposta igual em

grandeza.

Era mais um passo, e desta vez um passo de gigante,

no esforço incessante da humanidade de compreender

os constituintes da matéria. Rutherford mereceria ter

ganho o Prémio Nobel da Física só por esta descoberta,

mas pouco antes já tinha recebido o da Química.

Passados poucos dias, a 8 de Abril de 1 9 1 1 , no seu

laboratório de Leiden, na Holanda, o físico holandês Heike K a m erlingh Onnes ( 1 8 5 3 - 1 926) escrevia num

caderno de notas na sua quase indecifrável caligrafia,

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HISTÓRIAS DE FISICA 9 1

um apontamento sobre a supercondutividade do mer­

cúrio escassos quatro graus acima do zero absoluto:

Temperatura medida com êxito. (Resistividade do)

mercúrio praticamente zero.

Desta vez, matena que se ju lgava bem conhecida

- o mercúrio já era usado pelos antigos egípcios e chi­

neses e foi manipulado pelos alquimistas com o nome

que ainda hoje mantém - revelava a surpreendente pro­

priedade de anular a resistência eléctrica a uma tempe­

ratura bastante baixa. Onnes ganhou o Nobel da Física

em 1 9 1 3 .

A descoberta d o núcleo atómico lançou a fís ica

nuclear, que por sua vez lançou a física de partículas,

proporcionando a esses dois novos ramos da física vagas

sucessivas de saberes novos, por vezes surpreendentes,

sobre a constituição da matéria. Muitos físicos traba­

lham hoje na esteira de Rutherford, bombardeando com

violência a matéria para conhecerem os seus segredos

mais íntimos. Por seu lado, a descoberta da supercondu­

tividade lançou, durante longos anos, a perplexidade

nos maiores cérebros da física . Tardou até 1 957 para

que três físicos, os norte-americanos John Bardeen, Leon

Cooper e Robert Schriffer, conseguissem explicar o

estranhíssimo fenómeno: devido à intermediação da rede

atómica, um electrão a liava-se a outro e os dois podiam

fazer coisas que nenhum faria sozinho. O primeiro dos

físicos, John Bardeen ( 1 908 - 1 991 ) , é um dos nomes

maiores das ciências físicas: foi, até à presente data, o

único laureado com dois Prémios Nobel da Física, o pri­meiro pela invenção do transístor e o segundo pelo

esclarecimento da supercondutividade. Dois feitos ver-

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92 DARWIN AOS TIROS

dadeiramente invulgares, que a Academia de Estocolmo

não podia deixar de reconhecer e distinguir.

Em 1 986, a lgo inesperado voltou a bater à porta dos

físicos da matéria condensada : o a lemão Johannes

Bednorz (n. 1 950) e o suíço Karl Alexander Müller

(n . 1 927) anunciaram a descoberta da supercondutivi­

dade a altas temperaturas em materiais cerâmicos, que

a teoria de Bardeen, Cooper e Schriffer (chamada abre­

viadamente teoria BCS, das iniciais dos seus autores)

não conseguia explicar. Também Bednorz e Müller

foram recompensados com o Nobel . Ainda hoje, não

obstante a publicação de mais de cem mil artigos sobre

a supercondutividade a altas temperaturas, nenhuma teoria consegue explicar a descoberta de uma forma

satisfatória . . .

O s exemplos mencionados mostram que, quando

menos se espera, a experiência se encarrega de trazer

grandes novidades aos físicos. E mostram também que

maneiras diferentes de ver e fazer física têm encontrado

novos desafios, que não raro se cruzam e iluminam mutua­

mente. Os físicos de partículas, na senda de Rutherford,

discutem actualmente a possibil idade de formularem

u m a Teoria de Tud o . Mas os fís icos da matér ia

condensada, na senda de Onnes, sabem que não há

nem pode haver uma só teoria que dê conta de tudo.

As namoradas de Schrodinger

e o significado da vida

O físico austríaco Erwin Schrodinger ( 1 8 8 7- 1 9 6 1 ) sabia viver a vida muito bem. Era um bom apreciador

de sempre renovadas companhias femininas. Consta até

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HISTÓRIAS DE FISICA 93

que a descoberta da famosa equação que hoje tem o

seu nome foi feita durante um fim-de-semana passado

nas montanhas com uma das suas várias namoradas.

Não se sabe se foi um momento alto da sua vida pes­

soal, mas foi decerto um momento alto da ciência : a

equação de Schrodinger, que está na base da teoria

quântica, contém, como já alguém disse, toda a química

e quase toda a física.

Schrodinger também ficou conhecido por ter imagi­

nado um gato meio vivo e meio morto, o <<gato de Schro­

dinger» . E como se poderá explicar um gato? Será a vida

expl icável pelas leis da química e da física ? O próprio

Schrodinger se ocupou do assunto em 1 942 quando,

exilado por causa da ocupação da sua Áustria natal,

proferiu, sob os auspícios do Instituto de Estudos Avan­

çados, em Dublin, na Irlanda, uma série de conferências,

mais tarde reunidas em livro sob o título O Que É a

Vida? A pergunta do título prolongava-se noutra:

Até que ponto a física e a química poderão explicar, no

espaço e no tempo, os fenómenos que ocorrem dentro de

um organismo vivo?

A resposta foi dada pelo autor logo a seguir:

A manifesta incapacidade da física e da química para

explicarem esses fenómenos não implica , de modo nenhum ,

que se possa pôr em dúvida que eles sejam demonstráveis

por ambas as ciências.

E, de facto, nada na vida contraria ( pelo menos

que se saiba até agora) as leis da física e da química. A l iás, se se vier a verificar a lgo desse tipo, o mais certo

será alterarem-se as leis . . .

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94 DARWIN AOS TIROS

Esta resposta foi dada muito antes da descoberta da

estrutura molecular do ácido desoxirribonucleico, ADN,

feita em 1 953 pelo físico inglês Francis Crick ( 1 9 1 6-

-2004) e pelo biólogo norte-americano James Watson

(n . 1 928 , originalmente ornitologista) . Ambos reconhe­

ceram a sua dívida para com o livro de Schrodinger,

que tinha feito a pergunta certa na altura certa. Os

modernos desenvolvimentos, a lguns espectaculares, da

bioquímica e da biofísica têm dado razão ao físico aus­

tríaco. A vida, que anima desde a minúscula e relativa­

mente simples bactéria Escherichia coli ao maiúsculo e

tão complicado Homo sapiens sapiens, passando pela

mosca da fruta Drosophila melanogaster, não tem

parado de revelar os seus segredos aos cientistas, conhe­

cedores de física e de química, que se têm interrogado

sobre a sua natureza. Todos os fenómenos biológicos

são, em última análise, físico-químicos. Apesar de con­

seguirem saber cada vez mais sobre ela, têm concluído

que falta saber muito mais. De facto, a ciência tem esta

propriedade curiosa: quando se consegue responder a

uma pergunta, surgem logo várias perguntas a que falta responder . . .

O carteiro de Reguengos traz carta de Einstein

A 1 6 de Janeiro de 1 946 chegava ao gabinete de

Albert Einstein na Universidade de Princeton, em Nova

Jérsia, uma carta de Reguengos de Monsaraz. Assina­

va-a António Gião ( 1 906-1 969) , um físico aí nascido

que propunha nela uma teoria unificada das forças fun­damentais, assunto que nessa altura ocupava a mente

do sábio exilado.

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H ISTÓRIAS D E FÍSICA 95

Qual não foi o contentamento de Gião quando, quase

na volta do correio, chegou, pela mão do carteiro, à

sua casa de Reguengos uma s impática resposta de

Einstein. O autor da teoria da relatividade apresentava

alguns cálculos, que exprimiam certas dificuldades téc­

nicas da proposta do alentejano. Gião replicou com

j úbilo: parecia um adolescente que obtém resposta de

uma estrela de rock de quem é fã ! Essa correspondên­

cia encontra-se hoje no Arquivo Einstein, na Universi­

dade Hebraica de Jerusalém.

Gião, de pai muito conhecido em Reguengos mas

de mãe incógnita, tinha efectuado estudos secundários

em Évora e, em parte, estudos superiores na Universi­

dade de Coimbra. Foi depois prosseguir a sua forma­

ção para Estrasburgo, em França, onde concluiu o curso

de Engenharia Geofísica e F ísica (Meteorologia ) , e a

seguir para Bergen, na Noruega, e para Paris, de novo

em França . Passou a primeira metade da sua vida cien­

tífica no estrangeiro. No total da sua vida, publicou

mais de 1 50 artigos, muitos deles nas melhores revistas

internacionais, como a Physical Review, os Comptes

Rendus ( apresentados por Louis de Broglie) , o Journal

de Physique, etc. Foi, salvo erro ou omissão, o primeiro

português a publicar na Nature (uma letter em 1 926,

t inha ele apenas 20 anos, sobre a posição e a forma das

nuvens) . Atingiu, por isso, notoriedade internacional

suficiente para receber não só um convite para profes­

sor no MIT, em Boston, nos Estados Unidos, como até

um convite para uma expedição internacional de voo sobre o Pólo Norte em 1 92 8 . Felizmente, recusou este

último convite, pois a viagem no dirigível capitaneado pelo i t a l i a n o Umberto Nobi le acabou em tragé­

dia. Regressado finalmente a Portugal, por alturas da

Page 98: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

96 D A RWIN AOS TIROS

Segunda Guerra Mundial, Gião passou a interessar-se

cada vez mais pela física de partículas e cosmologia .

Publicou na Portugaliae Physica, a revista nacional de

física criada em 1 943 ( escreveu um artigo sobre meteo­

rologia e outro sobre teoria quântica relativista, no

segundo volume), Portugaliae Mathematica, a revista

portuguesa de matemática criada pouco antes da sua

homóloga da física, Técnica, a revista dos estudantes

do Instituto Superior Técnico, etc.

Mas Gião publicou quase sempre sozinho. Foi um

físico isolado, quase um eremita, sendo a sua casa de

Reguengos o seu refúgio preferido. Foi visto por muitos

colegas como um nefelibata, para usar uma imagem da

sua área de trabalho inicial. Mesmo quando foi nomeado

professor catedrático da Universidade de Lisboa, depois

de aceitar o convite (exigiu que não houvesse concurso

pois achava que, em Portugal, ninguém estava à altura

de o examinar), não conseguiu fazer discípulos. Tinha

um feitio difícil, diziam a lguns. Tinha ideias demasiado

exóticas ( como a dos <<microelectrões>> , partículas meno­

res que os electrões) , diziam outros ou os mesmos, pelo

que não admira que hoje apareça citado em artigos e

sítios de pseudociência. Gostava de lançar tiradas filo­

sófico-poéticas . Por exemplo, em 1 967, numa confe­

rência em Évora disse:

O Universo é o manto pelo qual o Ser se protege do

Nada.

O certo é que não deixou descendentes científicos.

Deixou, é certo, a lgumas sementes. Como director do Centro de Cálculo da Fundação Calouste Gulbenkian,

organizou em 1 963 um encontro de cosmologia em

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HISTÓRIAS DE FÍSICA 97

Lisboa, no qual conseguiu a presença do alemão Pascual

Jordan (um dos criadores da mecânica quântica, muito

prejudicado na sua carreira pelas suas ideias nazis) e do

inglês Hermann Bondi ( astrofísico de origem j udaica e

grande humanista que defendeu a teoria do estado es­

tacionário de Fred Hoyle, em oposição à do Big Bang).

Gião representa bem a tragédia que foi a ciência

nacional na primeira parte do século xx. Mesmo aque­

les que se estrangeiraram, bebendo água das melhores

fontes, não conseguiram ferti l izar um terreno que,

entre nós, estava tão seco como o Alentejo no p ico do

estio.

O incrível Hulk

Não, o verdadeiro Hulk não é um destacado jogador do Futebol Clube do Porto. Hulk é uma versão moderna

de Frankenstein, a mítica personagem do Romantismo

saída da pena de Mary Shelley ( 1 797- 1 85 1 ) , em 1 8 1 8,

que passou ao cinema pouco depois de essa arte e tecno­

logia ter surgido no mundo. Frankenstein e Hulk podem

ser vistos como a encarnação do medo sentido pelo

homem que ousa desafiar a Natureza empreendendo

experiências inusitadas. O século XIX, de algum modo

em reacção ao século das Luzes, imaginou histórias fan­

tásticas, como essa da criatura que, inopinadamente,

foge ao controlo do seu criador. Criou monstros onde

antes existia a razão. O pintor espanhol Francisco Goya

bem o previu, ao inscrever numa sua gravura de 1 799:

« O sono da razão gera monstros . » Hulk, ou, melhor, Bruce Banner, o seu verdadeiro

nome, é mesmo incrível . Trata-se de um físico nuclear

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98 DARWIN AOS TIROS

experimental . Numa experiência secreta de teste de uma

arma por ele criada, Banner foi submetido a uma forte

radiação gama que lhe permitiu metamorfosear-se em

Hulk, monstro de forma humana, mas de cor verde,

que em certas ocasiões consegue aterrorizar tudo e

todos. Bruce é uma pessoa inteligente e sensível, mas,

quando se irrita, fica um débil mental, de corpo enorme

( figura 9 ) . Não é inteiramente mau, mas, se provocado,

arrasa toda a gente que lhe surja pela frente. Muito pior

do que o avançado Hulk faz às defesas adversárias . . .

Figura 9 - Livro d e banda desenhada da Marvel representando o Incrível Hulk

Page 101: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓ RIAS DE FÍSICA 99

O filme do francês Louis Leterrier O Incrível Hulk

estreou em 2008, três anos depois de ter estreado entre

nós um outro filme sobre o mesmo super-herói, Hulk,

realizado pelo chinês Ang Lee. Hulk, apesar de novo

nos cinemas, já não era propriamente jovem: tinha nas­

cido em 1 962, nos livros de banda desenhada da Marvel,

onde aliás continua, e passado pelos ecrãs da televisão

antes de chegar ao grande ecrã. Já nessa a ltura Hulk

tinha de enfrentar um poderoso genera l norte-ameri­

cano que, para aumentar a intensidade dramática, é

pai de uma bela rapariga apaixonada por Bruce. No

novo fi lme, o general comanda um ambicioso capitão,

de origem russa (claramente um resquício da Guerra

Fria nos anos 60) , que também acaba por se transfor­

mar num monstro, pois era preciso um vilão à a ltura

para combater Hulk num grandioso duelo final .

Mas nem a vida é bem como nos fi lmes, nem a ciên­

cia é tão má como nas fitas de terror. A ciência desses

filmes, apesar de irreal, não deixa de cumprir uma fun­

ção. Hulk, ao actual izar Frankenstein na era do nuclear,

a lerta-nos para a necessidade de manter a razão acor­

dada. O escritor e médico francês François Rabelais

( 1 494-1 553 ) tinha dito que ciência sem consciência é a

« ruína da alma » . Ciência com consciência é ciência que

não se deixa adormecer. É alma que não se deixa arruinar.

Um físico na prisão de Estaline

Há quem atribua ao físico soviético Lev Davidovitch Landau ( 1 90 8 - 1 9 6 8 ) , autor do famoso Curso de Física

Teórica, em co-autoria com o seu colega e amigo Eugeny

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100 DARWIN AOS TIROS

Lifshitz ( 1 91 5- 1 985 ; o curso é, por vezes, designado

como Landafshitz), a seguinte frase sobre o curso:

Nenhuma palavra é minha, nenhuma ideia é dele.

De facto, o famoso físico detestava escrever, mas

tinha ideias de génio que valia a pena fixar por escrito.

O melhor era ter sempre alguém ao lado. Quem tentar

ler o primeiro volume do curso, sobre mecânica, não

encontra nem uma palavra a mais, nem uma palavra

a menos; da primeira à última páginas, tudo parece

genial . E o mesmo se passa com os volumes seguintes.

Em consonância com os seus manuais, são bem

conhecidos os extremos rigor e exigência de Landau e

da sua escola . Para passar o « mínimo de Landau>> , os

alunos tinham de suar as estopinhas, poucos o tendo

conseguido. E são bem conhecidas as suas notáveis e diversas contribuições para a física, j ustamente premia­

das com o Nobel de 1 962 (atribuído para recompensar

os seus estudos sobre o hélio-3, o isótopo menos comum

do hélio) . Também bem conhecido é o terrível choque

com um camião que, no mesmo ano e antes do prémio,

o deixou entre a vida e a morte, pondo termo a uma

carreira excepcional . Ainda conhecida é a sua persona­

lidade original : Landau era tão divertido como o seu

contemporâneo do outro lado do Atlântico Richard

Feynman ( por exemplo, Landau tinha uma escala de

um a cinco para a beleza feminina, defendia que as

raparigas deviam ter o primeiro namorado aos 19 anos,

mas só casar com o terceiro, e advogava abertamente

a infidelidade conjuga l ) . Uma das anedotas mais famo­sas sobre Landau refere-se a uma discussão que teve

na Academia de Ciências de Moscovo com o biólogo

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HISTÓRIAS DE FÍSICA 101

ucraniano Trofim Lyssenko ( 1 898-1976), director de

biologia na União Soviética no tempo de Estaline e autor de teorias heterodoxas sobre a evolução. Pergun­

tou-lhe Landau:

O senhor acredita que, se cortarmos as orelhas a uma

espécie animal ao longo de várias gerações, os animais

virão a nascer sem orelhas?

Como Lyssenko respondeu afirmativamente, Landau

rematou:

Então explique-me porque é que as raparigas conti­

nuam a nascer vzrgens.

Menos conhecido é, porém, o seu percurso político antes da Segunda Guerra Mundial e, depois, no tempo da Guerra Fria . Socialista inconvencional e iconoclasta, nunca pertenceu ao Partido Comunista. Sofreu na pele, em 193 8, as condições prisionais do tempo de José

Estaline. Acusado de escrever um panfleto que chama­va fascista ao « Grande Líder» (e, pior, de ser um espião nazi, pasme-se, ele que era judeu e tudo!), padeceu um ano às mãos do NKV D, a cruel polícia política anteces­

sora do KGB, de que só foi salvo por intervenção pessoal de um seu amigo, também galardoado com o Prémio Nobel da Física, Pyotr Kapitza ( 1 8 94- 1 9 84), junto do todo-poderoso chefe da polícia secreta, Lavrentiy Beria.

As palavras do panfleto não seriam dele, embora as

ideias pudessem eventualmente ser. À semelhança de Galileu, foi um outro Landau que saiu do cárcere, menos interessado na política. Até à morte de Estaline ( seguida logo pela execução de Beria), Landau não hesitou em

trabalhar nos cálculos das bombas de hidrogénio que

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102 DARWIN AOS TIROS

asseguraram a manutenção da Guerra Fria (foi aliás Beria

quem supervisionou o projecto soviético da bomba).

Isto constituiu uma espécie de seguro de vida, que lhe

garantiu de resto as maiores homenagens da URSS,

incluindo dois prémios Estaline e o título de « Herói do

Trabalho Socialista» .

Eppur si muove. Documentos secretos do KGB conhe­

cidos depois da queda da URSS revelaram que Landau,

que se considerava um «escravo instruído», chamara

repetidamente, e com todas as letras, fascista ao regime

de Estaline. Escrevera:

Estou em crer que o nosso regime[ . . . ] é definitivamente

fascista e não há um modo simples de o mudar.

A sua mulher, mais dada às ideias comunistas, nunca chegou a compreender verdadeiramente o homem com

quem viveu décadas e de quem teve um filho. Mas é

fácil compreendê-lo: em assuntos de política, tanto as

ideias como as palavras eram dele.

O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta

com quem nunca era visto

Rómulo de Carvalho ( 1 906- 1 997), o professor de

Ciências Físico-Químicas que leccionou muitos anos

no Liceu Pedro Nunes em Lisboa, literariamente conhe­

cido pelo heterónimo António Gedeão, é uma figura

inigualável da cultura portuguesa no século xx. Além de professor de ciências e de poeta, juntando duas sen­sibilidades que para muitos estão nos antípodas uma

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HISTÓRIAS DE FÍ SICA 1 03

da outra, foi ainda um notável historiador da ciência,

que privilegiou na sua investigação o século das Luzes,

e um esclarecido teórico da pedagogia.

Apesar de ter escrito a lguns poemas na infância, o

poeta António Gedeão só surgiu quando Rómulo de

Carvalho tinha 50 anos. Com efeito, a sua primeira edi­

ção poética (Movimento Perpétuo, que inclui o conhe­

cidíssimo poema «Pedra Filosofal», mais tarde musicado

por Manuel Freire) saiu no ano de 1956, quando

Rómulo vivia no bairro de Celas, em Coimbra, e ensi­

nava no Liceu de D. João III ( hoje Escola Secundária

José Falcão) . O primeiro verso que tanto demorou a

sa1r foi:

Inútil definir este animal aflito.

Poucos anos antes, em 1 954, Rómulo candidatara­

-se, com o seu verdadeiro nome, a um prémio de poesia

do Ateneu Comercial do Porto. Não ganhou o prémio,

mas pouco terá faltado. O vencedor foi o escritor na

altura já consagrado Miguel Torga, que, porém, abdi­cou do prémio em favor da divulgação de jovens poe­

tas. Apesar de Rómulo ter 50 anos, o crítico literário

João Gaspar Simões não hesitou em incluí-lo numa

antologia de <<jovens poetas>> saída em 1 95 7, publicada

a partir do concurso, com o dinheiro do prémio. O ter­

ceiro lugar tinha sido obtido por Gedeão (entretanto

o autor trocou o seu verdadeiro nome pelo pseudó­

nimo, cujo último nome tinha sido retirado do apelido

de um aluno) . Não obstante esse relativo êxito, Rómulo manteve secreta a sua poesia aré da própria mulher, a

escritora Natália Nunes, que recebeu o livrinho Movi-

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104 DARWIN AO S TIROS

mento Perpétuo ( publicado pela Atlântida) pelo correio

sem fazer ideia nenhuma de quem era o autor. O ma­

rido ter-lhe-á perguntado se ela tinha gostado. Parece

que respondeu sim. E parece também que nela nasce­

ram logo as suspeitas de que o cônjuge era o autor, o que poderá ter sido confirmado por uma visita ao

editor ...

Rómulo em prosa e Gedeão em poesia escreviam

num português de lei, um português clássico ao alcance

de poucos. Clássico é também o nome Rómulo, o fun­

dador da cidade de Roma que Plutarco (46-1 26) bio­grafou. Curiosamente, assim como Rómulo matou o seu irmão gémeo Remo, também Rómulo decidiu a certa

altura « matar> > Gedeão, só assim se explicando a publi­cação de Poemas Póstumos (onde se encontra o verso << Que a terra me seja leve>> ) e de Novos Poemas Póstu­

mos (contendo os versos « E é tudo/Não há nada a acrescentar> >), em 1 98 3 e 1 990 respectivamente. Clás­sica era também a figura de Rómulo, um mestre auste­ro, sábio e exigente . Como bem mostra o matemático Nuno Crato numa antologia de textos pedagógicos de Rómulo (Ser Professor, Gradiva, 2006), o professor Rómulo de Carvalho não falava << eduquês>> , o dialecto estranhíssimo que nos últimos tempos tomou conta,

com consequências devastadoras, da educação nacio­nal. Pelo contrário, dizia o que tinha a dizer, sem papas

na língua. A um aluno que lhe disse ter « estudado um

bocado>> , retorquiu com fino humor:

Bocado? Bocado é o que se apanha com a boca, mas,

já que o dizes, vamos lá a ver o que engoliste.

Conta-se que o aluno ficou engasgado .. .

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HISTÓRIAS DE FÍSICA 105

O laser, uma solução à procura de um problema

Poderíamos viver sem impressoras laser ligadas ao computador, sem os CD e DV D com músicas e filmes que queremos ouvir ou ver, sem a leitura óptica de códigos de barras nas caixas de supermercados, sem a transmissão de informação por fibra óptica (usada na Internet e na televisão por cabo) nas nossas casas, sem as várias formas de cirurgia laser nos hospitais, etc. ?

Sim, poderíamos, mas não era certamente a mesma coisa. Foi a 16 de Maio de 1960 que o físico norte-ame­ricano T heodore Maiman (1927-2007) pôs a funcionar, pela primeira vez, no Hughes Research Laboratory, na Califórnia, Estados Unidos, o primeiro laser, feito de rubi, que era activado intermitentemente por uma lâm­pada de flash. A palavra laser, hoje comum, era então muito recente e, por isso, praticamente desconhecida . Trata-se d a abreviatura d e light amplification by stimul­ated emission of radiation, amplificação de luz por emissão estimulada de radiação. T inha sido criada três anos antes por Gordon Gould, um aluno de doutora­mento de Física na Universidade de Columbia, Nova Iorque, que esboçou num bloco de notas a ideia da nova tecnologia, e mais tarde um investigador que haveria de conduzir, com sucesso, uma longa batalha jurídica para obter uma quota-parte dos direitos de propriedade industrial. Valeu-lhe o facto de ter auten­ticado notarialmente, com data e tudo, as folhas do seu bloco logo que as escrevinhou.

A ideia do laser pairava no ar há já algum tempo. O supervisor de Gould, o norte-americano Charles Townes, tinha sido um dos criadores do maser, abrevia­tura de uma expressão igual à que deu a palavra laser, mas em que, em vez do termo « luz», se usa o termo

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106 DARWIN AOS TIROS

«microondas». As microondas, que tinham sido aprovei­tadas durante a Segunda Guerra Mundial para inventar o radar (sem o qual, lembre-se, a moderna massificação das viagens aéreas não teria sido possível), não são mais do que uma forma de luz, distinguindo-se da luz que os nos­sos olhos vêem apenas por terem maiores comprimentos de onda. Portanto, criou-se em primeiro lugar um feixe de microondas monocromático, coerente e alinhado - o maser- e só depois um feixe de luz visível, vermelha, com idênticas propriedades- o laser. Em 1958, Townes escreveu, juntamente com o seu cunhado Arthur Schach­low (1921-1999), que trabalhava na mesma instituição (o nome indicia a sua origem russa), um artigo científico expondo as bases teóricas do laser. Os dois receberam o Prémio Nobel da Física, o primeiro em 1964 e o segundo em 1981. Em contraste, nem Maiman nem Gould foram distinguidos pela Academia Sueca. De todos eles, Townes, com 95 anos, é o único que estava vivo, em 2010, para apagar as 50 velas do bolo de aniversário do laser.

Townes e Schachlow, quando conceberam o maser e o laser, Gould, quando criou o neologismo, e Maiman, quando viu pela primeira vez a luz laser irradiada pelo rubi, não podiam fazer ideia da enorme quantidade de aplicações que, passados 50 anos, o laser teria. Na altura em que o laser foi criado, dizia-se que era << uma solu­ção à procura de um problema». Não encontrou ape­nas um, mas vários problemas. E, felizmente para nós, solucionou um bom número deles.

D inossauros, pirâmides e ]FK

Qual é a relação entre os dinossauros, as pirâmides e Jonh Fitzgerald Kennedy (JFK) ? Pois o físico nuclear

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HISTÓRIAS DE FISICA 107

norte-americano Luis Walter Alvarez ( 1 9 1 1 - 1988), Prémio

Nobel da Física de 1 968, estudou os três assuntos. Alva­

rez ganhou o Nobel pela descoberta de novas partículas elementares usando uma câmara de bolhas, um aparelho

onde as partículas deixam vestígios ao liquefazer o vapor de água. Mas um artigo da revista American ]ournal of

Physics de 2007 informa-nos sobre os esforços bem-sucedi­dos de Alvarez para resolver enigmas na paleontologia,

na h istória antiga e ainda na história contemporânea.

A ideia da extinção dos dinossauros por um acidente cósmico é hoje bem conhecida. Foi precisamente Luis

Alvarez, em conjunto com o seu filho geólogo (Walter

como o pai, mas sem o primeiro nome Luis, n. 1 940), quem formulou, em 1980, com base na descoberta de vestígios de irídio, um elemento químico pouco abun­dante, nos estratos entre o Cretáceo e o Terciário, a hipótese de que a extinção dos dinossauros se teria devido ao impacte de um gigantesco meteoro. Uma des­comunal cratera, correspondendo às exigências da teo­ria, foi encontrada na península do lucatão, no Méxi­co, dez anos mais tarde. A bota batia com a perdigota.

Falava-se de uma câmara funerária oculta no interior da pirâmide de Quéfren, perto do Cairo, no Egipto. Para a localizar, Luis Alvarez colocou um detector de raios cósmicos numa câmara existente por baixo da pirâ­mide. O que ele fez não foi mais do que tirar uma espé­cie de radiografia a toda a pirâmide, mas usando muões naturais vindos do espaço (os muões são uma espécie de primos dos electrões) em vez de raios X. A partir da observação das partículas recolhidas, concluiu que a tal

câmara secreta não passava de um mero boato. Se a vida de Alvarez tivesse inspirado um filme de

Indiana J ones, não só a câmara secreta existiria como

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108 D A RWIN AOS TIROS

seria guardada pelos últimos dinossauros, acabando

tudo numa grande explosão ... Mas a vida de Alvarez

também podia inspirar um episódio da série CSI Da/las.

Ora vejamos. Para investigar a teoria conspirativa se­

gundo a qual houve um segundo atirador a disparar,

em Dallas, sobre o presidente John Fitzgerald Kennedy,

Alvarez analisou um filme que mostrava a passagem do carro presidencial. Havia quem dissesse que um tiro

dado de frente teria feito recuar a cabeça do presidente.

Mas Alvarez, com base na observação dos fotogramas

dessa película (não esqueçamos que era um especialista

em chapas fotográficas para registar partículas subató­

micas) e nas leis da física clássica (que naturalmente tão bem conhecia), conseguiu desmentir categoricamente a hipótese de um segundo atirador.

Qual é a moral destas histórias centradas em Luis Alvarez, um dos físicos experimentais mais criativos do século xx? Quem sabe ciência fundamental, que parece inútil, é capaz de fazer a melhor ciência aplicada, que se revela extremamente útil, seja para encontrar câma­ras escondidas seja para deslindar mistérios político­-policiais.

A impunidade do homem invisível

Platão (ca. 428 a .C.-ca. 348 a.C.) não será propria­mente um autor de ficção científica mas, no seu livro A República introduziu um dos grandes temas da ficção

científica: o tema do homem invisível. Conta no livro

a história de um antepassado do rei Giges da Lídia (uma região da Anatólia, hoje na Turquia), que encon­trou um dia um anel mágico, um anel que o tornava

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HISTÓRIAS DE FISICA 109

invisível quando colocado no dedo. Com a ajuda desse anel, conseguiu entrar no palácio real, seduzir a mulher

do soberano e, em seguida, matá-lo para lhe tomar o

lugar. A sedução pelo homem invisível ocorre hoje roti­

neiramente, graças ao Facebook, e também pode resul­

tar em desastres conjugais, mas, como se vê, o problema

é antigo, não tendo surgido com a Internet. Platão dis­

cute, pela boca de Glauco, o tema da justiça (na exce­

lente tradução da professora de Estudos C lássicos

Maria Helena da Rocha Pereira, editada pela Fundação

Calouste Gulbenkian):

[. .. ] ninguém é justo por sua vontade, mas constran­

gido, por entender que a justiça não é um bem para si,

individualmente, uma vez que, quando cada um julga que

lhe é possível cometer injustiças, comete-as.

É verdade: o homem invisível pode julgar-se impune! Basta o leitor consultar as caixas de comentários da Internet para chegar a essa mesma conclusão. Mais uma vez, um problema da Antiguidade persiste na moderna

sociedade da informação. Razão tinha outro filósofo grego, Epicuro de Sarnas (ca. 3 4 1 a.C . -271 a .C .), quando disse

Não faças na vida algo que te cause medo se teu vizi­

nho vier a sabê-lo.

O tema da invisibilidade humana entrou na moder­

na ficção científica com o escritor socialista Herbert George Wells ( 1 866- 1946). Refira-se, por curiosidade, que Wells passou em Sintra uma boa temporada a resta­belecer-se de uma doença, tendo, num livro de 1 924,

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1 10 DARWIN AOS TIROS

deixado as suas opmwes sobre o atraso de Portugal.

Antes, em 1 897, publicou o livro, hoje clássico (não tanto quanto o de Platão, claro), The Invisible Man

(O Homem Invisível) . Nessa obra há um cientista que,

em vez de um anel mágico, possui uma fórmula para

produzir um índice de refracção igual ao do ar e, assim,

torná-lo num material invisível, e experimenta-a em si

próprio. A obra de H. G. Wells originou um filme com o mesmo título que se tornou um clássico, realizado

pelo inglês James W hale, em 1933. A história foi recriada em várias outras películas, como um filme de série B

muito barato e muito mau, The Amazing Transparent

Man (0 Incrível Homem Transparente}, do austro-ame­

ricano Edgar Ulmer, saído em 1960, e, mais moderna­mente, o filme The Hollow Man (O Homem Transpa­

rente) , de Paul Verhoeven (o famoso realizador holandês de Robocop, Total Recall e Fatal Instinct, em portu­guês respectivamente Robocop, Desafio Total e Instinto Fatal, que tem uma licenciatura em Física e Matemá­tica da Universidade de Leiden), aparecido nas salas de cinema em 2000.

O tema entrou também na banda desenhada e na literatura juvenil. A rapariga do Fantastic Four (Quar­teto Fantástico) torna-se uma mulher invisível quando a nave em que todo o grupo voa é atingida por raios cósmicos (já no filme de 1960 a radiação era a causa da invisibilidade) . Mais modernamente, os feiticeiros de Harry Potter, das histórias da escritora escocesa J . k. Rowling também adaptadas ao cinema, dispõem de uma capa mágica que lhes confere invisibilidade.

Mas a ciência pode não ficar eternamente atrás da ficção, por muito fantástica que esta seja. O escritor britânico de ficção científica Arthur C. Clarke disse

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H ISTÓRIAS DE FISICA 1 1 1

que a « tecnologia mais avançada é indistinguível da

magia» . Em 2006, o reputado físico inglês John Pendry (n. 1 943 ), professor do Imperial College de Londres,

publicou, juntamente com colegas seus norte-america­

nos, na conceituada revista Science, um artigo em que anunciou a possibilidade real de invisibilidade usando

metamateriais, materiais com propriedades ópticas espe­

ciais. O objecto ainda não foi produzido, mas pode ser que um dia destes esse tema da ficção científica venha

mesmo a tornar-se realidade. Por enquanto, os meta­

materiais ainda só funcionam na gama da radiação de microondas. Ou seja, são o género de tecnologia que per­

mitiria tornar um avião invisível ao radar ou a um gato convenientemente vestido sair vivo de um forno de microondas.

O medo do nuclear

Quando foram reconhecidas pela primeira vez mani­

festações do núcleo atómico no final do século XIX e quando esse núcleo foi descoberto no início do século xx, não se poderia imaginar que o nuclear viesse a ter um papel tão fundamental nas nossas vidas . Basta dar dois exemplos: nos hospitais, a medicina nuclear ofere­ce eficazes formas de diagnóstico e tratamento e, nas redes eléctricas, as centrais nucleares fornecem uma parte relevante da electricidade que consumimos.

E, no entanto, se ninguém contesta as aplicações médicas da física nuclear, já a energia nuclear não tem gozado de boa fama, devido não só à sua utilização militar, nomeadamente a que pôs fim à Segunda Guerra Mundial, mas também a alguns acidentes na sua mani-

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1 12 DARWIN AOS TIROS

pulação para fins pacíficos, dos quais Chernobyl e Fuku­

shima foram os mais terríveis. A tal ponto assim é, que

até a designação de um exame médico hoje vulgarizado,

a ressonância magnética nuclear (RMN), em que a

radioactividade não intervém, foi em muitos sítios con­

venientemente abreviada, com a retirada da última

palavra . O termo « nuclear» deixou de ser mencionado, como se o seu ocultamento pudesse esconder a realidade

que está omnipresente no centro dos átomos.

Neste quadro, depois de uma forte expansão inicial à escala planetária, a energia nuclear foi, em vários paí­

ses, alvo de moratórias ou interdições. Porém, nos tem­

pos mais recentes, regressou à ordem do dia devido ao

acelerado crescimento económico mundial, ao progres­sivo esgotamento das reservas de combustíveis fósseis e à crescente preocupação com o aquecimento global devido a gases com efeito de estufa . Facto é que as cen­trais nucleares não emitem dióxido de carbono e, por isso, não contribuem para o aquecimento global. De certo modo, a energia nuclear passou a ser vista como uma solução ecológica. Além disso, a tecnologia evoluiu de modo a poderem ser incluídas entre as alternativas ma1s seguras.

Mas não há tecnologias absolutamente seguras. A 1 1 de Março de 2 0 1 1 ocorreu um gigantesco terramoto no Pacífico, perto da costa do Japão. A magnitude foi superior à do terramoto de Lisboa de 1 755. Os dois

foram os maiores de sempre nos respectivos países, mas o do Japão entrou para o quarto lugar da lista dos maiores terramotos de sempre, em todo o mundo. Além do seu enorme poder devastador, tiveram em comum o modo como este se manifestou: primeiro o forte abalo com epicentro no mar, depois um gigantesco maremoto

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H ISTÓRIAS DE FiSICA 1 1 3

e a seguir ainda vanos focos de incêndios. A terra, a

água e o fogo criaram o caos. Mostrando o enorme

progresso ocorrido na prevenção sísmica, o número de mortos foi bem díspar: estima-se em cerca de 20 000

no Japão, um país densamente povoado, e cerca de

50 000 em Portugal. Aprendemos com o terramoto de

Lisboa a nos defendermos melhor das fúrias da terra.

Foi na capital lusa que, pela primeira vez, se recons­

truiu uma grande urbe ocidental arrasada por forças

naturais.

No Japão, ocorreu, porém, uma desgraça outrora

inimaginável. Com efeito, foi só no início do século

passado que, em França, o casal Curie, Pierre e Marie, descobriu que um ú nico grama de rádio, um e lemento que tinham encontrado em minérios de urânio, permitia aquecer durante uma hora um grama e pouco de água, desde o ponto de gelo até ao ponto de vapor. Era cem vezes mais calor do que o fornecido por um grama de carvão, com a vantagem de que este se consumia, en­quanto o rádio podia continuar a aquecer água. Pois, em Fukushima, dada a inusitada amplitude do abalo e principalmente a impressionante força do maremoto, quatro reactores, que usavam a descoberta dos Curie, ficaram bastante danificados. A s ituação foi grave, mais

grave do que em Three Mile Island, em 1979, onde a radioactividade não se espalhou, mas, felizmente, não tão grave como em Chernobyl, em 1986, onde se difun­diu a grande distância uma nuvem radiante.

Os reactores não resistiram ao maremoto, que inutili­

zou os sistemas de refrigeração. Mantendo-se o combus­

tível nuclear muito quente e não havendo circulação da água onde ele tem de estar imerso, as coisas não podiam correr bem. E não correram. Tornou-se necessário trazer

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1 14 DARWIN AOS TIROS

mais água de fora, o que foi feito de várias maneiras,

inclusivamente bombeando água do mar. A má notícia foi a l ibertação de isótopos radioactivos. Não foi uma

fuga em massa e repentina como em Chernobyl, mas

mais pequena e continuada. Cálculos aproximados indi­

cam que a fuga será equivalente a dez por cento da de

Chernobyl . É mau, mas longe da tragédia que alastrou

na Europa Oriental e na Escandinávia em 1986 . Regis­

tou-se uma vítima mortal do acidente na central de Fukushima contra cerca de 4000 em Chernobyl (o último

número resulta de um cálculo, porque é difícil saber ao certo se um cancro individual é atribuível a Chernobyl ).

O acidente japonês é essencialmente local, sendo a notí­

cia da chegada de uma perigosa nuvem às ilhas dos Açores um disparate completo. Os engenheiros e ope­rários japoneses atacaram o problema, num esforço por vezes sobre-humano (alguns bombeiros e técnicos lem­brara os lendários kamikazes da Segunda Guerra Mun­

dial, que lançavam as suas pequenas aeronaves sobre porta-aviões inimigos sem temer a morte) . A desactiva­ção da central revelou-se, porém, um verdadeiro traba­lho de Sísifo.

Pierre Curie, ao profetizar que «a humanidade tirará mais bem do que mal das novas descobertas>> , acertou em cheio. Apesar do mal sofrido na pele pelas popula­ções de Hiroxima e Nagasáqui, a utilização pacífica da energia nuclear prevaleceu em todo o mundo. Hoje, cerca de 1 5 por cento da electricidade mundial são gerados em centrais nucleares e a cura de doenças gra­ves, como muitas formas de cancro, é feita em hospitais de todo o mundo com a ajuda da física nuclear. Depois de Fukushima, fala-se nalguns países, como a Alemanha, em renunciar à energia nuclear. Mas, como ninguém

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H ISTÓRIAS DE FISICA 1 1 5

quer regressar ao século XIX, será impossível abdicar a

curto e médio prazos do nuclear. Em França, por exem­

plo, é decerto impossível, uma vez que cerca de 80 por cento da electricidade produzida têm origem nuclear. As centrais a carvão poluem e provocam bastantes mais

vítimas do que as nucleares, se levarmos em conta não

só os acidentes mas também as doenças que dizimam

os mineiros. Por sua vez, o petróleo é uma matéria­

-prima com os dias contados, estando o seu preço desde há décadas em subida pronunciada e à mercê dos ines­

gotáveis conflitos no Médio Oriente. As energias renová­

veis, apesar de serem uma excelente ideia, são, por ora,

muito caras e pouco eficientes. De modo que não há outro remédio a não ser reforçar, por todo o mundo, a segurança das centrais nucleares. Nada de novo, afinal,

pois foi precisamente isso que se fez com a imposição de construções mais seguras após o desastre de Lisboa.

A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete

Alguém sabe onde fica Miuzela? É uma aldeia no interior profundo de Portugal, no concelho de Almeida, distrito da Guarda, a poucos quilómetros da fronteira de Espanha. A aldeia seria completamente anónima,

não fora o facto de ser miuzelense um dos físicos portu­

gueses mais notáveis do século xx, José Pinto Peixoto

( 1 922-1 996), professor de Física na Universidade de

Lisboa e especialista mundial em geofísica. Peixoto doutorou-se nos Estados Unidos, no Massa­

chusetts Institute of Technology- MlT (de facto, a defesa da tese foi em Lisboa, mas quase todo o seu trabalho

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1 1 6 D A RWIN AOS TIROS

doutoral foi feito no MIT ), e trabalhou mais tarde em

Princeton. Um dos seus colegas e amigos do MIT foi o

físico norte-americano Edward Lorenz ( 1 9 1 7-2008 ), o

autor de uma célebre formulação da teoria do caos,

segundo a qual o bater das asas de uma borboleta na China pode originar um tornado no Texas. A tese de

Peixoto, intitulada Contribuição para o Estudo da Ener­

gética da Circulação Geral da Atmosfera, foi submetida no ano de 1 95 8, dec larado Ano Geofísico Internacional

pelas Nações Unidas. O geofísico português foi o autor de um dos primeiros modelos sobre o movimento global

da atmosfera, proposto na mesma altura em que no Havai,

sob a direcção de um cientista norte-americano, Charles

Keeling ( 1 928-2005), começavam as observações siste­máticas das emissões de dióxido de carbono que consti­tuem um grande suporte experimental para os concei­tos de efeito de estufa e de aquecimento global.

Peixoto é autor, com o seu colega Oort do MIT, do

livro The Physics of Climate, publicado em 1 992 pelo American Institute of Physics, e de artigos de divul­gação nas famosas revistas norte-americana Scientific American e francesa La Recherche. Se o famoso profes­sor fosse vivo ( faleceu inesperadamente, durante uma operação cirúrgica, um ano antes da assinatura do Tra­tado de Quioto), seria hoje famosíssimo, pois os media não cessariam de lhe fazer perguntas sobre o aqueci­

mento global. E ele haveria de responder a tudo e a todos, sempre rigoroso e, ao mesmo tempo, sempre bem-disposto, pois não há nenhum princípio de incer­teza que l imite o humor ao mesmo tempo que se é exacto. O seu rigor al icerçava-se na sua sólida forma­ção matemática, uma vez que se tinha licenciado nessa disciplina antes de se formar em geofísica. Ele sabia

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H ISTÓRIAS DE FISIC A 1 1 7

que sem matemática não pode haver física e, por isso, não pode haver geofísica. Nas suas palavras:

A matemática está para a física assim como a gramá­

tica está para a literatura. A gramática ensina a expressar

bem as ideias, se as houver! Não cria literatura.

Nos seus seminários e conferências sobre termodinâ­mica, val ia-se de a lgumas frases extraordinárias, como

por exemplo:

A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete todo.

A l inguagem do Prof. Peixoto, nas aulas ou fora delas, podia ser bastante colorida, como mostra o exem­plo que dava da produção de entropia por humanos:

Meus meninos, como fazem para se livrarem da vossa

entropia? Sim, puxam o autoclismo.

Tal como o seu contemporâneo Feynman ( que, como ele, esteve no MIT e em Princeton), Peixoto era um físico divertido e algumas das suas tiradas bem podem ser equiparadas às do físico nova-iorquino. Como disse Lorenz, onde estivesse o Peixoto, o ambiente mudava. Uma alteração climática local, portanto.

A física do futebol

Embora pareça que pouco falta dizer sobre o des­porto-rei, o futebol continua a fazer correr rios de tinta. Porém, um dos aspectos que têm sido menos referidos, pelo menos nos jornais desportivos, é o seu lado cien­tífico.

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118 DARWIN AOS TIROS

Científico ? Sim, o futebol é decerto uma paixão em muitos países, com grande dose de irracionalidade, mas

tem também um lado científico. Os movimentos da

bola podem ser analisados aplicando as leis da física

newtoniana. Os movimentos dos jogadores são estuda­

dos pela biomedicina. Os equipamentos e a própria

bola são resu ltado de tecnologias avançadas. E até a evolução das equipas em campo pode ser estudada com

poderosos meios informáticos. Por exemplo, para quem

estiver interessado nas estatísticas mais pormenorizadas,

João Moutinho foi o atleta português que mais correu

no jogo Portugal-Turquia do Campeonato Europeu de

2008 realizado em Genebra, na Suíça, a 7 de Junho,

tendo percorrido exactamente 1 O 22 7 quilómetros. O físico inglês Ken Bray tem-se especializado na

ciência do futebol. Com um doutoramento em Física Quântica, é investigador convidado no grupo de Ciên­cias do Desporto e Educação Física na Universidade de Bath. O seu livro How to Score (Granta Books, 2006) analisa, do ponto de vista científico, usando a física clássica, a lguns dos principais jogos dos últimos anos. Um dos casos de estudo mais interessantes é a decisão por penáltis, favorável ao nosso país por 6-5, no Por­tugal-Inglaterra do Campeonato da Europa de 2004, jogado em Lisboa. Bray calculou a área da baliza que um guarda-redes pode cobrir, que é apenas de 72 por cento. Quer isto dizer que chutas dirigidos para a área não coberta, nos dois extremos da baliza, e principal­mente nos ângulos superiores, são indefensáveis, porque pura e simplesmente o guarda-redes não consegue chegar até lá no tempo disponível . Ora ganha quem sabe. Dos sete pontapés lusitanos, um lançou a bola muito a lta (Rui Costa) e outro fê-la entrar apesar de ir à figura do

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HISTÓRIAS DE F(SICA 1 1 9

guarda-redes, enganado pelo « teatro >> do avançado Hél­der Postiga. Todos os outros remates, incluindo o do

golo final do guarda-redes Ricardo, foram com preci­são para a área não coberta. Quanto aos ingleses, para desespero dos seus fãs, Beckham falhou e Hargreaves

atirou sem hipótese de defesa, mas todos os outros c inco chutos foram para a zona coberta da baliza.

Ricardo defendeu um e podia ter defendido mais. A física pode ter sido criada pelo inglês Isaac Newton,

mas nesse dia nós é que a sabíamos toda ...

O melhor da existência humana

Foi graças à World W ide Web, desenvolvida no iní­cio dos anos 90 do século passado precisamente no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares- CERN, perto de Genebra, na Suíça, que acompanhei em Março de 201 O, com superlativo interesse, as primeiras colisões

de protões. a sete biliões de electrões-volt. Ao contrário do que alguns falsos profetas anunciavam, não foi o fim do mundo. Nenhum buraco negro apareceu para engolir tudo e mais alguma coisa. Na Web, esse facto foi recebido com grande consolo pelo « Bruno da Ama­dora>> (Público online, 30 de Março de 2010, 23:07):

Olha: não era hoje que seríamos todos sugados para

um buraco negro? É que não me dava muito jeito, na

quinta joga o Benfica e eu já tenho bilhete.

Mas, além de não impedir a ida ao jogo do Benfica, que mais se espera da maior experiência do mundo? A fantástica energia obtida, um recorde mundial, poderá

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120 DARWIN AOS TIROS

conduzir à descoberta de uma partícula nova, a partícula de Higgs, que a teoria prevê (o nome é uma homenagem ao físico escocês Peter Higgs, n. 1 929, que poderá con­tar com o Nobel se ela for encontrada) . Mas estamos a explorar as fronteiras do conhecimento e ninguém sabe bem o que vamos encontrar. A surpresa maior seria se não houvesse surpresa! Muito provavelmente,

ao recriar as condições do Universo pouco após o Big

Bang, a experiência poderá fazer luz sobre grandes mistérios da ciência de hoje, como o da matéria escura e o da energia escura. Estamos às escuras sobre partes

importantes do cosmos e o ser humano sempre ansiou por <<mais luz>> (as últimas palavras do poeta alemão Goethe, antes de morrer).

Pode bem ser que uma das surpresas seja o apare­cimento de aplicações inesperadas que alterem a nossa vida, que tão alterada já foi pela existência do Google, do Facebook e do Youtube (os golos do Benfica estão no Youtube! ) . Os novos detectores poderão ser úteis nos hospitais, para ver o interior dos nossos corpos. E o poder prodigioso de cálculo que é necessário para tratar a vaga de informação que inunda os detectores, e é analisada também nos computadores portugueses, desafiará decerto o engenho humano, para benefício de todos.

Mas, por muito notável que seja o ganho material, o ganho imaterial será sempre o mais notável e o que mais prevalece. Saberemos mais, haverá mais luz. Cons­tantino Alves, de Leiria (Público online, 3 1 de Março de 2010, 10:35 ), resumiu bem:

Grande passo da ciência: Acompanho com paixão as

grandes descobertas da ciência moderna que realizam o

melhor da existência humana.

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HISTÓRIAS DE FJSICA 121

Uma bomba sexual

O dia de Natal do ano de 2009 podia ter sido trá­

gico na história da aviação. No Voo 253 da Northwest

Airlines, de Amesterdão para Detroit, quase houve

uma explosão provocada por um terrorista nigeriano,

ligado à Al-Qaeda, com o difícil nome Umar Abdulmu­

tallab. O nigeriano de 23 anos tinha escondido dentro

da sua roupa interior, confundindo-os com os testícu­

los, 80 gramas de um poderoso explosivo, o tetranitrato

de pentaeritrina (ou PETN, para quem achar o nome

completo muito complicado). Os passage1ros apaga­

ram rapidamente o fogo, iniciado pela introdução de

um líquido, com uma seringa, no explosivo sólido, e

dominaram quase tão rapidamente o terrorista, que

sobreviveu apenas com queimaduras de segundo grau

na zona genital . O mesmo explosivo tinha sido usado

por um outro terrorista da mesma organização, o in­

glês Richard Reid, que o colocara na sola dos sapa­

tos numa planeada tentativa de fazer explodir o Voo 63 da American Airlines, de Paris para Miami, a 22 de

Dezembro de 200 1 . Curiosidade química: o PET N

foi sintetizado, em 1 8 71, por um ilustre químico ale­

mão, Bernhard Tollens ( 1 841-191 8 ), que havia estado,

uns anos antes, na Universidade de Coimbra a diri­

gir os trabalhos práticos do Laboratorio Chimico

(morou mesmo numa casa anexa a esse laboratório,

onde hoje funciona o Museu da Ciência daquela uni­

versidade ) .

Devido a casos como estes, a s medidas de segurança nos aeroportos de todo o mundo têm-se intensificado

nos últimos tempos. Hoje, não podemos levar líquidos

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122 DARWI AOS TIROS

a bordo para além de certas pequenas quantidades e

somos por vezes obrigados a tirar os sapatos, colocan­

do-os numa máquina de raios X. Mas surgiram novas

exigências, designadamente novas máquinas de raios X

nas quais os passageiros são forçados a uma espécie de

striptease digital. Qual é a ciência por detrás de tais

dispositivos ? Ao contrário das máquinas mais corren­

tes, que verificam a nossa bagagem de mão (e também

a bagagem de porão) e cujo funcionamento se baseia na

diferente absorção de raios X pelos vários materiais, os

novos scanners emitem raios X de baixa intensidade

que são reflectidos pelo corpo da pessoa e produzem

num ecrã uma imagem que revela todas as formas

anatómicas. É como se o sujeito estivesse a ser cienti­

ficamente apalpado! Com esses detectores teria, sem

dúvida, sido possível encontrar o PET N na intimidade

do nigeriano.

Os novos detectores colocam vários tipos de proble­

mas. Talvez o principal seja a defesa da l iberdade indi­

vidual, perante uma óbvia invasão de privacidade. Mas

há outras questões, como a do alto custo dos aparelhos,

que acaba por recair inevitavelmente nos cidadãos, e a

da demora adicional nos aeroportos antes dos embar­

ques. E há ainda a questão da protecção relativamente

às radiações: este problema será, porém, o menor de

todos, pois um passageiro, durante um voo de poucas

horas, está sujeito a maior radiação natural do que

durante os curtos instantes que o exame demora. Seria

preciso que um viajante fizesse dois mil exames deste

tipo por ano para ultrapassar os limites de segurança . Há, de facto, passageiros frequentes, mas não tão fre­quentes . . .

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HISTÓRIAS DE FISICA 123

Do Ig No bel ao No bel

Andre Geim (n . 1 95 8 ), o físico nascido na Rússia a

trabalhar no Reino Unido, na Universidade de Manches­

ter, que foi distinguido em 2010 com o Prémio Nobel

da Física, é um físico divertido. Tinha sido galardoado

no ano 2000 com o Prémio Ig Nobel da Física, uma

divertida paródia que homenageia alguns dos trabalhos

científicos mais insólitos. O trabalho que lhe valeu o

Ig Nobel foi nada mais nada menos do que a levitação

de um pequeno sapo com a ajuda de um campo magné­

tico. O sapinho parecia que estava a fazer um número

de ilusionismo . . . Mas o Prémio Nobel, além de ser bem

mais avultado do que o lg Nobel, é muito mais sério. E promete provocar menos emoções nos sapos e um

impacto maior nos seres humanos. Geim, em conjunto

com o seu colega Konstantin Novoselov (n . 1 9 74),

físico também nascido na Rússia e que com ele par­tilhou os louros do Nobel, conseguiu isolar uma só

folha de grafite, a forma normal de carbono, que se

encontra nos lápis comuns. Essa folha chama-se grafeno ( figura 10).

É raro a Academia de Estocolmo conceder o seu

prémio tão rapidamente: passaram apenas seis anos sobre a descoberta do grafeno anunciada num artigo da

revista Science. E é raro concedê-lo a investigadores não só em plena actividade mas também em pico de

forma: Geim tinha 5 1 anos e Novoselov apenas 36

(desde 1 973 que não havia um premiado com o Nobel

da Física tão novo ) . Mas a proeza dos dois físicos experimentais é reconhecida pelos seus pares como digna dos maiores encómios: de uma maneira engenho­sa, servindo-se de vulgar fita-cola, e ao fim de porfia-

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124 DARWIN AOS TIROS

Figura 10- Representação esquemática do grafeno, uma rede

hexagonal de átomos de carbono

das tentativas, conseguiram separar uma só finíssima folha das muitas folhas paralelas que constituem a gra­fite (a grafite é uma espécie de pastel mil-folhas). Produ­ziram assim um material extremamente fino - a espes­sura é muito menor do que a de um cabelo, pois tem o tamanho de um só átomo de carbono-, mas tão extenso quanto se queira.

Que interesse tem esse material a duas dimensões? Por um lado, o estudo teórico da passagem da corrente eléc­

trica no grafeno revelou propriedades surpreendentes. Por outro lado, as pesquisas no laboratório sonham com o

uso do novo material na construção de novos componen­tes electrónicos, por exemplo, transístores para compu­tadores. Não é para hoje, mas poderá ser para amanhã.

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HISTÓRIAS DE FISICA 125

Entre os físicos que têm estudado o grafeno, encon­tram-se nomes portugueses- Nuno Peres, João Lopes

dos Santos e Eduardo Castro, da Universidade do

Minho, o primeiro, e da Universidade do Porto, os dois últimos-, cujos trabalhos em colaboração com os lau­reados Nobel são referidos na informação científica da

Academia Sueca que acompanha o comunicado do

prémio. Num dos artigos com colaboração nacional, justamente muito citado nas revistas internacionais da especialidade, faz-se o estudo da folha dupla: duas folhas

próximas de grafeno. Pode ter menos folhas, mas o

« duas folhas» estudado pelos portugueses tem proprie­

dades que o mil-folhas não tem . . .

Gelo quente é possívelJ Sr. Dr.

Corria o ano de 2004. A dívida pública portuguesa estava ainda nuns insignificantes 6 1 por cento do PIB

e a taxa de desemprego não chegava aos 7 por cento. No plano externo, comemorava-se o Ano Internacio­nal do Arroz e era aprovado o nome do elemento 1 1 1 da tabela periódica: roentgénio, em homenagem ao fí­sico alemão W ilhelm Roentgen, que tinha descoberto os raios X. Apenas na Assembleia da República por­tuguesa, no Palácio de São Bento, em Lisboa, era que­brada a pasmaceira . No dia 14 de Outubro, o líder da oposição José Sócrates interpelava o primeiro-ministro

Pedro Santana Lopes, que tinha sido eleito três meses antes:

O que prometeu aos portugueses foi fazer gelo quente.

Lamento, mas gelo quente não existe.

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126 DARWI AOS TIROS

Pouco depois, o ministro Álvaro Barreto, do governo de coligação do Partido Social Democrata com o Cen­

tro Democrático e Social, retribuía a frase, dizendo que

o programa eleitoral do Partido Socialista é que era

<<gelo quente». O ano estava a ser particularmente brando nos incên­

dios, e acabaria com uma área ardida de cerca de 130

mil hectares, apenas um terço da área ardida no ano

anterior. Talvez isto reforçasse em Sócrates e Barreto a

convicção da impossibilidade do gelo quente. Em Ou­

tubro, também estava a ficar mais frio.

Mas o gelo quente realmente existe! Estamos habi­

tuados a pensar nas transições de fase da água, de sólido para líquido e de líquido para gasoso, sempre à pressão ambiente em que vivemos. Mas, a pressões muito bai­xas, quando aumentamos a temperatura, a água passa

directamente da fase sólida a vapor sem passar pela fase líquida. Os estados físicos de uma substância sob determinadas condições de pressão e temperatura po­dem ser representados num diagrama de fases, um grá­fico cujos eixos representam a pressão e a temperatura ( figura 1 1 ). Nas linhas de fronteira, por exemplo entre

o líquido e o vapor, coexistem as duas fases. No caso da água e de outras substâncias, existe mesmo um ponto triplo, ou seja uma combinação de pressão e tempera­tura em que a água pode coexistir nas suas três fases

físicas: sólida, líquida e gasosa. O ponto triplo da água ocorre a 0,01 grau Celsius e 0,006 atmosfera ( uma pressão cerca de 1 6 6 vezes menor da que é normal à superfície da Terra) . Ou seja: considerando a pressão, a água deixa a relação aborrecida de passagem do estado sólido para líquido e a seguir para gasoso, à medida que a temperatura aumenta.

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HISTÓRIAS DE FÍSICA

Gelo quente

10.000Í------::::::-------l r;; � .2! <J) o

E :§_ Gelo o

·� Vapor <J)

� 0...

-175 25 225 Temperatura (° C)

425

Figura 11 - Diagrama de fases da água sim­

plificado. As condições de pressão e tempera­

tura típicas (25°C, 1 atmosfera) à superfície

da Terra estão assinaladas com um <<X»

127

A pressões dez mil vezes superiores à atmosférica, a água está sempre no estado sólido, independentemente da temperatura. Ou seja, nessas condições existe mesmo gelo quente. Tal pode ter consequências políticas e

sociais profundas, permitindo esclarecer o sentido das declarações de José Sócrates e Alvaro Barreto, quando se socorreram da metáfora do gelo quente. Assim, quando afirmou na Assembleia da República «o que senhor primeiro-ministro prometeu aos portugueses foi

fazer gelo quente» , José Sócrates queria dizer que achava

perfeitamente possível em simultâneo baixar os impos­tos, aumentar o investimento público, subir os salários

e as pensões, e deixar o défice abaixo dos três por cento exigidos pela União Europeia. O apoio inesperado ao governo por parte do líder da oposição foi prontamente

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128 DARWIN AOS TIROS

retribuído por Álvaro Barreto, em entrevista à televi­

são SIC, ao afirmar que o programa do PS era «gelo

quente». Quis o ministro da coligação significar que

considerava absolutamente viável pagar as auto-estra­

das sem custos para o utilizador (SCUT ) sem aplicar

portagens nas vias já construídas, e ao mesmo tempo

continuar a construir novas auto-estradas, assim como

equilibrar o orçamento sem vender bens do Estado.

Havia em 2004 um ponto singular, uma espécie de

ponto triplo político. Os partidos do bloco central deixa­

ram claro que a solução para o país passava por viver­

mos no interior da Terra, onde estas pressões efectiva­mente existem e as suas políticas serão talvez exequíveis.

Page 131: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

Guerra e paz no museu e outras histórias de química

Guerra e paz no museu

DEPOIS DE TER RESTAURADO A CIDADE DE LISBOA, destruída pelo terramoto, o Marquês de Pombal decidiu reformar a Universidade de Coimbra. Em 1 772 mandou erguer, aproveitando as paredes de um refeitório jesuíta do

século xvn, o que é o primeiro edifício, a nível mundial, destinado ao ensino da Química, o Laboratorio Chimico (figura 1 2 ) . Passados poucos anos, estava concluída a construção, seguindo os traços do engenheiro militar inglês W illiam Elsden.

Em 1 807, Portugal era invadido pelas tropas de Napo­leão. O referido Laboratorio desempenhou um papel

essencial na resistência, ao ser rapidamente transfor­mado numa fábrica de munições. O lente de Química

Tomé Rodrigues Sobral (1759-1829) dirigiu o fabrico de pólvora, tendo chegado até aos dias de hoje o grande

almofariz de pedra usado para o efeito (encontra-se hoje no átrio do antigo laboratório). Nessa época, devido

a um incêndio, o grande arsenal armazenado no edifí-

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130 DARWI AOS TIROS

Figura 12 - Laboratorio Chimico, hoje sede do Museu da

Ciência da Universidade de Coimbra

cio esteve prestes a explodir. Valeu o sangue-frio e a perícia do professor, que evitou uma tragédia maior usando a água de uma cisterna próxima. O que ele não conseguiu foi evitar, mais tarde, o fogo em sua própria casa. Em represália pelo uso militar do Laboratorio, os

franceses incendiaram, na invasão seguinte, a casa daquele a quem chamaram « mestre da pólvora >> . Desa­pareceu assim para sempre não só a sua preciosa biblio­teca como, o que é pior, por ter sido uma perda defi­nitiva, os seus manuscritos.

Mas, a lém de teatro de guerra, o Laboratorio foi também por essa altura teatro de paz. Em 1809 o edi­fício pombalino foi transformado em farmácia, a fim de debelar um grave surto de peste, que na altura gras­

sou na cidade de Coimbra. Para purificar a atmosfera, Rodrigues Sobral fabricou no Laboratorio que dirigia muitos desinfectantes de cloro e ácido muriático oxige-

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HISTÓRIAS DE QUIMICA 1 31

nado, que foram distribuídos, a título gratuito, por ha­

bitações e hospitais, e até pelas ruas de Coimbra, para

evitar o alastramento da epidemia. O belo edifício do Laboratorio Chimico é hoje a

sede do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra,

cuja expansão para o vizinho edifício do Colégio de

Jesus está em curso. A exposição nele patente desde a inauguração, intitulada « Segredos da Luz e da Maté­

ria», mostra não só como era a ciência no tempo em que a química nascia, mas também como a ciência é hoje, como se mantém viva. Revela os segredos da luz

e da matéria a todos os que os quiserem conhecer . . .

O cheiro dos rzcos

A estação central de comboios da cidade alemã de Colónia é dominada pela publicidade à água-de-colónia 471 1 , que é, aí como noutros lados, chamada << autên­tica >> ( figura 1 3 ) . Ora essa publicidade, como tantas

outras, é bastante enganosa, pois a água original de Colónia é quase um século mais velha, remontando a

1 709, o ano em que, em Portugal, Bartolomeu de Gus­mão fazia subir, perante o rei D. João V, o engenho a que alguns chamaram Passarola.

Com efeito, foi nesse ano que o comerciante italiano Giovanni Maria Farina ( 1 6 8 5 - 1 766) inventou e passou a vender uma <<água milagrosa» que ele próprio descre­veu nestes termos:

Criei um perfume que me lembra uma manhã de Pri­

mavera na Itália, narcisos da montanha e folhas de laran­

ja depois da chuva. Ele refresca-me e fortalece os meus

sentidos e a minha fantasia.

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132 DARWIN AOS TIROS

Figura 13 - Interior da estação central de caminhos-de-ferro

da cidade de Colónia, na Alemanha, com pu blicidade à «autêntica>> água-de-colónia

Em homenagem à cidade onde foi inventada, pas­sou a ser anunciada como <<água de Colónia>> . Ainda hoje existe, como é sabido, um género de produtos com esse nome. Aconteceu à água de Colónia o mesmo que, mais tarde, aconteceu à Gillette, isto é, passou a desig­nar-se todo um tipo de produtos com o nome do pro­

duto inicial . Embora de fórmulas químicas diferentes, a 4 71 1 e a Farina são ambas águas-de-colónia, isto é, uma mistura de óleos essenciais de plantas, em con­centração inferior a sete por cento, com álcool (etanol)

diluído em água. A 471 1 , associada ao símbolo de um sino, será talvez a água-de-colónia mais famosa em todo o mundo, pese embora a história da sua pretensão à autenticidade ser um pouco rocambolesca: o alemão

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HISTÓRIAS DE QUIMICA 133

que criou, também em Colónia, o sucedâneo convi­dou para sócio da sua empresa um Farina que não tinha nada a ver com a família do perfumista com o

mesmo nome, só para que as duas águas pudessem ser confundidas pelo público consumidor. As modernas leis

da propriedade industrial ainda não existiam nessa

altura ... A 471 1 ( nome que deriva do número de porta da

loja, na Rua dos Sinos, em alemão Glockengasse, um

número elevado pois nesse tempo os números de portas

diziam respeito a toda a cidade e não apenas à rua) tem

uma relação com o nosso país : toda uma linha dos seus

produtos de perfumaria se intitula Portugal. Porquê? Acontece que um dos óleos essenciais usados para pre­parar esses produtos é feito com casca de uma laranja amarga proveniente dos países do Sul da Europa. A ligação de Portugal com a produção de laranjas é ancestral e, na Alemanha, esse óleo da água-de-colónia

tem mesmo como sinónimo «Óleo de Portugal» (Por­

tugalol). É precisamente por isso que antigamente se falava de uma « água de Portugal» .

Como é o cheiro que resulta dos óleos essenciais como o « Óleo de Portugal» ? Conforme disse Farina, é

refrescante e, portanto, leve e agradável . Notáveis como o imperador Napoleão Bonaparte (em francês eau de

Cologne soa muito bem), o poeta Johann Wolfgang von

Goethe e o compositor Ludwig von Beethoven (natural

de Bona, perto de Colónia) usaram água-de-colónia, uma grande novidade na época porque os perfumes, em geral de origem francesa, eram até então demasiado

fortes. Os banhos não eram nessa época muito frequen­tes e o chei ro a água-de-colónia passou até a ser desig­nado por «cheiro dos ricos» ...

Page 136: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

134 DARWIN AOS TIROS

Há muito espaço lá em baixo

« Há muito espaço lá em baixo» foi a frase que o físico norte-americano Richard Feynman (19 1 8 - 1 9 8 8 ),

professor no California Institute of Technology (vulgo

Caltech ), proferiu, em 1959, para inaugurar uma nova

engenharia - a nanotecnologia. Queria com isso dizer,

numa palestra que ficou famosa, num encontro da Socie­

dade Americana de Física, que, entre os átomos e as

moléculas, havia muito espaço vazio e que, aproveitando

esse facto, poderíamos mover os átomos e moléculas da

maneira que quiséssemos para criar novas estruturas ou modificar e montar estruturas já existentes.

Embora a nanotecnologia seja nova, a ideia de átomo é velha e relha. Baseia-se na teoria de Demócrito, filó­sofo grego dos séculos v e rv a .C., conhecido como o << filósofo que ri», para quem no mundo só havia átomos e espaço vazio. Durante muitos séculos essa foi uma ideia especulativa e minoritária. Mas, com a descoberta dos átomos feita progressivamente pela química e pela física nos séculos XIX e xx, eles deixaram de ser uma mera hipótese para passarem a ser uma realidade não só observável como até manipulável . Tornou-se mesmo possível l igar átomos como quem monta peças de Lego e, com isso, fabricar novas moléculas e novos mate­

riais. A nanotecnologia é a continuação da química por outros meios.

De onde partiu a ideia de Feynman ? O físico do Cal­tech, conforme ele próprio confessou na sua alocução, partiu de uma ideia ao mesmo tempo simples e ambi­ciosa: queria simplesmente colocar toda a Enciclopédia Britânica, que na altura ocupava 30 volumes, na cabeça de um alfinete, o que exigia reduzir 25 mil vezes as

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H ISTÓRIAS DE QUIMICA 135

letras das palavras. Uma letra de um milímetro de altura

reduzida 25 mil vezes fica com 0,00004 milímetro de

altura, ou 40 nanómetros (um nanómetro é a milio­

nésima parte do milímetro ou, o que é o mesmo, a milésima parte de um micrómetro) . Tal tarefa, como

lembrou o próprio Feynman, não violava nenhuma lei da física, é apenas uma questão técnica que mais cedo

ou mais tarde - e para ele era melhor mais cedo do que mais tarde- seria u ltrapassada.

Na altura, ofereceu do seu próprio bolso um prémio de mil dólares a quem conseguisse realizar na prática

essa proeza. O leitor escusa de a tentar em sua casa, pois o prémio já foi reivindicado há muito tempo . . .

Mas o mais extraordinário é que Feynman demons­trou, na mesma ocasião, através de cálculos simples, que não apenas seria fisicamente possível colocar toda

a enciclopédia na cabeça de um alfinete, como o mesmo poderia ser feito com toda a produção escrita da huma­nidade, desde os tempos mais remotos até à actualidade. E nem era preciso o espaço de uma cabeça de alfinete, bastava o de um grão de poeira. O poeta inglês William Blake ( 1 757- 1 827) aspirava a « ver todo o mundo/num grão de areia» . O físico conseguia ver todo o mundo escrito, l iterário e não só, num minúsculo grão de

poeira. Mas, para ver o nano, era preciso um novo instru­

mento. Foi Freeman Dyson (n . 1 923 ), um físico norte­-americano contemporâneo de Feynman, quem chamou a atenção para que a maior parte da ciência nova parte da invenção de um instrumento. Para a astronomia foi o telescópio e, nos anos 80 do século passado, para a nanociência e para nanotecnologia foi o chamado microscópio de varrimento por efeito túnel, cujo

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136 DARWIN AOS TIROS

desenvolvimento se deveu ao suíço Heinrich Rohrer

( n. 1 9 3 3) e ao alemão Gerd Binnig ( n . 194 7). Esse

supermicroscópio bem podia ser chamado nanoscópio,

pois permite observar e manipular os átomos e as molé­

culas. A palavra nanotecnologia tem surgido cada vez com

maior frequência nas páginas dos jornais. Algumas

das vezes, porém, surge associada a perigos e receios.

Será o nano perigoso ? Teremos nós de recear o nano ?

O escritor norte-americano de ficção científica Michael Crichton (1942-2008), no seu romance Presas (Dom

Quixote, 2003 ), tratou o tema numa perspectiva bas­

tante pessimista. Espalhando-se tal como os vírus nos computadores, uma multidão de nanopartículas auto­-replicantes, podemos chamar-lhes nanocriaturas, liber­

ta-se e pode conquistar o mundo. Nós somos as suas « presas> > . . . Haverá alguma ameaça desse tipo, que possa alastrar, com origem nos nossos laboratórios ? Teremos nós de tomar precauções especiais para impedir a inva­são de nanosseres vindos do nanomundo? A resposta é negativa. Convém, como é óbvio e como sempre acon­

teceu na história da humanidade, tomar todas as pre­cauções, e mais algumas, quando se atravessam as fron­teiras da ciência, mas, de facto, as notícias difundidas

pela comunicação social e literatura de ficção científica sobre a morte próxima da humanidade são manifesta­

mente exageradas. Bem pelo contrário, o mais provável - cabe-nos a nós torná-lo certo e seguro - é que a nanociência e a nanotecnologia ajudem a resolver alguns dos grandes problemas que afligem a humanidade. Há

muito espaço lá em baixo e temos de ser suficientemente sábios para o ocu p a r, em nosso melhor proveito e bene­fício.

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HISTÓRIAS DE QUÍMICA 137

A ilha dos superpesados

Quantos elementos tem a tabela periódica da quí­mica ? A contagem já vai em mais de cem e continua. A União Internacional de Química Pura e Aplicada in­tegrou em 2011 nessa tabela, proposta pelo russo Dmitri Mendeleiev ( 1 834- 1 907) em meados do século XIX, dois novos elementos, o 1 14.0 e o 116.0 Os núcleos dos res­pectivos átomos possuem 114 e 116 protões, bem mais do que os 92 protões do núcleo do urânio, o elemento químico mais pesado que existe na Natureza em quan­tidade significativa . Os novos elementos, com os estra­nhos nomes provisórios de ununquádio e ununhéxio, pertencem à família dos transuranianos, os elementos que estão para além do urânio. Todos os transuranianos, com a excepção do plutónio (do qual há apenas vestígios na Natureza), são puramente artificiais, isto é, foram produzidos pelo homem em aceleradores, em minúscu­las quantidades, por fusão de núcleos mais leves. Os novos elementos superpesados foram descobertos cerca de uma década antes do seu reconhecimento oficial no laboratório de Dubna, perto de Moscovo, num trabalho de colaboração com um laboratório norte-americano.

Há lugar na tabela periódica para mais elementos ? Terá ela um fim? Os investigadores já reclamaram a descoberta dos elementos 1 1 3.0, 115 .0, 117.0 e 1 1 8.0 ( a este último, que é o recorde experimental até à data, bem se poderia chamar informatínio, em homenagem ao número das informações telefónicas) e só falta obter confirmações adicionais até que esses elementos entrem nela. A referida tabela cabe numa vulgar folha A4, sim­plesmente porque os protões do núcleo atómico, partí­culas com carga positiva, se repelem, não conseguindo as forças nucleares atractivas contrariar o enorme efeito

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1 3 8 DARWIN AOS TIROS

desintegrador em núcleos com um grande número de

protões. É por isso que o ununquádio e o ununhéxio

decaem rapidamente, dando origem a elementos mais

leves. Quase não há tempo para haver átomos e molécu­

las, e, portanto, química. Persiste, no entanto, a esperança

de se descobrirem elementos mais pesados do que o 1 1 8.0,

esses sim verdadeiramente superpesados. A sua estabili­

zação durante um tempo razoável seria possível por efei­

tos quânticos no interior do núcleo. No mapa dos núcleos atómicos, atravessado o «mar da instabilidade», poder-se­-á estar a chegar a uma « ilha dos superpesados» ( figura

1 4). Há mesmo quem tenha conjecturado uma outra ilha semelhante situada ainda mais além, isto é formada por núcleos com mais protões e neutrões. Portanto,

PROTOES

w

1 1 (/) w

82

MONTANHA MÁGICA

NEUTRÕES

MAR DE INSTABILIDADE

1 64 196

Figura 1 4 - Representação esquemática da carta dos nuclí­

deos atómicos, mostrando a ilha dos superpesados. Os dois etxos horizontais representam números de neutrões e de

protões. O eixo vertical indica a estabilidade

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HISTÓRIAS DE QUIMICA 139

apesar de ser impossível que a tabela periódica progri­

da indefinidamente, o seu fim não está ainda à vista . . . A saga d a descoberta dos transuranianos começou

poucos anos antes da Segunda Guerra Mundial . Os jor­

nais contaram fantasiosamente que o físico italiano Enrico Fermi (1901-1954) teria entregado à rainha de

Itália um tubo de ensaio contendo o elemento 9 3 .0

( neptúnio) . De facto, só em 1940 o neptúnio foi desco­berto, por uma equipa norte-americana l iderada pelo

norte-americano Glenn Seaborg (1912-1999), que tam­bém descobriu o elemento 94.0 (plutónio), usado na

bomba que destruiu a cidade japonesa de Nagasáqui,

no final da Segunda Guerra Mundial. Os russos reagi­ram, em plena Guerra Fria, acabando por se impor.

Felizmente, o ambiente é hoje de cooperação entre as

duas superpotências: os superpesados, se existirem, poderão vir a ser descobertos em conjunto pelos anti­gos nvats.

O mistério da cebola e o vernzz estragado

Primo Levi (1917-1987) foi um químico italiano com um percurso extraordinário, brutalmente marcado por onze meses que passou num campo de conçentração nazi, por ser um judeu na Itália do tempo de Mussolini. Essa passagem por Auschwitz está sublimemente con­tada no seu l ivro Se isto É Um Homem (Teorema, 198 8). Tendo-se afirmado como um talentoso e reco­nhecido escritor, Primo Levi teve vários empregos l iga­dos à sua formação em química e mesmo no campo de concentração trabalhou como químico, o que terá sido decisivo para a sua sobrevivência.

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140 DARWI AOS TIROS

Em 1 946 e 1 947, depois de sair do campo da morte, trabalhou numa fábrica de vernizes, tendo encontrado

numa antiga técnica de fabrico instruções para adicio­nar duas rodelas de cebola quase no fim da cozedura do óleo de linhaça. Sem mais explicações ou propostas

culinárias para o resto da cebola. Rodelas de cebola,

como o leitor poderá imaginar, não são uma presença

habitual na indústria química (a não ser nos refeitórios)

e a perplexidade de Primo Levi não terá sido inferior à

nossa. Alguns anos mais tarde, levantou a questão da

cebola numa conversa com o seu antecessor na fábrica

dos vernizes, Giacomasso Olindo, então com mais de

70 anos de idade. A explicação encontra-se no seu livro O Sistema Periódico (Gradiva, 1 9 8 8):

[ . . . ] sorrindo benevolamente sob os fartos bigodes brancos,

explicara-me que, com efeito, quando era jovem e cozia o

óleo pessoalmente, ainda não se usavam os termómetros.

Avaliava-se a temperatura da cozedura observando os

fumos, cuspindo lá para dentro ou então, mais racional­

mente, mergulhando no óleo uma rodela de cebola enfiada

na ponta de um espeto; quando a cebola começava a fritar

era sinal de que a cozedura estava como devia. Evidente­

mente, com o passar dos anos, aquela que tinha sido uma

rude operação de medida perdera o seu significado e trans­

formara-se numa prática mística e mágica.

Estava esclarecido o mistério da cebola. Noutra ocasião, foi pedido a Primo Levi que desco­

brisse porque é que vários lotes de verniz se tinham

estragado. Deveria ocorrer um erro no processo de fabrico que levava a que, por vezes, o verniz solidificasse dentro das latas e ficasse com uma consistência parecida com a de um fígado. Remexeu a papelada da fábrica e

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HISTÓRIAS DE QUIMICA 141

descobriu um método analítico, que servia para con­

trolar a qualidade de um dos componentes do verniz. A dada altura, era ordenada a adição de 23 gotas de um determinado reagente. Primo Levi desconfiou de que fosse usado um tão elevado número de gotas ( uma

quantidade tão indefinida). Fez as contas e chegou à

conclusão de que a dose era absurdamente elevada. Como

resultado, a análise era recorrentemente viciada: todos os lotes da matéria-prima eram aprovados, mesmo que

não tivessem qualidade. A explicação para a « figadi­zação» dos vernizes estava encontrada: o fenómeno

ocorria sempre que, por acaso, um dos materiais de

partida não estava em condições. Primo Levi procurou a versão anterior do método de análise e encontrou a indicação «2 ou 3 gotas» , com o « OU» meio apagado. Evidentemente, perdeu-se na transcrição.

Sabe Deus que isto é vitamina C

Albert von Szent-Gyorgyi ( 1 893- 1 9 8 6), um cientista de origem húngara que se naturalizou norte-americano, ganhou em 1 93 7 o Prémio Nobel da Fisiologia e Medi­cina pela sua descoberta da vitamina C (ácido ascórbico) e pelo seu contributo para o entendimento do ciclo do ácido cítrico ( um processo fundamental da respiração aeróbia). Szent-Gyorgyi considerava que tinha entrado na ciência pelo lado errado, pois começou as suas inves­tigações na Universidade de Budapeste a estudar a estru­tura do ânus, por influência de um tio cientista que tinha hemorróidas. Combateu na Primeira Guerra Mun­dial, de que saiu dando um tiro em si próprio (talvez aborrecido de esperar por um tiro certeiro do inimigo! ) ,

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142 DARWIN AOS TIROS

movido pela descrença na guerra e por um desejo

ardente de regressar à universidade e à ciência. Hoje

em dia, muitos a lunos se queixam das dificuldades para

entrar num curso de Medicina, mas de nada lhes vale

tomar medidas tão extremas.

Quando publicou a descoberta da vitamina C, Szent­

-Gyorgyi sabia muito pouco acerca da sua estrutura quí­

mica. Sabia apenas que era um açúcar. Por isso, chamou­

-lhe Ig Noos, pois para os químicos «OS» significa açúcar

e «<gnos» significa <<não sei» . Mas o editor da revista

científica, revelando urna grande falta de sentido de humor,

recusou o artigo. Szent-Gyorgyi propôs então em alter­

nativa God Noos, que em inglês soa como <<sabe Deus»

(God knows) . Nem isto acordou o sentido de humor

do editor, que acabou no entanto por aceitar o artigo.

Szent-Gyorgyi teve uma vida longa e trabalhou em

vários campos de investigação. Estudou a estrutura do músculo e considerou como a experiência mais excitante

da sua vida ver duas proteínas do músculo ( actina e

miosina) moverem-se fora do corpo, num ambiente de

laboratório. Fruto das várias linhas de investigação a

que se dedicou, escreveu nas suas memórias:

Na minha busca pelo segredo da vida, comecei as

minhas investigações em histologia. Insatisfeito com a

informação que a morfologia celular me poderia dar acer­

ca da vida, virei-me para a fisiologia. Achando a fisiologia

demasiado complexa, fui para a farmacologia. Ainda con­

siderando a situação demasiado complicada, virei-me para

a bacteriologia. Mas as bactérias eram ainda muito com­

plicadas, então, desci até ao nível molecular, estudando quÍ1nica e quét-nica-física. Depois de 2 0 anos de trabalho,

fui levado a concluir que, para compreender a vida, temos

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H ISTÓRIAS DE QU(MICA 1 43

de descer ao nível dos electrões e ao mundo da mecânica

ondulatória. Mas os electrões são só electrões e não têm

nada de vida. Evidentemente, pelo caminho perdi a vida;

ela escapou-se-me por entre os dedos.

Nos gloriosos dias do D D T

N o Outono d e 1 939, o químico suíço Paul Müller ( 1 899-1965) tentava descobrir o insecticida perfeito. Não era estranho que o fizesse numa companhia farma­

cêutica, a J. R. Geigy (que deu origem à actual Novartis),

pois várias doenças, como a malária, o dengue e a febre­-amarela são transmitidas ao homem por insectos. Mas

são transmitidas exclusivamente por mosquitos do sexo feminino, pelo que outra abordagem possível (que per­manece até hoje inexplorada) seria encontrar um « femi­ninicida» perfeito: uma substância que fosse altamente tóxica para o género feminino teria boas probabi lidades de erradicar a malária. A ideia era mais ou menos a mesma, mas com mosquitos em vez de fêmeas, e teve resultados extraordinários graças ao diclorodifeniltri­cloetano (DDT ) .

Müller avaliava a eficácia dos candidatos a insecti­cida da mesma maneira que o leitor faria, ou seja adicio­nava uma certa quantidade da substância em teste a um

tanque de vidro cheio de insectos. À primeira, o DDT

foi um fracasso total : os insectos ficaram, aparente­mente, bastante contentes com o DDT. Sem nenhuma razão para o fazer ( ta lvez estivesse com pressa para ir ao supermercado), Müller deixou os insectos no tanque durante a noite. Na manhã seguinte, estavam todos

mortos. A experiência foi repetida várias vezes e o DDT

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144 DARWIN AOS TIROS

mostrou ser um insecticida extraordinariamente efi­ciente, que funcionava em quantidades extremamente baixas . Até os vestígios que permaneciam no tanque

após a lavagem com solvente eram suficientes para

matar os insectos.

Eram excelentes notícias para o exército norte-ame­

ricano, que combatia, nas ilhas do Pacífico, tanto os

japoneses como a malária. A eficácia do DDT a prote­

ger os soldados das picadas das mosquitas revelou-se

extraordinária. Os aviões militares passaram a pulveri­zar as praias antes do desembarque das tropas e pensa­

-se que o DDT terá salvado milhões de vidas, nesse e em muitos outros contextos. Paul Müller ganhou o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina pela descoberta da

elevada eficiência do DDT como insecticida em 1 948 ( no ano seguinte seria a vez do português Egas Moniz).

No final da guerra, o DDT começou a ser usado na agricultura e seguiram-se 20 anos de glória. Não havia grandes preocupações de que pudesse ser tóxico para os humanos, que já estavam habituados a respirar ar empestado com DDT durante horas. Antes pelo con­trário: a Organização Mundial de Saúde planeava erra­dicar a malária pulverizando todo o planeta com DDT.

Todavia, começaram a surgir preocupações com as consequências para o ambiente. Algumas espécies de insectos, que não são afectadas pelo DDT, proliferam

indiscriminadamente quando outros insectos seus pre­

dadores desaparecem por acção do DDT. Muitos pás­

saros a limentam-se de insectos, sendo a sua população também afectada. E a evolução é uma coisa tramada: começaram a surgir estirpes de mosquitos resistentes ao DDT, à semelhança do q ue acontece com as bacté­rias resistentes a antibióticos. A história é mais ou menos

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HISTÓRIAS DE QUÍMICA 145

a mesma: apenas um entre vários milhares de mosqui­

tos é naturalmente resistente ao DDT, mas é essa elite de supermosquitos que vai sobreviver e dar origem a

toda uma população resistente ao DDT.

Um livro publicado em 1 962 teve um papel funda­mental na criação de consciência pública dos problemas

causados pelo DDT: Primavera Silenciosa, da autoria

da bióloga norte-americana Rachel Carson ( 1 907- 1 964) .

Atribui-se um papel muito importante a esse livro no nascimento do movimento ambientalista norte-ameri­

cano e mundial.

O DDT, hoje em dia, tem muito má fama, mas teve uma vida impressionante: nasceu ( isto é, foi sintetizado pela primeira vez) em 1 8 73 e viveu os primeiros 65 anos na irrelevância, até ser descoberto como insecticida

numa empresa farmacêutica. Valeu um Prémio Nobel da Medicina e foi herói de guerra, salvando milhares de vidas. Em tempo de paz, meteu-se na agricultura e caiu em desgraça. Ainda «ajudou» a fundar o movimento ambientalista moderno e hoje, apesar de banido para fins agrícolas, não está morto: vive discretamente e, de vez em quando, é usado em pequenas quantidades e em ambientes fechados (e não sem alguma controvérsia) para controlar insectos que transmitem doenças ao

homem. Mas nada como antigamente, nos gloriosos dias do DTT!

Gasolina nas torradas e manteiga no depósito de gasolina

A quantidade de energia libertada pela combustão da gasolina e pela digestão da manteiga no nosso corpo

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1 46 DARWIN AOS TIROS

é mais ou menos a mesma : cerca de 37 000 joules (ou

8 ,8 quilocalorias) por grama. Se nada mais contasse a não ser a quantidade de energia contida nas moléculas,

poderíamos muito bem encher os depósitos dos carros com manteiga durante as crises no Médio Oriente e

barrar as nossas torradas com gasolina para reduzir o

colesterol . A razão pela qual conseguimos obter energia tanto

a partir dos a limentos como a partir dos combustíveis é a mesma: electrões. Há coisas que têm mais electrões

do que outras e, tal como numa barragem em que a

água de um lado tem tendência a passar para o outro

movendo uma turbina que produz energia, os electrões

também têm tendência a passar das moléculas onde

estão em maior abundância para outras em que estão menos concentrados. Os açúcares são precisamente isso: uma espécie de albufeiras de electrões. E, tal como nas barr agens, as células também têm uma espécie de turbinas e conseguem aproveitar a energia libertada nessa transferência de electrões . Através da respira­ção celular, os electrões dos açúcares e de outros ali­mentos são entregues ao oxigénio (o outro lado da barragem), formando-se água que é depois expelida

pelos pulmões ou transpirada ( isto, no caso da respira­ção aeróbia ) .

Com os combustíveis, é mais ou menos a mesma coisa . Com a diferença de que a respiração celular é um

processo bem mais eficiente do que a combustão, uma

vez que a oxidação dos alimentos é mais gradual e per­

mite aproveitar melhor a energia. Em vez de ser liber­

tada na forma de calor, ela é convertida em ligações

químicas que libertam energia quando são quebradas. É este o caso do famoso ATP (trifosfato de adenosina),

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HISTÓRIAS DE QUÍMICA 147

a moeda de troca de energia na célula: quando se quebra

uma das ligações químicas a um dos fosfatos, l iberta­

-se energia que pode ser usada em processos celulares

que precisem dela. Na combustão, é muito simples: o

combustível é queimado, ou seja, os electrões dos hidro­carbonetos são passados rapidamente ao oxigénio, e

l iberta-se calor. O que sobra tanto na combustão como

na respiração celular, para além da supramencionada

água, é o dióxido de carbono.

A combustão nem sempre é completa: por exemplo,

da queima de lenha numa lareira sobram sempre resí­

duos sólidos, que são produtos de combustão incom­

pleta . Mas o peso das cinzas nunca é o mesmo da lenha que lhes deu origem. Na Natureza, já dizia Lavoisier que nada se cria e nada se perde. A diferença de peso está no ar, na forma de dióxido de carbono e água .

No caso das nossas células, o dióxido de carbono é expelido pelos pulmões, no caso dos carros ele sai pelos tubos de escape. Em ambos os casos, é enviado para a atmosfera. No sítio climatecrisis.net, o político norte­-americano AI Gore ( n . 1 948 ) , que foi vice-presidente de Bill Clinton e candidato à presidência derrotado por George W. Bush, propõe que cada um de nós reduza as suas emissões de dióxido de carbono para zero. Em r igor, para fazê-lo teríamos de deixar de respirar. Evi­dentemente que o que está em causa são as emissões

resultantes do nosso estilo de vida, relacionadas com os produtos e serviços que consumimos. Mas nem mesmo AI Gore, por muito boas que sejam as suas intenções,

conseguirá deixar de emitir d ióxido de carbono e

metano {proveniente dos seus intestinos), dois dos gases que c a u s a m efeito de estufa .

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/

« Ü

do mar sal gado, quanto teu sal . . . » e outras

histórias de geologia

«Ó mar salgadoJ quanto do teu sal . . . »

o MAIS CONHECIDO DOS POEMAS de Mensagem ( 1 934) , o único l ivro publicado em vida por Fernando Pessoa ( 1 8 8 8 - 1 93 5 ) , intitula-se « Mar Português>> e começa assim:

6 mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Mas porque é que o mar é salgado ? Porque a água do mar é rica em iões (átomos com e lectrões a menos ou a mais) de cloro e de sódio, os primeiros positivos e os segundos, negativos. Esses iões, quando a água se

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1 5 0 DARWIN A O S TIROS

evapora, ligam-se facilmente para formar uma rede cris­

talina, com os dois tipos de iões regularmente intercala­

dos ( figura 1 5 ) , conhecida por rede do cloreto de sódio,

que é nada mais nada menos do que o vulgar sal de

cozinha com que temperamos a comida. Basta ir ao Núcleo Museológico do Sal, um pequeno mas curioso museu à beira de uma salina na localidade de Armazéns de Lavos, perto da Figueira da Foz, na margem esquerda do rio Mondego, para ver in loco como é que o sal se

extrai, em salinas, da água do mar.

Figura 15 - Representação esquematJca

da rede do cloreto de sódio (sal de cozi­

nha), na qual os iões de sódio (os menores)

e cloro (os maiores) estão intercalados

A expressão <<rico em iões>> pode ser quantificada. Em

cada litro de água, encontram-se 3,5 gramas de iões, dos

quais a grande maioria ( 86 por cento) são iões de cloro e de sódio. Pode-se morrer de sede rodeado de água no meio de um oceano, pois o nosso organismo não aguenta

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HISTÓRIAS DE GEOLOGIA 1 5 1

a ingestão de uma quantidade de sal tão elevada. O sa l

é necessário à vida, mas apenas na devida conta. Todos

os nossos fluidos corporais - sangue, suor e lágrimas -

possuem sal, mas numa proporção bem mais baixa do que aquela que se encontra na água dos oceanos.

De onde vieram os iões do mar? Na sua maior parte,

foram-se acumulando ao longo dos tempos a partir da

dissolução das rochas. A idade da Terra pode então ser

calculada a partir da concentração de sal marinho.

A primeira pessoa a ter essa brilhante ideia foi, em 1715, Sir Edmond Halley (1656-1742) . Sim, esse mesmo,

o astrónomo inglês que deu o nome ao cometa que, em

Portugal , apareceu nas vésperas da República, assus­tando as pessoas menos preparadas. Hal ley supôs que

os iões eram retirados das rochas pelas águas das chuvas e arrastados para o mar. Mas não fez as contas. Bastante mais tarde, em 1899, o físico irlandês John Joly (1857-1933), estimando o valor do caudal dos rios e conhecendo o teor de sal na água do mar, aval iou a idade da Terra em cem milhões de anos, um número bem maior do que aquele que se admitia até à altura. Contudo, os erros desse processo vieram a revelar-se

bastante grandes, pois o cálculo olvidava outras ori­

gens {por exemplo, vulcões e fontes hidrotermais) dos iões presentes na massa oceânica, assim como o destino de uma parte deles (depósitos em rochas). De facto,

graças a outras técnicas, mais exactas, designadamente

assentes em medidas da radioactividade natura l , sabe­se hoje que o nosso planeta, incluindo tanto continen­tes como oceanos, é bastante mais velho do que foi

estimado por Joly: tem cerca de 4,5 mil milhões de anos. É praticamente da idade do Sol, cuja luz faz eva­porar a água do mar nas salinas.

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152 DARWI AOS TIROS

Pânico no clima europeu

A cr ise atmosfér ica com origem no v u l cão de

Eyjafj al lajokul l ( ufa, que nome, é inacreditável que os

media não tenham inventado uma abreviatura como

Vulcão E.!), no Sul da Islândia, e que lançou em Março

de 2010 o caos nos aeroportos da Europa esteve longe,

bem longe, de ser a mais grave das crises do mesmo

tipo na Europa. De Junho de 1783 a Fevereiro de 1784

a erupção de um vulcão com um nome mais simples de

pronunciar, Laki, a cerca de 140 quilómetros do pri­

meiro, originou um nevoeiro seco por todo o continente

europeu, de Lisboa a Moscovo. O fenómeno chegou

mesmo a ser observado no Rio de Janeiro, tendo aí sido reportado por um astrónomo português, Bento Sanches

Dorta (1739-1795), fundador do Observatório do Rio

de Janeiro e autor dos primeiros registos meteorológicos

nessa cidade. O l ivro Terra. Acontecimentos Que Mudaram o

Mundo, de Richard Hamblyn ( Bertrand, 2010), dedica

todo um capítu lo à erupção do Laki com o título

« Pânico no cl ima da Europa, 1783 » . Os efeitos das cinzas lançadas pelo vulcão foram avassaladores, com um Verão de tal forma encoberto, que se podia olhar

directamente para o Sol sem prejudicar a vista, e um

Inverno que foi dos mais frios da história : as cinzas

vulcânicas causaram um arrefecimento global na Terra, contrariando o conhecido efeito de estufa, uma vez que

impediram não só a luz como o calor do Sol de chegar

à superfície terrestre. O cheiro sulfuroso sentia-se em

Paris e noutras cidades europeias. O pânico foi, como é fáci l supor, generalizado. E os prejuízos, imensos. Há, entre os autores de h istória económica, quem opine que

Page 155: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

H I STÓRIAS D E GEOLOGIA 1 53

terá sido devido aos danos causados na agricultura em

França que, passada meia dúzia de anos, se deu a Revo­

l ução Francesa . . .

Na Islândia, devido, directa ou indirectamente, à erupção do Laki, que causou o maior fluxo de lava de

sempre, morreram cerca de dez mil pessoas, quase um

quarto da população, um número que só fica atrás do

número de vítimas da erupção do Vesúvio, no ano 79,

no cômputo de todos os fenómenos vulcânicos ocorri­

dos na Europa. A Dinamarca, que administrava nessa

a ltura a Islândia, chegou mesmo a colocar a hipótese

de abandonar completamente a ilha.

O primeiro c ientista a relacionar o clima anormal na Europa com o vulcão na Islândia foi o norte-americano Benjamin Franklin (1706-1790), o inventor do pára­

-raios que ia morrendo com o teste da sua invenção e, na altura, embaixador americano em França, com resi­dência nos arredores de Paris. Franklin tornou-se assim pioneiro dos estudos sobre a relação entre poluição atmosférica e alterações climáticas. Não podia na época

haver perturbação da aviação devido às poeiras atmos­féricas pela simples razão de que ainda não havia aviões ... Mas foi nesse mesmo ano que ocorreram as famosas experiências francesas de ascensão em balão,

de que o padre Bartolomeu de Gusmão terá sido pio­neiro décadas antes. A 4 de Junho de 1783, os irmãos Montgol fier efectuaram, em Annonay, no Sul de França,

uma primeira exibição pública do seu balão, à qual, a 21 de Novembro, em Paris, se seguiu o primeiro voo

tripulado, presenciado pelo próprio Franklin. O nevoeiro

que toldava o Velho Continente não impediu o vasto público de ver esses engenhos subirem graciosamente no céu ...

Page 156: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

1 54 DARWIN AOS TIROS

O temor da terra

No Chile, mais do que noutros países, a terra cos­

tuma, de vez em quando, tremer. E, quando treme, é de

temer! Da lista dos dezoito tremores de terra mais vio­

lentos de todos os tempos que a Wikipédia elenca, seis

tiveram epicentros no território chileno. Um dos mais

recentes, ocorrido na região de Maule, no Norte do

Chile, no dia 27 de Fevereiro de 2010, alcançou a

magnitude 8,8 na escala de Richter, causando mais

de 730 óbitos. O mais violento terramoto de todos os

tempos ocorreu também no Chile, a 22 de Maio de

1960: com epicentro na cidade de Valdivia, no Sul, teve a magnitude de 9,5 na mesma escala e resultou em

cerca de 1700 mortos. Para termo de comparação, acres­

cente-se que o terramoto do Haiti de 12 de Janeiro de 2010 só teve a magnitude 7,0, mas fez mais de 220 000 mortos. Ainda para comparação: ao grande terramoto

de Lisboa de 1 de Novembro de 1755 são atribuídos

hoje a magnitude de 8,7 (um cálculo, pois na época não

havia os sismógrafos que há actualmente) e cerca de 50 000 mortos ( número muito incerto) . Com o terra­moto de Maule, o l isboeta viu-se relegado do 10.0 para

o 11.0 l ugar na l ista dos maiores terramotos. E, com o

terramoto ocorrido a 11 de Março de 2011 no oceano

Pacífico, perto da costa oriental do Japão, ao qual foi

atribuída a magnitude de 9,0, o terramoto português

desceu mais um l ugar na escala.

O que significa o valor, registado no Chile, de 8,8 na

escala de Richter ( Charles Richter, 1 900-1985, foi um

sismólogo norte-americano), ou o valor de 9,0 na mesma escala, registado no Japão? Essa escala mede a energia

l ibertada no sismo, que se traduz no seu potencial poder

Page 157: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE GEOLOGIA 155

de destruição. Claro que o facto de o sismo destruir

muito (como aconteceu no Haiti ou em Lisboa) ou

pouco, causando mais ou menos v ít imas morta is ,

depende de outros factores, como a densidade e a qua­

l idade da construção. A energia l ibertada no Norte do

Chile foi o equivalente a 16 mil mi lhões de toneladas

de trinitrotolueno (TNT ), o que contrasta brutalmente

com a energia correspondente a 15 mil toneladas da

bomba atómica que explodiu sobre Hiroxima no final

da Segunda Guerra Mundia l . Impressiona a energia dos

grandes abalos de terra chi lenos quando cotejada com

a das armas de destruição maciça que o homem inventou.

Em dois versos do poema «A Fala do Homem Nas­cido » , escreveu o poeta António Gedeão, pseudón imo

poético do professor de Física Rómulo de Carvalho:

As forças da Natureza

Nunca ninguém as venceu.

De facto, o homem tem necessariamente de se sentir

pequeno perante as fúrias do planeta que pisa. No Chile,

como aconteceu de outras vezes, deu-se um embate frontal da placa Nazca, no Pacífico, com a placa da América do

Sul, mergulhando a primeira por baixo da segunda. A

tendência, que se manifesta de forma muito lenta, con­

siste no alargamento do oceano Atlântico e na diminui­

ção do oceano Pacífico. Algo de semelhante se passou no

Japão, com a colisão das placas do Pacífico e da Eurásia.

Mas o homem quer ser maior daquilo que é. Ainda

citando Gedeão:

Quero eu e a Natureza

Que a Natureza sou eu.

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156 DARWI AOS TIROS

Por enquanto, o homem não é capaz de prever quando

se l ibertará a gigantesca energia acumulada na zona de

contacto entre as placas tectónicas . Mas persegue essa

possibi lidade. Pode bem ser que, com o progresso da

sismologia, consiga um dia prever catástrofes iminen­

tes. Nessa altura, e só nessa a ltura, é que diminuirá o

temor da terra . . .

Uma desgraça de profeta

O físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) disse

que era muito difíc i l fazer previsões. E acrescentou :

especialmente do futuro. É por isso que os profetas,

sej am da desgraça sejam da graça ( predominam os pri­meiros ! ) , costumam falhar. No ano de 2009 falhou mais um profeta da desgraça, ao contrário do que o próprio e os media quiseram fazer crer.

Giampaolo Giuliani , técnico do Instituto Nacional

de Astrofísica Ital iano (trata-se de um técnico não l icen­ciado e não de um cientista ) , previu um sismo na Itál ia central em M arço de 2009, baseado no aumento que

tinha detectado de emanações do gás radão do subsolo. E colocou uma carrinha na rua com um megafone, com o intuito de avisar as pessoas . Face à tragédia que ocor­reu em L' Aquila, no dia 6 de Abril desse ano, a imprensa de todo o mundo lembrou-se da previsão, afirmando

ou pelo menos insinuando que se poderia ter prevenido a catástrofe se o profeta tivesse sido levado a sério. Muita e boa gente acreditou na previsão, perguntando­

-se por que razão a ciência não tinha sido ouvida. Acontece, porém, que não se tratava de ciência . No

actual «estado da arte» , não podem ser previstos sismos.

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HISTÓRIAS DE GEOLOGIA 1 57

Pode ser que um dia isso seja possível, mas hoje não é.

Esta é a conclusão da comunidade dos especial istas em

sismologia . Os sinais de radão não são um indicador

fiável . Apesar dos numerosos estudos feitos, não há

nenhuma boa maneira de indicar que, num dado sítio,

num certo dia e a uma certa hora, vai ocorrer um sismo.

Pode-se, quando muito, indicar probabi l idades, que por sua própria natureza são bastante incertas. Há certas

zonas, de maior sismicidade, onde o risco é maior. Giu­

l iani falhou redondamente, pois previu um sismo em

Sulmona, 30 quilómetros a sul de L'Aqui la, uma semana

antes. Se a protecção civil italiana o tivesse levado a

sério, teria retirado os habitantes de Sulmona para L' Aquila, engrossando assim as vítimas da tragédia rea l .

O Laboratório para o qual Giul iani trabalha publicou um comunicado, esclarecendo que o seu objecto de estudo é a astrofísica e não a geofísica, não passando as « pesquisas >> sísmicas de Giul iano de um simples pas­satempo individual, que ninguém pode levar a sério.

Eis pois como um lunático em busca de protagonismo teve os seus quinze minutos de fama. De facto, não foi muito, mas foi tempo a mais.

Infel izmente, o seu não foi o único caso de pseudo­

ciência sísmica que ocorreu a propósito do tremor de terra de L' Aquila. Houve outro ainda pior. A lguém resol­veu pôr um processo judicial contra a lguns sismologistas

profissionais, sete cientistas e a lguns técnicos que inte­

gravam a Comissão Nacional de Grandes Riscos, por eles não terem previsto o dito terramoto. Apesar de a

c iência, com o conhecimento actual, não poder prever

terramotos, os tribunais aceitaram a entrada do processo e querem ju lgar os cientistas com base em argumentos pseudocientíficos. Parece que se agarram ao argumento

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1 5 8 D A RWIN AOS TIROS

de que um porta-voz terá dito que « não havia qualquer

perigo » . Os tremores de terra a limentaram sempre as

forças mais i rracionais. Foi assim em Lisboa, em 1755,

e foi assim em L'Aquila, em 2009.

Page 161: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

A mirabolante flora do deserto e

histórias de outras

biologia

A mirabolante flora do deserto

A GOLA É UM IMENSO PAIS QUE ALBERGA uma rica varie­

dade de espécies biológicas. Uma das plantas mais ex­traordinárias do mundo encontra-se precisamente no

deserto do Namibe, perto da fronteira sul do país . Foi descoberta a 3 de Setembro de 1859 ( pouco antes de sair a primeira edição d' A Origem das Espécies, de

Charles Darwin ) , por um botânico austríaco que se

tinha deixado encantar pela natureza africana a ponto de só a ter abandonado quando foi vítima de maleitas tropicais. O nome científico da espécie, Welwitschiae mirabilis, foi dado em homenagem a esse seu descobridor, Friedrich Welwitsch (1806-1872) . Revelou-se necessário

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1 60 DARWIN AOS TIROS

criar um género novo para integrar a espécie, tão dife­

rente ela era das outras identificadas até à data.

A grande planta, que chega a ser milenária, tem um

caule duro, do qual saem duas folhas, que crescem lenta­

mente, esfarrapando-se nas extremidades, a um nível

rasteiro ( figura 16 ) . As suas características mais não fazem do que comprovar os prodigiosos mecanismos

de adaptação a ambientes adversos de que os seres vivos

são capazes. Crescer no deserto, como ela, parece um

verdadeiro mi lagre !

Figura 16- Desenho da Welwitschiae mirabilis. ln Engler e

Prantl, 1889, Die Naturlichen Pflanzenfamilien II, 1. Em cima, a planta jovem e, em baixo, já adulta. Repare-se nas duas

folhas que se esfarrapam nas pontas

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HISTÓ RIAS DE BIOLOGIA 161

O poeta português Jorge de Sousa Braga (n . 1957)

dedicou a essa planta um poema publicado no seu livro

Herbário, especialmente destinado a crianças:

No meio do mais árido deserto

Há uma planta que consegue medrar,

E até se dá ao trabalho de florir,

Mesmo que não haja ninguém por perto,

Que a possa contemplar.

Para além de Welwitsch, outros natural istas têm

estado perto da Welwitschiae para, mais do que a con­

templarem, a estudarem com cuidado. Um deles foi o português Luís Wittnich Carrisso (1886-1937), natural da Figueira da Foz, filho de mãe holandesa, professor de Botânica na Universidade de Coimbra ( chegou a ser

reitor dessa universidade) , que, enfeitiçado por África tal como Welwitsch, protagonizou três expedições a solo angolano a fim de estudar a respectiva flora. Na última delas, em pleno deserto namibiano, perto de uma Welwitschiae, faleceu vítima de ataque cardíaco. O local da sua morte, o morro do Kane-Wia que os povos indígenas mucubais dizem amaldiçoado, é um dos sítios inescapáveis da h istória da ciência angolana.

Darwin e o seu amigo açorzano

Quando há poucos anos se perguntou, num inquérito, a um conjunto de professores da Universidade de Coim­bra quais foram os dez l ivros que mais mudaram o mundo, não foi sem surpresa que se apurou em pri­meiro lugar A Origem das Espécies ( Londres, 1859) ,

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1 62 DARWIN AOS TIROS

do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), e só depois a Bíbli a. No entanto, ao querer organizar-se uma exposição sobre essa l ista, a surpresa foi ainda maior

quando se verificou que não havia no rico acervo das bibliotecas da universidade nenhuma primeira edição da obra maior de Darwin, ao passo que havia várias

centenas de edições, algumas bastante antigas e precio­

sas, do l ivro sagrado dos cristãos.

Este facto chegará para mostrar que, se hoje os cien­

tistas são todos darwinistas, há 150 anos, quando foi divulgada a revolucionária teoria de D arwin, não havia

entre nós quase ninguém interessado nas ideias do inglês.

Graças à sua pródiga confirmação pela observação e pela experiência, a teoria da evolução a lcançou desde então uma aceitação que, na sua origem, dificilmente se poderia prever. Hoje, pode dizer-se que não existe nenhuma teoria científica que esteja em competição com o evolucionismo (o criacionismo não é, evidentemente, uma ciência ! ) .

A demora com que as ideias de Darwin chegaram até nós é sintomática do nosso atraso c ientífico no século xrx. Apesar de Darwin se ter tornado em pouco tempo mundialmente famoso e de ter trocado milhares de cartas com naturalistas de todo o mundo, o único português a corresponder-se com ele foi um j ovem de 26 anos, res idente nos Açores, completamente isolado

dos círculos c ientíficos. Francisco de Arruda Furtado (1854-1887) dirigiu-se, em 1881, ao velho sábio do seguinte modo:

Nasci e vivo nestas ilhas vulcânicas onde os factos de

distribuição geográfica dos moluscos terrestres são uma

interessante prova da teoria a que deu o seu nome mil

vezes célebre e respeitado.

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HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 63

Darwin, que tinha visitado os Açores durante a sua viagem à volta do mundo no Beagle, respondeu, quase

na volta do correio, com palavras gentis e encoraja­

doras:

Admiro-o por trabalhar nas circunstâncias mais difí­

ceis, nomeadamente pela falta de compreensão dos seus

vizinhos.

É bem conhecida a polémica que as ideias darwinistas

logo susc itaram, nomeadamente a forte oposição que

tiveram por parte da Igreja de Inglaterra. A esse con­

fronto não terá sido alheio o progressivo afastamento de Darwin da sua fé da j uventude - ele, que tinha estudado Teologia em Cambridge-, para assumir, no fim da vida, quando respondia ao português, uma po­sição agnóstica . O mecanismo da selecção natural per­

mitia defender a evolução das espécies como um design sem autor ( algo que os criacionistas ainda hoje se recu­sam a aceitar) . O mais perturbador para a lguns crentes era a eventual <<descendência humana do macaco » , tendo ficado célebre a afirmação de u m não-darwinista segundo a qual « não era verdade, mas, se o fosse, o

melhor era que não se soubesse» . A oposição com base na Bíblia ao evolucionismo

conheceu a lguns episódios curiosos também em Por­

tugal . No mesmo ano em que escrevia a D arwin, Fur­tado publicou em Ponta Delgada um folheto intitulado

O Homem e o Macaco, em resposta a um padre que

tinha pregado nessa cidade:

E ainda há sábios que acreditam que o homem descende

do macaco! ... Nós somos todos filhos de Nosso Senhor

jesus Cristo!. ..

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164 DARW I A O S TIROS

O açonano esclareceu:

Não há sábios que acreditam que o homem descende

do macaco [ ... ]mas que ambos deveriam ter sido produ­

zidos pela transformação de um animal perdido e mais

caracterizado como macaco do que como homem. Eis

o que se disse e o que se diz e, se isto não se prova, o

contrário também não.

Passados mais de 150 anos sobre a publicação de A Origem das Espécies e 200 anos sobre o nascimento

de Darwin, a teoria que o tornou famoso está bem e

recomenda-se, não só devido à ajuda da paleontologia

mas também e principalmente devido à corroboração pela moderna genética . Conforme afirmou o geneti­cista ucraniano Theodosius Dobzhansky (1900-1 975)

no título de um seu artigo, « nada na biologia faz sen­

tido a não ser à luz da evolução » .

A orzgem da espécie

A ciência é um imenso campo de surpresas. Aconte­ceu em 2009 uma delas no j ardim do Museu de Histó­ria Natural , na cidade de Londres. Um petiz de cinco

anos, filho do entomologista Max Barclay que traba­lhava no museu como curador, apanhou um bichinho

vermelho e preto do chão e mostrou-o ao pat:

Papá, o que é isto?

O pai teve de admitir que não sabia, apesar de ter passado a vida a recolher insectos por todo o mundo, em sítios remotos do globo como a Tai lândia e a Bol í­via . O referido museu a lberga uma colecção de 28

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HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 165

milhões de espécies de insectos ( passaram para o Cen­

tro Darwin- Fase 2, um moderno edifício inaugurado

no Ano Darwin) , mas não havia lá nenhum igual. Não

era uma espécie vulgar de Lineu . . . Depois de uma verda­

deira «caça ao insecto» nos museus de todo o mundo,

encontrou-se uma espécie parecida no Museu Nacional

de Praga. Dava pelo nome de Arocatus roeselli e tinha

sido recolhida em Nice, no Sul de França. Depois de vários estudos - anal isou-se o ADN e tudo-, ficou

sem se saber se é a mesma espécie ou se é uma espécie

nova muito semelhante. A questão é que o insecto conhe­

cido não devia existir à latitude de Londres e, além

disso, habitava um outro tipo de árvores. Quando se foi examinar melhor o j ardim do museu, constatou-se que estava todo povoado pela nova espécie (pode mesmo

tratar-se de uma nova espécie, pois há quem conjecture que só dez por cento das espécies de insectos são conhe­cidos). Não era um insecto isolado, mas uma multidão deles; felizmente, inofensivos para os humanos.

Qual é a origem da espécie? Não se sabe ao certo. Segundo Barclay (Time, 28 de Julho de 2009), a migra­ção e adaptação do Arocatus pode dever-se ao aqueci­

mento global ou à circulação acrescida de pessoas den­tro da União Europeia. Qualquer que seja a origem, um mistério como este veio mesmo a calhar, na altura em que passavam 150 anos sobre a primeira comunicação de Darwin a respeito da origem das espécies, que ocor­

reu um ano antes de o seu l ivro mais famoso ter vindo

a lume. Esta curiosa h istória científica ensina-nos o valor da

biodiversidade, a relevância do melhor conhecimento e preservação de todas as espécies e a importância dos museus de história natural .

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166

África nossa

DARWI AOS TIROS

Somos todos africanos ! A espécie Homo sapiens teve

origem no continente africano há cerca de 200 mil anos,

tendo-se espalhado a partir daí há cerca de 50 mil anos.

Já se suspeitava desta origem comum dos modernos

humanos, mas uma investigação publicada em 2009 na

revista Science veio corroborar a h ipótese.

A cientista norte-americana Sarah Tishkoff (n. 1966 ),

da Universidade da Pensilvânia, liderou uma vasta equipa

que recolheu amostras de sangue de mais de uma centena

de grupos humanos em sítios recônditos do continente

africano. Em sucessivas expedições ao longo de dez anos, viajando num Land Rover e acampando em condições

rudimentares, conseguiu ganhar a confiança de mi lhares

de indígenas e deles obter consentimento para realizar

o seu trabalho. Se alguns recearam ficar fracos ao dar o sangue, outros revelaram-se curiosos quando lhes foi dito que poderiam conhecer os seus antepassados através

do exame de uma simples gotinha de sangue. De facto,

das células do sangue, a antropóloga molecular extraiu ADN, que anal isou em certas partes, com o intuito de desvendar a h istória dessas populações. Antropóloga

molecular? Sim, graças à moderna genética, é hoje pos­

sível complementar dados sobre a cultura e a l íngua de grupos indígenas, observando as marcas genéticas dei­

xadas por uma longa e complexa história evolutiva.

Tishkoff concluiu que a variabilidade genética den­

tro de África é enorme, maior até que em todo o resto

do mundo. E conseguiu localizar na região desértica

entre Angola e a Namíbia os descendentes do grupo mais antigo. O povo San, pertencente aos bosquímanos, é o que está mais próximo dos habitantes do lendário

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H ISTÓ RIAS DE BIOLOGIA 167

Jardim do Éden. Não significa isto que o Homo sapiens tenha nascido no Sudoeste Africano, mas sim que os

seus parentes mais próximos, depois de eventuais mi­

grações, se encontram hoje nessa zona. Por seu lado,

os descendentes das tribos que saíram de África para

povoar a Europa e a Ásia localizam-se hoje no Nordeste,

perto do mar Vermelho. Quem diria que a escritora

dinamarquesa Karen Blixen, autora de África Minha, retratada no famoso fi lme de Sydney Pollack com o

mesmo título, ao emigrar para o Quénia estava afinal de certo modo a regressar a «casa » ?

Darwin aos tiros

O inglês Charles Darwin foi uma criança apaixonada pelo mundo natural . Adorava coleccionar espécimes e passear pelo campo e esse gosto foi cultivado nas duas universidades onde estudou (Edimburgo e Cambridge) , na companhia de professores cuja influência foi determi­nante no seu pensamento futuro, como Robert Grant (1793-1874) e John Henslow (1796-1861). Fruto das suas frequentes saídas de campo, fez a sua primeira descoberta científica com apenas 18 anos: descobriu que os ovos de flustra ( um invertebrado que forma uma espécie de tapete marinho) não eram ovos de flustra,

mas sim larvas de flustra ( porque nadavam e os ovos

não nadam) . Durante os cinco anos em que viajou à volta do

mundo a bordo do HMS Beagle, o seu entusiasmo pela história natural fê-lo acumular diversas colecções que expedia regularmente para Inglaterra, para não afun­dar o Beagle com tanto l astro. Se o leitor se aborrece

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1 68 D A RWI AOS TIROS

com publicidade que l he entope a caixa do correio, j á

imaginou tentar encontrar a sua correspondência impor­

tante, notificações das finanças e contas da l uz, no meio

de aves, organismos marinhos, insectos, p lantas, fósseis

e até rochas? Foi o que aconteceu a John Henslow,

professor e amigo de Darwin.

Mas o esti lo naturalista de Darwin não seria prova­

velmente aprovado pelos padrões de muitos amantes

da natureza actuais. Darwin era um entusiasta da caça

e um excelente atirador, o que dava muito jeito porque

os tripulantes do Beagle tinham de comer e não seria

possível trazer de Inglaterra latas de feijoada de seitan suficientes para alimentar 74 homens durante toda a viagem. E não imaginemos Darwin a erguer ao alto redes de bambu para as aves caírem suavemente, e a l ibertá-las posteriormente com uma anilha identifica­

dora na patinha e uma lágrima emocionada. Mais rea­l ista será a visão de Darwin aos tiros, na esperança de atingir uma espécie desconhecida. Tivesse Darwin uma metralhadora e talvez o seu contributo para o entendi­

mento do mundo natural fosse ainda maior! Um dos episódios mais i lustrativos desta d imensão

cinegética e gastronómica do seu trabalho de investiga­ção passou-se no Sul da actual Argentina . A tripulação tinha caçado uma a v e para comer e, só depois de ela estar nos pratos e parcialmente comida, é que Darwin

se apercebeu de que se tratava de uma espécie desconhe­cida ( uma ema mais pequena do que a que se encontrava nas regiões mais a Norte) , que queria preservar para a

sua colecção. Os pedaços retirados dos pratos ( não se

sabe se passaram pela boca de a lgum dos comensais) foram poupados e , claro, enviados para a caixa de correio de Hens low.

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HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 169

A origem da vida: não tente fazer isto em casa

Na sua obra magistral, A Origem das Espécies (ou, usando o título completo, Sobre a Origem das Espécies através da Selecção Natural, ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida), se há coisa de que o natural ista inglês Charles Darwin não fala, é sobre a origem das espécies. Ou melhor, sobre a origem da vida. No final do l ivro, Darwin menciona a possibi l i ­dade de todos os organismos terem tido origem numa

única forma primordial, mas em privado pensava que

essas origens antigas eram irrecuperáveis. Na segunda edição, Darwin incluiu um comentário em que afi rmava ser possível conceber um Criador que tenha permitido às espécies criarem-se a si próprias, e que as primeiras formas orgânicas tenham adquirido vida a partir do <<sopro do Criador» . Darwin foi-se tornando agnóstico ao longo da vida, mas não era imune a pressões e o Criador tem muitos amigos ! De qualquer forma, quem comprou A Origem das Espécies à espera de uma expli­cação cabal acerca da origem das espécies terá prova­velmente pensado em exigir o dinheiro de volta.

No entanto, já em finais do século XIX, Darwin e o físico inglês John Tyndall (1820-1883) notaram que a evolução biológica teria sido necessariamente antece­dida de uma certa forma de evolução química. Mas o tema não entusiasmava ninguém. Darwin tinha eviden­temente mais que fazer, digladiando-se pela selecção natural , a origem do homem, o papel do sexo na evo­lução e outros saril hos em que já estava metido.

Alexander Oparin (1894-1980), bioquímico soviético, tinha aparentemente mais tempo livre e, em 1924, publi­cou um livro intitulado A Origem da Vida, em russo. Ninguém lhe l igou até 1936, quando a obra foi tradu-

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170 DARWI AOS TIROS

zida para vanas l ínguas. Felizmente, para ammar os

leitores anglo-saxónicos, aborrecidos pela espera da

tradução, o biólogo inglês John Scott Haldane (1860-

-1936) publ icou em 1928 um artigo intitulado « Science

and human l i fe» acerca do mesmo assunto.

As teorias de Oparin e Haldane são semelhantes:

a vida teve origem em pequenas moléculas dos mares

primitivos ( uma espécie de sopa da pedra de moléculas

simples) onde uma tempestade, um raio u ltravioleta,

um fenómeno radioactivo, um naufrágio ou a lgo do

género levou à formação de molécu las cada vez maio­

res e mais complexas, até que a complexidade era tanta,

que a coisa só podia ser viva.

Uma evidência estrondosa da origem da vida no mar é que a abundância relativa dos iões de sódio, potássio e cálcio no sangue é muito semelhante à da água do mar. A base do nosso sangue é, por assim dizer, água do mar diluída. Pode-se manter certos órgãos e tecidos vivos e em funcionamento durante algum tempo fora dos respectivos organismos, desde que mergulhados numa solução contendo cloretos de sódio, potássio e

cálcio em percentagens relativas semelhantes às da água do mar (a chamada solução de Ringer) .

Em 1953 o químico norte-americano Stanley Mi l ler (1930-2007) resolveu fazer a experiência . Preparou uma mistura de gases que simulavam a atmosfera primitiva:

h idrogénio, amoníaco, metano e vapor de água. Mi l ler considerou que uma condição essencia l para a formação de moléculas orgânicas terá sido a ausência de oxigénio na atmosfera primordial . De outro modo, os compos­

tos orgânicos teriam tendência para a combustão. Sujeitou a mistura à acção de descargas eléctricas,

simulando as violentas tempestades que terão animado

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HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 7 1

o boletim meteorológico de há 3,5 mil milhões de anos.

Ao fim de uma semana (e não ao fim de milhões de anos) , encontrou aminoácidos (constituintes das proteí­

nas) e bases azotadas (que fazem parte do ADN) . Não

é nada recomendável que o leitor procure reproduzir esta experiência em casa, atirando com um ferro de

engomar l igado para uma banheira com água e com

uma botij a de gás aberta na casa de banho. Além de

não conseguir obter as moléculas da vida, o máximo

que conseguirá fazer será regressar à sopa primordial .

A primeira célula não seria mais do que um comparti­

mento rudimentar que separava o interior do exterior. Continha pouco mais do que polinucleótidos, uma espé­cie de material genético rudimentar que servia de molde para fazer proteínas rudimentares. E, claro, conseguia fazer cópias desses polinucleótidos rudimentares e, assim, reproduzir-se de um modo rudimentar. A vida surgiu assim, como uma espécie de parque de campismo clan­destino: compartimentos simples que se multiplicam sem a mínima ordem e sem pedirem autorização a ninguém.

As células foram-se modificando, diversificando e engolindo umas às outras, num processo chamado endossimbiose, não no sentido em que o leitor come um chupa-chupa ou uma gelatina, mas mais como se,

após uma bela pratada de bacalhau com natas, passás­semos a ter uma família de gerações e gerações de baca­

lhaus a viver no nosso interior. Este mecanismo de evo­lução, associação simbiótica estável seguida de selec­ção natural, foi proposto pela bióloga Lynn Margul is

( n. 1938, que foi casada com Carl Sagan) e terá dado

origem às células compartimentadas, como as nossas . Num caso bastante conhecido, uma dessas células

(uma arqueobactéria) engoliu outra bactéria ( uma ciano-

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172 DARWI AOS TIROS

bactéria) . Essa cianobactéria tinha a capacidade de usar

a energia do Sol para fazer açúcares. Ou seja, fazer

fotossíntese. Surgiu assim a primeira a lga verde, uma

célula com uma espécie de cloroplasta lá dentro. Ou, se

quisermos, uma tenda de campismo com painel solar.

Estas algas e cianobactérias começaram a encher a

atmosfera com oxigénio. E assim aconteceu o primeiro

desastre ambiental: grande parte dos microrganismos

existentes desapareceu, enferrujada pelo oxigénio, tal

como um corrimão de ferro sem tinta adequada. Hoje,

todos os organismos expostos à atmosfera estão adap­tados à presença do oxigénio, têm mecanismos para se

protegerem da oxidação. Não deixa de ser irónico que o oxigénio, cuja ausência poderá terá sido determinante para o surgimento das primeiras formas de vida, sej a

essencial à vida de muitos organismos actuais.

Previsões só no fim do jogo: selecção natural irrelevante

Suponhamos que o leitor tem uma característica que lhe dá uma l igeira vantagem na luta pela sobrevivência. Por exemplo, um pescoço maior, que lhe possibilita che­gar a a limentos nos armários mais altos da cozinha. Ou um padrão de pele que lhe permite confundir-se com uma

estante de livros da biblioteca e evitar ser comido por um rato gigante usado em experiências com hormonas de

crescimento. É natural que os indivíduos da mesma espé­cie que por acaso nasceram com uma vantagem, mesmo

que ligeira, sobrevivam mais tempo. Têm assim mais oportunidade de se reproduzirem e de transmitirem essa característica à descendência, que se vai tornando cada

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H ISTÓR I AS DE BIOLOGIA 173

vez mais comum na população ao longo das gerações.

Este processo faz parte da selecção natural e é um impor­

tante mecanismo da evolução das espécies. Outro aspecto

da selecção natural, para além da supramencionada sobre­

vivência, é a selecção sexual: a preferência que as fêmeas

têm por machos com certas características. Do ponto de vista evolutivo, não adianta muito sobreviver se de­

pois não se conseguir impressionar as miúdas. O conceito de selecção natural foi apresentado pela

primeira vez à comunidade científica em Julho de 1858

numa obscura reunião da Linnean Society of London,

a principal sociedade científica de história natural da

Grã-Bretanha, cujo nome homenageia o naturalista sueco Carl Lineu (1707-1778) . Da apresentação consta­ram dois documentos com a mesma teoria : um da auto­

ria de Charles Darwin e outro do natural i sta e aven­tureiro britânico Alfred Russel Wal lace (1823-1913) .

Wal lace e Darwin tinham l ido mais ou menos os mesmos l ivros e vivido experiências comparáveis na observação de espécies em viagens longínquas, pelo que

não é de todo surpreendente que ambos tenham chega­do, mais ou menos ao mesmo tempo, ao conceito de selecção natural ou, como alguns disseram, de sobrevi­vência dos mais aptos. Na realidade, o primado da

descoberta deveria pertencer exclusivamente a Wal lace, que enviou um primeiro manuscrito a Darwin pedindo­-lhe que o apresentasse na Linnean Society. Foi o supe­rior estatuto social de Darwin face ao de Wal lace (que era um autodidacta e tinha de trabalhar para viver,

desgraça que ainda hoje afecta muitos cientistas) que permitiu a apresentação simultânea dos dois artigos. Darwin foi , no entanto, bastante correcto e simpático com Wal lace.

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174 DARWIN AOS TIROS

De qualquer forma, n inguém ligou muito a esta dupla

apresentação: os manuscritos foram l idos por um orador

em voz alta, arrancando apenas bocejos da escassa audiên­

cia, e sem a presença de nenhum dos autores. Darwin

estava muito abalado pela morte recente de um dos seus

filhos e Wal lace encontrava-se no Extremo Oriente e nem

imaginava que a apresentação do seu trabalho estava a

decorrer, uma vez que a correspondência intercontinen­

tal demorava três a quatro meses. A coisa passou de tal

forma despercebida, que o natural ista Thomas Bel l

(1792-1880), presidente da Linnean Society, escreveu

no relatório anual da sociedade em Maio de 1859:

O ano que passou não foi de facto marcado por

nenhuma daquelas descobertas marcantes que revolu­

cionam imediatamente o campo das ciências em que se

mserem.

A frase acabou por revelar-se muito rapidamente de

uma futurologia infel iz, já que, se há coisa que revolu­cionou imediatamente o campo em que se insere, foi a ideia da evolução das espécies, sendo a selecção natural um dos mecanismos de evolução. Apenas cerca de um

ano após a obscura leitura, foi publicada com grande

alarido A Origem das Espécies, obra magistral de Darwin, instalando-se de imediato um intenso debate científico e uma grande controvérsia social . Ao longo

do século xx, a importância científica da evolução foi

consolidada, de tal modo que, quando o biólogo ucra­

niano Theodosius Dobzhansky escreveu, em 1973, que « nada na biologia faz sentido a não ser à luz da evolu­ção » , esta afirmação era cientificamente incontestável {claro que continua a ser contestada por uma tropa

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HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 175

criacionista, na qual alguns chegam a defender que a

Terra tem só 5000 anos- o que não daria tempo para

a evolução-, mas isso nada tem de científico) . Thomas

Bell foi , sem dúvida, um reconhecido zoólogo, mas não

teria ficado na história sem a sua futurologia desastrada !

Previsões só no fim do jogo: o fim das doenças infecciosas

Do ponto de vista de quem entrava na década de 1970,

o futuro parecia risonho no que dizia respeito às doenças

infecciosas. Os antibióticos eram produzidos industri­

almente há 30 anos e as infecções bacterianas- contra as quais anteriormente pouco mais havia do que água

e sabão - eram rotineiramente derrotadas. A varíola tinha sido erradicada e a Organização Mundial de Saúde

fazia tabelas com datas para a erradicação das restantes doenças infecciosas: tuberculose, pol iomiel i te, d ifteria

deveriam ser confinadas às garrafas térmicas de azoto

líquido de dois ou três institutos de investigação científica

nas décadas seguintes. A esperança de vida conheceu um

aumento espectacular entre 1940 e 1970, em grande parte

atribuído aos antibióticos (a organização não governa­mental Greenpeace provavelmente não iniciou uma cam­

panha pelos direitos das bactérias e contra o genocídio

antibiótico porque só foi fundada em 1971) . Estavam

também disponíveis várias vacinas. Foi neste ambiente

que William Stewart ( 1921-2008), então surgeon-general, à letra cirurgião-mar, mas na prática uma espécie de

ministro da Saúde dos Estados Unidos, declarou:

Podemos agora fechar o livro das doenças infecciosas.

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176 DARWIN AOS TIROS

A frase é de uma futurologia desastrada, já que nas

décadas seguintes se assistiu ao surgimento de estirpes

de bactérias resistentes aos antibióticos, num dramáti­

co exemplo de evolução (os criacionistas talvez pensem

que as bactérias resistentes aos antibióticos tenham

saído da arca de Noé em casalinhos) . Surgiram também

novas ameaças de infecções virais, nomeadamente a

infecção pelo VIH que dá origem à SIDA. E os recentes

surtos de gripe A espalharam o pânico em todo o mundo

(um casalinho de vírus Influenza A, subtipo H1N1,

desceu da arca de Noé no monte Ararat, na Arménia,

levando uns poucos milhares de anos, por causa .das

suas patinhas pequenas, a chegar ao México, onde resol­veu constituir família - uma das poucas coisas que um vírus consegue fazer muito bem). E o nosso conheci­mento do papel de agentes infecciosos em certas doen­ças, como o do vírus do papiloma humano no cancro

do colo do útero, não pára de aumentar.

A situação é incomparavelmente melhor do que na primeira metade do século xx. Mas o livro das doenças infecciosas está longe de estar fechado e a apanhar pó na estante. Os cientistas especialistas na área gostam

muito de contar esta história na introdução dos seus artigos de revisão sobre desenvolvimento de resistên­cia a antibióticos ou novas classes de antibióticos. Mas William Stewart nem sequer ganhou a imortalidade com

a sua previsão precipitada, pois em grande parte dos

artigos e livros é apenas citado como surgeon-general dos Estados Unidos. Um homem claramente ofuscado

pelas funções que desempenhava, embora uma previsão

desastrada continue, desde que tenha uma difusão sufi­ciente, a ser uma excelente aposta para ganhar noto­riedade pública.

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HISTORIAS DE BIOLOGIA 177

Bullying eterno

A ideia de que a diversidade dos seres vivos resul ta

de processos inteiramente naturais, e não de uma cui­

dadosa elaboração divina, tinha tudo para causar pro­blemas. Mesmo na Inglaterra v itoriana do sécu lo XIX,

fervilhante de pensamento racional e entusiasmo pelo

estudo da Natureza, quando foi proposta por Charles Darwin . O problema não era tanto a compatibilidade da evolução das espécies com a arca de Noé (o l itera­

l ismo bíblico não era então uma corrente dominante),

mas a ausência de um propósito e de uma final idade na Natureza (onde, aparentemente, se tinha de incluir o homem) . Se as espécies dão origem umas às outras, como resultado da selecção de características que sur­gem por acaso em determinados indivíduos da popula­

ção, sem um propósito ou desígnio superior, o mundo corria o risco de se transformar num caos amoral , sem respeito pela hierarquia social e pelo papel da Igreja . I ronicamente, Darwin chegou a estudar em Cambridge para se tornar membro da Igreja Anglicana . Sobre isso escreveu na sua autobiografia:

Tendo em conta a forma feroz como fui atacado pelos

ortodoxos, parece-me ridículo outrora ter querido ser

padre.

Ao longo da vida, Darwin foi tendo dúvidas religio­sas, a ponto de a sua mulher, pessoa muito rel igiosa,

recear que estas impl icassem que não fossem para o

mesmo sítio depois da morte . Não terá ocorrido a Emma que bastaria cometer uns quantos pecados ( há uma l ista dos mais graves ! ) sem arrependimento para garantir um lugar ao lado do marido.

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178 DARWI AOS TIROS

Darwin nunca se considerou ateu, tendo acabado

por se assumir agnóstico. Morreu, após uma velhice

adoentada, aos 73 anos e não se sabe para que lado do

outro mundo terá ido e se os receios de Emma se j us­

tificaram. Mas, como castigo (há quem defenda que a

razão foi o seu estatuto}, foi sepultado na Abadia de

Westminster, no centro de Londres, sendo provavelmen­

te vítima de bullying eterno por parte das a lmas devo­

tas que por lá andam.

Prémio Nobel para os brócolos

Em 2009 o Prémio Nobel da Química foi atribuído a três cientistas pela descoberta de que uma estrutura

da célula chamada ribossoma é muito parecida com um molho de brócolos. Dito de um modo mais erudito, determinaram a estrutura em três dimensões do ribos­soma, que é a fábrica de proteínas das células. Se as

proteínas fossem monovolumes, o ribossoma seria a Autoeuropa. Se fossem craques de futebol, seria a Aca­demia de Alcochete. Se fossem 10 mil tampões, 46 cães de loiça montados num carrossel e um sapato de salto alto gigante feito de panelas, o ribossoma seria o atelier da artista Joana Vasconcelos.

As proteínas estão presentes em quase todas as fun­ções da célula. Há proteínas que são usadas como tijo­

los para construir partes das células, como é o caso da

«cauda » dos espermatozóides, que lhes confere mobil i­

dade. Sem a « cauda » , os espermatozóides teriam de se teletransportar até ao óvulo (o que retirava muita da adrenalina) ou esperar que o óvulo os fosse buscar ( uma ideia que não se vê nenhum movimento feminista de-

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H ISTÓ RIAS DE BIOLOGIA 179

Figura 17- Representação gráfica da estrutura em três di­

mensões do ribossoma (coordenadas ljgo e lgiy do Protein

Data Bank) sobreposta a um molho de brócolos. A estrutura

do ribossoma apresentada inclui a subunidade maior e a

subunidade menor, ARN de transferência e ARN mensageiro

fender). As proteínas também podem servir de autocar­ro para as moléculas que andam de um lado para o

outro, como é o caso da hemoglobina que transporta oxigénio nas células do sangue. Podem funcionar a inda como catal isadores ( neste caso chamam-se enzimas) , possibi litando a ocorrência de reacções químicas no

ambiente moderado da célula, que de outro modo pre­cisariam de condições muito vigorosas de pressão e temperatu ra para ocorrer em tempo út i l . Podemos

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1 80 D A RWI AOS TIROS

especular que, sem a capacidade de catálise das enzi­

mas, as células seriam provavelmente mais pareci­

das com uma locomotiva a vapor do que com o Alfa

Pendular.

O ribossoma constrói as proteínas de acordo com as

i nstruções que estão guardadas no ADN (ácido desoxi­

r ibonucleico) , o nosso material genético. Essa informa­

ção é trazida pelo ARN mensageiro, uma espécie de

estafeta de correio expresso. O ARN (ácido ribonu­

c leico) é a lgo parecido com o ADN. Nalguns vírus,

como o VIH, é mesmo o único material genético. E as

matérias-primas para fazer proteínas, que são os ami­

noácidos, entram na fábrica numa espécie de camiões que são o ARN de transferência.

A determinação com grande pormenor da forma da fábrica de proteínas foi um misto de virtuosismo téc­

n ico e de teimosia. O ribossoma é uma estrutura mole­cular muito grande. E, paradoxalmente, no caso das moléculas, quanto maiores elas são, mais difíceis se tornam de ver ! Isto porque não se podem visual izar directamente os átomos de uma molécula (o compri­

mento de onda da radiação visível é muito maior do que as d istâncias entre os átomos: é como tentar encon­trar uma bolacha às apalpadelas, com uma escavadora

gigante) . Por isso é necessário usar meios indirectos, como a

cristalografia de raios X, que requer a produção de um cristal ( nem sempre é fácil fazer cristais, porque as coisas têm tendência a existir de um modo desorganizado) e

fazer incidir um feixe de raios X (cujo comprimento de

onda é semelhante às distâncias entre os átomos). I sto tende a comp l icar-se à medida que as moléculas são maiores, pelo que a determinação da estrutura do ribos-

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HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 8 1

soma, apesar de ser sem dúvida um objectivo impor­tante, era desaconselhável como opção de carreira.

Alguns colegas disseram a uma das galardoadas, a

israel ita Ada Yonath ( n. 1939) que ela morreria antes

de conhecer a estrutura do ribossoma. As previsões não

se confirmaram e, segundo Yonath afi rmou no seu dis­

curso do banquete do Nobel, a exposição pública do

Prémio Nobel estimulou o interesse científico e a imagi­nação de muitos jovens para a ciência, tendo-se come­

çado a dizer em Israel que o cabelo encaracolado (como

o dela) significa uma cabeça cheia de ribossomas.

Geração nada espontânea e o herói dos pacotes de leite

No dia 7 de Abril de 1864 não era evidente para todos que a vida não podia surgir rotineiramente a par­tir de substâncias sem vida. A ideia da geração espon­tânea, na sua versão mais radical, implicava que, se deixássemos pedaços de queijo e pão embrulhados em

trapos num sítio escuro, seriam gerados ratos de modo espontâneo ao fim de alguns dias. É pena que esta teo­

ria não esteja correcta, pois nesse caso poderíamos estender a sua apl icação e deixar carteiras, canetas e l ivros de cheques num cofre, à espera de que o dinheiro

simplesmente aparecesse. A ideia da geração espontânea remonta ao grego

Aristóteles (384 a.C .-322 a.C. ) , mas já tinha sido parcial­

mente desmontada pelo biólogo italiano Francesco Redi (1626-1691), com a sua demonstração de que as larvas que aparecem na carne em putrefacção não surgem espontaneamente, mas são antes ovos de mosca. Redi

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1 82 DARWIN AOS TIROS

provou que não surgiam larvas em frascos selados, o

que não convenceu os seus opositores, pois, fazendo fé

em Aristóteles, faltava a matéria-prima principal capaz

de gerar vida: o princípio vital, que existia no ar. O

padre italiano Lazzaro Spallanzani ( 1729-1799) , profes­

sor na Universidade de Pavia, demonstrou ainda que a

vida não surge em caldos nutritivos se estes forem fervi­

dos e colocados em recipientes fechados. Mas também

não convenceu n inguém, por causa da questão do ar.

De qualquer forma, no século XIX o problema estava circunscrito aos microrganismos. Já não havia muita

gente a acreditar seriamente que, se se deixasse um

osso e uma bolinha num jardim, seria gerado um cão a partir de matéria inorgânica.

A questão dos microrganismos não era apenas filo­sófica. Ela tinha uma grande importância na aplicação

b iotecnológica mais antiga de todas: a fermentação a lcoól ica. Sabia-se que, no processo de fermentação, estavam presentes leveduras, mas pensava-se que elas eram um produto da fermentação e não a sua causa.

O etanol do vinho ou da cerveja é, na real idade, um produto excretado pelas leveduras, que sobra do pro­cesso através do qual estas obtêm energia a partir dos açúcares das uvas. De uma certa forma, o que nós tanto apreciamos no vinho e na cerveja é um dejecto. Se

passeássemos leveduras num j ardim, haveria sacos de

plástico e recomendações do município para recolher o vinho ou a cerveja que as suas leveduras fizessem.

Mas nem sempre este processo maravilhosamente

escatológico corria bem, às vezes o vinho azedava e

não se percebia porquê. O que acontece é que há um tipo de leveduras que faz fermentação alcoólica e um outro que faz fermentação ácida.

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HISTÓ RIAS D E BIOLOGIA 1 83

Para Louis Pasteur ( 1 822-1895), um professor fran­

cês de Química com 42 anos e uma educação religiosa,

era evidente que a vida teria de ser criada por Deus e

não poderia surgir assim, sem mais nem menos, sem pedir l icença a ninguém. Pasteur pensava que a poeira

do ar, as nossas mãos e os objectos continham micró­

bios. Cada levedura encontrada na fermentação das uvas provinha de outra levedura e não aparecia de modo

espontâneo. Pasteur precisava de demonstrar que não surgiria

vida num caldo nutritivo fervido (os microrganismos

existentes teriam sido mortos ) , em condições estéreis

(onde novos microrganismos não pudessem entrar) , mas aberto ao ar. Esta última condição era essencia l para derrotar os seus opositores, que i riam argumentar com a ausência de « princípio activo» sempre que fossem

usados frascos fechados. Pasteur tinha de inventar um sistema que permitisse a entrada do ar mas impedisse a dos microrganismos. Depois de vários anos de repe­tidas experiências, no dia 7 de Abril de 1864 estava por fim pronto para fazer uma demonstração científica, que se tornou histórica, na Universidade da Sorbonne, à qual assistiu boa parte da el ite intelectual de Paris.

Pasteur usou frascos com gargalo em colo de cisne, ou seja, com duas curvas ( figura 1 8) . De tal forma que o ar podia entrar, mas os microrganismos ficavam presos

no ponto mais baixo entre as curvas. Os frascos conti­nham um caldo nutritivo fervido. Nalguns frascos, o gar­galo foi partido, para que ficassem abertos ao ar. Nou­tros, o gargalo de pescoço de cisne foi mantido. Nos

primeiros, cresceram microrganismos provenientes do ar (o que se percebe a olho nu porque o caldo fica turvo), mas os segundos permaneceram estéreis. Alguns dos

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184 D A RWIN AOS TIROS

Figura 18 - Frasco com gargalo em colo de

cisne, do tipo que foi usado por Pasteur na sua

famosa demonstração. Apesar de estar aberto

ao ar, o pó e os microrganismos ficam pre­

sos na parte mais baixa da curva e o meio

de cultura permanece estéril por muitos anos

frascos usados nessa demonstração continuam estéreis até hoje, encontrando-se no M useu Pasteur, em Paris.

Ficou demonstrado que o ar era a origem dos micror­ganismos que cresciam no meio de cultura, mas que o ar só por si, como « princípio vital » , não era suficiente para que se gerasse vida. Esta demonstração é conside­

rada o fim da teoria da geração espontânea, embora a lguns ainda se tenham mantido irredutíveis por mais

a lgumas décadas. Hoje em dia, há apenas quem pense que o cotão surge de geração espontânea no umbigo e entre os dedos dos pés.

Não deixa de ser i rónico q ue, durante o século xx,

muitos biólogos se tenham esforçado tanto para de-

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HISTÓRIAS DE B IOLOGIA 1 85

monstrar que a vida na Terra surgiu originalmente a

partir de substâncias sem vida, que as primeiras células

se formaram nos mares primitivos a partir de com­

postos inorgânicos simples. Mas essa é uma outra his­

tória . . .

Graças também ao trabalho de outros cientistas, como

o médico alemão Robert Koch ( 1 843- 1 910), descobriu­

-se que a transmissão de a lgumas doenças é feita por

«germes » , microrganismos invisíveis que existem no

ambiente. O primeiro caso reconhecido foi o do Bacillus anthracis, que provoca o carbúnculo e que, nos tempos

mais recentes, se tornou muito popular com a designa­

ção anglo-saxónica «antrax ». O reconhecimento de que

certas doenças são causadas por microrganismos con­

duziu ao desenvolvimento de muitas vacinas. Em 1885

Pasteur usou pela primeira vez «germes atenuados» da

raiva para vacinar uma criança que tinha sido mordida

por um cão doente. O tratamento funcionou e a doença

não se desenvolveu, tendo sido criado em 1888 o Insti­

tuto Pasteur contra a raiva.

Joseph Meister, a primeira criança vacinada contra

a raiva, era, em 1940, o guardião da cripta de Pasteur

quando as tropas nazis entraram em Paris . Meister

suicidou-se nessa altura e há quem defenda que terá

preferido pôr termo à sua vida a dar acesso ao túmulo

de Pasteur aos soldados alemães.

Hoje podemos lembrar-nos de Pasteur todas as ma­nhãs, sempre que nos deliciamos com um copo de leite

pasteurizado (processo que inactiva os microrganismos

por acção da temperatura ) ou pasteurizado UHT (pro­

cesso mais rápido que os inactiva a temperaturas mais elevadas) .

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1 86 D A RWIN AOS TIROS

A festa dos macacos e a base genética da alma

Até 1955, o homem tinha 24 pares de cromossomas.

Era a lgo evidente para todos e nada surpreendente, uma

vez que chimpanzés, gorilas e orangotangos ( nossos vizi­

nhos na árvore da evolução) têm todos 24 pares de cro­

mossomas. Se tivéssemos um número diferente dos nos­

sos colegas hominídeos com extremidades pentadáctilas,

deveriam ser certamente 25 ou 26.

Os cromossomas são grandes novelos de ADN e de

proteínas ligadas ao ADN. Constituem o nosso mate­

rial genético, a base das nossas características hereditá­

rias. Em células compartimentadas, como as nossas,

estão no núcleo. Ao conj unto completo dos cromos­somas de uma espécie, chama-se cariótipo.

O número 24 foi determinado pela primeira vez em

1922 por Theophilus Painter ( 1 8 89-1969), um zoólogo norte-americano da Universidade do Texas. Painter

cortou secções muito finas dos testículos de dois ho­mens negros e de um homem branco, fixou-as com produtos químicos e observou-as ao microscópio. Os

homens eram doentes mentais que tinham sido castra­

dos, por « auto-abuso excessivo e insanidade » . Painter contou 24 cromossomas desemparelhados no esper­matócito humano (a célula-mãe dos espermatozóides,

ou neste caso a célula-pa i ) . Juntando outros 24 cromos­

somas da mãe, um ser humano teria 48 cromossomas

e não ficava atrás de nenhum macaco.

Durante 30 anos, ninguém questionou este facto.

Sempre que a lguém encontrava um número diferente,

23 por exemplo, era porque tinha feito qualquer coisa de errado. Só em 1955 um cientista indonésio, Joe Hin Tj io ( 1 9 1 6-200 1 ) , e um outro sueco, Albert Levan

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H ISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 87

+ + J f, )) 1.1 J l ) ) C.\. l i C C: , , 1 1 I I I I

Figura 1 9 - Desenho de câmara de luz (em cima) mostrando

os cromossomas de uma célula em metafase e respectiva

interpretação (em baixo ) . Imagens do artigo original de

T. Painter, « Studies in mammalian spermatogenesis, II. The

spermatogenesis of man>> , ]ournal of Experimental Zoology,

1 923, 37: 2 9 1 -338

( 1 905- 1 99 8 ) , esclareceram que o homem tem apenas

23 pares de cromossomas. Usaram técnicas melhores e

contaram claramente 23 pares. Não apenas nas suas próprias preparações de microscópio, mas também nas fotografias de l ivros antigos, acompanhadas de legen­das que diziam que eram 24. Podemos imaginar a quan­tidade de estudantes que levaram raspanetes e atesta­

dos de estupidez por verem apenas 23 cromossomas na fotografia do l ivro. Entre os chimpanzés, gori las e oran-

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1 88 D A RWI AOS TIROS

gotangos, o ambiente que se viveu foi de festa: afinal,

eles tinham mais um par de cromossomas do que os

convencidos humanos. É uma tarefa delicada, determinar o número de cro­

mossomas numa célula. Mesmo com uma técnica expe­

rimental bastante optimizada, no fina l é uma espécie de

montagem de puzzle tentar encontrar todos os cromos­

somas do núcleo de uma célula numa imagem ( hoje em

dia poderá ser feito num computador) , a l inhá-los e

perceber quantos são. O erro de Painter terá sido cau­

sado pelo reduzido número de células em bom estado

nas suas preparações e pela fraca intensidade do corante

que usou para ver os cromossomas. Se acrescentarmos o facto de ele ter usado uma câmara de luz, ou seja, um dispositivo que sobrepõe opticamente a ponta de um lápis à imagem ampliada no microscópio, e que os cromossomas (que mais parecem uma orgia de minho­cas) foram desenhados à mão (copiados por cima) , pode­

mos considerar que a estimativa de Painter foi bastante aproximada.

Mas o que aconteceu ao par de cromossomas da vergonha hominídea ? Por que raio somos vítimas desta avareza cromossómica ? O cromossoma 2 dos humanos

(o nosso segundo maior) é, na verdade, a fusão de dois

cromossomas de tamanho médio nos macacos. Em 1996 o papa João Paulo II afirmou, numa men­

sagem à Pontifícia Academia de Ciências, que há uma

<<descont inuidade ontológica » ( não confundir com

odontológica) entre os macacos antecessores e o ser

humano moderno, ou seja, um momento em que Deus

introduziu a alma humana num animal . Esta expl ica­ção reconcil iou a Igre ja Católica com a evolução. Matt Ridley (n . 1958), jornal ista e autor de obras de divul-

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H ISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 89

gação científica, propôs ironicamente que essa desconti­

nuidade ontológica ocorreu quando os dois cromosso­

mas se fundiram e que os genes da a lma estão a lgures

a meio do cromossoma 2.

« Obrigado, alforreca», diz o coelhinho fluorescente

Desde os anos 50 que é conhecida uma especte de

a lforreca (cujo nome científico é Aequorea victoria) que

emite luz verde. Isto acontece por causa de um fenó­meno chamado b ioluminescência, uma característica

relativamente comum em espécies marinhas que vivem a grandes profundidades (onde ter uma l uz dá sempre j eito) .

Em 2008, o Prémio Nobel da Química foi atribuído aos cientistas que descobriram a proteína responsável pela luz verde da Aequorea victoria e o seu potencial como ferramenta de estudo bioquímico. Descobriu-se que a luz verde da Aequorea victoria vem de uma pro­teína fluorescente verde ( GFP, na gíria de laboratório,

de green fluorescent protein). Mas a GFP também não emite luz verde assim sem mais nem menos. Há uma outra proteína, a aequorina, que emite luz azul quando

é estimulada quimicamente (com iões cálcio). E é esse azul da aequorina que vai estimular a GFP, para emitir

verde. Para a lém da azul, a luz ultravioleta também resulta.

A GFP é uma coisa parreira. Podemos colar a GFP a qualquer outra proteína que nos interesse (e isso faz-se hoje em dia com técnicas triviais de biologia molecular) . Assim, vemos onde essa outra proteína está, simples-

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1 90 DARWIN AOS TIROS

mente acendendo uma lâmpada u l travioleta. E i sto

funciona mesmo dentro das células: podemos seguir o

desenvolvimento de células nervosas ou o alastramento

de células cancerosas, por exemplo. A luz verde das

a lforrecas i lumina os caminhos das biociências!

Uma proteína é como uma serpentina construída com

peças de 20 t ipos (os aminoácidos). A fluorescência

verde é devida a uma sequência muito específica de três

aminoácidos ( serina-tirosina-glicina) dos 238 que cons­

tituem a GFP.

É possível modi ficar as instruções (o ADN) para

fazer uma proteína um pouco diferente. Assim, foram

feitas várias modificações à GFP, ou seja trocados a lguns

dos aminoácidos por outros, de modo a obter a proteína fluorescente amarela, azul, azul-clara ou vermelha ­esta ú ltima foi das mais difíceis. Há mesmo proteínas

fluorescentes com cores de fazer água na boca: ameixa, cereja, morango, laranja e l imão. Um arco-íris de pro­teínas parecidas com a GFP: se todas estas cores fossem colocadas de volta nas a lforrecas, o mar pareceria uma auto-estrada em obras, à noite, com uma Operação

Stop a decorrer em s imultâneo.

As proteínas fluorescentes podem ser produzidas muito facilmente em bactérias, de modo que é possível usá-las como lápis de cor para fazer desenhos. Mas, para o artista norte-americano Eduardo Kac (n . 1962),

que se considera um «artista transgénico» ( não confun­

dir com transgénero), isto não era suficiente. Kac encomendou a um laboratório francês um coe­

lho geneticamente modificado com a proteína GFP. Ou

seja, um coelho que tinha uma proteína de a lforreca e emitia luz verde florescente quando exposto à luz azul ou ultravioleta. Um sucesso para sair à noite: nenhum

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HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 191

porteiro barraria um cliente com um coelho verde fluo­

rescente, mesmo que este usasse sandálias e meias bran­

cas com desenhos de raquetes.

A ideia desagradou tanto a activistas dos di reitos

dos animais como a cientistas, que não viram com bons

olhos a util ização das poderosas ferramentas da biolo­

gia molecular para fins artísticos. Quando as bactérias

foram usadas para os mesmos fins, n inguém se preocu­pou: evidentemente que elas recolhem muito menos sim­

patias e não impressionam tanto debaixo da luz negra

das discotecas. É certo que há organismos geneticamente modi fica­

dos fluorescentes, como ratos, que são usados para investigação, em neurologia por exemplo. Mas nunca saíram dos laboratórios. E foi isso que acabou por acontecer ao coelhinho verde fluorescente. Na sequência da polémica, o laboratório francês recuou e o fofinho florescente não foi entregue ao artista. Eduardo Kac içou uma bandeira com um coelho verde à porta de casa, para assinalar a ausência do coelho (a que cha­mou Alba), que deveria viver com a sua famíl ia . Alba nunca transpôs as portas do laboratório e nunca fez sucesso debaixo das luzes de uma discoteca.

Kac pretendia criar uma espécie de «extraterrestre

adorável » com que a sociedade tivesse de se confrontar. É de louvar o bom senso de não ter querido fazer um coala ou um panda-gigante verde fluorescente. Kac

justificou o projecto dizendo, numa entrevista ao jornal norte-americano The Boston Globe, que «estamos numa nova era e precisamos de um novo tipo de arte» e que

« não faz sentido p intar como fazíamos nas cavernas» . Em 2006, quando j á tinha surgido a informação não

oficia l da morte do coelhinho há algum tempo, Kac fez

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1 92 DARWIN AOS TIROS

uma série de placas topomm1cas em aço com a desig­

nação «Avenida Alba » . Em baixo poderia ler-se: « Ho­

menagem da França ao coelho verde, em reconheci­

mento da sua contribuição excepcional na defesa dos

direitos dos novos seres vivos . »

Hoje em dia, são vendidos peixes-zebra ( um orga­

n ismo-modelo usado em investigação) fluorescentes

como animais de estimação. Algumas das cores comer­

cializadas são « verde eléctrico » , « laranja pôr do Sol » ,

e « azul cósmico» . Kac estava talvez à frente do seu

tempo ou escolheu um animal demasiado fofo para ser

fluorescente. De qualquer forma, não é por nada disto

que a GFP é importante, por muito apelativa que possa ser a ideia de mergulhar, numa festa psicadélica, numa piscina de hotel a abarrotar de criaturas fluorescentes e multicolores.

Uma coisa é certa: se aplicada a humanos, a GFP diminuiria certamente o número de atropelamentos nas peregrinações a Fátima. Especialmente se os carros tives­sem faróis u ltravioletas (o que seria óptimo, pois pode­riam funcionar como salário e bronzear os condutores em contramão) . Em todo o caso, seria sempre uma boa medida de prevenção rodoviária. O que é que o leitor preferia: ser azul, ameixa, << laranja pôr do Sol » fluores­

cente ou ser antes atropelado por um camião, de qual­quer cor ?

Os homens são todos iguais

Os humanos e a maioria dos outros organismos com reprodução sexuada são diplóides, ou sej a recebem duas cópias de cada gene: uma da mãe e outra do pai. As

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HISTÓ RIAS DE B IOLOGIA 1 93

duas cop1as contribuem para influenciar uma caracte­

rística, como a cor do cabelo ou dos olhos. Pode acon­tecer que uma das cópias (dominante} cancele o efeito

da outra ( recessiva ). O modo como isto ocorre foi es­

tudado pela primeira vez pelo monge austríaco Gregor

Mendel (1822-1884), que não só observou muito bem

o sexo das ervilhas como o promoveu activamente.

Cada novo ser humano herda 23 cromossomas da

mãe e 23 cromossomas do pai ( independentemente do

estrato socioeconómico). Vinte e dois dos pares são de

cromossomas idênticos, ou seja, têm o mesmo conjunto

de genes, embora possam vir em versões diferentes. No

par de cromossomas que falta, a coisa complica-se um

bocado. São os cromossomas sexuais, que determinam com uma precisão quase absoluta o sexo do indivíduo. Se há uma certeza que podemos ter na vida, é que todos herdámos um cromossoma X da nossa mãe. Se o leitor é um homem ( pelo menos do ponto de vista biológico),

calhou-lhe ainda nas partilhas genéticas um cromossoma

Y do seu pai. Ficou assim com uma variada combina­ção de cromossomas sexuais XY. Parabéns. Se por acaso é uma. leitora (o que é muito provável , dado que os Homo sapiens que têm o cérebro masculinizado por um cocktail de hormonas cheio de testosterona estão

provavelmente neste momento a jogar à bola, a pegar um toiro ou simplesmente a olhar para s i ) , herdou um

outro cromossoma X do seu pai. Tem uma estética

combinação de cromossomas sexuais XX. Parabéns.

Salta à vista que o cromossoma Y é uma preciosida­de patriarcal que os homens só passam aos seus filhos varões. Quando os rapazes no ensino secundário depa­

ram com esta circunstância pela primeira vez, podem perder-se em conjecturas acerca das maravilhas conti-

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1 94 D A RWI AOS TIROS

das no cromossoma Y: por exemplo, aptidão para usar

um berbequim e capacidade de beber um l itro de cer­veja em menos de um minuto (às vezes, em simultâneo ) .

Na realidade, o cromossoma Y tem muito poucos

genes. O daltonismo e a hemofi l ia são mais frequentes

nos homens porque estes genes estão no cromossoma X

( por isso, um pai daltónico nunca passa o gene defei­

tuoso a um filho do sexo mascul ino) . Estes genes são recessivos, ou seja , nas mulheres que tenham um gene

« bom>> e um « mau>> , a doença não se manifesta . Os

homens, que só têm um cromossoma X (e um Y, para

estes fins, irrelevante) , têm mais h ipóteses de ter essas doenças. Os genes do cromossoma X nos homens são como um carro sem pneu sobresselente.

A maior parte do cromossoma Y é ADN não codi­

ficante, ou seja, não contém genes. O que mais se des­taca no cromossoma Y é um gene chamado SRY, res­ponsável pela mascul in ização do corpo. Na espécie

humana, se nada acontecer, somos todos mulheres. O gene SRY é apenas um interruptor, mas ele acciona um conj unto de acontecimentos que fazem com que o embrião se torne masculino. Provoca o crescimento do

pénis e dos testículos e envia uma overdose de testoste­

rona (entre outras coisas) para o cérebro.

Segundo uma expressão popular, especialmente entre as mul heres, « OS homens são todos iguais >> . Pelo menos no que diz respeito ao gene SRY, isso é inteiramente

verdade. Os genes podem ter pequenas variações de

indivíduo para indivíduo. E, em geral , têm. O apareci­mento destas mutações é um mecanismo importante de evolução, pois pode conferir uma vantagem ao indiví­duo que as possui. No entanto, o gene SRY, chave do processo de mascul inização, é de uma invariabil idade

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HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 95

quase absoluta, o que é muito invulgar. É exactamente

igual para todos os homens.

A razão para isto é uma espécie de guerra dos sexos

molecular entre o cromossoma X e o cromossoma Y. Temos tendência para pensar que existe uma comple­

mentaridade perfeita entre o homem e a mulher, um

equilíbrio finamente desenhado pela Natureza (ou por Deus, conforme se queira) . Isso está muito longe de ser

verdade e temos enorme dificuldade em aceitar que não há um propósito ou um desígnio superior a guiar a

evolução.

O cromossoma X e o cromossoma Y estão basica­mente em guerra pelo simples facto de poderem estar. Há duas vezes mais cromossomas X nas mulheres do que nos homens. Ou seja , tendem a acumular-se no cro­

mossoma X genes que favorecem as mulheres, mesmo que sejam l igeiramente prejudicais aos homens. Uma mutação num gene do cromossoma X que dê uma van­tagem às mulheres vai prevalecer ao longo das gerações, mesmo que seja prej udicial para os homens (e que os homens sejam « becos sem saída » do ponto de vista evolutivo para este novo cromossoma X) .

No cromossoma Y (que é um dissidente de um antigo cromossoma X) , as coisas são ainda mais simples. Como

o cromossoma Y passa a totalidade do seu tempo nos homens, pode acumular todo o género de genes favo­ráveis aos homens, mesmo que estes sejam bastantes prejudiciais às mulheres. No entanto, essa exclusividade também é uma vulnerabi l idade. No cromossoma X

podem evoluir genes que prejudiquem directamente o cromossoma Y, desde que isso constitua uma vantagem para as mulheres (onde o cromossoma X passa a maior parte do tempo) .

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1 96 D A RWI AOS TIROS

Os cromossomas Y que prevaleceram ao longo da

evolução são, em grande medida, os que conseguiram

manter-se afastados de problemas. Por isso, a grande

parte dos genes foi sendo desligada ( pois seriam poten­

ciais a lvos para ataques de genes em evolução no cro­

mossoma X ) . E, debaixo do fogo cerrado do cromos­

soma X, qualquer cromossoma Y com um gene SRY

que confira uma l igeira vantagem aos homens que o

possuam estará presente em todos os membros da espé­

cie num número curto de gerações. E agora, caro/a leitor (a ) , pode ir para o seu j antar

romântico. Bom apetite !

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A Fá b rica do Huma n o e

histórias de

Co rp o outr as medicina

A Fábrica do Corpo Humano

E TRE AS OBRAS QUE MARCARAM o INICIO da ciência mo­

derna, pontifica um dos mais notáveis atlas de anatomia de sempre: De Humani Corporis Fabrica ( em português,

A Fábrica do Corpo Humano), da autoria do médico belga André Vesálio (1514-1564) , saído da oficina de

Johannes Oporinus, em Basileia, no ano de 1 543 ( figura

20) . Lembremos que, nesse mesmo ano, era publicada a obra maior de Nicolau Copérnico, que mudou a visão

da nossa posição no mundo. Quem visitar essa bela cidade suíça nas margens do

Reno, onde nessa época também foram impressas obras

do nosso Pedro Nunes, não pode deixar de ver o Museu de Anatomia, no quarteirão da velha universidade, onde se encontra o esqueleto de Jacob von Gebweiler, mais

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1 98 DARWIN AOS TIROS

B A S I L E AE·

Figura 20 - Página de rosto do livro De Humani Corporis

Fabrica, de André Vesálio, publicado em Basileia em 1 543.

Uma das figuras será a do português Amato Lusitano

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HISTÓRIAS D E M EDICINA 1 99

conhecido por «esqueleto de Basileia » . Von Gebweiler

foi um criminoso executado em 1 543 nessa c idade, por

tentativa de assassínio da sua mulher. Vesálio, que estava

lá para supervisionar a publ icação do seu l ivro, disse­

cou o cadáver, numa demonstração pública, e ofereceu

o resultado à universidade local , que hoje se pode por

isso orgulhar de possuir o mais antigo preparado anató­mico do mundo. Também na Universidade de Pádua,

onde Vesálio ensinava, alguns j uízes permitiam, em forte

contraste com proibições antigas, a dissecação de cadá­veres de condenados. Consta até que um magistrado

amigo do médico mandava fazer as execuções nas datas

mais convenientes para as aulas de Medicina. Graças às experiências que real izou com as próprias mãos, Vesálio foi autor de grandes avanços na medicina, contrarian­do as teses tanto do antigo grego Galeno, que, confor­me ficou então claro, se tinha l imitado a observar vísce­ras de animais, como do medieval árabe Avicena. Vesálio gostava de dissecar simultaneamente humanos e maca­cos, para que as diferenças entre os dois primatas ficas­sem claras.

Pouco depois da sua obra maior, saía um resumo para uso estudantil , contendo as principais estampas, desenhadas por um discípulo de Ticiano que, dado o

pormenor e a exactidão, estava, com certeza, presente

nos teatros anatómicos: a Epitome. Esta versão foi dedi­cada ao fi lho do imperador Carlos V, Fi l ipe II de Espa­

nha (que se tornou, a partir de 1 5 80, Fil ipe I de Portu­gal ) , a quem Vesálio haveria de servir como médico. Segundo uma história, hoje considerada apócrifa, Fi­

l ipe I I terá comutado uma sentença de morte determi­nada pela Inquisição ao seu médico por grave erro pro­fissional ( teria começado a fazer a autópsia de um nobre

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200 DARWI AOS TIROS

espanhol quando ele deu sinais de vida ! ) , mandando-o

em peregrinação à Terra Santa . Certo é que Vesálio morreu, aos 50 anos, num naufrágio nessa viagem, ape­

sar de ter conseguido a lcançar a i lha de Chipre.

Na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra

existe um exemplar da primeira edição da Fábrica. No

quadro da campanha SOS Livro Antigo, essa obra foi

restaurada por especialistas da Bibl ioteca Nacional , um

trabalho apenas possível graças à generosidade da So­

c iedade Portuguesa de Neurociências, que em boa hora decidiu recuperar e digitalizar o livro. Pode ser visto,

com todo o esplendor das suas i lustrações (excepto a

do frontispício, desaparecida não se sabe quando nem como), no sítio http://almamater.uc.pt .

Um judeu errante

O médico João Rodrigues de Castelo Branco ( 1 5 1 1 -- 1 568 ) , mais conhecido por Amato Lusitano, nasceu na

capital da Beira Baixa (daí o nome) e viveu 57 anos, uma duração de vida normal para a época, quando a medicina ainda era incipiente. O judeu português ensi­nou Medicina na Universidade de Ferrara, em Itália, onde encontrou pouso na sua fuga à Inquisição. Na fase final

da vida, depois de ter andado por várias outras cidades de Itália, fixou-se no Império Otomano, tendo morrido

de peste em Tessalónica ( hoje uma cidade grega ) . Foi

ele quem descobriu as válvulas venosas, quando obser­

vava a veia ázigos. Contemporâneo do grande anatomista belga André

Vesálio, o autor de A Fábrica do Corpo Humano (Basileia, 1 543 ) , nascido escassos três anos depois dele, Amato

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HISTÓRIAS DE MEDICI A 201

poderá mesmo ser uma das figuras na galeria dos notá­

veis que aparece a abrir o famoso l ivro de Vesálio: será

a personagem que se debruça perto da mão esquerda

do esqueleto ( figura 20, atrás ) . Vesálio conhecia o tra­

balho de Amato e citou-o, embora para o criticar. Por

seu lado, Amato referiu o belga em vários passos da

sua obra, também não o isentando de crítica . Não há

nenhum mal nisso: a crítica é um dos pilares da ciência

moderna, que então despontava . Para i lustrar essas

divergências, eis uma citação das Centúrias de Curas Medicinais de Amato ( livro póstumo, reunindo vários

outros publicados durante a sua vida, que foi reeditado

nos nossos dias pela Ordem dos Médicos), sobre a «raiz dos Chinas » , planta trazida como tantas outras do

Oriente pelos portugueses:

Sobre ela me agrada falar aqui, visto que até agora,

que eu saiba, pouco ou nada foi dito e tanto mais que

André Vesálio, há poucos dias, publicou um livrinho a que

pôs o título « Da raiz dos Chinas», no qual {poderia dizê­

-lo sem hostilidade pessoal) nada se encontra, além do

título, que diga respeito à raiz dos Chinas [ ... ]. É Vesálio

um insigne anatómico, muito sabedor e bastante versado

na língua latina . . .

A cnt1ca vai, pois, a par do respeito e da estima.

Noutro lado, escreve Amato este bom pedaço de retó­

nca científica :

É isto que nós e os médicos profissionais muitas vezes

percebemos. Eis porque Vesálio melhor teria feito neste

assunto se tivesse encolhido a sua língua virulenta em vez

de aplicá-la, imbuído de falsas razões de Averróis contra

Galeno.

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202 DARWIN AOS TIROS

Dessa época é também o médico português Garcia

de Orta ( 1 500-1 568 ) , que, ao contrário do seu colega

matemático Pedro Nunes, não se mudou de Lisboa para

Coimbra, em 1 5 37, acompanhando a transferência da

universidade, uma vez que tinha embarcado para a Índia três anos antes. Pois o grande Garcia de Orta

também cita Vesálio a propósito da «raiz dos Chinas>>

nos seus Colóquios dos Simples e Outras Drogas da fndia ( Goa, 1 563 ) . A fama alcançada com este livro,

escrito em português e não em latim como era uso da

época, não impediu que a Inquisição desenterrasse os

ossos de Orta e os incinerasse em auto-de-fé. Com

Amato Lusitano e Garcia de Orta, os dois de ascen­dência j udaica e os dois formados em Salamanca ( aliás

como Pedro Nunes, que estudou medicina antes de enveredar pela matemática) , não há dúvida de que a medicina portuguesa conheceu um dos seus períodos

de maior brilho.

Sexo e violência em Egas Moniz

O médico António Egas Moniz ( 1 874- 1 955 ) nasceu

em Avanca, perto da ria de Aveiro, e fez os estudos secundários num colégio jesuíta de Castelo Branco e os

estudos superiores na Universidade de Coimbra, onde

em 1 900 ingressou como lente. Um ano após a implan­tação da República, com a fundação da Universidade

de Lisboa, transferiu-se para essa escola. Viveu então uma intensa actividade política (durante a qual travou

um duelo com José Norton de Matos, o líder mil itar com quem mais tarde haveria de se reconcil iar) . No

curto período sidonista, foi embaixador de Portugal em

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HISTÓRIAS DE MEDICI A 203

Madrid e, no final da Primeira Guerra Mundial, chefe

da Comissão Portuguesa para os acordos de paz. Só

muito tarde se decidiu a empreender em exclusivo uma

carreira científica, desistindo por completo das suas

aspirações políticas. Os anos de fama e glória foram

passados na Faculdade de Medicina de Lisboa, onde

realizou os trabalhos de investigação que conduziram

aos seus dois feitos maiores: a invenção da angiografia

cerebral e da leucotomia pré-frontal .

A primeira técnica é uma aplicação dos raios X: o

jovem estudante do segundo ano de Medicina tinha

feito a sua descoberta pessoal dos raios X através de um

trabalho académico sol icitado pelo seu mestre de Física, Henrique Teixeira Bastos, quando esses raios ainda eram uma completa novidade, pois tinha decorrido apenas

um mês e pouco desde a sua descoberta pelo físico ale­mão Wilhelm Roentgen na Universidade de Würzburg, na Baviera. A segunda é uma técnica intrusiva para tratar alguns doentes mentais que lhe valeu o Prémio

Nobel da Medicina em 1 949 ( atribuído pela sua «des­coberta do valor terapêutico da leucotomia em certas

psicoses » ) a meias com o médico suíço Walter Rudolf Hess (quem não gostava de Egas Moniz, e havia na nomenclatura do Estado Novo quem não gostasse, cha­

mava-lhe «meio Prémio Nobel » ) .

O leitor da notável b iografia Egas Moniz ( Gra­

diva, 201 0), da autoria do médico neurologista João

Lobo Antunes, fica a saber que os poetas Fernando

Pessoa e Mário de Sá-Carneiro foram doentes de Egas Moniz. Passou-se uma h istória p itoresca com o se­

gundo: Mário de Sá-Carneiro ( 1 8 90-1 9 1 6) procurou, em 1916, Moniz por causa de sintomas de esquizofre­nia. O médico respondeu-lhe que tinha lido, na revista

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204 DARWIN AOS TIROS

literária Orfeu, um poema que expunha esses mesmos

sintomas:

[ . . . ] As mesas do Café endoideceram feitas Ar ...

Caiu-me agora um braço ... Olha lá vai ele a valsar,

Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei . . .

(Subo por mim acima como por uma escada de corda,

E a minha Ânsia é um trapézio escangalhado ... )

Perante a extraordinária cultura evidenciada pelo clínico, Sá-Carneiro viu-se obrigado a esclarecer:

Mas, esse poema, fui eu que o escrevi!

Sá-Carneiro haveria de se suicidar em Paris no mesmo ano, não curado dos seus problemas psíquicos.

A referida biografia contém, como assinala com iro­

nia João Lobo Antunes, sexo e violência: sexo, porque

A Vida Sexual foi o título da tese de doutoramento do

b iografado, defendida na Sala dos Capelos da Univer­sidade de Coimbra em 1 9 1 1 , publicada pela primeira

vez na mesma cidade em 1 9 1 3, e que, em sucessivas edições, haveria de tornar-se um best-seller; e violência, porque Moniz foi atingido a tiro à queima-roupa, já em idade madura, por um seu paciente meio louco.

Se a primeira das descobertas de Moniz, revolucio­

nária na época, resistiu à erosão do tempo e chegou até

nós, a segunda tem sido alvo de numerosas críticas.

A técnica, muito intrusiva para não dizer mesmo violenta,

nem sempre tinha os resultados esperados. Em Portu­

gal, se o escritor Raúl Proença, sujeito a ela, experi­

mentou algumas melhoras, já o mesmo não aconteceu com a mulher de Marcel lo Caetano, o último presidente do Conselho do Estado Novo. O biógrafo responde aos

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HISTÓRIAS DE MEDICI A 205

críticos da leucotomia: para ele, o único Nobel em ciên­

cias atribuído a um português foi merecidíssimo. Refere

mesmo o renascimento actual da psicocirurgia, como

que dando postumamente razão a Moniz. Mas a dis­

cussão parece não estar terminada . . .

Revolucionários muito conservadores

Quem, na auto-estrada A 1 , sair em Estarreja, estará

muito perto da Casa-Museu Egas Moniz, em Avanca, o

elegante palacete onde o nosso até à data único Prémio

Nobel numa área de ciências passou, primeiro, a sua

infância e, mais tarde, as suas férias de Verão. A Câmara Municipal de Estarreja tem cuidado tanto do edifício como do seu recheio, onde, a lém de instrumentos e

imagens científicas, chamam a atenção as numerosas peças de arte que o sábio reuniu, e que vão desde por­

celana de Sevres e da Companhia das Índias a quadros dos pintores José Malhoa ( 1 855-1933) e António da

Silva Porto ( 1 850-1 893 ) . Nascido em 1 874, o médico António Egas Moniz

era, do ponto de vista artístico, um homem do século

XIX, um conservador cuja maior parte da vida decorreu num século em que tanto a ciência como a arte eram

abaladas por novas correntes. Nos píncaros dos seus

pintores preferidos encontrava-se José Malhoa (no ano

em que morreu, Egas Moniz publicou o ensaio A folia e a dor em José Malhoa) , e no cume das suas preferên­cias l iterárias encontrava-se Júlio Dinis (escreveu o l ivro

de referência sobre a obra do escritor portuense Júlio Dinis e a Sua Obra) . Nem a pintura nem a l iteratura do século xx conseguiam recolher os seus favores.

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206 DARWIN AOS TIROS

Moniz, nesse seu aspecto conservador, não está, entre

os prémios Nobel da ciência, sozinho. Um outro Nobel

da ciência com gostos pouco ou nada modernos foi

Albert Einstein, que nasceu cinco anos depois de Moniz

e morreu precisamente no mesmo ano, em 1 955. As

suas carreiras são paralelas, uma vez que o físico suíço­

-americano, nascido em Ulm, na Alemanha, acabou o

curso em 1 900, apenas um ano depois do médico por­

tuguês (o curso de Medicina demorava oito anos, pois

havia que fazer três anos de estudos preparatórios em

ciências ) . Einstein completou o doutoramento em 1 905,

cinco anos depois de Moniz defender a sua tese A Vida Sexual na Universidade de Coimbra (o Estado Novo

haveria de proibir a sua venda, autorizada apenas com

receita médica) . Em 1 9 1 1 , Einstein chegou à cátedra

na Universidade de Praga e o mesmo aconteceu com

Moniz, na recém-fundada Universidade de Lisboa. Uma diferença entre os dois curricula reside, porém, na

precocidade dos trabalhos de investigação do físico,

que atingiu pontos altos em 1 905 e 1 9 16, ao passo

que o médico só enveredou pela investigação depois

de ter desistido de uma prolongada carreira política,

tendo atingido os seus pontos altos em 1 927 (angio­

grafia cerebra l ) e 1 935 ( leucotomia pré-frontal ) . Não

admira, por isso, que o Nobel de Einstein, apesar de

tardio relativamente ao feito que o justificou ( interpre­

tação do efeito fotoeléctrico, proposta em 1 905, mas só

recompensada pela Academia Sueca com o prémio de

1 92 1 ) , tenha sido atribuído muito antes do de Moniz

( atribuído em 1 949) . Einstein, que preferia a música a todas as outras artes, era, nas suas preferências musi­

cais, extremamente conservador, não indo o seu gosto

Page 209: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE MEDICINA 207

muito além de Bach e Mozart. Quando muito, Schu­

bert. A música moderna passava-lhe completamente ao

lado.

Moniz e Einstein não são os únicos revolucionários

científicos que ignoraram as revoluções artísticas do seu

tempo. Basta visitar a Casa-Museu de Sigmund Freud

( 1 856-1 939), em Viena, e ver as obras de arte pendura­

das nas paredes e colocadas sobre os móveis, para veri­

ficar que o criador da psicanálise, cuj as ideias Moniz

introduziu em Portugal e de quem Einstein foi amigo,

era bastante antiquado em matérias artísticas . . .

O lugar da longa vida

A população de Limone sul Garda, um belíssimo povoado à beira do lago de Garda, o maior dos lagos

no Norte de Itália, tem sido investigada do ponto ge­

nético pelo estranho facto de viver bastante mais tempo

do que a média das populações europeias. Qual é o

segredo da longa vida?

Não se trata de nenhum elixir que os l imoneses

tomem. A responsável é uma proteína, a apolipoproteína

ApoA- 1 Milano, que resultou de uma mutação genética

ocorrida no ano de 1 780. Essa proteína é uma variante

do HDL, que se liga ao «bom colesterol», relacionado

com a protecção cardiovascular. As doenças cardiovas­

culares, que são responsáveis por numerosas mortes

prematuras na Europa, são raras entre os habitantes de

Limone.

Mas como é que se datou a mutação? Acontece que

Limone (o nome vem das suas plantações de l imoeiros,

Page 210: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

208 DARWIN AOS TIROS

as mais setentrionais da Europa, que encantaram o poeta

alemão Johann Wolfgang von Goethe em 1 786, quando

empreendeu a sua famosa viagem a Itál ia) fica encravada

entre uma agreste montanha e o calmo lago, numa

paisagem que só a meio do século passado ficou aces­

sível com a construção de uma estrada que, por ser­

penteantes túneis, fura a montanha. Portanto, os seus

habitantes, que chegaram ou calcorreando íngremes

trilhos pedonais ou, mais provavelmente, navegando de

barco, viram-se obrigados a viver isolados, ou quase,

casando entre si. São todos mais ou menos primos uns

dos outros. Esse lugar é, portanto, o paraíso dos cien­

tistas genéticos, que conseguem, através de anál ises dos

genes e dos registos paroquiais, estudar todos os cruza­

mentos e local izar, como foi o caso, mutações. Aconte­

ceu que um filho dos camponeses Cristoforo Pomaroli

e Rosa Giovanelli nasceu com o gene favorável, que se

espalhou por toda a aldeia.

Hoje em dia, Limone ( que fica, pela dita estrada,

relativamente perto de Saló, outro lugar idílico, mais

conhecido por ter sido a sede da república fascista no

fina l da Segunda Guerra Mundial e por ter dado o

nome a um filme de Pier Paolo Pasol ini ) já não é uma

aldeia isolada, mas sim uma movimentada vila turís­

tica . Trata-se de um paraíso não apenas para os geneti­

cistas, mas também e sobretudo para os veraneantes,

italianos, a lemães e outros, que buscam o clima e a

tranquilidade que só aquela a lta montanha e aquele

grande lago podem oferecer. Os vis itantes podem ter a

tentação de ficar. Mas a longevidade será só para os seus descendentes, se eles se cruzarem com alguém da

terra que tenha os genes adequados . . .

Page 211: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE MEDICINA 209

A matança dos porcos

A matança do porco é, em muitas a ldeias portugue­

sas, uma festa popular. Real iza-se tradicionalmente nos

meses mais frios do ano ( «No dia de Santo André, pega

o porco pelo pé» ) , uma vez que, nessa época, a conser­

vação das vitualhas é mais fácil. E quase tudo se apro­

veita, sej a para a salgadeira sej a para o fumeiro. Pode

o porco estar associado ao sujo (entre nós ainda há

quem diga «com l icença » quando a palavra « porco» é

proferida ) , que não deixa, seja em costeleta ou em fari­

nheira, de ser uma iguaria muito apreciada.

No entanto, essa festa de tão grande tradição em

terras cristãs é simplesmente inimaginável em Israel e nos países árabes, que nisso não se distinguem. A ori­

gem da interdição da carne suína parece residir no ter­

ceiro l ivro da Bíblia, o Levítico, supostamente escrito

por Moisés:

Também o porco, porque tem unhas fendidas, e a fenda

das unhas se divide em duas, mas não remói, vos será

imundo.

Passagens semelhantes encontram-se no Alcorão,

sendo a regra obedecida de modo tão estrito que, em

países islâmicos, como o Irão ou o Qatar, o comércio

de carne de porco é severamente restringido.

Com a erupção no ano de 20 1 0 da gripe A HlNl,

que começou impropriamente por ser designada « gripe

suína » , o consumo da carne de porco diminuiu muito

nos países onde era comum. Foi um comportamento irracional pois, tal como a Organização Mundial de Saúde e a Organização das Nações Unidas para a Ali-

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210 DARWIN AOS TIROS

mentação e a Agricultura esclareceram, a ingestão de

carne de porco devidamente cozinhada não acarreta

quaisquer perigos para a saúde humana (os eventuais

vírus são destruídos a temperaturas superiores a 70

graus Celsius) . As mesmas organizações internacionais

não se esqueceram de acrescentar que comer carne de

animais doentes ou de animais encontrados mortos

representa um risco para a saúde. Mas esta medida de

elementar precaução é válida obviamente para qual­

quer tipo de carne, e não apenas para o porco, e para

todas as ocasiões, e não apenas durante uma epidemia

de gripe.

No Egipto, porém, o consumo de carne de porco

diminuiu para quase zero, não por escolha das popula­

ções, que são maioritariamente árabes, mas por determi­nação do governo. Este mandou exterminar a total idade dos porcos do país, em número estimado de cerca de 350 mi l . Que haja comportamentos irracionais dos indi­

víduos é um facto bem conhecido e ao qual já nos habi­

tuámos ( Einstein disse que só há duas coisas infinitas, o Universo e a estupidez humana, embora quanto à pri­

meira não tivesse a certeza), mas que a irracionalidade ganhe foros de decisão governamental e cause prej uízos

graves aos cidadãos é a lgo a que não nos podemos habituar. No Egipto não tinha havido um único caso de

infecção pela nova gripe. A decretada matança dos por­

cos pareceu ser um acto de discriminação da minoria

dos cristãos captas, os descendentes dos egípcios do

tempo dos faraós, que perfazem dez por cento da popu­lação. Como os captas, além de comerem com fre­

quência carne de porco, eram os proprietários das explo­rações suínas, a medida podia visar, em última análise,

a sua aniquilação económica, somando-se a toda uma

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HISTÓRIAS DE MEDICINA 211

série de perseguições iníquas de que têm sido vítimas.

Os agentes do Ministério da Saúde que tentaram iniciar

a grande matança foram recebidos à pedrada nos subúr­

bios pobres do Cairo, tendo os confrontos degenerado em batalhas campais com a polícia. A guerra foi exa­cerbada pela afirmação extraordinária do ministro da

Saúde de que não haveria lugar a indemnizações, pois

a carne poderia ser consumida pelos próprios . . . A actriz

francesa Brigitte Bardot, conhecida pela sua defesa dos

direitos dos animais, escreveu ao presidente Hosni

Mubarak (entretanto deposto por um movimento popu­

lar ) a interceder pelos pobres animais e não esteve

sozinha: não se tratava só de defender os porcos, mas também e principalmente de defender os humanos.

Ocasiões de iminência de uma pandemia são pro­pícias à disseminação, além do vírus, já de si perigosa,

do medo irracional do vírus, que lhe amplia o perigo. O medo pode gerar monstros, pode acordar os mons­

tros que, em nós, estão adormecidos. Fel izmente que a epidemia da gripe dita suína não atingiu a ampl itude

que se receava ... Mas não estamos imunes a que apa­

reça um novo surto da mesma ou de uma nova gripe e

os monstros voltem a acordar . . .

Bactérias assassmas

O filósofo espanhol José Ortega y Gasset ( 1 8 8 3 -- 1 955 ) disse um dia « eu sou e u e a minha circunstân­

cia » , querendo com isso significar que o ser humano

era inseparável da cultura em que está envolvido. Um biólogo bem pode dizer que o homem é ele e a sua cultura de bactérias. De facto, qualquer um de nós é o

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212 DARWI AOS TIROS

hospedeiro de bi l iões de microrganismos, a maior parte

dos quais são bactérias. Por cada célula nossa, possu­

ímos cerca de dez células pertencentes a vários « bichi­

nhos » . Como são células mais pequenas e mais leves do

que as nossas, todas elas j untas não pesam mais do que

um quilo e meio.

Sem essas bactérias, não poderíamos viver. Por exem­

plo, a Escherischia coli ( abreviadamente E. coli) que

habita os nossos intestinos produz enzimas que ajudam

a transformar h idratos de carbono em energia. Sem ela

não poderíamos viver. Mas, em raras ocasiões, a lgo

corre mal . . . D ão-se mutações que criam variantes para

as quais o nosso corpo não está preparado. Um caso

famoso, que ocorreu em 1 992 nos Estados Unidos, teve como protagonista as E. coli 0 1 57:H7, causadoras da morte de quatro crianças que tinham comido num res­

taurante Jack in the Box, uma popular cadeia de fast food do tipo McDonald's. Tinha havido contaminação no processamento: as bactérias entraram na carne (em parte de origem australiana) e os hambúrgueres não

foram cozinhados a temperaturas suficientemente altas para as destruir todas.

Por causa das E. coli, podemos, como se vê, morrer. Em 201 1 voltaram as notícias sobre bactérias assassi­

nas. Em Maio irrompeu no Norte da Alemanha uma

doença grave, caracterizada por diarreia sangrenta e

por insuficiência renal, que conheceu depois uma répli­

ca em França, na região de Bordéus. Foram infectadas

mais de 4000 pessoas, tendo morrido cerca de meia

centena. O surto entrou, felizmente, em recessão até ser

dado como extinto escassos meses depois. Os culpa­dos? De novo houve um « ataque» das E. coli, sendo a nova estirpe responsável denominada 0104:H4. De

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HISTÓRIAS DE MEDICI A 213

onde vieram, desta vez, as assassinas profissionais? Os

primeiros acusados -os pepinos espanhóis- estavam

afinal inocentes. O falso alarme causou prejuízos incal­

culáveis aos agricultores do Sul da Europa, entre os

quais muitos portugueses, a quem a União Europeia

teve de indemnizar. A seguir, as culpas foram atribuídas

pelos « detectives al imentares» a rebentos de soja prove­

nientes de uma quinta biológica na Alemanha. E, final­

mente, segundo a Agência Europeia para a Segurança

Alimentar, parece que a raiz comum aos casos ale­

mães e franceses se encontrou em sementes, importa­

das do Egipto, de feno-grego ou alforva, uma p lanta

cuj os rebentos podem ser usados em saladas. Tal como

no caso dos hambúrgueres norte-americanos, ocor­reu uma contaminação. O que fazer neste mundo glo­bal, onde os a l imentos circulam com grande facilidade de um lado para outro e são por vezes manipulados sem as devidas cautelas ? Enquanto a investigação sobre

este assunto prossegue, o melhor é evitar esse tipo de

rebentos. Ou comê-los bem cozinhados. O melhor é matar as bactérias assassinas antes que elas nos ma­tem a nós.

A imortal H enrietta

O livro A Vida Imortal de Henrietta Lacks ( Casa

das Letras, 20 1 1 ), da autoria da jornalista de ciência

Rebecca Skloot, foi um dos maiores êxitos de 20 1 0 nos Estados Unidos, ao ocupar semanas a fio a lista de best-sellers do jornal New York Times, receber vários prémios e ser logo traduzido para várias línguas. Vai até chegar aos ecrãs, pois Oprah Winfrey, a famosa

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214 DARWI AOS TIROS

vedeta de televisão americana, comprou os direitos de

adaptação ao cinema.

Alguns consideram a ciência fria e impessoal, mas

este é, em contraste com essa ideia feita, um livro de

ciência cheio de calor humano. A história pode resu­

mir-se em poucas linhas: Henrietta Lacks ( 1 920-1 95 1 )

foi uma mulher negra, mãe de cinco filhos ( o primeiro

dado à luz aos 1 4 anos ), descendente de escravos e

portanto bastante pobre, que trabalhava nas p lanta­

ções de tabaco no estado da Virgínia, a quem, aos 30

anos, foi diagnosticado, no Hospital de John Hopkins,

em Baltimore ( na « ala de cor» , pois o racismo impe­

rava na época ), um cancro do colo do útero. «Tenho um nó dentro de mim>> , tinha sido o autodiagnóstico. O tumor teve um crescimento anormalmente rápido

e necessariamente fatal, apesar dos tratamentos com

radiação já então disponíveis. Henrietta faleceu a 4 de Outubro de 1951. Mas, hoje, muitas das suas célu­las continuam vivas em laboratórios de todo o mundo.

Com efeito, uma biópsia permitiu retirar um conjunto

de células que, ao contrário de outras amostras expe­

rimentadas antes, proliferaram num meio de cultura apropriado. Essa estirpe celular, que ficou conhecida

por HeLa, do nome da doente, desencadeou um sem­

-número de experiências e descobertas científicas, por exemplo o desenvolvimento da vacina contra a polio­

m iel ite. E os produtos dessas descobertas foram comer­cial izados a bom dinheiro, pois permitiam salvar vidas.

Por conseguinte, o tumor de Henrietta foi uma maldi­

ção para ela mas uma bênção para a ciência.

Acontece, porém, que a extracção das suas células não foi autorizada e que nem ela nem a sua família foram recompensadas em nenhum dos fabulosos con-

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HISTÓRIAS DE MEDICI A 215

tratos real izados à custa do seu materia l biológico.

Uma das fi lhas, que, conduzida pela autora do l ivro,

visitou frigoríficos de um hospital onde se conservam

células HeLa, lamentou não ter um seguro de saúde

que lhe permitisse pagar medicamentos de que necessi­

tava, feitos com a ajuda dos tecidos da mãe. O pro­

blema ainda é actual : independentemente das ques­

tões raciais, bem retratadas no l ivro, uma parte de

qualquer um de nós pode ser usada, sem autorização

nem compensação, para benefício não só da ciência, o

que seria o menos, mas também de alguma indústria

multimilionária que nela assenta . Os problemas éticos,

que se avolumaram na década em que Henrietta mor­reu, continuam tão vivos como as células que ela nos

deixou.

Presos nas entranhas da Terra

Todo o mundo acompanhou com emoção as opera­

ções de salvamento dos 33 mineiros que ficaram presos na mina chilena de cobre e ouro de San Jose, no deserto de Atacama, a 700 metros de profundidade. No dia 5

de Agosto de 20 1 0, deu-se um desabamento que isolou

uma equipa de trabalhadores na mina, tendo passado

cerca de duas semanas até serem recebidos sinais de que eles estavam vivos. Uma mensagem emergiu, rascu­

nhada num papel por um dos desaparecidos, depois de

passar por um furo construído para os procurar. E, por

esse e por mais dois furos, puderam entrar na mina ar, energia, alimentos e a lguns meios de socorro. Também entrou e saiu informação, tanto em forma escrita como

audiovisual . A tecnologia de fibras ópticas permitiu que

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216 DARWI AOS TIROS

os mineiros vissem, em directo, um jogo de futebol do

Chile contra a Ucrânia que teve lugar em Kiev.

Para salvar os trabalhadores, não se delineou um mas

sim três planos. O plano B, apesar de ser o segundo em

nome, foi o que mais se adiantou. A ponta da perfuradora

Schramm T-130 SX chegou no dia 1 8 de Setembro a uma

galeria acessível aos mineiros, a cerca de 630 metros de

profundidade, tendo sido necessárias seis semanas para

alargar o diâmetro do furo de tal modo que eles pudessem

ser retirados, um a um, dentro de uma estreita cápsula,

do terrível local onde se encontravam. A máquina do

plano A revelou-se muito lenta e a gigantesca máquina

petrolífera do plano C, que era a mais rápida de todas, acabou por não ser necessária, por todos os mineiros

terem entretanto sido resgatados sãos e salvos. De entre as numerosas mensagens de solidariedade e

encorajamento que chegaram ao fundo da mina, uma das mais curiosas veio de uma equipa de seis astronau­

tas russos, europeus e chineses que estavam a simular uma viagem a Marte dentro de uma nave fechada num

laboratório em Moscovo:

Permaneçam ocupados, cuidem da vossa saúde e man­

tenham a rotina dia-noite.

Nessa experiência, planeada para 520 dias, o isola­

mento não é total , pois os tripulantes comunicam com

o exterior embora com o atraso que haveria numa via­

gem real ao P laneta Vermelho. Ensaios de confinamento

deste tipo interessam não só à Agência Espacial Euro­peia, a ESA, que nela participa, mas também à NASA, com vista a melhor preparar missões espaciais de longa

duração.

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HISTÓRIAS DE MEDICINA 217

Como pode haver sucessão dos dias e das noites fora

da superfície da Terra ? Dentro da mina ou da nave,

essa sucessão é proporcionada por luz artificia l . Mas o

que se passa sem luz nem relógios? Experiências reali­

zadas por espeleólogos no interior de grutas profundas,

à margem do tempo, mostraram que o nosso corpo tem

um ritmo próprio, bem diferente do que é imposto pelo

movimento de rotação da Terra, o ritmo circadiano: o

corpo prefere dias de cerca de 48 horas (cerca de 36

horas de vigília e 12 de sono) em vez de dias de 24 horas.

Essa foi a conclusão, por exemplo, de Michel Siffre,

que em 1962 esteve voluntariamente isolado durante

dois meses numa gruta francesa e, passados dez anos,

esteve seis meses numa gruta norte-americana, sem

relógios e sem nunca lhe ser dada do exterior qualquer

indicação da passagem das horas. No interior da mina

chilena, o ritmo de vida era idêntico ao de cá de cima,

imposto pelo exterior e pelos próprios, até porque havia

a esperança de os mineiros voltarem a ver a luz do Sol.

Isso veio, de facto, a acontecer, para grande júbilo de

todos, no dia 1 3 de Outubro de 2010.

O ADN de Bin Laden

No dia 1 de Maio de 201 1 , o presidente dos Estados

Unidos, Barack Obama, anunciou ao seu país e ao mundo

a morte do terrorista mais procurado do planeta, Osama

Bin Laden ( 1 957-20 1 1 ), depois de concluída uma opera­

ção especial, a cargo dos bem preparados fuzileiros do SEALS, no Paquistão a lgumas horas antes. O corpo foi

rapidamente sepultado no mar, em sítio não anunciado,

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218 DARWIN AOS TIROS

ao mesmo tempo que decorria a confirmação científica

da sua identidade.

A pergunta é natural : Haverá a certeza de que se

tratava mesmo do famoso líder da Al-Qaeda? Para escla­

recer essa questão, usou-se um método de anál ise do

ADN- já comummente empregue em casos de inves­

tigação forense ou em processos de identificação de

paternidade, ou ainda em testes de doenças genéticas -

que dá pelo nome abreviado de PCR. ADN é a abrevia­

tura de ácido desoxirribonucleico, a substância que cons­

titui o material genético de todos os seres vivos (excep­

tuam-se alguns vírus, mas sobre esses há um debate

acerca de serem vivos ou não ) . Por sua vez, PCR quer dizer « reacção em cadeia de polimerase» (em inglês,

polymerase chain reaction) . Esta técnica (que funciona

como uma espécie de «máquina de fotocópias» de ADN), foi desenvolvida em 1983 pelo químico norte­americano Kary Mull is (n. 1944 ) e valeu-lhe o Prémio

Nobel da Química dez anos mais tarde, a lém de formi­dáveis lucros com a patente (o Nobel foi a meias com o seu colega Michael Smith, autor de outros trabalhos sobre a química do ADN) .

O ADN, que se encontra no núcleo de cada uma das

células dos seres humanos, como de resto de todos os

seres vivos, permite distinguir cada indivíduo muito melhor do que uma impressão digital. Uma das grandes proezas da ciência deste século foi a descrição completa

do genoma humano realizada em 2003 . De facto, para

identificar um dado suj eito, não é preciso efectuar uma

sequenciação completa, bastando uma análise por PCR de alguns sectores do ADN. O processo laboratorial demora cerca de quatro horas. Começa-se por recolher uma pequena amostra de material b iológico (umas gotas

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HI TÓRIAS DE MEDICI A 219

de saliva ou de sangue, por exemplo ) . Depois, real iza­

-se a amplificação do ADN por um processo químico,

mediado pela enzima polimerase, que exige ciclos de

aquecimento e arrefecimento ( este é o processo desig­

nado por PCR, a parte mais demorada de toda a ope­

ração). Finalmente, vem a análise propriamente dita da

informação, que hoje em dia é efectuada com o auxílio

de computadores. O resultado depende obviamente da

comparação com o ADN do próprio, recolhido antes,

ou de parentes próximos. As autoridades norte-ameri­

canas dispunham de amostras de ADN de familiares de

Bin Laden, incluindo provavelmente uma meia-irmã

falecida havia pouco tempo em Boston. Já surgiram teorias de conspiração desmentindo que

se tratasse de Bin Laden e tudo indica que elas irão pro­

l iferar. Haverá mesmo a certeza de que se tratava do terrorista que ordenou a destruição das Torres Gémeas? Será a técnica absolutamente certa ? A probabil idade de

identificação de um indivíduo usando a PCR é superior

a 99,9 por cento. Não é a certeza absoluta, mas é a certeza para todos os efeitos práticos.

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Page 223: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

O culto da carga e outras histórias de pseudociência

O culto da carga

o FÍS! O NORTE-AMERJCA O RICHARD FEYNMAN, num discurso de início do ano académico no California Ins­

titute of Technology ( Caltech) , em 1 974, usou a expres­são cargo cult ( traduzido à letra o «culto da carga » )

para designar os rituais que alguns povos primitivos de i lhas do Pacífico começaram a praticar, durante a

Segunda Guerra Mundial. Eles imitavam, ainda que tos­

camente, os procedimentos dos militares americanos

quando instalavam pistas para aterragem de aviões de carga. Os indígenas chegaram não só a arranjar pistas rudimentares a ver se recebiam igualmente a «carga »,

mas também a

fazer uma cabana de madeira para um homem se sentar

lá dentro, com dois bocados de madeira na cabeça a imi­tar auscultadores e dois paus de bambu a imitar ante­

nas- o controlador.

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222 DARWI AOS TIROS

Este relato está contido no l ivro «Está a Brincar, Sr. Feynman!» ( Gradiva, 1988 ) , um dos primeiros volu­

mes da colecção Ciência Aberta e que vale sempre a

pena reler. Feynman, que entre muitas outras coisas

ficou famoso por tocar bongo ( figura 2 1) , sugere uma

analogia para a pseudociência:

Segue todos os preceitos e formas aparentes da inves­

tigação científica, mas falta-lhe qualquer coisa essencial

porque os aviões não aterram.

De facto, os exemplos que podem ser dados de ciên­

cia do «culto da carga » são numerosos. Os praticantes

Figura 21- Richard Feynman a tocar bongo (foto de Tom Harvey)

Page 225: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE PSEUDOCI�NCIA 223

das várias formas de pseudociência, umas mais grossei­ras e outras mais refinadas, proliferam no mundo de

hoje. Porém, ao contrário do que a caricatura indicada

por Feynman dá a entender, nem sempre é fácil fazer a

distinção entre ciência e pseudociência, entre ciência

verdadeira e ciência da treta . É decerto mais fácil nas

chamadas ciências exactas como a física e a química,

em que a eventual fraude acaba relativamente cedo por

ser detectada e acarretar a morte científica do respec­

tivo autor, mas é mais difícil em ciências humanas,

como a psicologia e as ciências da educação, em que

não raro acontece a morte física do autor preceder a

respectiva morte científica . . . As chamadas ciências natu­

rais, em particular as ciências biomédicas, em que hoje trabalha uma enorme comunidade de investigadores,

constituem um vasto terreno intermédio. O famoso caso da fusão fria, ocorrido em 1 989 quando

os químicos inglês Martin Fleischmann (n . 1 927) e norte-americano Stanley Pons (n . 1 943) anunciaram que tinham conseguido produzir fusão nuclear numa sim­ples experiência de electrólise de água pesada com um eléctrodo de palád io, é paradigmático do destino impie­doso que têm, em ciências físico-químicas, as ideias que não são comprovadas por outros de uma forma clara, sistemática e, por isso, conclusiva. Fleischmann e Pons estão hoje definitivamente desaparecidos da cena cien­tífica. Na ciência, um só passo em falso pode ser a morte do artista. Feynman bem tinha avisado:

Aprendemos com a experiência que a verdade acabará

por aparecer. Outros experimentadores repetirão a nossa

experiência para descobrir se estávamos certos ou errados.

Os fenómenos naturais irão estar de acordo ou em desa­

cordo com a nossa teoria. E, embora possamos ganhar

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224 DARWIN AOS TIROS

alguma fama e excitação temporárias, não adquiriremos

uma boa reputação como cientistas se não tentarmos ser

muito cuidadosos.

A ciência tem acabado sempre por eliminar a pseudo­

ciência, quando esta pretende descaradamente fazer­

-se passar por aquela. O processo de desmascaramento

é lento e sinuoso, quase nunca fáci l . Mas queremos

ser optimistas: a ciência do «culto da carga» está em

regressão.

Magos e sábios

No dia 1 7 de Dezembro de 1 603, o astrónomo ale­mão Johannes Kepler ( 1571 - 1 630), ao observar com

uma luneta, do alto do castelo de Praga, a sobreposição de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, propôs

que essa era a « estrela de Belém» de que falava a Bíblia na passagem em que descrevia o nascimento de Jesus Cristo em Belém. O descobridor das leis dos movimen­

tos planetários, feitas as necessárias contas, descobriu

também que um encontro desse género teria ocorrido

no ano 7 a . C . E notou que o judeu português Isaac Abravanel ( 1 4 37- 1 50 8 ) , negociante, tesoureiro de

D . Afonso V, exilado em Espanha no tempo de D . João

II e comentador da Bíblia, tinha interpretado o fenóme­

no astrologicamente: como Júpiter significava príncipe, Saturno a Palestina e Peixes o final dos tempos, o «prín­

cipe do final dos tempos tinha nascido na Palestina» .

Segundo os Evangelhos, os Reis Magos teriam vindo atrás dessa « estrela » , isto é, a acreditar na interpretação

de Kepler e de Abravanel, desses dois planetas, os maio-

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HISTÓRIAS DE PSEUDOCiiõNCIA 225

res do sistema solar. Mas quem eram esses reis que tão

famosos ficaram na mitologia e no imaginário popu­

lar? Muito pouco se sabe sobre eles. Nem sequer há a

certeza de que fossem três. Pode até ser que a visita dos

reis magos se trate apenas de uma lenda, que chegou

até nós ao fim de um sem-número de transmissões.

Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto. Mas

pode ter havido uma viagem, não de reis magos, mas

sim de simples magos, isto é, astrólogos, que procura­

vam a referida conjunção, bem nítida na época nos

céus da Palestina . Vinham provavelmente da região

banhada pelos rios Tigre e Eufrates, a região onde na

Antiguidade tinha nascido a astrologia (o actual Iraque é aí; Tikrit, a localidade natal do sultão Saladino, que

combateu os cruzados na Idade Média, e do ditador

Saddam Hussein, que foi condenado à morte em 2006

acusado de genocídio, situa-se precisamente nas mar­gens do rio Tigre) . A astrologia confundia-se, no tempo de Cristo, inteiramente com a astronomia. E, por isso,

esses magos eram considerados sábios.

Kepler viveu no período da transição da astrologia para a astronomia, um tempo que já remontava à época de Pedro Nunes, uma geração antes. Com efeito, foi

com as observações celestes feitas com auxílio de ins­

trumentos e com a sua descrição matemática rigorosa

que a astronomia ganhou foros de ciência. O sábio alemão foi, porém, obrigado a ser mago para sobrevi­ver: fazia horóscopos encomendados por pessoas com

posses. Chegou a afirmar que Deus tinha dado um sus­

tento a cada criatura e aos astrónomos tinha dado a astrologia . . .

A s coisas mudaram muito desde então: hoje e m dia,

um mago já não é considerado um sábio e não se en-

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226 DARWI AOS TIROS

contra um único astrónomo que se dedique à astrolo­

gia. Mudaram muito? De facto, no início de cada ano,

· não faltam as previsões astrológicas para o ano todo,

feitas pelos mais variados Zandingas. Falham pratica­

mente todas, como é de esperar. Por exemplo, a astró­

loga Maya previu uma vez a vitória do Sporting no

campeonato nacional e essa alegria não foi dada aos

adeptos . . . E as que acertam, fazem-no por mera coin­

cidência (ao contrário do que afirma o título de um

romance de uma autora portuguesa contemporânea, é

claro que há coincidências ! ) . Os seus autores são, evi­

dentemente, magos e não sábios. Estão mais na tradi­

ção do mago Abravanel do que na do sábio Kepler.

Mas um dos paradoxos da ciência no mundo contempo­

râneo é muitos ganharem mais dinheiro como magos

do que algum dia ganharia!Jl como sábios, se o conse­

gmssem ser . . .

Comunicação extra-sensorial?

O jornal New York Times de 5 de Janeiro de 20 1 1

anunciou que estava prestes a ser publicado num pres­

tigiado jornal de psicologia, The ]ournal of Personality and Social Psychology, um artigo da autoria de um

conceituado psicólogo experimental, Daryl J . Bem, pro­

fessor jubilado na Universidade de Cornell, em Ithaca,

perto de Nova Iorque, que indiciava a existência de um

certo tipo de percepção extra-sensorial .

Os cientistas desconfiam da percepção extra-senso­

rial, isto é, a aparente habil idade de certos indivíduos,

chamados médiuns, para captar fenómenos indepen-

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HISTÓRIAS DE PSEUDOCit.NCIA 227

dentes dos seus órgãos dos sentidos normais, por exem­

plo, prevendo o futuro. Mas, numa das experiências

relatadas, estudantes universitários, habituais cobaias

deste tipo de testes (há quem diga que se sabe muito

sobre a psicologia dos estudantes e pouco sobre a psico­

logia das outras pessoas ) , conseguiriam adivinhar mais

( 53 por cento ) do que seria dado pelo simples acaso

(50 por cento), em qual dos lados, direito ou esquerdo,

de um ecrã ia aparecer uma imagem erótica. A coloca­

ção da imagem era escolhida ao acaso por um compu­

tador depois de a escolha humana ter sido efectuada.

Antes de saber onde apareceria a imagem, já a maioria

dos estudantes tinha adivinhado onde. O que mais me intriga é a percepção funcionar para esse tipo de foto­

grafias e não para outras . . .

H á psicólogos experimentais, colegas d o professor

Bem, que também ficaram intrigados. Por exemplo, um professor da Universidade de Oregon não teve papas na l íngua:

É uma coisa maluca, completamente maluca. Não posso

acreditar que uma revista de topo publique um trabalho

destes. É um sério embaraço para toda a gente que traba­

lha nesta área.

Como a c1encia, psicológica ou outra, não encon­trou até hoje qualquer evidência para a percepção ex­

tra-sensorial, o artigo, apesar de aprovado pelo habitual

processo de avaliação pelos pares, encontra-se sob se­

vero escrutínio. O astrofísico e divulgador de ciência

Carl Sagan dizia que alegações extraordinárias requerem provas extraordinárias. O editor defendeu-se dizendo que se tratava de um trabalho científico que fora sujeito

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228 DARWIN AOS TIROS

às normas mais exigentes. Mas a experiência terá de ser

repetida por outros, dispondo-se o professor Bem a cola­

borar, fornecendo todos os protocolos. De facto, três

por cento é uma margem pequena e a lguns especialistas

em estatística são categóricos a apontar erros, não nos

dados recolhidos mas no seu tratamento. A estatística,

como se sabe ( os políticos, por exemplo, sabem-no),

consegue, bem torcida e retorcida, dar para tudo. Se­

gundo um dito muito conhecido:

Há quem use a estatística como um bêbedo usa um

candeeiro: mais para suporte do que para iluminação.

Neste, como em muitos outros casos, parece um dito

apropriado.

A notícia da treta mats deprimente do ano

Na última segunda-feira de Janeiro, é publicada a

habitual notícia de ciência da treta segundo a qual esse é o dia mais deprimente do ano. É uma notícia fantás­tica, pois a partir daí os dias só podem melhorar. Os

órgãos de comunicação social portugueses dão esta notí­

cia recorrentemente, a par dos seus embasbacados con­

géneres internacionais, que lhe chamam blue monday. Poderiam muito bem terminar a notícia dizendo:

Demos esta notícia no ano passado, este ano damos

outra vez. Até para o ano.

Vamos também aqui reproduzir acrmcamente, em­

bora provavelmente fora de época para a maioria dos

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HISTORIAS DE PSEUDOCI� CIA 229

leitores, a notiCla fresquinha habitual das últimas se­

gundas-feiras de Janeiro:

O psicólogo Cliff Arnall chegou à sua conclusão em

2005 através da fórmula: [C +(D- d)] x TliM x NA.

Segundo Arnall, « C» corresponde ao factor climático: em

janeiro, os dias são cinzentos e frios; « D » representa as

dívidas adquiridas durante a época do Natal e que agora

terão de ser pagas, uma vez que o pagamento dos cartões

de crédito é feito no final do mês. já o «d» em minúscula

significa os custos monetários relativos ao mês de ] aneiro

e o « T» é o tempo que passou desde o Natal. A letra «I»

representa o período desde a última tentativa falhada de

abandonar um mau hábito: os bons propósitos feitos no

início do ano - como as idas ao ginásio, deixar de fumar

e comer melhor - começam a ficar para trás. Por fim,

«M» são as motivações de cada um e «NA » a necessidade

de fazer alguma coisa para mudar de vida.

E esta é a notícia da treta mais deprimente do ano,

segundo a fórmula:

NIC +]IS,

em que N é o número de anos em que esta notícia vem

sendo repetida nos media, C a credibilidade da afirma­

ção, J o número de jornalistas que transcreve este press release e S o sentido crítico dos mesmos (em rigor, como a credibilidade tende para zero, o primeiro termo

tende para infinito e logo o segundo termo é desneces­

sário ) . Não é preciso ter uma grande cultura científica para

avaliar a fórmula apresentada pelo alegado psicólogo investigador em favor da sua conclusão fabulosa, e

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230 DARWIN AOS TIROS

torcer o nariz. Essa torcidela deveria desencadear uma

pequena investigação, procurar referências na literatura

ou, na ausência de tempo, pura e simplesmente descar­

tar a notícia . Convenhamos que não é informação com

que não possamos viver (talvez só seja útil para esco­

lher o dia mais adequado para cortar os pulsos ou para

saltar de uma j anela ) .

Poderíamos pensar que Arnall chegou à sua con­

clusão numa segunda-feira cinzenta e fria de Janeiro,

enquanto tentava abstrair a mente das dívidas contraí­

das durante a época do Natal e dos pagamentos do

cartão de crédito no final do mês. E que provavelmente

continuaria a trabalhar para calcular o dia do ano onde

haveria mais apetite ou a semana com mais urina.

Mas não.

Arnal l foi pago por uma agência de viagens para

inventar a equação em 2005, como parte de uma cam­

panha publicitária. Na altura era professor da Univer­sidade de Cardiff, no País de Gales, e sejamos claros:

o que a agência de viagens comprou foram a validação

académica e o prestígio de uma universidade para ven­

der uma aldrabice. Arnal l inventou ainda outras fór­

mulas, como « o fim-de-semana mais perfeito do ano » e (claro ! ) « O dia mais feliz do ano » . Este último caso

seria em Junho, mais ou menos a a ltura ideal para

começar a comer gelados. A este propósito escreveu

num e-mail ao médico Ben Goldacre, colunista do Guardian:

Em relação à referência do meu nome em conjunto

com a Wall's {nome da Olá em Inglaterra], recebi agora

mesmo um cheque deles. Cumprimentos e boas festas, Cliff

Arnall.

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HISTÓRIAS DE PSEUDOCit CIA

O Dr. House receita testículos de touro e abelhas esmagadas

231

Esta h istória é sobre algo que está à venda em far­

mácias, que em muitos países é comparticipado pelo

Estado e que em Portugal faz parte do pacote de alguns

seguros de saúde. Não é de espantar que muitas pessoas

pensem que se trata de uma coisa científica .

A ideia não pareceu má ao médico alemão Samuel

Hahnemann ( 1 755-1853) , em finais do século xvm .

Nessa altura, era frequente que leigos auto-intitulados

médicos inventassem tratamentos a partir do nada.

A medicina consistia em purgas, sangramentos e mezi­nhas muitas vezes ineficazes ou perigosas. Um trata­mento que não tivesse qualquer efeito fisiológico já não

era mau.

Imagine o leitor que, para tratar uma doença, pro­cura uma substância que, em doses elevadas, causa os sintomas dessa doença. E decide que essa mesma subs­

tância em doses muito diluídas trata a doença. Melhor: que, quanto mais diluída fosse, maior seria o seu poten­cial curativo. Foi mais ou menos isto que Hahnemann decidiu. E é isto que ainda hoje continua a ser conhe­

cido por homeopatia.

Vamos por partes. O princípio de que « OS semelhan­

tes se curam pelos semelhantes>> é completamente arbi­trário. Porquê? I sto significaria que poderíamos usar

umas gotinhas de aguardente para curar a cirrose hepá­

tica, fumar cigarros muito pequeninos para tratar o cancro do pulmão ou comer minibolas de Berlim para

tratar a obesidade. A ideia soa vagamente semelhante aos princípios da vacinação, em que são usados rnicror­ganismos atenuados para estimular o sistema imuni-

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232 DARWIN AOS TIROS

tário. Mas é bem diferente: no caso das vacinas, há

uma identificação clara do agente patogénico que

causa a doença. No caso dos remédios homeopáticos,

prevalece uma lógica de sintomas, ou seja, substâncias

que induzem os sintomas de uma doença. O corpo

humano é visto como uma caixa negra de onde saem

sintomas e para onde entram remédios homeopáticos. O que se passa lá por dentro ? Não temos nada a ver

com isso, há que respeitar a privacidade do nosso orga­

msmo . . .

Esta associação entre sintomas e remédios é feita

num ritual chamado « prova» e que os homeopatas gos­

tam de comparar a um ensaio clínico. Na « prova » , jun­tam-se várias pessoas durante um fim-de-semana e admi­

n istram-se-lhe seis doses do remédio que está a ser << provado>> . Os « provadores >> anotam todas as sensa­ções mentais, físicas e emocionais, incluindo os sonhos. No domingo à noite, um « mestre provador>> faz um

apanhado de todos os registos e na segunda-feira de manhã essa l ista é o quadro sintomático do remédio.

Os resultados destas « provas>> podem ser vistos no

sítio http ://abchomeopathy.com/ (entre muitas outras maravilhosas possibilidades) . Por exemplo, o enxofre

serve para tratar « afrontamentos, aversão à água, pele e pêlos secos e duros, orifícios vermelhos, sensação estranha no estômago por volta das 1 1 da manhã e

sono interrompido>> . Quando vamos ao homeopata,

ele tentará fazer uma l igação entre os nossos s intomas e os resultados das « provas>> , irá receitar-nos o remédio

que induziu sintomas mais parecidos com os nossos

nos provadores. Seria difícil imaginar um episódio de um D r. House homeopático, fazendo a sua equipa expe­

rimentar todo o género de substâncias improváveis,

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HISTÓRIAS DE PSEUDOCI� CIA 233

de modo a descobrir a que provocava os sintomas da

doença:

Se o doente não melhorar até logo à noite com os

testículos de touro e as abelhas esmagadas, amanhã expe­

rimentamos outro doente.

Uma overdose de água e açúcar

Admitamos por um grande absurdo que este princí­

pio dos semelhantes tratarem semelhantes é vál ido e que

esta coisa dos sintomas e da prova funciona. Persiste

um problema: a sequência de diluições usada pelos homeo­patas é tal, que não sobra basicamente nada da subs­tância original no remédio homeopático. Por exemplo,

uma diluição de 40C (na terminologia homeopata ) sig­nifica: uma gota de substância activa é diluída em 1 00 gotas de água, em seguida retira-se uma gota duma pri­meira dilujção e dilui-se novamente em 1 00 gotas de água,

e assim por diante, mais trinta e oito vezes. Para que

não restem dúvidas, 40C é uma diluição de 1 em 1 0040•

Ou seja, de 1 em 1 00000000000000000000000000000 00000000000000000000000000000000000000000 0000000000 (um 1 seguido de 80 zeros ) . No final, não

sobra basicamente nada. Como sabemos? Por causa do número de Avogadro, um nome dado em honra do

cientista italiano Lorenzo Romano Amedeo Carlo Avo­gadro, conde de Quaregna e de Cerreto ( 1 776- 1 856).

Tal como o par (2), a dúzia ( 1 2 ) e a grosa ( 1 44 ) são

unidades comuns para exprimir números pequenos, os

químicos têm uma unidade chamada « mole» para refe­rirem uma grande quantidade de átomos ou moléculas. Uma mole são 6,022045 x 1 023 partículas. Aproxima-

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234 DARWIN AOS TIROS

damente um seis seguido de 23 zeros ( muitos, mas não

tantos como os de uma diluição homeopática 40C) .

Este é exactamente o número de átomos que existem

em 1 2 gramas de carbono- 1 2, isótopo mais comum de

carbono. Chama-se assim porque a sua massa atómica

é 1 2 ( também há o carbono-14, por exemplo, cujo decai­

mento radioactivo é usado para fazer datações arqueo­

lógicas ) .

A massa atómica do cobre é 63,55. Assim, uma mole

de átomos de cobre tem a massa de 63,55 gramas. Ou

seja, o número de Avogadro permite-nos saber a quan­

tidade de átomos ou moléculas existentes numa deter­

minada quantidade de matéria. No caso dos átomos

mais pesados, precisamos de uma massa maior para termos 6,022045 x 1 023 átomos; no caso dos mais leves,

precisamos de menos. Uma mole de átomos de hidro­

génio (o elemento mais leve) tem a massa aproximada de um grama, ao passo que a mesma quantidade de átomos de sódio tem a massa de 23 gramas.

O número de Avogadro foi determinado experimen­

talmente por vários métodos independentes e esteve na origem do Prémio Nobel da Física de 1 926, atribuído

ao francês Jean-Baptiste Perrin. E implica que, a partir de uma diluição homeopática de 12C, ou seja, uma gota de substância activa di luída em 1 024 gotas de água, j á

não há provavelmente nada d a substância original no

preparado. Quando se atingem os 30C, é mais provável

ganhar a lotaria c inco semanas seguidas do que encon­

trar uma única molécula de substância original . Se todo

o espaço do Universo estivesse cheio de água e com

uma única molécula de ingrediente activo, daria uma diluição de 55C. Contudo, são correntemente vendidos remédios homeopáticos a 200C, que curiosamente são

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HISTORIAS DE PSEUDOCit CIA 235

considerados mats « fortes» do que, por exemplo, um

de 20C (na realidade, tanto faz ) .

Desde 20 1 0 que é realizada uma campanha interna­

cional chamada 1 0:23, organizada pela associação sem

fins lucrativos inglesa Merseyside Skeptics Society, em que pessoas de várias cidades do mundo tomam uma

overdose colectiva de remédios homeopáticos às 1 0h23 .

Este número é uma referência ao número de Avogadro.

Como os remédios não são mais do que água e açúcar,

as consequências da overdose são nenhumas. A não ser

talvez o aumento da produção de urina ( por causa da

ingestão de líquidos ) ou a incidência de diabetes tipo 2

(por causa do açúcar dos comprimidos) .

A autobiografia emocionante de uma molécula de água

Contudo, os homeopatas não se dão por vencidos: dizem que a água tem memória e se lembra do poder curativo da substância original . Isto por causa de um

ritual chamado « sucussão» , que consiste em dar dez pancadinhas entre cada diluição num «objecto duro,

porém elástico >> . Hahnemann usou uma tábua de ma­deira revestida com couro e crina de cavalo. Mas um

skate envolto em pastilhas elásticas Gorila acabadas de

mastigar é outra possibilidade mais contemporânea .

Estas dez pancadinhas são dadas hoje em dia nas fábri­cas de comprimidos homeopáticos, por robôs especial­

mente criados para o efeito.

Se a água tem memória, a primeira questão é de que é que ela se lembra. Lembrar-se-á da vista que tinha

numa nuvem e do encontro com uma partícula de poeira

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236 DARWIN AOS TIROS

que a fez chover, da cabeça em que caiu e da respectiva

caspa, de ter escorrido pelo esgoto até ao mar e subido

novamente ao céu puxada por um raio de Sol. Se as dez

pancadinhas entre cada diluição fazem realmente a água

lembrar-se da ú ltima molécula dissolvida, talvez devês­

semos começar a usar o mesmo procedimento para

tratar a falta de memória dos políticos.

Não há nenhuma sustentação científica para um

qualquer tipo de memória da água . No entanto (e os

homeopatas não se esquecem disso) , em 1 98 8 foi publi­

cado um artigo na revista Nature que apoiava a tese de

que a água tem memória, o que, a confirmar-se, seria

uma validação de peso para a homeopatia. O artigo descrevia uma experiência com anticorpos humanos: após uma diluição tão grande que seria praticamente

impossível encontrar uma única molécula de anticorpo,

conseguiu-se ainda assim desencadear uma reacção alérgica . E isto acontecia apenas quando a solução era violentamente agitada durante a diluição. Não é intei­

ramente claro porque é que o editor da Nature, John

Maddox ( 1 925-2009) , decidiu aceitar esse artigo, apesar de aparentemente não existirem fal has metodológicas .

O artigo foi publ icado na companhia de um editorial que aconselhava prudência na aceitação dos resultados

que, a confirmarem-se, violariam várias leis fundamen­

tais da química e da física.

As experiências descritas no artigo foram repetidas por um grupo de especial istas que fizeram testes às cegas. Ou seja, os recipientes foram baralhados e foi­

-lhes atribuído um código, de tal modo que a partir de

certa a ltura os operadores experimentais não sabiam quais eram as soluções que continham anticorpos em quantidades detectáveis, quais eram diluições ou sim-

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HISTÓRIAS DE PSEUDOCI� CIA 237

plesmente água. Não foi encontrado nenhum tipo de

memória da água nestas experiências às cegas e, no mês

seguinte, foi publicado um novo artigo na Nature que

desmentia o artigo inicial, tendo como primeiro autor

o próprio editor da Nature. Claro que continua a ser

muito fácil citar o primeiro artigo, sem referir o desmen­

tido. Os homeopatas retêm uma espécie de memória

desse artigo inicial , antes de ser di luído num mar de

incredibil idade.

O facto é que a água não mantém nenhuma rede

ordenada de moléculas por um tempo superior a uma

fracção de nanossegundo. Um nanossegundo é um mi­

lhão de milhões de vezes mais rápido que um segundo. Mas há quem se sinta melhor depois de tomar os

remédios homeopáticos. O sentimento de melhoras é uma coisa muito subjectiva . Há quem se sinta melhor

depois de beber cinco ou seis cervejas e não é por isso que chamamos a essa prática bejecoterapia. Ou terapia

holística da cevada fermentada. As pessoas sentem-se melhor porque acreditam

que se vão sentir melhor. É o chamado efeito placebo. E, repetimos, o sentimento de melhoras é uma coisa

muito subjectiva. O efeito placebo é realmente uma coisa impressionante.

Dois comprimidos de placebo (sem qualquer princípio

activo) são mais eficazes do que apenas um. E interven­ções de placebo mais dramáticas, como a injecção de

água do mar, são mais eficazes no tratamento da dor do que tratamentos mais moderados. Todos os ensaios cl í­

nicos realizados em condições controladas demonstram

que a homeopatia resulta tão bem como um placebo. Qual é o problema então da homeopatia ? Se tiver

uma dor nas costas, provavelmente um comprimido de

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238 DARWIN AOS TIROS

água e de açúcar vai fazê-lo << sentir-se » melhor. Se não

for imediatamente, pode continuar a tomá-lo << até fazer

efeito )) , Nunca saberá o que aconteceria se não tomasse

nada. Se piorar, << pode ser o corpo a reagin) . Se em vez

de tomar o comprimido, for dar uma volta de bicicleta,

pode acontecer que até se esqueça da dor nas costas,

pelo menos até ter de se levantar na segunda-feira para

ir trabalhar. O problema da homeopatia, para além da

questão de se estar a comprar água e açúcar muito

acima do valor de mercado, é, em caso de um problema

de saúde sério, levar as pessoas a abdicar de tratamen­

tos com efeitos fisiológicos que as poderiam ajudar.

É que nem tudo se resolve com p lacebos. Por absurdo, poderíamos conceber uma pílula ho­

meopática, respeitando todos os princípios da homeopa­

tia . À semelhança de todos os remédios homeopáticos,

a pílula teria como ingrediente activo uma substância que em grandes quantidades provoca os sintomas da

doença ( enjoas e barriga inchada ) , o que neste caso

seriam três l itros de cerveja. A cerveja seria diluída

milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de m ilhões (etc . ) de vezes, dando sempre dez pan­cadinhas entre cada di luição. A pílula homeopática

poderia continuar a ser tomada durante a gravidez e a

a leitação, permitindo ainda a operação de tractores e

máquinas agrícolas. Seria certamente aplaudida pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas.

O génio solitário e a imortalidade na Internet

Se tem o azar de habitualmente ser um destinatário

de mensagens de correio electrónico com dicas práticas

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HISTÓRIAS DE PSEUDOCI� CIA 239

( sobre como aumentar o tamanho do pénis, por exem­

plo) ou sobre curas milagrosas ( que << eles» querem es­

conder) , é possível que já tenha conhecimento da «cura

pela água » : um método de cura para muitas condições

clínicas (dor, úlcera gástrica, SIDA, asma, obesidade,

colesterol elevado, diabetes, hipertensão, défice de aten­

ção, fadiga, depressão, osteoporose, pedras nos rins,

etc . ) , que passa pela simples ingestão de água. Óptima

ideia, é a homeopatia levada ao extremo: porquê fingir

que há uma substância activa diluída, embora analiti­

camente indetectável no remédio homeopático, e não

assumir que é apenas água ?

O método é proposto pelo Dr. B . , nome abreviado e uma opção sensata de marketing para quem se chama F. Batmanghelid j . Pior, só se se chamasse Eyjafjal lajokull

(ou Vulcão E. , na Islândia ) . E o bom Dr. B. dá os seus

bons conselhos no seu sítio: «Você não está doente,

está com sede. Não trate a sede com medicamentos . » E, claro, estão à venda nada menos do que oito livros

que ensinam a beber água.

Mas a parte mais interessante são os « documentos científicos» . São listados 14 « artigos científicos >> , dos

quais apenas dois constam do PubMed, a base de da­dos de literatura médica mundia l , com cerca de 20

milhões de artigos até à data. Esses dois são muito antigos ( 1 98 7 e 1 98 3 ) . Um deles é o resumo de uma

palestra que o Dr. B. deu como convidado na sua pró­

pria fundação e diz respeito à dor. O outro é um edi­

torial sobre o tratamento da ú lcera gástrica . Ambos

têm como base a sua prática clínica numa prisão irani­

ana, onde esteve preso por crimes políticos. Na prática, os dois artigos indexados no PubMed

são dois rel atos da sua experiência como médico

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240 DARWJ AOS TIROS

(e recluso) numa prisão no Irão. Não são artigos de

investigação, com materiais e métodos cuja correcção

possa ser aferida; são mais como « dois artigos de opi­

nião sobre assuntos médicos» .

Os restantes 1 2 artigos são publicados num jornal

que não consta do PubMed, chamado Science ln Medicine Simplified, sendo a instituição a que está asso­

ciado o Dr. B. a Foundation for the Simple in Medicine.

Ou seja : o Dr. B . tem uma fundação e uma revista com

o mesmo nome, onde publica os seus artigos << científi­

cos» , porque estes não são aceites em nenhum sítio

sério. Por um sítio sério, entende-se uma publicação

que submeta os artigos à « revisão pelos pares» , ou sej a,

um editor envia o artigo submetido a dois ou três cien­tistas da mesma área de investigação, que verificam se

o trabalho não tem erros metodológicos, se as conclu­sões não são abusivas, etc. Nenhum dos 1 4 artigos apresentados passou por este processo.

O Dr. B . morreu em 2004, com 73 anos. No entanto,

está imortal izado nas mensagens de correio electrónico reenviadas, sem data, provavelmente escritas antes de 2004 e que continuam a circular como se ele estivesse

vivo. Continua a existir uma profusão de sítios na Inter­

net com informações e vendas relacionadas com a cura

pela água. Não apenas pelos seus l ivros, mas também pelos produtos relacionados e derivados, o Dr. B. tor­

nou-se um guru inspirador (um misto de Che Guevara

e Dr. Phi l ) e a « cura pela água » , parte de uma cultura

alternativa naturalista antifarmacologia. O Dr. Batmanghelidj encaixa no padrão do «génio

solitário» . Tipicamente, este é a lguém que até pode ter uma formação científica e que testemunha um aconte­cimento invulgar. Tal acontecimento não é um ensaio

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HISTÓRIAS DE PSEUDOCitNCIA 241

clínico em condições controladas, mas uma experiência

muito intensa que o próprio tende a valorizar e consi­

derar como verdadeira . No caso do Dr. B., essa expe­

riência aconteceu numa prisão iraniana, e é descrita em

inúmeros locais da Internet:

Como o Dr. B. descreve, uma noite, estava a tratar um

companheiro de prisão que tinha uma úlcera péptica que

lhe causava dores agudas. Sem medicamentos disponíveis,

o Dr. B. deu-lhe dois copos de água. As dores desapare­

ceram em oito minutos. O Dr. B. disse-lhe para beber dois

copos de água a cada três horas. O seu companheiro não

teve mais dores durante os restantes quatro meses na prisão.

O Dr. B. foi formado no Reino Unido e trabalhou no Hospital de St. Mary, em Londres, onde terá encontrado

o médico britânico Alexander Fleming ( 1 8 8 1 - 1 955 ) , um dos galardoados com o Prémio Nobel da Medicina pela

descoberta da penicilina e o seu efeito curativo em várias doenças infecciosas. Não é difíci l imaginar a experiência

intensa que terá sido a sua passagem pela prisão (como prisioneiro político) e de quão marcante terá sido não dispor de medicamentos para auxil iar um companheiro com dores agudas. Podemos ainda especular que a sim­ples presença médica do Dr. B . pode ter tido um efeito

positivo nas dores do prisioneiro. O efeito placebo não

tem apenas a ver com a toma de um comprimido, é tam­

bém resultado do ritual que é uma intervenção médica .

Também pode ter acontecido que as melhoras tenham ocorrido por outro motivo qualquer. O facto é que o

Dr. B. atribuiu as melhoras à ingestão de água, sem consi­derar todas as restantes explicações possíveis nem testar

a sua hipótese num ensaio em condições controladas.

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242 DARWI AOS TIROS

Tipicamente, o «génio solitário» continua a tratar mui­

tos pacientes da mesma forma. Descarta todos os resul­

tados negativos e sobrevaloriza todas as aparentes con­

firmações. Vê nos pacientes agradecidos uma espécie

de confirmação viciada. Pode estender o tratamento a

pacientes com outros diagnósticos e mesmo afirmar que

encontrou uma causa comum para todas as doenças.

Usa a sua formação científica de base para fazer uma

especulação imaginativa, recorrendo à gíria científica que

conhece, para especular sobre um possível mecanismo

para o tratamento funcionar. Quando a comunidade

científica recusa aceitar as suas teorias sem qualquer

sustentação ou a sua experiência pessoal como um ensaio clínico válido, nasce o «génio solitário» . A partir

de então, acusa os cientistas de interesses obscuros e de não quererem que o seu conhecimento e tratamentos

cheguem às pessoas. Compara-se a um perseguido pela Inquisição, e a sua teoria, ao hel iocentrismo. Vê-se obri­

gado a escrever l ivros para que a sua mensagem passe.

Esta é a história do Dr. B., mas é igual a muitos outros casos. Alguns deles, bastante dramáticos e sem

piada nenhuma. Como regra de polegar, sempre que alguém lhe disser que a vitamina C pode substituir a

quimioterapia, desconfie. D ito isto: claro que, se as pessoas não beberem água, morrem e a hidratação é

importante para a saúde. Mas isto é senso comum.

Não deixe que lho vendam !

Lavar a roupa limpa com cerâmicas Kung Fu

Se é um amigo do ambiente e abomina o pensamento racional, certamente já ouviu falar das ecobolas, peque-

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HISTÓRIAS DE PSEUDOCIJONCIA 243

nos esféricos coloridos que permitem lavar a roupa,

desde que esta não esteja realmente suja . As ecobolas

são apresentadas como « um produto que substitui o

detergente nas lavagens da máquina de roupa » e fa­zem-no nada menos do que mil vezes (mil lavagens ) .

Estão à venda e m vários sítios d a Internet ( que não

vamos aqui publicitar, mas que o leitor encontrará fa­

cilmente se tiver o masoquismo suficiente) e também

nalgumas lojas com existência física (onde poderá a ti­

rar com a sua roupa interior suja para cima do balcão,

como anexo da reclamação) .

Tal como muitas outras coisas, o segredo das eco­

bolas são três componentes, neste caso cerâmicas natu­rais. Há qualquer coisa com o número três: se fossem duas cerâmicas naturais provavelmente soava a pouco, quatro já pareceria demasiado complicado. Assim, abun­dam os « três tipos de microfibras» , os « três compo­nentes moleculares» ou as « três partículas subatómicas

essenCLa ts >> .

E como é que as ecobolas funcionam ? De tantas maneiras, que é difíci l escolher. Mas, pesquisando na nossa fonte privilegiada de conhecimento das bolas, ou

seJ a nos sítios dos seus vendedores na Internet:

As bolas criam uma onda energética que quebra as

combinações do hidrogénio da água (a água é formada

por dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio). Esta

onda força os átomos de hidrogénio que se soltam da

molécula da água a estarem activos, aumentando, assim,

o movimento molecular.

O leitor deve sempre desconfiar quando lhe falam de ondas energéticas. Pergunte qual é o comprimento

Page 246: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

244 DARWIN AOS TIROS

ou a frequência dessa onda, para ver se lhe falam em

chacras ou energias (no plural ) . Mas há uma afirmação

que se destaca: as ecobolas « soltam» os átomos de

hidrogénio da molécula de água. A hidrólise da água na

máquina de lavar. A separação da molécula da água

nos seus componentes elementares, oxigénio e h idrogé­

nio. Isto não é assim tão fácil (necessita de muita ener­

gia, no singular) e, a ter sucesso, resultaria numa mistura

altamente explosiva na máquina de lavar, de hidrogénio

(combustível dos foguetões) e oxigénio. Se resultasse, não

seria de facto estranho que aumentasse «O movimento

molecular» , mesmo para lá dos l imites da máquina de

lavar. E rebentaria, literalmente, com a suj idade. Ultra­passados alguns pormenores técnicos, poderíamos resol­ver os problemas energéticos da humanidade, gerando

energia (hidrogénio) de uma forma limpa e ainda lavando a roupa suja . Não nos esqueçamos de que cada eco­bola faz isto mi l vezes (mi l lavagens ) e que funciona mesmo lavando à mão (há um vídeo muito bonito de

uma ecobola a ser colocada num balde cheio de roupa

com cocó de bebé que, passadas algumas horas, está l impa e perfumada ) .

Noutros locais d a Internet, a expl icação para a acção da ecobola é ligeiramente diferente:

Emitem raios infravermelhos naturais, que alteram as

combinações moleculares naturais de hidrogénio na água,

dando-lhes maior poder natural de lavagem.

Tudo muito natural, apesar do aspecto algo extra­

terrestre da ecobola. Mas esta é uma explicação mais razoável, uma vez que aqui podemos presumir que são quebradas, não as ligações covalentes entre o oxigénio

Page 247: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

HISTÓRIAS DE PSEUDOCit CIA 245

e o hidrogénio da molécula de água ( intramoleculares ) ,

mas as chamadas pontes de hidrogénio. A molécula de

água (espero que nenhum fabricante de ecobolas roube

este parágrafo para promover os seus produtos) tem

um átomo de oxigénio, com uma grande capacidade de

puxar os electrões todos da molécula para si, ficando

essa parte da molécula com uma carga l igeiramente

negativa. O h idrogénio, assaltado no seu único elec­

trãozinho, que mal vê, fica com uma carga ligeiramente

positiva. Como os opostos se atraem, as moléculas de

água têm tendência a formar uma rede de interac­

ções entre moléculas ( intermoleculares), de modo a mini­

mizar a grande assimetria de carga interna de cada molécula de água. Na prática, cada h idrogénio desfal­

cado em electrões vai procurar encostar-se a um oxi­

génio rico em electrões ( bom partido ! ) de outra molé­

cula de água. Estas interacções chamam-se pontes de hidrogénio. É também este tipo de l igações que l iga as duas cadeias do ADN, que tem uma estrutura em dupla

hélice.

A radiação infravermelha aquece a água e pode sem dúvida quebrar pontes de hidrogénio. Em última aná­lise, pode quebrar tantas que as moléculas de água dei­

xam de estar associadas entre si e passam ao estado

gasoso. É o que acontece quando se deixa água ao Sol : esta é bombardeada (entre outras coisas) com uma boa

dose de radiação infravermelha e evapora.

A ecobola pode emitir raios infravermelhos ? A res­

posta é sim. Todos os materiais emitem raios infra­

vermelhos. É assim que funcionam as câmaras de visão nocturna. Como a radiação emitida aumenta com a temperatura, uma boa prática será aq uecer a sua ecobola

j unto ao corpo antes de cada utilização para maximizar

Page 248: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

246 DARWIN AOS TIROS

o efeito. No caso de nódoas difíceis, talvez o melhor seja

também abraçar a roupa suja durante tempo suficiente.

Poderíamos continuar a passear pelo j argão pseudo­

científico das ecobolas, que é vasto e variado, mas o

leitor j á deverá ter apanhado a ideia . Segundo a opinião

da Associação Portuguesa para a Defesa dos Consumi­

dores ( DECO), a lavagem com ecobolas funciona tão

bem como a lavagem sem detergente (o que já não é

mau, pelo menos não sujam a roupa) . Na verdade, os

vendedores de ecobolas também não confiam muito na

eficácia das ecobolas, pois recomendam, para « uma

melhor lavagem )) ' que se adicionem 30 por cento a 5 0

por cento d a << quantidade habituah d e detergente em cada lavagem. Provavelmente este até é um bom con­

selho, uma vez que os fabricantes de detergente quere­

rão fazer tudo para nos convencer de que precisamos de usar o máximo de detergente possível .

Os vendedores das ecobolas, apesar de todo o espalha­

fato de ficção científica, não apresentam referências para

artigos científicos que sustenham a eficácia das ecobolas

e das cerâmicas Kung Fu que elas contêm. As referências que apresentam são de reportagens na televisão. Em Por­

tugal, passou uma reportagem de um minuto na RTP,

muito favorável às ecobolas. A BBC também fez uma,

baseando as suas conclusões na experiência de uma

única dona de casa (chamada Bee) . Evidentemente, não fez uma experiência com um controlo negativo ( lavar

um conjunto de roupa equivalente só com água, por

exemplo), nem seguiu qualquer rigor metodológico. Mas

o que importa ? Se dizem na televisão, é porque é ver­

dade ! Uma dica para o leitor detectar reportagens sobre charlatanices na televisão: muitas começam por « há

cada vez mais pessoas que usam . . . )) .

Page 249: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

No tas e referências

O PO WERPOINT SETECENTISTA E OUTRAS HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA

O PowerPoint setecentista

No ano de 2007 a Biblioteca Geral da Universidade de

Coimbra, em colaboração com o Museu Nacional de Machado

de Castro, em Coimbra, realizou na Sala de São Pedro uma

exposição, comissariada pela matemática Carlota Simões,

intitulada Azulejos Que Ensinam, sobre os azulej os portugue­

ses que exibem figuras dos Elementos de Euclides. Na altura,

foi publ icado um minicatálogo com coordenação científica e

bibliográfica do matemático António Leal Duarte intitulado

Azulejos Que Ensinam, Museu Nacional de Machado de Cas­

tro e Universidade de Coimbra. Foi também publicado um

conj unto de postais i lustrados com a reprodução de alguns

azulejos.

Na exposição, constou o l ivro de André Tacquet: Ele­

menta geometriae planae ac solidae. Quibus accedunt selecta ex Archimede theoremata/Auctore Andrea Tacquet . . . Editio tertia correctior. Antuerpiae: apud lacobum Meursium, 1 672.

Page 250: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

248 DARWI AOS TIROS

A edição de Euclides referida no texto que contém uma

ilustração sobre náufragos é : Euclidis Quae supersunt omnia . . . Oxoniae: Theatrum Sheldonianum, 1 70 3 . Encontra-se na

referida Sala de São Pedro e pode ser v ista no Google Books:

http://books.google.com/books?id=mJNBAAAAcAA J &printsec=fron tcover&source=gbs_ge_summary _

r&cad=O#v=onepage&q &f=false

Na legenda em latim está a inscrição: «Bene speremus,

hominum enim vestigia vide o. » A figura refere-se a uma ane­

dota contada por Vitrúvio, nos seus Dez Livros de Arquitec­

tura, segundo a qual o filósofo Aristipo, discípulo de Sócrates,

naufraga na i lha de Rodes, no mar Egeu, encontrando os

vestígios geométricos da presença do homem.

Uma edição moderna dos Elementos de Euclides é Thomas

Heath (editor) ( 1 95 6 ) [original de 1 90 8 ] , The Thirteen Books

of Euclid's Elements, Dover. Uma das edições internacionais

graficamente mais interessantes (com figuras a cores) é do

século XIX e tem reedição recente: Oliver Byrne, Six Books of

Euclid, Taschen, 2 0 1 0 . Quem quiser saber mais sobre azulejaria portuguesa, veja :

José Meco, O Azulejo em Portugal, Lisboa, Publicações Alfa,

1 993 , e Maria Alexandra Trindade Gago da Câmara, Azule­

jaria do Século XVIII, Civilização, 2007.

Homens nus por todo o lado

Há muitas obras sobre Leonardo Da Vinci. Um dos maio­

res especialistas actuais é o h istoriador de arte inglês Martin

Kemp, autor de Leonardo Da Vinci, Vida e Obra, Presença,

2005. Uma biografia de Leonardo em português é Michael

White, Leonardo, O Primeiro Cientista, Europa-América,

2003. O livro de Vitrúvio referido no texto é Tratado de

Arquitectura de Vitrúvio, IST Press, 2006. Sobre a razão dou­

rada, ver Carlos Pereira dos Santos, Nuno Crato e Luís Tirapi-

Page 251: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E REFERJõNCIAS 249

cos, A Espiral Dourada. Coelhos de Fibonacci, Pentagramas,

Cifras e Outros Mistérios Matemáticos d'O Código Da Vinci,

Gradiva, 2006, e Priya Hemenway, O Código Secreto, Ever­

green, 2 0 1 0 .

A obra d e ficção científica referida de Carl Sagan é

Contacto, Gradiva, 1 997. O filme baseado nessa obra é

Contacto, 1 997, do real izador Robert Zemecki, tendo como

actriz principal Jodie Foster no papel da doutora Eleanor

Ann « Ell ie>> Arroway.

Mozart, a matemática e a lotaria

O controverso <<efeito Mozart» está discutido, por exem­

plo, em Don Campbell, O Efeito Mozart, Estrela Polar, 2006.

Para algo mais sério sobre Mozart e as neurociências, ver o

l ivro de Bernard Lechevalier, O Cérebro de Mozart, Instituto

Piaget, 2008 . Biografias de Mozart em português são, por

exemplo, Nicholas Kenyon, Mozart. Vida, Temas e Obras,

Edições 70, 2008 , e Jeremy Siepmann, Mozart. Vida e Obra,

Bizâncio, 2006 ( este contém um CD).

Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown

Os referidos best-sellers de Dan Brown estão nas traduções

portuguesas: Anjos e Demónios, Bertrand, 2005, O Código

Da Vinci, Bertrand, 2004, e O Símbolo Perdido, Bertrand,

2 0 1 0 . Há edição especial i lustrada do último. Dois deles j á

foram adaptados a o cinema com o s títulos O Código Da

Vinci, de 2006, real izado por Ron Howard, com Tom Hanks

como o professor de Simbologia da Universidade de Harvard

Robert Langdon, e Anjos e Demónios, de 2009, do mesmo

realizador e com o mesmo actor principal . Parte das filma­

gens deste último foram feitas no CERN, na Suíça. O Vati­

cano, que não permitiu filmagens na Basílica de São Pedro, teve uma reacção desfavorável ao filme.

Page 252: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

250 DARWIN AOS TIROS

Um livro, com conteúdos por vezes altamente discutíveis,

sobre o esoterismo na cidade de Lisboa é o de Vítor Manuel

Adrião, Lisboa Insólita e Secreta, Jonglez, 20 1 0. Ver, também

sobre estes assuntos, Paulo Pereira, Lugares Mágicos de Portu­

gal. Idades do Ouro, Temas e Debates e Círculo de Leitores,

2009. Uma história da maçonaria em Portugal foi escrita pelo

h istoriador maçam António de Oliveira Marques: História da

Maçonaria em Portugal, vol. I, Das Origens ao Triunfo, Presença,

1 990; vol. II, Política e Maçonaria 1 820-1 869 ( 1 .• parte), 1 996;

vol. III, Política e Maçonaria 1 820- 1 869 (2.' parte ) , 1 997.

O escaravelho matemático

Os livros de Benoit Mandelbrot em português são Objectos

Fractais. Panorama da Linguagem Fractal, Gradiva, 1 99 8 ,

e , e m parceria com Richard Hudson, O (Mau) Comporta­

mento dos Mercados. Uma visão fractal do risco, da ruína e

do rendimento, Gradiva, 2006. A tradução do primeiro

ganhou uma menção honrosa no Prémio de Tradução Cien­

tífica da União Latina/Junta Nacional de Investigação Cientí­

fica. Na quarta edição francesa de Les Objects Fractales,

Flammarion, 1 995, o autor escreveu:

Le Professeur Carlos Fiolhais, que l'éditeur Gradiva de Lis­

bonne a chargé de la traduction portugaise de ce livre, m'a livré

une nouvelle collection de menues «bavures» à corriger, ce dont

je /e remercie vivement.

O artigo original referido é Benoit Mandelbrot, 1 967,

<< How Long Is the Coast of Brita in? Statistical Self-Similarity

and Fractional Dimension >> , Science, vol. 1 56, n.0 3 775. ( May

5, 1 967), pp. 6 36-63 8 . O l ivro clássico e bem i lustrado sobre

fractais é Benoit Mandelbrot, The Fractal Geometry of Nature,

Freeman, 1 977. Quem quiser aprender a traçar o conjunto de Mandelbrot, poderá consultar: A. K. Dewdney, A Máquina

Mágica. Um manual de magia computacional, Gradiva, 1 994

Page 253: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTA S E REFER� CIAS 251

(contém uma disquete, embora hoje seja difícil encontrar um

leitor para ela) .

O poema de Alvaro de Campos está, por exemplo, em

Poemas de Alvaro de Campos, de Fernando Pessoa (edição

crítica de Cleonice Berardinelli), Imprensa Nacional - Casa

da Moeda, 1 990, ou em Poesia. Alvaro de Campos (edição de

Teresa Rita Lopes), Assírio & Alvim, 2002.

PROCURAM-SE NÓNIOS DE NUNES E OUTRAS HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA

Procuram-se nónios de Nunes

As obras completas de Pedro Nunes estão a ser publicadas pela Academia das Ciências de Lisboa em conjunto com a

Fundação Gulbenkian. O volume mencionado é: Obras de Pedro Nunes II: De Crepusculi (prefácio de José V. de Pina Martins),

Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. O segundo volume tinha

saído em 1 943, no quadro das Obras de Pedro Nunes, em

quatro volumes, Academia das Ciências de Lisboa, 1 940- 1 960.

O grande especialista em Pedro Nunes é Henrique Leitão,

membro da comissão científica que produziu as referidas

Obras e autor dos seguintes livros sobre o grande matemático:

- Luís Trabucho de Campos, Henrique Leitão e João

Filipe Queiró (editores), lnternational Conference: Petri Nonii Salaciensis Opera, Lisbon-Coimbra, 24-25 May 2002. Proceedings, Faculdade de Ciências da Universi­

dade de Lisboa, 2003 .

- Pedro Nunes, 1502-1578: Novas terras, novos mares e o que mays he: novo ceo e novas estrellas. Catálogo bibliográfico sobre Pedro Nunes. Comissário cientí­

fico: Henrique Leitão; coordenação técnica: Lígia de Azevedo Martins, Biblioteca Nacional, 2002.

Page 254: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

252 DARWIN AOS TIROS

Leitão é ainda autor da biografia juvenil Chamo-me Pedro Nunes, saída na Didáctica Editora, em 20 1 0, com ilustrações

de Jorge Miguel. O catálogo da Biblioteca Nacional de Portu­

gal referido no texto é Estrelas de papel: livros de astronomia dos séculos XIV a XVIII, cujo comissário científico mais uma

vez foi Henrique Leitão (com colaboração de Halima Nai­

mova; introdução de Jorge Couto; estudos de Henrique Lei­

tão, Luís Tirapicos, Cândido Marciano da Silva; Biblioteca

Nacional de Portugal, 2009).

A história do achamento do nónio de Nunes está contada

em: António Estácio dos Reis, << O Nónio de Pedro Nunes>>,

saído na revista Oceanos, publicada pela Comissão Nacional

para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,

n.0 38, Abril/Junho de 1999, com o título << Navios e nave­

gações - Portugal e o Mar>> . Pode ler-se versão online em:

h ttp :/leve. insti tu to-eamoes. ptleieneia/e2 O e. h tml

Um buraco de onze dias

Sobre o calendário, ver Mapping Time: The Calendar and Its History, de E. G. Richards, Oxford University Press, 2000.

Uma colecção de factos curiosos encontra-se em Raul Lopes

Rodrigues, Curiosidades Acerca do Calendário, APPACDM de

Braga, 2000. Uma história juvenil sobre o buraco temporal é da

autoria do físico israelita Abner Shimony: Tibaldo e o Buraco no Calendário. História de Tibaldo, nascido em 1582, ano em que Gregório X III mudou o calendário, Replicação, 200 1 .

O intrépido capitão Lunardi e os Lulanos

A obra contística completa de Edgar Allan Poe está publi­

cada pela Quetzal, Todos os Contos de Edgar Allan Poe (com ilustrações de Joan-Pere Viladecans), 2010. O referido conto

encontra-se isolado em Edgar Allan Poe, Um Homem na Lua, Calçada das Letras, 2009.

Page 255: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E REFE R � C!AS 253

O poema de Bocage só se encontra em boas bibliotecas:

Elogio poético à admirável intrepidez, com que em domingo 24 de Agosto de 1794 subiu o capitão Lunardi no balão aerostático, Lisboa, 1794.

A obra de Rodrigues da Costa saiu em O balão aos habi­tantes da Lua: uma epopeia portuguesa, 2006, Faculdade de

Letras da Universidade do Porto, uma edição de apenas cem

exemplares com introdução de Maria Luísa Maiato Borralho;

tinha saído, em 1978, nas Edições 70, uma edição com pre­

fácio do poeta Alberto Pimenta, mas esgotou. Está online em

http://ler.letras. up. pt/u ploadslficheiros/artigo 1 0621. pdf

Também está online no Google Books a edição original

http://books.google.com/books?id=OkoTAQAAMAAJ &printsec=frontcover&source=gbs_ge_summary _

r&cad=O#v=onepage&q&f=false

Einstein eclipsa Newton

Uma excelente biografia de Einstein é a de Abraham Pais,

Subtil É o Senhor, Vida e Pensamento de Alberto Einstein, Gradiva, 1999. Sobre a recepção de Einstein em Portugal, ver

Carlos Fiolhais (coordenação) , Einstein entre Nós- A Recep­ção de Einstein em Portugal de 1905 a 1955, Imprensa da

Universidade de Coimbra, 2005, catálogo de uma exposição

sobre a recepção de Einstein em Portugal realizado nesse mesmo ano, Ano Internacional da Física. Para uma apresen­

tação mais popular, ver o livro de Carlos Fiolhais, Nova Física Divertida, Gradiva, 2007.

Da órbita de Clarke ao elevador espacial

O artigo da Wireless World em referência completa <<Ex­

tra-Terrestrial Relays Can Rocket Stations Give Worldwide

Page 256: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

254 DARWIN AOS TIROS

Radio Coverage?>>, Wireless World, Outubro de 1945,

pp. 305-308. Está na Internet em:

http://lakdi va.org!clarke/1945 ww/194 5 ww _305. j pg

V ários livros de Arthur C. Clarke estão traduzidos em por­

tuguês, por exemplo, 2001 - Odisseia no Espaço, Europa­

América, 2008, de que há três sequelas (200 1 -Segunda Odisseia, 2061- Terceira Odisseia e 3001- Odisseia Final ), e Fontes do Paraíso, Edições 70, 1990. O filme 2001 - Odis­seia no Espaço, do realizador Stanley Kubrick, estreou em 1968.

Sobre o elevador espacial, uma vez que pode haver desen­

volvimentos, a Wikipédia é um recurso útil:

http://en. wiki pedia .org!wiki/Space_eleva to r

O pai incógnito do Sputnik

A história da corrida espacial está, em boa parte pelo

menos, exposta no livro do jornalista de ciência norte-ame­ricano John Noble Wilford: Chegámos à Lua!, Livros do Bra­

sil, sem data (o original é de 1969, contemporâneo da Apollo 11 ) . A tradução é do grande divulgador de ciência Eurico da

Fonseca.

Sobre Sergei Korolev, mais uma vez, a Wikipédia é útil:

h ttp :/I en. wiki pedia. org/wi ki/Sergei_Koro I e v

Porque está lá!

A história da <<conquista do Evereste>> está contada no

livro precisamente com esse título de Eric Shipton, com tra­

dução do escritor Alexandre Pinheiro Torres, Civilização, 1959

(há edições posteriores) Quem quiser conhecer a história da ascensão a essa montanha pelo maior montanhista portu­guês de sempre, e também o primeiro e único a atingir o cume, leia João Garcia, A Mais Alta Solidão, Dom Quixote,

Page 257: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E R EF ER � CIAS 255

2002. A descoberta do corpo de George Mallory em 1999 no

Evereste está descrita no livro The Lost Explorer: Finding Mallory On Mount Everest, Simon and Schuster Touchstone,

1999, cujos autores são Conrad Anker e David Roberts.

O primeiro é o alpinista que encontrou o corpo e faz um

empolgante relato da expedição de 1999. O segundo conta a

história de George Mallory e da expedição de 1924 em que

ele desapareceu, em capítulos intercalados com os de 1999.

Sobre a corrida à Lua, ver, além do livro de John Noble

Wilford já citado, A Conquista da Lua - 1969. A Viagem da Apollo 11, de Peter Ryan, Europa-América, 1969. Uma obra

premonitória muito interessante é Os Primeiros Homens na Lua, do engenheiro espacial Wernher von Braun, Bertrand,

sem data, mas provavelmente de 1 96 3 .

Viagem planetária com dormida na heliosfera

Sobre as sondas Voyager, a melhor referência encontra-se no sítio oficial da NASA:

http://voyager.jpl.nasa.gov/

De Carl Sagan, a obra maior é Cosmos, Gradiva, 2009,

edição na colecção << Obras de Carl Sagan » (há uma edição

ilustrada, de 2001, mais rica que a edição sem imagens saída

originalmente em Portugal, também na Gradiva, em 1981).

A sua biografia está contada no livro da Bizâncio Carl Sagan: Uma Vida, de Keay Davidson, 2000, esgotado.

Galileo no vidro da frente com uma ventosa

Sobre o GPS e sobre o projecto Galileo, uma boa fonte é

a Wikipédia, até porque contém permanentes actualizações:

h ttp://en. wiki pedia.org/wiki/Gio bai_Position i ng_System http://en.wikipedia.org/wiki/Galileo_ %28satellite_navigation%29

Page 258: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

256 DARW I AOS TIROS

Bactérias extraterrestres? Outra vez?

O artigo de Richard Hoover intitula-se < <Meteors & Micro­

fossils >> e encontra-se no ]ournal of Cosmology, vol. 13,

pp. 381 1-3848. Está disponível na Internet em:

http://journalofcosmology.com/LifelOO.html

juntamente com muitos comentários. A discussão que houve

antes sobre bactérias marcianas encontra-se, por exemplo,

em:

http://en.wikipedia.org/wiki/Allan_Hills_84001

Uma referência em português sobre astrobiologia é Her­

nâni Maia e Ilda Dias, Origem da Vida, Escolar Editora,

2008. Sobre a ideia de panspermia, ver Fred Hoyle e Chandra

Wickramasinghe, A Força de Vida Cósmica. O Poder da Vida no Universo, Europa-América, 1991.

Alô, Marte, está aí alguém?

Sobre a sonda Fénix, ver o respectivo sítio da responsabi­

lidade da NASA:

http://en.wikipedia.org/wiki/Phoenix_ %28spacecraft%29

Quem gostar de saber mais sobre Marte, leia: William

Sheehan, Planeta Marte. Uma História de Obsessão e Desco­

berta, Inquérito, 1997. Sobre a futura missão humana a esse

planeta, leia: Robert Zubrin com Richard Wagner, The Case for Mars. The plan to settle the red planet and why we must, Simon and Schuster, 1996, com prefácio de Arthur C. Clarke. Boa ficção científica sobre Marte é Ray Bradbury, Crónicas Marcianas, Europa-América, 2002.

Page 259: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E REFERt CIAS 257

O eixo do mal na abóbada celeste

João Magueijo é o autor dos livros Mais Rápido Que a Luz. Biografia de uma especulação científica, Gradiva, 2003

e O Grande Inquisidor, Gradiva, 201 1. O artigo original

sobre o eixo do mal é de Kate Land e João Magueijo: < <The

axis of evih > , 2005, Physical Review Letters, 95 (2005)

07 130 1, arquivado online em:

http:/larXiv:astro-ph/050223 7v2

Multiverso, Alices e coelhos brancos

Uma obra actualizada sobre a ideia de multiversos é: Brian

Greene, The Hidden Reality. Parallel Universes and the Deep

Laws o( the Cosmos, Allen Lane, 201 1. O livro onde aparece a

história dos coelhos brancos é de Lewis Carroll: Aventuras de Alice no País das Maravilhas, Presença, 2010 (há várias outras

edições). Das edições internacionais recomenda-se a que é

acompanhada por notas de Martin Gardner, o grande divulgador

da matemática falecido em 2000: The Annotated Alice, The Definitive Edition, W. W. Norton, 2002 (há tradução brasileira).

UM PALIMPSESTO PARA LER NO BA HO E OUTRAS HISTORIAS DE FÍSICA

Um palimpsesto para ler no banho

O livro em causa é O Codex Arquimedes, Edições 70,

2007, da autoria de Reviel Netz e William Noel. Para saber

mais sobre Arquimedes e a impulsão, ver Carlos Fiolhais,

Física Divertida, Gradiva, 1991.

Atraso judicial no Vaticano

A vida e a obra de Galileu estão contadas no livro Galileu,

do historiador de ciência Stillman Drake, Dom Quixote, 1983. A tradução portuguesa do Mensageiro das Estrelas é o

Page 260: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

258 DARWI AOS TIROS

livro: Galileu Galilei. Sidereus Nuncius. O Mensageiro das Estrelas, com tradução, estudo e notas por Henrique Leitão,

Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. Sobre Clavius, ver

James M. Lattis, Between Copernicus and Galileo. Christoph Clavius and the Collapse of the Ptolemaic Cosmology, The

University of Chicago Press, 1994. Para uma descrição por­

tuguesa resumida, ver Carlos Fiolhais e Décio Martins, Breve História da Ciência em Portugal, Gradiva e I mprensa da Uni­

versidade de Coimbra, 2010. O filme referido é Um Quarto com Vista sobre a Cidade, realizado por James Ivory, 1985,

com Helena Banham Carter.

Deus e os gigantes da ciência

As relações entre ciência e religião têm dado pano para

muitas mangas. Em 2010, Carlos Fiolhais participou numa

conferência na Universidade do Porto com o bispo daquela

cidade, D. Manuel Clemente. As duas intervenções encon­

tram-se respectivamente em:

http://dererumm u ndi. blogspot.com/201 0/02/ciencia -e­religiao.html

http://www.agencia .ecclesia. pt/cgi -bin/noticia. pi? id= 7 5 446

Sobre a vida de Galileu, além do livro de Drake já citado,

ver Michael White, Galileu. O Anticristo. A Biografia, Euro­

pa-América, 2008. Uma biografia recente de Newton é de James Gleick: Isaac Newton, Casa das Letras, 2011. Uma

tradução de grandes textos históricos daqueles gigantes é:

Stephen Hawking (introdução e notas), Aos Ombros de Gi­gantes, Texto Editores, 2010 (tradução em português euro­

peu coordenada por Carlos Fiolhais).

O padre voador

Bartolomeu de Gusmão está exaustivamente tratado no

belo livro, publicado no Brasil, Bartolomeu Lourenço de

Page 261: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTA S E REFER!õ C!AS 259

Gusmão. O Padre Inventor, Brasiliana da Biblioteca Joanina

da Universidade de Coimbra, vol. I, Universidade do Estado

do Rio de Janeiro e Andrea Jakobsson Estúdio, 20 1 1 . A obra

contém a transcrição dos manuscritos relativos à Passarola, incluindo:

- Petição de Bartolomeu Lourenço para lhe ser concedido o privilégio de só ele poder fabricar instrumentos para voar [manuscrito], Biblioteca Geral da Universidade de

Coimbra, Ms. 677, f. 4 1 0-4 1 0v [inícios de 1709].

- Manifesto Sumário para os que ignoram poder-se navegar pelo elemento Ar [manuscrito], Biblioteca Geral

da Universidade de Coimbra, Ms. 342, 1 709, f. 234-

-24 1 .

Ver, também sobre Gusmão, Henrique Mateus, Portugal na Aventura de Voar, vol. 1 ; De Bartolomeu de Gusmão ao Ocaso dos Balões Esféricos (1709-1915), Público, 2009, e

Rómulo de Carvalho, História dos Balões, Atlântida, 3 ." edi­

ção, 1 9 76; nova edição, Relógio d'Água, 1 99 1 .

A ilustre família Magalhães

A família Magalhães está tratada no livro de Manuel Villas­

-Boas, Os Magalhães. Sete Séculos de Aventura, Estampa,

1998. Uma obra sobre o lado português de Fernão de Maga­

lhães é A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses, de José Manuel Garcia, Presença, 2007. Sobre Gabriel Maga­

lhães, ver Irene Pih, Le Pere Gabriel de Magalhaes. Un jesuite portugais en Chine au X V II. • siecle, Fundação Calouste

Gulbenkian- Centro Cultural Português, Paris, 1 979. Final­

mente, sobre João Jacinto de Magalhães, uma obra de refe­

rência é a tese de doutoramento de Isabel Malaquias, A Obra

de João Jacinto de Magalhães no Contexto da Ciência do Século X V III, Universidade de Aveiro, 1 994.

Page 262: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

260 DARWIN AO TIROS

Engenheiro morre no cárcere após suicídio falhado

Os membros portugueses da Royal Society, sobre os quais

teve lugar uma exposição na Biblioteca Joanina da Universi­

dade de Coimbra em 2 0 1 0, são o objecto do livro: Carlos

Fiolhais (coordenação e textos introdutórios) , Membros Por­tugueses da Royal Society. Portuguese Fellows of the Royal Society, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 2011.

Ver também o sítio associado à exposição:

http:/ /www. portugueses-rsl.com/

A saga do V asa: demasiado bonito para flutuar

O sítio do Museu Vasa na Internet é

http://vasamuseet.se/en/

Uma obra de referência sobre a história do navio Vasa e

a sua recuperação é Vasa I: The Archaeology of a Swedish Royal Ship of 1628, Statens Marítima Museer, 2006. O livro

da escritora Cristina Carvalho O Gato de Uppsala, Sextante, 2009, conta uma história que tem a ver com o navio.

Cientistas incendiários

A história de Voltaire e de Madame de Châtelet está nar­

rada no livro de David Bodanis, Passionate Minds, Crown,

2006. O livro de Faraday que é um clássico da divulgação da

química é História Química de Uma Vela {tradução de Maria

Isabel Prata e Sérgio Rodrigues), Imprensa da Universidade

de Coimbra, 2011. Sobre modelos computacionais que servem

para descrever fogos e não só, ver Heinz Otto Peitgen, Hart­

mut Juergens e Dietmar Saupe, Fractals for the Classroom, part 1. Tntroduction to Fractals and Chaos, Springer, 1992. Sobre Francis Bacon, ver Carlos Fiolhais, «Saber e Poder ou a Modernidade em Sir Francis Bacon >> , in As Ciências. Balan-

Page 263: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E REFE R � CIAS 261

ços e Perspectivas, Actas dos 3.05 Cursos Internacionais de Verão de Cascais -1996, Câmara Municipal de Cascais,

1997, pp. 155-174.

As cores do embaixador Sampayo

As obras de Diogo de Carvalho Sampayo têm referências

completas:

- Tratado das cores: analítica, synthetica, hermeneutica/ por Diogo de Carvalho e Sampayo, Malta: Off. Typ.

de SAE, 1787. Uma reedicão em fac-símile do Tratado das Cores saiu na Chaves Ferreira em 2001, um mag­

nífico livro, mas caro e difícil de encontrar.

- Dissertação sobre as cores primitivas: com um breve tratado da composição artificial das cores por Diogo de Carvalho e Sampaio, Lisboa, Regia Officina Typo­

grafica, 1788.

- Memoria sobre a formação natural das cores por Diogo de Carvalho e Sampayo. Madrid: Na Officina Typogra­

phica da viuva de !barra, 1791.

Um estudo recente com transcrição dos livros antigos Dis­sertação e Memória é: O Sistema das Cores de Diogo de Car­valho e Sampayo; introdução e coordenação de Rui Graça

Feijó, Porto Editora, 2008. A teoria das cores de Goethe encon­

tra-se publicada em português do Brasil em Doutrina das Cores (tradução da parte didáctica da Farbenlehre por Marcos

Giannotti), Nova Alexandria, 1993. O estudo atrás mencionado

de Rui G. Feijó traduz a citação de Goethe sobre Sampayo.

O maior erro de Einstein

A história da radioactividade pode ler-se em Rómulo de

Carvalho, História da Radioactividade, 3." edição, Atlântida,

Page 264: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

262 OARWI AOS TIROS

1977. Uma biografia de Curie, escrita pela filha Eve Curie:

Madame Curie, Livros do Brasil, sem data. Ver também

Mulheres na Ciência. Lise Meitner. Marie Goeppert Mayer. Marie Curie, organização de A. M. Nunes dos Santos, Maria

Amália Bento e Christopher Auretta, Gradiva, 1991. Frases

famosas, incluindo algumas misóginas, de Albert Einstein en­

contram-se no livro coligido e editado por Alice Calaprice,

The New Quotable Einstein, Princeton University Press, 2005

(saiu uma nova edição em 2010: The Ultimate Quotable Einstein). Sobre as cientistas portuguesas, ver Carlos Fiolhais

e Décio Martins, Breve História da Ciência em Portugal, Gradiva e Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010, e

Carlos Fiolhais, Ciência em Portugal, Fundação Francisco

Manuel dos Santos, 2011.

Prémios Nobel da Física para todos os gostos

A descoberta do núcleo atómico está contada, a nível de

divulgação, no mencionado l ivro de Rómulo de Carvalho sobre a história da radioactividade. Ver também o artigo sobre a

história da física nuclear em Carlos Fiolhais, António Nunes

dos Santos e Rui Pita, Em Torno da Vida e da Obra de Pierre e Marie Curie, Direcção Regional de Educação do Centro, 1992

(difícil de encontrar). A descoberta da supercondutividade está

contada com algum pormenor no artigo de Dirk van Delft e

Peter Kes, <<The discovery of superconductivity», Physics Today, 63, 38 (2010).

As namoradas de Schrõdinger e o significado da vida

O l ivro What is Life? Mind and Matter, de Erwin Schrõ­

dinger tem uma edição em português: O Que é a Vida? Espí­rito e Matéria, Fragmentos, 1989. Uma boa biografia de Schrodinger é Schrodinger: Life and Thought, de Walter John Moore, Cambridge University Press, 1992. Sobre o início da

biologia molecular, muito influenciada pela física e pelos fí-

Page 265: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E R EF ER r_ IAS 263

sicos, ver Michel Morange, A History of Molecular Biology, Harvard University Press, 1998.

O carteiro de Reguengos traz carta de Einstein

Um estudo com vista à preparação de uma tese de doutora­

mento ainda inédito sobre Gião é da autoria do matemático

José Carlos Tiago de Oliveira, a quem o autor agradece muitas

informações úteis. As relações entre Gião e Einstein estão

referidas em Carlos Fiolhais (coordenador), Einstein entre Nós. A Recepção de Einstein em Portugal de 1905 a 1955, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2005, e em Carlos

Fiolhais, Nova Física Divertida, Gradiva, 2007. A casa de

Gião em Reguengos, pertença da Sociedade Portuguesa de

Autores, pode ser visitada sob marcação.

O incrível Hulk

Os filmes referidos são:

- O Incrível Hulk, realizado por Louis Leterrier, 2008,

com Edward Norton no papel de Dr. Bruce Banner/ /Hulk.

- Hulk, realizado por Ang Lee, 2003, com Eric Bana no

papel de Dr. Bruce Banner/Hulk .

Sobre a física dos super-heróis, ver James Kakalios, The Physics of Superheroes, Gothan Books, 2005, e Lois Gresh e

Robert Werimnberg, The Science of Superheroes, com intro­

dução de Dean Koontz, John Wiley and Sons, 2002.

Um físico na prisão de Estaline

Uma biografia de Landau saiu em tradução portuguesa no

Brasil: Landau: o Sábio Que Morreu Quatro Vezes, Edições

Bloch, 1968, da autoria do jornalista russo Alexander Doro­

zynski. A referência ao primeiro volume do seu curso de física

Page 266: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

264 DARWIN A OS TIROS

teórica (edição portuguesa) é L. D. Landau, e E. Lifshitz, Me­cânica, Editora Mir, 1977, mas há vários outros volumes em

várias línguas.

O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta com quem nunca era visto

Para conhecer Rómulo de Carvalho, é fundamental ler as

suas Memórias, um manuscrito que ele deixou inédito e que

foi publicado em 20 1 0 pela Fundação Calouste Gulbenkian.

Ver também o catálogo da exposição que se realizou em Lisboa

Pedra Filosofal. Rómulo de Carvalho. António Gedeão, Museu

de Ciência da Universidade de Lisboa, 2001. Sobre a pedago­

gia de Rómulo de Carvalho, ver Rómulo de Carvalho, Ser Professor (organização e prefácio de Nuno Crato), Gradiva,

2006. Sobre os livros de Rómulo de Carvalho, ver Carlos

Fiolhais, <<Üs Livros que Rómulo de Carvalho nos deixou>>,

in Actas do Encontro Internacional António Gedeão & Rómulo de Carvalho, Novos Poemas para o Homem Novo, Célia Vieira e Isabel Rio Novo (organizadores), Edições ISMAI,

2008, pp. 35-42.

Ver ainda os sítios:

http://purl. pt/12157/1/ (Uma exposição da Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa).

e

http://nautilus.fis.uc.pt/rd (Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, em Coimbra)

A sua poesia completa encontra-se em António Gedeão,

Obra Completa, Relógio d'Água, 2004, com notas introdu­

tórias de Natália Nunes.

O l aser, uma solução à procura de um problema

A história do laser está contada, em língua portuguesa,

por Luís Miguel Bernardo, História da Luz e das Cores,

Page 267: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E R EF ER � CIAS 265

Editora da Universidade do Porto, vol. 3, 2 0 1 0, uma grande

obra sobre a luz, onde há várias referências.

Dinossauros, pirâmides e JFK

O referido artigo sobre os trabalhos de Alvarez é C. G.

Wohl, <<Scientist as detective: Luis Alvarez and the pyramid

burial chambers, the JFK assassination, and the end of the

dinosaurs>>, American]ournal of Physics, 75: 968. O livro em

português do seu filho Walter Alvarez, T. Rex e a Cratera da Destruição, Bizâncio, 2000, encontra-se esgotado. Há nele

referências aos trabalhos originais de Alvarez. O autor, que se

tem interessado pela história dos descobrimentos portugue­

ses, assinou com dedicatória uma cópia na Biblioteca Geral

da Universidade de Coimbra quando a visitou em 2008.

A impunidade do homem invisível

O texto de Platão está no livro A República, 7." edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 1 993. O livro mencionado

de H. G. Wells é A Má quina do Tempo, Europa-América,

2002. A observação de H. G. Wells sobre Portugal consta em

A Year of Prophesying (Fisher Unwin, 1 924), cujo capítulo

25 é dedicado a Portugal: <<Portugal and prosperity: the

blessedness of being a little» . Agradeço a José Mota, professor

jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,

a indicação dessa referência. Os filmes indicados são:

- O Homem Invisível, de James Whale, de 1 933 (um

clássico dos filmes de terror);

- O Incrível Homem Transparente, de Edgar Ulmer, de

1 960; - e O Homem Transparente, de Paul Verhoeven, com

Kevin Bacon e Elisabeth Shue, de 2000.

Page 268: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

266 DARWI AOS TIROS

Os livros de Harry Potter, que também originaram uma

série de filmes, estão publicados em Portugal pela Presença.

Um livro sobre ciência associado a Harry Potter é A Ciência e a Magia em Harry Potter, de Roger Highfield, Magnólia,

2007. O artigo de John Pendry e colaboradores é D. R. Smith

e M. C. K. Wiltshire, <<Metamaterials and Negative Refractive

Index>>, Science 305, 788-792 (2004).

O medo do nuclear

Uma obra em português de divulgação sobre energia nuclear

é Jaime C. Oliveira, O Reactor Nuclear Português: Fonte de Conhecimento, Mirante, 2005. Há muitos sítios na Internet

sobre Fukushima com qualidade bastante desigual. A Wiki­

pédia faz uma descrição geral do que aconteceu, um processo

ainda em evolução à data deste livro:

h ttp :/ /en. wiki pedia. orglwi ki/F uk u shirna_Daiichi_n uclear_d i saster

A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete

Faz falta entre nós uma biografia de José Pinto Peixoto.

O livro internacional da sua autoria é José P. Peixoto e Abra­

ham H. Oort, Physics o( Climate, American Institute of Phy­

sics, 1992. O próprio Prof. Peixoto escreveu uma monografia

sobre a sua terra, Miuzela: A terra e as gentes, edição de

autor, 1996. Os artigos do Prof. Peixoto na Scientific American e La Recherche são <<The control of the water cycle>> , Scientific American, 228 (1973), 46-61 e <<Le cycle de l'eau et le climat»,

La Recherche, 21 (1990), 570-579.

A física do futebol

O livro referido é Ken Bray, How to Score Science and the Beautiful Game, Granta Books, 2006. Não está ainda tradu­

zido em português.

Page 269: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E REFER� CIAS 267

O melhor da existência humana

Este texto foi publicado no jornal Público quando se inau­

gurou o Large Hadron Collider- LHC. O livro de Carlos

Fiolhais Engenho Luso e Outras Histórias, Gradiva, 2009,

contém uma crónica sobre o começo de actividade desse

acelerador de partículas.

Uma bomba sexual

Sobre o explosivo PETN, ver:

h ttp :// pt. wiki pedi a. org/wikiff etra nitra to_ de_pen ta e ri tri na

Sobre Bernard Tollens e a química em Portugal no século xrx, ver Carlos Fiolhais e Décio Martins, Breve História da Ciência em Portugal, Gradiva e Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010.

Do lg Nobel ao Nobel

Ver o sítio da Fundação Nobel:

http://www.nobelprize.org/

E o sítio dos prémios Ig Nobel:

http:/ fim proba ble.com/ig/winners/

Gelo quente é possível, Sr. Dr.

Os dados estatísticos mencionados são retirados da base

de dados Pordata:

http://www.pordata.pt

criada e desenvolvida pela Fundação Francisco Manuel dos

Santos, e podem ser consultados livremente. Foi efectuada

Page 270: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

268 DARWI A O S TIROS

uma simplificação, uma vez que a água tem várias fases sóli­

das a pressões elevadas e não apenas uma.

GUERRA E PAZ NO MUSEU E OUTRAS HISTÓRIAS DE QUÍMICA

Guerra e paz no museu

Ver o catálogo do Museu da Ciência da Universidade de

Coimbra Segredos da Luz e da Matéria, Museu da Ciência da

Universidade de Coimbra, Universidade de Coimbra, 2006 (que inclui o artigo de Carlos Fiolhais e Décio Martins Ruivo,

«As Ciências Exactas e aturais em Coimbra>>, pp. 70-115). Uma crónica sobre o batalhão académico de 2008 encontra­

-se no livro de Carlos Fiolhais Engenho Luso e Outras Cró­nicas, Gradiva, 2009.

O cheiro dos ricos

Ver, sobre o Museu Farina, o livrinho: Markus Eckstein,

Eau de Cologne. Farina 's 300th Anniversary, J. P. Bachem

Verlag, 2009. Ler sobre este assunto dos perfumes e da per­

fumaria o romance de Patrick Süskind O Perfume. História de Um Assassino, Presença, 1986, que originou um filme.

Há muito espaço lá em baixo

Para uma introdução popular à nanotecnologia, ver o livro

Carlos Fiolhais, Nova Física Divertida, Gradiva, 2007. A

famosa lição de Richard Feynman está na Internet em:

http://www.zyvex.com/nanotech/feynman.html

Uma biografia de Feynman é James Gleick, Feynman­A Natureza do Génio, Gradiva, 1993. O livro de Michael

Page 271: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

NOTAS E R EF ERtN CIAS 269

Crichton é Presas, Dom Quixote, 2003. Contém bibliografia

científica, tal como vários outros livros do mesmo autor. Ele­

mentos deste livro foram utilizados no filme O Dia em Que a Terra Parou (2008), de Scott Derrickson.

A ilha dos superpesados

A tabela periódica e em geral a química têm a sua história

contada no livro do químico Jorge Calado Haja Luz!, IST

Press, 2011. Sobre elementos superpesados e a ilha de esta­

bilidade (o assunto pode evoluir), ver:

http://en.wikipedia.org/wikirrransuranium_element http://en. wiki pedia .org/wiki/Island_of_sta bility

O mistério da cebola e o verniz estragado

No seu livro O Sistema Periódico (Gradiva, 1988), Primo

Levi conta várias histórias da sua vida como químico. Os

capítulos têm todos o nome de um elemento químico com o

qual Primo Levi se cruzou. Pelo meio dessas histórias quími­

cas, foi prisioneiro no campo de concentração de Auschwitz­

-Birkenau, e sobre essa experiência escreveu os livros Se isto É Um Homem (Teorema, 2009) e A Trégua (Teorema, 2010),

que são hoje clássicos da literatura contemporânea.

Sabe Deus que isto é vitamina C

Todas as afirmações atribuídas a Albert voo Szent-Gyorgyi

neste texto fazem parte de uma entrevista concedida ao pro­

grama Horizon da BBC, em 1965, que pode ser vista nos

arquivos dessa estação:

http://www.bbc.eo.uk/sn/tvradio/programmes/horizon/ broadband/archive/gyorgyi/

Page 272: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

270 DARWI AOS TIROS

Nos gloriosos dias do DDT

A h istória da descoberta do uso do DDT como insecticida

está contada no livro Eurekas and Euphorias: The Oxford Book of Scientific Anecdotes, da autoria de Walter Gratzer,

editado pela Oxford University Press, 2002. O livro Primavera Silenciosa, da bióloga Rachel Carson, que esteve na origem

da interdição do uso do DDT, foi editado em português no

Brasil em 2010 pela editora Gaia de São Paulo. O título

original inglês é Silent Spring (Houghton Mifflin, 1 962).

Gasolina nas torradas e manteiga no depósito de gasolina

A quantidade de energia libertada pela oxidação de várias

substâncias está listada no livro Química, da autoria de

Raymond Chang, editado pela McGrawHill (5.• ed., 1 994).

Este livro é usado nos primeiros anos de cursos universitários de ciências, em cadeiras introdutórias de Química.

«Ó MAR SALGADO, QUANTO DO TEU SAL...>> E OUTRAS HISTÓRIAS DE GEOLOGIA

<<Ó mar salgado, quanto do teu sal...>>

O livro de poemas de Fernando Pessoa Mensagem é muito

fácil de encontrar (existem edições da Assírio & Alvim e da Im­

prensa Nacional- Casa da Moeda). Na Internet, ver o original:

http://purl.pt/1 3966 (Biblioteca Nacional Digital)

Pânico no clima europeu

O livro recomendado no texto é: Terra. Acontecimentos que mudaram o mundo, de Richard Hamblyn, Bertrand, 2010 .

Sobre o fenómeno do vulcanismo, ver Histórias d e Vulcões

Page 273: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

NOTAS E REFER� CIAS 271

do vulcanologista francês Haroun Tazieff, Estampa, 1972. E sobre o vulcão E. :

http://en. wikipedia.org/wiki/Eyjafjallaj% C3% B6kull

O temor da terra

Sobre tremores de terra, ver Haroun Tazieff, Quando a Terra Treme, Estampa, 1971, e Claude Allegre, As Fúrias da Terra, Relógio d'Água, 1993. Sobre o terramoto de Lisboa,

sobre o qual há uma imensa literatura, um bom resumo é Rui

Tavares, Pequeno Livro do Grande Terramoto, Tinta da

China, 2005. A lista dos maiores terramotos está em:

http://en. wiki pedia .org/wi ki/Lists_of_earthquakes

Para a poesia de António Gedeão, ver o volume da sua

poesia completa atrás mencionado.

A MIRABOLANTE FLORA DO DESERTO E OUTRAS HISTÓRIAS DE BIOLOGIA

A mirabolante flora do deserto

Ver o livro Missão Botânica- Angola (1927-1937), Helena Freitas, Paulo Amaral, Alexandre Ramires, Fátima

Sales (coordenadores), Imprensa da Universidade de Coimbra,

2005. O poema transcrito está no livro Herbário de Jorge

Sousa Braga, com ilustrações de Cristina Valadas, Assírio &

Alvim, 1999.

Darwin e o seu amigo açoriano

Uma biografia de Darwin é a de Janet Browne atrás men­

cionada. A história de Francisco de Arruda Furtado está no

Page 274: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

272 DARWIN AOS TIROS

livro de Carlos Fiolhais e Décio Martins, Breve História da Ciência em Portugal, Gradiva e Imprensa da Universidade de

Coimbra, 2010. A correspondência científica de Arruda Fur­

tado está publicada pelo governo dos Açores: Correspondên­cia Científica de Arruda Furtado. Introdução, levantamento

e estudo de Luís M. Arruda, Instituto Cultural de Ponta

Delgada, 2002. Encontra-se online em:

www.iac-azores.org/ .. ./arruda-furtado/Correspondencia­Cientifica-AF. pdf

Ver também o prefácio de Carlos Fiolhais à peça de teatro

de Paulo Trincão, O Português Que se Correspondeu com Darwin, Gradiva, 2009. Uma obra essencial sobre Darwin e

Portugal é Ana Leonor Pereira, Darwin em Portugal, Almedina, 2001.

A origem da espécie

Sobre o entomologista britânico, ver:

http://en. wikipedia.org/wiki/Max_Barcla y

A história relatada foi contada na imprensa, por exemplo,

em:

http://www. time.com/time/hea lth/article/0, 85 9 9,18229 36,00 .html

África nossa

O artigo original é Tishkoff et al. (2009), «The genetic

structure and history of Africans and African Americans>> .

Science, 324: 1035-1 044. Sobre as origens do homem, um

bom resumo é Eugénia Cunha, Como nos Tornámos Humanos, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010. O filme de Sydney Pollack é A(rica Minha, 1985, com Meryl Streep e Robert

Page 275: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E REFERtNCIAS 273

Bedford. Baseia-se na obra de Karen Blixen com o mesmo

título reeditada em Portugal em 201 1 pelo Clube de Autor.

Darwin aos tiros

Janet Browne é a autora da excelente biografia de Charles

Darwin com o título A Origem das Espécies de Charles Darwin editada pela Gradiva em 2008, uma leitura vivamente

recomendada. O livro A Viagem do Beagle, editado pela Reló­

gio d'Água em 2009, é uma compilação de textos dos diários

da viagem que Darwin fez durante cinco anos à volta do

mundo a bordo de um minúsculo navio, acontecimento deter­

minante na sua vida e pensamento.

A origem da vida: não tente isto em casa

A história de todos os acontecimentos químicos que con­

duziram ao surgimento da vida está muito bem contada no

livro Introdução à Química da Vida, da autoria de João José

Fraústo da Silva, editado pela Universidade Nova de Lisboa

em 1 985. Infelizmente, é muito difícil conseguir um exemplar

por estar esgotado.

Previsões só no fim do jogo: selecção natural irrelevante

A Origem das Espécies, obra magistral de Charles Darwin,

foi reeditada em Portugal pela Europa-América em 2005 (há

edições mais recentes, da Verbo e da Guimarães). É um clás­

sico, que mudou o pensamento humano e desempenhou um

papel histórico extraordinário. O livro Evolução- História e Argumentos, editado pela Esfera do Caos em 2008, como

o título indica é uma excelente compilação de textos sobre os

vários conceitos actuais da evolução. Darwin ainda não sabia

tudo sobre evolução, nem nós sabemos, claro! Entre os vários autores, encontram-se Charles Darwin, Alfred Wallace, Theo-

Page 276: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

274 DARWI AOS TIROS

dosius Dobzhansky, a par com cientistas portugueses contem­

porâneos. A famosa afirmação de Dobzhansky é o título do

artigo << Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light

of Evolution>> , publicado em 1973 na revista The American Biology Teacher, volume 35 (Março), pp. 125-129.

Bullying eterno

Toda a obra de Charles Darwin pode ser lida gratuita­

mente no sítio:

http://darwin-online.org.uk/

Darwin teve uma produção científica extraordinária que

pode aqui ser consultada, assim como a sua vasta correspon­

dência, diários e notas pessoais.

Prémio Nobel para os brócolos

Uma transcrição do discurso de Ada E. Yonath no ban­

quete nobel pode ser lida em:

http://nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/ 2009/yonath-speech.html

Geração nada espontânea e o herói dos pacotes de leite

Sobre Pasteur, ver Gerald Geison, A Ciência Particular de Louis Pasteur, Contraponto, 2002.

Alguns dos frascos originais, com gargalo em colo de cisne,

permanecem estéreis até hoje e podem ser apreciados no

Museu Pasteur, em Paris.

A festa dos macacos e a base genética da alma

Foi publicado em 2004, no ]ournal of Experimental Zoo­logy, um artigo do biólogo Frank H. Ruddle da Universidade

Page 277: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

NOTA S E R EF ER fõN ClA S 275

de Yale com o título <<Theophilus painter: First steps toward

an understanding of the human genome ». Neste artigo encon­

tra-se uma interessante discussão acerca das razões que terão

levado o zoólogo Theophilus Painter a sobrestimar o número

de cromossomas humanos em 1 924. Está disponível gratuita­

mente na biblioteca online da editora Wiley:

http://on li neli brary. wiley.com/doi/1 O .1 002/jez.a .20072/pdf

A mensagem do papa João Paulo II à Pontifícia Academia

de Ciências em 1 996 também está disponível a partir do sítio

do Vaticano:

http://www. vatican. v a/

<<Obrigado, alforreca», diz o coelhinho fluorescente

No sítio do artista Eduardo Kac existe uma galeria com

várias imagens acerca do projecto «coelhinho GFP>>:

http://www.ekac.org/gfpbunny.html

Os homens são todos iguais

O livro Genoma: Autobiografia de Uma Espécie em 23 Capítulos, da autoria de Matt Ridley, editado pela Gradiva

em 200 1 , percorre os 23 cromossomas humanos partindo da

sequência do genoma humano, recentemente disponível. Para

um relato empolgante de um dos protagonistas, acerca do

projecto de sequenciação do genoma humano (que foi uma

corrida .entre dois consórcios concorrentes), recomenda-se The Common Thread: A Story of Science, Politics, Ethics and the Human Genome, da autoria de Jonh Sulston e Georgina Ferry,

editado pela Bantam Press em 2002. Acerca dos mecanismos

de selecção sexual em várias espécies, foi editado em Portugal pela Quetzal em 2006 a divertida obra Consultório Sexual da Dr.• Tatiana para Toda a Criação, da autoria da bióloga

Olivia Judson.

Page 278: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

276 D A RW I AOS TIR O S

A FABRICA DO CORPO HUMANO E OUTRAS HISTÓRIAS DE MEDICINA

A Fábrica do Corpo Humano

O livro original de Vesálio (do qual só parece haver um em

Portugal, na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra) é:

- Andreae Vesalii Bruxellensis, Scholae Medicorum Pata­

vinae Professoris, De humani corporis fabrica libri septem. Basileae, ex officina Ioannis Oporini, 1 543.

Existe cópia desse livro na Internet, no sítio de livros an­

tigos da Universidade de Coimbra:

http://almamater.uc.pt/ wra pper.asp ?t= [ Andreae+ Vesalii + Bruxellensis %2C+Scholae+

Medico rum+ Patavina e+ Professoris% 2 C+ De+ h uma ni +corporis+ fabrica+libri+septem]&d=http%3A %2F%2Fbdigital.sib.uc.pt%

2Fmanuscritos%2FUCBG-4A-21-14-1 %2Fgloballtems.html

Sobre a vida e a obra de Vesálio ver, por exemplo, John

Gribbin, História da Ciência: De 1543 ao Presente, Europa­

-América, 2005. Sobre a iconografia da anatomia humana,

ver Human Anatomy. Depicting the Body from the Renais­sance to Today, de Benjamin A. Rifkin, Michael]. Ackerman

e Judith Folkenberg, Thames and Hudson, 2006.

Um judeu errante

A obra maior de Amato Lusitano está reeditada em Centú­rias de Curas Medicinais, Vols. I e II, Prefácio e tradução de

Firmino Crespo, Centro Editor Livreiro da Ordem dos Médi­

cos, 2010. A obra maior de Garcia da Orta é Colóquios dos Simples e Drogas da fndia (publicada originalmente em Goa

em 1 563, reeditada no século XIX com direcção e notas por

Page 279: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

NOTAS E REFERt CIAS 277

Conde de Ficalho, 2 vols. Academia Real das Ciências de Lis­

boa/Imprensa Nacional, 1 89 1 -1 895). Sobre Amato e Orta,

ver A. ]. Andrade de Gouveia, Garcia d 'Orta e Amato Lusi ­tano na Ciência do seu Tempo, ICALP, Colecção Biblioteca

Breve, Volume 1 02, 1 985. Este documento está disponível no

sítio do Instituto Camões:

http:/ leve. i nsti tuto-camoes. pt/component/docma n/ doc_details.html ?a ut= 1 65

Sexo e violência em Egas Moniz

Uma biografia bastante completa sobre Egas Moniz é João

Lobo Antunes, Egas Moniz. Uma Biografia, Gradiva, 20 1 0.

Nela se encontram muitas outras referências sobre o nosso único Prémio Nobel na área das ciências. A tese de Egas

Moniz é A Vida Sexual (Fisiologia), 1 .• ed., Coimbra 1 90 1 ,

A Vida Sexual (Patologia}, 1 ." ed., Coimbra 1 901 , livros reunidos,

com consideráveis alterações em alguns capítulos, em A Vida Sexual (Fisiologia e Patologia), 3." ed., Lisboa, 1 9 1 3. O livro

sobre Júlio Dinis é Júlio Dinis e a Sua Obra, 1 924. O ensaio

<<A folia e a dor na obra de José Malhoa» saiu na revista Seara Nova, em 1 955. A história de Mário de Sá-Carneiro está contada

em Acta Médica Portuguesa, 200 1 ; 1 4: 33-42, <<Da medicina e das belas letras, Mário de Sá-Carneiro, o poeta, ele e o outro>> ,

de E. Macieira Coelho (há cópia online ). O poema citado en­

contra-se em Poemas Completos, de Mário de Sá-Carneiro,

Assírio & Alvim, 2001 .

A matança dos porcos

Sobre a impropriamente chamada <<gripe suína>>, ver:

http://en.wikipedia.org/wiki/Swine_influenza

O médico virologista português João Vasconcelos Costa

publicou na Internet uma série de artigos sobre a gripe:

http://jvcosta.net/gripe.html

Page 280: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

278 DARWI AOS TIROS

Bactérias assassinas

Ver sobre a recente infecção provocada pela E. coli:

http:/ /en. wi ki pedia.org/wiki/20 11_E._coli_ O 1 04:H 4 _ou tbreak

A imortal Henrietta

O livro mencionado é Rebekka Skloot, A Vida Imortal de Henrietta Lacks, Casa das Letras, 20 1 1.

Presos nas entranhas da Terra

Sobre o acidente dos mineiros chilenos no deserto de

Atacama, ver:

http://en. wikipedia.org/wiki/201 O_ Copiap% C3 %B3_ mining_accident

O explorador francês Michel Siffre é o autor do livro

A Margem do Tempo, Europa-América, 1965.

O CULTO DA CARGA E OUTRAS HISTÓRIAS DE PSEUDOCI�NCIA

Em geral, acerca de assuntos de pseudociência, recomen­

dam-se dois excelentes livros com tradução portuguesa:

- Robert Park, Ciência ou Vodu, Bizâncio, 2002 ; - Ben Goldacre, Ci ência da Treta, Bizâncio, 2009.

O culto da carga

O culto da carga está referido no livro de Richard Feynman,

« Está a Brincar. Sr. Feynman!», Gradiva, 1988. A fusão fria está tratada em Too Hot to Handle: The Race for Cold Fusion, de Frank Close, Princeton University Press, 199 1.

Page 281: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

OTAS E REFERtNCIAS 279

Magos e sábios

Sobre a variada mitologia associada aos três Reis Magos,

ver:

http://en.wikipedia.org/wiki/Biblical_Magi

Um artigo de divulgação sobre a estrela de Belém é:

h ttp://www.astrosurf.com/apaa/revista 16. pdf

Comunicação extra-sensorial?

O artigo controverso está em D.]. Bem (20 1 1 ), << Feeling

the Future: Experimental evidence for anomalous retroactive

influences on cognition and a ffect>> , ]ournal of Perso nality and So cial Psycho logy, 1 00, 407-425. Pode consultar-se online, na página do autor.

A autobiografia emocionante de uma molécula de água

O artigo publicado a 30 de Junho de 1 98 8 na Nature (vol. 333, pp. 8 1 6 a 8 1 8), que aparentemente validava a ideia

da existência de uma memória da água, tem o título << Human

basophil degranulation triggered by very dilute antiserum

against IgE >> . O « desmentido>> ( Nature, 334, 287-290) desse

primeiro artigo foi publicado apenas um mês depois com o

título sugestivo << High-dilution experiments a delusion >> . Em

1 993 foi publicado ainda outro artigo (Nature, 366, 525-

-527), com o não menos elucidativo título <<Human basophil

degranulation is not triggered by very dilute antiserum against

human IgE>> . Encontre as diferenças para o artigo de 1 9 8 8 . . .

Infelizmente, todos estes artigos são de acesso pago. Mas os

títulos são suficientemente elucidativos.

Page 282: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal
Page 283: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

Fig. 1 Fig. 2

Fig. 3

Fig. 4

Fig. 5 Fig. 6

Fig. 7

Fig. 8 Fig. 9

Fig. 1 0

Fig. 1 1

Fig. 1 2

Fig. 1 3

Fig. 1 4

Fig, 1 5 Fig. 1 6

C r é d i t o s d a s f i g u r a s

Museu Nacional de Machado de Castro, Coimbra

http ://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/ 1 / 1 7Nitruvian.jpg

h ttp://en. wiki pedia. org/wiki/File:Mandelset_hires. png

http://www.sil.si.edu/DigitalCollections/HST/Brahe/ sil4-3- 1 2a.htm

http://archimedespa limpsest.org

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

Fotografia de Ana Carvalhas

Artista: John Byrne http://www.comicartfans.com/

GalleryPiece.asp?Piece=8020 1 1 &GSub= 1 1 9659 http://no .wikipedia.org/wiki/Fil : Graphene_xyz.jpg

Diagrama de fases da água simplificado. Adaptado

de http ://www.lsbu.ac. uk/water/phase.html

Museu da Ciência da Universidade de Coimbra

Fotografia de Ozan Dani�man http://www.panora

mio.corn/photo/2346686

http://www.jinr.rulsection.asp?sd_id= 1 03&language=

eng (adaptado) http://chewtychem.wiki.hci.edu.sg/lonic+Bonding Fonte indicada na legenda

Page 284: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

282 DARWI AOS TIROS

Fig. 1 7 Montagem de David Marçal

Fig. 1 8 David Marçal

Fig. 1 9 Fonte indicada na legenda

Fig. 20 http://www.princeton.edu/-his2 9 1 Nesalius.html

Fig. 2 1 Fotografia de Tom Harvey http://www.bnl.gov/bnlweb/

pubaf/prlphotos/2005/feynman-300.jpg

Page 285: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

CIÊNCIA ABERrA

I. O JOGO DOS POSSfvEIS 24. SUPERFORÇA 46. MA rtRJA PENSANTE François Jacob Paul Davies Jean-Pierre Changeux/Aiain Cannes

2. UM POUCO MAIS DE AZUL 25. QED - A ESTRANHA TEORJA 47. A NATUREZA REENCONTRADA H. Reeves DA LUZ E DA MArtRJA Jean-Marie Pelt

Richard P. Feynman 48. O CAMINHO QUE NENHUM 3. o ASCIMENTO DO HOMEM

Roben Clarke 26. A ESPUMA DA TERRA HOMEM TRILHOU Claude Allêgre Carl Sagan/Richard Turco

4. A PRODIGIOSA A VENTURA BREVE HISTÓRJA DO TEMPO DAS PLANTAS 27. 49. O SORRJSO DO FLAMINGO

Jean-Marie Pelt/Jean-Pierre Cuny Stephen W. Hawking Stephen Jay Gould

5. COSMOS 28. O JOGO 50. EM BUSCA DA UNIFICAÇÃO

Carl Sagan Manfrcd Eigen/Rulhild Winkler Abdus Saiam/Paul Dirad

29. EINSTEIN TINHA RAZÃO? IWemer Heisenberg

6. A MEDUSA E O CARACOL Lewis Thomas Clifford M. Will 5 1 . OBJECTOS FRACT AIS

30. PARA UMA NOVA CIÊNCIA Benoit MandelbrOl

7. O MACACO, A ÁFRICA Steven Rose/Lisa Appignanesi 52. A QUARTA DIMENSÃO E O HOMEM Yves Coppens 3 1 . A MÃO ESQUERDA

Rudy Rucker

8. OS DRAGÕES DO ÉDEN DA CRJAÇÃO 53. DEUS JOGA AOS DADOS?

Carl Sagan John D. Barrow/Joseph Silk Ian Stewart

32. O GENE EGOISTA 54. OS PRÓXIMOS CEM ANOS 9. UM MUNDO IMAGINADO Richard Oawk.ins Jonathan Weiner

June Goodfield 33. HISTÓRJA CO CISA 55. IDEIAS E INFORMAÇÃO

10. O CÓDIGO CÓSMICO DAS MATEMÁTICAS Arno Pen:l.ias Heínz R. Pagels Dirk J. Struik

56. UMA NOVA CONCEPÇÃO l i . Clfu<CIA: CURJOSIDADE 34. Clfu<CIA, ORDEM DA TERRA

E MALDIÇÃO E CRJA TI VIDA DE Seiya Uyeda Jorge Dias de Deus David Bohm!F. David Peat

57. HOMENS E ROBOTS 12. O POLEGAR DO PA DA 35. O QUE É UMA LEI FISICA Hans Moravec

Slephen Jay Gould Richard P. Feynman 58. A MATEMÁTICA

13. A HORA DO DESLUMBRAMENTO 36. QUANDO AS GALINHAS E O IMPREVISTO H. Reeves TIVEREM DENTES I v ar Ekeland

Stephen Jay Gould SUBTIL É O SENHOR 14. A NOVA ALIANÇA 59.

Uya Prigoginc/IsabeJJe Stengers 37. •NEM SEMPRE A BRINCAR, Abraham Pais SR. FEYNMAN!•

15. PONTES PARA O INFINITO Richard P. Feynman 60. FLA TLA D - O P AJS PLANO Michael Guillcn

38. CAOS - A CONSTRUÇÃO Edwin A. Abbott

16. O FOGO DE PROMETEU DE UMA ovA crfu<cJA 6 1 . FEYNMAN -A NATUREZA Charles Lumsden/Edward James Glcick DO GÉNlO

O. Wilson James Gleick 39. SIMETRIA PERFEITA

17. O C�REBRO DE BROCA Hcinz R. Pagels 62. COMIDA INTELIGENTE

Carl Sagan Jean-Marie Bourre 40. ENTRE O TEMPO

18. ORJGENS E A ETERNIDADE 63. O FIM DA F!SICA

Robert Shapiro llya Prigoginc/Isabelle Stengers Stephen Hawking

19. A DUPLA HÉLICE 41. OS SONHOS DA RAZÃO 64. UNIVERSO, COMPUTADORES

James Watson Heinz R. Pagcls E TUDO O RESTO Carlos Fiolhais

OS � PRJMEIROS MINUTOS 42. VIAGEM ÀS ESTRELAS

20. Robert Jastrow 65. OS HOME S Sleven Weinberg Andrt Langaney

43. MALICORNE 21. •ESTÁ A BRINCAR, SR. FEYNMAN!• Hubert Reeves 66. OS PROBLEMAS DA BIOLOGIA

Richard P. Feynman John Maynard Smith 44. INFINITO EM TODAS

22. OS BASTIDORES DA CIÊNCIA AS DIRECÇÕES 67. A CRIAÇÃO DO U I VERSO Sebastião J. Formo inho Freeman J. Dyson Fang Li Zhi/Li Shu Xi:m

23. VIDA 45. O ÁTOMO ASSOMBRADO 68. A MÁQUINA MÁGICA Francis Crick P. C. W. Davies/J. R. Brown A. K. Dewdney

Page 286: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

69. O MELHOR DE FEYNMAN 91 . O RATINHO, A MOSCA 1 13. O MIST�RIO DO BILHETE Organização de Laurie M. Brown E O HOMEM DE IDENTIDADE E OUTRAS e John S. Rigden François Jacob HISTÓRIAS

70. ÚLTIMAS NOTICIAS 92. O ÚLTIMO TEOREMA Jorge Buescu

DO COSMOS DE FERMAT ! !4. E = MC' Hubcn Recves Amir D. Aczel David Bodanis

7 1 . A VIDA É BELA 93. A MENTE VIRTUAL 1 15. AS LIGAÇÕES CÓSMICAS Stephen lay Gould Roger Penrosc Carl Sagan

72. OS PROBLEMAS 94. SOBRE O FERRO 1 16. O DISCURSO PÓS-MODERNO DA MATEMÁTICA OS ESPINAFRES CONTRA A CWCIA lan Stewart Jean-François Bouvet (org.) António Manuel Baptista

73. POEIRAS DE ESTRELAS 95. BlLIÕES E BILIÕES 1 17. O NOSSO HABITAT CÓSMICO Hubert Reeves Carl Sagan Martin Rces

74. A PALAVRA DAS COISAS 96. CINCO EQUAÇÕES 1 18. OS G�!OS DA CIÍNCIA Pierre Las;clo QUE MUDARAM O MUNDO Abraham Pais

Michael Guillen 75. A EXPERJ�CIA MATEMÁTICA

A CIÍNCIA NO GRANDE 1 19. NOVE IDEIAS MALUCAS

Philip J. Davis/Reuben Hersh 97. EM CIÍNCIA TEATRO DO MUNDO Robert Ehrlich

76. EINSTEIN VIVEU AQUI António Manuel Baptista Abraham Pais 120. A COISA MAIS PRECIOSA

98. CO CErTOS FUNDAMENTAIS QUE TEMOS 77. SOMBRAS DE ANTEPASSADOS DA MATEMÁTICA Carlos Fiolhais

ESQUECIDOS Bento de Jesus Caraça Carl Sagan/Ann Druyan 121. FEIT!CEIROS E CIENTISTAS

99. O MUNDO DENTRO Georges Charpak/Henri Broch 78. O PRIMEIRO SEGUNDO DO MUNDO

Huben Reeves John D. Barrow 122. A ESPÉCIE DAS ORIGENS

A CULTURA CIENTIFICA António Amorim

79. A COMUNIDADE VIRTUAL 100. Howard Rheingold E OS SEUS INIMIGOS 123. COMO CONSTRUIR UMA

O LEGADO DE EINSTEIN MÁQUINA DO TEMPO 80. UM MODO DE SER Gerald Holton Paul Davie

Jo!lo Lobo Antunes 101. VIAGENS NO ESPAÇO-TEMPO 124. O GRANDE, O PEQUENO

81 . SO HOS DE UMA TEORIA FINAL Jorge Dias de Deus E A MENTE HUMANA Steven Weioberg

102. IMPOSTURAS INTELECTUAIS Roger Penrose

82. A MAIS BELA HISTÓRIA Alan SokaVJean Bricmont 125. COMO RESOLVER PROBLEMAS DO MUNDO G. Polya Hubert Reeves/Joel de Rosnay/ 103. O ESTRANHO CASO DO GATO /Yves Coppens/Dominique Simonnet DA SR.' HUDSON 126. DA FALSIFICAÇÁO DE EUROS

Colin Bruce AOS PEQUENOS MUNDOS 83. O SÉCULO DOS QUANTA Jorge Buescu

João Varela 104. AVES, MARA V!LHOSAS AVES Hubert Reeves 127. MAIS RÁPIDO QUE A LUZ

84. O FIM DAS CERTEZAS O HOMEM QUE SÓ GOSTAVA João Magueijo

llya Prigogine 105. DE NÚMEROS 128. O SIGNIFICADO

85. A PRIMEIRA IDADE Paul Hoffman DA RELATIVIDADE DA C!�NC!A

106. DECOMPONDO O ARCO-(RJS AJbert Einstein António Manuel Baptista

Richard Dawltins 129. FRONTEIRAS DA CIÍNC!A 86. O QUARK E O JAGUAR

107. FULL HOUSE Rui Fausto, Carlos Fiolhai.s, Murray Geii·Mann

Stephen lay Gould João Queiró (coords.)

87. A DIVERSIDADE DA VIDA 108. O UNIVERSO ELEGANTE 130. DA CRITICA DA CIÍNCIA

Edward O. Wilson Brian Greene À NEGAÇÃO DA CIÍNCIA

88. A LIÇÃO ESQUECIDA Jorge Dias de Deus

109. GÕDEL, ESCHER, BACH DE FEYNMAN Douglas R. Hofstadter 131 . CONVERSAS COM

David L. Goodsteinlludith UM MATEMÁTICO R. Goodstein 1 10. O S!G !FICADO DE TUDO Gregory J . Chaitin

89. ORDEM OCULTA Richard P. Feynman

132. Y: A DESCEND�CIA John H. Hollaod I I I . GllNOMA DO llOMllM

90. UM MUNDO INFESTADO Mau Ridley Steve Jones

DE DEMÓNIOS 1 12. ZERO 133. CRITICA DA RAZÁO AUSENTE Carl Sagan Charles Seife António Manuel Baptista

Page 287: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

134. TEIAS MATEMÁTICAS 153. PORQUE É QUE O GANSO 171 . A QUÍMICA INORGÁNJCA Maria Paula S. Oliveira (coord.) ÁO É OBESO DO CÉREBRO

135. A RAINHA DE COPAS Eric P. Widmaier J. J. R. Fra!lsto da Silva

Mau Ridley 154. O ACASO e Jcsi Armando L. da Silva

136. COMO RESPIRAM Joaquim Marques de Sá 172. O UNIVERSO ELÉCTRJCO

OS ASTRONAUTAS 155. A AGONIA DA TERRA David Bodanis

Manuel Paiva Hubert Reeves e Ftidéric Lenoir 173. OS PROBLEMAS DO MILÉNIO

137. O CÓDIGO SECRETO 156. AS ORIGENS DA VIDA Keilh Devlin

Margarida Tela da Gama (coord.) John Maynard Smith e Eõrs 174. MATEMÁTICA

13 . OS RELÓGIOS DE EINSTEIN Szathmáry Timothy Gowers

E OS MAPAS DE POINCARÉ 157. A VINGANÇA DE GAIA 175. A ORiGEM DAS ESP[C/ES, Peter Galison James Lovelock DE CHARLES DARWIN

139. O COSMOS DE El STEIN Janet Browne !58. O RELOJOEIRO CEGO

Michio Kaku Richard Oawkins 176. A EVOLUÇÃO PARA TODOS

140. O ANNUS MIRABIWS 159. O COLAR DO NEANDERTAL David Sloan Wilson

DE EINSTEl Juan Luis Arsuaga 177. l COMPLETUDE John Stachel Rebecca Goldstcin

DESPERTAR PARA A CIÊNCIA 160. O FIM DO MUNDO ESTÁ

141. PRÓXIMO? 178. MUTANTES T. Lago, A. Coutinho, /. Calado, Jorge Buescu Armand Marie Leroi C. Fiolhais, F. Barriga, l. Buescu,

O PATRIMÓ 10 GENÉTICO A. Quintanilha, C. Fonseca, 161. O DEDO DE GALILEU 179.

C. Salema, J . L. Antunes e Peter Atkin.s PORTUGuB l. Caraça

162. LA VO!SIER NO ANO UM Lufsa Pereira e Filipa M. Ribeiro

142. EINSTEIN ... ALBERT EINSTEIN Madison Smant Bell 180. O JACKPOT CÓSMICO Jorge Dias de Deus e Teresa Pei\a GRANDES QUESTÕES

Paul Davies 163.

143. UM POUCO DE C!ÉNC!A CIENTÍFICAS 181 . A !MPORTÁNCIA DE SER PARA TODOS Harriet Swain (org.) ELECTRÃO Claude All�gre 164. A CRIAÇÃO

loS<! Lopes da Silva e Palmira Ferreira da Silva

144. O GÉNIO DA GARRAFA Edward O. Wilson Joe Schwarcz 182. MORTE POR BURACO NEGRO

165. QUE FUTURO? Neil deGrasse Tyson 145. CURIOSIDADE APAIXO ADA Filipe Duarte Santo

Carlos Fiolhais PASSEIO ALEATÓRIO

183. BIG BANG 166. Simon Singh

146. O LIVRO DAS ESCOLHAS Nuno Crato CÓSMICAS DESPERTAR PARA A CltNC!A

1 84. TUDO É RELATIVO Orfeu Bertolami 167. Tony Rolhman

A. Castro Caldas, R. Agostinho, 147. FLATTERLAND - O PAIS AINDA M. Barbosa, l. Ferrão, . Crato, 185 . JÁ NÃO TEREI TEMPO

MAIS PLANO A. Hespanha. A. Damásio. I. Ribeiro, Hubert Reeves lan Stewart P. Almeida, A. Barroso. F. O. Santos.

186. A TEORIA DE TUDO 148. A IDADE NÃO PERDOA?

M. S. Simões, O. Pestana, Stephen W. Hawking R. V. Mendes, M. N. da Ponte,

Luis Bigoue de Almeida M. C. Pereira, A. M. Eir6 187. O CÉREBRO DO MATEMÁTICO 149. TEMPO E C!fl CIA

168. CRÓNICAS DOS ÁTOMOS David Ruelle

Rui Fausto e Rita Mamoto (coords.) E DAS GALÁXIAS 188. O GRA DE DESfGNIO 150. O TECIDO DO COSMOS Hubert Rceves Stephen W. Hawking

Brian Greene 169. UM UNIVERSO DIFERENTE

e Leonard Mlodinow

1 5 1 . O PRAZER D A DESCOBERTA Robert 8. Laughlin 189. O GRANDE INQUISIDOR Richard P. Feynman

170. A CO JECTURA João Magueijo

152. DESCOBRIR O UNIVERSO DE POINCARÉ 190. DARWIN AOS TIROS Teresa Lago (coord.) George G. Szpiro Carlos Fiolbais e David Marçal

Page 288: Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal

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